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  • 2009

    Lngua Portuguesa: da oralidade escrita

  • IESDE Brasil S.A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel Curitiba PR 0800 708 88 88 www.iesde.com.br

    Todos os direitos reservados.

    Capa: IESDE Brasil S.A.

    Crdito da imagem: Istock Photo

    C824L Correa, Vanessa Loureiro. / Lngua Portuguesa: da oralida-de escrita. / Vanessa Loureiro Correa. Curitiba :

    IESDE Brasil S.A. , 2009.192 p.

    ISBN: 978-85-387-0647-2

    1. Lngua Portuguesa Estudo e Ensino (Superior). 2. Lngua Portuguesa Sintaxe. 3. Lngua Portuguesa Semntica. 4. Tipologia (Linguagem). 5. Lngua Portuguesa Pontuao. 6. Lngua Portuguesa Ortografia. I. Ttulo.

    CDD 469.07

    2009 IESDE Brasil S.A. proibida a reproduo, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorizao por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.

  • Mestre em Lingustica Aplicada pela Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Licenciada em Letras pela PUCRS. Professora do curso de Letras na Universidade Luterana do Brasil (ULBRA).

    Vanessa Loureiro Correa

  • Sumrio

    O processo comunicativo e seus elementos .................. 13

    Fatores que podem atrapalhar a comunicao .............................................................. 14

    Qualidades de um bom texto ............................................................................................... 15

    Funes da linguagem ............................................................................................................ 17

    Variao lingustica e os nveis de linguagem ............... 25

    Diferena entre a lngua oral e a escrita ........................................................................... 25

    Variao lingustica: uma realidade mundial ................................................................. 27

    Os nveis de linguagem ........................................................................................................... 30

    As relaes entre fala e texto escrito .................................................................................. 31

    Coeso .......................................................................................... 37

    A diferena entre frase, orao e perodo ....................................................................... 37

    O que texto e textualidade ................................................................................................. 38

    Mecanismos de coeso ........................................................................................................... 39

    Tipos de coeso ......................................................................................................................... 43

    Coerncia .................................................................................... 49

    Fatores de coerncia ................................................................................................................ 49

    Fatores de contextualizao .................................................................................................. 52

    A coerncia e as metarregras ................................................................................................ 55

    Relao entre coerncia e coeso ....................................................................................... 55

  • Transcrio e retextualizao ............................................... 59

    Transcrio ................................................................................................................................... 59

    Retextualizao .......................................................................................................................... 63

    Parfrase ...................................................................................... 71

    Tipos de parfrase ..................................................................................................................... 72

    Tcnicas de parfrase ............................................................................................................... 72

    Pargrafo-padro ..................................................................... 81

    Conceito de pargrafo ............................................................................................................. 82

    Estrutura do pargrafo ............................................................................................................ 82

    Resumo ........................................................................................ 91

    Tipos de resumo ........................................................................................................................ 91

    Estrutura do resumo ................................................................................................................. 95

    Tcnicas de resumo .................................................................................................................. 96

    Resenha crtica ........................................................................101

    Tcnicas para produo da resenha .................................................................................101

    Correspondncias oficiais ...................................................111

    Ata: um documento de valor jurdico ..............................................................................111

    Atestado: conceito e modelo ..............................................................................................113

    Conceito de carta comercial ................................................................................................114

    Circular ........................................................................................................................................115

    Conceito de comunicao ...................................................................................................115

    Declarao: conceito e modelo ..........................................................................................116

  • Memorando ...............................................................................................................................117

    Conceito de procurao ........................................................................................................117

    Concordncia verbal .............................................................123

    Concordncia verbal: conceito e casos ...........................................................................123

    Concordncia nominal .........................................................133

    Ocorrncias de concordncia nominal ............................................................................133

    Casos de concordncia nominal ........................................................................................134

    Emprego da vrgula e dos porqus ..................................143

    Emprego dos porqus ...........................................................................................................144

    Casos de emprego da vrgula .............................................................................................145

    O significado das palavras no contexto .........................153

    Denotao e conotao: conceito ....................................................................................154

    Dificuldades mais frequentes na Lngua Portuguesa ................................................156

    Emprego da crase e dos pronomes demonstrativos ......................................163

    Casos de uso da crase ............................................................................................................163

    Dicas para reconhecer casos de emprego da crase ....................................................166

    Emprego dos pronomes demonstrativos ......................................................................167

    Gabarito .....................................................................................173

    Referncias ................................................................................189

  • A necessidade de se comunicar existe desde os primrdios da humanidade e hoje, fundamental para o crescimento e as conquistas do ser humano. Usamos a lin-guagem diariamente para as mais diversas funes, precisamos saber nos expressar para fazer compras, trabalhar, estudar, emitir opinies, necessidades e sentimentos.

    Mas como se comunicar? A comunicao s existe quando a mensagem que estamos tentando passar consegue ser compreendida pelo outro, seja por meio da fala ou da escrita. O objetivo deste livro conhecer as melhores formas de emitir informaes de modo que os nossos interlocutores a compreendam.

    No primeiro captulo veremos como se d o processo comunicativo e os vrios elementos que o compe. Quais so os fatores que podem atrapalhar a comunicao, como produzir um bom texto e as funes de linguagem.

    No captulo dois ser abordada a variao lingustica e os vrios nveis de lin-guagem, evidenciando a diferena entre a linguagem oral e escrita. Outra questo que ser abordada a variao lingustica que a variao que acontece numa mesma lngua, devido principalmente aos aspectos socioeconmicos e geogrficos.

    Nos captulos trs e quatro sero abordados os temas Coeso e Coern-cia, respectivamente, que so mecanismos usados para garantir ao interlocutor a compreenso do que se l ou escuta, no s entre os elementos que compem a orao, como tambm entre a sequncia de oraes dentro do texto.

    Mais frente, no quinto captulo, ser abordada a diferena entre a Trans-crio e a Retextualizao. Ambas fazem a passagem do texto oral para o escrito, enquanto a primeira mantm as caractersticas, inadequaes gramaticais e se-mnticas do texto oral; a segunda faz uma regularizao lingustica.

    No captulo seis e sete os temas abordados sero a Parfrase e Pargrafo- -padro. Parafrasear o processo de transmitir a mensagem dita por um falante com outras palavras. E o pargrafo-padro aquele que tem uma ideia como ncleo e a apresenta, desenvolve e conclui, ou seja, inicia e encerra uma mensagem.

    Nos prximos dois captulos veremos as diferenas entre resumo e rese-nha crtica. O resumo o ato de sintetizar situaes ou falas para repassar a outras pessoas. J resenhar significa fazer uma relao das propriedades de um objeto, enumerar aspectos relevantes e omitir sua opinio sobre ele. O objeto resenhado pode ser um acontecimento qualquer, um texto, um cd, um livro, entre outros.

    No captulo 10 sero trabalhadas as correspondncias oficiais. Trabalha-remos os modelos considerados mais importantes e mais usados, mostrando a estrutura de cada um deles, pois em todos os setores de nossa vida, precisamos saber elaborar alguns desses documentos.

    Apresentao

  • Os dois prximos captulos que seguem abordaro a concordncia verbal, quando o verbo concorda em nmero e pessoa com o sujeito simples a que se refere; e a nominal quando os adjetivos, pronomes, artigos e numerais concor-dam em gnero e nmero com os substantivos determinados. Na sequncia, o captulo treze abordar o emprego da vrgula e dos porqus no texto.

    No captulo quatorze veremos a importncia do significado das palavras no contexto, para se escrever um bom texto. Finalizando, o captulo quinze trar as formas de se empregar corretamente a crase e os pronomes demonstrativos.

    Procuramos esclarecer, neste livro, as principais dvidas e questes refe-rentes linguagem. Tudo para que a mensagem possa ser passada para o seu interlocutor de forma correta e compreensvel, pois somente deste modo a comu-nicao cumprir o seu papel.

    Bons estudos!

  • O processo comunicativo e seus elementos

    O usurio de uma lngua a usa diariamente para vrias finalidades: comprar, vender, expressar opinies, sentimentos e necessidades. A fina-lidade sempre se comunicar com o outro, pois s assim conseguir so-breviver. A grande questo : O que comunicar? Muitos acreditam que basta transmitir uma mensagem para estar comunicando. Outros acham que compreender uma ideia uma forma de comunicao. No entanto, s h comunicao se uma mensagem for passada e a mesma for enten-dida pelo receptor. Se o falante colocar a ideia e ela no for assimilada pelo ouvinte, no houve comunicao. Por isso, somente para ilustrar, os grandes sucessos na televiso so de programas que falam para um p-blico especfico. certo que um mesmo programa no atingir a todas as camadas sociais existentes no Brasil. Sendo assim, o artista tem que saber para quem est se dirigindo, pois assim escolher o nvel de linguagem adequado e conseguir prender a ateno do telespectador.

    Segundo Martins e Zilberknop (2004), a comunicao se d por meio de um processo que contm elementos importantes para a realizao dela.

    Fonte : de onde parte a mensagem. Ex.: Pedro no tem computador. Por isso, ele pediu que Joo escre-

    vesse um e-mail para Maria, em seu nome, para dizer que a ama. Maria leu o e-mail.

    No caso acima, Pedro a fonte, pois a mensagem partiu dele.

    Emissor : quem transmite a mensagem. Ex.: Pedro no tem computador. Por isso, ele pediu que Joo escre-

    vesse um e-mail para Maria, em seu nome, para dizer que a ama.

    No caso acima, Joo o emissor, uma vez que ele est passando a mensagem.

    Mensagem: a ideia que se quer transmitir. Ex.: Pedro no tem computador. Por isso, ele pediu que Joo escre-

    vesse um e-mail para Maria, em seu nome, para dizer que a ama.

  • No caso acima, a mensagem eu te amo.

    Canal : o meio pelo qual se passa a mensagem. Pode ser natural (meios sensoriais) ou tecnolgico (todo e qualquer recurso que no use o corpo).

    Ex.: Pedro no tem computador. Por isso, ele pediu que Joo escrevesse um e-mail para Maria, em seu nome, para dizer que a ama.

    No caso acima, o canal tecnolgico.

    Ex.: Pedro fez um corao no ar para Maria.

    No caso acima, o canal natural.

    Cdigo : um conjunto de sinais estruturados usados por uma comuni-dade lingustica. Pode ser verbal (usa a palavra escrita ou falada) ou no- -verbal (sinais, cores, desenhos, entre outros recursos).

    Ex.: Pedro no tem computador. Por isso, ele pediu que Joo escrevesse um e-mail para Maria, em seu nome, para dizer que a ama.

    No caso acima, o cdigo verbal, tendo em vista que a mensagem foi escrita.

    Ex.: Pedro fez um corao no ar para Maria.

    No caso acima, o cdigo no-verbal, pois a mensagem foi transmitida por meio de um sinal.

    Receptor ou recebedor : aquele que recebe a mensagem e tem o impor-tante papel de repass-la, quando for o caso, para o destinatrio.

