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LIMITAÇÕES DA POLÍTICA DE CONTEÚDO LOCAL NA INDÚSTRIA DE PETRÓLEO E GÁS Victor Prochnik (UFRJ ) [email protected] A indústria brasileira atravessa uma fase de desindustrialização, pouco investimento, produtividade estagnada, mudança estrutural regressiva da produção e das exportações e doença holandesa. Neste contexto, diminuem as oportunidades para emmprego qualificado e a utilização da engenharia nacional. O que pode a política industrial? O artigo discute a política de conteúdo local para a indústria de petróleo e gás, examinando o caso do setor de instrumentação e controle de processos. Conclui-se que esta política não induz investimentos significativos, nem na produção nem em P&D, penaliza as empresas mais eficientes e os setores menos cartelizados e contem empecilhos para inovações radicais. O artigo também aponta fatores positivos e faz sugestões de modificações nesta política. Palavras-chaves: Conteúdo local, política industrial, estratégia empresarial XXXIII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO A Gestão dos Processos de Produção e as Parcerias Globais para o Desenvolvimento Sustentável dos Sistemas Produtivos Salvador, BA, Brasil, 08 a 11 de outubro de 2013.

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LIMITAÇÕES DA POLÍTICA DE

CONTEÚDO LOCAL NA INDÚSTRIA DE

PETRÓLEO E GÁS

Victor Prochnik (UFRJ )

[email protected]

A indústria brasileira atravessa uma fase de desindustrialização,

pouco investimento, produtividade estagnada, mudança estrutural

regressiva da produção e das exportações e doença holandesa. Neste

contexto, diminuem as oportunidades para emmprego qualificado e a

utilização da engenharia nacional. O que pode a política industrial? O

artigo discute a política de conteúdo local para a indústria de petróleo

e gás, examinando o caso do setor de instrumentação e controle de

processos. Conclui-se que esta política não induz investimentos

significativos, nem na produção nem em P&D, penaliza as empresas

mais eficientes e os setores menos cartelizados e contem empecilhos

para inovações radicais. O artigo também aponta fatores positivos e

faz sugestões de modificações nesta política.

Palavras-chaves: Conteúdo local, política industrial, estratégia

empresarial

XXXIII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO A Gestão dos Processos de Produção e as Parcerias Globais para o Desenvolvimento Sustentável dos Sistemas Produtivos

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1.1

7 Gestão estratégica e organizacional

7.3 Organização industrial

1 Objetivos

A competitividade das empresas depende da interação entre o desenvolvimento de

competências internas e características do ambiente externo, como condições de demanda. No

Brasil, a política de conteúdo local (CL) da indústria de petróleo e gás opera através das

compras desta indústria, buscando que seus fornecedores aumentem suas vendas, emprego,

desenvolvimento tecnológico e competitividade.

(http://www.anp.gov.br/brnd/round10/portugues/conteudo_local_Obj.asp, 17/04/2013).

Este artigo, com base em uma pesquisa empírica no setor de instrumentação e controle de

processos (ICP), mostra que existem problemas sérios na concepção e implantação da política

de CL para a indústria de petróleo e gás, que dificultam ou mesmo impedem que seus

objetivos sejam alcançados.

Entre particular, é visto que a satisfação dos critérios da política de CL só requer a execução

das etapas finais da produção e que esses critérios pouco incentivam o desenvolvimento

tecnológico. Portanto há graves implicações negativas para a Engenharia de Produção e o

emprego qualificado.

O caso do setor de ICP se destaca porque ele é intensivo em inovação e importante para o

desenvolvimento econômico (HAUSMANN ET AL, 2011). A política industrial brasileira

reconhece estas características e este setor está na interseção de quatro vertentes prioritárias

desta política: seus produtos são bens de capital, intensivos em tecnologia da inovação,

incorporam software e são muito inovadores.

