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34º Encontro Anual da Anpocs ST25: Pesquisas em contextos de conflito e de precária institucionalização Liminaridade e tensão na fronteira Brasil/ Guiana francesa Artionka Capiberibe (Unifesp) Caxambu/2010

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Page 1: Liminaridade e tensão na fronteira Brasil/ Guiana francesa · superpopuloso. Elas falam de uma época em que havia tanta gente que, se aumentava demais o número de pessoas, a cobra

34º Encontro Anual da Anpocs

ST25: Pesquisas em contextos de conflito e de precária institucionalização

Liminaridade e tensão na fronteira Brasil/ Guiana francesa

Artionka Capiberibe (Unifesp)

Caxambu/2010

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Ao reconstruir a história da ocupação humana na região do Oiapoque é possível identificar

aspectos determinantes para a atual configuração da socialidade que hoje se apresenta na

região, a saber, uma rede de relações construída em torno de nós de tensão. O fio condutor

desta apresentação será guiado pelo modo como os ameríndios Palikur, uma das populações

que ali habitam, situam-se neste panorama. E, a discussão que se pretende fazer aqui terá

como pano de fundo a influência do Estado, brasileiro e francês, com sua presença e/ou

ausência no atual estado das coisas.

***

Os Palikur são um povo falante de uma língua própria, o parikwaki, pertencente à

família linguística Arawak filiada ao tronco Maipure oriental, e dividido em seis sub-grupos

ou clãs. Encontram-se, há mais de quatro séculos, na região do baixo Oiapoque. Região que,

em 1900, foi cortada pela definição burocrática da fronteira entre o Brasil e a Guiana

Francesa1. Atualmente, a população Palikur é de aproximadamente duas mil pessoas,

divididas à metade em núcleos populacionais fixos localizados em cada um dos lados da

fronteira.

No lado brasileiro, os Palikur dividem-se em treze aldeias ao longo do rio Urukauá,

dentro de uma Terra Indígena demarcada e homologada; os casamentos são, em grande

maioria, intraétnicos; e a vida segue o curso das duas estações do ano, sendo ordenada

principalmente pelo ciclo do plantio da mandioca brava. Viver dentro de uma área indígena

lhes permite um modo de vida menos dependente do mercado, pois pode-se obter a maioria da

alimentação via extrativismo, caça, pesca e produção agrícola, e com a comercialização de

parte destes produtos conseguir dinheiro para o consumo de alimentos e roupas

manufaturadas. Na �Guiana francesa, os Palikur compõem bairros indígenas em pelo menos

quatro localidades diferentes. A pesquisa na qual se baseia esta apresentação concentrou-se no

bairro palikur de Saint-Georges de l’Oyapoc. Saint-Georges uma pequena cidade com cerca

de quatro mil habitantes, localizada na margem esquerda do rio Oiapoque, a dez minutos de

travessia fluvial desde o município brasileiro de Oiapoque. No lado francês, não há Terra

1 Ao longo desta apresentação, a denominação Guiana francesa poderá surgir simplificada pelo uso solo do termo Guiana. O contexto prevenirá confusões em relação a outros dois dos usos dessa palavra: a Guiana, como é conhecida a República da Guiana, ex-Guiana Inglesa; e a região etnográfica conhecida como “Guiana”, entendida aqui de acordo com a delimitação geográfica estabelecida por P. Rivière (1984), compreendendo a área cercada pelos rios Amazonas, Negro, pelo canal de Cassiquiare, pelo rio Orinoco e pelo Oceano Atlântico.

Área com�partilhada por cinco países: Brasil, Guiana Francesa, República da Guiana, Suriname e Venezuela

(1984: 2).

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Indígena, e os Palikur vivem num espaço comum, localizado na periferia de Saint-Georges,

chamado Village Espérance.

As narrativas míticas palikur estão repletas de imagens de um passado antigo

superpopuloso. Elas falam de uma época em que havia tanta gente que, se aumentava demais

o número de pessoas, a cobra sucuriju comia algumas só para diminuir um pouco (Wet,

2004). Nessa época era também preciso reunir “muita gente” para “fazer flechas”, lutar e

vencer �os “bichos do outro mundo”: os imawi, bichos do fundo das montanhas, que se

transformam em cobras no nosso mundo; a cobra-grande Waramri, do mundo subterrâneo; a

cobra Kuahrah, dona do rio Urukauá; a guariba gigante, ancestral das guaribas (t: maruksi

wahawkri), que afundava as canoas no Urukauá; o gavião (avakni wahawkri) necrófago que

do alto da montanha Bruyère (na foz do Oiapoque) saia à caça dos defuntos palikur e os

sequestrava dos jiraus de moquém. Ou a grande arara vizinha do gavião, ancestral das araras

(t: arawa wahawkri), que vivia no fundo da montanha Bruyère, de onde afundava os barcos

franceses, espanhóis, holandeses e ingleses, e que foi morta a tiros de metralhadora pelos

franceses.

No decorrer do tempo, os números da população e a diversidade da região caíram

vertiginosamente. Os Palikur tem uma leitura histórica sobre esta diminuição demográfica.

Associam-na diretamente ao contato com os não-índios. Há dois momentos marcantes nestas

histórias. O primeiro momento estaria entre o fim do século XIX e o início do século XX,

quando alguns bisavós da geração atual foram sequestrados por invasores, ora chamados de

portugueses ora de cearenses, mas o certo mesmo é que eram brasileiros; e, o segundo

ocorrido em meados do século XX, quando uma série de epidemias liquidou parte da

população.

Vamos ao primeiro momento. Este é marcado pelo evento chamado de “a invasão do

paytwempu [t: ilha, vila] Masik” ou de “a chegada dos cearenses”. Uma história que narra o

rapto dos Palikur que viviam na ilha Masik, por não-índios identificados como “cearenses”.

Das sete versões registradas sobre esse episódio2, reproduzo abaixo� duas�, as histórias

contadas por �Manoel Labonté (ou Tebenkue, que é do clã Kawakukyene) e pelo pastor

Manoelzinho (do clã Waiveyene), escolhidas por terem alguma ligação direta com a vida dos

narradores.

2 Há também uma versão dessa história em brochura produzida pelo SIL.

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A versão contada por Tebenkue narra a história que ouviu de um neto dos invasores da

ilha Masik. Este neto, o Boliviano, era filho de Manoel Jorge que, �por sua vez, era filho de

uma “índia” com um dos “cearenses” que participaram no rapto dos Palikur na ilha Masik. A

história que Manoel Jorge ouviu de seu pai “cearense” e reproduziu a seu filho Boliviano, era

mais ou menos assim:

Há muito tempo atrás, no tempo que uns índios [Palikur] moravam lá no Massik, uma ilha no Urukauá.

Os brancos vieram. Aqueles brancos... diz que eram cearenses. Os cearenses entraram com um barco

muito grande. Mas o barco deles não conseguiu chegar até a ilha. Então eles pararam na boca do

Urukauá e entraram de bote, vários botes. Quando chegaram na ilha, tinha uma festa e todo mundo

tava porre, muito porre de caxixi. Os cearenses pegaram os índios, amarraram e levaram para o barco

deles.

Esse pessoal, que os brancos levaram, quando chegaram lá, no meio dos brancos, eles se soltaram. Se

soltaram no Araguari e os brancos não mataram eles. Então, depois, os brancos juntaram com as

índias. E os índios se juntaram com as brancas. Quando os filhos deles cresceram, os pais contaram

que eles não eram brancos, que eles eram índios. Eram filhos de índios que moravam no Urukauá, na

ilha Massik. Os filhos disseram pros pais, nós queremos conhecer essa terra, nossa terra.

Quando os pais deles morreram, eles pegaram os barcos dos pais e foram para o Urukauá. Antes de

morrer, um pai tinha explicado pra eles como chegar no Urukauá: “Vocês vão conferindo. Da boca do

rio Araguari vocês vão ter que passar por três pontas, descendo, a quarta ponta é o Cassiporé, a quinta

ponta é o Oiapoque. Aí vão aparecem duas montanhas, uma é banhada pelo oceano e a outra é voltada

para o manguezal.

Assim eles foram conferindo as pontas, até que eles avistaram a ponta do Cabo Orange e depois

avistaram as montanhas. Assim localizaram o rio Oiapoque. Então eles disseram: “Esse da esquerda

deve ser o rio Uaçá”. Aí entraram no Uaçá. Eles vieram em dois barcos. Subiram o Uaçá e chegaram

no Encruzo. Quando chegaram no Encruzo, viram outro rio se separando. Aí o Guiome e o Manoel

Jorge, pai do finado Boliviano (eu cheguei a conhecer eles) aí um dos irmãos disse: “Meu pai me

contou que morava no rio Curipi. Deve ser esse rio aqui”. Aí o outro disse: “Meu pai me contou que

morava no Urukauá. Deve ser esse rio aqui”.