    Ex.: Pedro pediu para Joana dizer a Maria que a ama.

    No caso acima, Joana o receptor porque repassar a mensagem de Pedro para Maria.

    Destinatrio : a quem a mensagem se destina. Ex.: Pedro pediu para Joana dizer a Maria que a ama.

    No caso acima, Maria o destinatrio, pois a mensagem para ela e no para Joana.

    Fatores que podem atrapalhar a comunicaoDurante o processo comunicativo, precisamos garantir que o receptor est

    prestando ateno na mensagem para que ele a compreenda. Esse cuidado

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    Lngua Portuguesa: da oralidade escrita

  • deve ocorrer porque existem fatores que atrapalham a comunicao, como co-locam Martins e Zilberknop (2004, p. 31):

    rudo qualquer interveno que atrapalhe a transmisso de uma men-sagem.

    Ex.: Som alto, televiso ligada, roupas extravagantes.

    entropia uma mensagem desordenada, que no tem incio nem fim. Muitas vezes no tem sentido.

    Ex.: Pegar eu Maria.

    redundncia a repetio da mesma mensagem com outras palavras. Ao mesmo tempo que ela tenta assegurar a compreenso da mensagem, pode passar tambm que o emissor no domina outro assunto ou no acredita na capacidade de compreenso de seu ouvinte.

    Ex.: A abordagem da gramtica faz-se necessria porque ela importante para a construo de texto. Produzir textos implica em conhecer bem a sinta-xe da lngua. necessrio conhecer suas normas para a escritura de textos.

    Qualidades de um bom textoTanto o texto oral quanto o escrito precisam ter algumas qualidades que ga-

    rantam no somente a compreenso, mas a elegncia. possvel uma produo escrita ser elegante? claro que sim. Para garantir a harmonia do texto, precisa-mos nos atentar aos seguintes fenmenos:

    aliterao repetio do mesmo som. Ex.: O suave som de sua voz soa muito bem.

    emenda de vogais na sequncia frasal, se escolhermos palavras que termi-nam e comeam com a mesma vogal, damos um tom deselegante ao texto.

    Ex.: Ela a avisou do perigo.

    cacofonia repetio de sons desagradveis ou formao de palavras chu-las na sequncia frsica.

    Ex.: A boca dela muito bonita.

    rima a combinao sonora geralmente no final da palavra. Ex.: O corao grando do Pedro ganhou o amorzo de Maria.

    O processo comunicativo e seus elementos

    15

  • repetio de palavras usar o mesmo termo no texto, sem substitu-lo, de-monstra falta de vocabulrio.

    Ex.: Maria uma boa aluna. Maria estuda todos os dias um pouco de cada contedo. Maria bem-conceituada com os professores e Maria ter, cer-tamente, um futuro brilhante.

    excesso de que oraes muito longas apresentam vrios que, deixando o texto arrastado.

    Ex.: Eu disse que gostaria que ela pedisse seu presente logo e que isso iria facilitar a vida dele.

    preciso tomar cuidado com a pontuao e com a ordem das palavras na frase, pois se esses recursos so mal empregados, eles comprometem a compre-enso da frase. Muitas vezes escrevemos difcil para mostrarmos que domina-mos a lngua. Entretanto, para que o receptor entenda a mensagem, precisamos escrever da forma mais simples e clara. Clareza a segunda qualidade de um bom texto. Colocaremos alguns exemplos de frases no claras.

    Ex.: No absolves? No absolvo.

    No absolves? No! Absolvo. (mudana de sentido)

    Indicamos plulas calmas para pessoas.

    Contratamos garotas para cuidar de criana de boa aparncia.

    Um texto claro no mundo de hoje to importante quanto um texto conci-so. Conciso outra qualidade de um bom texto. Como se sabe, as informaes atualmente so rpidas e mudam constantemente. O uso da internet, do celular, dos jornais por grande parte dos falantes nativos faz com que textos objetivos sejam lidos. No temos mais tempo para ficarmos lendo textos emproados, com informaes desnecessrias e falsas. Por isso, quanto mais objetivo e verdadeiro for o texto nos dados que fornece, mais leitores ele ter. Abaixo segue um exem-plo de um texto no conciso.

    Ex.: Estudar, como j se sabe, exige muita disciplina e determinao. Todos tm conscincia que muitas horas de sono sero sacrificadas, bem como o tempo com a famlia. No entanto, o mundo atual, cheio de informaes r-pidas, pede uma qualificao cada vez maior e mais abrangente por parte de todos. Isso, com toda a certeza, s se alcana atravs do conhecimento. Cabe, ento, com muita seriedade e estudo, buscar esse diferencial para ser, sempre, uma pessoa com chances no mercado de trabalho.

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    Lngua Portuguesa: da oralidade escrita

  • Deixando esse texto mais conciso, ele ficaria assim.

    Ex.: Estudar exige muita disciplina e determinao. Todos tm conscincia que muitas horas de sono sero sacrificadas, bem como o tempo com a fa-mlia. No entanto, o mundo atual pede uma qualificao cada vez maior e mais abrangente por parte de todos. Isso s se alcana atravs do conheci-mento. Cabe, ento, com muita seriedade e estudo, buscar esse diferencial para ser uma pessoa com chances no mercado de trabalho.

    Funes da linguagemNo processo comunicativo, utilizamos a nossa linguagem com funes pre-

    determinadas. Ningum conversa sem ter um objetivo; ns queremos que um dos seis elementos da comunicao seja evidenciado na nossa fala. Por isso, temos seis funes da linguagem. De acordo com Martins e Zilberknop (2004, p. 35-36), so elas:

    Funo referencial (ou denotativa ou cognitiva)Aponta para o sentido real dos seres e coisas.

    Por que a Lua fica amarelada de vez em quando?(FRANCO, 2005)

    O fenmeno ocasionado pela disperso da luz. Como a Lua no tem luz prpria, ela reflete a luz do Sol, que branca resultado da soma de todas as cores. Quando atravessa a atmosfera do nosso planeta, a luz refleti-da pela Lua se dissipa pelo ar. Em contato com as molculas dos gases que compem o ar (oxignio, nitrognio e hidrognio), algumas cores, como o violeta, o azul e o verde, podem se dispersar a ponto de se tornarem imper-ceptveis. o que acontece quando a Lua est mais prxima do horizonte ao amanhecer ou anoitecer. Nesses momentos, a luz penetra a parte da atmosfera mais prxima do cho e, para isso, tem de atravessar uma camada mais densa de ar. Nesse processo, perde boa parte de suas cores azul e verde. Sobram muito amarelo, laranja e vermelho. A mistura dessas cores que d o tom amarelado, diz Luiz Nunes de Oliveira, professor do Instituto de Fsica de So Paulo (USP).

    O processo comunicativo e seus elementos

    17

  • Quando est bem no alto do cu, a luz refletida pela Lua conserva a cor ori-ginal, que o branco. Isso porque o ar mais rarefeito em altitudes elevadas, fazendo com que a perda das tonalidades luminosas verde, azul e violeta seja pequena.

    No texto anterior, Lua um satlite natural da Terra. No tem nenhum sentido figurado, apenas o sentido denotativo.

    Funo emotiva (ou expressiva)Centra-se no sujeito emissor e tenta suscitar a impresso de um sentimento

    verdadeiro ou simulado.

    ConfissoEduardo Lages/Paulo Srgio Valle

    Eu s queria saber de voc

    E se voc vive mesmo sem mim

    Pois eu ainda no te esqueci

    Em cada amor eu procuro voc [...]

    Funo conativa (ou apelativa ou imperativa)Centra-se no sujeito receptor e eminentemente persuasria.

    Propaganda dos relgios Citizen[...] Mude de atitude. De bateria no.

    Young Eco-drive

    Dispensa troca de bateria [...]

    Na propaganda anterior, vimos que o objetivo fazer com que o receptor deixe de fazer algo que ele fazia para ter um relgio mais moderno.

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    Lngua Portuguesa: da oralidade escrita

  • Funo ftica (ou de contato)Visa a estabelecer, prolongar ou interromper a comunicao e serve para

    testar a eficincia do canal.

    Al, al, marcianoRita Lee/Roberto de Carvalho

    Al, al, marciano

    Aqui quem fala da Terra

    Pra variar estamos em guerra

    Voc no imagina a loucura

    O ser humano t na maior fissura porque

    T cada vez mais down o high society [...]

    O termo al tenta iniciar uma conversa, por isso ela testa o canal (neste caso, rdio ou telefone) em que se d o processo comunicativo.

    Funo metalingustica a lngua falando da prpria lngua. Serve para transmitir ao receptor refle-

    xes sobre a lngua.

    O que saber amarGuilherme Arantes

    [...] O seu olhar em mim

    a janela pro futuro

    e o melhor presente que eu pude ganhar:

    O que saber amar.

    O que saber amar

    O processo comunicativo e seus elementos

    19

  • seno um caminho pra crescer

    nunca descuidar

    que o outro tambm cresa por voc.

    Nessa cano, o autor define o que saber amar usando outras palavras da lngua para explicar um sentimento, uma atitude.

    Funo poticaCentra-se na mensagem. Predomina a conotao e o subjetivismo.

    AmarCarlos Drummond de Andrade

    Que pode uma criatura seno,

    entre criaturas, amar?

    amar e esquecer,

    amar e malamar,

    amar, desamar, amar?

    sempre, e at de olhos vidrados amar?

    Que pode, pergunto, o ser amoroso,

    sozinho, em rotao universal, seno

    rodar tambm, e amar?

    amar o que o mar traz praia,

    o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,

    sal, ou preciso de amor, ou simples nsia? [...]

    A preocupao de Carlos Drummond de Andrade nesse poema com a men-sagem. Ele s deseja passar para as pessoas a importncia de se amar nesta vida.

    Todos esses aspectos so importantes para que tenhamos a importncia do quanto a nossa lngua rica no momento em que a estamos usando.

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    Lngua Portuguesa: da oralidade escrita

  • Atividades Identifique, na situao abaixo, os elementos do processo comunicativo:

    1. Pedro mandou um bilhete para Maria dizendo que quer sair com ela. Joana recebeu o bilhete e entregou-o para ela.

    Fonte

    Emissor

    Canal

    Cdigo

    Mensagem

    Receptor ou recebedor

    Destinatrio

    2. Identifique que tipo de funo predomina nos textos abaixo:

    a)

    No quero dinheiroTim Maia

    Vou pedir pra voc ficar

    Vou pedir pra voc voltar

    Eu te amo

    Eu te quero bem

    O processo comunicativo e seus elementos

    21

  • b) V buscar o carro para mim!

    c) Voc est bem, no ?

    d) O baro do ao est cansado.

    Benjamin Steinbruch est preparando seu afastamento da presidncia da CSN. Ficar, contudo, na presidncia do conselho de administrao, traando a estratgia da siderrgica. No vai parar de mandar (nem isso de seu estilo), mas deixa o dia-a-dia para um executivo mandar. Veja, 1. de fev. 2006.

    e)

    IsmliaAlphonsus de Guimaraens

    Quando Ismlia enlouqueceu,

    Ps-se na torre a sonhar...

