linguagem e a formaÇÃo do educador para o letramento · portuguesa e a proposta curricular do...

12

Upload: lyminh

Post on 22-Dec-2018

212 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

LINGUAGEM E A FORMAÇÃO DO EDUCADOR PARA O LETRAMENTO

GOMES, Elayne Teodoro Ribeiro (SEED/PDE/FECILCAM), [email protected] FERREIRA, Helena Izaura (OR)

RESUMO: Este artigo apresenta uma reflexão sobre a proposta metodológica para a área do ensino de linguagem que possa subsidiar os discentes do Curso de Formação de Docentes em Nível Médio, visto que estes futuros professores atuarão com crianças na fase da aquisição da leitura e da escrita e devem dar o enfoque ao estudo da linguagem como articuladora das áreas do conhecimento. Para tanto, foi necessário propor discussões e reflexões acerca dos conceitos do ensino de linguagem, dar ênfase ao processo de aquisição da linguagem verbal (oral e escrita), intrínseca ao processo de letramento, caracterizando a linguagem não-verbal e suas implicações no ensino, bem como possibilitar a compreensão das concepções de letramento/alfabetização. Todas as reflexões fundamentaram-se teoricamente em Bakhtin, por meio dos estudos de Soares, Kleiman, Rojo, Smolka, bem como as Diretrizes Curriculares da Educação Básica – Língua Portuguesa e a Proposta Curricular do Curso de Formação de Docentes da SEED/PR, que deram suporte à execução do Projeto de Intervenção Pedagógica aplicado em um Colégio de Ubiratã, e do Grupo de Trabalho em Rede (GTR), com atividades integrantes do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE).

Palavras-chave: Linguagem. Alfabetização. Letramento.

1 INTRODUÇÃO

O objetivo deste artigo é apresentar a reflexão sobre uma proposta metodológica

para a área do ensino de linguagem que possa subsidiar futuros professores que atuarão

com crianças na fase da aquisição da leitura e da escrita e que terão como um dos grandes

desafios, o entendimento do processo de ensino/aprendizagem no que se refere à

concepção de como educar crianças de zero a cinco anos nos Centros de Educação Infantil

e, principalmente, como LETRAR ALFABETIZANDO crianças dos anos iniciais do Ensino

Fundamental.

Neste contexto, é imprescindível que o educando do Curso de Formação de

Docentes esteja preparado para a compreensão do ler e escrever na concepção histórico-

cultural da linguagem e do letramento, pois a concepção de linguagem foi tida por muito

tempo como conceito de língua portuguesa, desconsiderando o sujeito e seu contexto.

Estudos revelam que a concepção de linguagem deve ser trabalhada como fenômeno social

e a escola tem como papel promover o letramento do aluno, ou seja, ir além da

alfabetização como atividade mecânica.

Trata-se então de registrar neste artigo o processo de trabalho realizado no Projeto

de Intervenção Pedagógica, ressaltando a metodologia, a dinâmica dos trabalhos e os

resultados observados junto aos alunos do 4º ano do Curso de Formação de Docentes do

Colégio Estadual Carlos Gomes de Ubiratã nosso público alvo e também ressaltar as

contribuições teóricas e práticas dos professores pedagogos que participaram do Grupo de

Trabalho em Rede.

2 LINGUAGEM E A FORMAÇÃO DO EDUCADOR PARA O LETRAMENTO

Estamos vivendo um momento de grandes informações por meio das tecnologias e

ao mesmo tempo nos deparamos com grandes índices de analfabetismo funcional,

denominação dada à pessoa que tem capacidade de decodificar reduzidamente as letras,

frases, sentenças, textos curtos e os números, mas não desenvolve a compreensão de

textos e a habilidade de fazer operações matemáticas.

Esta pesquisa dá enfoque ao estudo da linguagem enquanto articuladora das áreas

do conhecimento, pois a linguagem, tanto oral quanto escrita, apresenta particularidades na

qual ocorreram, nos últimos anos, profundas mudanças na decorrência de novos conceitos.

