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UNIVERSIDADE DA FORÇA AÉREA PRÓ-REITORIA DE ENSINO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS AEROESPACIAIS MARCOS LIMA BASTOS, Cel. R1 Responsabilidade civil no transporte de passageiros em aeronaves do Comando da Aeronáutica Rio de Janeiro 2016 UNIVERSIDADE DA FORÇA AÉREA PRÓ-REITORIA DE ENSINO

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UNIVERSIDADE DA FORÇA AÉREA

PRÓ-REITORIA DE ENSINO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS AEROESPACIAIS

MARCOS LIMA BASTOS, Cel. R1

Responsabilidade civil no transporte de passageiros em aeronaves do

Comando da Aeronáutica

Rio de Janeiro

2016

UNIVERSIDADE DA FORÇA AÉREA

PRÓ-REITORIA DE ENSINO

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS AEROESPACIAIS

MARCOS LIMA BASTOS, Cel. R1

Responsabilidade civil no transporte de passageiros em aeronaves do

Comando da Aeronáutica

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao programa de pós-graduação em Ciências Aeroespaciais da Universidade da Força Aérea. Área de concentração (ou Linha de Pesquisa): Doutrina de Emprego da Força Aérea. Orientador: Professor Doutor Ivan Muniz de MESQUITA – Cap. R1

Rio de Janeiro 2016

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FICHA CATALOGRÁFICA

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca da UNIFA

Fxxx

Bastos, Marcos Lima.

Responsabilidade Civil no transporte de passageiros em aeronaves do Comando da Aeronáutica..... / Marcos Lima Bastos. – Rio de Janeiro: Universidade da Força Aérea, 2016.

xxx f.: il., enc.

Orientador: Prof Dr Ivan Muniz de Mesquita – Cap R1 . Dissertação (mestrado) – Universidade da Força

Aérea, Rio de Janeiro, 2015. Referências: f. ....-....

1. Responsabilidade Civil.2. Código Brasileiro de Aeronáutica. 3. Código de Defesa do Consumidor. 4.Correio Aéreo Nacional. 5. Soberania nacional. I. Título. II. Bastos, Marcos Lima. III. Universidade da Força Aérea.

CDU: XXX.XXX(XXX)

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MARCOS LIMA BASTOS - Cel R1

RESPONSABILIDADE CIVIL NO TRANSPORTE DE PASSAGEIROS EM AERONAVES DO COMANDO DA AERONÁUTICA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Ciências Aeroespaciais da Universidade da Força Aérea, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências Aeroespaciais.

Aprovado por:

__________________________________________________________________

Presidente, Professor Doutor Ivan Muniz de Mesquita, Cap R1 – SEFA

___________________________________________________________________

Professor Doutor Flávio Neri Hadmann Jasper, Cel R1 - UNIFA

_______________________________________________________________

Professora Doutora Alessandra de La Vega Miranda - UNICEUB

___________________________________________________________________

Professor Doutor Afonso Faria de Souza Júnior, Cel R1 - UNIFA

Rio de Janeiro

Março de 2016

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DEDICATÓRIA

A meus filhos, que apesar da distância, estão sempre presentes no meu pensamento e no meu coração. À minha mãe, velha guerreira que nunca me abandonou.

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AGRADECIMENTOS A Deus, amigo sempre presente, sem o qual nada teria feito; aos amigos, que sempre incentivaram meus sonhos e estiveram sempre ao meu lado; aos meus colegas de classe e demais formandos pela amizade e companheirismo que recebi; ao Prof. Orientador Ivan Muniz de Mesquita que me acompanhou, transmitindo-me sua experiência e tranquilidade, e que, além de estar sempre presente, soube a hora certa das cobranças; e finalmente à minha família que sempre me incentivou nas horas mais difíceis desta longa jornada.

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EPÍGRAFE

"Vencer não é competir com o outro. É derrotar os seus inimigos interiores. É a própria realização do ser." "A mente que se abre a uma nova idéia jamais voltará ao seu tamanho original." (Einstein)

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RESUMO

O objetivo da dissertação é analisar a responsabilidade civil do Comando da Aeronáutica (COMAER), quando da ocorrência de acidentes e incidentes, com ou sem vítimas no transporte de passageiros em suas aeronaves, ou com terceiros, bem como nas perdas e/ou danos às bagagens destes. Para tanto é necessário mostrar como o instituto da responsabilidade civil objetiva do Estado foi incorporado aos deveres do transporte aéreo militar e apresentar as incongruências das disposições do Código Brasileiro de Aeronáutica perante o atual ordenamento jurídico brasileiro e normas internacionais. Após analisadas as normas que regem o transporte de passageiros por meio do Correio Aéreo Nacional(CAN), verificou-se que a proposta de atualizar a responsabilidade civil do transporte aéreo militar, em face do ordenamento jurídico em vigor, se mostrou a forma mais adequada para operar o serviço do Correio Aéreo Nacional, visto que leva o Comando da Aeronáutica à vivência dos Princípios do Estado Democrático de Direito, como a isonomia e a proteção do consumidor.

Palavras-chave: Responsabilidade Civil. Código Brasileiro de Aeronáutica. Código de Defesa do Consumidor. Correio Aéreo Nacional.

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ABSTRACT

The aim of the dissertation is to analyze the civil liability of the Air Force Command (COMAER), upon the occurrence of accidents and incidents, with or without victims in passenger transport on its aircraft, or with third parties, as well as the loss and / or damage to luggage thereof. Therefore, it is necessary to show how the institution of objective liability of the state was incorporated into the duties of the military airlift and present inconsistencies of the provisions of the Brazilian Aeronautics Code before the current Brazilian law and international standards. After analyzing the rules governing the transport of passengers through the National Air Mail (CAN), it was found that the proposal to update the civil liability of military airlift in view of the legal system in force, was the most appropriate way to operate the National Air Mail service, as it takes the Air Force Command to the experience of the Law of the Democratic Principles of State, such as equality and consumer protection. Keywords: Liability. Brazilian Aeronautical Code. Consumer Protection Code. National Air Mail.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 14

CAPÍTULO I - REFERÊNCIAL TEÓRICO ............................................................... 24

1.1 Fundamentos da Responsabilidade Civil ........................................................ 27 1.2 A Responsabilidade Civil Subjetiva e a Objetiva ............................................. 34 1.3 Os Pressupostos da Responsabilidade Civil ................................................... 39 1.4 Funções da Responsabilidade Civil ................................................................ 46 1.5 Classificação da Responsabilidade Civil ......................................................... 48 1.6 Excludentes da Responsabilidade Civil .......................................................... 51

CAPÍTULO II - HISTÓRIA DA AVIAÇÃO E DO CORREIO AÉREO NACIONAL .... 56

2.1. A Aviação em Geral ....................................................................................... 56 2.2 O Ministério da Aeronáutica ............................................................................ 62 2.3 O Correio Aéreo Nacional ............................................................................... 64

CAPÍTULO III - A LEGISLAÇÃO AERONÁUTICA .................................................. 69

3.1 A Convenção de Varsóvia .............................................................................. 70 3.2. Legislação Posterior à Convenção de Varsóvia ............................................. 70 3.3 A Constituição Federal de 1988 e o Transporte Aéreo ................................... 71 3.4 O Código de Defesa do Consumidor e o Transporte Aéreo ............................ 72 3.5 O Conflito entre as Três Legislações .............................................................. 72 3.6 O Código de Defesa do Consumidor X Código Brasileiro de Aeronáutica ...... 75 3.7 Prevalência das Leis: Nacionais ou Internacionais? ....................................... 77 3.8 O Conflito entre a Convenção e o Código de Defesa do Consumidor ............. 81 3.9 A Responsabilidade Civil no Código de Defesa do Consumidor ..................... 83 3.10 Inversão do Ônus da Prova .......................................................................... 84

CAPÍTULO IV - A RESPONSABILIDADE CIVIL DO COMANDO DA AERONÁUTICA NO TRANSPORTE DE PASSAGEIROS ...................................... 86

4.1 A Responsabilidade Civil do Estado por meio do Comando da Aeronáutica ... 86 4.2 Atual Responsabilidade Civil no Transporte Aéreo ......................................... 90 4.3 Responsabilidade Civil no Transporte Aéreo Civil .......................................... 92 4.4 Responsabilidade Civil no Transporte Aéreo Militar ........................................ 94 4.5 Responsabilidade Civil no Transporte Aéreo Militar pelo Código Brasileiro de Aeronáutica .......................................................................................................... 97 4.6 Atual Responsabilidade Civil no Transporte Aéreo Militar ............................... 98

CAPÍTULO V – APLICAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA: O CASO .................................................................................................................... 106

5.1 A Coleta dos Dados ...................................................................................... 106 5.2 O Caso Concreto .......................................................................................... 111

CONCLUSÃO ........................................................................................................ 123

REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 127

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Interfaces dos ramos do Direito.................................................. 55

Figura 2 – "Icarus e Daedalus" por Charles Paul Landon............................ 57

Figura 3 – Ornitóptero de Leonardo da Vinci................................................. 57

Figura 4 – Máquina voadora projetada por Leonardo da Vinci.................... 58

Figura 5 – Ilustração de voo de Santos Dumont no 14-bis............................ 59 Figura 6 – De Havilland Comet, o primeiro jato comercial da história da aviação........................................................................................................... 60 Figura 7 – O gigantesco Boeing 747, o primeiro widebody da história da aviação........................................................................................................... 61 Figura 8 – O 1º GAv.Ca. P-47 levava o emblema "Senta a pua!" no nariz juntamente com a insígnia nacional do Brasil................................................ 64

Figura 9 – Primeiras rotas do CAN................................................................ 65

Figura 10 – Aeronaves operadas pelo CAN.................................................. 66

Gráfico1– Ocorrências na aviação militar entre 2001 e 2015........................ 107

Fotografia 1 – Acidente do C-95 matrícula FAB 2292................................... 110

Fotografia 2 – Aeronave C-130, semelhante ao FAB 2455 acidentado........ 110

Fotografia 3 – Acidente do C-98 matrícula FAB 2735................................... 111

Figura 11 – Acidente do voo 1907 da Gol.................................................... 112

Figura 12 – Acidente do voo 1907 da Gol..................................................... 113

Figura 13 – Acidente do voo 1907 da Gol..................................................... 113

Figura 14 – Acidente do voo 3054 da TAM................................................... 116

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Acidentes fatais entre 2001 e 2015.........................................107 Tabela 2 - Acidentes fatais entre 2001 e 2015 com aeronaves do COMAER...................................................................................................108 Tabela 3 - Acidentes fatais entre 2001 e 2015 com aeronaves do Comando do Exército.................................................................................................109 Tabela 4 - Acidentes fatais entre 2001 e 2015 com aeronaves do COMAER transportando passageiros........................................................................109

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil CAN – Correio Aéreo Nacional CBA – Código Brasileiro de Aeronáutica CC – Código Civil CDC – Código de Defesa do Consumidor CENIPA – Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos CF – Constituição Federal COMAER – Comando da Aeronáutica. Estrutura administrativa da Aeronáutica. COMGAR – Comando Geral de Operações Aéreas CP – Código Penal CPC – Código do Processo Civil CPP – Código do Processo Penal DCA – Diretriz do Comando da Aeronáutica DMA – Diretriz do Ministério da Aeronáutica FAB – Força Aérea Brasileira. FCA – Folheto do Comando da Aeronáutica FMI – Fundo Monetário Internacional REsp – Recurso Especial NSCA – Norma de Serviço do Comando da Aeronáutica RE – Recurso Extraordinário STF – Supremo Tribunal Federal STJ – Superior Tribunal de Justiça TJRJ – Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro TJSP – Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo UNIFA – Universidade da Força Aérea

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INTRODUÇÃO

A aviação conta com pelo menos um século de existência, mas teve

desenvolvimento tecnológico vertiginoso e constante, contribuindo na redução

de distâncias e favorecendo consequentemente a aproximação dos povos.

Historicamente, após as duas grandes guerras mundiais, a aviação

passou a ser um dos mais importantes meios de transporte de pessoas e

cargas. Com o crescimento deste meio de transporte, tornou-se imperiosa a

criação de regras e normas a serem seguidas pelos transportadores e

usuários. Tais regras diferem-se em: locais, regionais, nacionais e

internacionais. A razão dessa distinção é que uma aeronave não sobrevoa

apenas o espaço aéreo circunscrito à sua bandeira, ao contrário, um avião é

um meio de integração entre as pessoas e coisas de nações e continentes.

As regras não foram criadas apenas para o transportador, mas também

para os usuários desse meio de transporte, conscientes de seus direitos e

deveres. Em virtude de tais circunstâncias, surge a ideia da aplicação do

instituto da responsabilidade civil.

A responsabilidade civil tem como foco evitar a subsistência de um prejuízo

injusto, impondo uma deslocação patrimonial do lesante para o lesado; sua regra é a

de quem infringe um dever jurídico e causa dano a outrem, fica obrigado a reparar o

dano e a ressarcir o prejuízo.

A responsabilidade civil abrange praticamente um horizonte de relações, ou

seja, está presente na maioria absoluta das relações jurídicas. Desta forma, um

estudo realizado por Chaib (2005), menciona que ao produzir reflexo nas atividades

contratuais e extracontratuais, o tema da responsabilidade civil torna-se de grande

relevância na atualidade jurídica. Segundo o autor, a responsabilidade jurídica deve

ser dotada de grande flexibilidade com o intuito de reestabelecer o equilíbrio

causado pelo dano.

Para Diniz (2004, p. 08-09), a responsabilidade tem duas funções, quais

sejam: “garantir o direito do lesado à segurança; servir como sanção civil, de

natureza compensatória, mediante a reparação do dano causado à vítima, punindo o

lesante e desestimulando a prática de atos lesivos”. Segundo Diniz (2004, p. 05), “o

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interesse em restabelecer o equilíbrio violado pelo dano é a fonte geradora da

responsabilidade civil”.

Para que possa entender o contexto em que insere o cerne da pesquisa,

torna-se necessário um breve conhecimento da evolução das relações jurídicas que

permeiam o Direito Aeronáutico e como estas chegaram ao momento atual

adaptando-se continuamente à evolução tecnológica dos meios aéreos.

Durante o desenvolvimento deste trabalho será mostrada a complexidade das

relações jurídicas que envolvem o fenômeno aeronáutico, um ramo do conhecimento

humano que embora estudado desde a elevação dos primeiros aeróstatos, sua

autonomia científica por um longo arco temporal ficou atrelada a certas correntes

dogmáticas preexistentes como o direito marítimo e o direito mercantil.

O Direito Aeronáutico desenvolveu-se acompanhando a própria evolução da

“arte de voar”, e adquirindo o status de ramo autônomo em face da singularidade da

aplicação de diversos institutos jurídicos as necessidades específicas do transporte

aéreo.

Embora cada Estado tenha desenvolvido seu próprio parque aeronáutico com

o fito de atender às necessidades de integração do seu território, foram se formando

no âmbito de cada soberania arcabouços normativos independentes com o objetivo

de regular o transporte aéreo e a responsabilidade civil do transportador.

Diante da necessidade de permitir o desenvolvimento da aviação em todo

mundo foi formado o consenso de estabelecer um regramento comum, evitando

assim que esta novel indústria tivesse seu progresso retardado pelos conflitos entre

normas internas e externas. Foi, portanto, reconhecendo as fragilidades da indústria

aeronáutica e a situação economicamente delicada para a humanidade, que estava

atravessando uma crise financeira, recuperando-se de uma grande guerra, ainda

sob a égide do positivismo jurídico e o dogma da completude; que foi forjado a

Convenção de Varsóvia em 1929, regra multilateral responsável em grande medida

pelo desenvolvimento da aviação internacional, representando em certa medida a

supremacia do interesse público diante do interesse privado. A eleição da adoção de

uma norma convencional não representou uma redução da soberania dos países

membros, ao revés a participação em um tratado de tal envergadura representou a

afirmação da soberania das nações participantes do Sistema Varsóvia.

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A Convenção de Varsóvia rompeu com certos dogmas do liberalismo,

estabelecendo um novo regime de responsabilidade civil em escala mundial, no qual

o passageiro ab initio não tinha sobre si o pesado ônus de provar que os prejuízos,

experimentados em razão de um contrato de transporte aéreo deveriam ser arcados

pelo transportador, já impregnado pelo olhar solidário que reconhecia que o risco da

atividade econômica não deveria ser suportado pelo passageiro. Esta convenção foi

em sua plenitude o marco inicial para nortear as regras existentes em nossa

legislação aeronáutica, mais especificamente no CBA – Código Brasileiro de

Aeronáutica.

O Direito Aeronáutico, muito embora tenha arcabouço jurídico próprio em

virtude das peculiaridades dessa modalidade de transporte, deve ser eficiente e

veloz sem abrir mão da segurança, pois envolve questões de ordem privada, mas é

norteado pelo interesse público. Este é um ramo do Direito desconhecido não só

pelo usuário em geral, mas por robusta parcela dos operadores do Direito que, na

busca por soluções imediatistas, não se dedicam a um estudo aprofundado das

normas existentes.

Simultaneamente a estas mudanças no cenário internacional, o Brasil

promoveu uma profunda mudança em sua matriz jurídica, abandonando

gradualmente um modelo jurídico oitocentista, lastreado não em valores humanistas,

mas de forte condão patrimonialista, onde o Código Civil constituía o degrau mais

alto do patamar privatista, que adotava a lógica da completude jurídica, que não

resistiu às mudanças sociais que ocorrem nos ciclos evolutivos sociais. O próprio

sistema jurídico foi abandonando a centralização no Código Civil, para a formação

de vários estatutos jurídicos, entre ele está o bem-vindo Código de Defesa do

Consumidor, legislação moderna e articulada com os princípios da dignidade da

pessoa humana, que em muito contribuiu para a sociedade brasileira.

Ao conjunto de antinomias, que sem dúvida o maior conflito reside na colisão

em ter as normas do Sistema Varsoviano - dentre elas o nosso CBA - e o Código de

Defesa do Consumidor, encontra-se o Código Civil de 2002, que baseado em novas

orientações filosóficas como as cláusulas abertas e o culturalismo, reside a questão

da reparação também de ordem integral consubstanciada na própria concepção do

desenvolvimento de uma atividade que por sua essência consiste em uma atividade

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de risco. Esta reparação integral consiste na aplicação do instituto da

responsabilidade civil.

Paralelamente a isto, mesmo entre o seleto grupo dos conhecedores do

Direito Aeronáutico, muitos são aqueles que reputam maior importância às normas

consumeristas, que, do ponto de vista temporal, são mais recentes do que às

normas estabelecidas no CBA e nas Convenções Internacionais que tratam do

assunto.

A antinomia entre normas de direito interno e o internacional que outrora

haviam sido pacificadas pelo Poder Judiciário, voltam a ocupar nossa mais alta

corte, que após ter reconhecido a existência da repercussão geral, atualmente uma

das condições de admissibilidade do recurso trará, por certo, uma diretriz para as

questões que diuturnamente assolam nossos tribunais.

Como a legislação é muito ampla, procurou-se direcionar a pesquisa à

solução de um problema que se vislumbrou existente na operação interna de uma

das diversas atribuições sob a responsabilidade do Comando da Aeronáutica

(COMAER): Quais as dissonâncias legislativas e judiciais no reconhecimento

da responsabilidade civil objetiva do Estado, no que tange ao transporte de

passageiros e de suas bagagens em aeronaves da COMAER?

Dessa forma, será evidenciado que os procedimentos adotados no transporte

de passageiros por meio das linhas do Correio Aéreo Nacional (CAN) em aeronaves

do COMAER devem ser atualizados em conformidade com a legislação vigente. O

assunto é mais abrangente, pois envolve também a participação dos militares em

serviço, sejam eles tripulantes e/ou pessoal de apoio relacionados com exercício da

atividade, no entanto, este trabalho somente enfoca o transporte aéreo de

passageiros.

A hipótese central da pesquisa é a de que o COMAER é responsável por

acidentes e incidentes que possam ocorrer no transporte de passageiros, ou com

terceiros, em suas aeronaves e/ou perdas e danos de bagagens.