    Viu uma lua no cu,

    Viu outra lua no mar.

    No sonho em que se perdeu,

    Banhou-se toda em luar...

    Queria subir ao cu,

    Queria descer ao mar... [...]

    f) Lingustica a cincia que estuda a linguagem verbal humana.

    22

    Lngua Portuguesa: da oralidade escrita

  • Dica de estudoUm bom livro para ler :

    BAGNO, Marcos. A Lngua de Eullia: novela sociolingustica. So Paulo: Con-texto, 1997.

    Esse livro trata da variao lingustica, mas importante ver como as funes da linguagem esto em diferentes partes do texto. Os personagens, no desenro-lar da trama, utilizam a lngua para diferentes objetivos. Vale a pena conferir!

    Autoavaliao1. Identifique, nas passagens abaixo, os elementos que prejudicam a qualidade

    do texto:

    a) Maria chamou Joana para sair. Ela a avistou na sada da escola e ficou feliz de ter tido o timo insight de cham-la para sair.

    b) Maria queria saias para meninas rosas.

    c) Pedro, todos os dias, na sada da escola, como de costume, chama Maria para conversar. Ela, muito feliz e apaixonada, escuta, diariamente, encan-tada, sua fala sem sentido, mas cheia, como todos sabem, de segundas intenes.

    d) Maria viu Pedro saindo com Joana quando ela tinha combinado o contrrio.

    e) O pai de Pedro pediu ao menino para ele parar em casa e pegar os livros.

    2. Identifique, nas situaes abaixo, os elementos do processo comunicativo.

    a) Pedro pediu para Joana falar para Maria esper-lo no final do corredor.

    b) Joo escreveu um e-mail para Maria dizendo que Pedro pedia que ela o esperasse no final do corredor. Maria leu o e-mail.

    c) Joo escreveu um e-mail para Maria dizendo que Pedro pedia que ela o esperasse no final do corredor. Joana leu o e-mail e falou para Maria.

    O processo comunicativo e seus elementos

    23

  • Variao lingustica e os nveis de linguagem

    impressionante como a lngua escrita assumiu um papel importante e com carter oficial na sociedade moderna. Quase no h mais avaliaes orais, nem nas escolas, nem em concursos pblicos. Sempre que neces-srio selecionar algum, ainda que se faa entrevista, o peso maior fica por conta da produo escrita.

    Parece que o homem esqueceu que a lngua oral mais antiga e uni-versal. Primeiro o homem falou, nos primrdios da civilizao, depois es-creveu. O mesmo acontece com as crianas: primeiro elas pronunciam pa-lavras para depois transform-las em texto. Tambm sabemos que existem muitos povos que s tem a comunicao oral e nenhum registro escrito. Existe, na Lingustica1, um princpio que se chama prioridade da lngua oral sobre a escrita, que defende exatamente tudo isso.

    Acreditamos, porm, que no questo de uma ser mais importante do que outra, mas de igual valorizao para os dois tipos de comunica-o verbal. Tanto a fala quanto a escrita tm papis relevantes em nossas vidas. Em certas ocasies, a comunicao oral mais valorizada, como, por exemplo, nas nossas situaes dirias. Ningum escreve uma carta para pedir caf para a me. Em outros casos ocorre justamente o contrrio; por causa da grande quantidade de e-mails, MSN, Orkut e assim por diante, escrever tornou-se necessrio para a vida moderna. O que importa aqui dominar ambas (oral e escrita) e saber us-las nos momentos adequados.

    Diferena entre a lngua oral e a escrita Tendo isso em vista, precisamos saber qual a real diferena entre elas.

    1 A Lingustica definiu-se, com bastante sucesso entre as Cincias Humanas, como o estudo cientfico que visa a descrever ou a explicar a linguagem verbal humana (ORLANDI, 1999).

  • Lngua oralA lngua oral tem as seguintes caractersticas abaixo.

    Lngua no-padro: quando conversamos, o registro de linguagem no- -padro, ou seja, aquele que no est de acordo com as normas gramaticais.

    Ex.: Muitas vezes tu no pega o livro para ler.

    Linguagem corporal: muito comum usarmos o nosso corpo para ajudar o processo de comunicao. s vezes, um gesto ou um olhar expressa nossa ideia.

    Ex.: Maria ficou com uma colocao feita por Joana e fez um sinal para Pedro, dizendo que ela estava louca.

    Interveno do receptor: no processo comunicativo oral, o ouvinte pode nos interromper para pedir que expliquemos melhor a nossa mensagem, para opinar, para nos corrigir, ou para sugerir outro assunto.

    Ex.: Maria e Pedro conversam. Ela, repentinamente, diz:

    Eu no quero te ver mais! E ele coloca:

    Eu no ouvi direito. O que foi?

    Contexto situacional: durante uma conversa, podemos fazer referncia a algo externo ao assunto, mas que faz parte do contexto daquele mo-mento.

    Ex.: Maria e Pedro conversam sobre a escola. Neste momento, passa Joana com uma roupa espalhafatosa. A amiga de Pedro faz um comentrio sobre aquela cena.

    Lngua escritaJ a comunicao escrita tem as caractersticas a seguir.

    Lngua padro: o registro escrito no admite o uso de lngua no-padro. Quando escrevemos devemos usar a lngua de acordo com as normas gra-maticais, uma vez que fica no papel o nosso texto.

    Ex.: Muitas vezes tu no pegas o livro para ler.

    Contextualizao: tendo em vista que emissor e receptor esto longe um do outro, torna-se necessrio que o autor do texto descreva o contexto e s saia dele quando especificar um outro.

    Ex.: Em um livro de romance, o cenrio da histria. 26

    Lngua Portuguesa: da oralidade escrita

  • Adequao do texto ao leitor: o leitor no tem como interagir com o escri-tor, por isso deve haver um direcionamento do que se escreve para quem se l. Isso diz respeito no somente ao assunto, mas tambm adequao da linguagem. Se isso no for observado, corremos o risco de no nos co-municarmos por meio do texto produzido.

    Ex.: Se o livro for direcionado a professores, usar assuntos de cunho peda-ggico e linguagem tcnica referente ao sistema educacional.

    Variao lingustica: uma realidade mundial Na busca da perfeio lingustica, acabamos radicalizando e assumimos

    uma postura preconceituosa diante das vrias formas de expresso da Lngua Portuguesa no Brasil. Quando se trata de texto escrito fcil ter uma uniformi-zao, pois usamos a lngua padro que se encontra nas gramticas. Mas o que acontece quando falamos? muito interessante ver como somos resistentes em aceitar outras variantes da lngua materna2. No nos damos conta de que moramos em um pas muito grande e que, por isso, a lngua falada ter va-riaes de regio para regio. A tendncia acharmos que uma lngua mais certa ou mais difcil do que outra. Isso, porm, no verdade. Todas as lnguas foram feitas para atender s necessidades dos falantes. Se no Sul do Brasil existe um grande cuidado na nomeao de cada parte do boi, comida preferida dos gachos; no Nordeste esse cuidado para o peixe, alimento mais consumido por l. Isso no quer dizer que uma regio esteja mais correta do que outra, apenas tm realidades diferentes.

    Fatores que fazem a lngua variarA lngua sofre alteraes por vrios motivos. Abaixo seguem os principais.

    Aspectos geogrficos: conforme a regio, a lngua sofrer alterao. Essa mudana pode ser na gramtica, no significado das palavras ou nos sons. No podemos esquecer que dentro de um estado isso tambm ocorre. Seguem os exemplos.

    Ex.: a palavra corao pronunciada corao, no sul do Brasil e crao no nordeste.

    A palavra porta pronunciada porta no centro de So Paulo e poRta (com r forte) no interior.

    2 O termo lngua materna, neste texto, refere-se Lngua Portuguesa e uma expresso usada na Lingustica.

    Variao lingustica e os nveis de linguagem

    27

  • Em todo o Brasil, o doce brigadeiro recebe esse nome, porm, no Rio Gran-de do Sul, ele chamado de negrinho.

    Aspectos socioeconmicos: o acesso cultura e ao estudo tambm influen-cia na forma da lngua. Pessoas que leem costumam estruturar as senten-as de modo mais prximo lngua padro e ter um nmero maior de palavras no vocabulrio. Isso no significa que a linguagem de pessoas menos cultas pior, ela s diferente, uma vez que atende as necessida-des especficas do falante.

    Ex.: Msicas do funk e hip-hop retratam uma realidade diferente da classe mdia. Por isso, para entend-las, precisamos conhecer o contexto.

    Castelo de madeiraA Famlia

    [...] Rumo ao centro calos nas mos multides

    Toda essa rebeldia refora os refres

    Talvez voc no saiba do heri que vive a guerra

    Com uma marmita fria sem mistura eu sou favela. [...]

    Idade : sem dvida, a experincia acumulada pelos anos de vida faz com que a lngua se altere. Isso ocorre porque as necessidades, o conhecimen-to de mundo e outros fatores sejam diferentes. No se pode esperar que algum que esteja na adolescncia fale como uma criana de seis anos ou como um adulto de 30 anos. Para cada fase da vida temos expresses diferentes, conforme as msicas a seguir:

    AdoletaKelly Key

    [...] 17 anos pr-vestibular,

    t me enchendo o saco,

    tem que estudar.

    J tive essa idade sei como que ,

    mas tu t lidando com uma mulher.

    28

    Lngua Portuguesa: da oralidade escrita

  • V se me obedece,

    tem que respeitar,

    voc gatinho mais assim no d.

    Quero atitude, quero ateno

    tem que dar valor ao que tu tem na mo.

    Codinome beija-florCazuza

    [...] Pra que usar de tanta educao,

    Pra destilar terceiras intenes,

    Desperdiando o meu mel

    Devagarzinho, flor em flor

    Entre os meus inimigos, beija-flor [...]

    Sexo, etnia, grupos sociais: pode parecer estranho para alguns, mas esses fatores fazem com que a lngua tenha caractersticas prprias. H diferen-a entre a linguagem do homem e da mulher, pois as necessidades e rea-lidades so diferentes; as revistas destinadas a esses pblicos comprovam isso. Tambm as vrias etnias influenciam na variao lingustica. Os pr-prios cultos religiosos tm termos especficos e conhecidos por aquelas etnias. Por fim temos os grupos sociais. Atualmente, temos vrias tribos: skatistas, surfistas, punks, grafiteiros, rappers, roqueiros e tantos outros. Cada um deles tem os seus termos e organizao prprios, como se po-dem ver nos exemplos abaixo:

    Qual ?Marcelo D2

    [...] Ento vem, devagar no miudinho

    Ento vem, chega devagar no sapatinho

    Variao lingustica e os nveis de linguagem

    29

  • Malandro que sou no vou vacilar

    Sou o que sou e ningum vai me mudar

    Porque eu tenho um escudo contra o vacilo

    Papel e caneta e um beck na minha mo

    E isso que preciso

    Coragem e humildade

    Atitude certa na hora da verdade

    E o que voc precisa para evoluir

    Me diz o que voc precisa pra sair da

    O samba o som e o Brasil o lugar

    O incomodado que se mude, eu t aqui pra incomodar

    de que lado voc samba? Voc samba de que lado?