Essas mudanças provocaram uma série de transformações também no campo da formação

dos educadores que precisam ser preparados para uma “nova” forma de ensinar.

O Curso de Formação de Docentes da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino

Fundamental, em Nível Médio, tem como um de seus principais desafios o processo de

letramento e alfabetização da criança, visto que o discurso é uma prática social.

Neste contexto, torna-se importante contribuir com este futuro professor para que

haja a compreensão do ler e escrever na concepção histórico-cultural da linguagem e do

letramento, pois assim a sua práxis estará aliada à teoria de maneira eficaz.

2.1 A FORMAÇÃO DO EDUCADOR PARA O LETRAMENTO

A linguagem, tanto oral quanto escrita, apresenta particularidades na qual ocorreram,

nos últimos anos, profundas mudanças na decorrência de novos conceitos. Essas

mudanças também provocaram uma série de transformações no campo da formação dos

educadores que precisam ser preparados para uma “nova” forma de ensinar. De acordo

com as Diretrizes Curriculares da Educação Básica – Língua Portuguesa – do Estado do

Paraná:

Considerando o percurso histórico da disciplina de Língua Portuguesa na Educação Básica brasileira, e confrontando esse percurso com a situação de analfabetismo funcional, de dificuldade de leitura compreensiva e

produção de textos apresentada pelos alunos – segundo os resultados de avaliações em larga escala e, mesmo, de pesquisas acadêmicas – as Diretrizes Curriculares Estaduais de Língua Portuguesa requerem, neste momento histórico, novos posicionamentos em relação às práticas de ensino (PARANÁ, 2008, p.47-48).

A história nos permite constatar que a concepção de linguagem apresentava-se e

ainda se apresenta apenas como repasse de regras e nomenclaturas da gramática

tradicional. Atualmente, a concepção de linguagem deve ser trabalhada como fenômeno

social e a escola tem como papel, promover por meio de textos com diferentes funções

sociais e diferentes gêneros textuais, o letramento do aluno, sendo esta uma ação que vai

além da alfabetização como atividade mecânica.

Historicamente sempre foi necessária uma formação aprofundada para os

professores da Educação Infantil e dos Anos/Séries Iniciais do Ensino Fundamental; porém,

não havia empenho político para que esta formação assim o fosse. Neste sentido, o curso

que preparava educadores não enfatizava a educação geral nem os aspectos teóricos da

educação, detendo-se quase só em aspectos práticos e conteudista. Dava-se mais

importância à chamada “vocação” e às características pessoais, tais como a paciência, a

doçura e o jeito para lidar com as crianças. Assim, o curso para formação de educadores

era visto como uma atividade apropriada para mulheres, compatível com a personalidade

feminina, com as atividades domésticas e com a maternidade. Tiriba (2002, p. 15-16)

enfatiza esta questão argumentando que:

[...] a história da submissão das mulheres a partir do século I d.C., assim como a sua condição de coadjuvantes no processo de produção da sociedade moderna (capitalista – industrial – urbana - patriarcal) pode indicar algumas questões para o campo da educação infantil, em especial num momento em que precisamos apontar perspectivas educativo-pedagógicas que, na contramão do racionalismo, incluam outras formas de conhecimento relacionados à existência carnal dos seres humanos: os sentimentos, a imaginação, o conhecimento sensual, a experiência. Menos expostas aos imperativos do mundo racionalista - capitalista, no Brasil, são fundamentalmente as mulheres que assumem a educação das crianças pequenas, em casa e em espaços formais e informais de atendimento [...]

Aos poucos, o enfoque da “vocação” para o Curso Normal foi sendo substituído ou

complementado pelo técnico em Nível Médio. Com a implementação da Lei 5.692/71, que

determinou a profissionalização obrigatória do Ensino de Segundo Grau, o antigo Curso

Normal transformou-se na chamada Habilitação ao Magistério, podendo ser ofertado por

escolas públicas e privadas.