Quando ele [Manoel Jorge] chegou bem na boca do Urukauá, entrou. E foi subindo o rio até encontrar �o pessoal, que disse para ele que era ali mesmo. Aí todo mundo ficou muito alegre, contando essa

história. (Manoel Labonté (Tebenkue), 2004).

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Sobre Manoel Jorge, o finado pastor Paulo Orlando3, que se hoje fosse vivo teria 74

anos, conta que, quando tinha oito anos de idade, �fugiu do Urukauá na canoa desse mesmo

Manoel Jorge. Naquela época, Manoel Jorge já tinha se tornado um xamã renomado na

região. Foi por conta de suas habilidades como xamã que ele se encontrava no Urukauá no

episódio da fuga do menino Paulo Orlando. Fuga que, aliás, só foi bem sucedida porque

ninguém se atreveu a ir atrás do menino sob a guarida de tão poderoso xamã�.

Paulo conta que, enquanto ficou morando na casa do xamã, no Curipi, teve de

trabalhar, pescando e caçando jacarés com o Boliviano, que já era um rapaz nessa época. Em

1944, quando Paulo Orlando tinha oito anos, Manoel Jorge, que havia chegado ao baixo

Oiapoque “rapaz” e tinha um filho “rapaz”, devia ter entre trinta e quarenta anos. Se

contarmos uma diferença de vinte anos entre as gerações, pela idade aproximada do xamã, seu

pai deve ter invadido o Masik por volta do fim do século XIX e início do século XX.

O pastor Manoelzinho, que tem hoje cinquenta e seis anos, é neto de um filho de

“português” (FF) com uma Palikur (FM) que foi raptada no Masik. É preciso observar ainda

que o Manoelzinho é filho do segundo casamento de seu pai, de quem não lembra quase nada,

pois o pai morreu velho quando ele ainda era uma criança. Portanto, a diferença de idade entre

o pastor e seu pai é bastante superior à diferença de vinte anos suposta para Manoel Jorge e

seu pai. A história contada pelo pastor Manoelzinho é a seguinte:

Estwa kinetihwa amin ku samah português pareke ta avit Masik igkis kamax ka aynsima hiyeg ayge. Ku aysaw igkis higepnes, nikwe igkis kamaxavevgikis madikte. Ayge nikwe pahavu waytak watiguh gutkan eg kamaxwika gavit português. Eg tivik amadga nawiy, tivik kehe bakibe gikak, pahavwi wahawkri kewye giw Uwevutne. Igi ewke inetit, kinetihwa amin ku ig gig kewye giw Javaly. Inneki keh usuh hiyak ku avim inin ku wahawkri ig parahna. Niguh miya ku aysaw nah nopsesnite. Nah ka hiyakwa mmahpa gihivak niguh. Nnaguhnenwa kuwatisa nah hiyak. Ku aysaw nah barew nukivay, nnaguh miyo...

A história conta que quando os portugueses entraram no Masik eles prenderam muita gente de lá. Enquanto eles [ os palikur] bebiam, eles prenderam todos. Naquela época dizem que os portugueses prenderam uma de nossas avós [bisavó]. Eles a levaram no barco e durante a viagem ela teve um filho, que foi o nosso ancestral chamado Uwevutne. Foi ele quem trouxe as informações de que o pai dele se chamava Javaly. E é por isso que nós sabemos hoje que o nosso avô era brasileiro. O meu pai faleceu quando eu ainda era criança. Eu não cheguei a conhecê-lo e nem sei como ele era. Somente a minha mãe cheguei a conhecer. E quando eu já era um garoto ela faleceu...

(Manoelzinho Hipólito, Kumenê 2004).

3 O pastor Paulo Orlando era uma pessoa muito influente não só entre os Palikur, mas nas relações com os outros povos indígenas da região. Ele foi também um interlocutor importante para todos os não-índios (pesquisadores, missionários, agentes de governo, etc) que aportavam no Urukauá. Um resumo sobre sua história de vida encontra-se em A. Capiberibe, 2007:179-83.

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A história antiga, as disputas de território e seus personagens

Estas narrativas coincidem com o que falam os historiadores sobre a região neste

mesmo período. Primeiro, é preciso ter em vista que, desde o início da invasão européia, a

região do baixo Oiapoque fazia parte de um território sob intensa disputa de posse por vários

países. A região era visitada por portugueses, franceses, holandeses, irlandeses, ingleses e

espanhóis. Mas o litígio diplomático deu-se mesmo entre dois países, Portugal e França, e,

posteriormente Brasil e França.

Em 1713, o tratado de Utrecht estabeleceu o rio “Japoc ou Vicente Pinzon” como

fronteira entre os reinos de Portugal e da França. No entanto, se para os portugueses este

marco era o rio Oiapoque, para os franceses, o Vicente Pinzon era o rio Araguari. Com isso,

entre 1700 e 1900, a região que vai do rio Araguari (Amapá meridional) ao rio Oiapoque

(Amapá setentrional), era contestada pela França, o que resultou na formação de um “[...] um

território neutro4, administrado por representantes escolhidos por habitantes locais [...]” (J. M.

de Queiroz, 1999:330), isso era a “zona do Contestado”.

No final do século XIX, as disputas pelo Contestado se acirraram e, em 1895,

eclodiram num conflito armado envolvendo brasileiros e franceses (S. Meira, 1975; A. C. F.

Reis, 1993; J. M. de Queiroz, 1999). Este conflito terminou forçando a definição do marco de

fronteira. E, em 1900, no Tribunal internacional instalado em Berna, a defesa5 do Barão do

Rio Branco em favor do limite natural da fronteira ser o rio Oiapoque derrotou a tese francesa

que indicava o rio Araguari como baliza.

A história conta que o acirramento das disputas na região do Contestado coincide com

os boatos sobre a instalação da fictícia “República do Cunani”. Uma “República” criada em

documentos, na França de 1885, por comerciantes que exploravam a região do Contestado,

com o apoio do corógrafo Henry Coudreau e tendo como presidente o novelista Jules Gros,

residente em Paris (J. M. de Queiroz, 1999). Essa “República” se estenderia do rio Oiapoque

ao Araguari e teria como capital o Cunani.

4 Segundo J-M. Hurault, tratava-se antes de um “no man’s land” (1972: 112). 5 Para uma análise histórica sobre as estratégias utilizadas pelo Barão do Rio Branco, em favor do Brasil, e pelo geógrafo Vidal de La Blache, em favor da França, cf. Carlo Romani (2003).

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A partir de 1893, ocorre o outro evento apontado pelos historiadores como acelerador

de conflitos na região. A descoberta de ouro no rio Calçoene (J. M. de Queiroz, 1999; C.

Romani, 2003). A migração que essa descoberta ocasiona é espantosa:

Segundo Arthur Cézar Ferreira Reis [1968: 109-10], em maio de 1894, já habitavam o rio cerca de seis

mil pessoas, e na zona contestada entre oito e dez mil. (J. M. de Queiroz, 1999: 330).

O historiador Flávio Gomes (1999: 225-318), no detalhamento que faz sobre como o

Amapá foi se tornando um espaço privilegiado para a fuga de escravos, desde o período

colonial, mostra que uma das vantagens da região para os fugitivos estava justamente na

disputa pela fronteira entre Portugal e França.

Mesmo que, em 1732, as Coroas portuguesa e francesa tivessem firmado um tratado

internacional de devolução de negros fugidos (idem: 226). Essa política marchava com

dificuldade, pois como ambos os países precisavam de gente para trabalhar e para povoar o

território, não era sempre que se devolvia um cativo. Em 1848, a República francesa decreta a

abolição da escravidão em suas colônias. Isso tem reflexo direto nas rotas de fuga. A partir

desse período, a Guiana francesa não somente recebeu os escravos fugidos, como passou a

deslocar emissários ao Brasil para “[...] aliciar sua fuga [...]” (idem:310).

É assim que, em 1895, Emílio Goeldi encontra a vila de Cunani, localizada a sudeste

da região do Uaçá (cf. Mapa 3), habitada por:

[...] 284 pessoas, a grande maioria brasileiros, sendo os mais velhos, com poucas exceções, negros e

mulatos, ‘mocambistas’ do tempo da escravidão; os mais novos eram paraenses provenientes de várias

localidades do Estado. (J. M. de Queiroz, 1999: 333).

