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Rodrigo Esteves de Lima Lopes

E STUDOSEM

DE

T RANSITIVIDADE

L NGUA P ORTUGUESA :DO

O P ERFIL

G NERO C ARTAS

DE

V ENDA

Dissertao apresentada Comisso Examinadora da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, como exigncia parcial para obteno do ttulo de MESTRE em Lingstica Aplicada e Estudos da Linguagem sob orientao da Profa. Dra. Leila Barbara.

Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo So Paulo 2001

s s s s ss s s s s

ii

Banca Examinadora

Profo Dro Jos Luiz Meurer Profa Dra Rosinda de C. Guerra Ramos Profa Dra Leila Barbara

iii

Autorizao

Autorizo, exclusivamente para ns acadmicos e cientcos, a repreoduo parcial ou total desta dissetao por processos fotocopiadores ou eletrnicos.

Assinatura

Local e data

iv

s s s s s ss s s s s s s s s ss s s s s Aos meus pais, Derly e Londrino

v

s s s s ss s s s s s s s s ss s s s s So horas talvez de eu fazer o nico esforo de eu olhar para a minha vida (...) Digo do que ontem literariamente fui, procuro explicar a mim prprio como cheguei aqui. (Fernando Pessoa, do Livro do Desassossego)

vi

AgradecimentosAo CNPq, pelo auxlio nanceiro a esta pesquisa. A minha orientadora, Profa Dra Leila Barbara, pela dedicao, ecincia, carinho, ateno e pacincia maternos; por ensinar e me ajudar a crescer, por acreditar em mim. A Profa Dra Rosinda de Castro Guerra Ramos, pelas incontveis contribuies a esta pesquisa, dentro e fora exame de qualicao, e , principalmente, por ensinar-me muito sobre o mundo e sobre mim. Ao Prof Dr Tony Berber Sardinha por ser o exemplo de competncia em que me espelho. A Profa Dra Beatriz Berrini, por ser a primeira a despertar em mim a curiosidade da pesquisa. A Tas Bittencourt da Rocha Bressane, pelas sugestes importantes para o encaminhamento deste trabalho, pela sua dedicao durante o exame de qualio. A Carolina Penteado Muniz Ventura, pela ajuda imprescindvel, pelas leituras cuidadosas, pelo apoio, por ser amiga. A Valria Branco Moreira Pinto dos Santos, pelas dicas dentro e fora dos seminrios. A Rosngeles, Paulo Neto (Little Baby), Maria Lcia, Mrcia e a todos os funcionrios e bolsistas do LAEL/CEPRIL, por atenderem protamente aos meus pedidos de ajuda. Aos meus Pais, pelo apoio. A Glria, por tudo. Aos colegas e professores do LAEL, pelos constantes incentivos. Aos amigos da diretoria, por me acompanharem todos esses anos, por saberem entender e por no terem medo de dizer o que deve ser dito.

vii

ResumoEsta pesquisa, parte do projeto DIRECT (LAEL-PUCSP), estuda 104 cartas de venda de produtos e servios (33.633 palavras) - escritas em portugus brasileiro. Trs so seus objetivos: a) estudar os movimentos (e passos) das cartas b) estudar as escolhas lxico-gramaticais no sistema de transitivida em cada um dos movimentos e b) analisar as representaes veiculadas pelos documentos. O trabalho teve como fundamentao terica a Gramtica Sistmico- Funcional (Halliday, 1985, 1994) e a Anlise Genrica (Swales, 1990, 1991, 1992). Dentre as vrias possibilidades de anlise, a escolha da transitividade ocorreu pelo fato de existirem poucos estudos sobre esse sistema em portugus propiciando um campo vasto para estudo e anlise - e em gneros especcos. A metodologia adotada foi a Lingstica do Corpus, sendo que esta pesquisa contou com o uso de duas ferramentas computacionais de anlise lexical (Manson, 1999; Scott, 1999), alm de um sistema de etiquetagem, desenvolvido e aplicado manualmente. Os resultados mostraram que cada movimento possui um conjunto de funes prprias, realizado por escolhas lxico-gramaticais especcas. Um fato importante que funes similares so realizadas por tipos diferentes de processos, mostrando que essas funes so o elemento determinante do valor das escolhas na transitividade. Esse tipo de consistncia tambm foi observado na anlise das representaes, onde os participantes da interao so retratados de forma semelhante em todos os movimentos, o que est sistematicamente relacionado aos papis de transitividade desempenhados por cada um deles. Por m, observou-se que o movimento que realiza o propsito comunicativo das cartas tambm o que concentra a maior quantidade de processos e que possui o sistema de escolhas mais complexo. Isso mostra que a importncia de um elemento para a estrutura retrica pode ser vericada atravs de um levantamento quantitativo e qualitativo das escolhas-lxico gramaticais.

viii

AbstractThis study, part of the DIRECT project (LAEL-PUCSP), aimed at analysing 104 direct sale letters (33.633 words) in Portuguese. The corpus was analysed with three main objectives: a) to investigate which are the moves (and steps) in these leters b) to investigate the lexicogrammatical patterns in each move (and step) and c) to investigate how the experience is represented in these letters. The theoretical background lays on the Systemic-Functional Grammar (Halliday, 1985, 1994) and on Genre Analysis (Swales,1990, 1991, 1992). The grammatical system of transitivity was chosen due to the fact that one may nd very few studies on this in Portuguese or even applied to specic genres. Corpus Linguistics was the main methodological tool: two software for lexical analysis (Manson, 1999;Scott, 1999) and a tagging system were used. The results show that each move has a set of functions that is instantiated by specic lexicogrammatical choices. The value of these choices are based on the functions observed, since similar functions are instantiated by different types of process. Consistency was also found in the representation of the participants in each move, which is closely related to their transitivity roles. Finally, results show that the move responsible for the communicative purpose of the letters is also the one which carries the highest number of processes and the most complex system of choices, meaning that both quantitative and qualitative approaches are important to study the system of choices amongst moves.

ix

Sumrio

Introduo 1 Fundamentao terica 1.1 A gramtica sistmico-funcional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.1.1 A Metafuno experiencial: o sistema de transitividade . . . . . . . 1.1.1.1 1.1.1.2 1.1.1.3 1.1.1.4 1.1.1.5 1.1.1.6 1.1.1.7 1.1.1.8 1.1.2 1.1.3 1.2 1.3

1 5 6 8

Processos materiais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12 Processos mentais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14 Processos relacionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16 Processos comportamentais . . . . . . . . . . . . . . . . 19 Processos verbais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 Processos existenciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20 Elementos circunstanciais . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 Resumo dos tipos de processos . . . . . . . . . . . . . . 22

O conceito de participantes e papis . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 O Contexto de cultura e o contexto de situao . . . . . . . . . . . 25

O gnero: a perspectiva adotada neste trabalho . . . . . . . . . . . . . . . . 29 Cartas comerciais e seu papel nas relaes pblicas . . . . . . . . . . . . . 37 43

2 Metodologia 2.1

Descrio do corpus de estudo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43 2.1.1 2.1.2 2.1.3 Procedimentos de coleta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43 A composio do corpus e os procedimentos de armazenamento . . 44 O contexto de situao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46 x

2.2

Procedimentos de anlise . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48 2.2.1 2.2.2 2.2.3 A escolha da metodologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48 Instrumentos para anlise . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49 Passos da anlise . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52 55

3 Apresentao e discusso dos resultados 3.1

Caracterizao da estrutura genrica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 3.1.1 3.1.2 3.1.3 3.1.4 Movimentos e passos encontrados . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56 Movimentos obrigatrios e opcionais . . . . . . . . . . . . . . . . 63 Os passos e sua hierarquia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67 Algumas concluses . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71

3.2

Os processos e a estrutura genrica 3.2.1 Processos materiais 3.2.1.1

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74

Oferta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75 3.2.1.1.1 3.2.1.1.2 3.2.1.1.3 3.2.1.1.4 3.2.1.1.5 Detalhamento da oferta . . . . . . . . . . . . . 75 Introduo da oferta Valor . . . . . . . . . . . . . . 88

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92

Incentivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93 Algumas concluses . . . . . . . . . . . . . . . 97 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99

3.2.1.2

Demanda de aes 3.2.1.2.1 3.2.1.2.2 3.2.1.2.3

As demandas ostensivas (ou diretas) . . . . . . 100 Demandas no-ostensivas (ou indiretas) . . . . 105 Algumas concluses . . . . . . . . . . . . . . . 106

3.2.1.3

Credenciais da empresa e envio de documentos anexos . 109 3.2.1.3.1 Algumas concluses . . . . . . . . . . . . . . . 114 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117

3.2.2

Processos relacionais 3.2.2.1

Oferta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 118 3.2.2.1.1 3.2.2.1.2 3.2.2.1.3 Detalhamento da oferta . . . . . . . . . . . . . 118 Introduo da oferta . . . . . . . . . . . . . . 124

Incentivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125 xi

3.2.2.2 3.2.2.3 3.2.3

Credenciais da empresa e demanda de aes . . . . . . . 126 Algumas concluses . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 128

Demais tipos de processos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 132 3.2.3.1 Processos verbais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133 3.2.3.1.1 3.2.3.1.2 3.2.3.2 3.2.3.3 3.2.3.4 Demanda de aes . . . . . . . . . . . . . . . . 134 Detalhamento da oferta . . . . . . . . . . . . . 135

Processos mentais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 138 Processos comportamentais . . . . . . . . . . . . . . . . 140 Algumas concluses . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141 144

Consideraes Finais 1

Resumo dos resultados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 144 1.a 1.b 1.c 1.d Pergunta 1: Os movimentos e sua classicao . . . . . . . . . . . 144 Pergunta 2: Os processos e sua distribuio . . . . . . . . . . . . . 149 Pergunta 3: As funes em cada movimento . . . . . . . . . . . . 152

Pergunta 4: As representaes das personagens nas cartas . . . . . 156 . . . . . . . . . . . . . . . . 160

2 3

Delimitaes e sugestes para novos estudos

Contribuies . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 162 165 172 174 175

Referncias Bibliogrcas A Exemplo de carta de venda de produtos B Exemplo de carta de venda de servio C Relao das etiquetas utilizadas

xii

Lista de Figuras1.1 1.2 1.3 2.1 2.2 2.3 2.4 3.1 3.2 3.3 4.1 4.2 4.3 4.4 4.5 4.6 Os tipos de processos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

Tipos de elementos circunstanciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22 O gnero em relao ao registro e lngua . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28 Armazenamento das cartas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46 Descrio do sistema de etiquetagem utilizado . . . . . . . . . . . . . . . . 52 Exemplo de concordncia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53