O antigo Curso de Habilitação ao Magistério passou a ser denominado pela Lei

9394/96 de Curso de Ensino Médio na modalidade Normal e, no estado do Paraná, de

Formação de Docentes para Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental, em

Nível Médio, na Modalidade Normal, e que, em sua Proposta Pedagógica Curricular entende

que:

[...] para uma formação sólida do professor que vai atuar junto às crianças em processo de alfabetização, é preciso considerar, além dos conhecimentos psicológicos, filosóficos e sócio-antropológicos, os conhecimentos psicolinguísticos, pois este saber é condição sine qua non para que este professor cumpra o seu papel de promover e ampliar o grau de letramento dos alunos (PARANÁ, 2006, p.28).

Por meio de observações no decorrer dos estudos, principalmente nas práticas de

formação, verificamos dificuldades pelos futuros docentes para inovar as ações e

aperfeiçoar sua formação educacional, partindo do pressuposto que o Curso de Formação

de Docentes para a Educação Infantil e Anos/Séries Iniciais do Ensino Fundamental não

vem atingindo seu objetivo de promover efetiva aprendizagem quanto ao tema linguagem e

letramento.

Assim, um dos grandes desafios, tem sido superar a concepção de linguagem e

alfabetização como atividade mecânica, desvinculada do “discurso como prática social”,

como preconizam as Diretrizes Curriculares. Neste sentido, trazer à tona as discussões

sobre a necessidade e eficácia de letrar alfabetizando ou alfabetizar letrando tornou-se

imprescindível.

2.2 CONCEITUANDO LINGUAGEM, ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO

Para Bordieu (apud SOARES, 2008, p.55), “[...] é fator essencial e determinante do

uso da linguagem: as condições sociais concretas de instauração da comunicação. Não se

pode dissociar a linguagem da estrutura social em que é usada”.

Uma relação de comunicação linguística não é, para Bordieu, simplesmente uma

operação de codificação–decodificação, é fundamentalmente uma relação de força

simbólica, determinada pela estrutura do grupo social em que ocorre a comunicação, ou

seja, pelas relações existentes entre os interlocutores. Numa sociedade capitalista essas

relações são determinantes para a identificação de dominantes e dominados.

De acordo com Magda Soares (2008, p.68):

É significativo verificar que o fenômeno que se tem designado “crise da linguagem”, definida como um uso inadequado e deficiente da língua materna e como uma decadência de seu ensino e aprendizagem, tenha surgido, em todos os países em que tem sido denunciado, contemporaneamente à aceleração do processo de democratização do ensino.

O processo de democratização do ensino responde às reivindicações das camadas

populares por mais amplas oportunidades educacionais, resultando em crescimento

quantitativo e diversificação do alunado. Assim, a escola que era e ainda é programada para

favorecer as classes privilegiadas, não se reestruturou para atender a essa nova proposta

com um número maior de alunos e diferenças culturais gritantes. Sem conseguir se

organizar diante desse conflito, a escola passa por uma grande crise e Magda Soares

(2008, p.69) afirma que:

Assim, o problema que hoje se coloca para a escola, em relação à linguagem, é o de definir o que pode ela fazer, diante do conflito linguístico que nela se cria, pela diferença existente entre a linguagem das camadas populares, as quais conquistam, cada vez mais, o direito de escolarização, e a linguagem que é instrumento e objetivo dessa escola, que é a linguagem das classes dominantes.

Diante dessa situação, a escola tem que ser um espaço destinado a

instrumentalizar as camadas populares na luta pela superação das desigualdades sociais.

Sua proposta pedagógica tem que contemplar o estudo das relações entre a escola e a

sociedade e o papel da linguagem nesse contexto.

O trabalho não se restringe apenas ao ensino da língua materna, a linguagem vai

além, é o instrumento básico de aprendizagem em todas as disciplinas. Faz-se necessária

para todos os envolvidos nas atividades escolares, uma compreensão de que é linguagem.

De acordo com Rodrigues (apud DCE, 2008, p. 49), a linguagem não se fecha “na

sua condição de sistema de formas [...], mas abre-se para a sua condição de atividade e

acontecimento social, portanto estratificada pelos valores ideológicos”. Diante disso, ficam

para trás concepções que dão ênfase a formas isoladas do contexto social, pois o homem é

um ser social que faz parte de um processo histórico.