    Na hora que o coro come melhor t preparado

    E lembrando do Chico comecei a pensar,

    que eu me organizando posso desorganizar.[...]

    Os nveis de linguagemComo vimos at agora, a lngua muda por diversos motivos. Sendo assim, ela

    assume diferentes nveis de linguagem. Segundo Martins e Zilberknop (2004, p. 37-38), so estes os registros que temos:

    lngua culta o nvel que respeita as normas gramaticais. Ex.: Comprei quinhentos gramas de queijo e quatrocentos gramas de pre-

    sunto.

    lngua coloquial o nvel de linguagem em que ocorrem erros normati-vos gramaticais aceitveis para o falante nativo.

    Ex.: Comprei quinhentas gramas de queijo e quatrocentas gramas de pre-sunto.

    30

    Lngua Portuguesa: da oralidade escrita

  • lngua vulgar ou inculta o nvel em que ocorrem grandes desvios grama-ticais, no aceitveis para o falante nativo de determinadas estratificaes sociais.

    Ex.: A mui no comprou as flaldas das criana.

    lngua regional o nvel de linguagem em que ocorrem expresses e aspectos gramaticais prprios de uma determinada regio.

    Ex.: Ax, meu povo!

    lngua grupal o nvel de linguagem que pertence a grupos fechados. Divide-se em tcnica e grupal.

    lngua tcnica pertence a reas de estudo. S compreendida por aque-les que estudaram os termos.

    Ex.: [...] entrementes seria de bom alvitre saber o momento em que as di-gladiantes ficaram pvidas, se o foi no dealbar da titnia ornamentada de rosicleres ou se foi no obumbrar vespertino, com ou sem arrimos oculares ou percepes alheias. [...] (FLRES; SILVA, 2005).

    gria : prpria de tribos existentes na sociedade, como, por exemplo, os surfistas, os skatistas, os funkeiros e assim por diante.

    Ex.: Termos como vazar = ir embora; t ligado = est prestando ateno; fora da casinha = louco; pouco preo = pobre, fazem parte da linguagem desses grupos.

    Cabe ressaltar que nenhum desses nveis esto errados, basta que eles sejam usados na comunidade lingustica3 adequada. O importante no julgar o regis-tro usado pelo falante, mas perceber se ele est sendo usado com o grupo que compreende o nvel. Tudo que foi visto at aqui serve para mostrar como a nossa lngua est organizada, pois somente assim o leitor entender o que necess-rio para que elaboremos textos comunicativos.

    As relaes entre fala e texto escritoQuando escrevemos, temos a tendncia de usar a mesma linguagem e forma

    da linguagem oral. O que nos leva a fazer isso a grande dificuldade que temos em passar para um papel a nossa mensagem de forma clara. Ao escrevermos, tomamos algumas atitudes, como as que seguem:

    3 A expresso comunidade lingustica refere-se a um grupo de pessoas que utilizam o mesmo cdigo.

    Variao lingustica e os nveis de linguagem

    31

  • Movimento de autoriaEm textos cientficos, desde a escola, temos a tendncia de copiarmos literal-

    mente os autores. E por que fazemos isso? Porque temos medo de elaborar um texto prprio, sempre achamos que muito melhor o texto dos outros, princi-palmente quando eles so autores consagrados.

    Tecnologia da escrita e letramentoA escrita deve ser uma prtica constante em nossas vidas. Devemos ler e es-

    crever no porque nos mandam, mas porque queremos aprender e nos entreter. Porm, precisamos saber escrever bem porque importante ter a conscincia de que algumas profisses exigem mais a oralidade do que a escrita e outras, o contrrio. Todos usam a escrita de acordo com a necessidade que possuem.

    Eventos comunicativos e gneros conversacionaisA fala e a escrita surgem em momentos diferentes em nossas vidas, e os

    textos variam de gnero conforme a distribuio dos papis da fala e da escrita na rotina do falante nativo.

    Legibilidade, gneros e tipos textuais Temos facilidade para entender textos que so da nossa rea de estudo. O

    fato de falarmos portugus no significa que entenderemos todos os textos em Lngua Portuguesa. muito difcil para algum que no do ramo da Educao compreender termos como Piaget, didtica e educao intercultural. As palavras interveno de terceiros, litisconsrcio e data venia causam estranheza para falantes que no so do Direito. Assim acontece com todas as reas do conhecimento.

    Atividades1. D exemplos de cada um dos nveis de linguagem.

    32

    Lngua Portuguesa: da oralidade escrita

  • 2. Por que a lngua varia?

    3. Como deve se portar o falante diante da variao lingustica?

    Dicas de estudoO contedo dessa aula pode ser visto no filme Cidade de Deus (direo de

    Fernando Meirelles Brasil, 2002 Lumire/Miramax Films) porque ele mostra a linguagem de um grupo social especfico, com todas as suas construes gra-maticais e grias.

    FLORES, Onici Claro; SILVA, Rosara Rossetto da. Da Oralidade Escrita: uma busca da mediao multicultural e plurilingustica. Canoas: Editora da Ulbra, 2005.

    O livro acima trata das relaes entre fala e escrita. Tem boa parte do conte-do trabalhado aqui com excelente explicao.

    ORLANDI, Eni de Lourdes Puccinelli. O Que Lingustica. So Paulo: Brasiliense, 1999. (Coleo Primeiros Passos).

    Variao lingustica e os nveis de linguagem

    33

  • Este um livro especfico da rea da Lingustica, cincia que embasa todas as teorias modernas acerca do estudo da lngua. Ele bastante acessvel devido linguagem e forma como coloca o contedo.

    Autoavaliao1. Diga que nvel de linguagem predomina nos textos abaixo:

    a)

    Medo de virar galetoBezerra da Silva

    Olha que o coro t comendo o bicho t pegando,

    os governantes no se entendem o negcio t preto

    e urubu no vem na terra pra pegar seu rango,

    porque t com medo de virar galeto [...]

    b)

    Canto alegretenseAntnio Fagundes/Bagre Fagundes

    No me perguntes onde fica o Alegrete,

    segue o rumo do teu prprio corao

    Cruzars pela estrada algum ginete e

    ouvirs toque de gaita e de violo.

    Pra quem chega de Rosrio ao fim da tarde

    ou quem vem de Uruguaiana de manh

    tem o sol como uma brasa que ainda arde,

    mergulhado no rio Ibirapuit. [...]

    34

    Lngua Portuguesa: da oralidade escrita

  • c) O clculo dos nmeros primos se d atravs das quatro operaes.

    d) As criana pequena tem d nas zoreia.

    2. Preencha adequadamente as lacunas, tendo em vista a relao entre fala e escrita:

    a) O fato de todos falarem portugus no nos garante a compreenso de todos os textos, segundo a ________________________________________.

    b) Sempre achamos que o texto do outro melhor do que o nosso, confor-me o ____________________________________________________________.

    c) As _______________________________________ nos dizem que devemos ler e escrever por prazer e que a escrita aparece em diferentes contextos em nossas vidas.

    Variao lingustica e os nveis de linguagem

    35

  • Coeso

    A diferena entre frase, orao e perodo Quando usamos a nossa lngua, produzimos textos compostos de

    frases, oraes e perodos. Os falantes no sabem, porm, qual a dife-rena existente entre esses termos. Talvez seja interessante saber o que cada um no texto.

    FraseFrase qualquer enunciado que tenha sentido. No h necessidade de ter verbo, basta que comunique ao ouvinte.

    Ex.: Adeus!

    Parabns!

    Ela mora aqui.

    Ns podemos classificar as frases, segundo Mesquita (1999), de acordo com o ncleo existente em cada uma, conforme abaixo.

    Frases nominais : o ncleo desse tipo de frase um nome, pois tem uma viso esttica da realidade. Sendo assim, os verbos que apare-cem nesse tipo de frase no so de movimento nem de ao.

    Ex.: Maria est feliz!

    Maria continua feliz!

    Frases verbais : so aquelas que tm como ncleo o verbo.

    Ex.: Faa o dever de casa agora!

    Termine suas tarefas j!

    Alm da classificao por ncleo, podemos dividi-las ainda por sentido. Nessa forma de classificao, temos os seguintes tipos:

    Frases declarativas : o emissor declara algo de algum ou alguma coisa. Ex.: Maria comprou muitos livros.

  • 38

    Frases interrogativas : o emissor pergunta sobre algo ou alguma coisa. Ex.: O que Maria est comprando?

    Frases exclamativas : o emissor exclama sobre algo ou alguma coisa, mos-trando sua emotividade.

    Ex.: Como Maria compra livros!

    Frases imperativas : o emissor comunica uma ordem, desejo, pedido, spli-ca, ou seja, usa o verbo no imperativo.

    Ex.: Maria, compre esses livros agora.

    OraoQuando ns temos um enunciado que comunica e tem um verbo, ento ns

    temos uma orao. Toda orao uma frase, mas nem toda frase uma orao, portanto tem que cuidar para no generalizar.

    Ex.: Precisamos estudar para a prova!

    Perodo a frase constituda de orao ou oraes.

    Perodo simples:

    Ex.: Chega o amanhecer.

    Perodo composto:

    Ex.: Precisamos estudar para a prova porque ela estar difcil.

    Qual a relao dos conceitos acima vistos com o texto? Ao elaborarmos um texto, usamos frases, oraes e perodos. importante que se saiba como e como funciona cada uma delas para que se obtenha um processo comunicativo de qualidade. Vale lembrar tambm que h o perodo simples, que constitudo de apenas uma orao.

    O que texto e textualidadeOs conceitos para texto so vrios, mas ficaremos com o de Stammerjohann

    (apud FVERO; KOCH, 1988):

    Lngua Portuguesa: da oralidade escrita

  • Coeso

    39

    O termo texto abrange tanto textos orais como textos escritos, que tenham como extenso mnima dois signos lingusticos1, um dos quais, porm, pode ser suprido pela situao, no caso de textos de uma s palavra, como Socorro!, sendo sua extenso mxima indeterminada.

    Sendo assim, podemos ver que qualquer sequncia lingustica coesiva e co-erente um texto. Existem vrios fatores que fazem deste um texto e no uma sequncia solta de palavras. Chamamos de textualidade o conjunto desses fato-res. O foco deste captulo a coeso, que ajuda a formar um texto coesivo. Por coeso entendemos as relaes entre as partes de um texto. Ela concreta, pois os mecanismos aparecem no texto. Veja o exemplo a seguir:

    Ex.: Maria amiga de Joana e Pedro. Maria estuda na Escola Estadual Conhe-cimento junto com Joana e Pedro. Maria estuda muito. Joana e Pedro no estu-dam muito. Maria passar para a srie seguinte. Joana e Pedro ainda no sabem se passaro para a srie seguinte.