Armazenamento das concordncias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 Estrutura Genrica do corpus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56 Freqncia relativa e absoluta dos processos nas CVPs e CVSs . . . . . . . 71 Concentrao de processos nos movimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . 73 Funes realizadas em credenciais da empresa . . . . . . . . . . . . . . . 152 Funes realizadas em introduo da oferta . . . . . . . . . . . . . . . . . 152 Funes realizadas em detalhamento da oferta . . . . . . . . . . . . . . . . 153 Funes realizadas em valor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153 Funes realizadas em incentivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 154 Funes realizadas em demanda de aes . . . . . . . . . . . . . . . . . . 154

xiii

Lista de Tabelas2.1 2.2 3.1 3.2 Composio do corpus em nmero de palavras . . . . . . . . . . . . . . . . 44 Produtos/servios anunciados nas cartas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44 Movimentos e passos das cartas e sua freqncia relativa no corpus . . . . . 65 Distribuio dos processos em Matthiessen (1999), Shimazumi (1996) e Halliday (1992b) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72 3.3 3.4 3.5 3.6 3.7 3.8 3.9 Distribuio dos processos materiais pelos movimentos das CVPs e CVSs . 74 Distribuio dos processos materiais em oferta nas CVPs e CVSs . . . . . . 75 Distribuio dos processos pelos Atores em detalhamento da oferta . . . . 75 Distribuio dos processos pelos Atores em introduo da oferta . . . . . . 88 Distribuio dos processos pelos Atores em valor . . . . . . . . . . . . . . 92 Distribuio dos processos pelos Atores em incentivos . . . . . . . . . . . 94 Distribuio dos processos pelos Atores em demanda de aes . . . . . . . 100

3.10 Distribuio dos processos pelos Atores em envio de documentos anexos . . 113 3.11 Distribuio dos processos relacionais pelos movimentos das CVPs e CVSs 117 3.12 Distribuio dos processos relacionais em oferta nas CVPs e CVSs . . . . . 118 3.13 Realizao dos Portadores, Identicados e Possuidores pelas personagens em detalhamento da oferta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 118 3.14 Realizao dos Possuidores pelas personagens em incentivos . . . . . . . . 126 3.15 Distribuio dos processos relacionais pela realizao dos participantes em credenciais da empresa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127 3.16 Distribuio dos processos verbais, mentais, comportamentais e existenciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133 xiv

3.17 Distribuio dos processos verbais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133 3.18 Os Experienciadores em detalhamento da oferta e credenciais da empresa . 138

xv

Lista de Quadros1.1 1.2 1.3 1.4 3.1 Tipos de processos relacionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16 Resumo dos tipos de processos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22 As categorias de Registro e sua relao com as Metafunes . . . . . . . . 27 Veculos de comunicao dirigida e comunicao massiva . . . . . . . . . . 39 Produto/servio como Ator: processos que ocorrem em mais de um tipo de produto/servio em detalhamento da oferta . . . . . . . . . . . . . . . . . 76 3.2 Produto/servio como Ator: processos que ocorrem em mais de um tipo de produto/servio em detalhamento da oferta . . . . . . . . . . . . . . . . . 82 3.3 3.4 3.5 3.6 3.7 3.8 3.9 3.10 Destinatrio como Ator em detalhamento da oferta . . . . . . . . . . . . . 83 Processos em que outras personagens so Ator em detalhamento da oferta . 86 Processos sem Ator expresso em detalhamento da oferta . . . . . . . . . . 87 Empresa como Ator em introduo da oferta . . . . . . . . . . . . . . . . 88 Processos materiais pela realizao do Ator em valor . . . . . . . . . . . . 92 Ator/empresa em incentivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94 Processos materiais onde o destinatrio o Ator em incentivos . . . . . . . 96 Produto/servio como benfeitor para o destinatrio em detalhamento da oferta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97 3.11 3.12 Destinatrio como usurio do produto em detalhamento da oferta . . . . . 97 Outras personagens descrevendo o produto em detalhamento da oferta . . 97

3.13 Empresa como benfeitora para o destinatrio e criadora de produtos/servios em introduo da oferta 3.14 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98

Empresa como disponibilizadora do produto em introduo da oferta . . . 98 xvi

3.15 3.16 3.17 3.18

Empresa como benfeitora para o destinatrio em incentivos . . . . . . . . 98 Destinatrio como conquistador de incentivos em incentivos . . . . . . . . 99 Destinatrio pagador em valor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99

Empresa como cobradora e destinatrio pagador em valor . . . . . . . . . 99

3.19 Demanda de compra : processos que ocorrem em apenas um grupo de cartas 101 3.20 Demanda de compra: processos que ocorrem em mais de um tipo de produto/servio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102 3.21 Processos materiais de demanda de procedimentos . . . . . . . . . . . . . 103 3.22 Processos materiais de demanda indireta . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105

3.23 Realizao dos participantes pelas personagens: demandas ostensivas . . . 106 3.24 Realizao dos participantes pelas personagens: demandas no-ostensivas . 107 3.25 Processos materiais de investimento em credenciais da empresa . . . . . . 110 3.26 Processos materiais de experincia em credenciais da empresa . . . . . . . 111 3.27 Processos materiais em envio de documentos anexos . . . . . . . . . . . . . 113 3.28 Empresa como empreendedora e benfeitora para o cliente em credenciais da empresa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115 3.29 Empresa como empreendedora em credenciais da empresa . . . . . . . . 115

3.30 Empresa como benfeitora para o destinatrio em envio de documentos anexos115 3.31 Destinatrio como beneciado em envio de documentos anexos . . . . . . 115

3.32 Produto/servio como participantes em detalhamento da oferta . . . . . . . 119 3.33 Processos relacionais onde o destinatrio Possuidor ou Portador em detalhamento da oferta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121 3.34 Processos relacionais em que outras personagens realizam os participantes em detalhamento da oferta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 124 3.35 Processos relacionais em introduo da oferta . . . . . . . . . . . . . . . . 124 3.36 Relao dos processos relacionais pelas estratgias e tipo de produtos/ servios em credenciais da empresa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127 3.37 Processos relacionais em demanda de aes . . . . . . . . . . . . . . . . . 128 3.38 Processos relacionais classicatrios em oferta e credenciais da empresa . 129 xvii

3.39 3.40 3.41 3.42

Processos relacionais de identicao em oferta e credenciais da empresa 129 Processos relacionais constitutivos em detalhamento da oferta . . . . . . . 130 O destinatrio como usurio em detalhamento da oferta . . . . . . . . . . 130 Empresa como disponibilizadora do produto em introduo da oferta: processos relacionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 130

3.43 Realizao dos participantes pelas personagens: demandas no-ostensivas nos processos relacionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131 3.44 Distribuio dos processos verbais pelos tipos de produtos/servios em demanda de aes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 134 3.45 Processos verbais em detalhamento da oferta . . . . . . . . . . . . . . . . 136 3.46 Processos mentais pelos tipos de produto/servio em detalhamento da oferta 139 3.47 Processos comportamentais em detalhamento da oferta . . . . . . . . . . . 140 3.48 3.49 Produto/servio como benfeitor nos processos verbais . . . . . . . . . . . 141 Destinatrio como usurio do produto nos processos verbais, mentais e comportamentais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 142 3.50 Demandas ostensivas nos processos verbais, mentais e comportamentais . . 142 4.1 As representao das personagens nas cartas . . . . . . . . . . . . . . . . 157

xviii

IntroduoEsta pesquisa est inserida dentro do contexto do projeto DIRECT (Em direo linguagem dos negcios), iniciado em 1989, que engloba vrias universidades no Brasil e no exterior com a nalidade de estudar o uso da linguagem no contexto dos negcios. Vrias tm sido as contribuies desse projeto para a anlise de textos empresariais, entre elas: Santos (1996), que estuda o gnero de cartas de negociao, Freitas (1997), que realiza a anlise lexical de folhetos de hotis, Ramos (1997), que trabalha com a projeo de papis e imagem empresarial, Barbara e Scott (1996), que estudam editais de licitao, Barbara e Scott (1998) e Berber Sardinha (1994), que estudam relatrios anuais, Wyatt (1997) e Baptista (1998), que estudam mensagens eletrnicas (e-mails), Barbara e Lima-Lopes (2000), que comparam as realizaes lexicais em cartas de negcios e reunies, Berber Sardinha (1993), Collins e Scott (1996), Bressane (2000) e Lessa (1997), que trabalham com reunies de negcios, Siqueira (2000) e Souza (1997), que estudam escolhas temticas, a primeira, em relatrios anuais, a segunda, em cartas e anncios de empregos, entre outros. O embrio deste trabalho foi minha experincia como pesquisador em nvel de iniciao cientca nesse projeto (entre 1996 e 1998), desenvolvendo trabalhos relacionados a anlise lexical de documentos empresariais em lngua inglesa, utilizando metodologias de anlise computacional de corpora (Lima-Lopes, 1999). O foco desta pesquisa a anlise de 104 cartas de venda, comumente chamadas de cartas de mala direta, e sua motivao est na necessidade de compreenso das relaes entre linguagem e cultura, analisando sua manifestao dentro do contexto de interao. Busca-se compreender os padres lxico-gramaticais de um gnero luz de seus propsitos comunicativos. 1

Introduo

2

As cartas so estudadas a partir de duas perspectivas: a) anlise do gnero e b) anlise das escolhas no sistema de transitividade. No caso da anlise genrica, so levantados os movimentos e passos, chegando a uma estrutura que represente as cartas estudadas; j as escolhas do sistema de transitividade so analisadas e categorizadas, observando-se os padres lxico-gramaticais em cada movimento/passo. Essa escolha se deu por duas razes. Em primeiro lugar, os estudos sobre gnero normalmente privilegiam o levantamento de elementos lexicais que marcam a transio entre os diferentes movimentos e que evidenciam o contedo ideacional e interpessoal dos textos ou, ento, trabalham com a formao da imagem e sua relao com o discurso. Poucos so os trabalhos que analisam as escolhas de transitividade nos movimentos, observando se as diferenas de funo geram diferenas nos padres lxico-gramaticais. Em segundo lugar, h poucos estudos sobre o sistema de transitividade em lngua portuguesa; destacam-se os de Bressane (2000) e Heberle (1999), que trabalham com reunies de negcios e editoriais de revistas femininas, respectivamente. Isso deixa um grande espao para a realizao de pesquisas. Este estudo, por exemplo, focalizou a classicao de processos e o levantamento dos padres de realizao dos participantes em um gnero, por acreditar que a anlise do sistema de transitividade importante na observao de como o escritor produz o seu texto, de forma a alcanar os seus objetivos. Assim, procura-se entender as possveis relaes entre o contexto de produo das cartas, sua estrutura organizacional e as escolhas lxico-gramaticais. Logo, este trabalho orientar-se- pela gramtica sistmico-funcional (doravante GSF) (Halliday, 1973, 1976, 1985, 1991, 1992b, 1993, 1994) e seguidores (Martin et al., 1997; Thompson, 1996; Eggins, 1994). A abordagem sistmico-funcional d grande importncia ao contexto sciocultural da produo lingstica: toda a produo est atrelada s necessidades e funes sociais desempenhadas. Por conseguinte, todos os enunciados realizados so fruto da operacionalizao de signicados, regulados pelo contexto da cultura e da situao de forma paradigmtica. Cada escolha lingstica possui um valor especco quando comparada a outras possveis. Isso d lingstica um carter de cincia social e aplicada (Stubbs, 1996: 25), uma vez que ela est relacionada observao de problemas prticos da linguagem na sociedade, alm de se debruar sobre sua aplicabilidade.