Bronckart (apud CRISTÓVÃO, 2008, p.4) esclarece que sua visão de linguagem está

embasada na definição de Coseriu, qual seja: linguagem como atividade significante. O

conceito tem como base cinco argumentos:

1 – a linguagem é dialógica (se inscreve socialmente e se dirige ao social);

2 – a linguagem se materializa em uma língua natural reconhecida em uma

determinada comunidade;

3 – a língua não é estável;

4 – a linguagem é significação na constituição do pensamento e na construção do

conhecimento;

5 – a dimensão comunicativo-social da linguagem implica em marcas de alteridade,

de intersubjetividade.

É por meio da linguagem que nos comunicamos. A linguagem é dinâmica. É ela que

organiza o nosso pensamento e permite ao locutor representar a realidade e, ao ouvinte

recriar a realidade. Ela se dá a partir da interação tendo a palavra como ponte.

Segundo BAKHTIN (2010, p.117) a palavra “[...] é determinada tanto pelo fato de que

procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o

produto da interação do locutor e do ouvinte”. Assim, a interação na linguagem significa uma

união entre o locutor e o ouvinte, na qual um se dirige ao outro numa perfeita sintonia de

significados. O locutor expõe o que obteve de conhecimento de forma que o ouvinte o

compreenda desde que o ouvinte faça parte do mesmo conhecimento e seus significados.

Linguagem é sentido.

É por meio da linguagem que o homem faz representações do real. Estas

representações se dão por signos, sinais que substituem o real. O homem consegue

relacionar com o diferente e isso o faz diferente de outros animais. Porém, essa relação só

pode se fazer entender se os indivíduos envolvidos no processo fizerem parte do

conhecimento dos mesmos símbolos. Então a linguagem é estabelecida socialmente, como

afirma Possari e Neder (2001, p.19):

O homem é um ser sígnico, simbólico. O homem possui a capacidade da representação simbólica, que é fonte comum do pensamento e da linguagem, e como o símbolo nem sempre tem relação direta com aquilo que simboliza, o homem precisa aprender o sentido do símbolo para interpretá-lo na sua função significativa.

A linguagem pensada como comunicação entre as pessoas deve ser compreendida

em todas as suas formas: falada, escrita (linguagem verbal), músicas, gestos, olhares,

pinturas (linguagem não-verbal). Estas formas se apresentam por um sistema de signos que

são produzidos historicamente, coletivamente como resultado de um processo social e como

diz Bakhtin (apud POSSARI, 2001, p.20) todo signo:

[...] resulta de um consenso de indivíduos socialmente organizados no decorrer de um processo de interação. Razão pela qual as formas dos signos são condicionadas tanto pela organização social de tais indivíduos como pelas condições em que a interação acontece.

Ao conceituar linguagem, Possari e Neder (2001, p.21) afirmam que:

[...] é preciso que pensemos a linguagem (qualquer que seja ela, verbal ou não-verbal) como um produto da realidade, mas que é, ao mesmo tempo, parte constitutiva desta realidade. Como uma prática social, porque é produzida por homens, ela se fundamenta em determinações materiais, é influenciada por essas determinações, mas, ao mesmo, por ser parte delas, também as influencia. Daí sua importância no contexto das organizações sociais.

Para melhor desvelar e conceituar a linguagem, recorremos a Possari e Neder

(2001, p.22), que afirma sobre linguagem, semioticidade e a interação com os outros:

A linguagem, então, numa concepção semiótica, pode ser conceituada como todas as formas (signos): olhares, gestos, expressões faciais, cores, luzes, ruídos, imagens fixas (desenhos, pinturas, fotos), imagem em

movimento (filmes), língua falada, língua escrita, etc., de que me utilizo para interagir com os outros.

Na escola a linguagem escrita é considerada fator principal para a aprendizagem,

pois historicamente esta forma de linguagem é a única forma de transmissão do saber. Por

esta razão a escola trabalha pautada em regras linguísticas que supostamente levam ao

verdadeiro conhecimento.