A indústria de petróleo e gás, por sua vez, considera o setor de ICP como crítico porque o

impacto das tecnologias de informação e comunicação sobre esta indústria se dá,

predominantemente, pela introdução dos equipamentos de ICP. Ao automatizar o controle dos

processos industriais, estes equipamentos têm, entre outras, as seguintes consequências:

aumento da produtividade, menores e menos graves interrupções no fluxo de produção,

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aumento da flexibilidade das operações e diminuição da variabilidade dos produtos e dos

riscos ambientais desses processos industriais.

2 Metodologia

O artigo se baseia em uma pesquisa de campo em 16 empresas produtoras, as principais

fornecedoras da Petrobras de produtos de ICP, com duas exceções. Portanto o levantamento

de campo praticamente abrange o universo das empresas do setor de ICP que fornecem para a

Petrobras e têm instalações produtivas no Brasil. Em cada visita foram três pessoas, um dos

engenheiros eletrônicos do departamento de compras da Petrobras, que também ajudaram na

avaliação de dados técnicos, um professor da UFRJ e um técnico da empresa de consultoria

Accenture. Foram feitas entrevistas e visitadas as instalações fabris, o que foi útil para

informar e corroborar resultados (por exemplo, sobre a importação dos componentes e partes

que são mais intensivos em inovação). O autor foi a nove das visitas e fez as perguntas

centrais as demais sete empresas por telefone. Também se recorre aos dados da Matriz

Insumo-Produto e da Pesquisa Industrial Anual do IBGE.

O artigo apresenta apenas estatísticas descritivas, pelas seguintes razões: 1) como o universo

de empresas é conhecido, não há sentido em se fazer inferência estatística. 2) o resultado

principal, a facilidade de cumprir os requisitos de CL foi encontrada em todas as empresas

entrevistadas. Não há, portanto, variáveis intervenientes conhecidas pelo autor. 3) outro

resultado, a escassez de atividades de P&D, obedece a uma lógica simples: apenas as

empresas de capital nacional que não formam joint ventures com empresas de capital

estrangeiro fazem P&D no Brasil. Assim, todas as empresas que podem não fazer P&D no

Brasil não o fazem.

3 Desenvolvimento

O segmento de ICP, junto com a instrumentação e controle de processos discretos forma o

setor de instrumentação e automação. Em geral, os dados disponíveis são a nível deste setor.

3.1 O setor de instrumentação e automação

No mundo e no Brasil, as maiores firmas de instrumentação e automação são divisões de

grandes grupos econômicos, muitas vezes oriundos do setor elétrico. Os principais são

Emerson Electric, Siemens, ABB, General Electric, Schneider, Rockwell, Yokogawa etc.

todas com faturamento superior a um bilhão de dólares e subsidiárias no Brasil. Elas

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cresceram devido à aquisição de firmas intensivas em inovação de menor porte, investimentos

em P&D, difusão de tecnologia digital nos seus produtos e processos, investimentos diretos

em países de rápido crescimento de mercado, oferta de um leque amplo de produtos, passando

de ofertantes de equipamentos para fornecedores de sistemas integrados, seguindo a estratégia

de one stop shopping.

Há algumas empresas brasileiras de porte médio, como SMAR, Altus etc., que concorrem

com as grandes em um escopo reduzido de produtos.

Observando-se agora o setor de instrumentação e automação no Brasil, tanto as vendas como

as importações e as exportações de produtos de instrumentação e automação cresceram com

rapidez. O padrão das importações, entretanto, mudou. Desde 2005, as importações de

instrumentação e automação cresceram mais rapidamente do que as vendas para o mercado

interno (conforme a ABINEE, o faturamento das empresas brasileiras dobrou entre 2005 e

2010. As importações somaram 86% do faturamento interno em 2005 e 137% em 2010).

Junto com o aumento das importações para consumo intermediário, também houve um

crescimento ainda maior na importação de produtos finais.

3.2 A política e a fórmula de conteúdo local (CL)

A política de CL na exploração e produção de petróleo e gás foi implantada e é conduzida

pela Agência Nacional de Petróleo (ANP), a agência regulatória deste setor industrial (não há

exigência de CL nas atividades downstream, refino, transporte etc.). Ela começa nas licitações

dos direitos de exploração e produção do petróleo. As licitações são agrupadas em “Rodadas

de Licitações”.