    O exemplo acima mostra um texto sem os mecanismos de coeso. O falan-te nativo percebe que no h relao entre as partes do texto (nesse exemplo, oraes. No entanto, quando se fala de partes, podemos entender como a liga-o entre as oraes, pargrafos, captulos e outras). O texto est truncado, no existe fluncia. Vamos usar alguns mecanismos coesivos para unir as partes.

    Ex.: Maria amiga de Joana e Pedro. Eles estudam na Escola Estadual Co-nhecimento. A menina estuda muito, mas os colegas no. Sendo assim, a garota passar para a srie seguinte, enquanto eles ainda no sabem se isso ocorrer.

    Com o uso de substituies e articuladores o texto ficou mais fluente e comunicativo.

    Mecanismos de coeso

    RefernciaSegundo Koch (2003, p. 19), so elementos de referncia os itens da lngua

    que no podem ser interpretados semanticamente por si mesmos, mas reme-tem a outros itens do discurso necessrios sua interpretao.

    Ex.: Maria ajuda a me com as tarefas domsticas. Ela muito prestativa e suas atitudes a levaro longe.

    1 Signo lingustico um con junto de significado e significante. O significado o conceito e o significante a imagem acstica que esse conceito produz. Ao falarmos casa, em nossa mente vir um desenho de casa, tendo em vista o conceito que temos dela.

  • 40

    No exemplo anterior, escolhemos os pronomes pessoais e possessivos para nos referir a Maria. A referncia pode ser pessoal (efetuada por meio de prono-mes pessoais e possessivos), demonstrativa (realizada por meio de pronomes demonstrativos e advrbios de lugar) e comparativa (feita por meio de identida-des e similaridades).

    SubstituioSegundo Halliday e Hasan (1976), a substituio consiste na colocao de um

    item em lugar de outro(s) elemento(s) do texto, podendo ser tambm a substi-tuio de uma orao inteira.

    Ex.: Maria ajuda a me com as tarefas de casa. Joana tambm.

    No exemplo acima, a palavra tambm substituiu toda a orao anterior (ajuda a me com as tarefas de casa). No podemos confundir referncia com substitui-o, pois aquela equivale semanticamente ao termo referido; esta substitui sem necessidade de ser igual no significado, apenas pode equivaler.

    ElipseSegundo Koch (2003, p. 21), elipse seria, uma substituio por zero: omite-se

    um item lexical, um sintagma, uma orao ou todo um enunciado facilmente recuperveis pelo contexto.

    Ex.: Maria pergunta para Pedro:

    Tu conheces Joana?

    Pedro responde.

    Conheo.

    Nesse caso, pelo contexto que entendemos a resposta de Pedro. Sem a per-gunta, ficaria difcil saber sobre o que ele est falando. O verbo conhecer carrega todo o sentido existente na pergunta de Maria.

    ArticuladoresSo palavras que estabelecem relaes entre as partes do texto. Na Lngua

    Portuguesa, as conjunes fazem o papel de articular o texto estabelecendo re-

    Lngua Portuguesa: da oralidade escrita

  • Coeso

    41

    laes de sentido entre as oraes. Elas se dividem em conjuntivas e subordina-tivas. Segue um quadro para relembr-las:

    Conjunes coordenativas

    Tipo/sentido/funo Conjunes

    Locues conjuntivas Exemplos

    AditivaEstabelece relao de soma.

    E, nem No s... mas tambm

    Maria estuda na Escola Estadual Conhecimento e Pedro tambm.No s Maria estuda na Escola Conheci-mento mas tambm Pedro.

    AdversativaEstabelece relao de oposio, de contraste.

    Mas, porm, todavia, contudo, entretanto, seno

    No entanto, no obs-tante

    Maria muito estu-diosa, mas foi mal na prova.Pedro no estuda muito; no entanto, foi bem na prova.

    AlternativaEstabelece relao de excluso, alternncia, de escolha por um ou por outro.

    Ou, ou... ou, ora... ora, quer... quer, seja... seja

    Ou Maria vai praa ou ela estuda.

    ConclusivaEstabelece relao de concluso do que foi anteriormente colocado.

    Assim, logo, pois (aps o verbo), portanto

    Por isso, por conseguinte

    Maria estudou muito para a prova, logo foi bem.

    ExplicativaEstabelece relao de explicao para o fato anteriormente colocado.

    Que (= porque), pois (antes do verbo), porque, porquanto

    Maria foi bem na pro-va porque estudou.

  • 42

    Conjunes subordinativas

    Tipo/sentido/ funo Conjunes

    Locues conjuntivas Exemplos

    CondicionalEstabelece relao de condio.

    Se, casoContanto que, desde que, a menos que, a no ser que

    Se Maria no estudar, ela ir mal na prova.

    CausalEstabelece relao de causa.

    Porque, como, que Uma vez que, j que, visto que, desde que

    J que Maria foi mal na pro-va, ela pegar exames.

    ComparativaEstabelece relao de comparao.

    Como, que, qual

    Mais (do) que, menos (do) que, assim como, to... quanto, tanto...quanto

    Maria mais estudiosa do que Pedro.

    ConcessivaEstabelece relao de concesso, cedncia.

    Embora, conquanto Ainda que, mesmo que, apesar de que

    Embora Maria tenha estudado para a prova, ela foi mal.

    ConformativaEstabelece relao de conformidade, de acordo com algum.

    Como, conforme, con-soante, segundo De acordo com

    Segundo a professora de Maria, ela boa aluna.

    IntegranteEstabelece relao de substantivo.

    Que, se Maria disse que foi mal na prova.

    FinalEstabelece relao de finalidade.

    Porque (= para que), que (= para que) Para que, a fim de que

    Maria estudar mais para que tenha uma nota melhor na pr-xima avaliao.

    ConsecutivaEstabelece relao de consequncia.

    Que (depois de tal, tanto, to, tamanho)

    De modo que, de for-ma que, de sorte que

    Maria est to triste com a nota que no quis passear.

    ProporcionalEstabelece relao de proporo.

    proporo que, medida que, ao passo que, quanto mais (menos)

    medida que o tempo passava, Maria perdia a concentrao na prova.

    TemporalEstabelece relao de tempo.

    Quando, mal, apenas, enquanto

    Logo que, assim que, antes que, depois que, desde que

    Quando Maria terminou a prova, s havia ela em sala de aula.

    Lngua Portuguesa: da oralidade escrita

  • Coeso

    43

    Coeso lexicalSegundo Koch (2003, p. 22), a coeso lexical obtida por meio de dois me-

    canismos: a reiterao e a colocao. O primeiro se faz por repetio do mesmo item lexical ou por meio de sinnimos, hipernimos, nomes genricos. O segun-do, por sua vez, consiste no uso de termos pertencentes a um mesmo campo significativo.

    Ex.: Maria ficou triste com Pedro porque ele no foi ao almoo em sua casa. Ela no sabia que o garoto estava doente.

    Como se pode ver, usamos palavras que remetam ao termo que referenciado.

    Tipos de coesoTemos, alm dos mecanismos, os tipos de coeso.

    Coeso referencialSegundo Koch (2003, p. 31), coeso referencial aquela em que um compo-

    nente da superfcie do texto faz remisso a outro(s) elemento(s) nela presente(s) ou inferveis a partir do universo textual.

    Ex.: Maria conheceu Pedro na escola. Ela ficou muito feliz por ter conhecido o colega. Ele uma pessoa muito legal e a garota ter momentos bons ao lado dele.

    Nesse tipo de coeso, falamos apenas dos elementos que so ou sero men-cionados no texto; em outras palavras, trata-se da ligao relativa s palavras utilizadas na produo textual.

    Coeso sequencialSegundo Koch (2003, p. 53), a coeso sequencial diz respeito aos procedi-

    mentos lingusticos por meio dos quais se estabelecem, entre segmentos do texto (enunciados, partes de enunciados, pargrafos e sequncias textuais), di-versos tipos de relaes semnticas e/ou pragmticas, medida que faz o texto progredir.

  • 44

    Ex.: Maria tem boas notas em todas as disciplinas porque estuda muito. Embora tenha muitas atividades, ela sempre acha tempo para ler.

    A coeso sequencial diz respeito s relaes estabelecidas entre as partes de um texto. No exemplo acima, usamos as conjunes porque e embora para que se tivesse o sentido de explicao e concesso.

    Entender e aplicar adequadamente esses mecanismos ajudar para que as pro-dues textuais tenham uma melhor qualidade comunicativa. Ainda que, como falantes nativos, faamos isso naturalmente na fala, temos srios problemas na escrita. Logo, de suma importncia a prtica consciente dos recursos coesivos.

    Atividades1. Localize, no texto abaixo, os articuladores usados para a coeso sequencial.

    Nasce o novo rdio(SUZUKI, 2005)

    E ele promete revolucionar a maneira de ouvir msicas, receber notcias e at falar com amigos.

    Ao longo do sculo XX, o rdio realizou uma das maiores revolues da histria das telecomunicaes levou informao a quem no tinha, ditou modas, derrubou governos. Agora, ele pretende mudar tudo de novo. Graas s novas tecnologias, programas de rdio esto conquistando todos os es-paos e aparelhos que se puder imaginar: celulares, MP3 players, televises e at satlites. Tudo isso com a promessa de um som perfeito, msicas sempre interessantes, opinies que combinam com a sua e programas feitos s para voc sem chiados, sem jabs. As novas modalidades de rdio j ganharam milhes de adeptos por todo o mundo at no Brasil. O problema so os formatos que precisam de um padro, como as rdios digitais, por exemplo. Existem vrios sistemas de transmisso e o governo deixou para as emis-soras a tarefa de escolher o melhor algumas estaes at j comearam a fazer testes em So Paulo. A estimativa que a completa digitalizao da transmisso e recepo por aqui v demorar ainda dez anos. Mas, como toda a revoluo, ela chegar sua casa.

    Lngua Portuguesa: da oralidade escrita

  • Coeso

    45

    Dicas de estudoUma boa dica ler, mensalmente, a revista Superinteressante. Ela trata de di-

    versos assuntos de maneira clara e comunicativa. Os textos so, linguisticamen-te, muito bem escritos. uma boa forma para se interar de diferentes assuntos e ainda analisar como deve ser uma produo textual bem escrita.

    FVERO, Leonor. L.; KOCH, Ingedore Grunfeld Villaa. Lingustica Textual: intro-duo. So Paulo: Cortez, 1988.

    Esse livro recomendado para alunos que queiram entender sobre a lingus-tica textual, na rea da Lingustica.

    HALLIDAY, M. A. K.; HASAN, Rugaya. Cohesion in English. London: Logman, 1976.

    o livro que embasou todos os estudos sobre coeso. Ainda que seja fcil de se entender, preciso que o leitor domine a lngua inglesa.

    KOCH, Ingedore Grunfeld Villaa. A Coeso Textual. 18. ed. So Paulo: Contexto, 2003.