Para finalizar a contextualização do período histórico da “invasão do Masik”, cito a

descrição sintética sobre a região feita por Jonas M. De Queiroz:

Durante a segunda metade do século XIX, a região compreendida entre o Araguari e o Oiapoque foi,

aos poucos, sendo ocupada por aventureiros, desertores, quilombolas, escravos fugidos e, a partir de

1893, com a descoberta de ouro, por muitos mineradores brasileiros e estrangeiros. Desde 1841, um

acordo firmado entre o Brasil e a França permitia a instalação dessas pessoas na área, uma vez que a

considerava um território neutro, não estando, portanto, sujeito à jurisdição de nenhum dos dois países.

[...] (1999:319)

A região era, então, um barril de pólvora. Assistia a mais um capítulo de invasões,

conflitos e massacres. E, mais uma vez, os Palikur eram envolvidos na geopolítica movida

pelos colonizadores. No entanto, é preciso que se diga que, mesmo sendo as vítimas nessa

situação, os Palikur não eram vítimas passivas. Participaram ativamente na política e na

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economia da região e não foi à toa que ganharam, logo nos primeiros séculos da invasão, o

apelido de “amigos dos franceses” (A. C. F. Reis; J-M Hurault, 72).

Talvez porque o episódio do rapto no Masik seja uma reedição de eventos já vividos

algumas versões o relatem como se tivesse ocorrido no princípio da invasão européia. Como

na história contada por Mateus Batista (do clã Wakavunyene) e que reproduzi em trabalho

anterior (2007):

[...] Isso é antigo, é da época da invasão, época da invasão do Brasil. Quando aconteceu a invasão do

Masika [Masik], uma ilha onde o pessoal foi preso pelos portugueses, mas lá tem vários tipos de nações,

tem ingleses, tem portugueses, tem holandeses, tem franceses, nesse barco que invadiu paitwempu [vila,

ilha] Masika. (A. Capiberibe, 2007: 135).

No relato de Mateus há vários elementos que de fato remetem a um tempo muito

anterior ao que vem sendo descrito. Entre esses elementos estão:� “época da invasão do

Brasil”, “portugueses” e “vários tipos de nações” como apresadores. Os outros relatos, como

vimos, contam histórias vividas por alguém que é um “conhecido” de “conhecidos” dos

narradores, e falam de “cearenses” e não “portugueses”. Portanto, podem ir apenas um pouco

além de um século e não recuar até o período da invasão. O que o relato de Mateus parece

conter é a idéia de que o rapto do Masik pode também ser lido como um mito, sendo assim,

poderia� tratar-se de mais uma transformação referenciada por uma estrutura preexistente,

ou seja, como parte daquilo que Lévi-Strauss (1989) denominou de “grupo de

transformações”. Ou� ainda, se concebemos que este evento é também um mito, pode-se

pensar que Mateus talvez o tenha interpretado como os havaianos interpretaram a chegada do

capitão Cook a suas terras (M. Sahlins, 1990). Assim, parafraseando Sahlins (1990: 106), o

rapto do Masik havia sido mito antes de tornar-se evento.

Para que se possa entender porque os raptores são chamados em algumas versões de

“cearenses” é preciso que se saiba que, numa data um pouco posterior ao contexto do rapto,

no primeiro quarto do século XX, produziu-se a migração de várias famílias provenientes do

Ceará para a região do baixo Oiapoque. O historiador Carlos Romani descreve a situação em

que essa migração se deu. Diz o autor:

O argumento inicialmente utilizado pelo Governo do Pará para incentivar a ocupação econômica do

Amapá com o estabelecimento de uma colônia agrícola, foi o da chegada repentina [a Belém] de

centenas de flagelados cearenses fugidos da seca que durou de 1915 a 1919. [...]

Aquele antigo desejo de povoamento da fronteira setentrional recebeu impulso decisivo com a posse no

Senado do ex-governador do Estado, Justo Chermont. Naquele mesmo ano de 1919, o senador assume a

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função de relator do Ministério da Agricultura e apresenta através de emenda ao Congresso seus

motivos para promover a criação de uma comissão colonizadora propondo,

“preferência aos emigrados do Nordeste Brasileiro e tomando todas as providências de higiene e

transportes para a localização dos mesmos, podendo abrir os créditos necessários, se for insuficiente a

dotação votada [...] Os flagelados do Nordeste continuam a chegar em levas ao porto de Belém do

Pará, e é patriótica a medida de localizá-los na ubérrima região de fronteira.” (C. Romani, 2003:

108)6.

A entrada destes migrantes na região foi não só massiva como duradoura. Uma das

provas da penetração dessa colonização nordestina no Oiapoque são os descendentes desta

presentes entre Galibi-Marworno, Karipuna e mesmo entre os Palikur, os índios considerados

“mais puros”/“menos misturados” da região.

O segundo momento, ao qual me referi anteriormente, que pontua as narrativas sobre a

diminuição da população Palikur estaria localizado entre os anos 1940 e 1960, quando a

região já se havia estabelecido como centro de exploração de riquezas naturais, assim como,

rota de passagem para lugares de maior prosperidade econômica, como veremos adiante.

Neste período, várias epidemias assolaram a região7. João Batista (do clã Wakavunyene),

nascido em 1944, conta que, quatro irmão seus morreram, ainda pequenos, por causa “de

gripe, tosse de guariba [coqueluche] (que matou muita gente) e sarampo”. Nos levantamentos

genealógicos, aparecem mortes consecutivas, nesta mesma geração, às quais são atribuídas às

mesmas doenças que o Sr. João Batista menciona.

É nesse período, e por conta de uma doença, que o clã Kamuwyene desaparece. Assim

conta o Sr. João Batista: “Eduardo Kamuwyene era casado com minha mãe (MZ) Julieta, eles

tinham um filho, mas o sarampo veio e matou o pai e o filho, assim acabou a raça”. Outro

informante conta que:

Em 1956, chegou o sarampo, ele matou muita, muita, muita gente. Nós ficamos muito tristes. Na época

a gente não sabia que Jesus estava aí para defender seu povo. Mas graças a Deus que Jesus está aí, mas

Artionka a doença matou quarenta e oito pessoas (C. Floriano Ioio, 1998)

6 O trabalho de Romani mostra como essa política de colonização do Oiapoque, assim como outras que vieram depois, lançaram os “colonizadores” numa terra sem recursos dependendo de sua própria sorte (2003). 7 Há na história palikur um outro período marcado por epidemias, ocorrido no início do século XX. Mas, este episódio se passa na margem francesa com o grupo de Palikur atraído pelo governo francês após a definição da fronteira. Parte desse grupo foi dizimada por epidemias de gripe e malária. Em decorrência dessas mortes, os sobreviventes teriam retornado à margem brasileira (E. Fernandes, 1953:285; E. Arnaud, 1969: 5).

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Como mostra o depoimento acima, uma das consequências desse segundo período,

que marca a diminuição da população Palikur, foi o caminho aberto para a entrada de mais

um tipo de estrangeiros ou nawwotunye, os missionários linguistas do SIL.

A todas as categorias de ‘outros’ pode-se aplicar o termo nawwotunye: afins reais,

afins potenciais, estrangeiros de toda sorte (brasileiros, créoles, franceses etc). Seu campo

semântico refere-se sempre a alguém que possui uma relação distanciada com o sujeito que

fala. Podendo ser desde alguém próximo, como um cunhado, até um total desconhecido,

como um não-índio que acabou de chegar na aldeia. Os sentidos que este vocábulo pode

englobar são: outro, estrangeiro, estranho, desconhecido e inimigo. Mas, se os inimigos são

nawwotunye, há também um termo específico para designar o inimigo por excelência: este é

gitimni.

Mas, se os missionários do SIL foram recebidos como nawwotunye o foram com a já

conhecida “abertura para o outro” ameríndia (C. Lévi-Strauss, 1993). E, assim, a boa acolhida

palikur e a situação em que se encontravam foram os motivos suficientes para que o casal de

missionários Diana e Harold Green se instalasse entre eles:

[Fomos para os Palikur] porque ouvimos dizer que eles precisavam de ajuda, que restavam poucos e

estavam numa situação que não iam durar muito mais tempo. A gente quis alcançá-los e ajudá-los,

principalmente, �levar a palavra de Deus a eles (Diana Green, Belém, 1997).

Mas, isto é matéria para outra comunicação.