Introduo

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Aqui, adotam-se as propostas de Swales (1990, 1991 e 1992) para a anlise de gneros. Isso ocorreu devido existncia de vrios estudos sobre cartas comerciais (Bhatia 1993a,b; Cheung, 1993 e Santos 1996) que utilizam sua proposta e que serviram como ponto de partida para esta pesquisa. Alm dessa teoria principal, utilizou-se tambm o auxlio de alguns tericos em GSF, principalmente Eggins e Martin (1997), que propem o estudo conjunto do gnero e do registro, denindo a TRG (Teoria do Registro e Gnero). Assim, este estudo investiga o gnero e as diferentes representaes veiculadas pelas cartas analisadas, a m de observar a viso de mundo que trazida por esses documentos. A anlise visa a determinar os diferentes estgios das cartas, para, posteriormente, observar de que forma o Sistema de Transitividade se manifesta em cada um deles. A hiptese central deste trabalho que cada um dos estgios dos documentos realiza funes especcas, possuindo padres prprios de realizao dos participantes de cada processo pelas personagens1 De forma a alcanar meus objetivos, as seguintes perguntas de pesquisa foram formuladas: 1. Quais so os movimentos obrigatrios e opcionais das cartas? 2. Qual a freqncia de cada tipo de processo nas cartas e qual sua distribuio pelos movimentos e tipo de cartas? 3. Quais as funes realizadas pelos processos em cada movimento? 4. De que forma as personagens so representadas nas cartas? A metodologia deste trabalho contou com procedimentos baseados na lingstica do corpus. Essa escolha se deve, principalmente, pelas ferramentas de anlise que ela disponibiliza, possibilitando o trabalho com grandes quantidades de texto de forma rpida e eciente. Foram usados dois programas computacionais de anlise lexical: o WordSmith ToolsObservou-se que a utilizao da palavra participantes poderia causar alguns problemas, uma vez que dois podem ser seus signicados: participantes da interao e participantes (argumentos) dos processos, no sistema de transitividade. Para evitar possveis confuses e distinguir ambas as entidades, adotou-se o termo personagem para determinar os participantes da interao, uma vez que esse termo no utilizado na GSF. Para os participantes (argumentos) dos processos, continua-se usando o termo participante, como previsto na GSF. Para maiores detalhes, ver seo 1.1.2. das cartas1

Introduo

4

(Scott, 1999), e o Qwick (Manson, 1999; Sinclair et al., 1998), os quais foram utilizados em conjunto com um sistema de etiquetagem, cuja funo foi facilitar o levantamento e classicao dos dados. Por m, o presente trabalho organiza-se da seguinte forma: o Captulo 1 Fundamentao Terica apresenta, em primeiro lugar, a GSF e o Sistema de Transitividade; em segundo lugar, trazida a teoria de anlise do gnero de Swales (1990; 1991 e 1992), alm da resenha de alguns estudos sobre cartas comerciais; nalmente, apresenta o conceito de comunicao dirigida de acordo com a literatura na rea de Relaes Pblicas. O Captulo 2 Metodologia apresenta os procedimentos metodolgicos utilizados neste trabalho, tecendo consideraes sobre: 1) a coleta, composio e armazenamento do corpus; 2) o contexto de situao em que os textos se inserem; 3) os instrumentos utilizados na anlise e 4) os procedimentos de anlise dos dados. O Captulo 3 Apresentao e Discusso dos Resultados traz o levantamento da estrutura genrica e seu estudo a partir dos processos e seus participantes. Esse captulo est organizado a partir dos tipos de processos estudados e dos vrios estgios das cartas. Finalmente, as Consideraes Finais apresentam possveis aplicaes e as limitaes deste trabalho.

Captulo 1

Fundamentao terica

Este captulo traz o universo terico em que esta pesquisa est includa e se divide em trs partes: 1) referente Gramtica Sistmico-Funcional (doravante GSF), 2) referente anlise do gnero e 3) referente rea de Relaes Pblicas e ao papel das Cartas de Venda.

A primeira parte ser centrada na descrio da Metafuno experiencial, enfocando no s os tipos de processos e seus participantes, como tambm trazendo informaes a respeito de alguns estudos sobre transitividade e sua contribuio para esta pesquisa. Aqui tambm sero discutidos o contexto de cultura e o contexto de situao .

Na segunda parte, discutirei o gnero. Como ser dito a seguir, esta pesquisa partiu dos resultados de alguns estudos sobre cartas de negcios em diversos contextos, Bhatia (1993a,b), Cheung (1993) e Santos (1996), os quais se apoiam no universo terico denido por Swales (1990, 1991, 1992).

Por m, a terceira parte trata de teorias complementares, vindas da rea de Relaes Pblicas. Sua funo estabelecer o lugar das Cartas de Venda de produtos/servios dentro do conceito de comunicao dirigida na empresa, explorando suas principais funes e caractersticas. 5

Fundamentao terica

6

1.1

A gramtica sistmico-funcional

A esfera terica em que este trabalho est inserido a Gramtica Sistmico-Funcional2 (GSF) proposta por Michael Halliday (1994; 1985; 1976; 1973). A GSF v a lngua como fruto do contexto scio-cultural, tendo seu foco no estudo da linguagem em uso. A GSF pode ser descrita como uma abordagem semntico-funcional, cuja preocupao explorar como a lngua estruturada para o uso em diferentes contextos (Eggins, 1994: 23-24). Uma das premissas bsicas dessa abordagem que o uso da lngua motivado pelas relaes sociais (Eggins, 1994: 4) e que as escolhas lxico-gramaticais realizadas pelos falantes no so aleatrias e esto condicionadas pelo contexto. Assim, uma determinada escolha pode ser inuenciada ou determinada, ou ainda, inuenciar ou determinar as escolhas sua volta (Thompson, 1998: 30). Nessa abordagem, a lngua um sistema que oferece ao falante uma srie de possibilidades para expressar os seus signicados. A gramtica um construto operacional que organiza as funes realizadas pelo falante; os diferentes signicados possuem diferentes formas de expresso, cada uma com diferentes probabilidades de ocorrncia, dadas as variaes de contexto. Ao realizar um signicado atravs de um item lexical ou um fraseado (wording), o falante est realizando uma escolha entre outras provveis, fazendo com que o uso da lngua tenha um carter probabilstico (Halliday, 1993, 1992a, 1991; Stubbs, 1996). Isso faz com que a anlise tenha um carter contrastivo, pois o pesquisador estar sempre comparando as escolhas realizadas pelo falante com outras disponveis, de forma a determinar quais foram suas motivaes. importante ressaltar que essas escolhas podem no estar em um nvel consciente (Thompson, 1996: 8). Segundo Halliday (1994, 1985, 1976, 1973) e seguidores (Martin et al 1997; Thompson, 1996; Eggins, 1994), ao optar por um determinado fraseado, o falante est realizando trs tipos de signicados simultaneamente (adaptado de Eggins, 1994: 11-13): 1. signicados relativos s representaes de poder e solidariedade, o que engloba asOs termos de GSF em portugus esto de acordo com aqueles aprovados pelos participantes do projeto DIRECT (http://www.direct.f2s.com) na PUCSP e pela lista de discusso em GSF em portugus. Maiores informaes podem ser encontradas em http://www.sistemica.f2s.com ou em http://www.yahoogroups.com/gsfemportugues.2

Fundamentao terica

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atitudes em relao ao outro e os papis sociais assumidos; 2. signicados relativos organizao do contedo da mensagem, relacionando o que se diz ao que foi dito; 3. signicados relativos representao da experincia atravs da lngua, sobre o que se fala e sobre quem (ou o que) age sobre quem (ou o que). Cada um desses tipos de signicado est relacionado a uma Metafuno da linguagem, sendo que cada Metafuno possui um sistema que viabiliza a realizao de seus signicados. Assim, o item 1 est relacionado Metafuno interpessoal; o item 2 Metafuno textual e o item 3 Metafuno experiencial. Na Metafuno interpessoal,. . . the speaker adopts for himself a particular speech role, and in so doing assigns to the listener a complementary role which he wishes him to adopt on his turn.

(Halliday, 1994: 68) Essa Metafuno realizada atravs do sistema de MODO, que organiza a sentena em dois constituintes: o Modo Oracional e o Resduo. O Modo Oracional constitudo por dois elementos (Eggins, 1994: 156-159): o Sujeito, a quem a responsabilidade pela proposio atribuda, e o Finito, responsvel pelas relaes temporais e modais da proposio. J o Resduo composto por trs elementos (Eggins, 1994: 156-169): o Predicador, que o elemento lexical ou parte constituinte do grupo verbal, o Complemento, ou elemento que tem potencial para realizar o sujeito mas no o faz, e os Adjuntos, elementos oracionais que contribuem com informaes que completam o sentido da proposio, mas no so essenciais. O exemplo (1) ilustra esse sistema: (1) Metafuno Interpessoal (sistema de Modo) ...o grande terremoto pod e arrasar a Califrnia a qualquer momento Sujeito modal nito Predicador Complemento Adjunto M ODO R ESDUO A Metafuno Textual (item 2) est relacionada a organizao da mensagem. Para Halliday, o sistema temtico "gives the clause its character as a message" (Halliday, 1994:

Fundamentao terica

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37). A estrutura Temtica divide a sentena em duas partes: o Tema e o Rema. O Tema o ponto de partida da mensagem, ... "it is that with which the clause is concerned" (Halliday, 1994: 37); enquanto que o Rema elemento onde o Tema desenvolvido. O exemplo (2), abaixo, ilustra a estrutura temtica. (2)

Metafuno Textual (Sistema Temtico) ...o grande terremoto pode arrasar a Califrnia a qualquer momento Tema Rema J na Metafuno Experiencial (item 3), o falante representa os fatos e a organizao

do mundo exterior e do seu mundo interior. Essa Metafuno realizada pelo sistema de transitividade e conta com trs elementos: os participantes, os processos e as circunstncias. Uma vez que o objetivo deste trabalho analisar as escolhas no sistema de transitividade, a Metafuno Experiencial ser discutida em maiores detalhes a seguir.

