língua brasileira de sinais (20hs)(1)

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Autores: Profa. Andréa da Silva Rosa Prof. Hélio Fonseca de Araújo Colaboradores: Profa. Silmara Maria Machado Prof. Nonato Assis de Miranda Profa. Juliane Adne Mesa Corradi Língua Brasileira de Sinais

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Apostila Unip

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  • Autores: Profa. Andra da Silva Rosa Prof. Hlio Fonseca de ArajoColaboradores: Profa. Silmara Maria Machado Prof. Nonato Assis de Miranda Profa. Juliane Adne Mesa Corradi

    Lngua Brasileira de Sinais

  • Professores conteudistas: Andra da Silva Rosa / Hlio Fonseca de Arajo

    Andra da Silva Rosa

    Possui graduao em Pedagogia pela Pontifcia Universidade Catlica de Campinas (1989) e mestrado em Educao pela Universidade Estadual de Campinas (2005). Atualmente professora da Universidade Paulista e pedagoga da Universidade Estadual de Campinas, da Faculdade de Cincias Mdicas e do Centro de Estudos e Pesquisa em Reabilitao. Tem experincia na rea de Educao e lngua de sinais, com nfase em Educao, atuando principalmente nos seguintes temas: lngua de sinais, brincar, imaginrio, linguagem, educao do surdo, incluso, letramento e interpretao.

    Hlio Fonseca de Arajo

    professor da Disciplina Lngua Brasileira de Sinais do curso de Pedagogia pela Universidade Paulista, Certificado pelo MEC. Alm disso, autor de materiais didticos do curso de educao a distncia.

    Atua como intrprete em rgos pblicos e privados e em programas televisivos, como o Novo Telecurso da Rede Globo. Publica materiais e artigos sobre o tema, disponibilizandoos em seu blog .

    Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrnico, incluindo fotocpia e gravao) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permisso escrita da Universidade Paulista.

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    R788l Rosa, Andra da Silva

    Lngua brasileira de sinais / Andra da Silva Rosa; Hlio Fonseca de Arajo. So Paulo: Editora Sol, 2012.

    144 p., il.

    1. Lngua de sinais. 2. Brasil lngua de sinais. 3. Legislao e surdez. I. Ttulo.

    CDU 376.33 : 81221.24

  • Prof. Dr. Joo Carlos Di GenioReitor

    Prof. Fbio Romeu de CarvalhoVice-Reitor de Planejamento, Administrao e Finanas

    Profa. Melnia Dalla TorreVice-Reitora de Unidades Universitrias

    Prof. Dr. Yugo OkidaVice-Reitor de Ps-Graduao e Pesquisa

    Profa. Dra. Marlia AnconaLopezVice-Reitora de Graduao

    Unip Interativa EaD

    Profa. Elisabete Brihy

    Prof. Marcelo Souza

    Profa. Melissa Larrabure

    Material Didtico EaD

    Comisso editorial: Dra. Anglica L. Carlini (UNIP) Dr. Cid Santos Gesteira (UFBA) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Ktia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valria de Carvalho (UNIP)

    Apoio: Profa. Cludia Regina Baptista EaD Profa. Betisa Malaman Comisso de Qualificao e Avaliao de Cursos

    Projeto grfico: Prof. Alexandre Ponzetto

    Reviso: Virgnia Bilatto Amanda Casale Geraldo Teixeira Jr.

  • SumrioLngua Brasileira de Sinais

    APRESENTAO ......................................................................................................................................................7INTRODUO ...........................................................................................................................................................7

    1 HISTRIA DA EDUCAO DOS SURDOS ...................................................................................................92 QUAL O PAPEL DA LNGUA DE SINAIS? .............................................................................................. 203 INTRPRETE DE LNGUA DE SINAIS ......................................................................................................... 284 LEGISLAO E SURDEZ ................................................................................................................................. 345 O QUE SO LNGUAS DE SINAIS ............................................................................................................... 396 GRAMTICA DA LNGUA DE SINAIS ........................................................................................................ 447 SINTAxE DA LNGUA DE SINAIS ................................................................................................................ 768 SINAIS RELACIONADOS EDUCAO .................................................................................................... 79

  • 7APReSentAo

    O objetivo geral desta disciplina desenvolver o conhecimento bsico da Libras, para que o futuro professor possa utilizlo em um trabalho de incluso escolar, ou seja, no ensino a alunos surdos matriculados em salas de aula regulares.

    Como objetivos especficos, a disciplina busca analisar, criticamente, as questes relativas educao de surdos; compreender, historicamente, conceitos e prticas relacionados educao da pessoa surda; desenvolver habilidades necessrias para a compreenso e aquisio da Lngua Brasileira de Sinais (Libras), em nvel bsico; e identificar o papel e importncia da Libras na constituio do sujeito surdo e, consequentemente, na aprendizagem da lngua portuguesa.

    IntRoDUo

    O propsito deste texto fornecer elementos bsicos para a compreenso do processo histrico da educao dos surdos e seus desdobramentos at a atualidade. Ao contrrio do que se postula, h muitas publicaes sobre a educao de surdos, tanto em formato de artigos como em livros, e existe ainda uma ampla divulgao na internet.

    A educao de surdos marcada por trs propostas pedaggicas, so elas: o oralismo, a comunicao total e o bilinguismo. Iremos estudlas para entendermos a sua relao com a prpria lngua de sinais.

    De acordo com a concepo que a sociedade tinha sobre surdos e deficientes auditivos, ser dada certa importncia ou desvalorizao para a lngua de sinais.

    Neste texto, estudaremos algumas formas possveis de alfabetizar o surdo e como se d o ensino da lngua portuguesa para eles.

    Ser visto um pouco sobre o intrprete de lngua de sinais e sua formao, assim como sua atuao na sala de aula.

    A legislao sobre surdez, mais especificamente o Decreto 5.626/05, evidencia a importncia das leis para que cidados surdos tenham seus direitos garantidos.

    No tangente da parte prtica da lngua de sinais, veremos o que so lngua de sinais e a gramtica dessa lngua, que nos induz a uma nova forma de ler o mundo.

    Iremos ainda aprender sinais relacionados a: famlia, educao, pronomes, pessoas, alfabeto manual, nmeros em libras, entre outros.

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    1 HIStRIA DA eDUcAo DoS SURDoS

    No passado, os surdos eram considerados incapazes de serem ensinados, por isso eles no frequentavam escolas. As pessoas surdas, principalmente as que no falavam, eram excludas da sociedade, sendo proibidas de casar, possuir ou herdar bens, e viver como as demais pessoas. Assim, privadas de seus direitos bsicos, ficavam com a prpria sobrevivncia comprometida.

    Na Antiguidade, a ideia central que prevalecia era a de Aristteles: a linguagem que d ao indivduo a condio de humano, sendo assim, como no falavam, os surdos no so considerados humanos.

    Para os romanos, os surdos no tinham direitos legais e, at o sculo xII, eles no podiam se casar.

    A infortunada criana era prontamente asfixiada ou tinha sua garganta cortada ou era lanada de um precipcio para dentro das ondas. Era uma traio poupar uma criatura de quem a nao nada poderia esperar (LANE e PHILIP, 1984, p. 165).

    Durante a Antiguidade e por quase toda a Idade Mdia, pensavase que os surdos no fossem educveis, ou que fossem imbecis. Na Idade Mdia, a igreja catlica acreditava que as almas dos surdos no poderiam ser consideradas imortais, porque eles no podiam falar os sacramentos.

    Alguns escritos encontrados demonstraram principalmente depoimentos de curas por meio de milagres, ou essas curas no eram explicadas. A partir do incio do sculo xVI, comeouse a reconhecer que os surdos poderiam se desenvolver utilizando procedimentos pedaggicos sem a necessidade de uma interferncia miraculosa.

    Surgem ento depoimentos de educadores que se dispuseram a trabalhar no desenvolvimento intelectual dos surdos, e cada um deles obteve um resultado diferente de acordo com sua prtica pedaggica.

    O objetivo principal nesse momento era ajudar os surdos a desenvolverem seus pensamentos, dandolhes conhecimentos para interagir no mundo dos ouvintes. Para que essa interao se desse de forma satisfatria, os surdos tinham que aprender a falar e entender as lnguas orais, e essas aprendizagens eram vistas como estratgias para chegar ao objetivo principal (LACERDA, 1998).

    Infelizmente, nessa poca era costume no revelar quais eram os mtodos adotados na educao dos surdos. Cada educador ou pesquisador trabalhava autonomamente e era uma prtica incomum a troca de experincias. Heinicke (17271790) educador alemo, professor de surdos, relatou que seus mtodos de educao s seriam conhecidos pelo seu filho.

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    Heinicke alegava ter passado por tantas dificuldades que no pretendia dividir suas conquistas com ningum. Assim, tornase difcil saber o que era feito naquele tempo; como consequncia, muitos dos trabalhos desenvolvidos se perderam (LACERDA, 1998).

    No contexto educacional era comum a figura do preceptor. Muitas famlias nobres e influentes da poca que tinham um membro surdo contratavam um professor/preceptor, que teria a responsabilidade de ensinar a lngua oral a esse indivduo, pois sem essa comunicao perderia vrios direitos legais, que eram retirados daqueles que no falavam.

    O espanhol Pedro Ponce de Leon , em geral, reconhecido nos trabalhos de carter histrico como o primeiro professor de surdos (LACERDA, 1996).

    Pedro Ponce de Lon (15201584) foi um monge beneditino (Oa, Espanha), cujo trabalho serviu de base para diversos outros educadores de surdos, e foi o verdadeiro incio da educao dos surdos. Educava filhos de nobres porque no receberiam o ttulo e a herana se no falassem, especialmente os primognitos.

    Alm da ateno dada oralidade dos surdos, a lngua escrita tambm desempenhava um papel fundamental na educao.

    Os alfabetos manuais sempre foram utilizados nas comunidades surdas, e esse sistema de representao das letras do alfabeto era inventado pelos prprios professores (ouvintes) que tinham como argumento o fato de que, se o indivduo surdo no poderia ouvir o som das palavras, poderia ento lla com os olhos. De fato, os surdos tinham aptido em correlacionar as palavras com o conceito diretamente, sem precisar da fala oral.

    A grande maioria dos educadores de surdos iniciava o ensinamento de seus alunos propondo a leituraescrita e, a partir da, tinha como instrumento diferentes tcnicas para desenvolver outras habilidades, como articulao das palavras e a leitura.