O estudo está delimitado pela legislação existente sobre o tema, com o intuito

de verificar se há e quais são conflitos dessa legislação quanto à responsabilidade

civil no transporte de passageiros em aeronaves do COMAER, e quais as

implicações dessas divergências.

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O objetivo principal deste trabalho é investigar a responsabilidade civil do

Comando da Aeronáutica (COMAER), quando da ocorrência de acidentes e

incidentes, com ou sem vítimas no transporte de passageiros em suas aeronaves,

ou com terceiros, bem como nas perdas e/ou danos às bagagens destes. Será

demonstrado como o COMAER pode figurar no polo passivo em processos,

criminais e civis, este último capaz de gerar grandes indenizações por perdas e

danos.

Para tanto, se faz necessário estudar o instituto da responsabilidade civil

objetiva e subjetiva pertinente ao assunto, analisando as normas que regem o

COMAER no que tange ao transporte de passageiros por meio do Correio Aéreo

Nacional. Verificar-se-á, também, se há conflitos entre as legislações existentes,

quanto à responsabilidade civil do COMAER no transporte de passageiros, com o

intuito de propor uma mudança na legislação vigente.

Assim, o presente estudo é o resultado de uma investigação sobre contornos

da responsabilidade civil no transporte aéreo militar em voos realizados pelo Correio

Aéreo Nacional (CAN), em aeronaves do Comando da Aeronáutica (COMAER), e

qual a sua relação com o ordenamento jurídico vigente, analisando-se o teor e a

orientação doutrinária da jurisprudência pertinente, baseados em dados históricos,

bem como com levantamentos estatísticos dos acidentes ocorridos nos últimos 15

anos.

Neste sentido, a pesquisa busca avaliar as normas existentes que

sistematizam e orientam as atividades relacionadas ao transporte realizado pelo

CAN, como atribuição subsidiária do COMAER, e está incluído na linha de pesquisa

relacionada à Doutrina de Emprego do Poder Aeroespacial. Essa atribuição

subsidiária visa realizar a missão de integração nacional, a qual corresponde a um

dos objetivos nacionais permanentes, que está prevista na Carta Magna.

A proposta é que o Poder Público defina, para dar maior estabilidade às

relações jurídicas, quais as normas que entende serem mais adequadas para os

usuários e, principalmente, nos casos dos acidentes e incidentes aéreos, ocasião

em que ninguém quer assumir a culpa.

Portanto, este trabalho é fruto de pesquisa sobre a legislação pertinente, a

jurisprudência, e vocábulos sobre o transporte aéreo militar, que foi reunida e

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examinada com destaque nos trechos juridicamente relevantes quanto à

responsabilidade civil aplicada ao transporte aéreo militar, correlacionado com

levantamento de dados estatísticos de acidentes com aeronaves militares ocorridos

nos últimos 15 anos.

A escolha desse tema deveu-se, primeiramente, a escassez de publicações

com enfoque na responsabilidade civil em relação ao transporte aéreo militar que

englobasse a legislação pertinente, seja no aspecto civil ou militar, na jurisprudência,

nos acórdãos e no vocabulário básico atinente ao assunto. Outro aspecto relevante

para escolha do tema foi autor, além de ter se tornado um operador do Direito,

possuir experiência e conhecimento da Aviação Civil em geral, tendo exercido cargo

na Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), e no Departamento de Controle do

Espaço Aéreo (DECEA). Assim, dedicou-se à coleta de material de pesquisa que

resultou opúsculo, enveredando por obras e sites de diversos tribunais federais do

país, bem como em sítios pertinentes ao assunto.

Este é um tema relevante por ser atual e pelos diversos casos práticos que

vem aparecendo rotineiramente na mídia nacional, desde lesão direta ao

consumidor, até casos de acidentes com vítimas fatais. Fatos que por si só geram

abertura de processos, criminal e civil, este último gerando grandes indenizações

por perdas e danos.

Nesse sentido, este trabalho se justifica na medida em que, tomando

conhecimento das implicações jurídicas relacionadas ao exercício desta atividade no

âmbito do COMAER, torna-se necessária a adoção de medidas mitigadoras dos

riscos inerentes ao assunto em pauta, bem como o assessoramento às autoridades,

visando ao saneamento das divergências existentes na legislação em vigor.

O conjunto de procedimentos e as técnicas utilizadas para realização do

presente estudo foi selecionado sob o ponto de vista do autor, diante das

peculiaridades da matéria tratada nesta pesquisa.

Diante do tema a ser estudado, o método hipotético-dedutivo é o que melhor

se apresenta sendo, pois, o indicado para essa tarefa, já que segundo Lakatos e

Marconi (1991, p. 257), nesse método o raciocínio parte do geral para se chegar ao

especifico.

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Quanto à forma de abordagem do problema, foi aplicada envolvendo aspectos

que trata da abordagem de natureza qualitativa, em razão dos resultados obtidos

poderem ser empregados naturalmente pelo COMAER, no sentido de evitar conflitos

entre as legislações existentes quanto à responsabilidade civil no transporte de

passageiros.

Uma pesquisa pode ser considerada de natureza exploratória, quando esta

envolver levantamento bibliográfico, entrevistas com pessoas que tiveram, ou têm,

experiências práticas com o problema pesquisado e análise de exemplos que

estimulem a compreensão. As pesquisas exploratórias visam proporcionar uma

visão geral de um determinado fato, do tipo aproximativo (CLEMENTE apud GIL,

2007). A pesquisa exploratória é realizada sobre um problema ou questão de

pesquisa que geralmente são assuntos com pouco ou nenhum estudo anterior a seu

respeito, o que é o caso da aplicação do instituto da responsabilidade civil objetiva

aplicado ao transporte aéreo militar.

Portanto, diante do exposto, a presente pesquisa é do tipo exploratória em

virtude de ter-se realizado um estudo preliminar do principal objetivo da pesquisa, ou

seja, procurou-se profundar no tema que está sendo investigado, de modo que a

pesquisa subsequente possa ser concebida com uma maior compreensão e

precisão. A pesquisa exploratória, que pode ser realizada através de diversas

técnicas, geralmente com uma pequena amostra, permite ao pesquisador definir o

seu problema de pesquisa e formular a sua hipótese com mais precisão, ela também

lhe permite escolher as técnicas mais adequadas para suas pesquisas e decidir

sobre as questões que mais necessitam de atenção e investigação detalhada

(PIOVESAN, TEMPORINI apud THEODORSON & THEODORSON; 1995). Esta

amostra colhida foi o resultado de ações judiciais contra o Comando da Aeronáutica

que resultaram em indenizações ou desgastes jurídicos desnecessários que

poderiam ser evitados.

O objetivo desse tipo de pesquisa é procurar padrões, ideias ou hipóteses. No

estudo em pauta procurou-se formular tal hipótese. As técnicas tipicamente

utilizadas para a pesquisa exploratória são estudos de caso, observações ou análise

históricas, e seus resultados fornecem geralmente dados qualitativos ou

quantitativos. A pesquisa exploratória avaliará quais teorias ou conceitos existentes

podem ser aplicados a um determinado problema ou se novas teorias e conceitos

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devem ser desenvolvidos (GIL,1999,p.37). Com os dados levantados na análise das

legislações pertinentes e os resultados das ações judiciais, foi possível identificar as

incongruências e os conflitos existentes nas publicações e demonstrar a motivação

para que estas sejam atualizadas para se adequarem ao ordenamento jurídico

vigente.

Quanto à técnica1 foram utilizadas a bibliográfica e a documental – a primeira

abordou assuntos que explicam o problema a partir de referências teóricas

publicadas; a segunda estudou matérias que não receberam tratamento analítico –

livros ou congêneres, publicações avulsas, boletins, jornais, livros, revistas,

monografias, slides, internet, e alguns outros exemplos de sítios onde serão

buscadas as informações. Utilizou-se de uma metodologia histórico-descritiva dos

fenômenos normativos, sendo que o tipo de pesquisa foi exploratório, a forma de

abordagem de natureza qualitativa e o método hipotético-dedutivo.

Na dissertação, o estudo do instituto da responsabilidade civil em todo seu

contexto tornaria a pesquisa com uma complexidade enorme, portanto fez-se

necessário delimitar o tema somente no que se refere à analise dos aspectos

jurídicos envolvidos no transporte de passageiros em aeronaves do COMAER,

principalmente no que se refere ao instituto da responsabilidade civil, em questão,

tem-se, portanto algumas variáveis que no seu desenvolvimento foram

aprofundadas, tais como: estudar o instituto da responsabilidade civil objetiva do

Estado pertinente ao assunto; analisar as normas que regem o COMAER no que

tange ao transporte de passageiros por meio do Correio Aéreo Nacional e verificar

se há conflitos entre as legislações existentes quanto à responsabilidade civil do

COMAER no transporte de passageiros.

Na etapa inicial, os dados foram obtidos a partir de uma exploração

documental em normas internas do COMAER para o transporte de passageiros por

meio do Correio Aéreo Nacional, decisões judiciais e textos doutrinários. Cooper e

Schindler (2003) afirmam que, por meio da exploração, os pesquisadores

desenvolvem conceitos de forma mais clara, estabelecem prioridades, desenvolvem

definições operacionais e melhoram o planejamento final da pesquisa.

1 Para Lakatos e Marconi (1991), a técnica é um conjunto de preceitos ou processos de que se serve uma ciência

ou arte; é a habilidade para usar esses preceitos ou normas, a parte prática. Toda ciência utiliza inúmeras técnicas

na obtenção de seus propósitos.

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Dessa forma, será possível desenvolver a exploração documental necessária

para melhor compreender a proposta de estudo que foi analisar os aspectos

jurídicos envolvidos no transporte de passageiros em aeronaves do COMAER,

principalmente no que se refere à responsabilidade civil.

O trabalho que agora se apresenta está organizado em cinco capítulos, em

que o primeiro procura a contextualização teórica do problema de pesquisa e seu

relacionamento com o que foi investigado a respeito.

O segundo capítulo visa apresentar um breve relato histórico da aviação em

geral; da criação da Força Aérea Brasileira (FAB) - braço armado do atual Comando

da Aeronáutica; e do Correio Aéreo Nacional.

No terceiro capítulo, está centrada a explanação de um breve histórico da

evolução da legislação aeronáutica, desde a edição da Convenção de Varsóvia e a

recepção ao ordenamento jurídico interno, passando pela promulgação da

Constituição Federal (CF) de 1988, do Código de Defesa do Consumidor de 1990

(CDC), e do Código Civil de 2002 (CC). Este é o momento no qual é descrito o

conflito existente entre os dispositivos legais. Está focado nas situações de colisão

entre as normas convencionais e as normas internas do Brasil. São apresentadas as

premissas usadas tanto pela dogmática como pela jurisprudência sobre o assunto, o

processo de internacionalização e uniformização dos tratados, como fonte de direito

com reflexos na soberania, estatal para promover as condições ideais de recepção

destes; e, finalmente, diante do conflito de normas no tempo e no espaço, as teorias

que buscam estabelecer qual o conjunto dotado de primazia, a ser invocado para

dirimir conflitos existentes entre as partes.

O quarto capítulo dá enfoque à responsabilidade civil, abordando tanto a

dicotomia da responsabilidade objetiva e quanto da subjetiva, bem como à

pluralidade de critérios para verificação do nexo de causalidade, quando serão

abordadas questões pertinentes. Procura-se contextualizar toda a problemática que

envolve a aplicação da responsabilidade civil no ordenamento jurídico vigente no

país, traçando um paralelo com o atual tratamento dado a este tema pelos tribunais

e pela doutrina, visando realizar a fundamentação teórica com mais profundidade.

No quinto capítulo, discorre-se sobre os aspectos metodológicos que serviram

para nortear a explicitação do problema de pesquisa que orientou toda a análise

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desse trabalho, com o intuito de orientar os resultados encontrados acerca da

responsabilidade civil do Comando da Aeronáutica no transporte de passageiros em

suas aeronaves, pela responsabilidade do Estado e como esta é tratada no

transporte aéreo, civil e militar, com uma proposta de reformulação dos atuais

conceitos utilizados. Nele é demonstrado como o transporte aéreo militar deve ser

caracterizado diante das leis nacionais como sendo serviço público e tendo sua

característica de gratuidade descartada, em função da ausência das exigências

legais: a cortesia e a amizade. Também procura evidenciar a incongruência das

disposições do CBA perante o atual ordenamento jurídico brasileiro. Igualmente

mostra um breve relato sobre os últimos acidentes ocorridos no país, com a devida

correlação ao disposto na legislação vigente e suas possíveis implicações jurídicas

em relação ao COMAER, fatos que conduziram à aceitação da hipótese.

Para concluir, será proposta a atualização jurídica do instituto da

responsabilidade civil do transporte aéreo militar, frente aos novos princípios

constitucionais, erguidos pela Carta Política de 1988; incorporando a

responsabilidade objetiva, a vedação à tarifação de valores indenizatórios e a

inversão do ônus da prova.

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CAPÍTULO I - REFERÊNCIAL TEÓRICO

Para sustentar a fundamentação teórica da Responsabilidade Civil tomou-

se como Marco Teórico o livro da jurista Maria Helena Diniz em seu livro Curso de

Curso de Direito Civil Brasileiro, 18ª edição, auxiliado pelo livro do Professor Silvio

Venosa, 4ª edição, que trata da Responsabilidade Civil, pelo livro do autor José da

Silva Pacheco, 4ª edição, intitulado Comentários ao Código Brasileiro de

Aeronáutica, além outros autores e demais legislações pertinentes, dentre outros.

Desta feita, a responsabilidade civil abrange praticamente um horizonte

de relações, ou seja, está presente na maioria absoluta das relações jurídicas. Desta

forma, Chaib (2005), menciona:

a responsabilidade civil é um tema de grande relevância na atualidade jurídica, pois produz reflexos nas atividades contratuais e extracontratuais, devendo ser dotada de grande flexibilidade, a fim de restabelecer o equilíbrio causado pelo dano e buscar a paz pública.

Gagliano e Pamplona Filho (2006, p. 01-02) trazem a noção da palavra

responsabilidade: “A palavra responsabilidade tem sua origem latino respondere,

significando a obrigação que alguém tem a assumir com as conseqüências jurídicas

de sua atividade [...]”.

De acordo com Diniz (2004, p. 08-09), a responsabilidade tem duas

funções, quais sejam: “garantir o direito do lesado à segurança; servir como sanção

civil, de natureza compensatória, mediante a reparação do dano causado à vítima,

punindo o lesante e desestimulando a prática de atos lesivos”.

Acrescenta Gagliano e Pamplona Filho (2006, p. 03) que,

responsabilidade, para o Direito, nada mais é, portanto, que uma obrigação derivada

– um dever jurídico sucessivo – de assumir as consequências jurídicas de um fato,

consequências essas que podem variar (reparação dos danos - ou punição pessoal

do agente lesionante) de acordo com os interesses lesados.

Nas palavras de Diniz (2004, p. 05), “o interesse em restabelecer o

equilíbrio violado pelo dano é a fonte geradora da responsabilidade civil”.

Nesse sentido Chaib (2005), menciona que uma responsabilidade civil

quando bem aplicada, torna-se um instrumento poderoso na valorização ética do ser

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humano. Portanto, pode-se dizer que o fundamento da responsabilidade civil é que

todo dano deve ser reparado.

Assim, conclui Stoco que “a responsabilidade é, portanto, resultado da

ação pela qual o homem expressa o seu comportamento, em face desse dever ou

obrigação”. (2001, p. 91).

Diniz (2004, p. 40) conceitua a responsabilidade civil como a aplicação de

medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a

terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela

responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal.

De acordo com Rodrigues (2003, p. 6), a responsabilidade civil

corresponde a uma obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo

causado a outra, por fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela

dependam. Desta forma, sustenta ainda que, uma vez ocorrido o prejuízo pela vítima

sob a premissa de que quem o causou deve repará-lo, a responsabilidade civil irá

trazer a solução de como e em que condições esse prejuízo será reparado.

Já na lição de Lopes (1962, p. 189), a responsabilidade é a obrigação de

reparar um dano, seja por decorrer de uma culpa ou de outra circunstância legal que

a justifique, como a culpa presumida, ou por uma circunstância meramente objetiva.

Na lição de Gagliano e Pamplona Filho (2006, p. 10) para “nossa cultura

ocidental, toda reflexão, por mais breve que seja, sobre raízes históricas de um

instituto, acaba encontrando seu ponto de partida no Direito Romano. E com a

responsabilidade civil, essa verdade não é diferente”.

Continuam o assunto os autores supramencionados, afirmando que:

de fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto está calçada na concepção da vingança privada [...] Trata-se da Pena de Talião, da qual se encontram traços na Lei das XII Tábuas [...] Um marco na evolução histórica da responsabilidade civil se dá, porém, com a edição da Lex Aquilia, cuja importância foi tão grande que deu nome à nova designação da responsabilidade civil delitual ou extracontratual. [...] Permitindo-se um salto histórico, observe-se que a inserção da culpa como elemento básico da responsabilidade civil aquiliana – contra o objetivismo excessivo do direito primitivo, abstraindo a concepção de pena para substituí-la, paulatinamente, pela idéia de reparação do dano sofrido – foi incorporada no grande monumento legislativo da idade moderna, a saber, o Código Civil da Napoleão, que influenciou diversas legislações do mundo, inclusive o Código Civil brasileiro de 1916 [...](GAGLIANO E PAMPLONA FILHO, 2004, p. 10).

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Venosa (2004, p. 12) esclarece que o “atual Código Civil, embora

mantendo a mesma estrutura do diploma anterior, trata da responsabilidade civil

com mais profundidade nos arts 927 e ss”. A definição de ato ilícito é fornecida pelo

art 186 [...].

Com base nessas considerações, a jurista Diniz (2004, p. 40) define

responsabilidade civil como a aplicação de medidas que obriguem a reparar dano

moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato próprio imputado, de

pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda

(responsabilidades subjetivas), ou, ainda, de simples imposição legal

(responsabilidade objetiva). Definição esta que guarda, em sua estrutura, a idéia da

culpa quando se cogita da existência de ilícito e a do risco, ou seja, da

responsabilidade sem culpa.

Porém, além do conceito de responsabilidade civil, “antes de adentrarmos

à temática propriamente dita, ou seja, no campo de reparação civil lato sensu de

danos, é preciso, por rigor, metodológico, tentar compreender o conceito jurídico de

responsabilidade” (GAGLIANO E PAMPLONA FILHO, 2004, p. 10).

Dessa maneira, Venosa (2004, p. 12-13) discorre sobre o assunto

alegando que o termo responsabilidade, embora com sentidos próximos e

semelhantes, é utilizado para designar várias situações no campo jurídico. A

responsabilidade, em sentido amplo, encerra a noção em virtude da qual se atribui a

um sujeito o dever de assumir as conseqüências de um evento ou de uma ação. Na

realidade, o que se avalia geralmente em matéria de responsabilidade é uma

conduta do agente, qual seja, um encadeamento ou série de atos ou fatos, o que

não impede que um único ato gere por si o dever de indenizar.

Para Stoco (2001, p. 39), “o que interessa, quando se fala de

responsabilidade, é aprofundar o problema na face assinalada, de violação da forma

ou obrigação diante da qual se encontrava o agente”.

Complementa Diniz (2004, p. 39), “o vocábulo ‘responsabilidade’ é

oriundo do verbo latino respondere, designando o fato de ter alguém se constituído

garantidor de algo. Tal termo contém, portanto, a raiz latina spondeo, fórmula pela

qual se vinculava, no direito romano, o devedor nos contratos verbais”.

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Stoco (2001, p. 89) explica que, “essa exposição estabelecida pelo meio

social regrado, por meio dos integrantes da sociedade humana, de impor a todos o

dever de responder por seus atos, traduz a própria noção de Justiça existente no

grupo social estratificado”.

De tal modo, de tudo o que se disse, conclui Gagliano e Pamplona Filho

(2006, p. 09), que “a noção jurídica de responsabilidade pressupõe a atividade

danosa de alguém que, atuando a priori ilicitamente, viola uma norma jurídica

preexistente (legal ou contratual), subordinando-se, dessa forma, às consequências

do seu ato (obrigação de reparar)”.