No processo licitatório, um dos três fatores determinantes para se ganhar uma concessão é o

grau de compromisso da empresa pretendente com a aquisição de bens e serviços locais, isto

é, o seu índice de CL (os outros fatores são o valor que a empresa se compromete a pagar à

União e o seu programa exploratório mínimo). Os critérios da ANP para o CL evoluíram no

tempo – (GUIMARÃES, 2012). Mas o interesse deste artigo é a análise das regras atuais,

implantadas a partir da sétima rodada de licitações de áreas de exploração de petróleo e gás,

em 2005, vistas a seguir.

A partir da sétima rodada, as vendas dos fornecedores para o segmento de exploração e

produção passaram a estar sujeitas à verificação do seu conteúdo local. Em 2007, A ANP

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editou a ‘Cartilha de Conteúdo Local’, que contém fórmulas de aferição do CL . Além das

obrigações quanto ao CL total, também foram introduzidos critérios de mínimo de CL para

diversos tipos de equipamentos, materiais, sistemas e serviços, discutidos na seção 5.1.

Para os sistemas de ICP o CL mínimo é 60% e, para instrumentação de campo, 40%

(CARVALHO, 2011). Assim, a fórmula do conteúdo local é CL1 = (1-M/V), onde M é o

valor das importações de insumos e componentes usados na produção do bem, na produção

dos seus insumos diretos e nos bens incorporados pela concessionária e V é o valor da venda

total do produto ou sistema em pauta. Esta fórmula, embora útil em muitas circunstâncias, tem

diversos problemas que a tornam um mau indicador das variações de conteúdo local, vistos a

seguir.

Entre duas empresas com o mesmo valor de importações, o menor preço que a mais eficiente

em suas operações no Brasil pode cobrar a leva a ter um índice de CL maior do que o da outra

(a maior eficiência significa um custo menor nas atividades no país). De forma semelhante,

setores cartelizados têm índices de CL maiores do que os de setores competitivos. Nos

primeiros, a margem de lucro é maior, o que aumenta o conteúdo local. Assim, chega-se à

primeira conclusão: no contexto dos mercados de vendas para a indústria brasileira de

petróleo, a eficiência empresarial e o grau de concorrência entre fornecedores levam a

preços mais baixos, mas penalizam as empresas em termos do índice de CL.

Os demais problemas se derivam do fato de que apenas alguns componentes e insumos podem

ser fabricados no Brasil ou no exterior. Diversas atividades são necessariamente feitas no

Brasil. De fato, em V estão uma série de custos de atividades sempre realizadas no país e

também relativamente menos relevantes na discussão sobre conteúdo local, como aluguéis,

segurança, manutenção, parte dos custos de eletricidade, atividades administrativas etc. Os

lucros, reservas para depreciação, salários referidos a estas atividades, despesas de vendas e

juros pagos pela firma vendedora também estão em V. Portanto, uma variação nestes custos

altera o conteúdo local, sem que isso represente mudança na participação da produção local.

Para evitar estes fatores de pouca ou nenhuma influência sobre as decisões de internalizar ou

não parcelas da produção no país, uma fórmula alternativa poderia envolver apenas uma

comparação entre aquisições de insumos CL2 = (1-M/V2), onde V2 é o custo das operações

industriais.

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Mas o valor V2 ainda está sujeita a outras variações pouco relacionadas com a intensidade da

substituição de produção importada por nacional, como configuração, montagem e teste e, às

vezes, instalação e manutenção dos produtos vendidos. Por exemplo, os serviços de teste de

campo, por definição, só podem ser feitos no local de uso do instrumento ou sistema de

automação. Eles não estão sujeitos a uma decisão da firma de importar ou não importar.

Assim, outra fórmula possível é CL3 = (1-M/V3), onde V3 é a soma dos valores dos

componentes e insumos importados com os dos insumos e componentes nacionais que podem

ser substituídos pelos importados, isto é, os componentes e insumos competitivos.