    Eram poucos os surdos que podiam se beneficiar do trabalho desses professores, apenas os que pertenciam s famlias mais ricas. Nessa poca, muitos surdos no tiveram nenhum tipo de ateno especial e, provavelmente, se vivessem agrupados ou se tivessem alguma instituio onde pudessem se encontrar, poderiam ter desenvolvido algum tipo de linguagem de sinais por meio da qual poderiam interagir. Desde ento podem ser distinguidas, nas propostas e currculos educacionais vigentes, iniciativas e mtodos antecedentes, que atualmente chamamos de oralismo, e outras antecedentes, que chamamos de gestualismo. Quando os profissionais da educao comearam a pensar no desenvolvimento dos surdos, fizeram um acordo de que essa educao s se daria de fato com a aprendizagem da lngua oral da sociedade em que viviam; entretanto, no meio desse acordo, j no incio do sculo xVIII, foi aberta uma brecha que aumentaria com o passar do tempo e que separaria irreconciliavelmente oralistas de gestualistas.

    Os oralistas exigiam que os surdos se reabilitassem, vencendo os obstculos da surdez, que aprendessem a lngua oral e que agissem como se no fossem surdos. Algumas pessoas impacientes

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    da poca reprimiam tudo que fizesse lembrar que os surdos no poderiam falar oralmente como os ouvintes. A oralizao foi imposta para que os surdos fossem aceitos na sociedade, mas, nesse processo, a grande maioria dos surdos das classes mais pobres no teria acesso educao, desenvolvimento pessoal e integrao sociedade, levandoos assim a se organizarem de forma precria e clandestina.

    J os gestualistas aceitavam o fato de os surdos terem dificuldade com a lngua oral, e perceberam que eles desenvolveram outro tipo de linguagem, que era eficaz para a comunicao e que possibilitaria o conhecimento da cultura que os oralistas tinham lhes tirado.

    No final do sculo xVIII, aumentou o nmero de gestualistas, alm de ocorrerem mudanas no ambiente educacional que favoreceram os surdos. Como representante mais importante do que se conhece como abordagem gestualista, est o mtodo francs de educao de surdos. O abade Charles M. de LEpe foi o primeiro a estudar uma lngua de sinais usada por surdos, reconhecendo o seu valor lingustico.

    LEpe comeou a pesquisar grupos de surdos, observou que eles utilizavam um tipo de comunicao apoiada no canal visogestual, e essa, por sua vez, era muito eficiente. Tendo como base a linguagem gestual, ele desenvolveu um mtodo educacional para os surdos daquela regio, adicionando sinais que aproximava sua estrutura da lngua francesa. Esse sistema recebeu o nome de sinais metdicos. A proposta educativa de LEpe que todos os educadores deveriam aprender os sinais para se comunicar e assim oferecer uma boa educao para os surdos; alm de possibilitar a aprendizagem da lngua oral falada pela sociedade majoritria.

    Abade LEpe

    CharlesMichel de LEpe iniciou o seu trabalho com surdos em 1760 por razes religiosas, catequizando duas irms surdas.

    Percebeu que, na ausncia da audio, a escrita poderia ser a principal forma de aprendizagem dos surdos.

    Desenvolveu um mtodo educacional para os surdos, adicionando sinais que aproximava sua estrutura da lngua francesa, que recebeu o nome de sinais metdicos, sendo assim, os surdos teriam acesso no apenas escolaridade bsica, mas literatura e outras formas de expresso cultural.

    Em relao abordagem educacional a ser adotada, atualmente no existe, mesmo em nvel mundial, um consenso sobre qual delas (oralismo, comunicao total ou bilinguismo) seria a melhor. No entanto, de forma isolada, pases como a Venezuela apresentam uma poltica governamental oficial que dirige a filosofia educacional adotada em todas as suas escolas. A despeito de qualquer benefcio que esse tipo de postura possa trazer, criase uma camisa de foras, e a educao perde toda a flexibilidade necessria para formar de fato as pessoas. Mais uma vez, mas de forma (mal) disfarada, estamos diante daquela velha prtica que acompanha a humanidade desde sempre: a normatizao de todos.

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    observao

    Diferentemente de seus contemporneos, LEpe no teve problemas para romper com a tradio das prticas secretas e no se limitou a trabalhar individualmente com poucos surdos.

    Em 1775, fundou uma escola, a primeira em seu gnero, com aulas coletivas, nas quais professores e alunos usavam os chamados sinais metdicos.

    Instituto de Educao de Surdos de Paris em 1789

    Diferente dos educadores da poca, LEpe sempre divulgava seus trabalhos em reunies peridicas. Em 1776, publicou um livro divulgando suas tcnicas. Seus alunos evoluram na escrita, e muitos deles ocuparam mais tarde o lugar de professores de outros surdos. Nesse perodo, alguns desses ganharam lugares de destaque na sociedade de seu tempo. LEpe sentiu orgulho de seus alunos que liam e escreviam em francs, alm de refletir e discutir sobre diversos assuntos. Livros datados desse perodo, escritos por surdos, demonstram suas dificuldades de expresso e os problemas provocados pela surdez (LANE e PHILIP, 1996).

    Para LEpe, a linguagem de sinais concebida como a lngua natural dos surdos e como veculo adequado para desenvolver o pensamento e sua comunicao. Ainda, o domnio de uma lngua, oral ou gestual, tido como um instrumento para o sucesso de seus objetivos e no como um fim em si mesmo. Ele tinha clara a diferena entre linguagem e fala e a necessidade de um desenvolvimento pleno de linguagem para o desenvolvimento normal dos sujeitos.

    Renomados educadores oralistas contemporneos, como Pereira, em Portugal, e Heinicke, na Alemanha, criticavam e desenvolviam outra forma de trabalhar com os surdos, diferente de LEpe.

    Samuel-Heinicke (Alemanha, 17271790)

    Por volta de 1754, educou sua primeira aluna surda. Seu sucesso em ensinla foi to grande que tomou a deciso de se devotar inteiramente a esse trabalho.

    Inaugurou a primeira instituio para surdos em Leipzig, em 1778. Dirigiu essa escola at sua morte.

    Foi o autor de vrios livros na instruo aos surdos. Seus mtodos de ensino eram estritamente orais.

    Heinicke considerado o fundador do mtodo alemo e do oralismo. Ele acreditava que o raciocnio s possvel pela lngua oral e depende dela, ou seja, para Heinicke, os surdos no pensavam. A lngua escrita teria importncia secundria, devendo ser ensinada depois da lngua oral e nunca antes dela.

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    A educao dos alunos surdos utilizando a linguagem de sinais era um retrocesso.

    Devido ao avano e a divulgao das prticas pedaggicas com surdos, foi realizado, em 1878, em Paris, o I Congresso Internacional sobre a Instruo de Surdos, no qual houve grandes debates sobre as experincias e os resultados obtidos at ento. Nesse evento, muitos eram a favor do uso de sinais, mas a grande maioria defendia o uso da lngua oral. Ali, os surdos tiveram algumas conquistas importantes, como o direito a assinar documentos, tirandoos da marginalidade social, mas ainda estava distante a possibilidade de uma verdadeira integrao social.

    Em 1880, foi realizado o II Congresso Internacional, em Milo, que trouxe uma completa e terrvel mudana na educao dos surdos e, justamente por isso, considerado um marco histrico. O congresso foi organizado pela maioria oralistas com o objetivo de dar fora de lei as suas teorias no que dizia respeito surdez e educao de surdos. Nesse congresso foi decidido que a linguagem de sinais deveria ser banida como forma de comunicao e trabalhos feitos com surdos em ambientes educacionais. A nica oposio clara feita ao oralismo foi apresentada por Gallaudet que, desenvolvendo nos Estados Unidos um trabalho baseado nos sinais metdicos do abade de LEpe, discordava dos argumentos apresentados, remetendose aos sucessos obtidos por seus alunos.

    Com o congresso de Milo, no se tolerava mais o uso da linguagem de sinais com a lngua oral, a figura do professor surdo desaparecia. Era esse professor surdo que intervinha na educao, de modo ensinar/transmitir certo tipo de cultura e de informao atravs do canal visogestual e que, depois do congresso, foi excludo das escolas.

    Com Congresso de Milo, o oralismo foi referencial para o mundo todo, todas as prticas educacionais vinculadas a ele foram amplamente desenvolvidas e difundidas. Essa abordagem foi aceita sem ser questionada por quase cem anos, mas os resultados de dcadas de trabalho nessa linha, entretanto, no mostram grande sucesso.

    Grande parte dos surdos no desenvolveu uma fala socialmente aceita e, em geral, esse desenvolvimento era parcial e tardio se comparado aos ouvintes.

    Do Congresso de Milo at hoje, vrias foram as prticas visando reabilitao da pessoa surda que no obteve sucesso, por isso, foram criadas leis que valorizam e reconhecem a importncia da lngua de sinais na educao dos surdos.

    Jacob Rodrigues Pereira (17151780)

    Conhecedor e fluente em lngua de sinais, acreditava e defendia a oralizao dos surdos.

    Usava o alfabeto manual como apoio lingustico.

    Aps a sua converso do judasmo ao cristianismo, abandonou a ideia de que o surdo tem que ser um sinalizador e falante.

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    Paris, Ferdinand Berthier (18031886)

    Um homem dedicado educao dos surdos.

    Aluno mais ilustre do Instituto de Surdos de Paris.

    Professor nesse instituto e personagem importante na comunidade surda.

    Organizador intelectual e poltico na Frana do sculo xIx.

    Escreveu a biografia de L`Epe, entre outros livros que contriburam no campo da surdez.

    Jean Marc Itard (17741838)

    Mdico cirurgio, tornouse mdico residente do Instituto Nacional de SurdosMudos de Paris.

    Publicou o livro Trait ds maladies de Loreille ET de Laudition (1821).

    Tentou de todas as formas erradicar a surdez, aplicando cargas eltricas nos ouvidos dos surdos, usando sanguessugas para causar sangramento e assim desobstruir algo que estava atrapalhando a entrada do som e colocando cateteres nos ouvidos dos surdos.

    Aps 16 anos de pesquisas, experincias e inmeras tentativas de oralizao dos surdos, Itard se rende ao fato de que essas pessoas s podem ser alfabetizadas por meio da lngua de sinais.

    Alexander Graham Bell (18471922)

    Casado com Mabel Hubbard (deficiente auditiva), que perdera a audio ainda jovem e fora educada oralmente.

    Graham Bell era contra a lngua de sinais, pois achava que esse tipo de comunicao atrapalharia o desenvolvimento dos surdos. Dizia que a sociedade majoritria usava lngua oral, sendo assim, os surdos teriam que adaptarse a ela.

    Bell foi o inventor do telefone que at bem pouco tempo atrs os surdos no usavam.