1.1.1

A Metafuno experiencial: o sistema de transitividade

Nesta seo, sero estudados os tipos de processos, seus participantes e os elementos circunstanciais , que recebero menor ateno dado o objetivo desta pesquisa. Como j foi dito, a Metafuno experiencial est ligada ao uso da lngua enquanto representao, estando relacionada tanto com o mundo externo, eventos, elementos, como com o mundo interno, pensamentos, crenas, sentimentos etc. A realizao dessas representaes ocorre atravs do sistema de transitividade, que implica na escolha de processos (elementos verbais) e seus argumentos (Eggins: 1994, 220). Para Halliday (1994: 106), esse sistema a nossa mais forte expresso da experincia, uma vez que o falante constri um mundo de representaes, baseado na escolha de um nmero tangvel de tipos de processos. Dentro do sistema de transitividade, cada proposio consiste de trs elementos: 1) o processo, 2) seu(s) participante(s) e 3) circunstncias, que so de carter opcional. O processo representado por um grupo verbal, e a ao propriamente dita, ao passo que os participantes so, normalmente, representados por grupos nominais, os quais podem realizar a ao ou serem de alguma forma afetados por ela; j as circunstncias so representadas por grupos adverbiais e sua funo adicionar informaes ao processo, como mostra o exemplo (3), abaixo.

Fundamentao terica

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(3)...o grande terremoto Participante (que realiza a ao) destruir Processo: Material a Califrnia Participante (afetado pela ao) a qualquer momento Circunstncia (quando o fato pode ocorrer)

Para Halliday (1994; 1985), h trs tipos de processos principais: Material, Mental, Relacional e trs tipos de processos que ocupam uma posio intermediria: Comportamental, Verbal e Existencial.Um resumo dos tipos de processo e o tipo de signicado veiculado em cada um trazido pela gura 1.1.

Figura 1.1: Os tipos de processos (Traduzido de Halliday, 1994:108)

Os processos materiais representam nossa experincia no mundo exterior, aes realizadas no mundo fsico; os processos mentais representam experincias em nosso mundo interior (inner world), aes realizadas no mundo dos pensamentos; os relacionais representam signicados ligados identicao e classicao. Os processos comportamentais

Fundamentao terica

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esto na fronteira entre os materiais e os mentais, realizando aes do nosso mundo interior que so exteriorizadas; os processos verbais esto entre os mentais e os relacionais, trazendo relacionamentos simblicos, construdos na conscincia humana e realizados atravs da linguagem; por m, os processos existenciais relacionam-se a qualquer tipo de fenmeno que reconhecido como existente. Entre as pesquisas que procuram explicar as motivaes para escolhas no sistema de transitividade, foram especialmente teis os trabalhos de Thompson (1998) e Matthiessen (1999). Thompson (1998) estuda a motivao para repetio de determinadas estruturas de transitividade em um texto. Para o autor, as escolhas parecem sustentar umas s outras, ajudando a consolidar um determinado tom (tone)3 , que percorre todo o texto. Para Thompson (1998), o autor de um texto, inconscientemente, cria uma imagem por exemplo, cidade em movimento ou resultados lgicos e opta consistentemente por fraseados que mantenham o tom dessa imagem. Em alguns casos, essa repetio ocorre em um nvel mais supercial (rst level of delicacy), como o caso das escolhas de tipos de processos e os seus participantes. Exemplos so o grande nmero de processos relacionais em textos didticos (Martin 1991 apud Thompson 1998), ou a presena da empresa Remetente no papel de Ator (agente em processos materiais) e do Destinatrio como Experienciador (agente em processos mentais) em documentos publicitrios (Thompson e Thetela, 1995; Martinez, 1999). Em outros casos, Thompson (1998) coloca que essa repetio pode ocorrer em nveis mais sutis. Um exemplo so as metforas gramaticais em brochuras de turismo (a building stands, a street runs) (Thompson, 1998: 31). No caso especco dos textos de turismo, Thompson explica que essas escolhas, de carter metafrico, tm por funo dar um tom dinmico ao texto, tom que se perderia caso esses processos no fossem utilizados. O autor chama esse fenmeno de Ressonncia Textual, um efeito cumulativo nas esA palavra tone no est sendo utilizada em seu sentido mais comum na GSF. Aqui o autor a utiliza no sentido de "algo que percorre todo o texto", como se pode observar em: The aspect that we are concerned with might informally be called the "tone" of a text: the overral cumulative effect of the way in which certain transitivity choices seem to reinforce each other. . . (Thompson, 1998: 30)3

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colhas no sistema de transitividade em um texto, consolidando determinadas facetas do signicado. Assim, o produtor de um texto tem diversos fraseados sua disposio, mas usa apenas aqueles que mantm um padro escolhido (Thompson, 1998: 32). Embora importante para a unidade do texto, a ressonncia no colocada como um sistema, mas sim como uma estratgia no nvel do discurso. Um fraseado se torna a escolha mais provvel em um contexto porque ele ressoa (resonates) com as demais escolhas, construindo, juntas,o signicado trazido pelo texto. Matthiessen (1999) trabalha com um corpus constitudo por vrios tipos de texto, estudando a transitividade enquanto sistema probabilstico de escolhas e de combinaes. Seu objetivo desenvolver um perl quantitativo das escolhas na transitividade, estudando a freqencia com que as diferentes opes oferecidas so instanciadas e relacionando seus resultados com as propriedades qualitativas desse sistema (Matthiessen, 1999: 01). O autor est preocupado no s em determinar quais tipos de processos so mais freqentes em cada tipo de texto, mas tambm qual a sua possibilidade de combinao com os demais elementos. Para o autor, a transitividade composta por sub-sistemas; ao realizar a escolha por um tipo de processo, por exemplo, o falante est selecionando um conjunto de elementos, formando um sistema menor. Cada escolha realizada pode determinar a probabilidade de ocorrncia de outros elementos, como circunstncias, formando uma rede de escolhas. As redes de escolhas so relacionadas com os diferentes signicados dos processos e circunstncias, mostrando que quanto mais instanciado for um determinado elemento, maior ser seu nmero de sub-sistemas. Um exemplo so os processos materiais e as circuntncias de lugar; em ambos os casos, a alta freqncia coincide com uma maior variedade de processos (no caso do primeiro) e de circunstncias (no caso do segundo) disponveis para escolha, o que , como mostrar a anlise de dados tambm ocorre nesta pesquisa. Se compararmos as propostas de Matthiessen (1999) e Thompson (1998), podemos observar que h a possibilidade de dilogo entre elas; a probabilidade de uso e combinao dos elementos do sistema de transitividade, pode ser motivada pelos padres de signicado responsveis pela Ressonncia. Ao determinar quais signicados sero trazidos por um texto, est-se determinando quais as probabilidades de combinao a serem realizadas.

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Esses trabalhos motivaram o tipo de abordagem utilizada nesta pesquisa: procurou-se levantar os processos mais freqentes e quais personagens realizam os participantes em cada processo nos movimentos, de forma a analisar quais as funes realizadas. Antes de concluir esta seo, vale a pena mencionar que, dentre os poucos estudos sobre transitividade em portugus que encontramos, podemos citar Heberle (1999) e Bressane (2000). Heberle (1999) estuda as escolhas do sistema de transitividade e seu carter ideolgico; a autora analisa as representaes das experincias femininas em editoriais de revistas para mulheres no Brasil, buscando demonstrar como a mulher ideologicamente retratada nesses textos. Entre os resultados da autora, est o fato dessas revistas representarem a mulher como dona de casa, que cuida dos lhos e ocupa seu tempo com futilidades. Bressane (2000) estuda uma reunio no contexto imobilirio. Nesse estudo, so levantados os processos presentes em cada estgio da reunio, alm de serem tratadas algumas questes sobre a realizao dos participantes. Contudo, nenhum desses trabalhos lida com o levantamento dos pers de transitividade nos gneros estudados, uma vez que nesses trabalhos a transitividade utilizada como instrumento auxiliar. No caso de Heberle (1999), ela uma forma de sistematizar as relaes ideolgicas, em Bressane (2000) o foco principal est nas relaes de poder. Passaremos a seguir ao estudo de cada tipo de processo.

1.1.1.1

Processos materiais

Os processos materiais so processos de fazer, relacionados a aes do mundo fsico, como trazer, transferir, buscar, circular etc. Dois so seus participantes principais: o Ator e a Meta. O Ator quem realiza a ao propriamente dita, sendo que sua presena obrigatria: todo processo tem um Ator, mesmo que ele no seja mencionado na proposio (Thompson, 1996: 78). A Meta o participante a quem o processo dirigido, aquele que efetivamente modicado pela ao, que em termos da gramtica tradicional seria denido como Objeto Direto (Eggins, 1994: 231). Uma vez que esses conceitos so de base semntica, eles continuam aplicveis a sentenas na voz passiva, onde a Meta assume a posio de Sujeito, como mostram os exemplos (4) e (5).

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(4) Voc pode cancelar sua assinatura Participante: Ator Pr: material Participante: Meta (5) O experiente vulcanlogo foi morto pela aparncia calma do Galeras Participante: Meta Pr: material Participante: Ator H ainda dois outros participantes que podem estar relacionados aos processos materiais: so eles a Extenso (que pode ocorrer com outros tipos de processos) e o Benecirio. Eggins (1994: 233) diz que a Extenso tem duas funes nos processos materiais: a) a rearmao, ou mesmo continuao do processo ou b) a denio de seu escopo. No exemplo (6), a palavra sorteio uma forma de rearmao do signicado trazido pelo verbo, uma vez que no h sorteios a menos que eles sejam concorridos; ao passo que no exemplo (7), o signicado do processo parece residir na prpria Extenso. A autora ainda explica que, embora seja difcil distinguir entre a Extenso e a Meta, a diferena entre esses dois participantes muito importante, uma vez que eles possuem funes distintas. (6) Voc continua concorrendo a Participante: Ator Pr: material (7) [Ns] Participante: Ator fazemos demonstrao, instalao e treinamento Pr: material Participante: Extenso sorteios Participante: Extenso quando quiser Circunstncia

J o Benecirio aquele que se benecia das aes realizadas pelo Ator. Para Eggins (1994: 35), ele parece funcionar como uma espcie de cliente (aquele por quem algo feito) ou recebedor (aquele para quem alguma coisa feita), exemplos abaixo: (8) A revista ACME traz para os prossionais de notcia Participante: Ator Pr: material Participante: Benecirio

Fundamentao terica

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(9) Ele lhe Participante: Ator Participante: Benecirio dar maiores detalhes Pr: material Participante: Extenso

1.1.1.2

Processos mentais

Os processos mentais so processos de sentir (Halliday, 1994: 112) e so relativos representao do nosso mundo interior (Thompson, 1996: 82). Halliday divide esses processos em trs subtipos: processos mentais de cognio, relacionados deciso e compreenso (saber, entender, decidir); processos mentais de percepo, relacionados observao de fenmenos (sentir); e processos mentais de afeio, relacionados aos sentimentos (gostar, amar). Os participantes desse tipo de processo so o Experienciador, em cuja mente o processo est se realizando, e o Fenmeno, que o elemento percebido/sentido pelo Experienciador, como mostra o exemplo (10), traduzido de Eggins (1994: 242).