A fórmula CL3 tem a vantagem de ser a melhor para comparar o CL de empresas, quer de um

mesmo setor quer de setores diferentes, pois ela não considera os fatores de custo menos

relevantes ou não relevantes para a determinação do CL. Se incluídos, como em CL1 e CL2, a

comparabilidade é ineficaz, pois estes fatores não importantes para a determinação do CL de

empresa para empresa e, mais ainda, entre setores.

Outra característica dessas fórmulas de CL é que elas não consideram os investimentos em

P&D. Principalmente nos setores intensivos em inovação, os gastos relevantes são os

investimentos em P&D.

3.3 A aplicação das fórmulas de conteúdo local

Todas as 16 empresas de ICP pesquisadas afirmaram que os critérios de CL são facilmente

atendidos, se são feitas no Brasil apenas as peças mais simples e, também, as últimas etapas

de produção (montagem, testes etc.). Uma empresa declarou que a realização no Brasil apenas

dos componentes mais simples e das últimas etapas leva a 50/80% de conteúdo local. Como o

conteúdo local exigido é de 60% para automação e 40% para instrumentação, é necessário,

para alguns equipamentos, em encomendas com um mix desfavorável de produtos um esforço

adicional. Portanto, conclui-se que os critérios de conteúdo local obrigam as empresas do

setor de ICP a investirem no Brasil, mas estes investimentos não são significativos, nem

em termos de montante nem em termos de complexidade técnica das tarefas realizadas

no país.

Este resultado também vale para o setor de instrumentação como um todo. A matriz insumo-

produto tem um setor de instrumentação que abrange outros segmentos além dos segmentos

de ICP, cuja análise é de interesse para este trabalho por oferecer uma perspectiva de

generalização.

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Em 2005, a demanda total por produtos do setor de instrumentação da matriz insumo-produto

foi de R$ 19.050 milhões de reais de 2005. Como a importação de produtos acabados foi de

R$ 8.440 milhões, a produção no Brasil foi de R$ 10.610 milhões (19.050 - 8.440 = 10.610).

A produção total pode ser dividida entre valor agregado e impostos (R$ 5.593 milhões) e

consumo intermediário (R$ 5.017 milhões). Este último, por sua vez, é segmentado em

consumo intermediário de bens e serviços nacionais (R$ 3.519 milhões) e importados (R$

1.498 milhões).

Assim, as importações totais, R$ 9.938 milhões são compostas de importações de insumos

intermediários e de produtos acabados (1.498 + 8.440 = 9.938).

A partir dos dados acima apresentados, as três fórmulas podem ser calculadas

a) Importações de bens intermediários (1.498)/ produção total (10.610)= 14,1%,

CL1 = 85,9%;

b) Importações de bens intermediários (1.498)/ total de bens intermediários

(5.017) = 29,9%; CL2 = 70,1%;

c) Importações de bens intermediários / total de bens intermediários exclusive

serviços, comércio e transporte [1.498/(5.017-1.264)] = 39,9%; CL3 = 60,1%.

Atualmente, a parcela de conteúdo local, para os bens produzidos no Brasil, é calculada

conforme a fórmula CL1. Se o índice de conteúdo local fosse calculado como (insumos

importados)/[(insumos importados) + (insumos produzidos no Brasil)], a fórmula relevante

seria a CL2, em que a participação das importações é o dobro da encontrada em CL1.

A fórmula CL3, por sua vez, procura considerar apenas a produção de insumos competitivos.

Os insumos não competitivos são obrigatoriamente originados no Brasil e, portanto, de pouca

relevância para a determinação do CL e esta fórmula, como visto, não os considera.