    Esse livro explica, com riqueza de detalhes e exemplos, todos os tpicos abor-dados neste captulo, exceto a primeira parte.

    MESQUITA, Roberto Melo. Gramtica da Lngua Portuguesa. So Paulo: Sarai-va, 1999.

    a gramtica que trata da primeira parte deste captulo. Aborda as questes da gramtica de forma simples e clara, alm de oferecer exerccios diversos.

  • 46

    Autoavaliao1. Procure, no texto, as palavras que foram substitudas pelos termos em negrito.

    Nasce o novo rdio(SUZUKI, 2005)

    E ele promete revolucionar a maneira de ouvir msicas, receber notcias e at falar com amigos.

    Ao longo do sculo XX, o rdio realizou uma das maiores revolues da histria das telecomunicaes levou informao a quem no tinha, ditou modas, derrubou governos. Agora, ele pretende mudar tudo de novo. Graas s novas tecnologias, programas de rdio esto conquistando todos os espa-os e aparelhos que se puder imaginar: celulares, MP3 players, televises e at satlites. Tudo isso com a promessa de um som perfeito, msicas sempre interessantes, opinies que combinam com a sua e programas feitos s para voc sem chiados, sem jabs. As novas modalidades de rdio j ganharam milhes de adeptos por todo o mundo at no Brasil. O problema so os formatos que precisam de um padro, como as rdios digitais, por exemplo. Existem vrios sistemas de transmisso e o governo deixou para as emissoras a tarefa de escolher o melhor algumas estaes at j comearam a fazer testes em So Paulo. A estimativa que a completa digitalizao da trans-misso e recepo por aqui v demorar ainda dez anos. Mas, como toda a revoluo, ela chegar sua casa.

    Lngua Portuguesa: da oralidade escrita

  • Coeso

    47

  • Coerncia

    No convvio dirio com as pessoas, sempre falamos de atitudes coeren-tes. No difcil ouvir que fulano no foi coerente com os seus ideais ou que o texto no est coerente. Cabe, ento, a pergunta: o que coerncia?

    Muitas vezes, ouvimos um professor dizer que o cigarro faz mal para a sade e, na hora do intervalo, ele vai para a sala dos professores fumar. Tambm h mdicos que dizem para no comermos gorduras nem inge-rirmos bebida alcolica e, quando encontrados em uma festa, esto l, fazendo exatamente o contrrio do que disseram para fazermos. Existem pessoas que dizem faam o que eu digo, mas no faam o que eu fao, in-dicando que, certamente, atitudes incoerentes sero vistas pelos outros.

    As situaes acima mostram a incoerncia. Entre o que se diz e o que se faz tem que haver uniformidade, a fim de que haja ligao entre postura ideolgica e atos prticos. H uma grande dificuldade, por parte do falan-te nativo, de aceitar a incoerncia, uma vez que ele percebe o rompimento existente entre o discurso e as aes.

    Sendo assim, coerncia a relao entre as ideias do texto. abstrata, embora os elementos coesivos ajudem no processo. Muitas vezes, na fala, temos dificuldades de observ-la; na escrita, porm, ela mais percept-vel, como no exemplo a seguir.

    Ex.: Maria vai ao mdico toda semana para consulta. Ela tem uma sade tima.

    pouco provvel que uma pessoa com sade tenha que ir ao mdico semanalmente para se consultar. Logo, notamos que no h relao entre as ideias apresentadas no perodo analisado.

    Fatores de coernciaExistem fatores que ajudam a dar coerncia ao texto. Segundo Koch

    (2002), esses podem ser de ordem lingustica, discursiva, cognitiva, cultu-ral e interacional. A seguir sero abordados alguns dos mais importantes.

  • Elementos lingusticosQuando escrevemos um texto, temos que escolher campos semnticos e le-

    xicais pertinentes ao assunto abordado. No podemos discorrer sobre carros, por exemplo, e, no meio da produo ou no final, colocarmos palavras que se relacionam produo textual. No todo textual, as palavras precisam estar rela-cionadas umas com as outras, respeitando uma ordem significativa.

    Ex.: Pedro adora carros. Tudo que ele faz se direciona a esse hobby. Nos finais de semana, ele escreve textos sobre economia.

    Pedro adora carros. Tudo que ele faz se direciona a esse hobby. Nos fins-de- -semana, ele senta e escreve textos sobre o automobilismo.

    Se Pedro gosta de carros, certamente ele escrever sobre eles. claro que, por se tratar de um hobby, ele poderia escrever sobre economia, rea em que atua, mas, para que isso pudesse ser escrito, o autor teria que explicar. A mudana drstica de carros para economia no pode ser feita se ela, de alguma forma, no estiver mencionada no texto, com a finalidade de ser entendida pelo leitor.

    Conhecimento de mundoEsse conhecimento adquirido com o passar dos anos e com as vrias ativida-

    des e leituras que fazemos. por meio dele que podemos entender as entrelinhas do texto. Tudo que vivenciamos colocado em blocos, em modelos cognitivos. H vrios tipos de modelos, os mais conhecidos so, conforme Koch (2002):

    frames conjuntos de conhecimentos guardados na memria sob um cer-to rtulo. No h, necessariamente, uma ordenao entre eles.

    Ex.: Cozinha (panela, fogo, geladeira, forno eltrico, garfo, faca, colher); Pscoa (Cristo, ovos de chocolate, coelhinho, domingo); carro (farol, banco traseiro, motorista, pneu, motor, bateria, radiador).

    esquemas conjunto de conhecimentos guardados na memria em sequ-ncia temporal ou causal.

    Ex.: Rotinas que tenham uma sequncia, como horrio de estudo, rotina de trabalho.

    planos conjunto de conhecimentos acerca da maneira como agir para se atingir determinadas metas.

    Ex.: Plano de ao das escolas e empresas, plano de governo.

    50

    Lngua Portuguesa: da oralidade escrita

  • scripts conjunto de conhecimentos acerca das maneiras de agir de modo estereotipado em determinadas culturas. Abrangem a linguagem, vestu-rio, posturas.

    Ex.: Todos os ritos prprios de uma cultura.

    superestruturas ou esquemas textuais conjunto de conhecimentos que dizem respeito diversidade textual, que, ao longo dos anos, adquirida.

    Ex.: Narrao, descrio, dissertao etc.

    Todos esses modelos so acionados para que possamos compreender a men-sagem de um texto. facilmente observvel em algumas situaes, como as ci-tadas a seguir:

    o falante que no viveu a ditadura militar e no estudou sobre ela tem di- ficuldades em compreender a mensagem transmitida nas letras de msica daquela poca, como as canes Sem leno, sem documento; Apesar de voc; Pra no dizer que no falei das flores; e outras tantas que foram feitas tendo como tema a situao poltica.

    charges que tratam de temas especficos como futebol, religio, poltica, tambm no conseguem atingir o leitor que no est informado sobre os fatos abordados. Uma das caractersticas da charge resumir em frase e desenho uma situao atual muito ampla. necessrio que o leitor saiba tudo sobre assuntos recentes para que aprecie esse tipo de texto.

    o aspecto cultural tambm conta para a coerncia do texto. muito difcil entender um texto relacionado aos aspectos culturais de um povo se no conhecemos a cultura do pas.

    Conhecimento compartilhadoPara que o leitor entenda as novas informaes, preciso que o autor d infor-

    maes velhas, ou seja, dados que o leitor j conhea para poder entender aqueles que sero apresentados no texto. Quanto maior for o conhecimento comum entre receptor e emissor, melhor se dar o processo comunicativo, uma vez que no podemos ler um texto que contenha informaes completamente novas. A fim de que possamos acessar modelos cognitivos, precisamos que toda informao velha venha com uma nova. A metalingustica ajuda em muito nesse processo, uma vez que usa palavras conhecidas da lngua para explicar termos desconhecidos.

    Ex.: Ossama, significado igual ao de ossada.

    51

    Coerncia

  • Uma vez que o falante no sabe o que ossama, usou-se o seu sinnimo ossada, termo j conhecido do falante, para explic-lo.

    InfernciaDe acordo com Koch (2002, p. 79), inferncia a operao pela qual, utilizando

    seu conhecimento de mundo, o receptor (leitor/ouvinte) de um texto estabelece uma relao no-explcita entre dois elementos deste texto que ele busca com-preender e interpretar [...]. Em outras palavras, inferir ler uma mensagem que no est escrita no texto. Isso ns fazemos o tempo todo, tendo em vista que fica muito difcil colocar explicitamente todas as nossas ideias no papel. Alm disso, o texto muito explicado, que no exige um esforo de compreenso por parte do recebedor, torna-se enfadonho. Vejamos os exemplos a seguir:

    Ex.: Pedro parou de brigar.

    Inferncias:

    1. Pedro brigava antes.

    2. Pedro no briga mais.

    Ex.: Maria emagreceu porque parou de comer.

    1. Maria era gorda.

    2. Maria comia muito.

    3. Maria no come demais agora.

    Uma simples frase acarreta alguma inferncia, como as que foram vistas acima.

    Alm dos fatores at aqui abordados que ajudam a manter a coerncia do texto, temos ainda outros fatores colaboradores.

    Fatores de contextualizaoNa lingustica textual, rea da Lingustica que trata do texto, h trs momentos

    diferentes para estudo. De acordo com Bentes (2001, p. 247), so eles:

    anlise transfrstica o texto estudado em nvel de frase;construo de gramticas textuais o texto estudado pela competncia1 textual do falante;

    1 Competncia: termo usado na Lingustica para descrever a capacidade que todo falante tem de produzir e entender frases em sua lngua materna. Esse termo foi proposto por Noam Chomsky, linguista que revolucionou as teorias sobre a lngua.

    52

    Lngua Portuguesa: da oralidade escrita

  • teorias do texto o contexto passa a contar no estudo do texto.

    Exatamente por causa desse terceiro momento que os fatores de contex-tualizao so estudados. Eles influenciam na compreenso da mensagem. Sem o contexto, fica difcil entender a grande maioria do que dito e escrito. A seguir, sero abordados alguns desses elementos que contribuem para a coerncia tex-tual atravs do contexto.

    SituacionalidadeO texto deve ser adequado situao em que ser dito ou lido. Para garantir

    que ele ser entendido, devemos ter em mente a situao em que ser usado. Em uma palestra, por exemplo, precisamos adequar no somente o contedo, mas tambm o nvel de linguagem. No meio acadmico, dificilmente se aceita uma palestra em um nvel que no seja o culto ou, pelo menos, um coloquial mais elaborado. Tambm no se admite que o convidado tenha pautado sua fala na Matemtica para uma plateia composta por pessoas da rea de Letras.