    Edward Miner Gallaudet (1837-1917)

    Acompanhou todo o processo de desenvolvimento na educao dos surdos nos Estados Unidos em 1867, visitou 14 escolas de surdos na Europa no qual muitas delas usavam o mtodo combinado (sinais e oralidade), e assim tirou suas prprias concluses sobre o assunto. Gallaudet acreditava que os surdos poderiam usar o mtodo combinado, mas para ter um resultado satisfatrio, teriam que aprender primeiro os sinais e em seguida a lngua oral.

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    Comunicao total

    Na dcada de 1960, estudos sobre a lngua de sinais foram surgindo. Toda a proibio por parte dos oralistas no impediu que os surdos utilizassem os sinais, nem que essa lngua se desenvolvesse. Com o fracasso do oralismo e com novas pesquisas sobre a lngua de sinais, propostas educacionais que contemplavam o uso de uma comunicao visogestual foram surgindo.

    Surge ento em 1970 a filosofia chamada comunicao total.

    A comunicao total a prtica de usar sinais, leitura labial, expresso facial e corporal, alfabeto manual e recursos visuais para fornecer inputs lingusticos para estudantes surdos, para que assim possam escolher com qual tipo de comunicao melhor se adaptam. A oralizao no o objetivo final, e sim um dos meios para levar a integrao dos surdos na sociedade.

    Na comunicao total, os surdos poderiam usar sinais que eles j utilizavam nas conversas em seu cotidiano e tambm sinais gramaticais que foram criados e marcados com elementos presentes na lngua oral, mas no na lngua de sinais.

    Na comunicao total, tudo o que era falado poderia ser acompanhado por elementos visuais que o representam (letra do alfabeto digital para ajudar na aquisio da lngua oral e, posteriormente, da leitura e da escrita) (MOURA, 1993).

    A comunicao total foi um progresso se pensarmos que, a partir dela, os surdos poderiam se expressar por meio da lngua de sinais proibida pelo oralismo.

    A surdez uma experincia visual que traz ao sujeito surdo a possibilidade de constituir sua subjetividade por meio de prticas cognitivolingusticas diversas, mediadas por formas de comunicao simblica alternativas, que encontram na lngua de sinais seu principal meio de concretizao.

    O uso dos sinais pode ser muito variado, dependendo da opo feita no trabalho de comunicao total. Podese falar e sinalizar junto, ou usar a lngua de sinais separada da oralidade, que uma tentativa de representar lngua oral sinalizando etc.

    Bilinguismo na educao dos surdos

    Enquanto a comunicao total ganhava seu espao, estudos paralelos sobre a lngua de sinais eram feitos, com isso, propostas educacionais diferentes foram surgindo, como o bilinguismo.

    Essa proposta defende a ideia de que a lngua de sinais a lngua natural dos surdos e tem que ser ensinada primeiro (L1), pois mesmo sem audio, podem desenvolver uma lngua visogestual.

    Os surdos adquirem naturalmente a lngua de sinais, que possibilita ter acesso a uma comunicao eficaz e completa, como aquela desenvolvida pelos ouvintes; alm de possibilitar um melhor desenvolvimento cognitivosocial de acordo com sua faixa etria.

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    Contrapondo o oralismo, o modelo de educao bilngue valoriza o canal visogestual dos surdos e apoia a aquisio da lngua de sinais. Ao contrrio tambm da comunicao total que usava a lngua de sinais como um apoio na comunicao e alfabetizao dos surdos, o bilinguismo defende um espao efetivo da lngua de sinais nos trabalhos educacionais, indo contra essa mistura de sinais que at ento eram feitas. Nesse modelo, o que se prope que sejam ensinadas duas lnguas, a lngua de sinais e, secundariamente, a lngua do grupo ouvinte majoritrio; no caso do Brasil, a lngua portuguesa.

    O objetivo da educao bilngue que a criana surda possa se desenvolver cognitivamente e linguisticamente equivalente ao verificado na criana ouvinte e que possa desenvolver uma relao harmoniosa tambm com ouvintes, tendo acesso s duas lnguas: a lngua de sinais e a lngua majoritria, escrita e falada.

    A filosofia bilngue acredita tambm que a criana surda, em contato com um adulto surdo, constri uma autoimagem positiva como sujeito surdo, alm se integrar na comunidade ouvinte.

    Para garantir a qualidade em um projeto educacional para surdos, primordial que a lngua de sinais seja ensinada na infncia como primeira lngua, e a lngua majoritria do pas como segunda lngua. Para isso, fazse necessria a atuao de educadores bilngues (surdos e ouvintes), como professores, interlocutores e intrpretes de lngua de sinais. Esses profissionais daro acesso aos surdos nas escolas em condies de igualdade com os demais alunos do sistema educacional.

    Os surdos fazem parte de uma comunidade lingustica diferente e que, por isso, tm direito de aprender e ter experincias com a utilizao de sua lngua natural.

    necessrio repensarmos a forma com que a criana surda recebida na escola, como uma criana que possui outra lngua diferente da sua professora e tambm dos seus colegas.

    A proposta bilngue respeita no somente a lngua de sinais, mas tambm a comunidade surda e seus familiares, quer sejam ouvintes ou surdos.

    O bilinguismo no se limita educao, ou seja, sala de aula, mas sim a todo o universo da vida do surdo. Nesse sentido, o bilinguismo na educao de surdos no se confunde somente com bilinguismo na escola, ou mais especificamente na sala de aula. Colocar a criana surda em contato com alguns sinais soltos durante a aula implica ter um bilinguismo eficaz.

    Um dos grandes desafios dos educadores aceitar que esse tipo de oferta educativa deve ser baseada na compreenso de respeito cidadania, ao exerccio da pluralidade cultural, constituio de conhecimento e formao do sujeito crtico e participativo. Alcanar esta meta significa compor uma discusso por meio da concepo de homem que o compreende como sujeito histrico que transforma e transformado pelo prprio contexto, faz e refaz a sua histria e a histria do outro. O processo pedaggico, longe de ser um captulo parte ou mesmo passaporte para a cidadania, o seu

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    prprio exerccio. Este processo se determina a partir da rede complexa de relaes de subjetividade, cultura e conhecimento (SANTOS, 1998, p. 42).

    Toda criana surda, qualquer que seja o nvel da sua perda auditiva, deve ter o direito de crescer bilngue. Conhecendo e usando a lngua de sinais e a lngua oral (na sua modalidade escrita e, quando for possvel, na sua modalidade falada), a criana alcanar um completo desenvolvimento das suas capacidades cognitivas, lingusticas e sociais.

    Pequeno histrico dos ltimos anos no Brasil

    Em relao ao Brasil, tmse informaes de que, em 1855, chegou ao pas o professor surdo francs Hernest Huert. Ele veio para o Brasil a convite do imperador D. Pedro II para iniciar um trabalho de educao de duas crianas surdas. Estas tinham bolsas de estudo, que eram pagas pelo governo.

    Em 26 de setembro de 1857, fundado o Instituto Nacional de SurdosMudos, atual Instituto Nacional de Educao do Surdo (Ines), em que era utilizada a lngua de sinais. Porm, seguindo a tendncia determinada pelo Congresso de Milo (1880), em 1911, o Ines estabeleceu o oralismo como mtodo de educao dos surdos.

    No final da dcada de 1970 chega ao Brasil a filosofia da comunicao total; ela introduzida no Brasil sob a influncia do Congresso Internacional de Gallaudet.

    1977 criada, no Rio de Janeiro, a Federao Nacional de Educao e Integrao dos Deficientes Auditivos (FENEIDA) com diretoria de ouvintes.

    1981 incio das pesquisas sistematizadas sobre a lngua de sinais no Brasil.

    1982 elaborao em equipe de um projeto subsidiado pela Anpocs e pelo CNPQ intitulado Levantamento lingustico da lngua de sinais dos centros urbanos brasileiros (LSCB) e sua aplicao na educao. A partir dessa data, diversos estudos lingusticos sobre Libras so efetuados sob a orientao da linguista Lucinda Ferreira Brito, principalmente na UFRJ. A problemtica da surdez passa a ser alvo de estudos para diversas dissertaes de mestrado.

    1983 criao, no Brasil, da Comisso de Luta pelos Direitos dos Surdos.

    1986 o Centro Suvag (PE) faz sua opo metodolgica pelo bilinguismo, tornandose o primeiro lugar no Brasil em que efetivamente essa orientao passou a ser praticada.

    1987 criao da Federao Nacional de Educao e Integrao dos Surdos (Feneis), em 16/05, sob a direo de surdos.

    1991 a Libras reconhecida oficialmente pelo governo do Estado de Minas Gerais (Lei n 10.397 de 10/1/91).

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    1994 comea a ser exibido na TV Educativa o programa Vejo Vozes (out/94 a fev/95), usando a lngua de sinais brasileira.

    1995 criado por surdos no Rio de Janeiro o comit Proficializao da lngua de sinais.

    1996 so iniciadas, no Ines, em convnio com a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), pesquisas que envolvem a implantao da abordagem educacional com bilinguismo em turmas da prescola, sob a coordenao da linguista Eullia Fernandes.

    1998 Telerj do Rio de Janeiro, em parceria com a Feneis, inaugurou a central de atendimento ao surdo atravs do nmero 1402; o surdo, em seu TS, pode se comunicar com o ouvinte em telefone convencional. O parelho oferece:

    Acoplador acstico para nonofone.

    Visor para texto digitado e recebido.

    Teclado alfanumrico para digitao das mensagens.

    1999 em maro comeam a ser instaladas em todo o Brasil telessalas com o Telecurso 2000 legendado.

    2000 closed caption, ou legenda oculta; ela transcreve o que dito. Aps trs anos de funcionamento no Jornal Nacional, ela disponibilizada aos surdos tambm nos programas Fantstico, Bom Dia Brasil, Jornal Hoje, Jornal da Globo e Programa do J. o fim da televiso muda.

    Figura 1 Closed caption

    2002 A Libras oficializada no Brasil em 24 de abril, pela Lei federal n 10.436.

    2005 Projeto de Lei 5.626 que regulamenta a Libras e dispe sobre a implantao da disciplina da lngua brasileira de sinais nos cursos de graduao.

    O que necessita fazer a criana surda com a linguagem?