Os dados acima mostram que é significativa a diferença entre o resultado da fórmula CL1,

atualmente utilizada, e o da fórmula CL3. Enquanto o primeiro é muito superior à meta de

mínimo do governo, 60%, para automação e 40% para instrumentação, o segundo é

praticamente igual ao primeiro mínimo e, ainda assim, superior ao segundo

3.4 A opção entre o que importar e o que produzir localmente e suas consequências

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Todas as 16 empresas confirmaram que os componentes tecnicamente mais sofisticados

são importados, o que é outra conclusão importante deste estudo.

Os dados da matriz insumo produto do IBGE generalizam este resultado para o setor de

instrumentação e automação. A tabela 1 mostra que as importações se concentram em

produtos intensivos em inovação: instrumentos e produtos químicos. Os insumos nacionais

são dos setores de serviços, utilidades e comércio, principalmente. O restante é distribuído por

vários setores. Assim, as empresas tendem a importar bens mais intensivos em inovação e

a adquirir os demais no mercado interno. Nos setores de produtos de metal e máquinas e

aparelhagem elétrica, nos quais o Brasil é competitivo, a participação dos insumos nacionais

entre os insumos produzidos no Brasil supera em muito a participação dos insumos

estrangeiros, entre todos os insumos importados.

Tabela 1: COMPOSIÇÃO DA PRODUÇÃO DO SETOR DE INSTRUMENTOS EM

INSUMOS NACIONAIS/ IMPORTADOS 2005 – R$ MILHÕES

Insumos importados Insumos nacionais

Instrumentos 39.2 11.6

Químicos não farmacêuticos 23.3 8.2

Metais não ferrosos 23.7 2.0

Ferro e Aço 0.1 7.5

Produtos fabricados de metal 1.0 8.5

Papel, embalagens 0.1 4.2

Borracha e plástico 2.7 7.0

Maquinaria e aparelhagem elétrica 2.6 7.4

Outros produtos industriais 5.0 7.7

Eletricidade, comércio, transp.,

comunica-ções, finanças/seguros e

outros serviços

2.3 35.9

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TOTAL 100 100

TOTAL (RS $ MILHÕES) 1,498 3,519

Fonte: IBGE – Matriz Insumo Produto de 2005

Entre as nove empresas visitadas na pesquisa, foram observados apenas dois casos de firmas,

ambas internacionais, buscando aumentar a internalização de parcelas da produção e diminuir

importações. Um entrevistado afirmou que seus competidores enfatizam as importações. Já

sua empresa aposta em aumentar o valor agregado, diminuir o prazo de entrega e o preço.

Este direcionamento levou a firma a investir no desenvolvimento de fornecedores. Este

trabalho mudou a forma de relacionamento com os fornecedores, ter uma menor preocupação

com o preço e maior com a qualidade. Segundo o entrevistado, os fornecedores estão virando

parceiros. Ele também lamenta que os concorrentes não tenham visão de conteúdo local: “se

houvesse massa de conteúdo local, os fornecedores seriam mais flexíveis e eficientes.” – é a

questão da geração de externalidades.

A outra empresa que optou por aumentar os investimentos no Brasil intensificando o conteúdo

local exporta para a Alemanha e os Estados Unidos, mas se sente “na contramão de tudo que

se faz no Brasil”. O principal problema mencionado foi o câmbio. A fábrica é estado da arte

mundial. Sua qualidade e lead time são parecidos com os da matriz. Há equipamentos

fabricados aqui que equipam centrais nucleares no país da matriz.

De forma análoga ao exemplo anterior, o esforço para aumentar o conteúdo local leva ao

trabalho de desenvolvimento de fornecedores. Há um grupo responsável pela nacionalização

que chegou a ter 20 pessoas. Eles criaram um parque de fornecedores que viraram

fornecedores de outras empresas também. Mas atualmente, para competir com o leste da

Europa e a China, a empresa desnacionalizou parte da produção.

Os dois exemplos acima apresentados sugerem uma hipótese que, se comprovada, pode ser

aproveitada pela política de CL: o aumento do conteúdo local está relacionado com a

ampliação das exportações. Assim, ao invés de simplesmente desestimular as

importações, o mesmo efeito poderia ser conseguido através de formas de incentivo às

exportações.