Cumpre acrescentar que a responsabilidade civil pode ser classificada

como responsabilidade civil subjetiva e responsabilidade civil objetiva. Portanto,

importante se faz esclarecer resumidamente cada uma das classificações.

Nas palavras de Molon (2007) responsabilidade civil “é o ressarcimento

dos prejuízos acarretados ao lesado que sofreu tanto em seu patrimônio como em

componentes de sua pessoa ou personalidade [...].”

É ainda mais esclarecedor o conceito de Diniz (2004, p. 40):

A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal.

Segundo Diniz (2004), a responsabilidade civil visa, portanto, garantir o

direito lesado à segurança, mediante o pleno ressarcimento dos danos que sofreu,

se restabelecendo na medida do possível, o estado inicial da situação.

Para um melhor entendimento de todos estes conceitos expostos por

estes diversos autores de renome nacional, a partir de agora passaremos por um

breve histórico do instituto da responsabilidade civil e suas peculiaridades.

1.1 Fundamentos da Responsabilidade Civil

Contextualizando os fundamentos da responsabilidade civil, temos que o

conceito de reparar o dano injustamente causado surgiu em época relativamente

recente na história do Direito. Segundo Venosa (2004, p. 27):

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o famoso princípio da Lei de Talião, da retribuição do mal pelo mal, olho por olho, já denota uma forma de reparação do dano. Na verdade, o princípio é da natureza humana, qual seja, reagir a qualquer mal injusto perpetrado contra a pessoa, a família ou o grupo social. A sociedade primitiva reagia com a violência. O homem de todas as épocas também o faria, não fosse reprimido pelo ordenamento jurídico.

Efetuando um estudo dos aspectos históricos da Responsabilidade Civil,

observa-se que, já na Babilônia, através de uma das mais antigas fontes do Direito,

o Código de Hamurabi (1728-1688 a.C.) imposto pelo célebre imperador babilônico

que deu nome ao código, dois mil anos antes da era cristã, conhecido como o

princípio do olho por olho, dente por dente, sendo mais tarde adotado também pelos

romanos como Lei de Talião as quais eram rígidas e inflexíveis, e muitas vezes cruel

(PEREIRA, 2004, p.3).

Estas leis possuíam como princípio a aplicação de uma espécie de

vingança estabelecida pelo Estado em detrimento ao instituto do ressarcimento,

podendo ser considerada a origem da responsabilidade civil, a qual evoluiu

sensivelmente com o surgimento da Lei das XII Tábuas (século III a.C.), que fixou o

valor da pena a ser paga pelo ofensor ao ofendido (PEREIRA, 2004, p.3).

Ilustrando este período histórico, Stoco (1997, p. 4), acrescenta que

“ingressa na órbita jurídica após ultrapassada, entre os povos primitivos, a fase da

reação imediata, inicialmente grupal, depois individual, passando pela sua

institucionalização, com a pena de Talião, fundada na idéia de devolução da injúria e

na reparação do mal com mal igual, já que qualquer dano causado a outra pessoa

era considerado contrário ao direito natural”.

Com o surgimento da Lei das XII Tábuas (ano 450 a.C.), o ocidente passa

a desfrutar de um ordenamento que procurava estipular responsabilidades e

delimitar sanções, assim, somente à lei caberia a definição delitos (civis ou criminais)

e suas respectivas formas de reparação, inclusive a reparação por arbitragem.

Em outra etapa da evolução da responsabilidade civil, Dias (1987, p. 2)

afirma que o Estado surge com a finalidade de atuar como pacificador, buscando

solucionar as lides decorrentes de danos causados por outrem, sendo então

institucionalizado o caráter punitivo, em detrimento ao instituto do ressarcimento,

não havia, nesta época, uma distinção bem definida entre os ilícitos civis e os

criminais do modo em que está dividida no ordenamento jurídico atual.

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A sanção invariavelmente passava da pessoa do responsável pelo crime

ou dano, atingindo mesmo o patrimônio e a própria vida de terceiros desvinculados

das relações privadas (obrigações de natureza civil) ou de fundo público. (DIAS,

1987, p. 2)

Constata-se, sobre evolução da responsabilidade civil, que esta ocorreu

de forma lenta e gradativa embora a sociedade desde a época primitiva sempre

demonstrou a sua pretensão de obter compensação pelo prejuízo causado por outra

pessoa.

Nesse sentido, ratifica Rodrigues, (2003, p.1) mencionando que “a

responsabilidade civil é matéria jurídica antiga, tendo sido prevista no Código do

Imperador Hamurabi da Babilônia, em sua máxima "olho por olho, dente por dente".

Aquele que sofria um dano tinha direito a repará-lo mediante a provocação de um

dano semelhante ao seu responsável. O direito romano, posteriormente, através da

Lex Poeteria Papiria, proibiu as penas corporais em sede de responsabilidade civil,

instituindo que apenas o patrimônio do agente deveria responder pelo dano por ele

causado”.

Apresentando uma diferenciação entre os delitos públicos e privados no

direito romano, Almeida (2000, p 32) salientou que nos delitos considerados

públicos, o autor sofria a persecução do Estado, acarretando-lhe grave sanção. Nos

delitos privados, a execução não se dava mais sobre a pessoa do devedor, mas sim

sobre os seus bens.

Ainda no Direito Romano, na Lei Aquiliana (Século III a.C.) surge um

princípio geral regulador dedicado à reparação do dano, escopo basilar da

responsabilidade civil, agora já desvinculada da penal.

Dias, (1987, p.18) ao tratar da Lei Aquiliana, explica que “o conteúdo da

Lei Aquilia se distribuía por três capítulos. O primeiro tratava da morte a escravos ou

animais, das espécies dos que pastam em rebanhos. O segundo regulava a

quitação por parte do 'adstipulator' com prejuízo do credor estipulante. Regia casos

de danos muito peculiares, que não interessa pormenorizar, salvo para, atentos à

advertência de Chironi, assinalar que a pena irrogada contra a ilícita disposição

praticada pelo 'adstipulator', em relação ao crédito alheio, traduz o fato de já não se

considerar o direito de crédito como coisa. O terceiro último capítulo da Lei Aquilia

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ocupava-se do 'damnum injuri datum’ que tinha, alcance mais amplo,

compreendendo as lesões a escravos ou animais e destruição ou deterioração de

coisas corpóreas".

Assim, observa-se que a Lex Aquilia considera o ato ilícito uma figura

autônoma. Surge dessa forma a concepção da responsabilidade extracontratual:

a Lex Aquilia, de uso restrito a princípio, atinge dimensão ampla na época de Justiniano, como remédio jurídico de caráter geral; como considera o ato ilícito uma figura autônoma, surge, desse modo, a moderna concepção de responsabilidade civil extracontratual. O sistema romano de responsabilidade extrai, da interpretação da Lex Aquilia, o princípio pelo qual se pune a culpa por danos injustamente provocados, independentemente da relação obrigacional preexistente. Funda-se aí a origem da responsabilidade extracontratual fundada na culpa. Por essa razão, denomina-se também responsabilidade aquiliana essa modalidade, embora exista hoje um abismo considerável entre a compreensão dessa lei e a responsabilidade civil atual. A Lex Aquilia foi um plebiscito aprovado provavelmente em fins do século III ou início do século II a.C., que possibilitou atribuir ao titular de bens o direito de obter o pagamento de uma penalidade em dinheiro de quem tivesse destruído ou deteriorado seus bens. Como os escravos eram considerados coisas, a lei também se aplicava na hipótese de danos ou morte deles. Punia-se por uma conduta que viesse a ocasionar danos. A ideia de culpa é centralizadora nesse intuito de reparação. Em princípio, a culpa é punível, traduzida pela imprudência, negligência ou imperícia, ou pelo dolo (VENOSA, 2005, p. 27).

Com a Escola do Direito Natural, a partir do século XVII, o conceito da Lei

Aquilia foi ampliado, sendo que os juristas começaram a equacionar a questão de

que o fundamento da responsabilidade civil situava-se na quebra do equilíbrio

patrimonial provocado pelo dano (VENOSA, 2005, p.27). O dano passa a ser então

o parâmetro centralizador da responsabilidade civil, em vez da culpa.

Durante a Idade Média, com a estruturação da ideia de dolo e de culpa stricto

sensu, seguida também de uma formulação da dogmática da culpa, distingue-se a

responsabilidade civil da pena. Mas coube ao Direito francês o aperfeiçoamento das

ideias romanas, quando estabeleceu princípios gerais norteadores da

responsabilidade civil (DINIZ, 2002).

Segundo Diniz (2002, p. 11), “a Lex Aquília de damno veio cristalizar a

ideia de reparação pecuniária do dano, impondo que o patrimônio do lesante

suportasse os ônus da reparação, em razão do valor da res, esboçando-se a noção

de culpa como fundamento da responsabilidade, de tal sorte que o agente se

isentaria de qualquer responsabilidade se tivesse procedido sem culpa. Passou-se a

atribuir o dano à conduta culposa do agente. A Lex Aquília de damno estabeleceu as

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bases da responsabilidade extracontratual, criando uma forma pecuniária de

indenização do prejuízo, com base no estabelecimento de seu valor. Esta lei

introduziu o damnum iniuria datum, ou melhor, prejuízo causado a bem alheio,

empobrecendo o lesado, sem enriquecer o lesante. Todavia, mais tarde, as sanções

dessa lei foram aplicadas aos danos causados por omissão ou verificados sem o

estrago físico e material da coisa. O Estado passou, então, a intervir nos conflitos

privados, fixando o valor dos prejuízos, obrigando a vítima a aceitar a composição,

renunciando à vingança. Essa composição permaneceu no direito romano com o

caráter de pena privada e como reparação, visto que não havia nítida distinção entre

a responsabilidade civil e a penal”.

Já numa concepção mais moderna de responsabilidade civil, o Código

Civil Francês, promulgado em 1804 por Napoleão Bonaparte contribuiu e consolidou

a aplicação de responsabilidade civil atualmente conhecida, a qual se fundamenta

na culpa.

Pereira (2004, p. 1) comenta que o Código Civil Francês de 1804 veio

influenciar decisivamente o instituto de responsabilidade civil no sentido de dar uma

maior relevância ao princípio da culpa que se consolida como pilar básico e

estruturante daquele instituto.

A consequente evolução da responsabilidade civil chegou ao

ordenamento jurídico interno por meio do Código Civil Brasileiro de 1916, o qual foi

fortemente influenciado pelo direito francês, momento em que a responsabilidade

civil fundamentou a idéia da existência de culpa por parte do ofensor.

É o que se percebe através da leitura do artigo 159 do Código Civil de

1916, revogado pelo novo Código Civil promulgado em 2002, por meio do artigo 927,

caput, ao determinar que "aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência,

ou imprudência, violar direito, causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o

dano". Neste momento a legislação adotou a teoria do risco, baseada na

insuficiência da culpa.

Em relação aos rumos tomados pelo instituto da responsabilidade civil na

atualidade, em relação à superação da culpa como cerne da responsabilidade civil, a

Gomes (2005, p. 231-232) afirma que o esforço para superação da culpa (fenômeno

psicológico) como fundamento da responsabilidade civil pode também ser apontado

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como uma tendência pós-moderna. Hoje, está claro, delineia-se uma clara

separação entre culpa, de um lado, e responsabilidade, de outro. Uma coisa é o que

vai na consciência do agente causador do dano; outra, bem diversa, é a sua

responsabilização pelo dano provocado ou oportunizado por uma atividade a ele

relacionada. Não por outra razão a culpa subjetiva tem cedido espaço para a culpa

objetiva e, sobretudo, para a responsabilidade objetiva. Desta forma, nas hipóteses

de responsabilidade decorrente do desempenho de atividade de risco e do fato do

produto, a afirmação da responsabilidade objetiva é feita com fulcro na

solidariedade, eis que se procura atender os interesses da vítima, que, em regra,

não quer nem procura o dano. No caso do consumidor, o legislador foi mais longe ao

trazer para o campo protetivo do Código respectivo todas as vítimas de acidente de

consumo – CDC, artigo 17. De outra parte, o artigo 931 do Código Civil não exclui de

suas malhas o comerciante pelos danos causados pelo produto posto em circulação.

Para Pereira (2004, p. 556), o fundamento maior da responsabilidade civil é a

culpa, e é fato suficiente e comprovado que esta se mostrou insuficiente para cobrir

toda a gama de danos ressarcíeis; mas é fato igualmente comprovado que, na sua

grande maioria, os atos lesivos são causados pela conduta antijurídica do agente,

por negligência ou imperícia.

Ainda sustenta que, embora aceitando que a responsabilidade civil se

construiu tradicionalmente sobre o conceito de culpa, o jurista moderno convenceu-

se de que esta não satisfaz, deixando à vítima o ônus da prova de que o ofensor

procedeu antijuridicamente, a deficiência de meios, a desigualdade de fortuna, a

própria organização social acaba por deixar larga cópia de danos descobertos e sem

indenização.

A evolução da responsabilidade civil gravita em torno da necessidade de

socorrer a vítima, o que tem levado a doutrina e a jurisprudência a marchar adiante

dos códigos, cujos princípios constritores entravam o desenvolvimento e a aplicação

da boa justiça. Foi preciso recorrer a outros meios técnicos e aceitar, vencendo para

isso resistências quotidianas, que em muitos casos o dano é reparável sem o

fundamento de culpa.

Desta forma, coube à jurisprudência e a doutrina a evolução da

responsabilidade civil e também conferir responsabilização a eventos danosos em

que a culpa não esteja presente.

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Já Stoco (1997, p. 50) sustenta que mais aproximada de uma ideia de

responsabilidade é a ideia de obrigação. Nesse sentido afirma que: “responsável,

responsabilidade, assim, como enfim, todos os vocábulos cognatos, exprimem ideia

de equivalência de contraprestação, de correspondência. É possível, diante disso,

fixar uma noção, sem dúvida ainda imperfeita, de responsabilidade, no sentido de

repercussão obrigacional (não interessa investigar a repercussão inócua) da

atividade do homem. Como esta varia até o infinito, é lógico concluir que são

também inúmeras as espécies de responsabilidade, conforme o campo em que se

apresenta o problema: na moral, nas relações jurídicas, de direito público ou privado.

A responsabilidade não é um fenômeno exclusivo da vida jurídica, antes se liga a

todos os domínios da vida social. A responsabilidade é, portanto, resultado da ação

pela qual o homem expressa o seu comportamento, em face desse dever ou

obrigação. Se atua na forma indicada pelos cânones, não há vantagem, porque

supérfluo em indagar da responsabilidade daí decorrente. O que interessa, quando

se fala de responsabilidade, é aprofundar o problema na face assinalada, de

violação da norma ou obrigação diante da qual se encontrava o agente”.

No caso de Venosa (2005, p. 13), este sustenta que, em princípio, toda

atividade que acarreta um prejuízo gera responsabilidade ou dever de indenizar e há

situações, excludentes, que irão impedir a indenização. No entanto, afirma que o

termo responsabilidade é: “um termo utilizado em qualquer situação na qual alguma

pessoa, natural ou jurídica, deva arcar com as conseqüências de um ato, fato, ou

negócio danoso. Sob essa noção, toda atividade humana, portanto, pode acarretar o

dever de indenizar. Desse modo, o estudo da responsabilidade civil abrange todo o

conjunto de princípios e normas que regem a obrigação de indenizar”.

Diante do exposto, pode-se observar uma nítida evolução histórica no instituto

da responsabilidade civil, o qual surgiu da necessidade da reparação do dano,

porém de uma forma primitiva, onde se aplicava a Lei de Talião, que pregava a

retribuição do mal pelo mal, do olho por olho, chegando até os dias atuais.

Passaremos a seguir para a identificação dos principais tipos de responsabilidade

existentes, a subjetiva e objetiva.

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1.2 A Responsabilidade Civil Subjetiva e a Objetiva

Para Rodrigues (2003, p. 11), em rigor, poder-se-ia dizer que não há duas

espécies diversas de responsabilidade civil, uma objetiva e outra subjetiva, mas sim

maneiras diferentes de encarar a reparação do dano.

No entanto, já na responsabilidade objetiva, segundo Venosa (2004, p. 22),

“como regra geral, leva-se em conta o dano, em detrimento do dolo ou culpa. Desse

modo para o dever de indenizar, bastam o dano e o nexo causal, prescindindo-se da

prova da culpa”.

Desta forma, entende-se como objetiva e solidária a responsabilidade da

empresa, ou seja, comprovada a culpa ou dolo do agressor, a empresa responderá

de forma objetiva e, automaticamente é solidária à conduta do assediador.

Segundo Diniz (2004, p. 128) a responsabilidade civil objetiva se funda no

risco, que se explica essa responsabilidade no fato de haver o agente causador do

prejuízo à vítima ou a seus bens. É irrelevante a conduta culposa ou danosa do

causador do dano, uma vez que bastará a existência do nexo causal entre o prejuízo

sofrido pela vítima e a ação do agente para que surja o dever de indenizar.

Ratifica Faria Júnior (2006, p. 28) que nesta modalidade de

responsabilidade civil, “basta a prova do nexo causal e do dano para que o agente

seja responsabilizado”.

Concluindo o assunto, acrescenta Faria Júnior (2006, p. 19) que “a teoria

da responsabilidade objetiva não pode, portanto, ser admitida como regra geral, mas

somente nos casos contemplados em lei ou sob o novo aspecto enfocado pelo

corrente Código. Levemos em conta, no entanto, que a responsabilidade civil é

matéria viva e dinâmica na jurisprudência. A cada momento estão sendo criadas

novas teses jurídicas como decorrência das necessidades sociais [...] A admissão

expressa da indenização por dano moral na Constituição de 1988 é tema que

alargou os decisórios, o que sobreleva a importância da constante consulta à

jurisprudência nesse tema, sobretudo do Superior Tribunal de Justiça, encarregado

de uniformizar a aplicação das leis”.

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Segundo Rodrigues (2003, p. 11) a responsabilidade objetiva está assentada

na Teoria do Risco. Segundo essa teoria, aquele que, através de sua atividade, cria

um risco de dano para terceiros deve ser obrigado a repará-lo, ainda que sua

atividade e o seu comportamento sejam isentos de culpa. Examina-se a situação, e,

se for verificada, objetivamente, a relação de causa e efeito entre o comportamento

do agente e o dano experimentado pela vítima.

Na responsabilidade objetiva, a atitude do agente causador do dano não é de

tanta relevância, basta que tenha existido a relação de causalidade entre o dano

experimentado pela vítima e também pela conduta do agente, que faz surgir o dever

de indenizar, independentemente do agente que causou tal dano agir de forma

culposa ou dolosa.

Para Stoco (1997, p. 66), a teoria da responsabilidade objetiva sustenta-se no

fato de que “ao invés de exigir que a responsabilidade civil seja a resultante dos

elementos tradicionais (culpa, dano, vínculo de causalidade, entre uma e outro)

assenta-se na equação binária cujos polos são o dano e a autoria do evento danoso.

Sem cogitar da imputabilidade ou investigar a antijuridicidade do fato danoso, o que

importa para assegurar o ressarcimento é a verificação se ocorreu o evento e se

dele emanou o prejuízo. Em tal ocorrendo, o autor do fato causador do dano é o

responsável. Desta forma o juiz não tem de examinar o caráter licito ou ilícito do ato

imputado ao pretenso responsável: as questões de responsabilidade transformam-

se em simples problemas objetivos que se reduzem à pesquisa de uma relação de

causalidade”.

A teoria da responsabilidade objetiva surgiu no século XIX, sob os auspícios

de Saleilles e Josserand. Segundo Stoco (1997, p. 66):

este último, considerado o experto da teoria do risco, a desenvolve principalmente sob o título: “Les accidents du travail et la responsabilité civile”, sendo que entre nós, o precursor da responsabilidade objetiva foi Alvino Lima, em tese apresentada na Faculdade de Direito da USP, em 1938, sob o título “Da culpa ao risco”, posteriormente convertida em livro, em que não apenas defende a doutrina objetivista como responde aos argumentos dos adversários. Outro adepto da teoria é Wilson Melo da Silva, também expressada em tese de concurso. O grande mestre Aguiar Dias evidenciou a obra de G. Marton (Les fondements de la responsabilité civile, Paris, 1938), apontando como o expoente da doutrina objetiva em nosso direito.