    Uma criana ouvinte, normalmente, adquire a lngua nos primeiros anos de vida se est exposta a ela e pode percebla. O uso da lngua um meio importante para estabelecer e solidificar os vnculos sociais e pessoais entre a criana e seus pais. O que uma realidade para a criana ouvinte deve ser tambm para a criana surda. A criana surda deve ser capaz de se comunicar com os seus pais por meio de uma lngua natural, to pronta e integralmente quanto possvel. Por meio da linguagem, ocorre

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    grande parte do estabelecimento de vnculos afetivos entre a criana e seus pais e tambm por meio dela, a criana surda deve cumprir uma srie de tarefas, como comunicarse com seus pais e familiares o mais cedo possvel, e:

    Desenvolver suas capacidades cognitivas durante a infncia. Por meio da lngua a criana desenvolve suas capacidades cognitivas, capacidades de importncia crtica para seu desenvolvimento pessoal. Entre essas capacidades encontramos diferentes tipos de raciocnio, pensamento abstrato, memorizao etc. A ausncia total de uma lngua, a adoo de uma lngua no natural ou o uso de uma lngua que pobremente percebida ou conhecida pode ter consequncias negativas importantes no desenvolvimento cognitivo da criana.

    Adquirir conhecimentos sobre o mundo. A criana adquirir conhecimentos sobre a realidade exterior principalmente por meio do uso da lngua. Comunicando com os seus pais, familiares, outras crianas ou adultos, a criana intercambiar e processar a informao sobre o mundo que a rodeia. Esses conhecimentos serviro como base para as atividades que ocorrero na escola e facilitaro a compreenso da lngua. No existe uma verdadeira compreenso da lngua sem o apoio de tais conhecimentos.

    Comunicarse integralmente com o mundo circundante. A criana surda, como a criana ouvinte, deve ser capaz de se comunicar de modo integral com todas aquelas pessoas que formam parte de sua vida (pais, irmos, grupos de pares, professores, adultos etc.). A comunicao deve proporcionar certa quantidade de informao numa lngua apropriada para o interlocutor e adequada ao contexto. Em alguns casos, ser a lngua de sinais, em outros, ser a lngua oral (em alguma de suas modalidades) e em outros sero ambas as lnguas alternadamente.

    Pertencer culturalmente a dois mundos. Por meio do uso da lngua a criana surda dever converterse progressivamente em membro do mundo ouvinte e do mundo surdo. Dever identificarse, pelo menos em parte, com o mundo ouvinte que quase sempre o mundo de seus pais e familiares (90% das crianas surdas tem pais ouvintes).

    O bilinguismo o nico modo de satisfazer essas necessidades

    O bilinguismo o conhecimento e uso regular de duas ou mais lnguas. Um bilinguismo lngua oral/lngua dos sinais a nica via atravs da qual a criana surda poder ser atendida nas suas necessidades, quer dizer, comunicarse com os pais desde uma idade precoce, desenvolver as suas capacidades cognitivas, adquirir conhecimentos sobre a realidade externa, comunicarse plenamente com o mundo circundante e converterse num membro do mundo surdo e do mundo ouvinte.

    Que tipo de bilinguismo?

    O bilinguismo da criana surda implica o uso da lngua de sinais, usada pela comunidade surda, e a lngua oral usada pela maioria ouvinte. Esta ltima adquirese na sua modalidade escrita e, quando possvel, na sua modalidade falada. Em cada criana as duas lnguas jogaro papis diferentes: em algumas crianas predominar a lngua de sinais, em outras predominar a lngua oral, e noutras haver

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    certo equilbrio entre ambas as lnguas. Ainda, devido aos diferentes nveis de surdez possveis e complexa situao de contato entre ambas as lnguas (quatro modalidades lingusticas, dois sistemas de produo e dois de recepo etc.) podemos encontrar diferentes tipos de bilinguismo, isto , a maioria das crianas surdas adquirir nveis distintos de bilinguismo e biculturalismo. Nesse sentido, no se diferenciam de metade da populao mundial, aproximadamente, que convive com duas ou mais lnguas (estimase que h no mundo, atualmente, tantas pessoas se no mais bilngues quanto monolngues). Como outras crianas bilngues, as crianas surdas usaro ambas as lnguas nas suas vidas quotidianas como membros integrantes de dois mundos, nesse caso, o mundo ouvinte e o mundo surdo.

    Saiba mais

    Para aprofundar seus conhecimentos, acesse:

    e

    .

    2 QUAL o PAPeL DA LngUA De SInAIS?

    A lngua de sinais deve ser a primeira lngua (ou uma das primeiras) adquirida pelas crianas com uma perda auditiva severa. A lngua de sinais uma lngua natural, plenamente desenvolvida, que assegura uma comunicao completa e integral. Diferentemente da lngua oral, a lngua de sinais permite s crianas surdas em idade precoce se comunicar com os pais plenamente, desde que ambos adquiramna rapidamente. A lngua de sinais tem papel importante no desenvolvimento cognitivo e social da criana e permite a aquisio de conhecimentos sobre o mundo circundante.

    A lngua de sinais permitir criana um desenvolvimento de sua identificao com mundo surdo (um dos dois mundos aos quais a criana pertence) logo que entre em contato com esse mundo. E mais, a lngua de sinais facilitar a aquisio da lngua oral, seja na modalidade escrita ou na modalidade falada. sabido que uma primeira lngua adquirida com normalidade, que se trate de uma lngua oral ou de uma lngua de sinais, estimular em grande medida a aquisio de uma segunda lngua. Finalmente, o fato de ser capaz de utilizar a lngua de sinais ser uma garantia de que a criana maneje pelo menos uma lngua. Apesar dos vrios esforos feitos para as crianas surdas aprenderem a lngua oral na sua mobilidade falada, grande a dificuldade dos surdos para conseguir ter algum resultado satisfatrio. Sem contar os vrios anos que essa criana ficar sem o acesso sua lngua natural, ocasionando um atraso cognitivo e lingustico.

    Qual o papel da lngua oral?

    Para uma pessoa ser considerada bilngue, precisa saber e utilizar duas lnguas. A segunda lngua da criana surda a lngua oral da comunidade qual pertence.

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    As pessoas que convivem com o surdos devem aprender a lngua de sinais, quando isso no acontece, importante que a comunicao acontea mesmo oralmente. A lngua oral na sua modalidade escrita um meio importante que o auxiliar na aquisio dos conhecimentos.

    Inmeras so as aprendizagens que se transmite atravs da escrita, tanto em casa como depois na escola. Por isso, o xito acadmico da criana surda e seus futuros sucessos profissionais est associado diretamente a um bom manejo da lngua oral na sua modalidade escrita e, quando possvel, na modalidade falada.

    Pensarmos em reabilitar os surdos contando exclusivamente com a lngua oral, devido aos recentes avanos tecnolgicos, muito risco que se corre, podendo haver consequncias srias para o futuro dessa criana. A criana pequena, tendo contato com as duas lnguas, ter mais recursos do que tendo contato apenas com uma lngua, independente do caminho que ela trilhar ou do contexto que ela viver. Ningum perde em saber vrias lnguas, voc se arrepende quando sabe poucas. A criana surda tem o direito de crescer bilngue e nossa responsabilidade fazer com que isso acontea.

    Aquisio da escrita pela criana surda na proposta bilngue

    Para que essa aquisio acontea com sucesso, a lngua de sinais deve ser a primeira lngua dos surdos, para o respaldo necessrio para a aprendizagem da segunda lngua, preferencialmente na modalidade escrita; j que por ser surdo, utilizar do canal visogestual a linguagem mais acessvel para esse aluno.

    Em qualquer escola, o aluno surdo tem o direito a uma metodologia que atenda s suas especificidades.

    Mas, para isso, o educador deve lanar mo de estmulos visuais diversos, para que as crianas se apropriem de todos os conceitos.

    Quando a criana surda e os pais so ouvintes, fica mais difcil a aquisio dos sinais, para isso, essa criana precisa ter contato com adultos surdos que trabalhem atividades pedaggicas, como jogos, histrias, relatos etc.

    A interao com os adultos surdos ser propiciada pela escola de surdos ou inclusivas, que tenham professores surdos ou ouvintes fluentes em lngua de sinais.

    No Brasil, a aquisio da lngua portuguesa na sua modalidade escrita se dar por meio de exposio de texto, uma vez que a leitura se constitui como principal fonte para aprendizagem da lngua portuguesa. O professor fluente nas duas lnguas (lngua de sinais e portugus) dever explicar os textos, bem como mostrar para os alunos a diferena e semelhanas entre uma lngua e outra.

    No Brasil, o direito das crianas surdas a uma educao bilngue garantido pelo Decreto Federal n 5626, de 22 de dezembro de 2005.

    Esse documento assegura vrios direitos dos surdos, como educao bilngue, intrprete de Libras desde a educao infantil at o ensino superior etc. O documento tambm reconhece a lngua de sinais como primeira lngua dos surdos e a lngua portuguesa como segunda lngua.

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    Considerar a lngua de sinais como a primeira lngua do surdo significa que os contedos escolares devem ser trabalhados por meio dela e que a lngua portuguesa, na modalidade escrita, ser ensinada com base nas habilidades interativas e cognitivas j adquiridas pelas crianas surdas nas suas experincias com a lngua de sinais (QUADROS, 1997).

    O educador surdo que atua dentro das instituies de ensino tem um papel fundamental para difundir a lngua de sinais para os profissionais, pais ouvintes de alunos surdos e para os alunos ouvintes.

    Segundo Moura e Vieira (2005), o fato de a escola ter profissionais surdos atuando, possibilitam a construo de identidades surdas por meio do acesso s caractersticas culturais da comunidade surda e da interao com modelos positivos de surdos adultos, pelas quais as crianas surdas iro se identificar, trabalhando assim a sua autoimagem.

    Levando em conta a importncia desse profissional, esse surdo deve fazer parte da equipe escolar e participar do planejamento das atividades direcionadas aos alunos surdos, e assim garantir que seja respeitadas as peculiaridades da aprendizagem desse aluno, isto , tendo acesso ao conhecimento pela viso.

    Lembrete

    Quadros (2005) lembra que a educao de surdos, em uma proposta bilngue, deve ser organizada em uma perspectiva visualespacial, mesmo que para isso adaptaes e equipamentos eletrnicos sejam necessrios.

    No basta simplesmente traduzir o contedo para lngua de sinais, necessrio pensar nas questes culturais das comunidades surdas, ou seja, fazer uma transposio cultural para a realidade dos surdos (SKLIAR, 1999).

    Ser bilngue no simplesmente conhecer palavras soltas, desconexas em uma frase, vai alm disso, conhecer e saber usar o lxico, a semntica, a pragmtica etc. Ser bilngue, no caso da pessoa surda, s possvel com o biculturalismo, isto , convivncia e identificao com usurios de lngua de sinais e a lngua majoritria, no caso do Brasil, a lngua portuguesa, preferencialmente na sua modalidade escrita.

    Para que isso acontea de fato, necessrio que as duas lnguas sejam contempladas no currculo escolar, alguns assuntos no podem ficar de fora desse currculo, como: histria da educao dos surdos, a histria das comunidades surdas, movimentos surdos, personagens importantes, cultura, literaturas surdas, artes e direitos e deveres dos surdos.