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Estes dois exemplos são antes a exceção do que a regra. As empresas vêm ampliando suas

importações de produtos intensivos em inovação. Por exemplo, 15 das 16 empresas da

pesquisa de 2010 responderam a uma pergunta sobre compra de componentes eletrônicos no

Brasil: entre as 15, doze não produzem nem compram praticamente nenhum tipo de

componente eletrônico fabricado no país.

Nas três empresas que produzem ou compram componentes eletrônicos no Brasil, as placas e

componentes são fabricados por elas (em um dos três casos, em outra empresa, na qual a

firma entrevistada tem participação significativa). Duas destas três firmas são de capital

nacional.

Mesmo nestas empresas, a parcela de importações de componentes é muito grande. Por

exemplo, as duas empresas nacionais têm subsidiárias no exterior. Em ambos os casos, a

principal motivação para a abertura da primeira subsidiária foi a compra de componentes

eletrônicos. Atualmente, elas também possuem subsidiárias na Ásia, cujo principal objetivo é

a compra de componentes.

Em síntese, foi visto que os dados agregados e os estudos de campo indicam que é bastante

fácil para as firmas do setor de ICP alcançar os índices de CL exigidos pela ANP. Por este

motivo, a estratégia mais comum é a da empresa fazer no Brasil apenas a montagem final e a

produção de poucos componentes. Em particular, a parte eletrônica é importada.

Esta estratégia sugere três consequências:

a) A política de CL não contribui para diminuir o déficit comercial de produtos

intensivos em inovação no setor de ICP. Dada a facilidade para importar, as

empresas estão desverticalizando sua produção, aumentando as importações dos

produtos intensivos em inovação;

b) A política de CL não contribui para o aumento da produtividade. Nas atividades

produtivas upstream, no setor de ICP, são fabricados componentes. O downstream se

caracteriza pela montagem, configuração, testes, instalação e manutenção, atividades

de produtividade bem menor. A produtividade no upstream é muito superior à

produtividade das atividades downstream. Se as empresas de ICP estão

desverticalizando seus processos produtivos, importando componentes fabricados

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upstream e as novas firmas também optam por não fazer as atividades upstream no

Brasil, o impacto da política de CL sobre a produtividade é negativo;

c) Atividades de P&D não são estimuladas. Nas empresas visitadas, apenas as

empresas de capital nacional que não formam joint ventures com empresas de capital

estrangeiro fazem P&D no Brasil. Assim, todas as empresas que podem não fazer

P&D no Brasil não o fazem. Observe-se que o processo upstream é muito mais

intensivo em inovações do que o downstream. Se a produção é centrada neste último e,

como visto, os bens mais complexos são importados, o interesse em investir em P&D

no Brasil é menor. Note-se que esta hipótese reverte explicações até então encontradas

(falta de mão de obra especializada, articulação frágil entre Epecistas e fornecedores

etc.).

4 Fatos adicionais relativos à política para o CL

A proposta da empresa licitante de uma área de exploração de petróleo e gás deve incluir não

apenas o índice global de CL como, também, índices de mínimo de CL segundo três critérios:

1) dificuldade de exploração e produção na área pretendida (repartida em exploração e

produção em terra, águas rasas e águas profundas), 2) tipo de produto (automação e

instrumentação de campo, por exemplo) e 3) fase (exploração e produção). Observa-se uma

grande variação dos mínimos exigidos de CL. Eles são maiores nas atividades de exploração e

produção em terra do que em águas rasas e maiores nestas do que em águas profundas. Isto é,

os percentuais de mínimo de CL tendem a crescer com a facilidade da operação. O mesmo

ocorre entre as atividades. O CL mínimo de engenharia básica é 50% e o de engenharia de

detalhes é 95%. Em caldeiraria e equipamentos mecânicos (70%/90%) eles são bem maiores

do que em automação (60%) e instrumentação de campo (40%). – ver www.anp.gov.br.