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No ordenamento jurídico pátrio atual, a regra do artigo 927, parágrafo único

do CC, pode ser tida como a mais importante novidade da legislação a respeito de

responsabilidade objetiva, in verbis:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

O CC traz também outros casos de responsabilidade civil independente da

atuação culposa do agente causador do dano, como os casos dos artigos 932, 933,

e 936 do CC/2002.

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

[...]

III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;

[...]

Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.

Art. 936. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior.

No Código de Defesa do Consumidor, tem-se o caso dos artigos 12, 14 e 17,

casos de acidentes de consumo ou responsabilidade por fatos do produto ou do

serviço, in verbis:

Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

[...]

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

[...]

Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.

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Traz também os casos de responsabilidade independente de culpa nos casos

apontados nos artigos 18 a 24, que tem por objeto a responsabilidade por vício do

produto e do serviço, in verbis:

Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.

[...]

Art. 19. Os fornecedores respondem solidariamente pelos vícios de quantidade do produto sempre que, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, seu conteúdo líquido for inferior às indicações constantes do recipiente, da embalagem, da rotulagem ou de mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente, e à sua escolha:

[...]

Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:

[..]

Art. 21. No fornecimento de serviços que tenham por objetivo a reparação de qualquer produto, considerar-se-á implícita a obrigação do fornecedor de empregar componentes de reposição originais adequados e novos, ou que mantenham as especificações técnicas do fabricante, salvo, quanto a estes últimos, autorização em contrário do consumidor.

Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste Código.

Art. 23. A ignorância do fornecedor sobre os vícios de qualidade por inadequação dos produtos e serviços não o exime de responsabilidade.

Art. 24. A garantia legal de adequação do produto ou serviço independe de termo expresso, vedada a exoneração contratual do fornecedor.

Na CF de 1988, encontra-se a regra no artigo 37, § 6º, que trata da responsabilidade

civil objetiva do Estado, in verbis:

Art. 37.

[...]

§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

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A responsabilidade pode ser subjetiva se depender da conduta ou do

comportamento do agente. A responsabilidade do agente que causou o dano pode

ser configurada se ele agiu culposa ou dolosamente, sendo que nesse sentido a

prova da culpa do agente causador do dano é requisito indispensável para que

possa haver a reparação do dano causado ao lesado.

Em sua obra Novo curso de Direito Civil, Gagliano e Pamplona Filho (2006,

p.14) conceituam responsabilidade civil subjetiva sendo aquela que “decorrente de

dano causado em função de ato doloso ou culposo”. Esta culpa, por ter natureza

civil, se caracterizará quando o agente causador do dano atuar com negligência ou

imprudência, conforme cediço doutrinariamente, através da interpretação da primeira

parte do art. 159 do Código Civil de 1916, mantida com aperfeiçoamento, pelo art.

186 do Código Civil de 2002.

Portanto, de acordo com Faria Júnior (2006, p. 23), “a culpa dá

sustentação à chamada responsabilidade subjetiva, exigindo, por isso, a

necessidade do comportamento tido como ensejador do prejuízo, sem o que não há

falar em reparação”.

Retifica Diniz (2004, p. 128), que a responsabilidade subjetiva “encontra

sua justificativa na culpa ou dolo por ação ou omissão, lesiva a determinada pessoa.

Desse modo, a prova da culpa do agente será necessária para que o dever de

reparar”. Portanto, a culpa é elemento fundamental da responsabilidade civil.

E como saliente Gagliano e Pamplona Filho (2006, p. 14), “por se

caracterizar em fato constitutivo do direito à pretensão reparatória, caberá ao autor,

sempre, o ônus da prova de tal culpa do réu”.

Assim, frente ao exposto, temos o entendimento que a responsabilidade

civil objetiva é notoriamente a responsabilidade sem culpa, caso em que há a

obrigação de indenizar sem que tenha havido culpa do agente, o que difere da

responsabilidade civil subjetiva, que exige a prova de culpa.

Para a existência da responsabilidade civil é necessário que sejam

satisfeitos alguns fatos previamente elencados como antecedentes necessários e

que serão tratados a seguir.

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1.3 Os Pressupostos da Responsabilidade Civil

Pressuposto consiste na circunstância ou fato considerado como

antecedente necessário de outro. Para que possa haver a caracterização da

responsabilidade civil é necessária existência de três fatos ou circunstâncias,

indispensáveis e simultâneos, sem os quais não há como se falar em

responsabilidade civil.

Rodrigues, (2003, p. 14) aponta como pressupostos essenciais para

caracterizar a responsabilidade civil a ação ou omissão do agente; a existência de

dano; e o nexo causal, elo de causalidade entre ação/omissão e dano.

Já Noronha (2007, p. 468) menciona que para surgir a obrigação de

indenizar, são necessários cinco pressupostos, acrescentando, assim, outros dois

requisitos ao senso comum dos doutrinadores e sobretudo da jurisprudência, que

são antijuridicidade e âmbito da função de proteção: ”um fato (uma ação ou omissão

humana, ou um fato humano, mas independente da vontade, ou ainda um fato da

natureza) que seja antijurídico (isto é, que não seja permitido pelo direito, em si

mesmo ou nas suas consequências). Que o dano esteja contido no âmbito da

função de proteção assinada à norma violada. Isto é, exige-se que o dano verificado

seja resultado da violação de um bem protegido”.

Existe uma imprecisão doutrinária no que concerne a caracterização dos

pressupostos necessários para que seja configurada a responsabilidade civil, e de

forma geral, pode-se apontar os seguintes pressupostos como essências: ação ou

omissão do agente; culpa do agente; relação de causalidade e o dano

experimentado pela vítima.

1.3.1 Ação ou Omissão do Agente

Analisando o pressuposto “ação do agente” verifica-se que este é

compreendido em sentido amplo, como um comportamento comissivo perante a

sociedade que ciente das condutas sociais convencionadas em forma de lei, lesa o

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direito de outrem, ou mesmo, diante de contrato infringe uma cláusula previamente

acordada.

Rodrigues, (2003, p. 15), para ilustrar este entendimento explica que “a

responsabilidade por ato próprio se justifica no próprio princípio informador da teoria

da reparação, pois se alguém, por sua ação pessoal, infringindo dever legal ou

social, prejudica terceiro, é curial que deva reparar esse prejuízo”.

Já a omissão caracteriza-se quando o agente deixa de agir diante de um

dever jurídico ou contratual e em virtude de sua omissão lesa outrem. Diniz (2001, p.

38) argumenta que “a omissão é, em regra, mais frequente no âmbito da inexecução

das obrigações contratuais. Deverá ser voluntária no sentido de ser controlável pela

vontade à qual se imputa o fato, de sorte que excluídos estarão os atos praticados

sob coação absoluta; em estado de inconsciência, sob efeito de hipnose, delírio

febril, ataque epilético, sonambulismo, ou por provocação de fatos invencíveis com

tempestades, incêndios desencadeados por raios, naufrágios, terremotos,

inundações etc.”.

O elemento primário dos atos ilícitos é uma conduta humana e voluntária

no mundo exterior. De acordo com Stoco (1997, p. 54) “esse ilícito, como atentado a

um bem juridicamente protegido, interessa à ordem normativa do Direito justamente

porque produz um dano. Não há responsabilidade sem um resultado danoso. Mas a

lesão a bem jurídico cuja existência se verificará no plano normativo da culpa, está

condicionada à existência, no plano naturalístico da conduta, de uma ação ou

omissão que constitui a base do resultado lesivo. Não há responsabilidade civil sem

determinado comportamento humano contrário à ordem jurídica. Ação e omissão

constituem, por isso mesmo, tal como no crime, o primeiro momento da

responsabilidade civil”.

Nesse sentido Diniz (2002, p.42) afirma que “a regra básica é que a

obrigação de indenizar, pela prática de atos ilícitos, advém da culpa. Ter-se-á ato

ilícito se a ação contrariar dever geral previsto no ordenamento jurídico, integrando-

se na seara da responsabilidade extracontratual (CC, artigos 186 e 927), e se ela

não cumprir obrigação assumida, caso em que se configura a responsabilidade

contratual (CC, artigo 389). Mas o dever de reparar pode deslocar-se para aquele

que procede de acordo com a lei, hipótese em que se desvincula o ressarcimento do

dano da ideia de culpa, deslocando a responsabilidade nela fundada para o risco

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(exemplos: artigos 927, parágrafo único, e, 931 do CC prevêem casos de

responsabilidade por ato lícito.)”.

A responsabilidade do agente que causou o dano poderá se originar de

ato próprio, de ato de terceiro que esteja sob a responsabilidade do agente, e ainda

por danos causados por coisas que estejam sob a guarda deste.

Na lição de Rodrigues (2003, p. 17), tem-se que “a responsabilidade por

ato próprio se justifica no próprio princípio informador da teoria da reparação, pois se

alguém, por sua ação pessoal, infringindo dever legal ou social, prejudica terceiro, é

curial que deva reparar esse prejuízo. (...) O ato do agente causador do dano impõe

ao agente o dever de reparar não só quando há, de sua parte, infringência a um

dever legal, portanto ato praticado contra direito, como também quando seu ato,

embora sem infringir a lei, foge da finalidade social a que ela se destina”.

Já em relação à responsabilidade por ato ou fato de terceiro, sustenta

Rodrigues (2003, p. 16-17) que esta irá ocorrer “quando uma pessoa fica sujeita a

responder por dano causado a outrem não por ato próprio, mas por ato de alguém

que está, de um modo ou de outro, sob a sujeição daquele. Assim, o pai responde

pelos atos dos filhos menores que estiverem em seu poder ou em sua companhia; o

patrão responde pelo ato de seus empregados, e assim por diante. Essa

responsabilidade por fato de terceiro, consagrada na lei e aperfeiçoada pela

jurisprudência, inspira-se em um anseio de segurança, no propósito de proteger a

vítima. Criando uma responsabilidade solidária entre o patrão e o empregado que

diretamente causou o dano, fica a vítima com a possibilidade de pleitear a

indenização a ela devida tanto de um como de outro daquelas pessoas e,

certamente, proporá ação competente contra o amo, uma vez que este,

ordinariamente, esta em melhores condições de solvabilidade do que seu serviçal”.

A responsabilidade civil, portanto, pode vir de um ato próprio ou

mesmo de um ato de terceiro, mas também pode o agente ser obrigado a

responder ao dano causado por animal ou coisa que estava sob a sua guarda.

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1.3.2 Culpa do Agente

A culpa do agente pode ser considerada como segundo pressuposto para a

caracterização da responsabilidade para reparação do dano causado pelo agente e

para que possa haver a reparação do prejuízo sofrido pelo lesado (RODRIGUES,

2003).

Se alguém causa prejuízo a outrem por meio de ação ou omissão voluntária,

negligência ou imprudência fica obrigado a reparar. Assim, o comportamento do

agente que causou o prejuízo deve ter sido doloso ou culposo.

Isto posto, Rodrigues (2003, p. 16-17) afirma que “o dolo ou resultado danoso,

afinal alcançado, foi deliberadamente procurado pelo agente. Ele desejava causar

dano e seu comportamento realmente o causou. Em caso de culpa, por outro lado, o

gesto do agente não visava causar prejuízo à vítima, mas de sua atitude negligente,

de sua imprudência ou imperícia resultou um dano para ela. (...) Em rigor, na ideia

de negligência se inclui a de imprudência, bem como de imperícia, pois aquele que

age com imprudência, negligência em tomar as medidas de precaução

aconselhadas para a situação em foco; como, também, a pessoa que se propõe a

realizar uma tarefa que requer conhecimentos especializados ou alguma habilidade

e a executa sem ter aquelas ou esta, obviamente negligenciou um obedecer às

regras de sua profissão e arte; todos agiram culposamente”.

Na lição de Dias (1987, p. 65) pode-se definir culpa como: “falta de diligência

na observância da norma de conduta, isto é, o desprezo, por parte do agente, do

esforço necessário para observá-la, com resultado não objetivado, mas previsível,

desde que o agente se detivesse na consideração das consequências eventuais de

sua atitude”.

Em relação à indenização a ser obtida pela vítima, esta deverá provar

que o agente provocador do dano tenha agido culposamente. Sílvio Rodrigues

(2003, p. 17), tem-se que, “ordinariamente, para que a vítima obtenha

indenização, deverá provar ente outras coisas que o agente causador do dano

agiu culposamente. O encargo de provar a culpa imposto à vítima, às vezes,

se apresenta tão difícil que a pretensão daquela de ser indenizada na prática

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se torna inatingível. Com efeito, não é fácil, para o herdeiro, provar que o

motorista do automóvel que atropelou seu pai e de cujo acidente lhe resultou a

morte, vinha dirigindo com imprudência. Ao ver de muitos escritores, exigir que

a vítima prove a culpa do agente causador do dano é a mesma coisa que

deixá-la irressarcida, tal a dificuldade de produzir essa evidência. Daí o

recurso a muitos procedimentos para atenuar os ônus probatórios, até a

medida extrema, representada pela adoção da teoria do risco, ou da adoção

da responsabilidade objetiva”.

Para Pereira (2004, p. 556) a culpa pode ser considerada o fundamento maior

da responsabilidade civil, sendo que a mesma comprovadamente mostrou-se

insuficiente para cobrir os danos ressarcíeis, já que a adoção em determinados

casos da responsabilidade sem culpa, mas ao mesmo tempo é fato comprovado que

a maioria dos atos lesivos são causados pela conduta antijurídica do agente por

negligência ou imprudência.

1.3.3 Relação de Causalidade

O nexo de causalidade entre o dano e a ação é o fato gerador da

responsabilidade civil, pois esta não existirá se não houver vínculo entre a ação e o

dano. Caso o lesado experimente um dano, mas este não resultou da conduta do

réu, se houver pedido de indenização, este será improcedente. (DINIZ, 2002).

O nexo de causalidade, terceiro pressuposto para configuração da

responsabilidade civil, determina que, para haver a indenização, ou seja, a

reparação de um dano é fundamental a existência de uma relação entre o fato lesivo

e a ação ou omissão que o resultou. Contextualizando este entendimento Amaral

(1998, p.554) comenta que o nexo de causalidade é a relação entre a causa e efeito

entre o fato e o dano. Constitui elemento essencial ao dever de indenizar, porque só

existe responsabilidade civil se houver nexo causal entre o dano e seu autor,

independentemente de culpa do agente. Pode existir um dano sem que se verifique

a necessária relação de causalidade, como ocorre, por exemplo, quando é a própria

vítima que provoca (passageiro que desce do veículo em movimento, pessoa que se

lança sob o veículo para suicidar-se).

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Segundo Diniz (2002, p. 43), para que ocorra a responsabilidade civil, faz-se

necessário a inexistência de causa excludente de responsabilidade, como por

exemplo, ausência de força maior, de caso fortuito ou de culpa exclusiva da vítima.

Não haverá relação de causalidade se o evento se deu por culpa exclusiva da

vítima; por culpa concorrente da vítima (CC, artigo 9452); caso este em que a

indenização é devida pela metade ou diminuída proporcionalmente; por culpa

comum da vítima ou do agente; por força maior ou caso fortuito (CC, artigo 3933),

cessando então a responsabilidade, porque esses fatos eliminam a culpabilidade

ante a sua inevitabilidade. O mesmo se diga se houver cláusula de não indenizar,

que em alguns casos é nula (CC, artigo 734, 2º parte4).

Acerca das excludentes de responsabilidade, Rodrigues (2003, p. 18) afirma

que se determinado acidente ocorreu não por culpa do agente causador do dano,

mas por culpa da vítima, é manifesto que faltou o liame de causalidade entre o ato

daquele e o dano por esta experimentado. Se o automobilista atropelou e matou

uma pessoa, ordinariamente deverá indenizar seus sucessores (CC, artigo 9485).

Todavia, se resultar provado que a vítima, embriagada, tentou atravessar à noite

uma autoestrada, parece fora de dúvida que o acidente derivou de sua culpa

exclusiva e desse modo faltou a relação de causalidade entre o comportamento do

agente e o dano experimentado pela vítima. De modo que o agente não deve

indenização às pessoas que experimentaram dano pela morte do imprudente

pedestre Da mesma maneira no caso fortuito ou de força maior, que, por igual, são

excludentes da responsabilidade. O proprietário de um prédio que, ao ruir, despenca

sobre outro inferior ordinariamente deve reparar o prejuízo causado ao dono deste.

Entretanto, se ficar demonstrado que a ruína do prédio superior derivou de um

2 Art. 945. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será

fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano. 3 Artigo 393 do CC: Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força

maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível

evitar ou impedir. 4 Artigo 734 do CC: Art. 734. O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas

bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade.

Parágrafo único. É lícito ao transportador exigir a declaração do valor da bagagem a fim de fixar o limite da

indenização. 5 Art. 948. No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações:

I - no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família;

II - na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da

vida da vítima.

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terremoto ocorrido no local, o prejuízo deflui de caso fortuito, ou seja, de um evento

externo que mãos humanas não poderiam evitar. De modo que, havendo o dano

resultado não de comportamento culposo do agente que o causou, mas do fortuito,

não há relação de causalidade entre os dois eventos, não surgindo a obrigação de

indenizar.

Entretanto, a verificação do nexo causal, segundo a doutrina civilista é um dos

temas mais delicados dos elementos da responsabilidade civil, como também se

mostra como o mais difícil de ser determinado. Mesmo havendo culpa e dano, não

poderá existir a obrigação de reparar, se entre ambos não se estabelecer a relação

causal. (PEREIRA, 2004, p. 76).

A determinação do nexo causal pode ser considerada como uma questão de

fato, não sendo então proveitoso enunciar uma regra absoluta em relação ao tema,

cabendo então ao julgador examinar cada caso distintamente. (STOCO, 1997).

Sendo assim, somente fazendo a valoração de todos e de cada um dos

aspectos envolvidos no caso sub judice, poderá o julgador decidir a respeito com

maior ou menor exatidão acerca da responsabilidade civil e se houve ou não nexo

causal entre o dano e a conduta do lesante, para que haja então a devida reparação.

1.3.4 Dano Experimentado pela Vítima

Segundo Stoco (1997, p. 53), não há responsabilidade sem prejuízo, ou seja,

o dano é o prejuízo causado pelo agente.

Necessária a ocorrência de um dano experimentado pela vítima, dano este

moral ou patrimonial causado à vitima por um ato comissivo ou omissivo do agente

ou mesmo de terceiro, aquele a quem o imputado responde, ou por fato de animal

ou coisa a ele vinculada. (DINIZ, 2002, 43).

Notoriamente percebesse que não há que se falar em responsabilidade civil

sem dano, que deve ser certo a um bem ou a um interesse jurídico, devendo haver a

prova real e concreta dessa lesão, sendo que o dano moral é cumulável com o dano

patrimonial de acordo com entendimento sumular, in verbis: são cumuláveis as

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indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato (Súmula 37

do STJ - Superior Tribunal de Justiça).

Isto posto, através da análise dos pressupostos foi possível identificar os

elementos da responsabilidade civil, que são: a conduta culposa do agente, nexo

causal, dano e culpa. Estes pressupostos são a base fundamental da

responsabilidade civil, e consagra o princípio de que a ninguém é dado o direito de

causar prejuízo a outrem. A seguir será discorrido sobre a função essencial da

responsabilidade civil e suas implicações.

1.4 Funções da Responsabilidade Civil

A função primordial da responsabilidade civil é a da reparação de um dano

sofrido por alguém, ou seja, a responsabilidade civil tem nitidamente uma função

reparatória.

Preceitua Rodrigues (2003, p. 13) que a responsabilidade civil tem o

embasamento em um princípio geral de direito, qual seja, o de que quem causa

dano a outrem tem o dever de repará-lo. Para ele é o informador de toda a teoria da

responsabilidade, encontradiço no ordenamento jurídico de todos os povos

civilizados e sem o qual a vida social é quase inconcebível, é aquele que impõe a

quem causa dano a outrem o dever de o reparar. Tal princípio se encontra, entre nós

registrado na conjunção dos artigos 186 e 927 do Código Civil. O primeiro desses

dispositivos, situado na Parte Geral do diploma, define o ato ilícito e o segundo,

inserto no capítulo da responsabilidade civil, impõe àquele que o pratica a obrigação

de reparar o prejuízo dele derivado. Com efeito, no artigo 186, o legislador define o

ato ilícito. Diz: aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou

imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral,

comete ato ilícito. E no artigo 927 declara que o autor do ato ilícito cabe a obrigação

de repará-lo.