    InformatividadeO texto ser mais informativo e, consequentemente, mais atraente, se tiver

    um bom nmero de informaes novas, baseadas nas velhas. Como j foi dito anteriormente, um texto com dados completamente inditos exigir para o re-ceptor um grande esforo para que seja compreendido; sendo assim, ele ter uma grande propenso a desistir de l-lo. O contrrio tambm prejudica a qua-lidade do texto, ou seja, uma produo feita somente com informaes velhas levar o leitor a se desinteressar por ela, uma vez que no exigir esforo para entendimento da mensagem. O bom texto aquele que tem uma boa dose de informaes novas desenvolvidas por meio das velhas. Os prprios livros e ca-ptulos, como este, buscam explicar novos termos e teorias luz de dados j conhecidos pelo leitor.

    FocalizaoUm bom texto centra o foco em um assunto, aprofundando-o para que seja

    melhor compreendido. Com a modernidade da informao, temos de forma rpida e precisa acesso a um grande nmero de notcias e dados. Isso nos leva,

    53

    Coerncia

  • muitas vezes, a escrever pontuando vrios assuntos em um texto. Dessa forma, perdemos o foco que, geralmente, carrega o objetivo que tnhamos em mente para produo daquele texto. Embora seja interessante termos um conhecimen-to vasto sobre tudo, devemos, entretanto, escolher apenas um assunto para tra-tarmos e, dentro desse tpico, apenas um foco. Caso contrrio, o nosso recebe-dor ter srias dificuldades para entender a nossa mensagem.

    IntertextualidadeMuitos autores escrevem textos tendo como base um outro texto. A com-

    preenso do primeiro est intimamente ligada leitura daquele que foi a fonte ou o ponto de partida. Para quem no conhece os livros de Shakespeare, por exemplo, no ir perceber que vrios autores tiveram obras clssicas desse autor como base. Muitas novelas da televiso brasileira tm como ncleo central o amor entre duas pessoas pertencentes a famlias inimigas. Esse o tema de Romeu e Julieta. Tambm Othelo foi utilizado por Machado de Assis no livro Dom Casmurro e, outra vez, o tema do livro usado em filmes e novelas, uma vez que tratam de um cime doentio, sem razes aparentes para existir, alimentado por um vilo. Letras de msica tambm fazem uso desse recurso. Caetano Veloso tem uma msica intitulada Enquanto seu lobo no vem, numa clara referncia musica que a personagem do conto Chapeuzinho Vermelho cantava enquanto ia para a casa da av: vamos passear na floresta, enquanto seu Lobo no vem. Renato Russo, na msica Monte Castelo, do grupo Legio Urbana, mesclou a epstola de So Paulo aos Corntios com um soneto de Cames.

    Intencionalidade e aceitabilidadeO autor de um texto sempre o escreve a fim de atingir certas metas. Para que

    se obtenha a compreenso da mensagem necessrio que o leitor perceba a in-teno do autor e aceite-a. Isso porque necessrio que o emissor deixe pistas no texto de suas intenes e, ao receptor, o papel de detect-las e apreend-las.

    Consistncia e relevnciaO leitor busca a leitura de textos que tenham relevncia para a vida dele e

    consistncia nos dados apresentados. Na correria diria, poucas pessoas podem se dar ao luxo de ler assuntos que fujam de seus interesses. Tambm fica difcil

    54

    Lngua Portuguesa: da oralidade escrita

  • escolher textos que no tragam dados consistentes ao que procuramos. Portan-to, melhor ser o texto que, focalizado em um assunto, traga ideias de fato ver-dadeiras em relao ao assunto tratado.

    A coerncia e as metarregrasA coerncia de um texto, ento, garantida por quatro regras bsicas. Ao

    findar um texto, devemos observar se todas foram contempladas. Essas metar-regras, segundo Charolles (1978), dividem-se como descrito a seguir:

    metarregra da repetio invoca o uso dos anafricos para que o texto no repita palavras, termos, expresses ou ideias.

    metarregra da progresso invoca o uso dos articuladores para que o texto no se repita indefinidamente, isto , para que haja sempre acrscimo de informaes.

    metarregra da no-contradio invoca a obrigatoriedade da coerncia das ideias, do tempo verbal e da pessoa do discurso, de forma que todos esses itens estejam presentes no texto sem nenhuma contradio.

    metarregra da relao cada parte do texto, cada pargrafo que encerra, pre-para o seguinte e este, por sua vez, retoma e amplia o que foi apre sentado pelo anterior, garantindo assim a permanncia no tema sem fuga do assunto.

    Relao entre coerncia e coesoPara que um texto seja coeso preciso que se utilize anafricos e articuladores.

    Anafricos so palavras utilizadas para evitar a repetio no texto. Como a sua funo substituir outra palavra, os anafricos sempre possuem um referente anterior.

    Ex.: Joo comprou um carro. Joo estava realizado.

    Joo comprou um carro. Ele estava realizado.

    Ele (anafrico) Joo (referente).

    Articuladores so palavras utilizadas para ligarem ideias. Como as ideias, em geral, esto interligadas, os articuladores reforam essa ligao atravs de um sentido. Existem dez possibilidades de sentido: adio, oposio, comparao,

    55

    Coerncia

  • causalidade, alternncia, concluso, condicionalidade, finalidade, temporalidade e conformidade. Os articuladores tambm so chamados de conjunes, conecti-vos ou nexos.

    Ex.: As ruas esto alagadas. Choveu muito.

    As ruas esto alagadas porque choveu muito.

    Porque (articulador) causalidade (sentido).

    Para que um texto seja coerente preciso que ele respeite as quatro metarregras:

    da repetio uso dos anafricos; da progresso uso dos articuladores para introduzir novas informaes; da no-contradio ideias, tempo e pessoa do discurso devem ter lgica; da relao manuteno do tema.

    Construir um texto coerente uma tarefa que exige do emissor o uso de todos os recursos e habilidades comunicativas. Quanto mais prestarmos aten-o no que foi trabalhado neste captulo, maior qualidade tero as produes textuais. Cabe lembrar que muito do que foi visto j , naturalmente, feito pelo falante nativo na modalidade oral; portanto, basta que tenhamos a conscincia desses fatores para organiz-los no texto escrito.

    Atividades1. Aponte, no texto abaixo, a incoerncia realizada.

    Praticar esportes faz bem para a sade. Alm disso, por meio do conv-vio em academias e parques que temos a oportunidade de conhecer novas pessoas. Sendo assim, ficar em casa olhando para a televiso muito melhor do que se exercitar.

    56

    Lngua Portuguesa: da oralidade escrita

  • Dicas de estudoUma boa dica assistir a filmes que se utilizam da intertextualidade nos rotei-

    ros. O brasileiro Dom (Moacyr Ges, Brasil 2003, Warner), com Marcos Palmeira e Maria Fernanda Cndido um deles, pois remete a Dom Casmurro. Outro ttulo As Horas (The Hours, Stephen Daldry, EUA 2002, Imagem Filmes) baseado no livro homnimo de Michael Cunnigham, o qual conta os ltimos momentos de vida da escritora Virgina Woolf, entre outras histrias.

    MUSSALIM, Fernanda; BENTES, A. C. (Org.). Introduo Lingustica: domnios e fronteiras. 2. ed. So Paulo: Cortez, 2001. v. 1.

    Esse livro uma introduo s reas da Lingustica. de suma importncia, uma vez que explica, de forma acessvel, cada uma das reas e exemplifica-as.

    CHAROLLES. M. Introduction aux problmes de la cohrence des textes, Langue Franaise, 38. Paris: Larousse, 1978.

    Nessa obra esto as quatro metarregras apresentadas na aula. No uma lei-tura fcil devido dificuldade com o idioma. No entanto, para quem o domina, o texto muito pertinente aos estudos do texto.

    KOCH, Ingedore Grunfeld Villaa. A Coerncia Textual. 14. ed. So Paulo: Con-texto, 2002.

    Koch dedica esse livro coerncia. Usa uma linguagem acessvel e muitos exemplos para que o receptor entenda o que coerncia e como ela funciona na prtica.

    Autoavaliao1. Diga qual metarregra respeitada no texto abaixo.

    Todos os dias Maria e Pedro fazem as mesmas atividades. Primeiro, eles levantam, tomam banho e caf e vo para a escola. J na escola, eles estudam e brincam com os colegas. Ao terminar a aula, eles se encaminham para casa e almoam. Depois da refeio, descansam e fazem os temas de casa, para, ento, irem brincar. No final do dia, j exaustos vo para a cama para, no dia seguinte, repetirem tudo outra vez.

    57

    Coerncia

  • Transcrio e retextualizao

    TranscrioO texto falado tem suas prprias caractersticas e a escrita no pode

    ser tida como uma representao da fala, pois no consegue reproduzir muitos dos fenmenos da oralidade, tais como a prosdia, a gestualidade, os movimentos do corpo e dos olhos. Em contrapartida, a escrita apresenta elementos significativos prprios, ausentes na fala, tais como o tamanho e tipo de letras, cores e formatos. Nenhuma das modalidades melhor do que a outra. Enquanto a fala tem uma primazia cronolgica (surgiu antes), a escrita simboliza educao e poder.

    Segundo Flres e Silva (2005, p. 42), para visualizar as caractersticas do texto falado, existe a transcrio que nada mais do que a fala passada a limpo. Em outras palavras, a transcrio consiste em passar o texto oral para o texto escrito, com todas as suas caractersticas, inadequaes gra-maticais e semnticas. Por que precisamos falar dela?

    Temos notado que, cada vez mais, os estudantes esto escrevendo como falam. Isso ocorre por vrios motivos. O primeiro tem sido a influ-ncia da internet, uma vez que, para responder rapidamente nos chats, Orkut, Messenger e outros, os internautas fizeram uma lngua prpria com codificao conhecida por aqueles que utilizam esses programas, to rpida quanto a fala. Outra razo que a tendncia do usurio reprodu-zir no texto escrito o modo como fala, tendo em vista que ele usa muito mais a parte oral da lngua do que a escrita. Grias, termos chulos e marcas conversacionais costumam aparecer nos textos escritos formais. No h uma prtica de escrita natural nas escolas; todas as redaes surgem de modo artificial, com assuntos que no interessam ou no so conhecidos. Logo, o estudante tem srias dificuldades em produzir um texto escrito dentro do padro culto, respeitando a coeso e a coerncia.

    por meio da transcrio que nos tornamos cientes do modo como falamos e das diferenas entre fala e escrita. Poderemos melhorar a nossa

  • performance1 na oralidade quando pararmos para observar as nossas ocorrn-cias, e o mesmo acontece com a escrita. Marcuschi (2003, p. 50) apresenta os quatro nveis de relao entre fala e escrita propostos pela linguista francesa Rey-Debove2. Esses nveis foram pensados em termos de lngua francesa, mas podem ser considerados em qualquer lngua. So eles:

    nvel da substncia da expresso diz respeito materialidade lingustica e considera a correspondncia entre letra e som, podendo entrar tambm questes idioletais3 e dialetais4 (um problema que a sociolingustica po-deria esclarecer);

    nvel da forma da expresso nesse caso consideram-se os signos falados e os signos escritos, situando-se aqui a distino entre a forma do grafe-ma (a grafia usual) e a do fonema (este na realizao fontica, a pronn-cia) (por exemplo: menino e [mininu]), diferenas que no francs so mais acentuadas do que no portugus;

    nvel da forma do contedo consideram-se aqui as relaes entre as uni-dades significantes (expresses, itens lexicais ou sintagmas5) orais e as cor-respondentes unidades significantes escritas que operam como sinni-mas no plano da prpria lngua tal como dicionarizada, mas de realizao diferente na fala e na escrita (por exemplo: o que queres comer? [na escrita] e que que qu com? [na fala]);

    nvel da substncia do contedo so as realizaes lingusticas que se equivalem do ponto de vista pragmtico, isto , do uso situacional e con-textual especfico, como quando numa carta escrita dizemos com os meus cumprimentos, subscrevo-me, ao passo que num telefonema diramos olha, um abrao e um cheiro pra voc, t, na variante pernambucana.