A ocupação populacional do baixo Oiapoque a partir do século XX

A primeira política de colonização para a região setentrional do Amapá foi criada em 1922, a

Comissão Colonizadora do Oiapoque. Os trabalhos da Comissão foram iniciados neste ano

com a fundação de Clevelândia do Norte, colônia agrícola penal para onde foram enviados,

entre 1924 e 1927, os prisioneiros da revolução de 1924 de São Paulo� (C.Romani, 2003).

Em pouco tempo a colônia fracassou, devido à falta de infra-estrutura e às epidemias

tropicais. Em 1940, a colônia penal foi transformada em colônia militar, com a missão de

criar e desenvolver núcleos de população, com o intuito de povoar e nacionalizar a fronteira

(D. T. Gallois,1983: 2; C. Romani, 2003).

Pode-se dizer que assim começa a tentativa de ocupação pelo Estado brasileiro desse

espaço territorial, outrora conhecido como Martinica, Espírito Santo, Santo Antonio e

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finalmente Oiapoque. Entretanto, o que contam sobre a região os Oiapoquenses (pessoas que

nasceram e foram criados no Oiapoque) é que, desde essas primeiras tentativas de

colonização, o Oiapoque viveu uma ocupação espacial demográfica baixa e dispersa. E, até

cerca de quatro décadas atrás, a população do município estava razoavelmente espalhada em

pequenos núcleos ribeirinhos para além de sua cidade sede e da cidadela militar de

Clevelândia do Norte. A população da região era encontrada nos lugarejos conhecidos como:

Cassiporé, Taperebá, Ponta dos Índios e Vila Velha, isso sem contar a população indígena do

Uaçá8.

No início da terceira década do século XX, foi enviada uma frente de ocupação ao

Oiapoque � composta por uma leva de migrantes nordestinos fugidos da seca. Uma parte

dessa mão-de-obra foi� empregada na indústria de essência de pau-rosa, a maioria como

extratores da madeira, outros diretamente nas fábricas de essência9 (C. Romani, 2003). Essa

foi uma das principais atividade econômicas da região até os anos 1950, quando a matéria

prima se exauriu das margens do rio Oiapoque e as fábricas foram abandonadas (J. M.

Moraes, 1956: 21).

Dois anos depois desta migração, chegou uma segunda leva de migrantes, também

composta por nordestinos. Mas, diferente da migração anterior�,� estes nordestinos

empreenderam uma migração voluntária e planejada. Era, em realidade, sua segunda

migração, pois já haviam saído do nordeste e se estabelecido nas ilhas da foz do Amazonas,

onde haviam montado comércios e empreendimentos pesqueiros já consolidados antes de se

decidirem por partir ao Oiapoque�. Se estavam economicamente bem estabelecidos na foz

do Amazonas, por que então mudar-se para o Oiapoque? A resposta encontrada pelo

historiador Carlo Romani (2003) nas falas dos descendentes dessa geração mostra que �o

intuito era de “[...] alargar seus próprios domínios.” (C. Romani, 2003: 116-17), ou seja,

8 Os registros do livro de tombo, de 1948 a1975, da paróquia de Oiapoque mostram que os padres eram obrigados a deslocar-se frequentemente para celebrar missas, realizar festas e fazer desobrigas não somente na área indígena, mas pelas comunidades espalhadas do município. 9 Carlo Romani faz um apanhado sobre a exploração do pau-rosa a partir do relatório de Inspeção de 1927 redigido pelo Major Boanerges. Reproduzo o resumo de Romani para que se saiba dos números que essa “indústria” empregava: “[...].Subindo o curso do rio Oiapoque, a primeira aparece logo na confluência com o rio Taparabô. Essa, a Usina General Rondon, emprega 9 homens na fabricação. Em Clevelândia, a Usina Pontanary na localidade Sibéria tem 42 homens e 6 mulheres na extração, além de um fiscal encarregado. A Usina Alice, de Frederico Schmidt, localiza-se 20 km passando a cachoeira Grand Roche e emprega 10 pessoas na fabricação da essência e 26 extratores do pau-rosa na mata, sendo 2 mulheres e 3 crianças” (C. Romani, 2003:107).

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seriam pioneiros numa terra cujo Estado prometia uma boa expansão da infra-estrutura.

Romani identifica três grupos principais como formadores da população de Clevelândia:

[...] Aos caboclos que lá viviam, nativos dali ou oriundos de outras áreas do Amapá e das Guianas,

somam-se outros dois núcleos de “estrangeiros”: os colonos migrantes “nortistas” trazidos pelo

Governo devido ao agravamento da seca nos últimos anos e os outros colonos, em sua maioria também

provenientes do Nordeste brasileiro, que chegaram em migração espontânea. (C. Romani, 2003: 118).

Embora Romani restrinja seu estudo à cidade militar de Clevelândia pode-se ampliar

esta configuração populacional para as outras comunidades, uma vez que toda a região fora

afetada pelo mesmo tipo de política de Estado. Segundo contam os oiapoquenses (filhos e

netos desses primeiros colonizadores), estes colonizadores viveram por décadas da atividade

agrícola e extrativista de subsistência�. As atividades econômicas eram como um revival das

primeiras tentativas de colonização da região fundamentalmente voltadas à exploração dos

recursos naturais: extração de ouro, exploração de essências naturais como o já mencionado

pau-rosa e o linóleo, exploração da balata, das madeiras de lei, venda de peles de animais

(principalmente de jacarés), de penas de garças etc.

Pode-se dizer que até os anos 1950-60, a região do Oiapoque caracterizava-se como

mais uma região do país na qual a colonização estava sujeita às mais diversas vicissitudes

históricas. Trata-se de uma região que, durante séculos, foi marcada por uma ocupação

humana intermitente, regida por ciclos de exploração econômica, sobretudo de recursos

naturais. A região do Oiapoque, neste período,� cabe na definição sobre a posse da terra na

colonização dos interiores e fronteiras do Brasil de Otávio Velho:

[...] em face do gênero de colonização de que o Brasil foi objeto, em muitos casos a posse não foi

absolutamente definitiva, reduzindo-se, em casos extremos, a meras incursões ou expedições

exploratórias. Ligada em geral a ciclos coloniais de economia, estava a posse nos casos em que de

alguma forma se deu, sujeita a fatores historicamente incontroláveis, tais como o esgotamento de

reservas minerais ou do solo, e oscilações de preço no mercado internacional em virtude da

concorrência de outros produtores ou do aparecimento de bens substitutivos. E uma vez encerrado o

ciclo, aquelas áreas que não conseguiam readaptar-se a um novo ciclo econômico voltavam a uma

situação de maior ou menor marginalização. (O. G. Velho, 1972: 11– itálico do original)

Se, até então, o Oiapoque vivia uma ocupação relativamente pequena e com grandes

oscilações da permanência humana em seu território, por volta de meados dos anos 1960,

começa a haver uma mudança nesse perfil. Marcada por uma migração mais significativa de

brasileiros para a região. No entanto, o Oiapoque não era o pólo trator dessa migração, mas

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sim um ponto de passagem cujo destino final era a Guiana francesa. Isso coincide (e foi

provocado) com o começo da � construção do Centro Espacial Guianês (francês) na cidade

litorânea de Kourou (cf. mapa 5). Esse projeto europeu – a base espacial guianense está ligada

à Agência Espacial Européia (ESA – European Space Agency) - criou uma demanda elevada

por mão-de-obra, obrigando o governo francês a buscá-la entre os países vizinhos,

[...]especialmente no Brasil e na Colômbia, para suprir as necessidades de trabalhadores na indústria

da construção civil, através do Office Migrations Internationales – OMI, que realizou chamada de

brasileiros por meio de jornais paulistas. Com o fim da obra, alguns brasileiros permaneceram por lá,

já que se encontravam em situação legal. (G. Carvalho, 2006: 117).

Oiapoque: cidade trampolim

Esse me parece ter sido o começo de um sistema que se reproduz até hoje. A migração

brasileira de nordestinos (com os maranhenses encabeçando a lista atual de migrantes) e

nortistas (principalmente do Amapá e Pará) rumo à Guiana é intensa e parece estar longe do

fim. Na estratégia de fuga da pobreza, o Oiapoque cada vez mais se consolida como um

trampolim na trajetória. A cidade é o ponto de partida e também o local de acolhimento

daqueles que tem seu percurso frustrado pelo forte sistema de vigilância e barreiras

aduaneiras francesas10.