Segundo Diniz (2002, p. 5), a fonte geradora da responsabilidade civil é o

interesse em restabelecer o equilíbrio violado pelo dano, sendo que são a perda ou

a diminuição verificada no patrimônio daquele que foi lesado ou também o dano

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moral que gerado para a reparação legal, movida pela ilicitude da ação daquele que

provocou a lesão ou o risco.

Afirma ainda, que a ideia de reparação é ampla e maior do que o ato ilícito,

pois, se ele cria o dever de indenizar, há casos de ressarcimento de prejuízo em que

não se cogita da ilicitude da ação do agente, ou seja, além do ato ilícito há outros

fatores geradores de responsabilidade. Há hipóteses em que o dano é reparável

sem o fundamento da culpa, com base no risco objetivamente considerado e ainda

os casos de responsabilidade por ato lícito, em que o dano nasce de um fato,

permitido legalmente, praticado pelo responsável, obrigando-o a ressarcir o lesado

do prejuízo que lhe causou.

Nas ações lícitas, o autor terá de indenizar os danos que tenha causado, pois

a obrigação de indenizar tem o objetivo de diminuir a diferença existente entre a

situação do credor, tal como se apresenta em virtude do prejuízo, e a que existiria

sem esse fato. Essa indenização é estabelecida em atenção ao dano sofrido pelo

lesado e em relação a sua situação, restituindo-o à situação que estaria caso não

houvesse ocorrido a ação do lesante. (DINIZ, 2002, p. 5).

Em uma pequena síntese tem-se que:

A indenização devida ao lesionado vai ter como parâmetro de fixação a diferença entre a situação hipotética atual e a situação real do lesado, ou melhor, o dano mede-se pela diferença entre a situação existente à data da sentença e a situação que, na mesma data, se registraria, se não fora a lesão (DINIZ, 2002, p. 5).

Restituir o lesado à situação anterior, ao status quo ante, mediante o

ressarcimento do dano causado ao lesado é a função primordial da responsabilidade

civil, que, para Maria Helena Diniz (2002), é uma relação jurídica entre a pessoa que

sofreu o prejuízo e aquela que deve repará-lo, movendo o ônus do dano sofrido pelo

lesado para outra pessoa que, por lei, deverá suportá-lo.

Isto posto, o princípio que irá fundamentar é a do restitutio in integrum, ou

seja, da reposição completa da vítima à situação anterior à lesão, por meio de uma

reconstituição natural a uma situação material que seja correspondente ou mesmo

de uma indenização que acabe por representar o modo exato do valor do prejuízo

no momento de seu ressarcimento. (DINIZ, 2002).

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Na lição de Venosa (2005, p. 14), a responsabilidade civil e os seus

princípios informadores têm por objetivo buscar ou restaurar um equilíbrio

patrimonial e moral violado. Um prejuízo ou dano não reparado é um fator de

inquietação social. Os ordenamentos contemporâneos buscam alargar cada vez

mais o dever de indenizar, alcançando novos horizontes, a fim de que cada vez

menos restem danos irressarcidos.

Diniz (2002, p. 7) sustenta que a função da responsabilidade civil é dupla, ou

seja:

a) garantir o direito do lesado à segurança: esta vai ser auferida na medida

que o lesado se restabelecer, na medida do possível, ao status quo ante à

lesão sofrida, mediante a sua reparação ou indenização pelo lesante; e

b) servir como sanção civil, tendo uma natureza compensatória, por meio da

reparação do dano causado à vítima, em que haverá a punição do lesante: a

responsabilidade civil irá constituir uma sanção civil, por decorrer de infração

de norma de direito privado e que tem por objetivo o interesse particular, e,

que em sua natureza é compensatória, abrangendo a indenização ou a

reparação do dano causado por ato lícito, ilícito, contratual ou extracontratual.

O instituto da responsabilidade civil objetiva adotado a partir da CF de 1988

reflete um anseio coletivo de procura da igualdade social entre os cidadãos

brasileiros. Para que seja entendido o porquê das discrepâncias existentes entre os

novos dispositivos legais vigentes e os previstos pelo CBA, no próximo capítulo, será

abordada uma breve explanação sobre a evolução da legislação aeronáutica e serão

revelados os motivos relacionados ao protecionismo inicial dedicado aos pioneiros

da aviação.

1.5 Classificação da Responsabilidade Civil

Ao pesquisar sobre os institutos da responsabilidade civil, percebe-se a

importância da abordagem dos aspectos contratuais e extracontratuais para melhor

fundamentar e entender seus efeitos no dever de indenizar oriundo de fatos que

venham a causar prejuízo ao patrimônio econômico ou moral de alguém.

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A responsabilidade civil, no direito brasileiro, no entendimento de diversos

doutrinadores, subdivide-se em contratual e extracontratual. Para confirmar essa

concepção, Freitas (2003, p.10), cita Azevedo, afirmando que:

cuida-se da responsabilidade, em duas grandes espécies, pelo visto: a primeira, que se situa no âmbito da inexecução obrigacional, chamada de responsabilidade contratual; a segunda posicionada no inadimplemento normativo, cognominada responsabilidade extracontratual.

Referente à responsabilidade contratual, conclui-se que é sempre

decorrente do descumprimento ou inexecução ou retardamento de obrigação de

contrato, escrito ou verbal.

Segundo Freitas (2003, p.2), a responsabilidade civil contratual pode

surgir de três fases: a) pré-contratual; b) contratual propriamente dita; e c) pós-

contratual. A primeira, quando as partes estejam em negociações, com

manifestação de intenção e execução de medidas compatíveis; a segunda, quando

já firmado o contrato e no curso de sua execução; e a terceira, com a subsistência

de efeitos após a cessação da relação.

Já a responsabilidade extracontratual, como o próprio nome diz, não está

previamente estabelecida em contrato.

Azevedo (1997 p. 274), menciona que a responsabilidade extracontratual

é aquela posicionada no inadimplemento normativo, ou seja, descumprimento da lei.

Afirma ainda o autor que a responsabilidade extracontratual, a seu turno,

é também conhecida por responsabilidade aquiliana, tendo em vista que a Lex

Aquilia de damno (do século III a.C.) cuidou de estabelecer; no Direito romano, as

bases jurídicas dessa espécie de responsabilidade civil, criando uma forma de

indenização do dano, assentada no estabelecimento de seu valor.

A responsabilidade civil e suas consequentes obrigações de indenizar são

divididas em subjetiva, a qual se baseia na idéia de culpa, e em objetiva que

fundamenta na teoria do risco, ou seja, mesmo sem culpa ou dolo haverá dever de

indenizar.

Analisando a responsabilidade civil subjetiva verifica-se que se baseia na

culpa do agente, ou seja, esta deve ser comprovada para que possa gerar a

obrigação de indenizar. Desse modo, é possível entender que, em não existindo

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culpa, não há responsabilidade. Seguindo esse entendimento, a responsabilidade do

causador do dano somente se configurará se este agiu com dolo ou culpa.

Nesse sentido, afirma também que, para que surja a obrigação de reparar

o dano, é necessário que na conduta do agente tenha ocorrido uma falha; falha esta

que se possa enquadrar no conceito jurídico de culpa em alguma de suas

modalidades: imprudência, negligência, imperícia ou dolo.

Para Pereira (1990, p.35), a teoria da responsabilidade subjetiva exige o

pressuposto da obrigação de indenizar, ou reparar o dano, devido ao

comportamento culposo do agente, ou simplesmente a sua culpa, abrangendo no

seu contexto a culpa propriamente dita e o dolo do agente.

Pesquisando a legislação interna que versa sobre a responsabilidade civil,

percebe-se que o Código Civil Brasileiro de 2002, em seu artigo 927, caput, adotou a

responsabilidade civil objetiva baseada na teoria da culpa versando que: “haverá

obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados

em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano

implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

Já a responsabilidade civil objetiva, baseada na “teoria do risco”, tem

como fundamento a atividade exercida pelo agente, criando risco de dano à vida, à

saúde ou outros a bens para terceiros.

Portanto, segundo a teoria do risco ou responsabilidade objetiva, aquele

que, através de sua atividade, cria um risco de dano para terceiros deve repará-lo,

mesmo que não tenha culpa ou dolo, independentemente do grau de relevância do

dano causado.

Rodrigues (2003, p. 11), nessa ótica, expõe que, na responsabilidade

objetiva a atitude culposa ou dolosa do agente causador do dano é de menor

relevância, pois, desde que exista relação de causalidade entre o dano

experimentado pela vítima e o ato do agente, surge o dever de indenizar, quer tenha

esse último agido ou não culposamente.

A Constituição da República Federativa do Brasil, por exemplo, também

adota a teoria da responsabilidade objetiva, na modalidade do risco administrativo. O

art. 37, § 6º, ao dispor que:

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as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Consequentemente, é possível afirmar que na teoria da responsabilidade

objetiva, baseada na teoria do risco, as pessoas físicas ou jurídicas que exercem

uma atividade que pela sua natureza ocasione risco de danos a outrem estarão

obrigadas a indenizar.

A seguir, tomaremos contato com as possibilidades legais de exclusão da

imputação da responsabilidade civil, seja ela objetiva ou subjetiva.

1.6 Excludentes da Responsabilidade Civil

Para abordar o tema “responsabilidade civil”, torna-se imprescindível à

apresentação das hipóteses que excluem ou eximem o causador do dano, também

conhecido como “indignato”, da obrigação de indenizar. (NORONHA, 2007, p.520).

Segundo Rodrigues, (2003, p.164), as excludentes da responsabilidade

civil compreendem: a culpa da vítima, o fato de terceiro, o caso fortuito e força maior,

e ainda atuando no campo exclusivamente contratual a cláusula de não indenizar,

menciona o mesmo autor que a presença de qualquer um desses fatores atenuam

ou extinguem a obrigação de indenizar.

Em relação ao nexo de causalidade e sua importância para configurar as

hipóteses de exclusão, Venosa (2003, p.17) expõe que as excludentes de

responsabilidade que impedem que se concretize o nexo causal, a culpa da vítima, o

fato de terceiro, o caso fortuito e a força maior e, ainda, no campo contratual, a

cláusula de não indenizar.

1.6.1 Culpa Exclusiva da Vitima

A culpa exclusiva da vítima pressupõe que existência do nexo causal

entre o dano causado e a própria vítima, sendo esta a responsável pelo dano

causado.

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Diniz, (2003, p.100) argumenta neste sentido que não haverá nexo causal

se o evento se der por culpa exclusiva da vítima, e acrescenta que nestes casos

exclui-se qualquer responsabilidade do causador do dano.

Rodrigues, (2003, p.165), por sua vez, salienta que, no caso de culpa

exclusiva da vítima, o agente que causa diretamente o dano é apenas um

instrumento do acidente, não se podendo, portanto, falar em liame de causalidade

entre seu ato e o prejuízo por aquela pessoa experimentado.

Entretanto, há que se mencionar a possibilidade da existência de culpa

simultânea da vítima e do agente causador do dano, também designada pela

doutrina, como culpa concorrente, preconizada no Código Civil de 2002 no artigo

945 do Código Civil, o qual dispõe que se a vítima tiver concorrido culposamente

para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade

de sua culpa em confronto com a do autor do dano.

Em síntese, é possível afirmar que a culpa da vítima isenta o agente da

responsabilidade pela indenização, bem como se a vítima concorreu para os danos

resultantes poderá ocorrer a atenuação da responsabilidade do agente.

1.6.2 Fato de Terceiro

Terceiro, conforme Dias, (apud RODRIGUES, 2003, p.169) é qualquer

pessoa além da vítima ou do responsável, sendo, portanto, todo aquele que não é

considerado agente e nem vítima, mas que possui influência no dano causado.

A responsabilidade civil por ato de terceiros, tem por finalidade garantir,

quando possível, o ressarcimento de danos às vitimas de atos ilícitos, nessa

concepção uma pessoa física ou jurídica pode ser responsável civilmente por atos

praticados por outras.

Seguindo este entendimento salienta Pereira (2004, p.582) que,

certamente com o anseio de tutelar os interesses das vítimas e facilitar a reparação

dos prejuízos, foi que o legislador estatuiu a responsabilidade por fato de terceiros,

pois em via de regra, os agentes mencionados, são desprovidos de recursos para

suportar a responsabilidade patrimonial.

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Em resumo, é possível concluir que, quando o fato de terceiro é a fonte

exclusiva do prejuízo, desaparece qualquer relação de causalidade entre o

comportamento do indignato responsável e a vítima. (RODRIGUES, 2003, p.170).

1.6.3 Caso Fortuito e Força Maior

A exclusão da responsabilidade civil também decorre também do caso

fortuito ou força maior. Alguns doutrinadores preocupam-se em tentar diferenciá-los,

mas o código civil de 2002, não estabelece entendimento que possa remeter a

existência de diferenças que sejam relevantes para a presente pesquisa.

O artigo 393 do Código Civil define o caso fortuito ou força maior da

seguinte forma: “o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito

ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado”,

demonstrando que o legislador não se preocupou em estabelecer diferenças entre

os mesmos.

O parágrafo único do mesmo artigo estabeleceu: “O caso fortuito ou de

força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou

impedir”, configura-se, portanto que independente da classificação não restará

caracterizado o dever de indenizar.

Relevante mencionar Venosa, (2003, p.39) o qual conceitua o caso

fortuito como “act of God” (ato de Deus) aquele que decorre de forças da natureza,

tais como o terremoto, a inundação, o incêndio não provocado, enquanto a força

maior é resultante de atos humanos, tais como guerras, revoluções, greves e

determinação de autoridades.

1.6.4 Cláusula de Não Indenizar

No campo contratual, a cláusula de não indenizar é também apresentada

pela doutrina como uma excludente de responsabilidade. Trata-se de uma cláusula

de irresponsabilidade oriunda de um acordo de vontades, pelo qual, os contratantes

convencionam que determinada parte não será responsável por eventuais danos

decorrentes de inexecução ou de execução inadequada do contrato.

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Ilustrando este entendimento Rodrigues (2003, p. 179) esclarece que, a

cláusula de não indenizar é aquela estipulação através da qual uma das partes

contratantes declara, com a concordância da outra, que não será responsável pelo

dano por esta experimentado, resultante da inexecução ou da execução inadequada

de um contrato, dano este que, sem a cláusula, deveria ser ressarcido pelo

estipulante.

Noronha (2007, p. 526) apresenta as cláusulas de exclusão ou de

limitação da responsabilidade como estipulações em negócios jurídicos, que

modificam em benefício de uma pessoa a obrigação de reparar danos que poderá

ocorrer no futuro.

Convém ressaltar que as cláusulas de exclusão ou de limitação de

responsabilidade não são aceitas nas relações de consumo, nesse sentido, o

Código de Defesa do Consumidor estabeleceu por meio do artigo 51:

São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis.

Exemplo desse entendimento é o disposto na Súmula Nº 161do STF6, a

qual vindo de encontro com o objetivo da presente pesquisa científica trata de

estabelecer a inoperância de cláusulas de não indenizar nas relações oriundas de

contrato de transporte.

Visando a um melhor entendimento do contexto a ser apresentado no

próximo capítulo, a figura 1 a seguir mostra exatamente qual o universo de

abrangência dos diversos ramos do direito e o limite de suas respectivas interfaces:

6 Súmula nº 161 do STF - Em contrato de transporte, é inoperante a cláusula de não indenizar.

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Figura 1 – Interfaces dos ramos do Direito.

Fonte: O autor, adaptado da apresentação de Eduardo Alexandre Beni (2016).

Para finalizar, pode-se observar que o instituto da responsabilidade civil

possui total aderência com o tema central do trabalho, na medida em que ficou

nitidamente caracterizado que a partir da Constituição Federal de 1988, do Código

de Defesa do Consumidor de 1990 e do Código Civil de 2002, não há mais que se

falar em responsabilidade subjetiva do Estado para indenizações de natureza de

dano moral, conforme preconiza o Código Brasileiro de Aeronáutica de 1986.

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CAPÍTULO II - HISTÓRIA DA AVIAÇÃO E DO CORREIO AÉREO NACIONAL

Para iniciarmos nosso trabalho, vamos começar com um breve histórico da

aviação em geral, do Comando da Aeronáutica e do Correio Aéreo Nacional. Em

seguida passaremos pelo referencial teórico realizando um aprofundamento do

estudo do instituto da responsabilidade civil, retratando seu histórico e sua

abrangência no ordenamento jurídico brasileiro.

2.1. A Aviação em Geral

A história da aviação remonta a tempos pré-históricos. O desejo de voar está

presente na humanidade provavelmente desde o dia em que o homem pré-histórico

passou a observar o voo dos pássaros e de outros animais voadores. Ao longo da

história há vários registros de tentativas malsucedidas de voos. Alguns até tentaram

voar imitando pássaros: usar um par de asas (que não passavam de um esqueleto

de madeira e penas, imitando as asas dos pássaros), colocando-os nos braços e

balançando-os.

Muitas pessoas acreditavam que voar fosse impossível, e que era um poder

além da capacidade humana. Mesmo assim o desejo existia, e várias civilizações

contavam histórias de pessoas dotadas de poderes divinos que podiam voar; ou

pessoas que foram carregadas ao ar por animais voadores. O exemplo mais bem

conhecido é a lenda de Dédalo e Ícaro (Figura 2). Dédalo, aprisionado na ilha de

Minos, construiu asas feitas com penas e cera para si próprio e seu filho. Porém

Ícaro aproximou-se demais do Sol e a cera das asas derreteu, fazendo ele cair no

mar e morrer. Mais do que uma estória a lenda nos traz o antigo desejo do homem

de voar.

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Figura 2 – "Icarus e Daedalus" por Charles Paul Landon.

Fonte: Wikipedia (2016).

Deixando de discorrer sobre a pré-história da aviação, sonho dos antigos

egípcios e gregos, que representavam alguns de seus deuses por figuras aladas, e

passando por sobre o vulto de estudiosos do problema, como Leonardo da Vinci

(Figura 2), que no século XV construiu um modelo de avião em forma de pássaro,

pode-se localizar o início da aviação nas experiências de alguns pioneiros que,

desde os últimos anos do século XIX, tentaram o voo de aparelhos então

denominados mais pesados do que o ar, para diferenciá-los dos balões, cheios de

gases, mais leves do que o ar (Figura 3).

Figura 3 – Ornitóptero de Leonardo da Vinci.

Fonte: Wikipedia (2016).

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Ao contrário dos balões, que se sustentavam na atmosfera por causa da

menor densidade do gás em seu interior, os aviões precisavam de um meio

mecânico de propulsão para fornecer a sustentação necessária para que se

elevassem na atmosfera (Figura 4).

Figura 4 – Máquina voadora projetada por Leonardo da Vinci.

Fonte: Wikipedia (2016).

O brasileiro Santos Dumont foi o primeiro aeronauta que demonstrou a

viabilidade do voo do mais pesado do que o ar por meios próprios. O seu voo no “14

Bis” em Paris, em 23 de outubro de 1906, na presença de inúmeras testemunhas,

constituiu um marco na história da aviação, embora a primazia do voo em avião seja

disputada por vários países (Figura 5). Entre os aeronautas pioneiros, podemos

citar: Gabriel Voisin, Louis Blériot, Wibur e Orville Wright, Trajam Vuia e Henry

Farman.

No período de 1907 a 1910, Santos Dumont realizou inúmeros voos com o

monoplano Demoiselle. Patrono da Aeronáutica e da Força Aérea Brasileira, braço

armado do atual Comando da Aeronáutica (COMAER), onde recebeu a patente de

Marechal do Ar, faleceu em São Paulo em 1932, sendo considerado até hoje, o

brasileiro que mais se destacou em nível mundial na história da aviação.