(10) Eu odeio Participante: Experienciador Pr.: mental injees Participante: Fenmeno

Thompson (1998:82) coloca que h diferenas importantes entre os processos que retratam os acontecimentos no mundo exterior (materiais) e os processos que representam os acontecimentos no nosso mundo interior (mentais), mostrando que a separao entre esses dois tipos de processos tem justicativa gramatical. Halliday (1994: 114) dene alguns critrios de diferenciao entre esses processos: 1) a utilizao de tempos verbais; 2) o nmero de participantes; 3) a natureza dos participantes e 4) a reversibilidade. O primeiro critrio a utilizao de tempos verbais marcados e no-marcados4 (item 1): no caso dos processos materiais, o presente contnuo o tempo no-marcado, enquanto que para os processos mentais, o tempo no-marcado o presente simples.Segundo Eggins (1994: 296): ... unmarked simply means most typical, usual , while marked means atypical, unusual.4

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O segundo (item 2) est relacionado realizao do fenmeno, podendo ser aplicado ao portugus. Para Halliday (1994: 115), esse participante pode ser instanciado por um nmero maior de entidades, podendo ser no apenas uma pessoa, um objeto concreto ou abstrato (como nos processos materiais): (11) Eu penso Participante: Experienciador Pr.: mental em voc Participante: Fenmeno

mas tambm um fato, que, para Thompson (1998: 82), uma orao tratada de forma similar a uma coisa: (12) Ela duvidou dos resultados trazidos pelo candidato Participante: Experienciador Pr.: mental Participante: Fenmeno A terceira a natureza do experienciador: apenas um participante humano (ou personicado) pode s-lo. Contudo, nos resultados obtidos nesta pesquisa (como veremos no captulo 3), os Atores realizados por guras no-humanas so personicados, uma vez que a maioria das aes realizadas pela empresa ou pelo produto/servio parecem ser tpicas de entidades humanas; corroborando outros estudos em GSF, como Bressane (2000) e Siqueira (2000). De fato, o que parece ser diferente o tipo de personicao: nos processos materiais no h a atribuio de conscincia s entidades personicadas; nesse caso, d-se a elas apenas a capacidade de realizao de aes no mundo fsico; ao passo que, nos processos mentais, as aes realizadas parecem ser responsveis pela criao de um mundo interior nos participantes. A quarta a reversibilidade. Aqui, o fenmeno pode ou no ocorrer na posio de Sujeito, sendo que isso no ir interferir na realizao dos participantes, como mostram os exemplos abaixo: (13) Voc a Participante: Experienciador Participante: Fenmeno amou Pr.: mental

Fundamentao terica

16

(14) Ela foi amada Participante: Fenmeno Pr.: mental por voc Participante: Experienciador

1.1.1.3

Processos relacionais

O terceiro tipo de processo o Relacional, ou processos de ser. Esses processos possuem uma funo classicatria, relacionando duas entidades no discurso. Segundo Halliday (1994: 119), todas as lnguas acomodam formas sistemticas de realizao dos processos relacionais, sendo que o autor identica trs como sendo as principais: 1. intensivo: onde X (ou est) A 2. circunstancial: onde X (ou est) em A (onde a preposio em pode tambm ser substituda por outra) 3. possessivo: onde X tem (ou possui) A Cada um desses tipos pode ainda ser classicado de dois modos: 1. atributivo: onde A um atributo de X 2. identicativo: onde A a identidade de X Isso gera seis categorias de processos relacionais, as quais podem ser observadas no quadro 1.1: Tipo/Modo (1) Intensivo (2) Circunstancial (3) Possessivo (i) Atributivo Voc muito importante A feira acontece s teras-feiras Aqui voc tem descontos e vantagens (ii) Identicativo [ns] somos a melhor A melhor somos ns Amanh dia 10 O dia 10 amanh Jos tem a ta A ta do Jos

Quadro 1.1: Tipos de processos relacionais (adaptado de Halliday: 1994: 119) Segundo Eggins (1994:256), num processo intensivo atributivo, um elemento X determinado como membro de uma classe A. Nesse tipo de processo, podemos encontrar dois

Fundamentao terica

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participantes: o Portador, ou elemento classicado, e o Atributo, ou elemento classicador. Por exemplo: (15) Voc Participante: Portador um desenvolvedor de produtos ACME Pr.: intensivo Participante: Atributo

(16) Voc Participante: Portador importante para ns Pr.: intensivo Participante: Atributo circunstncia

Uma caracterstica importante desse tipo de processo o fato dele no ser reversvel, uma vez que h apenas um participante nominal independente: o Portador. Os processos intensivos identicativos identicam uma entidade em termos de outra (Thompson, 1996: 87). Esse tipo de processo conta com dois tipos de participantes: o Identicado, que alvo da denio, e o Identicador, elemento denidor. Diferentemente dos intensivos atributivos, os intensivos identicativos so reversveis. Isso possvel porque, nesse tipo de processo, est-se estabelecendo uma relao de igualdade: onde X igual a A, exemplos abaixo. (17) A sua melhor opo o ACME Participante: identicador Pr.: identicativo Participante: Identicado

(18) o ACME Participante: Identicado a sua melhor opo Pr.: identicativo Participante: identicador

Graas a essa relao, Thompson (1996) diz que possvel denir a direo desse processo de identicao: em toda classicao h um elemento geral, chamado Valor e um especco, chamado Caracterstica, sendo que os processos podem caminhar do geral para o especco, em (19), e do especco para o geral, em (20).

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(19) A sua melhor opo o ACME Participante: identicador Pr.: identicativo Participante: Identicado (Valor) (Caracterstica)

(20) O ACME a sua melhor opo Participante: identicado Pr.: identicativo Participante: Identicador (Caracterstica) (Valor) Os processos relacionais circunstanciais operam de forma bem semelhante aos intensivos: nesses processos, um dos participantes substitudo por um elemento circunstancial. No caso dos circunstanciais atributivos, o elemento circunstancial ocorre na posio de Atributo, como em (21) traduzido de Eggins (1994: 262). J os circunstanciais atributivos so reversveis, como mostra (22), traduzido de Halliday (1994: 119).

(21) A bomba Participante: Portador estava Pr.: intensivo em sua bagagem Participante: Atributo (circunstncia)

(22) Amanh Participante: Identicado Pr.: identicativo o dia 10 Participante: Identicador (circunstncia)

J os processos relacionais possessivos demonstram uma relao de propriedade, sendo que dois so os seus participantes: o Possuidor e o Possudo, em (23). Esses processos podem ser de dois tipos: os intensivos, em (23), e os identicativos, em (24).

(23)

Voc Participante: Possuidor

tem 20% de desconto Pr.: possessivo Participante: Possudo

na anuidade circunstncia

Fundamentao terica

19

(24) Jos Participante: Possuidor tem a ta Pr.: possessivo Participante: Possudo

A exemplo dos processos relacionais intensivos e circunstanciais, os possessivos intensivos no so reversveis, ao passo que os identicativos sim. Contudo, quando utilizamos a forma reversa, o processo presente na sentena ser, em (25). (25) A ta Participante: Possudo do Jos Pr.: possessivo Participante: Possuidor

1.1.1.4

Processos comportamentais

Os processos comportamentais so aes que englobam comportamentos fsicos e psicolgicos realizados de forma simultnea. Segundo Halliday (1994: 139), esses processos esto entre os materiais e os mentais. Assim, o autor sugere que h processos comportamentais como, olhar, assistir, encarar, preocupar-se etc., que esto mais prximos de aes mentais e outros que esto mais prximos de aes materiais, como danar, respirar, deitar etc. A exemplo dos processos mentais, os comportamentais exigem que pelo menos um de seus participantes seja uma gura animada ou personicada. Seus participantes so o Comportante, entidade que realiza a ao e a Extenso, que dene o escopo do processo: (26) . . . voc Participante: Comportante pode assistir [a ta] Pr.: comportamental Participante: Extenso

1.1.1.5

Processos verbais

Os processos verbais so processos de dizer, e esto na fronteira entre os processos mentais e relacionais. Para Halliday, os processos verbais no precisam possuir um participante humano. Aqui, construes como A TV disse que. . . ; O relgio diz que so. . . so perfeitamente aceitveis, o que no poderia ocorrer nos processos mentais. Por essa razo, Halliday

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diz que esses processos podem tambm ser denidos como processos de simbolizar. Quatro so seus participantes: o Dizente, que realiza a ao, o Receptor, para quem a mensagem direcionada, o Alvo, a entidade que atingida pelo processo, e a Verbiagem, a mensagem propriamente dita: (27) Eu repeti o aviso a ela Participante: Dizente Pr.: Verbal Participante: Verbiagem Participante: Receptor (28) Ele Participante: Dizente criticou Pr.: verbal o lme avidamente Participante: Alvo Circunstncia

importante observar que os processos verbais podem possuir oraes projetadas, normalmente relacionadas ao discurso indireto. Nesses casos, a orao projetada deve ser analisada separadamente, observando-se seus prprios constituintes, como mostra o exemplo (29), adaptado de Thompson (1994: 98). (29) Ele disse ao entrevistador Participante: Pr.: verbal Participante: Dizente Receptor Orao Projetante que no responderia aquela pergunta Orao Projetada

1.1.1.6

Processos existenciais

O ltimo tipo de processo o existencial, que se encontra entre os processos relacionais e materiais. Proposies existenciais so realizadas tipicamente pelos processos haver, existir e ter (em portugus brasileiro), sendo que outros processos como emergir, surgir e ocorrer podem ser considerados existenciais em alguns contextos. Nesse processo h apenas um tipo de participante, o Existente: (30) Haver caminhada, comida tpica Pr.: Existencial Participante: Existente

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1.1.1.7

Elementos circunstanciais

Uma vez que o estudo dos elementos circunstanciais no o foco desta pesquisa, farei uma rpida considerao sobre esses elementos, remetendo o leitor para Halliday (1985 e 1994), Martin et al. (1997), Thompson (1996) e Eggins (1994) para informaes mais detalhadas. Para Halliday (1994: 149), os elementos circunstanciais podem ocorrer livremente com todos os tipos de processo, tendo sempre signicados semelhantes. Esses elementos so tipicamente realizados por locues adverbiais e advrbios, trazendo informaes que complementam o signicado do processo; para Thompson (1996), sua funo

[to] encode the background against which the process takes place (Thompson, 1996: 104) Exemplos desse tipo de estrutura so: (31) ... envie seu cupom Pr.: Material Participante: Meta (32) Estamos Pr.: Relacional sua disposio Circunstncia de causa (benefcio) para quaisquer esclarecimentos Circunstncia de causa (propsito) agora mesmo. Circunstncia de localizao (tempo)

Thompson (1994) arma que embora a GSF apresente um nmero determinado de circunstncias, ao analisarmos textos autnticos no incomum encontrarmos elementos circunstanciais que expressam signicados no previstos pela gramtica. Um resumo dos tipos de elementos circunstanciais sugeridos por Halliday (1994) apresentado pela gura 1.2, na prxima pgina.