Atualmente, sabemos que além da linguagem verbal temos um bombardeio de

outras formas de linguagens não-verbais o tempo todo e que essas linguagens chegam a

nós antes mesmo da fala e da escrita.

Neste sentido Possari e Neder (2001, p.11) afirmam que:

[...] torna-se importante refletir sobre a importância de se vivenciar na escola a linguagem não verbal também. Da mesma forma, faz-se necessário rediscutir os modos de ensinar, as metodologias, pois a aquisição de saberes, entre eles a língua, assim como o desenvolvimento e a socialização dos indivíduos, dependem da linguagem verbal e não-verbal: visual, sonora, gestual, pictórica, etc.

A linguagem por meio da sua representação do real nos leva à percepção do mundo

e é através do nosso corpo que essa percepção acontece. Munido dos nossos sentidos,

visão, audição, tato, paladar e olfato o mundo nos é desvelado e Alinor Ferreira de Almeida

(apud POSSARI, 2001, p. 01) afirma que:

A linguagem não verbal é uma forma de comunicação que se expressa também através do corpo. Com ela o homem poderá conhecer melhor o seu próprio corpo, desmistificando alguns conceitos e preconceitos que dificultam essa comunicação. [...] Ao nos apossarmos desta linguagem, é possível conhecer o corpo e utilizá-lo nas interrelações com o meio e com outras formas de linguagem.

Diante do exposto, o educador deve atentar-se para os gestos e expressões da

criança. Esses fatores são essenciais na busca de sentido para o que ainda está oculto e é

o que fará dessa criança um adulto com conhecimento da sua realidade no sentido de

superar as desigualdades que o cerca.

A escola, no intuito de trabalhar suas regras linguísticas, numa tarefa incansável de

ensinar a ler e a escrever, acaba por desvalorizar os gestos, as expressões, o diálogo,

realizando uma alfabetização que silencia.

Da maneira como vem sendo feita, alfabetização que enfoca apenas o domínio de habilidades formais e funcionais, sem, no entanto, alcançar o âmago do processo, a razão profunda sócio–histórico-política da linguagem escrita. Ela tem sido uma alfabetização meramente formal em favor de um analfabetismo político, na medida em que não é considerada como um instrumento, um meio, uma possibilidade de comunicação e interação entre

pessoas, mas é vista com um fim último da aprendizagem escolar e acadêmica. (SMOLKA, 1985, apud POSSARI, 2001).

Da forma como vem sendo concebida, a alfabetização se torna responsável pela

repetência e evasão escolar, ou seja, o fracasso das camadas populares na escola. Quando

a criança entra para a escola é como se tudo o que ela tivesse vivido até agora fosse

esquecido. Todas as suas experiências acumuladas socialmente são desvalorizadas e a

apropriação da escrita passa a ser a única maneira de essa criança ter um espaço na

sociedade. Cabe então aqui, uma compreensão de letramento que segundo Soares (1998,

apud ROJO, 2009, p. 96), “letramento não é pura e simplesmente um conjunto de

habilidades individuais; é o conjunto de práticas sociais ligadas à leitura e à escrita em que

os indivíduos se envolvem em seu contexto social”, e segundo Kleiman (apud ROJO, 2009,

p. 96):

Pode-se afirmar que a escola, a mais importante das agências de letramento, preocupa-se, não com o letramento, prática social, mas com apenas em um tipo de prática de letramento, a alfabetização, o processo de aquisição de códigos (alfabético, numérico), processo geralmente percebido em termos de uma competência individual necessária para o sucesso e promoção na escola. Já outras agências de letramento, como a família, a igreja, a rua como lugar de trabalho, mostram orientações de letramento muito diferentes.