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Figura 5 – Ilustração de voo de Santos Dumont no 14-bis.

Fonte: Wikipedia (2016).

Ao voo de Santos Dumont seguiu-se um período de competição entre países

da Europa e os Estados Unidos, na conquista de recordes de velocidade e distância.

Com a Primeira Guerra Mundial, a aviação tomaria considerável impulso, em virtude

do uso dos aviões como arma de grande poder ofensivo, mas seria na década de

1920/30 que esse avanço se consolidaria.

Desde antes da Primeira Guerra Mundial, atravessar o Atlântico sem escalas

era a meta dos aeronautas e projetistas de aviões. Em 1919, Raymond Orteig, de

Nova Iorque, ofereceu um prêmio de US$ 25.000,00 a quem voasse de Nova Iorque

a Paris, sem escalas. De fins de 1926 até 1927, vários aviadores norte-americanos e

franceses tentaram a conquista do prêmio. Finalmente, venceu a prova um piloto do

correio aéreo, Charles Lindbergh.

Nos três anos seguintes, foram realizados muitos outros voos sobre o

Atlântico, inclusive a primeira travessia feita por uma mulher, Amelia Earhart, em

junho de 1928, juntamente com dois outros pilotos. Quatro anos depois, a aviadora

norte-americana voaria sozinha, atravessando o Atlântico.

Em 1931, Wiley Post e Harold Gatty fizeram a primeira viagem relativamente

rápida ao redor do mundo, no monoplano “Winnie Mãe”, percorreram 15.474 milhas

em 8 (oito) dias e 16 (dezesseis) horas. Em 1933, Post realizaria sozinho o voo ao

redor do mundo em 7 (sete) dias e 19 (dezenove) horas. Em 1938, Howard Hughes

faria, em um bimotor, a volta ao mundo em 3 (três) dias e 19 (dezenove) horas.

O transporte internacional começou a ser feito em larga escala depois da

Segunda Guerra Mundial, por aviões cada vez maiores e mais velozes (Figura 6). A

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introdução dos motores a jato, usados pela primeira vez em aviões comerciais

(Comet), em 1952, pela BOAC (empresa de aviação comercial inglesa), deu maior

impulso à aviação como meio de transporte.

Figura 6 – De Havilland Comet, o primeiro jato comercial da história da aviação.

Fonte: Wikipedia (2016).

No fim da década de 1950, começaram a ser usados os modelos Caravelle, a

jato, de fabricação francesa (Marcel Daussaud/Sud Aviation). Nos Estados Unidos,

entravam em serviço no ano de 1960 os jatos Boeing 702 e 707 e dois anos depois

o Douglas DC-8 e o Convair 880. Em seguida apareceram os aviões a turbohélice,

mais econômicos e de grande potência. Soviéticos, ingleses, franceses e norte-

americanos passaram a estudar a construção de aviões comerciais cada vez

maiores, para centenas de passageiros e a dos chamados “supersônicos”, a

velocidades duas ou três vezes maiores que a do som. Nesse item dos

supersônicos, as estrelas internacionais foram o Concorde (franco-britânico) e o

Tupolev (russo) que voaram até recentemente.

No final da década de 60 e início da década de 70, surgiram modelos capazes

de transportar até 400 passageiros, como o Boeing 747 (Figura 7), o Douglas DC-

10, o Lockheed Tristar L-1011, todos americanos e mais recentemente o Airbus 380

(consórcio europeu), com capacidade de até 850 passageiros; o Douglas MD-11 e

os Boeing 767 e 777, norte-americanos, todos com grande capacidade de carga e

passageiros.

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Figura 7 – O gigantesco Boeing 747, o primeiro widebody da história da aviação.

Fonte: Wikipedia (2016).

Os supersônicos comerciais, o Tupolev 144 e o Concorde iniciaram linhas

regulares, tendo sido a primeira inaugurada em janeiro de 1976, que cobria o

percurso Rio de Janeiro – Paris em menos de 7 (sete) horas, considerando uma

escala em Dacar, para reabastecimento. Este voo era efetuado pela companhia

aérea francesa Air France. Posteriormente a maioria desses voos, inclusive o do Air

France, foram suspensos em razão do alto custo com combustíveis e manutenção e

pelo volume pequeno de carga e de passageiros transportados por voo (apenas

144). A velocidade supersônica exigia uma aerodinâmica compatível, assim, os

aviões possuíam fuselagens estreitas. Hoje em dia o Concorde é ainda utilizado em

voos de luxo em poucas rotas comerciais frequentadas sempre por abonados

turistas ou executivos. A poluição sonora desses aviões supersônicos causou

também problemas ecológicos e eles acabaram sendo proibidos de pousar em

importantes aeroportos como Nova Iorque e Dacar, que era a escala do voo Rio –

Paris.

No início do século XXI, a Boeing (americana) e a Airbus (europeia) dominam

o mercado mundial de grandes jatos. A Boeing incorporou a Douglas, a Lockheed

produz apenas aviões militares e outras novas empresas chegaram ao mercado

internacional com força, dentre elas a brasileira Embraer e a canadense Bombardier.

O mercado de jatos executivos também está em alta e os maiores mercados são

Estados Unidos, Brasil, França, Canadá, Alemanha, Inglaterra, Japão e México, pela

ordem.

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2.2 O Ministério da Aeronáutica

O poder aéreo nasceu em 1913, após o homem adquirir o domínio das

máquinas voadoras, um pouco antes do início da Primeira Guerra Mundial.

No Brasil, mediante acordo governamental, tivemos a presença de militares

franceses ligados ao que, naquele tempo, não era ainda uma arma aérea, mas uma

capacidade bélica de emprego dos "engenhos voadores".

Assim, no Campo dos Afonsos, Rio de Janeiro, se fez presente uma missão

militar, com o objetivo de treinar pilotos militares da Marinha e do Exército, visando

ao emprego de aeronaves em objetivos militares. Essa missão deu origem à Escola

Brasileira de Aviação, que iniciou suas atividades em 2 de fevereiro de 1914,

interrompendo-as em 18 de junho do mesmo ano. Evidentemente, o

desenvolvimento da Aviação como arma aérea teve o seu início na Primeira Guerra

Mundial, quando aeronaves foram empregadas em missões de Observação no

campo de batalha.

A partir dessas missões de Observação, passou-se a utilizar o avião também

para a regulagem de tiros de artilharia e para missões de interceptação de aviões

inimigos, incrementando-se a utilização da potencialidade da arma aérea.

Surgia, assim, no cenário mundial, a Aviação de Caça que, inicialmente,

conduzia atiradores de elite nas naceles traseiras das aeronaves, atirando nos

aviões incursores que tentavam realizar observação.

Daí, evoluiu-se para o lançamento de bombas, a princípio com a mão, e

posteriormente com o emprego de engenhos mecânicos, seguindo-se a instalação

de uma maior capacidade de tiro a bordo da aeronave e operada pelo próprio piloto.

Esses fatores serviram de estímulo e desafio para as mentes militares que,

naquela ocasião, tiveram disposição e oportunidade de participar ativamente no

desenvolvimento dessa nova arma.

Na época, o Brasil recebeu uma série de aeronaves para treinamento de suas

Aviações - Militar (Exército) e Naval (Marinha)- e enfrentou o novo desafio,

adestrando e preparando suas equipagens, além de, seguindo uma tradição

histórica iniciada no século 17, partir, pelo ar, para o desbravamento do interior do

País, lançando-se na abertura de novas rotas aéreas, com o apoio do Departamento

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de Comunicações do então Ministério de Viação e Obras Públicas, que fazia o

controle do movimento dessas e de outras aeronaves.

Foi grande a participação das comunidades municipais, que, para auxiliar a

nossa Aviação, escreviam o nome da cidade sobre o telhado das estações

ferroviárias, como forma de orientar os aviões que seguiam para o interior do País.

Nessa época, as facilidades e auxílios para a navegação aérea praticamente

inexistiam.

A criação do Ministério da Aeronáutica e as Forças Aéreas Nacionais, com a

fusão do Corpo de Aviação da Marinha e a Arma de Aeronáutica do Exército,

ocorreram em 20 de janeiro de 1941, que foi realizado de forma abrupta e repentina,

tendo que se submeterem a um breve período de ajustes e adaptações necessárias

para operarem em conjunto como uma única organização militar.

Quatro meses mais tarde em 22 de maio de 1941, as Forças Aéreas

Nacionais passam a denominar-se Força Aérea Brasileira (FAB).

Inicialmente seu acervo foi constituído pelos equipamentos existentes nas

duas armas aéreas, Marinha e Exército, composto de uma variada gama de aviões

procedentes de diversos países, como Estados Unidos, Inglaterra, França, Itália,

além de alguns aviões produzidos no Brasil em caráter experimental e alguns

seriados.

Com a entrada dos Estados Unidos na guerra, em 1941 e o Brasil em 1942, e

a importância da costa brasileira - no norte do país - para o esforço de guerra dos

aliados, onde diversas bases americanas foram construídas, a FAB passa a receber

modernos aviões para as mais variadas funções, como caças, bombardeiros,

patrulha, etc. Este é sem dúvida o seu momento de consolidação e glória, formando

nos Estados Unidos diversos pilotos que serão os multiplicadores no seu

crescimento e culminado com a participação do 1º Grupo de Aviação de Caça

(Figura 8) e a 1ª Esquadrilha de Ligação e Observação no teatro de operações

europeu onde participou na Campanha da Itália em 1944 e 1945, único país da

América do Sul. Vale lembrar que o México participou com um Grupo de Aviação no

teatro do Pacífico ao lado dos americanos.

Outro fator importante foi a participação na Campanha do Atlântico Sul ao

longo da costa brasileira, chegando inclusive a afundar submarinos do eixo, a partir

de 1942.

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Os anos seguintes permitiram um engrandecimento do setor aeronáutico

brasileiro, tendo sido criada uma respeitável infraestrutura por todo o País,

aumentando a capacidade tecnológica e organizando toda a aviação civil e militar.

Figura 8 – O 1º GAvCa. P-47 levava o emblema "Senta a pua!" no nariz juntamente com a insígnia nacional do Brasil.

Fonte: Wikipedia (2016).

O Ministério da Aeronáutica manteve-se atuante até 10 de junho de 1999,

quando foi criado o Ministério da Defesa. A partir de então, passou a ser

denominado Comando da Aeronáutica.

2.3 O Correio Aéreo Nacional

O Correio Aéreo Nacional é um serviço postal militar brasileiro iniciado em

1931. Tem por objetivo integrar as diversas regiões do país e permitir a ação

governamental em comunidades de difícil acesso, possuindo relevante papel social.

Atua também como instrumento de integração entre os países da América do Sul. É

de competência exclusiva do governo federal e mantido pela Força Aérea Brasileira

por meio do COMGAR (Comando-Geral de Operações Aéreas), braço armado do

atual Comando da Aeronáutica.

Originalmente denominado Serviço Postal Aéreo Militar, foi denominado logo

em seguida como Correio Aéreo Militar. Com a criação do Ministério da Aeronáutica

em 20 de janeiro de 1941, pela fusão da antiga arma da Aviação Militar do Exército

com a da Aviação Naval da Marinha, o Correio Aéreo foi transferido para este órgão

e recebeu a denominação com que ficou conhecido: Correio Aéreo Nacional. A sua

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direção ficou afeta à Diretoria de Rotas Aéreas (Figura 9), cujo diretor foi o

brigadeiro Eduardo Gomes.

Figura 9 – Primeiras rotas do CAN

Fonte: Revista Aerovisão. Ed. 230 (2011, p.6).

O serviço entrou em operação no dia 12 de junho de 1931, quando os

tenentes do Exército, Casimiro Montenegro Filho e Nelson Freire Lavenère-

Wanderley, a bordo do monomotor biplano Curtiss Fledgling matrícula K263

(apelidado carinhosamente de "Frankenstein"), transportaram uma mala postal com

duas cartas, do Rio de Janeiro para São Paulo, e de lá retornando, com

correspondência, no dia 15 de junho. Esse voo inaugural durou cinco horas e vinte

minutos, seguindo a rota direta que ultrapassava as montanhas do litoral (Figura 10).

O retorno demorou apenas três horas e meia, seguindo a rota do vale do rio Paraíba

até à altura da cidade de Resende e daí infletindo para o Rio. Esta última se tornaria

a rota oficial para as aeronaves do CAN entre as duas cidades daí em diante, três

vezes por semana, até à entrada em operação, posteriormente, de aviões bimotores.

A partir da implantação dessa primeira linha, permitindo o treinamento de

pilotos e mecânicos, três meses mais tarde iniciavam-se os estudos para a sua

extensão até Goiás.

A Aviação Militar passou a dispor de monomotores biplanos WACO em 1932,

pouco antes e durante a Revolução Constitucionalista de 1932, período em que se

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intensificaram as atividades do CAN: foram assim implantadas as linhas até Goiás,

Mato Grosso, Paraná e Bahia. Em 1935, as linhas do serviço alcançavam a

Amazônia. No ano seguinte (1936), em janeiro, foi inaugurada a primeira linha

internacional, entre as cidades do Rio de Janeiro e Assunção, no Paraguai.

Figura 10 – Aeronaves operadas pelo CAN.

Fonte: Revista Aerovisão. Ed. 230 (2011, p. 10 e 11).

A partir de então, em abril de 1943 as linhas foram estendidas até ao rio

Tocantins e Belém do Pará, e desta última até Caiena, com escalas em Macapá e

Oiapoque. Em maio de 1945, foi aberta uma nova linha internacional, que ligava a

região Centro-Oeste a Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia.

Em 1947 foi aberta a linha que conduzia ao então território do Acre; em 1951,

a linha internacional para Lima, no Peru.

Em novembro de 1952 era aberta a linha para o rio Araguaia, iniciando-se o

apoio do CAN aos postos do antigo Serviço de Proteção ao Índio na rota Rio de

Janeiro - Belo Horizonte - Uberaba - Goiânia - Aruanã - Conceição do Araguaia - Las

Casas - Gorotire. Nesse mesmo ano era aberta a linha Rio de Janeiro - Manaus, que

se estendia até Boa Vista e, em seguida, a linha até ao rio Negro, esta com o

emprego dos lendários monoplanos bimotores anfíbios CA-10 Catalina. A função

desta linha era a de apoiar as populações indígenas e as missões religiosas nos

vales dos rios Negro e Uaupés. Estas aeronaves seriam posteriormente transferidas

da Base Aérea do Galeão para a Base Aérea de Belém, intensificando o serviço na

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região Amazônica, assim como o apoio aos pelotões de fronteira do Exército e às

populações ribeirinhas.

Em 1956, foi aberta a linha para Montevidéu, no Uruguai; em 1957, uma linha

internacional especial até à região do canal de Suez para atender o chamado

"Batalhão Suez" que, a serviço das Forças de manutenção da paz das Nações

Unidas, se encontrava em operações na Faixa de Gaza. Esta última foi atendida

mensalmente com o recurso a aeronaves monoplano quadrimotores B-17 durante

três anos, até à entrada em operação dos Douglas C-54. Em 1958, eram iniciadas

as linhas para Quito, no Equador, e para os Estados Unidos da América.

Com a entrada em operação dos quadrimotores Douglas C-54, e

posteriormente dos Douglas C-118 na Força Aérea Brasileira, com maior capacidade

de carga, maior autonomia de voo e melhores aviônicos, iniciou-se uma nova etapa

para o CAN. Puderam ser melhor atendidas as linhas que ultrapassavam a

cordilheira dos Andes e o oceano Atlântico.

Com o C-54, em 1960, foi aberta a linha para Santiago do Chile, com escala

em Buenos Aires. Em meados da década de 1960, foram adquiridas, na Grã-

Bretanha, aeronaves turbohélice Avro C-91, que viriam a substituir as Douglas C-47

e as Beechcraft C-45 em determinadas rotas. Também nesse período, em 1965,

entram em operação os Lockheed C-130 Hercules, que não apenas ampliaram o

raio de ação do CAN, mas também a sua capacidade de transporte de pessoal,

carga e equipamentos pesados, não apenas para todos os quadrantes do território

brasileiro, mas que, na década de 1980 alcançaram o continente Antártico, no

contexto do Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR).

Em 1968 entraram em operação as aeronaves bimotor turbohélice C-115

Buffalo, que pela sua robustez e versatilidade atenderam principalmente a região

Amazônica.

Posteriormente, na década de 1980, entraram em operação aeronaves

Embraer C-95 Bandeirante e C-97 Brasília, que passaram a atender muitas das

linhas vicinais do CAN. Para o atendimento às linhas-tronco, em 1985 foram

adquiridas à Varig quatro Boeing 707, ampliando a eficácia no atendimento logístico

e de trasporte de pessoal.

Em 2004, entraram em operação os birreatores Embraer ERJ-145, substituido

os Avro C-91, iniciando-se novas linhas internacionais.

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Mais recentemente, para atendimento aos pontos extremos do território,

entraram em operação os bimotores turboélice C105-A Amazonas e Cessna C-98

Caravan, devido às suas capacidades de pouso e decolagem em pistas curtas.

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CAPÍTULO III - A LEGISLAÇÃO AERONÁUTICA

Após ter discorrido no capitulo anterior sobre os fundamentos da

responsabilidade civil, explicando detalhadamente os conceitos de sua objetividade

e subjetividade, seus pressupostos, funções, classificação e excludentes; faz-se

necessário nesse momento delimitar as fronteiras do objeto de estudo em virtude da

grande extensão da legislação existente.

Conforme apresentado na figura 11 do capitulo anterior que trata das

interfaces do direito, observa-se facilmente que o Direito Aeronáutico permeia

diversos outros ramos, no entanto, esta configuração atual foi sendo moldada com o

passar dos anos, sofrendo ajustes e se adaptando ao crescente progresso da

indústria aeronáutica.

Para que se tenha um melhor entendimento do assunto a ser estudado, deve-

se observar que o contrato de transporte aéreo remonta ao inicio do século passado,

conduzindo este estudo à necessidade de abordar a evolução histórica da aviação

civil brasileira. Assim, neste capitulo, pretende-se, a partir da evolução tecnológica

aeronáutica, abordar as peculiaridades da responsabilidade civil no transporte aéreo.

Com o surgimento do avião, criam-se formas de responsabilidades

específicas para o setor aeronáutico, que não haviam sido contempladas nas

legislações em vigor à época.

Essa responsabilidade não existia, não porque se desconhecessem os

problemas que poderiam vir a ocorrer, mas pelo sentimento de não prejudicar o

progresso da aviação, já que ainda era difícil ao homem superar o espaço, onde ele

deveria voar, como as condições atmosféricas, as temperaturas, as tempestades e a

própria problemática mecânica da máquina. As empresas já enfrentavam tantos

problemas, que promulgar uma legislação relativa a indenizações a passageiros

seria um grande peso para essas empresas aéreas que ainda estavam conhecendo

o seu ambiente.

A primeira legislação a surgir foi a Convenção de Varsóvia (1929), que cria o

regime concernente à legislação aeronáutica, que será mais detalhada a seguir.

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3.1 A Convenção de Varsóvia

No que diz respeito ao regime contratual, a Convenção de Varsóvia

estabeleceu a responsabilidade limitada, criada para amenizar a responsabilidade

de valoração da indenização a ser paga pelo transportador.

Em todo o seu texto, a Convenção de Varsóvia apresenta inúmeras

divergências quanto aos valores dos limites da responsabilidade, são várias

emendas, entre elas o Protocolo de Haia, em 1955, e o Protocolo da Guatemala, de

1971, este ainda sem vigência internacional.

3.2. Legislação Posterior à Convenção de Varsóvia

Posteriormente, sobrevieram outros protocolos, como Protocolos Adicionais

de Montreal, de nºs 1, 2, 3 e 4 (1975), os quais converteram o Franco Ouro ou

Poincaré para os Direitos Especiais de Saque (moeda escritural criada pelo FMI,

utilizada como reserva dos Estados), culminando com a Convenção de Montreal

(1999), que veio modernizar o sistema varsoviano7, consolidado em um só texto.

Esse protocolo não vigora – por enquanto – mas já possui um grande número de

ratificações8, talvez porque não traga nenhuma novidade à Convenção anterior, sem

atualizar os valores/responsabilidade civil do transportador aéreo. (PACHECO, 1998,

p. 56).