    A seguir, exemplificaremos com uma transcrio realizada a partir de uma entrevista com Dona Josefa, nordestina, 40 anos, auxiliar de servios gerais e analfabeta. Numa conversa informal, pedimos que ela falasse sobre alguns pro-blemas relacionados cidade de Porto Alegre. Nos primeiros minutos, ela se

    1 Performance: termo da lingustica proposto por Noam Chomsky e que designa o uso particular que cada falante faz da lngua.2 Josette Rey-Debove uma linguista francesa que estudou a relao entre fala e escrita na lngua francesa e props os quatro nveis apresentados no livro de Marcuschi.3 Idioleto: conjunto de enunciados produzido por uma s pessoa, e, principalmente, as constantes lingusticas que so subjacentes e que conside-ramos como idiomas ou sistemas especficos; o idioleto , portanto, o conjunto dos usos de uma lngua prpria de um indivduo, num momento determinado.4 Dialeto: variedade de lngua que tem o seu prprio sistema lxico, sinttico e fontico, e que usada num ambiente mais restrito que a prpria lngua.5 Sintagma: Saussure denomina sintagma toda combinao na cadeia da fala.

    60

    Lngua Portuguesa: da oralidade escrita

  • mostrou um pouco nervosa e reticente, mas depois foi se tranquilizando e seu discurso tornou-se um verdadeiro desabafo.

    Aps a conversa, a gravao foi transcrita, o que bastante trabalhoso, de-manda tempo e pacincia, pois imprescindvel prestar total ateno s peculia-ridades da conversao, em geral filtradas pelo nosso ouvido e das quais temos uma conscincia escassa.

    Observe, a seguir, como ficou essa transcrio:

    Pergunta: Qual a sua opinio sobre os transportes em Porto Alegre?

    Resposta da entrevistada:

    bom u qui eu achu du:: du transporrte u qui eu achu dus nhibus qui:: us motorista su muitu dus ignorantis i maltratu muitu us velhinhus ((suspi-rou)) i as pessoa deficienti mintal i tem agora aquelis negciu di carrterinha quandu elis pedi a carrterinha qui a genti nu::... tem... elis omilha bastanti na frenti di TODU mundu dentru dus nhibus

    Pergunta: E sobre o centro da cidade?

    Resposta dada:

    sobri / ah ah ah / Porrtalegri u centru di Porrtalegri eu achu assim qui u centru de Porrtalegri as pessoas h::: sei l... tem muitus crianas ah... pedin-du errmola muit::us vlhu::s ah pedindu errmola i:: muitas coisas assim extra-gada n? cumidas ex-tra-ga-da pelu centru comu verrdura otras coisa mais inveiz deli ajud aquelas pissoas pobris elis nu ajudu pefiru bot no lixu i::: us guarda l nu centru... maltratu muitu as pessoas tamm tem qui batalh muitu muitu merrmo tem qui trabalh ah ganhanu bem porrque si a pessoa trabalha n? ganhano um salriu mnmu a pessoa no consgui moradia aqui ni Porrtalegri in otus cantu ondeu morei foi fciu deu consegui minha casa meu terrenu mais aqui t senu muitu difciu aqui ni Porrtalegri qu dize qui eu achu qui muitu difciu a moradia aqui pra consigui veju muitu terre-nu a baudiu a muita casa a disacupada h::::: ocupanu ladru i otras coisa mais dentru da casa i us pobris a h:: vai pra consigui uma casinha a in vila a no Demab a (sofri bastanti) pra consigui uma moradia i eu achu quissoa um ( ) merrmu as pessoas pudenu pag as suas casinha e us seus lugar pra mor

    61

    Transcrio e retextualizao

  • Perceba o quanto a transcrio deve manter-se fiel fala da entrevistada, mantendo todas as suas caractersticas fonticas, alongamentos voclicos e con-sonantais, pausas, hesitaes, truncamentos, sotaque, entonaes, correes, pois esses so elementos tpicos da fala que no devem ser desmerecidos no momento minucioso da transcrio.

    Simbologia da transcrioVamos agora acompanhar e identificar a simbologia utilizada para elaborar a

    transcrio. Veja o quadro abaixo proposto por Flres e Silva (2005, p. 44):

    Ocorrncias Sinais ExemplosIncompreenso de palavras ou segmentos ( ) um ( ) merrmu

    Hiptese do que se ouviu (hiptese) a (sofri bastanti) pra consigui uma moradia

    Truncamento / Sobri / ah ah ah / Porrtalegri

    Entoao enftica Maisculas na frenti di TODU mundu

    Alongamento de vogal ou consoante

    :: podendo aumentar para :::::

    qui:: us motoristaas pessoas h:::h::::: ocupanu ladruI us pobris a h::

    Silabao - ex-tra-ga-da

    Interrogao ? muitas coisas assim extragada n?

    Comentrios descritivos do transcritor ((minsculas))

    i maltratu muitu us velhinhus ((suspirou))

    Qualquer pausa ...tem...sei l...l nu centru...

    os marcadores verbais bom, sei l, ah, n?, eu achu;

    as repeties u qui eu achu, du:: du, u centru di Porrtalegri, pedindu err- mola, a;

    o sotaque carregado nos erres transporrte, carrterinha, merrmo, Porrta-legri;

    combinao de alongamento e pausa na mesma palavra nu::... ;

    62

    Lngua Portuguesa: da oralidade escrita

  • supresso de letras omilha, mnmu, senu;

    reduo do r no final do infinitivo verbal batalh, trabalh, diz, mora;

    restrio da concordncia nominal e verbal apenas ao artigo ou ao sujei- to: as pessoa deficienti mintal, elis pedi, cumidas extragadas, i otras coisa mais, elis nu ajudu; ( claro que o nvel de escolaridade do falante interfe-re muito nesse quesito. Considerando que a entrevistada analfabeta, as ocorrncias de concordncia inapropriada tendem a ser muitas.)

    aglutinao de palavras Porrtalegri, quissoa.

    Observaes nem todas as ocorrncias foram citadas nos exemplos;

    no so usados sinais de pontuao tpicos da escrita para marcar as pau- sas (como vrgulas, ponto e vrgula, pontos finais);

    no so utilizadas iniciais maisculas;

    no h abertura de margem para paragrafao;

    as perguntas so transcritas em negrito.

    RetextualizaoA retextualizao a passagem do texto falado para o texto escrito e no um

    processo mecnico, pois envolve operaes que interferem no cdigo e no sentido.

    No so poucos os eventos lingusticos cotidianos em que atividades de re-textualizao, reformulao, reescrita e transformao de textos esto envolvi-das. Exemplos: quando a secretria anota informaes orais do chefe para redi-gir um ofcio; ao contarmos, por carta, o que acabamos de ouvir na vizinhana; no momento em que o aluno anota no caderno as explicaes do professor. So nessas situaes corriqueiras que o texto refeito de outro modo, modalidade ou gnero. O fato que, embora bastante utilizadas, essas aes so at hoje pouco compreendidas e estudadas.

    No se trata de propor em uma retextualizao a passagem de um texto su-postamente descontrolado e confuso (referindo-se ao texto falado) para outro dominado e bem-falado (texto escrito). A passagem da fala para a escrita no

    63

    Transcrio e retextualizao

  • do caos para a ordem: apenas a passagem de uma forma para outra, pois ambas permitem a construo de textos coesos e coerentes por meio da elabo-rao de raciocnios abstratos e exposies formais e informais, variaes sociais e dialetais.

    Antes de qualquer transformao textual, ocorre uma atividade cognitiva chamada compreenso, pois, antes de comear os processos de retextualizao, necessrio entender o que a outra pessoa disse ou teve inteno de dizer e, somente a partir disso, proceder s alteraes lexicais e estruturais. A proposta , portanto, utilizada tambm para um trabalho de compreenso das mensagens e no apenas com o objetivo de produo textual.

    Esse tipo de atividade com a lngua extremamente enriquecedora e com-prova que a linguagem no apenas um sistema de regras, mas sim uma ativi-dade sociointerativa. Seu uso tem um lugar de destaque e deve ser o principal objeto de nossa observao. A lngua deve ser vista alm da simples transmisso de informaes. um fenmeno sociocultural que nos permite a criao e nos torna verdadeiramente senhores de nossa opinio e expresso, e agentes que, conscientemente, transformam a realidade.

    As operaes de transformao do texto falado para o texto escrito

    Conforme os autores Fvero (2002) e Marcuschi (2003), existem cinco etapas que conduzem produo do texto escrito a partir da transcrio.

    Transcrio (trecho)

    Qual a sua opinio sobre os transportes em Porto Alegre?

    bom u qui eu achu du:: du transporrte u qui eu achu dus nhibus qui:: us motorista su muitu dus ignorantis i maltratu muitu us velhinhus ((suspi-rou)) i as pessoa deficienti mintal i tem agora aquelis negciu di carrterinha quandu elis pedi a carrterinha qui a genti nu::... tem ... elis omilha bastanti na frenti di TODU mundu dentru dus nhibus

    E sobre o centro da cidade?

    sobri / ah ah ah / Porrtalegri u centru di Porrtalegri eu achu assim qui u centru de Porrtalegri as pessoas h::: sei l ... tem muitus crianas ah...

    64

    Lngua Portuguesa: da oralidade escrita

  • pedindu errmola muit::us vlhu::s ah pedindu errmola i:: muitas coisas assim extragada n? cumidas ex-tra-ga-da pelu centru comu verrdura otras coisa mais inveiz deli ajud aquelas pissoas pobr is elis nu ajudu pefiru bot no lixu...

    Primeira etapa: eliminao de marcas interacionais, mudana fontica para modalidade escrita, incluso de pontuao (vrgulas e pontuao dos perodos)

    O que eu acho do transporte, o que eu acho dos nibus que os moto-rista so muito dos ignorantes e maltratam muito os velhinhos e as pessoa deficiente mental. E tem agora aqueles negcio de carteirinha, quando eles pede a carteirinha que a gente no tem, eles humilha bastante, na frente de todo mundo, dentro dos nibus. Sobre Porto Alegre, as pessoas, tm muitas crianas pedindo esmola, muitos velhos pedindo esmola e muitas coisas assim