    Os profissionais envolvidos, alm da fluncia em lngua de sinais, devero ter conhecimento da cultura surda e valorizar a lngua de sinais como tendo seu status de lngua, assim como a lngua portuguesa.

    Para que a aprendizagem da lngua portuguesa escrita acontea de forma satisfatria, necessrio trabalhar com os alunos o maior nmero de textos possvel. No comeo, textos ilustrados favorecem muito a compreenso, possvel fazer a interpretao dos textos para lngua de sinais, como na imagem:

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    Figura 2 Livro digital desenvolvido pelo professor Hlio

    Assim, os surdos podem analisar os contedos na sua lngua natural e na lngua portuguesa.

    Nos exerccios a seguir, possvel verificar o uso da lngua portuguesa e do alfabeto manual no comeo do processo de alfabetizao. Utilizando exerccios semelhantes, a criana surda ir se apropriar da lngua portuguesa de forma significativa e ir entender a diferena entre as duas lnguas.

    Figura 3 Figura 4

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    Figura 5 Exerccio elaborado por Hlio Fonseca de Arajo

    Por meio de exerccios como os exemplos, a criana surda desenvolve gradualmente o conhecimento sobre a forma escrita da lngua.

    As duas lnguas no competem, no se ameaam, possuem o mesmo status, ou seja, a lngua de sinais, como primeira lngua do surdo, sua lngua de identificao, de instruo e de comunicao e a lngua portuguesa, na modalidade escrita, como segunda lngua, a possibilidade do surdo ter acesso informao, conhecimento e cultura tanto da comunidade surda como da majoritria ouvinte (PEREIRA, 2009, p. 67).

    A proposta bilngue tambm vai permitir ao aluno surdo construir uma autoimagem positiva, pois, alm de utilizar a lngua de sinais como lngua natural, vai recorrer lngua portuguesa para integrarse na cultura ouvinte.

    O bilinguismo chama a ateno para o aspecto da identificao da criana surda com seus pares, considerando que a educao bilngue tem contribudo cada vez mais para que isso acontea, sugerindo um novo olhar sobre a surdez, que se afasta de uma viso clnica e reabilitadora. necessrio compreender que a lngua de sinais apresenta uma modalidade diferente da lngua oral e tornase uma mediadora para o aprendizado de portugus.

    Vale ressaltar que os meios favorveis para a educao da lngua portuguesa devem ser visuais, pois facilitaro a compreenso desse aluno, sendo de fundamental importncia a mudana de metodologia em sala de aula para que a surdez no seja usada como impedimento na aprendizagem. importante, ento, que seja oferecida uma educao que permita o desenvolvimento integral do aluno surdo de forma que ele desenvolva toda a sua capacidade.

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    O bilinguismo e a educao escolar

    Com o decreto 5.626/05, que regulamenta a Lei de Libras (Lngua Brasileira de Sinais), as propostas educacionais comeam a estruturarse. A abordagem educacional, por meio do bilinguismo, visa capacitar a pessoa surda na utilizao de duas lnguas: a lngua de sinais e a lngua portuguesa na modalidade escrita. Quadros (2000) contribui dizendo que:

    Quando me refiro ao bilinguismo, no estou estabelecendo uma dicotomia, mas sim reconhecendo as lnguas envolvidas no cotidiano dos surdos, ou seja, a lngua brasileira de sinais e o portugus no contexto mais comum do Brasil (QUADROS, 2000, p. 54).

    Existem algumas divergncias a respeito da incluso dos alunos surdos relacionadas s escolas especiais, para alguns uma forma segregadora e os resultados obtidos no so os esperados. Em contrapartida, a escola especial ou escola de surdos fortalece a comunidade surda, sua cultura e sua identidade, sendo um local para aquisio e divulgao de uma lngua de sinais, e promove o desenvolvimento cognitivo da criana surda.

    Fazse necessrio, assim, um modelo de educao no qual o dficit auditivo no cumpra nenhum papel relevante, um modelo que se origine e se justifiquem nas interaes normais e habituais dos surdos entre si, no qual a lngua de sinais seja o trao fundamental de identificao sociocultural e no qual o modelo pedaggico no seja uma obsesso para corrigir o dficit, mas a continuao de um mecanismo de compensao que os prprios surdos, historicamente, j demonstraram utilizar (SKLIAR, 1997, p. 140).

    necessrio respeitar os sujeitos na sua diferena lingustica e reconhecer que os alunos surdos precisam de uma educao especfica para que a criana surda cresa, desenvolvendo suas capacidades cognitivas, lingusticas, afetivas e polticas.

    A educao bilngue defende a ideia de que a criana adquire primeiro a lngua de sinais e depois a lngua portuguesa. O alunos surdos, aprendizes da segunda lngua, utilizam, como estratgia da aprendizagem, os conhecimentos lingusticos da sua primeira lngua.

    A proposta bilngue possibilita ao surdo fazer uso das duas lnguas, podendo escolher qual ir utilizar em cada situao lingustica. Quando estiver com a comunidade surda, ele poder se comunicar por meio da lngua de sinais e, em contato com ouvintes, fazer o uso da lngua portuguesa.

    Pereira (2000) argumenta que:

    A lngua de sinais preenche as mesmas funes que a linguagem falada tem para os ouvintes. Como ocorre com crianas ouvintes, esperase que a lngua de sinais seja adquirida na interao com usurios fluentes dessa, os quais, envolvendo as crianas surdas em prticas discursivas e interpretando os

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    enunciados produzidos por elas, insiramse no funcionamento dessa lngua (PEREIRA, 2000, p. 65).

    A lngua portuguesa para surdos

    Por falta de conhecimento em relao ao aluno surdo, a escola por muitos anos atribuiu a no aprendizagem da lngua portuguesa como falta de interesse da pessoa surda, ignorando as necessidades educacionais do aluno e trabalhando com eles a mesma metodologia aplicada aos ouvintes.

    Diante isso, Snchez (1989) diz que os surdos, de forma diferente dos ouvintes, no podem aprender o som das letras porque no ouvem e no podem fazer uso do mecanismo alfabtico para extrair significado do escrito.

    As propostas educacionais direcionadas para o indivduo surdo tm como objetivo o pleno desenvolvimento de suas capacidades. O aluno surdo deve ter contato com a lngua portuguesa a partir de objetos e coisas familiares, estabelecendo a relao da palavra com as coisas. necessrio o uso de recursos visuais para a compreenso da lngua portuguesa.

    observao

    Na histria em quadrinhos Um aluno diferente, do autor Hlio Fonseca de Arajo, possvel identificar a presena da lngua de sinais e lngua portuguesa.

    Ao mesmo tempo, ser possvel a essas crianas se apropriarem da histria na sua prpria lngua e recontla assim como fazem as crianas ouvintes.

    Figura 6

    A educao bilngue para a aprendizagem da criana surda fundamental, os exerccios devem ser adaptados conforme as necessidades da pessoa surda. O aluno surdo precisa de uma metodologia

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    de ensino prpria que atendam s suas necessidades. A pessoa surda tem as mesmas possibilidades de desenvolvimento da pessoa ouvinte, precisando apenas que suas diferenas lingusticas sejam trabalhadas e respeitadas.

    A lngua de sinais de extrema importncia para o processo de aprendizagem, bem como a lngua portuguesa, sendo que a primeira lngua servir de mediadora para a segunda, e a alfabetizao se dar de forma mais natural possvel. Primeiro acontecer a compreenso do contedo em Libras e, em seguida, de forma gradativa, ir se associar ao portugus.

    So de grande importncia que os alunos se tornem leitores e escritores que possuam o conhecimento da lngua portuguesa, resultando em surdos alfabetizados em ambas as lnguas (a lngua de sinais e a lngua portuguesa), e em conhecedores de sua cultura, alm de proporcionar o desenvolvimento total desses sujeitos e a sua participao na sociedade, exercendo sua plena cidadania.

    Aps o reconhecimento da Lngua Brasileira de Sinais (Libras), foram implantados diferentes atendimentos especializados para os alunos surdos, entre eles:

    Intrprete de Libras/lngua portuguesa:

    o profissional com competncia lingustica em Libras/lngua portuguesa que atua no mbito da interpretao com conhecimento da lngua e da cultura surda. No mbito escolar, a funo do intrprete no substituir a figura do professor no processo de aprendizagem, mas sim tem como objetivo mediar a comunicao entre surdos e ouvintes.

    Instrutor surdo de Libras:

    o profissional surdo que atua na rea do ensino relacionado aspectos socioculturais da surdez e difuso da Libras (Lngua Brasileira de Sinais).

    Centro de atendimento especializado:

    um servio de apoio educacional, em horrios diferenciados das aulas, direcionado aos alunos surdos matriculados na educao bsica. Com profissionais da rea da surdez, o centro tem como objetivo atender s necessidades educacionais dos alunos surdos com uma proposta de educao bilngue Libras/lngua portuguesa.

    Instituies especializadas:

    Tambm um servio especializado com atendimento educacional para alunos surdos, mas que estejam matriculados na educao bsica. Dispem de uma equipe especializada de natureza teraputica (psicologia e fonoaudiologia, entre outros).

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    Escola especial para surdos (educao bsica):

    Escola especializada na educao bilngue para surdos no ensino formal, na Educao Infantil, no Ensino Fundamental e/ou no Ensino Mdio. Algumas escolas possuem atendimento especializado com profissionais da rea teraputica (psicologia e fonoaudiologia, entre outros).

    Abordagem e comunicao com a pessoa surda

    No necessrio gritar se a pessoa surda estiver de costas, toque delicadamente seu corpo para ter sua ateno. Verifique se ela se comunica com lngua de sinais, se ela tiver domnio da lngua, a forma mais adequada para essa comunicao a lngua de sinais. Quando a pessoa no souber a lngua de sinais necessrio estabelecer outras formas de comunicao por meio de gestos, dramatizao etc. Use expresses no manuais para se expressar, mantenhase calmo caso voc no entenda o que a pessoa surda est lhe dizendo.

    3 IntRPRete De LngUA De SInAIS

    Na Antiguidade, antes do Renascimento, os intrpretes raramente eram mencionados; uma possvel causa para esse fato era a primazia dada ao texto escrito em relao palavra oral. A posio social dos intrpretes pode tambm explicar sua omisso nos anais da histria: hbridos tnicos e culturais, muitas vezes do sexo feminino, escravos ou membros de um grupo social desprezado, isto , cristos, armnios e judeus que viviam na ndia Britnica, esses intermedirios no receberam nos registros histricos o tratamento devido (DELISLE e WOODSWORTH, 2003).