Na esfera nacional, a responsabilidade civil pelos danos surgidos do

transporte aéreo era regulada pelo Código Civil, por força do art. 84 do Decreto nº

16.983 de 1925, que aprovou o primeiro Regulamento para os Serviços Civis de

Navegação Aérea.

Posteriormente, surgiu o Código Brasileiro do Ar de 1938 (Decreto-Lei nº 483,

de 08.06.1938), sobreveio o novo Código Brasileiro do Ar de 1967 (Decreto-Lei nº

32, de 18.11.1966), até a chegada ao atual CBA de 1986 (Lei nº 7.565, de

19.12.1986), cuja disciplina é igual ao previsto na Convenção de Varsóvia.

7 Derivado da Convenção de Varsóvia.

8 Recepção pelos Estados soberanos.

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3.3 A Constituição Federal de 1988 e o Transporte Aéreo

O panorama jurídico nacional mudou com a CF de 1988, o que tornou mais

condizente com a realidade brasileira e também resultou em novas perspectivas à

responsabilidade civil do transportador aéreo.

Entre as inovações trazidas pela Constituição, têm-se o fato de que o

transportador aéreo passa a ser um prestador de serviço público, como previsto no

art. 37, §6º. Logo, mesmo que decorra de contrato, a sua responsabilidade será

objetiva, desde que haja o dano e o nexo causal, sem poder arguir culpa ou dolo

para ensejá-la, conforme exposto in verbis:

Art. 37

[...]

§ 6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadores de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo e culpa.

O art. 5º, inciso V e X da CF, previu o que as demais legislações não previram a possibilidade

de indenização por dano moral:

Art. 5º

[...]

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

[...]

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Como detentor de sua soberania própria, o Brasil, por meio da CF, na

qualidade de lei maior, sobrepõe-se às demais leis, e mesmo a tratados firmados

pelo Brasil, consequentemente fica clara a possibilidade de indenização por dano

moral nos casos de atraso de voo e de extravio de bagagem, o que pode ser

apreciado no julgado do Supremo Tribunal Federal (STF) no Recurso Extraordinário

(RE) nº 172720-RJ em importante julgamento sobre extravio de bagagens:

[...] o fato de a Convenção de Varsóvia revelar, como regra, a indenização tarifada por danos materiais não exclui a relativa aos danos morais.

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Configurados esses pelo sentimento de desconforto, de constrangimento, aborrecimento e humilhação decorrentes do extravio de mala, cumpre observar a Carta Política da República - incisos V e X do artigo 5º, no que se sobrepõe a tratados e convenções ratificados pelo Brasil. (RE nº 172720-9-RJ, 2ª Turma, Rel. em. Min. Marco Aurélio, j. 06.02.96, DJ 21-02-1997).

É fato que, após a promulgação da CF de 1988, não mais prevalece o

sistema varsoviano de responsabilidade civil do transportador aéreo, já que esta se

incompatibiliza com a nova ordem jurídica brasileira em virtude de a carta magna

não permitir a fixação do quantum indenizatório nos casos de indenizações que

envolvem dano moral e material não declarado.

3.4 O Código de Defesa do Consumidor e o Transporte Aéreo

Mesmo sendo a responsabilidade civil relativa ao transporte aéreo prevista

pela CF de 1988, somente com a introdução do Código de Defesa do Consumidor

(CDC) no ordenamento jurídico brasileiro pela lei 8078 de 1990, que a doutrina e a

jurisprudência voltaram sua atenção ao transporte aéreo interno e internacional,

mais especificamente no que tange à sua responsabilidade civil.

O CDC chegou para orientar de forma nova todo o ordenamento jurídico

concernente a contratos e consumo, ou seja, relação consumerista. O CDC criou um

microssistema, o que se transformou em lei de função social, lei de ordem

econômica, de origem constitucional, trouxe profundas modificações às relações

jurídicas consumeristas e identificou-se com qualquer relação de consumo, mesmo

que esta seja regulada por norma diversa, ainda que contrária ao princípio de

proteção do consumidor.

3.5 O Conflito entre as Três Legislações

Em seu amplo campo de incidência, o CDC abrangeu, também, o transporte

aéreo. Nesse documento, há clara caracterização de relação jurídica de consumo

que exige a configuração simultânea dos três elementos que formam a relação

consumerista: consumidor, fornecedor, produto e/ou serviço. Conforme se extrai do

texto dos arts. 2º, 3º e seu § 2º do código supracitado:

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73

[...]

Art. 2º. Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Art. 3º. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

[...]

§ 2º. Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

[...]

Evidente que, quando há relação de consumo no transporte aéreo, deve ser

ela regida pelas normas constantes do Código de Defesa do Consumidor.

A Convenção de Varsóvia, o CBA e o CDC convivem de forma não muito

harmoniosa, no que diz respeito à valoração da indenização ao transportado.

Segundo disciplina o Código de Defesa do Consumidor, já não vige a

responsabilidade do transportador contida nas legislações aeronáuticas, baseada na

presunção de culpa, mas sim a responsabilidade objetiva, o que descarta a

necessidade de prova, também como da própria discussão sobre a culpa, conforme

estabelecido no art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, que dispõe:

Art. 14 O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes e inadequadas sobre a fruição e risco.

No Código de Defesa do Consumidor, o fornecedor somente se exonera da

obrigação de reparação do dano nos casos previstos no § 3º do art. 14, ou seja,

quando o fornecedor conseguir provar: "I - que, tendo prestado o serviço, o defeito

inexiste; ou II - a culpa é exclusiva do consumidor ou do terceiro".

Vê-se que a responsabilidade do transportador não pode ser elidida por caso

fortuito ou força maior, o que era permitido no sistema da Convenção de Varsóvia e

do CBA, sendo muito mais severa a disciplina do Código de Defesa do Consumidor.

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Pondera-se, ainda, que foi estabelecida a responsabilidade objetiva dos

permissionários e concessionários do serviço público por força do art. 22, § único, do

Código de Defesa do Consumidor. Como transporte aéreo é concessão da União

(art. 21, inciso XII, letra c, da CF de 1988), deve o transportador aéreo, portanto,

seguir a disciplina do regime de reparação integral estatuída pelo Código do

Consumidor.

Não há de se falar em limites da responsabilidade do transportador aéreo,

pois o CDC adota o princípio da reparação efetiva e integral, o que enseja a

indenização dos danos materiais e imateriais (morais).

Ainda que questionável, a limitação da responsabilidade do transportador

aéreo teve sua razão de ser à época, mas hoje não mais subsistem os mesmos

fatores da data de sua criação.

A contratação de transporte aéreo faz surgir um contrato de adesão. Os

limites fixados nesse contrato, por vezes, são fixados em valores muito abaixo do

necessário à real reparação do dano do passageiro, o que estabelece desequilíbrio

de realidade e que resulta em cláusulas, não de responsabilidade, mas de

irresponsabilidade.

Diante desse fato, a indenização deve ser integral e na proporção do dano

sofrido e não comporta limitações, como dispõem os arts. 6º nos incisos VI, 25 e 51,

inciso I, dispositivos que rechaçam as clausulas abusivas:

[...]

Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:

[...]

VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.

Art. 25. É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores.

[...]

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

I – impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor-pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;

[...]

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75

Vê-se, portanto, que o Código condenou em seus diversos dispositivos,

indiscriminadamente, todas as cláusulas de limitação da responsabilidade do

fornecedor. O critério para a aferição da sua abusividade repousa no desequilíbrio

que tal limitação pode acarretar.

Quedam-se derrogados, portanto, pelo CDC, os dispositivos da legislação

aeronáutica referentes à responsabilidade civil do transportador aéreo, pois com ele

são incompatíveis.

3.6 O Código de Defesa do Consumidor X Código Brasileiro de Aeronáutica

Conforme Benjamin9,

[...]

o Código de Defesa do Consumidor pertence àquela categoria de leis denominadas ‘horizontais’, cujo campo de aplicação invade, por assim dizer, todas as disciplinas jurídicas [...] São normas que têm por função, não regrar uma determinada matéria, mas proteger sujeitos particulares, mesmo que estejam eles igualmente abrigados sob outros regimes jurídicos .

Nesse caso, o CDC é lei especial, própria, específica e exclusiva, e atinge

toda e qualquer relação de consumo.

Conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e doutrina dominante é

claro o entendimento que se tira acerca da primazia da Constituição em relação aos

tratados e convenções ratificados. Diz-se isso porque a CF de 1988 choca-se com a

disciplina da responsabilidade do transportador aéreo da Convenção de Varsóvia.

O entendimento do Supremo Tribunal Federal, no RE nº 80.004/SE, é de que

a Constituição se sobrepõe aos tratados e convenções ratificados pelo Brasil, os

quais se integram ao ordenamento jurídico pátrio com a mesma força de leis

infraconstitucionais, passando, assim, tratados e convenções, pelo crivo da

constitucionalidade das leis.

Ocorre que, ao serem ratificados os tratados e convenções, inserem-se no

ordenamento jurídico, todavia não modificam nenhuma lei existente, mas, sim, criam

outras que se adaptam ao direito interno de um determinado país. Por adaptação

9 BENJAMIN, Antonio Herman V. Revista de Direito do Consumidor. V.26, p.39.

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deve-se entender que se ratifica apenas aquilo que não se contradiz e nem se

incompatibiliza com a cultura, costumes, religião, política, etc., peculiaridades de

uma determinada nação. Não há, portanto, nenhuma razão para pensar em

contradição ou não entre a CF de 1988 e os tratados e as convenções ratificados,

pois se assim o foram é porque guardavam conformidade com os ditames

constitucionais do Brasil. Nenhum país muda seu direito interno em prol de tratados

e convenções por uma questão de manutenção de soberania.

O que se discute entre a Constituição, o CDC e a Convenção de Varsóvia é a

questão da inaplicabilidade de suas normas, somente em relação aos danos morais

e imateriais sofridos pelo passageiro, ora por omissão, ora por incompatibilidade de

valores indenizatórios. Nesse ponto, o CBA seguiu fielmente a Convenção de

Varsóvia, já que há primazia do transportador aéreo ao limitar-se a fixar valores

indenizatórios, além de não prever diversos fatores causadores de prejuízos morais

e materiais ao “consumidor” de transporte aéreo.

Se os tratados e as convenções não estivessem no mesmo plano do direito

interno, e sim num plano de “superlei”, isso equivaleria ao engessamento do

legislativo do país, o que não encontra respaldo no sistema constitucional do Brasil.

Há uma prevalência da CF de 1988 em relação aos tratados e convenções,

pois se faz necessário uma evolução ou atualização de determinadas previsões da

Convenção de Varsóvia a concorrer com a realidade atual, já que aquelas se

encontram defasadas, ou mesmo caducas, não tendo se desenvolvido no tempo, ou

acompanhado as mudanças havidas desde sua criação.

Isto posto, cumpre registrar algumas jurisprudências para melhor

entendimento. A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidia no

sentido de aplicação do Código de Defesa do Consumidor, como no caso do

Recurso Especial (REsp) nº 169.000/RJ, Relator o Em. Ministro Costa Leite, J.

04/04/2000:

Responsabilidade Civil. Transportador. Limitação de Indenização. Código de Defesa do Consumidor. Convenção de Varsóvia

Editada lei específica, em atenção à Constituição (Art. 5º, XXXII), destinada a tutelar os direitos do consumidor, e mostrando-se irrecusável o reconhecimento da existência de relação de consumo, suas disposições devem prevalecer. Havendo antinomia, o previsto em tratado perde eficácia, prevalecendo a lei interna posterior que se revela com ele incompatível.

Recurso conhecido e não provido.

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A 4ª Turma do STJ vinha aplicando os limites da responsabilidade constantes

da Convenção de Varsóvia e do CBA. Exemplo dessa tendência é o REsp

135.535/PB, de lavra do Em. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, J. 11/04/2000,

no qual foi vencido o Ministro Ruy Rosado de Aguiar, que aplicava o Código de

Defesa do Consumidor.

Hoje, entretanto, tal divergência encontra-se superada, o que se observa em

decisão da 4ª Turma no REsp nº171.506-SP, da relatoria do Em. Ministro Ruy

Rosado de Aguiar, j. 21/09/2000, DJ 05/03/2001:

Responsabilidade civil. Transporte aéreo internacional. Extravio de carga. Código de Defesa do Consumidor.

Para a apuração da responsabilidade civil do transportador aéreo internacional pelo extravio da carga, aplica-se o disposto no Código de Defesa do Consumidor.

Recurso conhecido pela divergência, mas desprovido.

Em decorrência disto, percebe-se nitidamente uma notória progressão nas

decisões dos magistrados, do Tribunal da Cidadania e da alta corte do país, a

adoção do CDC em detrimento do previsto na legislação aeronáutica ainda vigente.

3.7 Prevalência das Leis: Nacionais ou Internacionais?

Apesar deste estudo já ter discorrido sobre a Convenção de Varsóvia, sobre o

CBA e sobre o CDC, ainda resta discorrer acerca da prevalência da lei nacional

sobre a internacional e quais as razões pelas quais o governo brasileiro ainda não

procedeu à denúncia da Convenção de Varsóvia, em virtude de ser inoperante e

inaplicável no contexto socioeconômico atual.

Cabe lembrar que a Convenção de Varsóvia data de 1929, portanto, à época

em que o avião praticamente acabava de sair do papel, pois o primeiro voo a ser

realizado por Santos Dumont data de 1906. Mesmo assim, o uso seguro de uma

aeronave ainda estava longe de se realizar.

Fundamentados na própria insegurança dos voos, foi necessária a criação de

normas que previssem indenizações por acidentes aéreos, já que, se à época, caso

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todas as empresas aéreas fossem indenizar todos os acidentados, a aviação não

evoluiria, ao contrário, ficaria estagnada.

Sob esse argumento foi erigida a Convenção de Varsóvia, que limitava as

indenizações a determinado valor, sendo os passageiros indenizados totalmente

apenas em caso de dolo ou culpa grave. Vê-se que eram normas de proteção ao

transportador e não ao passageiro e/ou cargas.

A aviação evoluiu, usa tecnologia de ponta, se modernizou, e tal argumento

não tem mais razão de ser. O transporte aéreo atualmente é um dos meios mais

seguros de se viajar. Mas a Convenção ainda não foi denunciada pelo governo

brasileiro; está em vigor, portanto.

O Código de Defesa do Consumidor, erigido após a CF de 1988, é uma

norma pública de interesse social e, por assim ser, afasta-se a um segundo plano a

autonomia da vontade (art.1º) para dar lugar aos fatos, ou seja, a incidência das

normas do referido Código é de natureza cogente, não podem ser afastadas pela

vontade das partes.

O CDC nasceu da vontade da CF de 1988, em cumprimento da previsão legal

do art.5º, inc. XXXII, da CF, em que diz que o Estado promoverá, na forma da lei, a

defesa do consumidor, sendo a defesa do consumidor erigida à altura do princípio

geral da atividade econômica (art. 170, inc. V da CF) não pode se posicionar em um

plano inferior à Convenção de Varsóvia.

Sobre essa questão, parte da doutrina acredita que a Convenção deveria

prevalecer sobre a norma interna, ou seja, sobre o CDC nesse caso. Todavia,

mesmo estando em jogo o posicionamento do Estado signatário de tratados

internacionais, suas normas não podem ser sobrepostas à Constituição de qualquer

país. Há, sim, o controle de constitucionalidade também em relação aos tratados,

pois estes devem submeter-se à ordem interna para poderem ser acolhidos no

ordenamento nacional.

Alvim e Jorge (2007, p.129) arrematam:

[...]

assim, o fato de a Convenção de Varsóvia não ter sido denunciada pelo Governo brasileiro (tal como previsto no art. 39 da Convenção) não quer significar que os limites de indenização nela previstos prevaleçam ainda hoje, pois que virtualmente incompatíveis com o regime do Código de

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Proteção e Defesa do Consumidor que, como visto, deita raízes na própria Carta de 1988 .

O argumento de que a Convenção, por ser lei especial e universal,

prevaleceria sobre o CDC não é real, pois este último também é uma lei especial, já

que toda e qualquer relação de consumo é regida por ele. Ademais, foi editada com

o propósito de defesa e proteção do consumidor, o qual não encontrava proteção e

nem defesa na Convenção de Varsóvia e nem no CBA, que, aliás, segue os

mesmos preceitos varsovianos.

Resulta claramente que, em conflito entre a Convenção de Varsóvia e o

Código de Defesa do Consumidor, prevalece este último, posto que

hierarquicamente superior (editado nos termos do art. 5º, inc. XXXII da CF), especial

(o CDC regula toda relação de consumo) e, como se não bastasse, posterior (foi

publicado em 11/09/1990 e entrou em vigor em 13/03/1991, enquanto que a

Convenção ingressou no ordenamento nacional em 24/11/1931), num contexto

socioeconômico totalmente adverso da realidade atual.

E este é o entendimento do Supremo Tribunal Federal:

INDENIZAÇÃO — DANO MORAL — EXTRAVIO DE MALA EM VIAGEM AÉREA — CONVENÇÃO DE VARSÓVIA — OBSERVAÇÃO MITIGADA — CONSTITUIÇÃO FEDERAL — SUPREMACIA."

"O fato de a Convenção de Varsóvia revelar, como regra, a indenização tarifada por danos materiais não exclui a relativa aos danos morais. Configurados esses pelo sentimento de desconforto, de constrangimento, aborrecimento e humilhação decorrentes do extravio de mala, cumpre observar a Carta Política da República — incisos V e X do artigo 5º, no que se sobrepõe a tratados e convenções ratificados pelo Brasil." (RE 172.720-9, Rio de Janeiro. Rel. Min. Marco Aurélio. 06.02.96).

O Tribunal de Justiça de São Paulo também já decidiu no mesmo sentido:

INDENIZAÇÃO — Responsabilidade civil — Transporte aéreo — Extravio da bagagem — Ressarcimento — Limitação prevista na Convenção de Varsóvia — Inaplicabilidade — Declaração do conteúdo e pagamento de tarifa compatível — Orientação inexistente no bilhete de passagem — Verba devida — Fixação por arbitramento — Recurso provido."(Apelação Cível n. 43.874-4, São Paulo. Relator: Des. Laerte Nordi. 12-8-97.)

Para finalização, os ensinamentos de Alvim e Jorge (2007, p.129):

Há, é claro, que se analisar se, no caso concreto, se está em face de relação albergada pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Tal poderá perfeitamente suceder se estiver em face de uma relação de consumo, pura e simples, como é o caso do consumidor que sofre danos

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em sua bagagem. Nesse caso, a responsabilização do fornecedor transportador aéreo não se limita ao teto do art. 260 da Lei 7505/86 [sic], supramencionada.

Como deverá se auferir a responsabilidade civil do transportador aéreo

quando do extravio das bagagens, malas, documentos de seu transportado? Qual o

tipo de responsabilidade a que está sujeito o transportador? É aplicável o Código de

Defesa do Consumidor?

Ressalta-se que pouca importância prática tem o fato de o transporte ter se dado no âmbito internacional ou nacional, pois o direito aplicado (Convenção de Varsóvia) foi quase que totalmente absorvido pelo Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA). Tal pergunta, pois, merece o estudo das quatro áreas do direito: o Direito Internacional, o Direito Civil, o Direito do Consumidor e o Direito Constitucional.

Quanto ao Direito Civil, deve-se perquirir acerca da espécie de

responsabilidade a que está sujeito o transportador (subjetiva, objetiva ou objetiva

agravada), bem como sobre os direitos do transportado.

No Direito do Consumidor, atenta-se para a relação consumidor/fornecedor e

para a amplitude da responsabilidade deste último.

No Direito Internacional e Constitucional, deve-se procurar a verdade sobre a

validade da Convenção, sua recepção pelo ordenamento nacional, atentando

também para a constitucionalidade de suas normas.

É necessário, num primeiro momento, verificar qual a legislação a ser

aplicada ao caso, já que se está diante de um possível conflito entre normas

internacionais e de direito interno.

Primeiramente, cabe ressaltar que há dois tipos de voo aéreo: o doméstico e

o internacional.