O momento é de globalização em que muitas informações chegam por meio das

novas tecnologias que se superam a cada dia. O novo cidadão é formado diante de diversas

linguagens no seu cotidiano. Segundo Rojo (2009, p.89) “a formação do aluno deve ter

como alvo principal a aquisição de conhecimentos básicos (ditos “competências e

habilidades”), a preparação científica e a capacidade para utilizar as diferentes tecnologias

relativas às áreas de atuação”, assim:

É preciso, então trazer a linguagem para o centro de atenção na vida escolar, tendo em vista o papel do discurso nas sociedades densamente semiotizadas em que vivemos. São muitos os discursos que nos chegam e

são muitas as necessidades de lidar com eles no mundo do trabalho e fora do trabalho, não só para o desempenho profissional, como também para saber fazer escolhas éticas entre discursos em competição e saber lidar

com as incertezas e diferenças características de nossas sociedades atuais. Ensinar a usar e a entender como a linguagem funciona no mundo atual é tarefa crucial da escola na construção da cidadania, a menos que

queiramos deixar grande parte da população no mundo do face a face, excluída das benesses do mundo contemporâneo das comunicações rápidas, da tecnoinformação e da possibilidade de se expor e fazer escolhas entre discursos contrastantes sobre a vida social. (LOPES & ROJO, 2004, apud ROJO, 2009, p. 89)

O homem não pode apenas conviver com a linguagem escrita convencional, mas

precisa sim, fazer sentido dessa linguagem dando-lhe um valor cultural que o levará a

interpretar o seu social, a perceber o seu mundo e assim, esse processo o tornará

consciente de seu tempo e espaço.

3 ESTRATÉGIAS DE AÇÃO E INTERVENÇÃO

Uma das ações previstas foi a implementação do Projeto de Intervenção

Pedagógica, que se deu com base geral na teoria de Marx, com ênfase nos estudos da

teoria Histórico Cultural de Vigotsky e também na teoria Histórico Crítica de Saviani.

Este projeto foi dividido em momentos de ação com professores e com alunos. Num

primeiro momento foi realizada uma reunião de esclarecimento com a equipe pedagógica da

escola, com os professores do Curso de Formação de Docentes. Nesta reunião, foi exposta

a organização do projeto discutindo sobre o tema e aspectos relacionados. Também foi

apresentada a dinâmica de trabalhos previstos: estudo, leituras individuais e em grupo, bem

como a confecção de material didático para o desvelamento de conceitos e de experiências.

Com alunos do 4º ano do Curso de Formação de Docentes foi realizada, nas aulas

de Prática de Estágio Supervisionado, a explanação sobre: a função da escola e a

necessidade de ler e escrever; as concepções da escrita e como se dá a sua apropriação; a

linguagem não-verbal com ênfase à linguagem corporal; elaboração de slides em

PowerPoint para explanação do conteúdo Letramento e Alfabetização.

Além disso, foi feita análise de filme “O Leitor”, bem como observação da prática

pedagógica em salas de aulas de Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental.

Após a teoria dada, estudada e apropriada foram realizadas oficinas para serem

apresentadas aos alunos do Curso de Formação de Docentes da Educação Infantil e

Anos/Séries do Ensino Fundamental e aos professores alfabetizadores da rede municipal.

Outra etapa importante foi a tutoria do Grupo de Trabalho em Rede, do qual

participaram professores pedagogos do município de Ubiratã e também de outros

municípios do Paraná: Guarapuava, Maringá, Pitanga, Assis Chateaubriand, Curitiba e São

José dos Pinhais. As contribuições teóricas e os depoimentos da prática pedagógica

somaram conhecimentos importantes para propiciar um enriquecimento profissional e

pessoal de todos os participantes.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho com a formação de futuros educadores é essencial e de suma

importância para a educação brasileira. A escola pública que tínhamos quando nos

formamos não é a mesma de hoje e, conforme o tempo vai passando, ela também vai

sofrendo transformações. Conceber o aluno de hoje como o de vinte anos atrás já não faz

sentido. Negar-se a trabalhar nos anos iniciais com o letramento, restringindo-se à

alfabetização mecânica é não enxergar todo o caminho histórico pelo qual a educação vem

percorrendo nessa sociedade de constantes mudanças.