    No Brasil, a lei que regulamenta a profisso do intrprete de Libras a Lei n 12.319, de 1 de setembro de 2010. Como podemos perceber, o ILS, at pouco tempo, no era remunerado e no havia preocupao desse profissional em relao sua formao para exercer a profisso. A atividade de interpretao ocorre em diversos locais, instituies religiosas onde a atuao do ILS tem sido uma prtica h dcadas, congressos, reunies, instituies pblicas e privadas, entre outros.

    A formao dos intrpretes de Libras acontecia exclusivamente nos espaos religiosos, consequncia da prtica de interpretao dos atos religiosos. Esse cenrio comeou a mudar quando as pessoas que atuavam somente nas instituies religiosas foram convidadas a interpretar na comunicao entre surdos e ouvintes em diversos locais, congressos, sala de aula de universidades, Ensino Mdio e Fundamental.

    O intrprete de lngua de sinais auxilia na comunicao entre dois grupos lingusticos, os surdos e os ouvintes (no conhecedores da lngua de sinais). A sociedade majoritria ouvinte e usuria do portugus, com grande parte sem conhecimento na Lngua Brasileira de Sinais.

    No meio acadmico, o exerccio tradutrio realizado de forma escrita denominado traduo, e a prtica tradutria oral denominase interpretao.

    Segundo Veras (2002), o intrprete tradicionalmente aquele que faz uma traduo ao vivo, usando a voz ou o gesto, de corpo presente, representando, como no teatro.

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    Lngua BrasiLeira de sinais

    O ILS atua em diversas circunstncias na interpretao, tanto em situaes ntimas quanto em uma terapia, delegacias, tribunais, mdicos, entre outros.

    A interpretao pode ser consecutiva ou simultnea. Na forma consecutiva, o intrprete ouve uma longa parte do discurso e depois interpreta para outra lngua. Um exemplo desse tipo de interpretao pode acontecer em situaes de acompanhamento da pessoa surda, como consultas mdicas, audincias em tribunal, entrevistas de emprego e sala de aula. J na simultnea, mais conhecida pela sociedade, ocorre a interpretao em fraes de segundos aps o discurso ser realizado, ou seja, sinaliza a fala do ouvinte em tempo real.

    Uma reao imediata apenas possibilitada pela combinao de conhecimento lingustico das lnguas envolvidas e da capacidade e poder de deciso ultrarrpido (HOFMANN e LANG, 1987, p. 271).

    necessrio que o profissional que atua como intrprete de lngua de sinais conhea os equivalentes entre as expresses tpicas das lnguas envolvidas, com o objetivo de manter o sentido e buscando os efeitos produzidos pelo pronunciador do enunciado oral.

    Na interpretao de um discurso oral para a lngua de sinais, no significa que todas as palavras pronunciadas no portugus sero interpretadas em lngua de sinais, ou seja, no ser literal. O intrprete sinaliza respeitando a estrutura gramatical da lngua de sinais e todos os parmetros da interpretao, possibilitando, dessa forma, a compreenso da mensagem pela comunidade surda.

    necessrio o profissional ILS estar sempre atualizado, entender e aprender os vocabulrios em lngua de sinais, estar pronto a esclarecer para a comunidade surda detalhes do assunto tratado pelo palestrante ouvinte.

    Aspectos da formao do ISL

    Reportandonos aos documentos da Coordenadoria Nacional para Integrao da Pessoa Portadora de Deficincia Corde (BRASIL, 1996) , podemos dizer que, para o exerccio da profisso de intrprete de lngua de sinais, so necessrios trs requisitos bsicos: conhecimento sobre a surdez, domnio da lngua de sinais e bom nvel de cultura.

    Alguns aspectos da formao do ILS considerados importantes na formao do intrprete de lngua de sinais:

    Conhecimento das implicaes da surdez no desenvolvimento do indivduo surdo (BRASIL, 1996, p. 4):

    Essa exigncia, colocada pela Corde, desmistifica a ideia de que o intrprete de lngua de sinais neutro. Pois, como sabemos, h diferentes concepes sobre a surdez e, ao cumprir esse requisito, o ILS j estar de antemo constitudo de um preconceito sobre a surdez e, consequentemente, sobre a pessoa surda. Essa informao afetar diretamente a sua atuao como intrprete.

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    guisa de um rpido resumo, lembro que h dois modos distintos de se entender a surdez. Para um deles, conhecido como clnicoteraputico, a surdez vista como doena/dficit, e o surdo, como deficiente auditivo. Considerandose a surdez como um dficit, defendese a tese de que a pessoa com surdez necessita de um trabalho de reabilitao oral para suprir, ou sanar, essa falta e, assim, ser curada. A cura, nos casos de crianas que nascem surdas, est relacionada, na maioria das vezes, ao aprendizado da linguagem oral, ficando implcito que, quanto melhor a sua fala for, melhor ter sido seu processo de reabilitao. Nessa concepo, a lngua de sinais tida como inferior lngua oral, e s ensinada ao surdo quando adulto e quando este no foi capaz de ser oralizado (SILVA, 2000).

    Contrria viso clnicoteraputica, a viso socioantropolgica utiliza o termo surdo para se referir a qualquer pessoa que no escute, independentemente do grau da perda (no melhor ouvido). Nesta viso, a surdez concebida como diferena, e os surdos, como membros de uma comunidade lingustica minoritria. Assumese, nessa perspectiva, como direito das crianas surdas, o acesso lngua de sinais o mais cedo possvel. Considerar a surdez uma diferena implica, entre outras coisas, respeitar a lngua de sinais como tal e aceitla como forma legtima de aquisio de conhecimento pela pessoa surda (SILVA, 2000).

    A partir da escolha de uma dessas concepes, o ILS ir construir o discurso em lngua de sinais, podendo ser mais ou menos equivalente ao discurso do ouvinte, dependendo do conceito que ele tem sobre surdez e, consequentemente, sobre a lngua de sinais.

    No caso do intrprete de lngua de sinais, se estiver inscrito na primeira concepo, ou seja, na clnicoteraputica, considerar o seu trabalho como assistencial e se perceber um ajudador que, no momento interpretativo, estar praticando uma boa ao. Por conta disso, geralmente aceita interpretar gratuitamente, pois a sua satisfao est justamente em ajudar os necessitados.

    Normalmente, quando se tem essa concepo, o intrprete pode sentirse perfeitamente vontade para criar novos sinais, crendo estar ampliando o vocabulrio das pessoas surdas.

    Essa atitude acarreta uma situao interpretativa de baixa qualidade e contribui para propalar vrios esteretipos sobre os surdos, principalmente aquele que diz que a lngua de sinais pode ser aprendida facilmente e que simples. Do mesmo modo, pode endossar a classificao preconceituosa do surdo usurio da lngua de sinais como limitado em sua habilidade para compreender e expressar pensamentos abstratos.

    Quase sempre, quando um intrprete realiza um trabalho ruim, seja utilizando a LS de maneira confusa ou simplista ou traduzindo o discurso de uma pessoa com sinais ininteligveis, o surdo que se sente diminudo, humilhado e desprezado intelectualmente.

    Em contrapartida, se o intrprete tem como escolha a segunda concepo, ou seja, tem a comunidade surda como minoria lingustica, a postura durante o ato interpretativo ser outra. No se colocar to facilmente, diante da comunidade surda, como um protetor, e sim como profissional da traduo. Ter, talvez, uma preocupao maior com a qualidade da interpretao e, principalmente, ter menos (ou nenhum) preconceito em relao lngua de sinais. Essa atitude produzir uma interpretao mais coerente e no inferior mensagem enunciada no portugus.

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    Ao se colocar como profissional da traduo, o intrprete de lngua de sinais tende a pesquisar sobre a sua atuao e a no se limitar aprendizagem decorrente da prtica.

    Bom nvel de cultura, aqui neste trabalho compreendido como conhecimento de mundo (BRASIL, 1996, p. 4):

    Segundo Graa (2002), do ponto de vista da prtica da traduo, a cultura , num sentido mais amplo, um lugar de conhecimento intersubjetivo que permite atualizar, cada vez com mais eficcia, uma relao de equivalncia interlingual. A cultura permite intuir, reconhecer, experimentar ou investigar os hbitos lingusticos e extralingusticos, as idiossincrasias e os mecanismos inconscientes que podem estar por trs da produo e da recepo do texto de partida e do texto de chegada.

    Segundo a autora, esse lugar de operacionalidade componente insubstituvel da competncia do tradutor/intrprete.

    Num sentido mais restrito, os conhecimentos adquiridos pelo intrprete (ou a sua cultura) permitemlhe selecionar alternativas translatrias nos casos em que o contexto lingustico e o contexto situacional no sejam suficientes, porque, no ato tradutrio, atualizamse horizontes de natureza ideolgica, lgica, emocional e textual.

    De fato, nosso conhecimento de mundo produto das nossas vivncias de cada dia, efeito de estudos, leitura e/ou experincias de vida. Adquirindo, no se apresenta como uma espcie de massa desordenada e esttica, mas como algo dinmico, que se renova e est disponvel para ser ativado pelas solicitaes do cotidiano (TRAVAGLIA, 2003).

    No me refiro, neste trabalho, s diversas experincias de mundo para locutores diferentes dentro da mesma lngua, mas considero o que poderia ser comum e o que poderia ser diferente, numa esfera maior, para pessoas pertencentes a diferentes grupos lingusticos.

    Ao ouvirmos um discurso, o nosso conhecimento de mundo, com tudo o que ele tem de complexo, que nos auxilia a estabelecer as diversas ligaes necessrias para que esse mesmo discurso tenha significado, isto , seja coerente para ns. Para que possa ser compreensvel, necessrio certo equilbrio entre as informaes novas, que constituem a prpria razo do discurso, e as informaes velhas, ou seja, os dados nos quais o receptor ou pblicoalvo vai ancorarse para construir sentido.

    Ao produzir um discurso, o locutor pressupe que seu ouvinte compartilhe de uma dose de conhecimentos que lhe possibilite entender o assunto. Tanto assim que, medida que produz seu discurso, vai realizando os ajustes necessrios para evitar, ao mesmo tempo, o excesso de informaes novas e de informaes supostas por ele velhas, o que tornaria o discurso repetitivo e maante para sua plateia. O pblicoalvo, ao ouvir o discurso, situase, de certa forma, naquele circuito de conhecimentos partilhados com o locutor do discurso original, o que lhe facilita a compreenso.

    Quanto ao intrprete, que no deixa de ser um interlocutor especial, uma vez que sua compreenso tem como objetivo a construo de outro/mesmo discurso na lngua de sinais, podemos dizer que deve partilhar de uma dose

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    de conhecimento e no equivalente, pelo menos aproximada do receptor do discurso original, isto , da plateia ouvinte, mas tambm deve partilhar do conhecimento da comunidade surda a quem est sendo destinada a interpretao. A atividade tradutria inerentemente intelectual portanto, o exerccio intelectual, seu alicerce (ALFARANO, 2003, p. 37).