Para se ter uma idéia do quanto essa migração brasileira gera tensão, basta saber que o

governo francês reserva uma política diplomática específica para o Brasil nesta área de

fronteira. Uma das diferenças é em relação ao visto de entrada no país, ao contrário da entrada

em território francês europeu que dispensa a obtenção de visto, para que um brasileiro entre

em qualquer um dos departamentos (DOM) ou territórios (TOM) ultramarinos franceses11 é

necessário um visto caro e muito bem justificado. Os motivos pelos quais seria necessário um

visto para que um brasileiro pudesse entrar nas longínquas ilhas do pacífico Wallis e Futuna

só se explicam porque as políticas em relação aos DOM-TOM costumam ser unificadas.

Mas, a despeito de todas as políticas de endurecimento da fronteira, sobretudo no

governo linha dura do presidente francês Nicolas Sarkozy, continua sendo um bom negócio

para os brasileiros arriscar-se e entrar ilegalmente na Guiana francesa. Aqueles que 10 Pelo menos das pessoas que tem sorte de serem devolvidas para a região de fronteira, pois para intimidar a entrada ilegal, a polícia federal francesa tem usado devolver os brasileiros para bem longe da fronteira, em geral, para Manaus no Amazonas. 11 Os departamentos de ultramar são: Martinica, Guadalupe, São Martinho e São Bartolomeu, todas ilhas da região do Caribe, a Guiana francesa na América do Sul e, no Índico, a ilha da Reunião. Os territórios de ultramar

são as ilhas Nova Caledônia,� Wallis e Futuna, todas na polinésia ocidental.

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conseguem estabelecer-se e adquirir a carte séjour (documento de identidade francês,

delegado aos residentes temporários), passam a usufruir plenamente do sistema de assistência

social francês que pode facultar diversos tipos de auxílios financeiros, como: apoio financeiro

às famílias de baixa renda com crianças na escola; pagamento de material escolar;

financiamento para a construção de moradias; acesso irrestrito ao sistema público de saúde;

auxílio desemprego, aposentadorias12 etc.

Mas, há dois tipos principais de migrações clandestinas. Uma empreendida por

aqueles que se propõem a sair definitivamente ou por quanto tempo for necessário para sair da

miséria ou melhorar sua situação econômica, estes ��dirigem-se às cidades maiores da

Guiana (Caiena e Kourou) em busca de trabalho. E� outra - mais insalubre, degradante e

perigosa - que ruma para os garimpos ilegais encravados na floresta amazônica da margem

francesa, nos quais os homens extraem ouro e as mulheres se prostituem�. Estes, em geral,

não estão em busca de estabelecer-se na Guiana, seu interesse reside somente no minério. Ao

contrário do que observa Velho (1972: 69-72) a respeito da “frente mineradora em Marabá”, a

frente aurífera de Oiapoque não parece caracterizar-se como uma atividade secundária

alternativa ou complementar a outras atividades, ela é, para seus trabalhadores, uma atividade

integral.

A maioria dos brasileiros na Guiana francesa, em situação legal e ilegal, ocupa os

postos de trabalho que os guianenses se recusam a fazer. Para os ilegais, o ramo de atividades

fica restrito à informalidade, sendo empregados principalmente como: pedreiros, carpinteiros,

mestres de obra, faxineiras, empregadas domésticas, babás etc. Isso sem falar na prostituição

que parece ser território exclusivo das mulheres brasileiras. O preconceito e a discriminação

dos guianenses em relação aos brasileiros é proporcionalmente equivalente à posição de

inferioridade social dos clandestinos no sistema político e econômico da Guiana. Assim, não é

12 Parte desses auxílios também existem no sistema brasileiro, mas a vantagem do sistema francês é que o acumulo desses benefícios numa mesma família constitui uma renda com poder aquisitivo mais elevado que o sistema brasileiro. Além disso, os serviços públicos financiados pelos impostos pagos pelos cidadãos franceses atendem melhor à população que seus equivalentes no sistema brasileiro. Para que se possa comparar as diferenças entre os dois sistemas, basta dizer que o salário mínimo francês, o SMIC (Salaire Minimum Interprofessionnel de Croissance), é de 8,71 € por hora, o que por mês, com 35 horas de trabalho por semana como manda a lei, fica em 1.321,02 € bruto e 1.037, 53 € líquido. Enquanto que o mínimo brasileiro é de R$ 415,00 e, para quem ganha um único salário mínimo, os benefícios sociais são em geral precários ou difíceis de ter acesso.

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difícil ouvir um guianense dizer, como uma vez um taxista créole disse a mim e a meu

marido: “os brasileiros são todos pedreiros e prostitutas”13.

Para quem se arrisca no negócio do garimpo, o Oiapoque é obrigatoriamente o último

porto antes da partida para a Guiana, pois é onde se compram os suprimentos de viagem e

equipamentos para a extração de ouro. Mas a cidade é também o primeiro porto de retorno.

Essa volta é quase obrigatória para quem quer continuar explorando ouro, pois é nela que se

quitam as dívidas feitas à crédito (fiado) no comércio local antes da partida para a Guiana

(com equipamentos e alimentação)14, e que se pode ampliar o capital de giro na empreitada do

outro lado da fronteira. Nessa volta, os garimpeiros também aproveitam para� gastar seu

ouro nos muitos bares e prostíbulos da cidade.

A relação entre a Guiana francesa e a cidade de Oiapoque lembra as situações sociais

criadas a partir de grandes projetos econômicos implantados na Amazônia, que geraram

bolsões de pobreza em seus entornos. Na divisa do Amapá com o Pará, há um desses projetos,

o Projeto Jari, idealizado e implantado no final dos anos 1960 pelo norte-americano� Daniel

Keith Ludwig para ser um grande pólo agroindustrial. O local do projeto é cortado pelo rio

Jari, na margem direita do rio está Monte Dourado, uma vila planejada e feita num padrão de

subúrbio norte-americano, destinada aos empregados formais da Jari, em frente a ela, está

Beiradão, uma vila construída sobre palafitas, formada pela migração que o projeto

desencadeou. Oiapoque é uma espécie de Beiradão na terra firme do rico projeto Guiana

francesa.

Em 1996, foi iniciada uma tentativa de reverter essa situação de periferia em relação à

Guiana francesa. O governo do Estado do Amapá, na gestão do socialista João Alberto

Capiberibe, estabeleceu um projeto de cooperação social, econômica e cultural com o Estado

francês vizinho, governado pelo também socialista� Antoine Karam. Esse projeto conseguiu

aproximar as realidades amapaense e guianense de uma forma distinta da usual: agressiva

invasão dos brasileiros x proteção defensiva dos guianenses. E levou à criação de um 6o artigo

no Tratado de Cooperação Franco-Brasileira específico para a situação da fronteira entre o

Amapá e a Guiana francesa, que foi assinado pelos então presidentes da França Jacques 13 O estigma sobre as mulheres brasileiras é tão forte e constrangedor que para evitar aborrecimentos, na segunda ida à campo, decidi cortar os cabelos bem curtos, fugindo ao estereótipo da mulher local. Isso, e um vestuário composto de calças compridas, criaram um visual andrógino e sem identidade clara definida. E, apesar do meu tipo físico nortista, fui diversas vezes tomada por francesa ou por uma turista estrangeira de nacionalidade desconhecida, isso depois que descobriam que era uma mulher por trás do cabelo curto. 14 Nas batidas que dão nos garimpos ilegais localizados por GPS, a polícia e o exército francês costumam quebrar tudo que acham no garimpo para também quebrar financeiramente os garimpeiros.

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Chirac e do Brasil Fernando Henrique Cardoso. Desse Tratado, resultaram duas medidas cujo

impacto sobre a região e a migração foi imediato: 1) a abertura e pavimentação do

prolongamento da RN2 (Route Nationale 2) de Regina à Saint-Georges, concluída em 2004,

que criou um acesso direto por terra da região de fronteira à capital Caiena, e

consequentemente, ao resto da Guiana; 2) A construção de uma ponte sobre o rio Oiapoque

que teve sua pedra fundamental inaugurada, em fevereiro de 2008, pelos presidentes da

França Nicolas Sarkozy e do Brasil Luis Inácio Lula da Silva.

Toda essa movimentação no eixo Brasil-Guiana vem provocando mudanças contínuas

no Amapá e na sua região de fronteira. A evolução populacional da região, a partir dos anos

1990, é um bom parâmetro para avaliar o tamanho dessas mudanças, mesmo considerando-se,

como coloca Velho que: “[...] o incremento demográfico não explica a ocorrência de uma

frente de expansão, mas denuncia sua existência” (1972: 12 – itálico do original).