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de extenso de localizao

Temporal Espacial Temporal Espacial Meio Qualidade Comparao Guisa Produto Comitativo Aditivo Razo

de modo

Elementos Circunstanciais

de papel de acompanhamento

de causa

Propsito Benefcio Condio Concesso

de contingncia de assunto

Figura 1.2: Tipos de elementos circunstanciais

1.1.1.8

Resumo dos tipos de processos

Para nalizar, pode-se observar que cada tipo de processo est ligado a um tipo diferente de signicado, o que faz com que seus participantes realizem funes diferentes. Um resumo dos tipos de processos estudados nas sees anteriores e seus participantes trazido pelo quadro 1.2, abaixo.

Processos Material Comportamental Mental percepo afeio cognio Verbal Relacional atributivo identicativo Existencial

Categoria de Signicado Fazer Comportar-se Sentir Ver Sentir Saber Dizer Ser/estar Atribuir Identicar Existir

Participantes Ator, Meta, Extenso e Benecirio Comportante, Extenso

Experienciador, Fenmeno Dizente, Alvo, Verbiagem e Receptor Portador, Atributo; Possuidor, Possudo Identicado, Identicador; Valor, Caracterstica Existente

Quadro 1.2: Resumo dos tipos de processos (Traduzido de Halliday 1994: 143)

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23

1.1.2

O conceito de participantes e papis

Na gramtica sistmico-funcional, o conceito de papel est, normalmente, associado s relaes de solidariedade e poder, que se manifestam atravs do sistema de Modo (Halliday, 1994); alguns exemplos de estudos nesse campo so Ramos (1997); Thompson e Thetela (1995); Martinez (1999); Bressane (2000); Baptista (1998); Wyatt (1997), entre outros. Delu (1991) coloca que o conceito de papel est relacionado ao de participante, que pode ser denido em termos lingsticos, ou interacionais. Assim, para Delu (1991), os participantes (ou interactantes) esto sempre realizando trs tipos de papeis de forma simultnea: a) textual; b) social e c) interacional (Delu, 1991: 289-290). Os papis textuais so denidos pela natureza do sistema lingstico (Delu, 1991: 289), os quais determinam funes como falante (speaker), ouvinte (listener), endereador (addresser), endereado (addressee) ou audincia, alm dos papis diticos (Lyons, 1977). Os papis sociais so denidos sem referncias linguagem, estando ligados posio de um indivduo na sociedade (Delu, 1991: 290), eequivalendo aos papis sociais de primeira ordem, como denido por Halliday (1978). J os papis interacionais so denidos pela interao social, e se manifestam atravs do sistema lingstico (Delu, 1991: 290). Thompson e Thetela (1995) trabalham com a atribuio de papis em anncios publicitrios, chegando a um sistema que subdivide os papis interacionais em dois tipos: 1. papeis atribudos (enacted roles): so instanciados pelo prprio ato de fala/escrita, sendo, essencialmente, os papis de fala propostos por Halliday (1985: 108) 2. papis projetados (projected roles): so os papis atribudos atravs da nomeao dos participantes da interao, sendo dependentes da referncia explcita no texto. (adaptado de Thompson e Thetela, 1995: 107-108). A partir desse sistema, Thompson e Thetela (1995) analisam o escritor-no-texto (writerin-the-text) e o leitor-no-texto (reader-in-the-text) em anncios publicitrios. O escritor-notexto a entidade responsvel pelo anncio, podendo ser representada ora pela empresa, como em (33-a), ou pelos produtos/servios oferecidos por ela, como em (33-b).

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(33)

a. b.

O Banco ACME est fazendo muito mais por voc . . . Um seguro muito acessvel que oferece ampla proteo. . .

J o leitor-no-texto o conjunto de possveis consumidores daquilo que anunciado, como em (34).(34) voc continuar recebendo as outras tas (uma a cada ms). . .

Apesar dos textos publicitrios possurem um nmero muito maior de participantes, Thompson e Thetela justicam sua escolha devido ao tipo de relacionamento entre esses participantes, que o inverso daquilo que ocorre no mundo extra texto:. . . in reality the advertiser is in the inferior position (. . . ) However, (. . . ) the writer-in-the-text almost invariably interacts with the reader-in-the-text as an equal or even from a position of superiority.

(Thompson e Thetela, 1995: 111) Nesta pesquisa, decidi analisar as realizaes do escritor-no-texto subdividido em empresa e produto/servio e do leitor-no-texto que no caso deste estudo o destinatrio das cartas como sugerido por Thompson e Thetela (1995), uma vez que essas representaes tambm foram encontradas em meus dados:(35) a. b. c. voc assina e ganha mais 10% de desconto sobre o preo da capa. [destinatrio] A ACME tem o prazer de apresentar o novo processador ACME . . . [empresa] Seguro Bagagem que cobre perda, roubo ou extravio de bagagem. . . [produto/servio]

Por m, Thompson e Thetela (1995: 109) tambm colocam que importante denir entre dois tipos de participantes: os participantes da interao e os participantes no sistema de transitividade. Para os autores, essa diferena no apenas uma questo de nomeao que muito importante , mas tambm de realizao da interao, uma vez que:. . . the speaker/writer can also manage the interaction partly by projecting different transitivity roles onto herself and her audience.

(Thompson e Thetela, 1995: 109) Uma vez que essa possibilidade de controle da interao atravs das escolhas no sistema de transitividade um dos objetos desta pesquisa, necessrio que haja uma diferenciao

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25

terminolgica entre os participantes da interao e os participantes (argumentos) dos processos, de forma a tornar mais fcil destinguir as duas categorias. Assim, adotou-se o termo personagem para determinar os participantes da interao pois ele no utilizado na GSF ao passo que para os participantes (argumentos) dos processos, continua-se usando o termo participante.

1.1.3

O Contexto de cultura e o contexto de situao

Para a GSF, qualquer realizao lingstica est condicionada ao contexto onde foi produzida. Para Halliday e Hasan (1989: 05), o contexto um fator determinante na produo de um texto, assim como a situao o em relao ao discurso nele empregado. Para os sistemicistas, o contexto parece entrar no texto de forma a inuenciar escolhas de palavras e de estruturas (Martin e Eggins, 1997: 232). Assim, os estudiosos da GSF estabelecem dois nveis, o contexto de situao e o contexto de cultura, os quais funcionam como ferramentas fundamentais para o entendimento de um texto (Baptista, 1998: 19). Nessa abordagem, para que se possa analisar um texto, indispensvel que seja observado aquilo que acontece sua volta, encarando o texto e o contexto como interdependentes (Thompson, 1996: 9). O contexto de cultura pode ser entendido como o pano de fundo onde a interao est inserida (Halliday e Hasan, 1989), disponibilizando um potencial de realizao de signicados (potencial semitico). Dessa forma, Eggins (1994) diz que o estudo do contexto de cultura envolve a observao de como a lngua estruturada para o uso. Para tanto, necessrio estudar interaes autnticas e completas, de forma a . . . [to] describe how people use language to achieve culturally appropriate goals, through the concept of genre (grifo da autora) (Eggins, 1994: 25) Assim, quando estudamos o contexto de cultura, estamos procurando descrever como o propsito geral da interao nos leva a organizar um texto em estgios, procurando alcanar objetivos previstos em nossa cultura. Dentro desse contexto, so estudadas as diferentes manifestaes textuais, mostrando como cada uma delas se articula. O estudo do contexto de cultura passa pela observao e anlise dos diferentes gneros. Na GSF, um gnero pode ser denido como um evento comunicativo, formado por estgios e que leva realizao

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26

de um objetivo social especco, sendo incompleto caso sua realizao no ocorra (Martin, 2000). Essa teoria sugere que textos que realizam diferentes funes em uma cultura sero organizados de forma diferente; uma cultura vista como um sistema de gneros (Martin, 2000: 04). Hasan introduz o conceito de Congurao Contextual (CC), cuja funo descrever o contexto onde se d uma interao. Para a autora (Halliday e Hasan, 1989: 56), se um gnero pode ser encarado como uma poro de linguagem exercendo uma funo em um dado contexto, razovel descrev-lo como a expresso verbal dessa ao social. Dessa forma, a CC uma descrio dos atributos signicativos desse evento. Os cinco elementos que formam a CC denem os estgios em termos de sua obrigatoriedade, 1) os obrigatrios, de presena indispensvel; 2) opcionais,que podem ou no aparecer, e em termos da sua freqncia, 3) recursivos, com a possibilidade de ocorrncia em mais de um momento; bem como em termos de sua ordem, que pode ser 4) obrigatria ou 5) provvel (Halliday e Hasan, 1989: 56). J o contexto de situao (ou registro) est relacionado situao imediata de realizao do texto,. . . register is a theoretical explanation of the common-sense observation that we use language differently in different situations.

(Eggins e Martin, 1997: 234)

Halliday (Halliday e Hasan, 1989) dene trs variveis de registro, aqui apresentadas de acordo com a reformulao de Eggins e Martin (1997: 238):

1. Campo, ou a ao social: o que acontece, a natureza da ao social, aquilo em que os falantes esto engajados; 2. Relaes, ou a estrutura de papis: quem est participando do evento e com qual funo, quais so suas relaes de solidariedade; 3. Modo, ou organizao simblica: qual o papel da linguagem, o que cada interactante espera da linguagem enquanto funo.