    O ILS, na realidade, partilha dos dois mundos veiculados pelas duas lnguas: o do original (portugus) e o da interpretao (lngua de sinais).

    O ILS quem se encarrega de (re)conciliar, num outro/mesmo discurso, essas diferentes vises de mundo e, nessa mediao, estar presente a prpria viso de mundo do intrprete, que normalmente um ouvinte e iniciou a sua participao na comunidade surda j na idade adulta.

    Domnio da lngua de sinais, que compreenderemos como conhecimentos lingusticos (BRASIL, 1996, p. 4):

    O intrprete, em geral, s adquire fluncia na lngua de sinais na convivncia com a comunidade surda. Vale lembrar que a oferta de cursos de lngua de sinais com instrutores surdos bem recente; na cidade de Campinas, especificamente, esses cursos comearam a ser divulgados em 1999. Anteriormente a esse perodo, os cursos de lngua de sinais eram oferecidos por ouvintes que j realizavam trabalhos em instituies religiosas.

    Normalmente, os cursos eram oferecidos gratuitamente. Atualmente, existem, em algumas cidades brasileiras, tais como Rio de Janeiro, So Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, cursos oferecidos pela Feneis, com instrutores surdos, que ensinam sobre gramtica da lngua de sinais. Mas nem todos os intrpretes que atuam nas instituies de ensino realizaram esses cursos; na sua grande maioria, a urgncia da lngua de sinais est nas mos daqueles profissionais que tm constante contato com a comunidade surda fora dos espaos institucionais, ou seja, nas associaes, nos shoppings e em eventos diversos.

    No podemos, de forma alguma, descartar como auxlio para os intrpretes os dicionrios de lngua brasileira de sinais produzidos recentemente. Existem dois dicionrios em formato de CDROM: um produzido por surdos do Instituto Nacional de Educao dos Surdos Ines , na cidade do Rio de Janeiro; e outro produzido pelo Governo do Estado de So Paulo, ambos oferecidos gratuitamente. E h ainda, produzido na USP, pelo pesquisador Capovilla, o Dicionrio trilngue da lngua brasileira de sinais, que composto por dois volumes, em que podemos encontrar a palavra em portugus, o sinal em lngua de sinais, a palavra em ingls e na escrita da lngua de sinais. uma obra gigantesca, indispensvel a todos os intrpretes.

    Saiba mais

    Para uma possvel consulta, busque o Dicionrio digital da lngua brasileira de sinais (verso 1.0), da Secretaria de Educao Especial SeespMECInes de 2002; e o Dicionrio de Libras ilustrado, do Governo do Estado de So Paulo, de junho de 2002.

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    H vdeos de histrias infantis, em lngua de sinais, produzidos por surdos do Ines, e tambm os vdeos produzidos pela LSBvdeo, com histrias infantis, fbulas, nmeros e outros dados variados.

    Todo esse material tem contribudo para o aperfeioamento do ILS, pois, por meio desses recursos tecnolgicos, os intrpretes se apropriam de conceitos construdos para o estudo da lngua de sinais, tais como classificadores, expresso corporal, expresso facial, gramtica e outros. Tambm na convivncia com os surdos, o ILS desenvolve o seu conhecimento de sinais, que excede os seus aspectos formais e que abrange os usos sociais da lngua de sinais (expresses idiomticas, trocadilhos etc.) que dela so constitudos. Durante o ato interpretativo, tais conhecimentos podero ser utilizados como recursos lingusticos, na ocasio em que o locutor ouvinte fizer uso de termo engraado e que, no raro, nada significa para o surdo. Dessa forma, possvel produzirse, nos surdos, a mesma reao que se desejou produzir na comunidade ouvinte.

    Uma questo bastante ignorada na formao de intrpretes de lngua de sinais o quanto esse profissional deveria conhecer a lngua portuguesa; talvez seja pelo fato de:

    o no reconhecimento do direito do cidado surdo de ter um profissional competente;

    a imagem desqualificada e assistencial do ILS qualquer um serve;

    a LS concebida como um cdigo de segunda ordem em relao ao portugus qualquer um que fale portugus e conhea os sinais tambm serve.

    Se o ILS no tiver conhecimento do portugus, provavelmente ter dificuldade de ser coerente na construo do discurso em lngua de sinais, ou poder omitir um trecho da mensagem, por no conhecer o vocabulrio exprimido pelo locutor.

    A presena de um intrprete de lngua de sinais na sala de aula possibilita ao aluno surdo apropriarse do contedo escolar na sua lngua natural, por meio de um profissional com conhecimento e competncia nesta lngua.

    Quando o intrprete de lngua de sinais, no mbito escolar, no possui conhecimento do que est interpretando e se aventura a aprender a interpretar no exerccio de sua profisso, esse pode colocar em risco o aprendizado do aluno. Traduzir compreender; ningum traduz aquilo que no compreende. Segundo Freire (1987, p. 28), o fato, porm, de que ensinar ensina o ensinante a ensinar certo contedo no deve significar, de modo algum, que o ensinante se aventure a ensinar o que no sabe.

    Somente com a presena do intrprete a incluso no ocorre de fato. A presena desse profissional na sala de aula no garante suprir todas as necessidades do aluno surdo relacionado educao. Questes metodolgicas devem ser revistas, contemplando as peculiaridades e aspetos culturais da comunidade surda.

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    Saiba mais

    Para saber mais, busque as obras:

    FALC0, L. A. Aprendendo libras e reconhecendo as diferenas: um olhar reflexivo sobre a incluso. Recife: Editora do Autor, 2007.

    FERNADES, E. Linguagem e surdez. Porto Alegre: Artmed, 2003.

    4 LegISLAo e SURDeZ

    A luta das pessoas surdas pela regulamentao da lngua de sinais tem sido rdua e constante. Muitos podem se perguntar sobre a importncia do reconhecimento dessa lngua e o que muda na vida das pessoas surdas o seu reconhecimento. Ao reconhecer a Libras como a lngua natural das pessoas surdas e o direito delas de se comunicarem em todos os espaos sociais com a sua prpria lngua, o Brasil avana para construir uma sociedade de fato inclusiva que respeita as diferenas.

    O conhecimento da legislao vigente no que diz respeito s pessoas surdas matria obrigatria para todo profissional que trabalha na educao. importante ainda que se conhea a evoluo histrica e cronolgica da legislao, para que sejam compreendidos os atuais direitos do cidado surdo ou com deficincia auditiva (LIBERALESSO, 2011).

    necessrio explicar que, embora o arcabouo jurdico referente a esse segmento de cidado seja amplo, raramente encontrase o termo surdo. Na Legislao antiga, comum a citao de invlido, incapaz, defeituoso referindose a todo e qualquer tipo de deficincia. Na legislao mais moderna, encontramos os termos deficiente auditivo e/ou portador de necessidades especiais.

    No Brasil, temos normas legais e acordos internacionais que se referem s pessoas com deficincia, essas leis probem a discriminao, garantem reserva de vagas nas empresas, garantem um salrio mnimo mensal no caso de carncia, a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos, a regulamentao da acessibilidade, as declaraes sobre incluso e a grande maioria de normas legais que amparam as pessoas com deficincia fsica, sensorial ou mental.

    Com relao pessoa surda, temos a Lei n 10.436, de 24 de abril de 2002, regulamentada pelo Decreto n 5.260, de 22 de dezembro de 2005, que reconhece a Lngua Brasileira de Sinais Libras de comunicao e expresso, inclui a Libras como disciplina curricular, estabelece normas para a formao do professor e do intrprete de libras e garante sade e a educao dos surdos e dos deficientes auditivos.

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    Lembrete

    A Lei n 10.436, de 24 de abril de 2002, dispe sobre a Lngua Brasileira de Sinais Libras, regulamentada pelo Decreto n. 5.626, de 22 de dezembro de 2005.

    A Lei n 10.436 reconhece o status lingustico da Lngua Brasileira de Sinais e estabelece que o sistema educacional federal e os sistemas educacionais estaduais, municipais e do Distrito Federal devem garantir a incluso do ensino de Libras em seus currculos nos cursos de formao de educao especial, fonoaudiologia e magistrio:

    Art. 3. A Libras deve ser inserida como disciplina curricular obrigatria nos cursos de formao de professores para o exerccio do Magistrio, em nvel Mdio, Superior, e nos cursos de Fonoaudiologia, de instituies de ensino e dos sistemas de ensino dos Estados, Distrito Federal e municpios [...].

    2 A Libras poder constituir componente curricular optativo nos demais cursos superiores.

    Essa lei visa possibilitar que o professor compreenda o seu aluno surdo e tambm que eles sejam compreendidos pelos fonoaudilogos quando estiverem em terapia.

    Esse mesmo Decreto ainda trata da formao dos professores de Libras para todos os nveis escolares. Os instrutores de Libras devero ter curso de educao profissional ou curso de educao continuada promovido por instituio de nvel superior ou por instituies credenciadas pela Secretaria da Educao.

    Art. 2 Nos prximos dez anos, a partir da publicao deste Decreto, caso no haja professor com ttulo, em nvel de graduao, para o ensino de Libras em cursos da educao superior, esse componente curricular poder ser ministrado por professor ou, extraordinariamente, por instrutor que apresentar o seguinte perfil:

    I professor de Libras usurio nativo dessa lngua, que possua certificado de curso superior e certificado de proficincia em Libras obtido por meio de exame promovido pelo MEC; e

    II instrutor de Libras usurio nativo dessa lngua, que possua certificado de curso de nvel mdio e certificado obtido por meio exame de proficincia em Libras promovido pelo MEC.

    1 O exame de proficincia em Libras dever avaliar a fluncia no uso e a competncia para o ensino dessa lngua e dever ser promovido, anualmente, pelo Ministrio da Educao, no prazo definido no caput.

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    2 A certificao de proficincia em Libras habilitar o instrutor ou o professor para a funo docente.

    Art. 3 As instituies de Ensino Mdio, que oferecem cursos de formao para o magistrio na modalidade normal, e as de Ensino Superior que oferecem cursos de fonoaudiologia ou de formao de professores devero incluir Libras, como componente curricular, nos seguintes prazos e percentuais mnimos:

    I at trs anos, em vinte por cento dos seus cursos;

    II at cinco anos, em sessenta por cento dos seus cursos;

    III at sete anos, em oitenta por cento dos seus cursos; e

    IV dez anos, em cem por cento dos seus cursos.