Os censos do IBGE de 1991 a 2000 (cujos dados15 são: 1991 - 7.555 habitantes, 1996 -

9.485 hab., 2000 - 12.886 hab.) mostram um crescimento relativo da população do Oiapoque

de 70,56%�, se acrescentarmos os números absolutos da contagem populacional feita em

2007, na qual a população sobe para 19.181 hab., o crescimento relativo pula para 153,88%.

A taxa média de crescimento anual da população do Oiapoque entre 1991 e 2000 foi de

7,84%, acompanhando de perto, nesse mesmo período, a taxa de crescimento anual da

população do Estado do Amapá que foi de 5,74%16. Contrastando essas taxas de crescimento

do Oiapoque e do Amapá à maior taxa de crescimento do País, no mesmo período, que foi a

da região Norte com 2,86%, não é difícil imaginar que algo aconteceu no Amapá.

Da atual população de Oiapoque, de 19.181 habitantes, cerca de 5.000 compõem a

população indígena e o restante está em sua maioria assentado na cidade de Oiapoque. Houve,

a partir dos anos 1990, uma estagnação e mesmo esvaziamento populacional - como por

exemplo o desaparecimento da vila de Ponta dos Índios - das pequenas comunidades do

entorno de Oiapoque e uma concentração da população do município em sua cidade sede.

Com todo esse aumento populacional, mas principalmente com o modo como se deu o

adensamento da população na cidade de Oiapoque (cf. os tipos de migração acima relatados),

não se pode dizer que o Oiapoque é mais uma das pacatas cidades do interior do Amapá. A

cidade é em realidade bastante agitada, numa agitação própria de lugares nos quais circulam

15 Os dados a seguir relativos à cidade de Oiapoque provêm do site do IBGE: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1 16 Os dados sobre o Brasil provêm do arquivo Censo2000sinopse.pdf acessível pelo site: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/sinopse_preliminar/default.shtm

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livremente pessoas de origens diversas e valores, riquezas, dinheiro, como quer que se queira

chamar, também de origens diversas.

Cartografando o palco das tensões

A cidade de Oiapoque é movida a sons, cores e odores. Sua trilha sonora ouvida em

altíssimo e bom som é o calypso, o brega regional, o zouk e o zouk-love guianês. Seus tons

vão das cores quentes presente nas frutas tropicais e nas roupas multicolores dos brasileiros e

guianenses, às cores frias das roupas usadas pelos franceses (caqui, marrom, azul-marinho,

preto, branco etc). Os odores são variados, há o cheiro da onipresente farinha de mandioca,

das frituras vendidas pelos ambulantes, da lama no inverno e da poeira no verão, do lixo

depositado a céu aberto, das frutas fermentando no calor amazônico, da gasolina e óleo diesel

dos postos da margem do rio, dos peixes à espera de compradores e dos múltiplos suores de

gente diferente. A lista daquilo que ativa nossas faculdades sensoriais no Oiapoque é muito

maior que a apresentada acima, mas esta é bastante representativa.

No Oiapoque, as moedas de peso são o Euro e o ouro. Como é de se prever, o ouro é a

moeda dos garimpeiros. Já o Euro vem dos garimpeiros, dos traficantes de drogas, dos

contrabandistas, mas também do turismo, dos brasileiros em situação legal, dos guianenses,

dos franceses residentes na fronteira e dos índios com cidadania francesa. Em 2005 e 2006,

com o Euro 1/3 em relação ao Real, muita gente em Saint-Georges, inclusive eu, vinha ao

Oiapoque fazer suas compras, até quem morava em Caiena (à cerca de 200km da fronteira)

fazia esse deslocamento17. Para quem mora em Saint-Georges fazer as compras em Oiapoque

é mais perto do que para alguém que vive na zona oeste de São Paulo ir a uma supermercado

na zona sul, a cidade de Oiapoque é acessível de Saint-Georges por uma travessia do rio

Oiapoque de 10 minutos em catraia18, ao módico custo de 10,00 Reais por pessoa o trecho,

crianças não pagam. Até 2006, o Brasil e a Guiana não exigiam visto de entrada para fazer

essa travessia. Com a posse de Sarkozi, em 2007, a barreira de entrada está cada vez mais

difícil de transpor.

Boa parte desse dinheiro que vem da Guiana alimenta o mercado informal (ambulantes

e hospedarias sem licença de funcionamento, por exemplo) e o mercado ilegal (contrabando,

17 Os moradores de Caiena também deslocam-se para fazer compras em direção à outra fronteira, a fronteira com o Suriname cuja moeda também tem uma relação de 3/1 com o Euro. Em 2006, visitei Albina, a cidade fronteiriça do Suriname com a Guiana, ela me lembrou bastante o Oiapoque, não somente em relação ao valor das moedas locais, mas também no aspecto faroeste que ambas apresentam. 18 Espécie de barco com motor de popa, conhecido na amazônia por voadeira.

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drogas e prostituição19). Mas, no Oiapoque mercado informal, ilegal e formal se confundem,

tudo parece legalizado. Em 2005/2006, a compra de Euro era feita à luz do dia nos vários píer

de desembarque, sem burocracia nem nota fiscal, bastava escolher entre um dos garotos

cambistas, pequenos compradores que disputavam pelos clientes, oferecendo preços

vantajosos em relação às casas de câmbio legais. Estes eram espécies de “aviões” (como no

tráfico de drogas) dos grandes contrabandistas de Euro20.

O local de desembarque é também o centro da cidade de Oiapoque. Lá se concentram

quase todos os estabelecimentos comerciais�: hotéis, bares, boutiques de roupas,

supermercados, magazines de venda de eletrodomésticos e utensílios domésticos, açougues,

padarias, mercado de peixe, frutas, verduras e legumes. Junto às lojas, estão os ambulantes,

vendendo desde pequenas quinquilharias até coxinha de galinha. Muitos deles atravessam o

rio para vender em Euro. Os Palikur franceses são bons fregueses de alguns desses

ambulantes a quem chamam em créole pelo produto que vendem: Muché (Monsieur) Wassai

(Açaí)! Muché (Monsieur) Crabe (caranguejo)!

Encravada no meio dessa confusão de lojas e ambulantes está a sede da Igreja

Evangélica Assembléia de Deus de Oiapoque, fundada em meados dos anos 1950. O alto

volume de suas orações e cantos disputa ferrenhamente com o som do entorno, onde reina o

brega e o calypso. Convidada por uma informante, um dia fui assistir a uma pregação de uma

missionária brasileira vinda do sul do país. Na verdade, assistimos a um vídeo dessa

missionária que estava sendo passado numa grande televisão do lado de fora da Igreja. Apesar

do barulho circundante, o som da televisão era tão alto que foi possível ouvir todo o

testemunho da missionária e descobrir que, aquela senhora farta e fervorosa era a famosa

“Bete Balanço” imortalizada por Cazuza.

Mas os locais de prostituição não estão na beira-rio. Estão na praça central da cidade,

que fica a três quadras da beira. Esta área cheia de bares, lanchonetes e restaurantes é também

frequentada pelas famílias tradicionais de Oiapoque, aqueles que mais se incomodam com a

invasão de forasteiros em sua cidade. É preciso que se diga que são os representantes desse

segmento, além dos representantes indígenas, que controlam o poder local (prefeitura e

19 No Oiapoque prostituição recebe o carinhoso apelido de “fazer ploc”ou simplesmente “ploc” e as prostitutas

são chamadas de ploqueiras�. Esse termo foi criado pelas próprias prostitutas para suavizar o termo ‘programa’

e, ao mesmo tempo, brincar com algo que é, na maioria das vezes, um programa nada engraçado. 20 Em 2007, a Polícia Federal iniciou uma série de operações no Oiapoque e prendeu um dos cabeças do câmbio ilegal, o que parece ter diminuído a visibilidade desse segmento.

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vereança), mas estes ou renderam-se à corrupção ou� não têm força suficiente para lidar com

o reino de atividades ligado à �ilegalidade.

A proximidade com Saint-Georges é também bem aproveitada por um tipo específico

de turismo, o turismo sexual. Neste ramo, os principais clientes são os gendarmes (policiais

militares lotados por um período limitado de três meses no batalhão de fronteira), douaniers

(agente de fronteira)21 e légionnaires (membros da Legião Estrangeira, exército profissional

francês que acolhe homens do mundo todo e que tem uma base na Guiana), que, junto com os

turistas de comércio, invadem o Oiapoque nos finais de semana. Numa das vezes em que

voltava de minhas compras de mantimentos em Oiapoque, peguei uma catraia com mais

quatro gendarmes, era uma segunda-feira, e eles estavam voltando de um programa de final

de semana, uns comentando com os outros a voz alta como havia sido seu programa e quanto

haviam pago por ele. Assim fiquei sabendo que um ploc de final de semana inteiro com uma

mesma ploqueira e o hotel incluído custava R$250,00, em 2005, e que podia ser previamente

agendado por celular.