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Estudos sobre registro esto preocupados em observar como um texto est relacionado ao seu contexto imediato de realizao. As variveis de Modo, Relaes e Campo so mapeadas de forma a explicar as razes que levaram o falante a realizar determinadas escolhas. Para Halliday (1989: 41), impossvel a utilizao de apenas um tipo de registro nas diferentes relaes sociais do cotidiano, denindo dois plos para sua variao: registro aberto (open register) e registro fechado (closed register). Essas duas noes esto relacionadas aos nveis de particularizao e de personalizao de uma ao de linguagem, sendo que um exemplo dessa oposio o jargo prossional [+restrito] versus uma conversa informal [restrito]. Metafuno Registro (Organizao da lngua) (Organizao do contexto) Signicados interpessoais Relaes (Recursos para interao) (estrutura de papis) Signicados experienciais Campo (Recursos para construo de contedo) (Ao social) Signicados textuais Modo (Recursos para organizao do texto) (Organizao simblica) Quadro 1.3: As categorias de Registro e sua relao com as Metafunes (Traduzido de Eggins e Martin, 1997: 239) Pode-se dizer que h uma correlao direta entre a organizao funcional da linguagem e o contexto de situao, estabelecendo uma relao entre as Metafunes e as variveis de Registro, como mostra o quadro 1.3, acima. Eggins e Martin (1997) do um importante passo ao aglutinarem as anlises de Gnero e Registro que at ento eram realizadas independentemente no que os autores chamam de Teoria do Registro e Gnero, TR&G (Register and Genre Theory, R&GT). A TR&G debrua-se sobre a variao funcional, buscando explicar as diferenas entre textos em termos de motivaes contextuais. Dois so os instrumentos principais: 1) a anlise da variao de elementos lingsticos no discurso, atravs da identicao e quanticao de padres gramaticais e semnticos em um texto e 2) a relao desses elementos com variveis de valor social e cultural em que um texto foi produzido. Assim, nas palavras dos autores:. . . R&GT must provide a methodology for textual analysis and it must provide

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an account of how situational and cultural contexts are expressed systematically in language choices.

(Eggins e Martin, 1997: 237) Nessa abordagem, qualquer produo textual multidimensional, realizando mais de um signicado ao mesmo tempo: os textos variam no s de acordo com o contexto imediato de produo, levando a diferentes escolhas lxico-gramaticais mapeadas nas variveis de registro, como tambm em termos de sua organizao em estgios; cada objetivo social leva a diferentes conguraes textuais.Contexto (nvel2): Gnero Acima e Alm das Metafunes Gnero Campo Modo

Contexto (nvel 1): Registro Organizado pelas Metafunes

Textual Experiencial Relaes Lngua organizada pelas Metafunes

Interpessoal

Figura 1.3: O gnero em relao ao registro e Lngua (Traduzido de: Eggins & Martin, 1997: 243)

Esse modelo representado pela gura 1.3, onde o gnero paira sobre as variveis de Registro, que por sua vez est em um nvel superior ao da realizao lingstica. Assim, cada varivel do contexto de situao est sistematicamente relacionada aos padres lxico-gramaticais existentes em um texto, permitindo sua caracterizao a partir dessas escolhas. Para Eggins e Martin (1997: 234), essa relao tem carter probabilstico e no determinstico; uma forma de exemplicar esse conceito uma comparao com as nossas refeies: nada pode impedir algum de comer feijoada em seu caf da manh, embora isso

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tenha uma baixa probabilidade de ocorrer. Uma das contribuies da TR&G para a presente pesquisa o fato dos autores sugerirem que as duas camadas do contexto, o de situao (registro) e o de cultura (gnero), devem ser observadas simultaneamente, oferecendo uma descrio sistemtica da variao existente nos diferentes tipos de texto.

1.2

O gnero: a perspectiva adotada neste trabalho

Este trabalho parte do conceito de gnero denido por Swales (1990,1991,1992), usado por uma srie de estudos sobre cartas comerciais, como o caso de Bhatia (1993a,b), Cheung (1993) e Santos (1996). Durante a anlise dos dados, percebi que o corpus desta pesquisa possua uma Estrutura Genrica muito similar s apontadas pelos autores acima, o que motivou sua utilizao como ponto de partida para a anlise das cartas. Swales busca a compreenso dos padres organizacionais e retricos responsveis pela realizao prtica de um discurso. Seu trabalho diretamente voltado para o ensino do idioma ingls para ns especcos, buscando capacitar falantes no-nativos a desempenhar funes especcas com o uso da lngua (Santos, 1998: 16). Dentro do estabelecido por Swales, possvel entender gneros como elementos de interao utilizados por uma comunidade discursiva. Esses gneros tm como base para sua produo um propsito comunicativo, sendo que o falante tambm leva em considerao elementos como pblico-alvo, restries relativas forma e nomenclatura. Assim, um gnero teria caractersticas organizacionais bem denidas, tornando possvel a realizao de interaes que, dentro do escopo de uma comunidade, teriam funo especca. Nas palavras do autor:A genre comprises a class of communicative events, the members of which share some set of communicative purposes. These purposes are recognised by the members of the parent discourse community, and thereby constitute the rationale of a genre. This rationale shapes the schematic structure of the discourse and inuences and constrains choice of content and style. Communicative purpose is both a privileged criterion and one that operates to keep the scope of a genre as here conceived narrowly focused on comparable rhetorical action. In addition to purpose, exemplars of a genre exhibit various patterns of similarity in terms of structure style content and intended audience...

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30

(Swales, 1990: 58) J o conceito de comunidade discursiva denido em oposio comunidade de fala (Santos, 1998: 19). Esta est ligada comunidade de origem do falante, pressupondo regras operacionais e um mesmo padro cultural de interpretao e criao textual (Swales, 1990: 23-24), ao passo que aquela est ligada a atividades diversas, que levariam os falantes a assumir determinados comportamentos. Na proposta de Swales, necessrio o levantamento dos elementos que formam a estrutura genrica, que denida em termos de dois componentes: o movimento e o passo. Os movimentos so blocos discursivos, cuja funo realizar a organizao da estrutura retrica dos documentos; cada movimento pode ser dividido em vrios passos. Bhatia (1993b: 133-134) parte da denio de gnero sugerida por Swales. O autor est preocupado em criar um modelo de anlise do discurso que utilize explicaes scioculturais, institucionais e organizacionais em suas anlises (Vian Junior, 1997: 45). Assim, para Bhatia:

fatores como meio, audincia, forma e contedo, certamente, inuenciam um gnero, embora seu propsito comunicativo seja o elemento central;

os especialistas em uma determinada rea prossional/acadmica possuem no s o conhecimento dos propsitos comunicativos dos gneros desempenhados, como tambm da estrutura desses gneros, o que acontece graas ao seu treinamento ou vivncia prossional;

h liberdade de estilo e composio dentro de um determinado gnero, o que, mesmo assim, no implica que aquele que utiliza um determinado gnero no deva seguir determinadas convenes; e

a quebra de regras convencionalizadas dentro de um gnero exige experincia no seu desempenho. (adaptado de Bhatia, 1993a: 134-136). O autor ainda traz uma proposta para o estudo de novos gneros, sugerindo quatro passos para anlise:

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31

1. anlise de fatores lxico-gramaticais; 2. analise de padres textuais; 3. interpretao estrutural do Gnero ; 4. e a consulta a informantes. A anlise lxico-gramatical est relacionada a fatores lingsticos de um gnero, estudados a partir de anlise quantitativa baseada numa amostra representativa. Esse trabalho auxilia na identicao de elementos lingsticos e estilsticos de forma a comprovar ou invalidar armaes intuitivas sobre a incidncia de determinadas estruturas (Bhatia, 1993a: 24-25). A analise de padres textuais est vinculada funo que elementos lxico-gramaticais desempenham num gnero, ajudando a estabelecer seu valor (Bhatia, 1993a:26-27). Alm de identicar quais so as estruturas mais freqentes, h tambm preocupao em estudar a funo desses elementos, tentando chegar a concluses relacionadas ao pensamento do grupo em termos de convenes. Quanto possvel variedade de funes que cada elemento pode assumir em determinados contextos, o autor coloca: ... it is possible for a particular syntactic feature to perform several functionsspecic to a particular genre, similarly, it is also possible for a particular feature of language to perform different functions in different genres.

(Bhatia, 1993b: 28) J a interpretao estrutural do gnero refere-se organizao textual. Nesse nvel, busca-se descobrir as regularidades organizacionais estruturais de um Gnero, sendo queThe idea is to interpret the regularities of organisation in order to understand the rationale of a Genre.

(Bhatia 1993b: 32) A consulta a informantes est ligada pesquisa junto a membros da comunidade que utilizam um determinado gnero. A opo pela proposta de Swales est fundamentada na existncia de alguns estudos sobre cartas comerciais, que partem dessa proposta como o caso de Santos (1998), Cheung (1993) e Bhatia (1993a,b). As estrututras genricas desenvolvidas por esses pesquisadores

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32

foram utilizadas na formao da estrtutura proposta neste trabalho. Esses trabalhos so resenhados a seguir, sendo analisadas as contribuies trazidas por cada um deles. De acordo com Bhatia (1993a,b), h dois tipos de cartas de promoo: cartas de promoo pessoal enviadas como proposta de canditatura a um emprego e cartas de promoo de produtos oferecem produtos diversos. Dentro do seu contexto de anlise, Bhatia demonstra que essas cartas possuem estruturas genricas muito similares, o que possvel graas ao seu propsito comunicativo comum, que vender algo. Assim, o autor sugere uma estrutura genrica baseada em 7 funes (nossa traduo ao lado):1. Establishing credentials (estabelecimento de credenciais) 2. Introducing the offer (introduzindo a oferta) (a) Offering the product or service/candidature (oferecendo o servio/candidatura) (b) Essential detailing of the offer (detalhamento essencial da oferta) (c) Indicating the value of the offer (indicando o valor da oferta) 3. Offering incentives (oferecendo incentivos) 4. Enclosing documents (documentos anexos) 5. Soliciting response (solicitando resposta) 6. Using pressure tactics (usando tticas de presso) 7. Ending politely (fechando a carta)

(Bhatia, 1993a: 47-49) A funo 1 (estabelecimento de credenciais) responsvel pela caracterizao da empresa remetente ou do candidato, que demonstram sua capacidade de oferecer produtos/servios ou para ocupar o cargo pleiteado. As cartas de promoo de produtos visam a um consumidor possvel, estando mais centrada nas qualidades e no potencial da empresa do que nas necessidades do destinatrio, justamente o contrrio das cartas de promoo pessoal:The only difference is that, in the sales promotion letter, this move is more often realised by referring to the well-established nature of the company and less often by referring to the needs of the potential customer (. . . ). However, in the case of job application (. . . ) one tends to nd a predominant reference to the needs of the pencil employer. . .