A exigência de mínimos de CL para produtos intensivos em inovação, como instrumentação

de campo e automação, foi adotada por causa da pequena participação destes bens nos

produtos e sistemas comprados pela indústria de petróleo e gás. Sem essa exigência, a

importação de produtos de IPC seria muito maior.

Há dois fatores superpostos, a exigência de mínimos de CL e o percentual baixo destes

mínimos. A exigência de mínimos protege a indústria local, pois proíbe a importação. Quando

estes mínimos são relativamente baixos, como no caso estudado, as atividades intensivas em

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tecnologia não são estimuladas. Assim, As empresas de ICP foram beneficiadas, mas o

avanço tecnológico do país não recebeu impulso semelhante.

Outro aspecto é a determinação de índices de CL maiores para atividades mais fáceis.

Esta determinação leva a uma proteção maior às indústrias que já estão instaladas e não

revela uma intenção estratégica de promover a introdução e/ou aprimoramento e

difusão de bens intensivos em tecnologia..

Em contraste, a Petrobras exige índices de CL superiores aos da política de CL, para

equipamentos que são críticos para suas operações. Primeiro, porque mesmo que o custo de

produção no Brasil seja maior, o custo total de uso é bem menor. Por exemplo, o aluguel de

uma plataforma de petróleo custa cerca de US$ 500 mil por dia. São necessários cinco dias

em média entre a decisão e a chegada de um engenheiro da Europa ou da Estados Unidos para

consertar ou calibrar equipamentos (condições marítimas e geológicas são muito variadas e

qualquer mudança na localização de uma plataforma exige a sua calibração). Assim, a

produção no Brasil de equipamentos críticos é mais barata do que a sua importação.

Segundo, porque a constituição de um cluster de produtores de equipamentos críticos em

torno da Petrobras aumentaria muito suas vantagens competitivas estáticas e dinâmicas

(geração de externalidades e escala, por exemplo).

5 Conclusões

O trabalho mostra, entre outras conclusões, que a política de CL não tem um impacto

significativo sobre as empresas de ICP, pois não incentiva investimentos na produção e em

P&D, ao contrário dos objetivos pretendidos.

A proposição de reformas na política constitui outro trabalho, pois cada sugestão deve ser

comparada com alternativas possíveis. Por isto, são apresentadas apenas algumas sugestões

sobre critérios gerais que não são atualmente observados: 1) é necessário avaliar que grupos

de produtos podem passar a ser produzidos no Brasil e propor políticas específicas para eles

(exigir um alto conteúdo local e/ou dar incentivos para sua nacionalização, por exemplo), 2)

setores competitivos devem ser sujeitos à competição internacional, 3) deve-se direcionar o

investimento produtivo para bens intensivos em inovação e incentivar exportações.

Page 13: LIMITAÇÕES DA POLÍTICA DE CONTEÚDO LOCAL NA …abepro.org.br/biblioteca/enegep2013_TN_STO_183_045_22685.pdf · A política de CL na exploração e produção de petróleo e gás

XXXIII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO A Gestão dos Processos de Produção e as Parcerias Globais para o Desenvolvimento Sustentável dos Sistemas Produtivos

Salvador, BA, Brasil, 08 a 11 de outubro de 2013.

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Um bom começo seria a análise, junto com a Petrobras e outros produtores, sobre como

apoiar e implantar o cluster de equipamentos críticos que a empresa vê como crucial para

aumentar as vantagens competitivas da produção de petróleo e gás no Brasil.

6 Referências

CARVALHO, Florival A política de conteúdo local, apresentação no BNDES em 01/09/2011, encontrado em

http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/

bndes_pt/Galerias/Arquivos/conhecimento/seminario/bndes_pg_anp.pdf, em 10/08/2012

GUIMARÃES, Eduardo Augusto de Almeida. Política de Conteúdo Local na Cadeia do Petróleo e Gás. ,2012.

Conferderação Nacional da Indústria

HAUSMANN, Ricardo e HIDALGO, César. “The Network Structure of Economic Output.” Journal of

Economic Growth 16, no. 4 (2011): 309–342.