Por fim, não dá para subestimar o peso do dinheiro que vem da previdência social e

dos contra-cheques do funcionalismo público. Aqui, os índios ganham importância. Todo

começo de mês, os comerciantes aguardam a fiel clientela indígena que vai ao Oiapoque

receber o dinheiro de aposentadorias, auxílio maternidade, dos empregos como professores,

agentes de saúde, agentes ambientais, vigilantes etc. E volta para a área indígena com suas

compras do mês.

É claro que num lugar onde vigora um tal sistema de ilegalidades e onde o controle da

lei e da força são desproporcionalmente baixos, a violência só pode ser alta. Em 2005, a

Polícia Federal desse lugar de fronteira contava com apenas quatro agentes para dar conta de

tudo, do serviço burocrático, da investigação e da apreensão. Nesse mesmo ano, no primeiro

mês da minha estadia na região, soube de pelo menos quatro assassinatos violentos: 1) um

menino de treze anos matou o pai com um tiro de espingarda porque ele estava surrando sua

mãe; 2) um conhecido vendedor de balas foi assassinado com um tiro na cabeça depois de

discutir com um homem que havia estacionado a moto em frente a sua banquinha de bombons 21 Em 2006, o governo francês transferiu a maior parte das responsabilidades sobre a entrada e saída de pessoas na Guiana a police aux frontières (PAF), restringindo as atividades dos douaniers, que apesar de agir como uma espécie de polícia de fronteira portando inclusive armas de fogo, são civis ligados ao “Ministério da Economia, da Indústria e do Emprego” não ao Ministério da Defesa. Além disso, há um rodízio permanente dos agentes da PAF, fazendo com que fiquem apenas três meses em Oiapoque. Essa estratégia além da truculência dos agentes da PAF foram motivo de muitas queixas dos brasileiros regionais, acostumados a aproximar-se dos douaniers - há vários casos de casamento entre douaniers e mulheres brasileiras - e com isso ganhar confiança e algumas facilidades, em três meses de convívio isso é praticamente impossível.

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atrapalhando sua venda, esse homem saiu e voltou armado, matando o vendedor; 3) uma

gangue assassinou a facadas o membro de outra, mas como o assassinado era um menino que

já estava saindo da vida de gangue sua morte causou pânico na cidade como se fosse um

detonador de outras mortes; 4) um homem matou seu vizinho �com golpes de terçado só

porque este havia pedido para ele abaixar o volume do som para poder� dormir. Esse tipo de

violência por motivo fútil é rotina em Oiapoque, mata-se por ciúmes, mata-se por vingança,

mata-se sem motivo nenhum. O fato é que a impunidade garante esse sistema. Como me

contou uma oiapoquense nata:

Todo mundo aqui tem algum conhecido ou parente que foi violentamente assassinado. Há três anos

atrás, meu primo teve a morte encomendada pelo ex-marido de sua namorada. Até hoje só prenderam os

assassinos, o mandante está solto. (Delcinda Paixão, Oiapoque 2005)

Os moradores de Oiapoque dizem que, para escapar à violência, só contam como a

ajuda de Deus. Esta idéia, que mostra uma resignação profunda em relação à situação de

intimidação vivida no cotidiano nesta região, é também reveladora da tal liminaridade de que

fala o título desta comunicação. A violência no baixo Oiapoque é um estado liminar, mais que

latente, ela é onipresente, podendo transformar-se em fato a qualquer momento e em situações

onde não estaria prevista a priori. Todos os habitantes, indistintamente vivem esse estado

liminar, ainda que o experimentem de maneiras distintas.

Os Palikur no Oiapoque

Mas afinal como é a passagem dos Palikur pela cidade de Oiapoque? Primeiro, a

entrada dos Palikur no Oiapoque não é uniforme. Os Palikur que vivem em Saint-Georges vão

a esta cidade mais frequentemente (uma vez por semana ou mais) que os Palikur que vivem

do lado brasileiro. Não é somente a maior assiduidade que faz a diferença entre as inserções

de uns e de outros. Os Palikur franceses transitam de maneira mais desenvolta que seus

parentes brasileiros, gastando mais tempo e dinheiro na cidade. Além de fazerem compras nas

mercearias, como fazem os Palikur brasileiros, os Palikur franceses são também clientes dos

salões de beleza e alguns homens e mulheres costumam frequentar os bares da cidade.

Percebe-se que a cidade os acolhe de maneira �também diferente à recepção dada aos

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Palikur brasileiros. Homens e mulheres palikur franceses são observados, reconhecidos e

cumprimentados nas ruas. As moças são inclusive assediadas pelos brasileiros.

Os Palikur brasileiros já não têm tanta facilidade em deslocar-se para o Oiapoque. Vão

à cidade em média duas a três vezes ao mês. As viagens do Urukauá para o Oiapoque

costumam ser feitas no “barco da comunidade”22, um batelão com capacidade para cerca de 4

a 5 ton. O trajeto percorrido por este barco é pelo mar, quer dizer passando a Ponta do

Mosquito e atravessando a baía do Oiapoque. É uma viagem penosa, pois o mar é em geral

muito agitado e a viagem é longa, com mais ou menos 24h de duração. No barco, trinta a

quarenta pessoas (entre adultos e crianças) se acomodam como podem entre as bagagens e

sacos de farinha, na ida; e entre os víveres, bujões de gás, um eventual fogão novo ou

geladeira nova etc, na volta.

Os deslocamentos dos Palikur do Urukauá para a cidade têm sempre como objetivo

resolver questões de ordem prática: comercializar a produção de farinhas (principalmente

mandioca, mas também de tapioca) e outros produtos derivados da roça; resolver questões

burocráticas na sede da FUNAI; receber no Banco do Brasil as aposentadorias e as bolsas

(família, escola, parteira etc) dadas pelos governo Estadual e Federal; comprar as mercadorias

que já fazem parte de seu consumo habitual, como sal, açúcar, arroz, feijão, macarrão, papel

higiênico, bolachas etc; passar por consultas e fazer exames médicos. E a duração desses

deslocamentos não chega a durar três dias.

Passando a baía, o primeiro porto em que atracam é Saint-Georges, lá descem as

pessoas que irão ficar hospedadas nas casas de algum parente – irmão (ã), pai, mãe, tio, tia,

avô, avó. Quem não tem parente, dorme no barco ou pode se hospedar na casa de apoio da

Apio (Associação dos Povos Indígenas do Oiapoque) na cidade de Oiapoque.

As compras em Oiapoque são feitas “em família”, ou seja, em pequenos grupos

formados por pessoas aparentadas entre si (casais com filhos, irmãos, tios e sobrinhos etc). O

fato é que ninguém anda só em Oiapoque. Andar junto é um jeito de encarar essa cidade de

uma maneira mais segura, �protegendo-se uns aos outros. Os Palikur de Saint-Georges,

embora pareçam estar mais à vontade na cidade que os Palikur brasileiros, também vão ao

Oiapoque “em família”.

22 Há também algumas voadeiras com motores de popa, mas estas são de propriedade da FUNAI, da FNS ou de algum projeto desenvolvido por ONGs ou pesquisadores na região. Os Palikur eventualmente pegam carona nessas voadeiras e, no caso das de propriedade dos projetos, podem tomá-las emprestadas se tiverem combustível para abastecê-las, mas isso é incomum. O meio mais regular para fazer a viagem ao Oiapoque é mesmo o “barco da comunidade”.

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Apesar de a cidade ser violenta, para os Palikur, tanto brasileiros quanto franceses, o

constrangimento se dá nas relações comerciais. Por isso, andar em grupos ajuda a encarar a

brutalidade e as tentativas de trapaças de alguns vendedores. Raimunda Ioio (Meokayan

Wayveyeno), na casa de quem fiquei hospedada e que me tratou como se fora uma filha, não

pôde ficar sem tirar um sarro de seu marido quando soube que ele havia comprado carne em

Oiapoque para trazer num isopor com gelo até a aldeia de Kumenê (mais ou menos 13h de

viagem num motor 15hp), mas, descobrindo que não havia gelo na cidade tentou �devolver a

carne ao açougue e só conseguiu ouvir umas poucas e boas. Ao saber disso, Meokayan falou

com ironia e em bom português para garantir que eu entendesse: “coitado do índio, não sabe

comprar carne”.