(Bhatia, 1993a: 63) A funo 2 (introduzindo a oferta) a mais importante, pois nela esto no s o contedo da carta como grande parte dos esforos e procedimentos argumentativos para a

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33

venda/contratao. Essa funo se divide em trs partes: a primeira introduz a oferta/candidatura, a segunda oferece detalhes essenciais e a terceira estabelece relaes de valor que o produto /candidato possui. Deve-se observar que ao utilizar o termo valor, Bhatia no est se referindo ao valor para contratao (valor agregado), mas sim aos possveis benefcios trazidos pelo produto/candidato. A funo 3 (oferecendo incentivos) torna o produto mais atrativo, oferecendo vantagens para a compra do produto ou contratao do candidato. Bhatia arma que essa funo menos comum nas cartas de promoo pessoal. Para o autor, essa uma das diferenas entre esses dois tipos de cartas. J a funo 4 (documentos anexos) referente presena de documentos anexos que trazem maiores detalhes sobre o produto/candidatura. No caso de cartas de produtos, comum encontrar formulrios de resposta e, no caso das cartas de promoo pessoal, esses documentos so currculos. Na funo 5 (solicitando resposta), o remetente da carta sugere o contato futuro. Nesse caso, quando uma resposta do destinatrio ocorre, o objetivo do movimento foi alcanado. J a funo 6 (usando tticas de presso), o remetente dos documentos estabelece algum tipo de presso, tentando levar o destinatrio a adquirir o que anunciado. Essa funo rara nas cartas de promoo pessoal devido a seu tom agressivo. Finalmente, quanto a funo 7 (fechando a carta), o autor coloca:Any promotional effort, whether it is for a product or service, largely depends on the goodwill that it creates. In this respect the function of closings in job application letters, like those in sales promotion letters, is crucial.

(Bhatia, 1993a: 66)

A anlise de Bhatia muito importante para este trabalho, uma vez que a estrutura sugerida pelo autor foi um dos pontos de partida para a determinao da Estrutura Genrica do corpus analisado nesta pesquisa. Sua contribuio est relacionada principalmente s funes 1-Establishing credentials, 2-Introducing the offer e 4-Enclosing documents. Como mostrar a anlise de dados a seguir (Captulo 3), essas trs funes tambm esto presentes na Estrutura Genrica das cartas analisadas neste estudo.

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Cheung (1993) analisa 50 malas diretas em lngua inglesa, coletadas em Hong Kong entre 1991 e 1992, todas relativas a instituies bancrias/nanceiras. Seu trabalho visa ao estudo das estruturas genricas e lexicais, de forma a contribuir para a elaborao de um curso de ingls instrumental, habilidade escrita. Cheung determinou a estrutura genrica dos documentos, composta por quatro movimentos, sendo trs obrigatrios e um opcional (nossa traduo ao lado):1. Attention-catching opening (abertura com frase de efeito) 2. Describing product/service (descrevendo o produto/servio) 3. Calling for Action (demanda de aes) 4. Reminding (opcional) (lembrete)

(Cheung, 1993: 135) O movimento 1 (abertura com frase de efeito) pode ser realizado por uma simples exclamao ou at mesmo por um pequeno pargrafo tipogracamente separado do corpo da carta. Sua funo principal chamar a ateno do leitor e fomentar sua curiosidade. O movimento 2 (descrevendo o produto/servio) tem como funo a descrio do produto/servio oferecido, contendo informaes sobre sua qualidade. Segundo o autor, esse seria o movimento que guardaria mais fora persuasiva. J o movimento 3 (demanda de aes) uma demanda de compra por parte do leitor, que pode se manifestar em forma de instrues e/ou sugestes. Incentivos e tempo limite para resposta tambm so parte desse movimento. Por m, o movimento 4 (lembrete) um PS, colocado no nal da carta. Cheung (1993: 136) diz que esse movimento pode ter duas funes: a) rearmao da oferta ou b) repetio de demandas. No caso de (a), o autor coloca que h a reiterao de aspectos do servio oferecido, como a data limite para contratao. J em (b), o PS foi considerado como um apndice do movimento 3, uma vez que h uma mera repetio de uma demanda j realizada. O autor utilizou procedimentos computacionais (Mini-concord) para estudo lexical. Listas de palavras foram compostas de forma a possibilitar a seleo das palavras mais freqentes no corpus. Essas palavras foram estudas em detalhes por meio de concordncias.

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Isso possibilitou no s a observao de padres de escolha tpicos dos documentos estudados como tambm o levantamento de estruturas tpicas de cada movimento. Cheung estudou os padres colocacionais de cada item lexical analisado, chegando a evidenciar o uso diferenciado de marcadores, verbos modais e modo-tempo verbal em cada movimento. Mesmo utilizando um corpus pequeno, os resultados obtidos e a metodologia utilizada por Cheung mostram-se de grande relevncia para este estudo. Primeiro, assim como Bhatia (1993a e b), Cheung sugere que o movimento central das cartas dedicado descrico do que anunciado, mostrando que esse tipo de estrutura pode ser considerado um elemento comum a vrios tipos de cartas publicitrias. Dois dos movimentos da estrutura genrica denida por Cheung serviram como ponto de partida para os movimentos descritos neste trabalho: chamado e demanda de aes. Segundo, esse estudo realiza um levantamento sistemtico de estruturas lingsticas tpicas de cada movimento. O trabalho realizado mostra a possibilidade de diferenciar os movimentos a partir de categorias lxico-gramaticais levantadas em cada um deles, o que um dos objetivos deste trabalho, que, como j dito anteriormente, procura estudar o gnero cartas de venda a partir das escolhas do sistema de transitividade. Santos (1996) analisa a interao num corpus de 117 cartas de negociao. Comparando os resultados de sua anlise com as estruturas genricas propostas por Ghadessy (1993), Bhatia (1993 a e b; 1992) e por Halmari (1993), a autora prope uma estrutura genrica para o seu corpus composta por 4 funes: 1. Estabelecimento da rede de relaes 2. Fornecer (Informao/Resposta) 3. Solicitar (Informao/Ao/Favores) 4. Finalizar por meio de . . . Cada uma das funes se subdivide em uma srie de sub-funes, levantadas a partir das possibilidades de realizao em cada um dos documentos. Na funo 1 (Estabelecimento da rede de relaes), so denidos os participantes e quais so os contedos que devero ser tratados. Nas palavras da autora:

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nesta funo que os participantes, como pessoas ou como empresa, se apresentam e especicam as circunstncias de tempo e de lugar do acontecimento. Deixam claro, atravs do item referncia, o motivo gerador da comunicao, evitando, assim, delongas no texto do corpo central da carta. Especicam tambm o destinatrio da carta.

(Santos, 1996: 80) As funes 2 (Fornecer: Informao/Resposta) e 3 (Solicitar: Informao/Resposta) podem ocorrer simultaneamente em um mesmo documento. Essas funes so denidas como "ncleo das cartas" (Santos, 1996 :98), pois nelas que a interao concretizada no nvel Lingstico-Funcional, sendo responsveis pelo processo de negociao propriamente dito. A funo 2 traz o assunto tratado na carta, podendo fornecer respostas a solicitaes anteriores ou informaes sobre avisos/comunicaes/orientaes (Santos, 1996: 99). J a funo 3 faz uma demanda ao destinatrio, podendo visar a trs objetivos: 1. Solicitar Informao ou Resposta, o que inclui pedidos e requisiesde informaes, respostas, esclarecimentos, atualizaes, opinies, comentrios, orientao, encontros de negcios, e conrmao de informao;

2. Solicitar Troca de Idias, o que abrange discusses, reunies e encontros;

3. Solicitar Ao ou Favores, o que inclui pedidos/requisies de aes, e favores. (Santos, 1996: 120) A funo nmero 4 (Finalizar por meio de . . . ) assume o papel de fechamento da carta. Nela esto presentes despedidas alm de informaes para arquivo, sendo que pode haver o acrscimo de informaes quando necessrio (Santos, 1996 : 91). A autora compara a Estrutura Genrica de seu corpus com outros gneros, como conversas telefnicas, cartas de venda e de pedido de emprego. Santos (1996) identica semelhanas na abertura e no fechamento: todos os gneros comparados possuem formas de marcar o incio e o nal da interao. Isso tambm ocorre com as cartas que compem o corpus desta pesquisa, sendo que um nmero pequeno de documentos (ver Captulo 3, tabela 3.1, pgina 65), no possuem essas estruturas. A exemplo de Cheung, Santos (1996) realiza um levantamento de estruturas lxico-gramaticais que marcam cada uma das funes, mostrando que elas possuem escolhas prprias.

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A principal contribuio de Santos (1996) para este estudo a denio das chamadas funes de extremidade (funes 1 e 4), que determinam a abertura e o fechamento dos documentos. Essas funes so responsveis no apenas pela absertura e fechamento das cartas, como tambm trazem informaes sobre o assunto tratato e, muitas vezes, ajudam na continuao da interao. Barbara e Lima-Lopes (2000) contrastam as escolhas lexicais realizadas em cartas de venda (malas diretas) e reunies de negociao. A metodologia utilizada foi o banco de palavras-chave (Berber Sardinha, 1999), que consiste na comparao das palavras-chave de um gnero com vrios outros, de forma a levantar palavras que sejam especcas do que estudado. As reunies foram classicadas em trs grupos, formados a partir do lxico ideacional comum entre elas. Com relao s cartas, no foi possvel realizar agrupamentos, uma vez que a variao do Campo se mostrou muito grande. As poucas palavras presentes em mais de uma carta demonstram o carter ritualstico dos documentos, estando relacionadas a sua abertura, que estabelece as relaes entre os participantes e parece ser uma regra estabelecida pela comunidade dos negcios.

1.3

Cartas comerciais e seu papel nas relaes pblicas

Nesta seo, so expostas algumas teorias complementares, vindas da rea de Relaes Pblicas. Sua funo estabelecer o lugar das Cartas de Venda de produtos/servios dentro da comunicao na rea de negcios. As cartas comerciais so documentos bem exveis, servindo a uma srie de propsitos. Elas podem, em alguns contextos, ser equivalentes a uma conversa face-a-face (Pinho, 1990: 65), mas com uma diferena: a carta um instrumento de comunicao irreversvel (Cesca, 1995: 68-69). Isso gera uma grande possibilidade de mal-entendimento, dependendo do contexto e do assunto tratado no documento, a carta pode no ser bem recebida pelo destinatrio. Para Cesca (1995), importante encarar esse tipo de documento no apenas como um veculo de transmisso de informaes sem qualquer outra implicao uma vez que entre algumas de suas possveis funes est a criao de novos negcios.

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Chappel e Read (1973 apud Cesca 1995) dizem que a carta comercial um instrumento importante na construo da imagem da empresa, pois a forma como ela lida com sua correspondncia pode ser responsvel pela atribuio de uma imagem positiva. Entre os elementos que podem contar a favor da empresa, esto a qualidade dos documentos (principalmente redao) e a rapidez/acuidade na resposta, o que f