As interações estabelecidas em todo o processo que envolveu a escrita deste artigo

possibilitaram a afirmação de que o processo de letramento é amplo, abrange a linguagem

oral e escrita, por isso, o educador da Educação Infantil e dos Anos Iniciais do Ensino

Fundamental deve ter uma visão da criança como um todo, para que ocorra além da

alfabetização vários processos como decodificar, interpretar, expressão verbal e coloquial,

noções básicas de seu lugar no espaço, pois letrar é um processo muito abrangente.

Considerando que as crianças estão inseridas em um mundo letrado, em uma

sociedade que é grafocêntrica, a apropriação da linguagem escrita é condição para que

possam ter autonomia de acesso aos elementos da cultura produzida pelas gerações

anteriores e guardadas pelo “código secreto” da linguagem escrita.

É preciso compreender que a prática de letramento vai muito além do processo de

alfabetização, que volta-se para a aquisição da leitura e da escrita desvinculada do

contexto social, como uma ação individual e cognitiva.

Uma das principais diferenças que serão percebidas com a introdução da palavra

letramento no cenário da educação brasileira é a de que não basta saber ler e escrever é

preciso saber empregar a leitura e a escrita em situações reais, em que ler e escrever

tenha sentido e colabore com o aperfeiçoamento da prática comunicativa, ou seja, com as

interações verbais postas na escola e fora dela.

O letramento tem muito a contribuir com a prática docente, pois a partir do momento

em que há a conscientização de que a leitura e a escrita devem ser ensinadas por meio de

textos que circulam socialmente e que os conhecimentos prévios dos alunos podem ser

aproveitados na escola, e de fato os docentes conseguirem colocá-lo em prática,

certamente poderemos ter um ensino de maior qualidade.

Assim, a alfabetização e o letramento isolados não dariam conta de formar leitores e

produtores de textos profícuos. O ideal seria o processo de alfabetizar letrando, isto é,

trabalhar tanto a aquisição da língua materna como os textos no contexto das práticas

sociais em que estes ocorrem.

Por tudo isso, o professor deve ter, em sua formação inicial, clareza de seu

importante papel, que é o de letrar alfabetizando. Assim, seguramente, sua atuação junto à

criança estará mais próxima do sucesso. Por isso, é importante ficar claro para os futuros

docentes que não só a Língua Portuguesa tem a função de letrar, mas todas as disciplinas,

inclusive educação física e arte.

REFERÊNCIAS

BAKHTIN, M. M. (Mikhail Mikhailovitch). Marxismo e filosofia da linguagem. 14. ed. São Paulo: Hucitec, 2010.

BOTELHO, Paulo Augusto de Podestá. O analfabetismo funcional. Disponível em www.guiarh.com.be/z3.htm Acesso em: 07 de maio de 2012.

CRISTÓVÃO, Vera Lúcia Lopes. Estudos da linguagem à luz do interacionismo sociodiscursivo. Londrina/PR: UEL, 2008.

PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação (SEED). Superintendência de Educação. Departamento de Educação Profissional. Proposta Pedagógica Curricular do Curso de Formação de Docentes da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental, em Nível Médio, na Modalidade Normal – Curitiba/ PR, 2006.

______. Secretaria de Estado da Educação do Paraná (SEED). Diretrizes Curriculares da Educação Básica - Língua Portuguesa/Departamento de Educação Básica. – Curitiba/PR, 2008.

POSSARI, Lucia Helena Vendrúsculo; NEDER, Maria Lúcia Cavalli. Linguagem. O ensino: o entorno, o percurso. Fascículo 1. Cuiabá, EdUFMT, 2001.

ROJO, Roxane. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

SMOLKA, Ana Luiza B. Revista Leitura: Teoria e prática. Linguagem: Natureza Semiótica. A linguagem como gesto como jogo, como palavra: Uma forma de ação no mundo. Ano 4. Junho 1985.

SOARES, Magda. Linguagem e escola: uma perspectiva social. 17. ed. São Paulo/SP: Afiliada, 2008.

TIRIBA, Léa. Educar e cuidar, ou simplesmente educar? Buscando a teoria para compreender discursos e práticas. Disponível em www.anped.org.br/reunioes/28/textos/gt07/gt07939int.rtf Acesso em: 08 de maio de 2012.