    Pargrafo nico. O processo de incluso da Libras como componente curricular dever se iniciar nos cursos de educao especial, fonoaudiologia e pedagogia, ampliando progressivamente para as demais licenciaturas.

    Art. 4. As instituies de ensino devero incluir Libras como objeto de ensino, pesquisa e extenso, nos cursos de formao de professores para a educao bsica.

    Vale ressaltar que esse Decreto bem recente e, anteriormente a esse reconhecimento, as pessoas s poderiam aprender contato com as pessoas surdas. Diante desse quadro possvel concluirmos que no Brasil ainda estamos no processo de formao de professores de Libras.

    O Decreto trata ainda sobre o acesso por parte dos surdos educao e ao aprendizado da lngua portuguesa:

    Art. 8. As instituies de ensino da Educao Bsica e Superior, pblicas e privadas, devero garantir s pessoas surdas acessibilidade comunicao nos processos seletivos, nas atividades e nos contedos curriculares desenvolvidos em todos os nveis, etapas e modalidades de educao.

    O artigo 8 referese ao direito de a pessoa surda usuria da lngua de sinais ter intrprete de lngua de sinais durante qualquer processo seletivo, ou seja, provas. Esse direito muitas vezes ignorado pelos responsveis dos concursos e no menos um direito desconhecido pelo surdo e seus familiares.

    1 Para garantir a acessibilidade prevista no caput, as instituies de ensino devero:

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    I capacitar os professores para o ensino e uso da Libras e para o ensino da lngua portuguesa para surdos;

    II viabilizar o ensino da Libras e tambm da lngua portuguesa para os alunos surdos;

    III prover as escolas com o profissional tradutor e intrprete de Libras e lngua portuguesa, como requisito de acessibilidade comunicao e educao de alunos surdos em todas as atividades didticopedaggicas;

    IV viabilizar o atendimento educacional especializado para alunos surdos;

    V apoiar, na comunidade escolar, o uso e a difuso de Libras entre professores, alunos, funcionrios, direo da escola e familiares;

    VI flexibilizar os mecanismos de avaliao, na correo das provas escritas, valorizando o aspecto semntico e reconhecendo a singularidade lingustica manifestada no aspecto formal da lngua portuguesa;

    VII adotar mecanismos alternativos para a avaliao de conhecimentos expressos em Libras, desde que devidamente registrados em vdeo; e

    VIII disponibilizar equipamentos e recursos didticos para apoiar alunos surdos ou com deficincia auditiva.

    2 O professor da Educao Bsica, no prazo previsto no art. 2 neste Decreto, poder exercer a funo de professorintrprete de Libras e lngua portuguesa.

    Com relao ao ensino da lngua portuguesa para surdos, o Decreto garante ao aluno surdo um aprendizado dinmico e significativo. Para que essa forma de ensino seja efetivada, fazse necessrio que os professores alfabetizadores saibam lngua de sinais e utilizem recursos didticos diferentes aos destinados aos alunos ouvintes.

    Art. 9 A modalidade escrita da lngua portuguesa para surdos na Educao Bsica dever ser ministrada em uma perspectiva dialgica, funcional e instrumental, como:

    I atividade ou componente curricular especfico na Educao Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental; e

    II rea de conhecimento, como componente curricular, nos anos finais do Ensino Fundamental e no Ensino Mdio.

    Art. 10. A modalidade oral da lngua portuguesa, na Educao Bsica, dever ser ofertada aos alunos surdos ou com deficincia auditiva, em

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    turno distinto ao da escolarizao, resguardado o direito de opo da famlia ou do prprio aluno por essa modalidade.

    A respeito da formao do intrprete de lngua de sinais ILS, a legislao bem clara e especifica:

    Art. 11. A formao de tradutor e intrprete de Libras e lngua portuguesa efetivarse por meio de curso superior ou psgraduao.

    Art. 12. Nos prximos dez anos a partir da publicao deste Decreto, caso no haja pessoas com a titulao exigida para o exerccio da traduo e interpretao de Libras e Lngua Portuguesa, as instituies de Ensino Mdio e Superior, pblicas ou privadas, podero incluir, em seus quadros, profissionais com o seguinte perfil:

    I profissional de nvel superior, com competncia para realizar a interpretao das duas lnguas de maneira simultnea ou consecutiva, e proficincia em traduo e interpretao de Libras e lngua portuguesa, certificada por meio de exame promovido pelo MEC; ou

    II profissional de nvel mdio, com competncia para realizar a interpretao das duas lnguas de maneira simultnea ou consecutiva, e proficincia em traduo e interpretao de Libras e lngua portuguesa, certificada por meio de exame promovido pelo MEC.

    Pargrafo nico. Durante o prazo definido no art. 2 deste Decreto, o Ministrio da Educao promover, anualmente, exame nacional de proficincia em traduo e interpretao em Libras e lngua portuguesa.

    Art. 13. A partir do ano subsequente publicao deste Decreto, as instituies de ensino, pblicas e privadas, devero incluir, em seu quadro tcnicoadministrativo, em todos os nveis, etapas e modalidades, o profissional tradutor e intrprete de Libras e Lngua Portuguesa para atender a alunos surdos que utilizem Libras.

    Pargrafo nico. O profissional a que se refere o caput atuar:

    I nos processos seletivos para cursos na instituio;

    II nas salas de aula onde a atuao desse profissional ajude a viabilizar o acesso aos contedos curriculares, em todas as atividades didticopedaggicas; e

    III no apoio acessibilidade aos servios e s atividades da instituio de ensino.

    O ILS encontra nas instituies educacionais o seu maior campo de trabalho remunerado. No raro, a

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    presena do ILS na sala de aula causa muita confuso pelo fato de professores e intrpretes no saberem o limite de atuao do ILS. O aluno surdo de responsabilidade do professor da sala e no do intrprete. imprescindvel que intrprete e professor trabalhem em cooperao para que o aluno surdo tenha xito na sua vida educacional.

    A legislao brasileira bem abrangente, entretanto, necessrio que seja conhecida e exercida.

    5 o QUe So LngUAS De SInAIS

    Neste mdulo, apresento um recorte da minha dissertao de mestrado, que foi publicada na ntegra pela editora AraraAzul, no ebooks. Este texto objetiva expor a questo da lngua de sinais como lngua reconhecida pela lingustica, nosso intuito demonstrar que as lnguas de sinais so lnguas naturais. As lnguas de sinais existem de forma natural em comunidades lingusticas de pessoas surdas e, consequentemente, partilham uma srie de caractersticas que lhes atribuem carter especfico e as distinguem dos demais sistemas de comunicao no verbal.

    Todos os desenhos dos sinais foram retirados do Dicionrio trilngue de lngua de sinais, de autoria do Prof. Dr. Fernando Capovilla, da Universidade de So Paulo.

    A Lngua Brasileira de Sinais (Libras), como toda lngua de sinais, foi criada em comunidades surdas que se contatavam entre si e a passavam ao longo de geraes. uma lngua de modalidade gestualvisual porque utiliza, como canal ou meio de comunicao, movimentos gestuais e expresses faciais que so percebidos pela viso para captar movimentos, principalmente das mos, a fim de transmitir uma mensagem, diferenciandose da lngua portuguesa, que uma lngua de modalidade oralauditiva, por utilizar, como canal ou meio de comunicao, sons articulados que so percebidos pelos ouvidos.

    observao

    Devido a essa diferena de canal de comunicao, normalmente os sinais utilizados nas lnguas de sinais so entendidos como simples gestos. Outras vezes, toda lngua sinalizada dita como mera mmica ou pantomima. Durante muito tempo, foi considerada e para alguns ainda o um sistema natural de gestos, sem nenhuma estrutura gramatical prpria e com reas restritas de uso.

    Entretanto, pesquisas sobre as lnguas de sinais vm mostrando que elas so comparveis, em complexidade e expressividade, a quaisquer lnguas orais: expressam ideias sutis, complexas e abstratas. Os seus usurios podem no apenas discutir filosofia, literatura ou poltica, alm de esportes, trabalho, moda, como tambm utilizla com funo esttica para fazer poesias, histrias, teatro e humor.

    importante destacar que a lngua de sinais natural, no sentido de que no h impedimento para sua aquisio pelos surdos. Ser natural no significa ser inata, pois, do mesmo modo que as demais lnguas, ela ser aprendida nas diferentes situaes de interao entre seus usurios.

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    Os estudos sobre as lnguas de sinais datam de 1960, quando Stokoe (1960), linguista americano, props uma anlise lingustica da American Sign Language (ASL) em seus aspectos estruturais bsicos (fonolgico, morfolgico e sinttico), o que torna as lnguas de sinais equivalentes s lnguas orais constitudas de gramtica prpria. Stokoe empenhouse em evidenciar a isomorfia entre sinal e fala, valendose de parmetros similares ao do distribucionalismo. O linguista americano nomeou quirema o segmento mnimo sinalizado, correspondente ao fonema da fala.

    Segundo ele, cada morfema, unidade mnima de significao, seria composto por trs quiremas: ponto de articulao, configurao das mos e movimento, possuindo, cada um deles, um nmero limitado de combinaes. Dessa forma, as palavras sinalizadas poderiam, pois, ser decompostas e descritas conforme a combinao entre esses trs traos. Stokoe props ainda um sistema notacional para a representao as possibilidades de cada um dos parmetros descritos. Em suas anlises, demonstrou a dupla articulao como aspecto lingustico presente na formao dos sinais. Na parte final de seu texto, discute algumas propriedades morfolgicas e sintticas da ASL.

    A lngua de sinais contm todos os componentes pertinentes s lnguas orais, como gramtica, fonologia, semntica, morfologia, sintaxe, preenchendo, assim, os requisitos cientficos para ser considerada instrumento lingustico de poder e fora. Alm de possuir todos os elementos classificatrios identificveis de uma lngua, a Libras demanda prtica para seu aprendizado, como qualquer outra lngua. As lnguas de sinais so diferentes umas das outras e independem das lnguas oraisauditivas utilizadas em outros pases; por exemplo: Brasil e Portugal possuem a mesma lngua oficial, o portugus, mas as lnguas de sinais desses pases so diferentes, ou seja, no Brasil, usada a Lngua Brasileira de Sinais (Libras) e, em Portugal, usase a Lngua Gestual Portuguesa (LGP); o mesmo acontece com os Estados Unidos: American Sign Language (ASL), e a Inglaterra: BLS, alm de outros pases.

    observao

    Os sinais so prprios de cada pas, ou seja, se surdos de pases diferentes se encontrarem, provavelmente um no entender exatamente o que o outro est querendo dizer. Pode ocorrer tambm que uma mesma lngua de sinais seja utilizada por dois pases, como