Contudo, sendo os Palikur bons compradores e pagadores, muitos comerciantes os

tratam bem. Mas isso não apaga a impressão que se tem ao ver �os Palikur brasileiros

transitando pela cidade sem serem notados, cumprimentados ou assediados, como o são seus

parentes do lado francês. São vistos de maneira indiferenciada, como se fossem apenas

“grupos de índios”. Essa quase invisibilidade é também o que os protege �da violência local

– nunca se viu um homem palikur sendo morto porque ousou olhar para a namorada de um

brasileiro, por exemplo. É claro que há, dentre os Palikur do Urukauá, algumas pessoas,

principalmente jovens, que tem uma inserção na cidade mais parecida a de seus parentes do

lado francês. Mas são poucos.

A antropóloga sul-africana Lesley Green (2007), que há cerca de dez anos vem

fazendo pesquisa entre os Palikur do Urukauá, também observou quão pouco conhecem os

brasileiros sobre seus vizinhos índios. Pensando uma alternativa para diminuir essa distância,

ela e o marido David Green - que é cineasta e, como filho dos missionários linguístas Diana e

Harold Green, foi criado entre os Palikur –, vêm elaborando um projeto para tornar acessível

por meio do Museu Kuahi23 dos Povos Indígenas do Oiapoque um acervo de duzentas

histórias coletadas entre os Palikur. Abrindo o artigo no qual apresenta esse projeto, a

antropóloga descreve a chegada ao Oiapoque do Sr. Balawe Labonté (do clã Kawakukyene),

um dos homens vivos cujo conhecimento sobre o “mundo dos antigos” é inestimável:

23 Este museu está localizado na parte central da cidade de Oiapoque. Como dito anteriormente (cf. supra: 71-72, nota 67) seu projeto foi iniciado em 1998 pelo governo do Estado do Amapá com a participação dos índios do Oiapoque e do grupo de pesquisadores coordenado por Lux Vidal. Desde a proposta de criação do museu até a

elaboração do projeto arquitetônico e de gestão, tudo foi discutido nas Assembléias dos Povos Indígenas �do

Oiapoque.

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On that particular river trip, Ky24. Balaweh had taken the role of storyteller, yet, like the other Palikur

on the boat, fall silent as we approached the town. We pulled up the boat, and he rolled up his trousers

to stand in the water and hold the boat while others negotiated a mooring spot. As he stood there in the

water, a local townsman passed him. It is hard for me to forget the disdainful glance that Ky. Balaweh

was given by a man who saw him only as an old Indian with two teeth.

Ironically, that ‘old Indian with two teeth’ had an enormous amount to offer the health sciences in his

knowledge of plants; conservationists, in his detailed knowledge of the ecosystem; archeologists, in his

knowledge of regional history; linguists, in his knowledge of the old dialects; and anthropologists, in an

understanding of the power of dialogical performance in educating generations [...]. (L. F. Green, 2007:

309).

A atitude dos Palikur no Oiapoque - emudecendo e andando em grupos como se

estivessem se protegendo de algo - parece indicar não só que sabem do desconhecimento dos

brasileiros a respeito de suas visões de mundo, como coloca Lesley Green, mas

principalmente que estão lidando com algo que lhes parece ameaçador.

Penso que se pode ver as relações estabelecidas pelos Palikur com os não-índios em

Oiapoque (comerciantes, médicos, funcionários da Funai etc) como sendo de ordem

semelhante ao que institui Eduardo Viveiros de Castro (2002) sobre a “afinidade potencial”25.

Um tipo de relação que se estabelece entre “categorias genéricas: compatriotas e inimigos,

vivos e mortos, humanos e animais, humanos e espíritos” (E. Viveiros de Castro, 2002: 159),

que se dá para além da afinidade real como um “fenômeno político-ritual, exterior e superior

ao plano englobado do parentesco” (idem: ibidem). Como afirma ainda o antropólogo:

[...] Os afins potenciais não são ‘inimigos’, um mero complemento diacrítico do ‘Nós’, mas outros

coletivos com quem se travam relações socialmente determinadas de troca simbólica. Ainda ali onde

estas relações incluem a violência e a “reciprocidade negativa”, trata-se sempre de uma violência

simbólica (simbólica mesmo quando é real, para falarmos como Sahlins 1983: 88), e de uma

reciprocidade, mesmo que “negativa” (para falarmos novamente como Sahlins 1965), manifestando um

uso positivo e necessário da alteridade”. (E. Viveiros de Castro, 2002: 162)

Seria preciso um estudo mais detalhado para analisar as filigranas das relações dos

Palikur com os não-índios em Oiapoque. Por ora, posso apenas indicar de maneira genérica 24 Ky. É a abreviação de kiyavwiye (t: senhor). 25 Tomo aqui emprestada parte da estratégia de análise de uma situação similar, desenvolvida pelo antropólogo José Antonio Kelly cuja pesquisa busca entender as relações que os Yanomami da Venezuela estabelecem com os brancos, mais especificamente, com os médicos e enfermeiros que atuam entre eles (2003; 2005). Para entender esse contexto, Kelly lança mão dos conceitos de “afinidade potencial” e de “relacionalidade generalizada”, desenvolvidos por Eduardo Viveiros de Castro, e da teoria do simbolismo de Roy Wagner, que estabelece que a ação humana envolve uma dialética entre um reino próprio do inato e outro da agência humana, um espaço para a convenção e outro para a invenção, e que estas divisões são concebidas de modos diametralmente invertidos por índios e não-índios.

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que estas relações de alteridade são lidas pelos Palikur na chave da afinidade, tanto em sua

forma potencial, quanto real, considerando os casamentos com não-índios.

Na resposta de Awdy - um palikur do Urukauá, mas que passou parte de sua vida entre

brasileiros – a uma pergunta sobre como os Palikur viam os não-índios, observa-se que o

olhar sobre eles é o mesmo olhar aplicado nas relações entre os Palikur. Em sua fala, os não-

índios podem ser vistos como amigos e assim entrar na categoria nukebyuvwi (t: meus

irmãos26) mas se estiverem numa relação de casamento com os Palikur serão vistos como

estrangeiros (t: nawwotunye, cf. definição supra), ocupando o lugar destinado aos afins:

Parahna [t: brasileiros], atiwi [t: créole] e parasi [t: franceses] são nawwotunye [t: estrangeiros], mas

quando começam a fazer parte do movimento, discutindo, apoiando, sempre falando à favor não são

mais considerados nawwotunye, são vistos como amigos. Mas, com relação a casamento, eles voltam a

ser vistos como nawwotunye, porque eles não pensam como a gente. Os Palikur têm medo da diferença

de pensamento. A população indígena não usa as palavras “vou te matar”, mas os brasileiros usam, são

diferentes. Os parahna, atiwi e parasi são muito bons, mas são como uma onça, uma onça que você

criou, mas se você errar alguma coisa com essa onça, ela não brinca contigo. (Awdy, Macapá 2007)

Os comerciantes de Oiapoque me parecem encarnar de maneira exemplar essa imagem

de afins potenciais. Sem ser inimigos, não deixam de ser violentos. Porém, esse não é um

atributo exclusivo deles, os não-índios, de maneira geral, são vistos como potencialmente

violentos, vide a imagem da onça na fala de Awdy. Eles falam uma língua diferente, não

apenas um idioma diferente, mas usam as palavras de maneira diferente, podem dizer “vou te

matar”. A diferença aqui é a “hostilidade” (E. Viveiros de Castro, 2002: 166). Vistos pelos

Palikur de uma maneira perspectivista (T. Stolze Lima, 1996; E. Viveiros de Castro, 1996,

2002), os não-índios podem passar, a qualquer momento, de pessoa à onça. Por isso também

são nawwotunye ou estrangeiros, enfim: afins.

Bibliografia citada

26 Este termo não é exclusivo do parentesco. É usado, por exemplo, como vocativo nas relações entre os membros da comunidade evangélica, sejam eles palikur, brasileiros ou franceses. Qualquer evangélico, ou crente, como eles se auto-proclamam, é um gikebyi (t: irmão(a) dele (a)/seu, sua; gi- é prefixo possessivo da terceira pessoa do singular) de outro crente. Gikebyi pode ser também um índio de outra etnia. Por fim, um amigo ou amiga em particular, ou um “amigo dos Palikur” em geral, também pode ser referido como gikebyi.

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