De acordo com o art. 215 do CBA, considera-se doméstico [...] todo transporte

em que os pontos de partida, intermediários e de destino estejam situados em

território nacional. Os voos domésticos acham-se regulados, em sua quase

totalidade, pela Lei n. 7.565/86 (CBA).

O transporte internacional é aquele em que o ponto de embarque e o de

destino estão situados em países diferentes. Os voos internacionais foram regulados

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pela Convenção de Varsóvia, parcialmente alterada pelo Protocolo de Haia,

introduzido no ordenamento brasileiro pelo Decreto 56.463/65.

Neste estudo, é abordada a questão segundo a Convenção de Varsóvia, o

que não impede uma leitura em vista do CBA. Na realidade este código trás em seu

teor interno a transcrição dos dispositivos previstos na Convenção de Varsóvia com

poucas adaptações à realidade brasileira.

3.8 O Conflito entre a Convenção e o Código de Defesa do Consumidor

Entre as regras definidas na Convenção de Varsóvia, destaca-se, no presente

estudo, a que limita o quantum indenizatório em caso de dano. Como ensinam Alvim

e Jorge (2007, p.129):

O art. 22 da Convenção de Varsóvia, parcialmente alterado pelo Protocolo de Haia (Decreto 58.463/65), estabelece o limite de 250 mil francos poincaré para indenização no caso de transporte de pessoas (n. 1 do art. 22), limitando o n. 2 a responsabilidade em caso de dano à bagagem registrada ou mercadoria.

Ocorre que em 11 de setembro de 1990 foi publicado o CDC (DOU 12/09/90).

Tal código, no artigo 6º, inc. VI assegura: a efetiva prevenção e reparação de danos

patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.

De acordo com Alvim e Jorge (2007, p.122), a possibilidade de reparação do

dano moral veio a ser constitucionalmente garantida com a atual Constituição, em

seu art. 5º, incs. V e X. Estabelece-se aí o conflito das normas. Enquanto a

Convenção limita a responsabilidade do transportador em aproximadamente

U$400,00, a CF e o Código do Consumidor garantem a efetiva reparação de danos

patrimoniais e morais, sem estabelecer valores, o que fica a cargo do magistrado

responsável pelo julgamento.

O Código ainda estabelece, no artigo 51, que:

São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor, pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;

[...]

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No mesmo sentido, ensina o Amaral Junior (1998, p.554):

São nulas, nos contratos de transporte de carga, as cláusulas limitativas de responsabilidade do transportador referentes à perda ou avaria da coisa transportada. O mesmo raciocínio aplica-se ao transporte de pessoas em que certa cláusula estabeleça a quantia a ser paga desde que sobrevenha o dano.

Observa-se nitidamente a antinomia diante desse assunto. Enquanto a

Convenção limita o quantum indenizatório, o CDC deixa livre o pedido de reparação

de dano e proíbe expressamente as cláusulas que atenuem a responsabilidade do

fornecedor de serviços, mas antes é preciso discernir qual das normas devem ser

utilizadas.

Sobre esse assunto ensina Benjamin (2007,v.26, p.39):

[...] Convivem de maneira harmoniosa, permanecendo aqueles dois primeiros documentos plenamente em vigor, exceto em relação a alguns de seus dispositivos, onde o conflito é evidente. Isso quer dizer que o Código de Defesa do Consumidor não revogou a integralidade da Convenção e do Código Brasileiro de Aeronáutica, a não ser onde é patente a antinomia.

Só haverá conflito entre as normas, no tocante à responsabilidade civil do

transportador, quando se estiver diante de uma relação jurídica de consumo. E o

CDC diz ser consumidor toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto

ou serviço como destinatário final (art. 2º).

Alvim e Jorge (2007, p.122) esclarecem:

No que diz respeito aos contratos de transporte em geral, inexistem maiores dificuldades em se concluir pela aplicabilidade do Código de Proteção e Defesa do Consumidor aos mesmos. [...] Antônio Herman Vasconcelos e Benjamim observa, aliás, que esse tipo de contrato, dentre outros, tem ‘maior potencial para causar acidentes de consumo.

Portanto, o passageiro que tem sua bagagem extraviada é considerado

consumidor, pois se encaixa na definição do Código de Defesa do Consumidor,

configurando-se, entre o passageiro e a companhia aérea, a relação consumidor-

fornecedor-produto ou serviço. Está, portanto, formado o conflito, sobrevindo a

dúvida: prevalece a norma de direito internacional que fixa um limite ou o CDC que

consagra a indenização integral, proibindo a cláusula limitadora de

responsabilidade?

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3.9 A Responsabilidade Civil no Código de Defesa do Consumidor

Posto o problema da antinomia das normas, parte-se agora para a

responsabilidade civil no âmbito do Código de Defesa do Consumidor.

Citando mais uma vez os mestres Alvim e Jorge (2007, p.135):

O Código de Proteção e Defesa do Consumidor regulamenta a responsabilidade por serviços fundamentalmente em dois dispositivos: no art. 14, trata da responsabilidade civil pelo fato do serviço; no art. 20, trata da responsabilidade civil pelo vício do serviço.

[...] É mister, pois, que tenha havido evento danoso, decorrente de defeito no serviço prestado, para que se possa falar em responsabilização nos moldes do art. 14. Ou, então, que o evento danoso tenha decorrido de informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos, o que se pode chamar de defeito de informação.

O artigo 14, que diz responder o fornecedor pelo evento danoso,

independentemente de culpa, consagra a sua modalidade objetiva. Já o §3º

comporta as causas de exclusão, in verbis:

Art. 14

[...]

§3º. O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I — que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II — a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Assim, se provado o defeito do serviço (extravio da bagagem), o transportador

somente deixará de ser responsabilizado quando a responsabilidade advier de fato

de outrem ou fato próprio do consumidor.

Colhe-se da jurisprudência:

Responsabilidade Civil. Transporte aéreo e extravio de bagagem. Indícios de extravio em terra, além de não estar relacionado com acidente. Responde a transportadora pela indenização integral regulada no Código Civil, afastando a indenização tarifada da Lei 7.565/86, prevista para acidente aéreo. Interpretação que também se harmoniza com o Direito do Consumidor. Ação procedente. Decisão mantida. (Ap. Cív. 548.098-4, rel. Márcio Franklin Nogueira, j. 26.05.93, in JTA-LEX 142/144).

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Haja vista que a lei aplicável ao caso é o Código de Defesa do Consumidor,

da espécie de responsabilidade civil do transportador, qual seja, a responsabilidade

objetiva (CAVALCANTI, 2002).

Do conceito apresentado anteriormente inferem-se três requisitos básicos

para que se configure a responsabilidade objetiva: o fato, o dano e o nexo causal.

3.10 Inversão do Ônus da Prova

A prática ensina que, na maioria das empresas de aviação, não são exigidas

declarações minuciosas do conteúdo da bagagem. O transportado não teria, pois,

como provar o conteúdo das malas, posto que seria considerado documento

unilateral (o próprio consumidor, após a constatação do extravio, faz uma lista do

que foi perdido). Mas de nada valem estes argumentos, pois no CDC o ônus da

prova é invertido, devendo o transportador comprovar que a mala extraviada não

continha tais objetos10.

Nesta situação nem mesmo é necessário o pedido de inversão do onus

probandi, pois, em sede de direito do consumidor, pode-se operar de ofício, ou seja,

sem requerimento das partes. É que o CDC elevou suas normas à condição de

normas de ordem pública e de interesse social (art. 1º), e as normas de ordem

pública, segundo Carlos César Hoffman, com base em Nery Jr. (1998, p. 83-84),

são:

[...]

aquelas que devem ser apreciadas e aplicadas de ofício, e em relação às quais não se opera a preclusão, podendo, as questões que delas surgem, serem decididas e revistas a qualquer tempo e grau de jurisdição.

A Jurisprudência é vasta:

RESPONSABILIDADE DO PRESTADOR DE SERVIÇOS. Ônus da prova segundo o Código de Defesa do Consumidor. Suficiência da verossimilhança do alegado para transferir ao prestador de serviços o encargo probatório (Lei 8.078/90, arts. 6º, VIII, e 14, parág. 3º). Sentença

10

SARMENTO, Eduardo Sócrates Castanheira Questões Polêmicas e Atuais: Contrato de Transporte Aéreo de Passageiros. Revista Brasileira de Direito Aeroespacial, Rio de Janeiro. Disponível em: <http://www.sbda.org.br>. Acesso em: 20.fevereiro.2015

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Confirmada". (TJRS — Ap. Cív. 593133416-6 6ªC. — Rel. Des. Adroaldo Furtado Fabrício — RJTJRS 163/393).

"PROVA — Ônus — Inversão — Critério do Juiz, quando reputar verossímil a alegação deduzida — Artigo 6º, inciso VIII, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, com o flagrante intuito de facilitar o ajuizamento da ação, reserva ao Juiz o poder de dispensar o autor do encargo de provar o fato constitutivo de seu direito, quando, a critério exclusivo do Magistrado, reputar verossímil a alegação deduzida" (TJSP — 7ªC. — Ap. Cív. 198.391-1- Rel. Des. Leite Cintra — JTJ/LEX 152/128).

Diante do exposto, percebe-se nitidamente um avanço nas relações

contratuais e consumeristas relacionadas ao transporte aéreo em geral. Inicialmente

verificou-se um grande protecionismo ao transporte aéreo em virtude de ser uma

atividade de alto risco à época, porém com a evolução tecnológica a atividade foi

naturalmente se tornando uma das mais seguras existentes.

Para acompanhar esta evolução faz-se necessário também um

desenvolvimento das normas que regem e regulam a atividade, o que pode gerar

certo transtorno e aversão à mudança dos operadores do transporte aéreo.

No próximo capítulo serão correlacionados os dispositivos legais

apresentados neste, com a devida aplicação no âmbito interno do COMAER -

Comando da Aeronáutica, no que se tange ao transporte de passageiros em suas

aeronaves, por intermédio do CAN - Correio Aéreo Nacional.

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CAPÍTULO IV - A RESPONSABILIDADE CIVIL DO COMANDO DA

AERONÁUTICA NO TRANSPORTE DE PASSAGEIROS

Para entender a responsabilidade civil do COMAER no transporte de

passageiros em suas aeronaves, deve-se antes compreender como é realizada a

aplicação desta sobre o Estado e o transporte aéreo, civil e militar.

4.1 A Responsabilidade Civil do Estado por meio do Comando da Aeronáutica

O COMAER é subordinado ao Ministério da Defesa e não dispõe de

personalidade jurídica própria, o que leva à conclusão de que a União é diretamente

responsável por sua atuação.

A título de esclarecimento, evoca-se a assertiva de Fiúza (2003, p. 126), que

determina que as pessoas jurídicas possuem algumas características

particularmente importantes:

a) personalidade própria, que não se confunde com a de seus criadores.

Como exemplo: tem-se que as dívidas e créditos do Banco do Brasil são suas

e não de seus acionistas. Se credor do Banco quiser receber seu crédito,

deverá acionar na Justiça o Banco, e não seus acionistas;

b) patrimônio próprio, que tampouco se confunde com o patrimônio de seus

criadores. Assim, o patrimônio do Banco do Brasil não pertence a seus

acionistas, mas sim à pessoa jurídica "Banco do Brasil S.A.";

c) vida própria, que independe da vida de seus criadores, ou seja, se os

acionistas do Banco do Brasil morrerem, o Banco continua a existir;

d) pode exercer todos os atos que não sejam privativos das pessoas naturais,

seja por natureza ou por força de lei. As pessoas jurídicas não podem se

casar, visto que, por sua própria natureza, este é ato privativo das pessoas

naturais; e

e) podem ser sujeitos ativo ou passivo de delitos. Logicamente, serão sujeitos

ativos somente dos delitos compatíveis com a personalidade jurídica, como

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sonegação fiscal, por exemplo. As penas também serão compatíveis, tais

como a de multa ou mesmo extinção. Evidentemente, as privativas de

liberdade não o são.

No caso do COMAER, cada aeronave militar é operada por um militar,

portanto, agente público federal, o que leva à observação que se trata de

responsabilidade objetiva da União, quando ocorrem acidentes, por exemplo,

devendo esta evocar causas de exclusão de responsabilidade para que possa se

eximir, consoante já anotado no presente estudo.

Evoca-se, assim, inicialmente, a questão da responsabilidade do servidor e a

responsabilidade pública. A responsabilidade do agente público representa a forma

pela qual se moraliza a atividade pública, em cumprimento aos princípios que regem

a Administração Pública, ajudando a impor limites às condutas arbitrárias e faltosas

por parte deste.

Os servidores públicos, no desempenho de suas funções, podem cometer

infrações de três ordens: administrativa, civil e criminal. Podem ser

responsabilizados por essas infrações no âmbito interno da Administração e também

diante da Justiça comum, conforme o caso. As penas são independentes entre si.

Meirelles (2003, p. 415) observa que “a responsabilidade administrativa

resulta da violação de normas internas da Administração por servidor que se sujeita

ao estatuto próprio ou legislações complementares; a responsabilidade civil é a

obrigação imposta ao servidor de reparar o dano causado à Administração por culpa

ou dolo no desempenho de suas funções; já a responsabilidade criminal resulta da

prática dos chamados crimes funcionais, estabelecidos no Código Penal e em leis

especiais”.

A responsabilidade estatal por ato realizado pela Administração ou por

qualquer pessoa em seu nome, nos moldes do artigo 37, § 6º, da CF, tem natureza

objetiva, o que assegura o direito de regresso contra o agente público que cause o

dano. (FIGUEIREDO, 2000, p. 180).

Figueiredo (2000, p. 330) afirma também que:

[...]

as razões para a conclusão da teoria objetiva na previsão constitucional estão no próprio texto do dispositivo, que apenas se refere à culpa ou dolo no caso da ação regressiva contra o agente causador do prejuízo; nesse

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caso, o servidor responde subjetivamente pelo dano, ou seja, apenas em face da comprovação de culpa ou dolo existentes na conduta.

A responsabilidade do agente público nasce no ato ilícito, e a reparação dos

danos provenientes da falta cometida tem natureza sancionatória, quando este deixa

de observar os preceitos que são inerentes às suas funções.

Como observa Rocha (1999, p. 383-384), é o princípio nullum responsabilitas

sine culpa, do mesmo modo que, na responsabilidade administrativa, é prevista a

perda do cargo, por exemplo, como forma de sanção.

É de se ressaltar, ainda, que a punições aplicáveis aos agentes públicos, no

âmbito da Administração, devem resultar de processo administrativo disciplinar no

qual se observe a garantia de ampla defesa e contraditório, nos moldes das

garantias fundamentais que foram consagradas na CF, artigo 5º, LIV e LV.

De acordo com Venosa (2005, p. 278), a teoria da responsabilidade objetiva

da Administração (responsabilidade sem culpa) é dividida em subtipos: culpa, risco e

risco integral. Para o autor a culpa administrativa constitui-se no primeiro estágio de

transição dos princípios de direito civil ao administrativo, considerando a ausência de

serviço e, a partir dessa falta, infere a responsabilidade civil administrativa. É

necessária a culpa da administração, porém, de acordo com a teoria do risco, nasce

o dever de indenização dos danos causados pelo ato prejudicial e censurável que foi

causado. É desnecessária a falta do serviço ou que o agente tenha agido com culpa.

Na seara administrativa, é necessária a falta do serviço e, no risco, apenas o

simples fato deste. Demonstrado que houve culpa por parte do lesado exime a

Administração e quando ambos concorrem com culpa, admite-se que seja a

indenização menor ou na proporção da culpabilidade. No caso do risco integral, seja

qual for o nexo causal, há a responsabilidade administrativa, representando forma

extrema, inaceitável, não recebida nas legislações existentes, de vez é causa de

desvio e abuso.

O texto constitucional inclui na responsabilidade estatal ações de agentes

delegados, representados por instituições paraestatais e/ou que detenham

concessão ou permissão para realizar serviço público, em qualquer circunstância.

Da mesma forma, o art. 43 do CC determina que a pessoa jurídica de

direito público interno é passível de responsabilidade civil pela ação de funcionários

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que, no exercício de suas funções, venham a causar algum dano a outros, com

direito de regressar contra eles, no caso de culpa ou dolo. Assim, não mais se cogita

de omissão da Administração Pública, mas fica claro que a responsabilidade objetiva

do Estado pode estender-se também às omissões, o que, segundo Venosa (2005, p.

279), inviabilizaria, na prática, a Administração.

O poder administrativo para o desempenho de suas atribuições é

prerrogativa do agente público, utilizado como atributo de cargo ou função, e não

como privilégio de pessoa que o exerce.

Segundo o que afirma Meirelles (2003, p.104), essa prerrogativa atribui

autoridade ao servidor, ao receber da legislação para decidir, e respaldo para a

imposição do que decide a terceiros, quando observa que o uso da autoridade só é

lícito quando vise a obstar a que um indivíduo prejudique alheios, ou “obstar que

alguém se exima de seu dever de cooperação para manter a sociedade”. Isto porque

os Estados de Direito e Democráticos como o nosso não reconhecem privilégios

pessoais; só admitem prerrogativas funcionais.

A autoridade, o servidor, portanto, deve afastar seu interesse particular,

em detrimento do interesse público, condição em que o poder se converte e dever

de agir, imposição que torna inadmissível a omissão do agente público diante de

situações que exigem sua atuação, estabelecendo que a administração responde

civilmente pelas omissões lesivas de seus agentes. (MEIRELLES, 2003, p. 105)

Esse poder encontra-se delimitado pelos deveres do agente para com a

comunidade e os indivíduos, exigindo-se que seja exercitado continuamente, e

obrigatoriamente, por meio dos atos de dever funcional.

Di Pietro (2002, p.64) também considera que a autoridade não pode renunciar

a exercer seus deveres legais; não se pode escusar de dar a devida punição quando

são praticados ilícitos; não deve deixar de policiar para que todos os direitos

individuais sejam exercidos, conforme o interesse no bem-estar de todos; não

poderá ignorar a hierarquia e suas consequências e cuidará de preservar o uso de

verbas públicas. Sempre que haja omissão em exercer esse poder, é o interesse

público que está sendo prejudicado.

Destarte, observa-se que os pilotos de aeronaves militares, por serem

servidores federais, são passíveis de responsabilidade civil, o que incumbe à União

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a responsabilidade objetiva quando ocorrer algum dano à terceiro em virtude da

utilização dessas aeronaves, bem como quando o servidor não cumprir com os

regulamentos a que se encontra sujeito, o que permite à União, nesse caso,

regressar contra este servidor, caso este tenha adotado conduta culposa. (BUENO,

2003, p. 54)

Não tem relevância, portanto, quanto à responsabilidade objetiva do

Estado, que o agente tenha descumprido as normas que deveria seguir. Importa

somente o nexo causal e o fato de ser ele servidor estatal que exerce sua função,

nos termos do já citado artigo 37, § 6º, do texto constitucional.

Cabe ainda ressaltar que o COMAER tem a obrigação de manter suas

aeronaves e equipamentos em condições de uso, os quais, ao apresentarem falhas

levando a acidentes evocam a responsabilidade da União, por haver se omitido em

cumprir com suas obrigações. Deve-se observar também que eventuais falhas

podem representar casos fortuitos, mesmo que não evocáveis em casos de

reincidência.

4.2 Atual Responsabilidade Civil no Transporte Aéreo

O Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA) regula o serviço de transporte

aéreo e dispõe de todas as repercussões civis que essa atividade provoca no que

tange à legislação, tanto para o serviço civil como para o militar.

No entanto, em 1988 surgiu a CF mais recente, que modificou a estrutura

fundamental do direito nacional, repeliu alguns dispositivos de leis em vigor e

obrigou a edificação de novas normas. Além disso, outros códigos de grande

envergadura foram recentemente incorporados ao direito pátrio, especialmente o

CDC, em 1990, e o novo CC, em 2002.

Conforme previsto pelo CBA, a restrita responsabilidade civil do transportador

aéreo militar é caracterizada pelo dever do passageiro em produzir provas:

Art. 267. Quando não houver contrato de transporte (artigos 222 a 245), a responsabilidade civil por danos ocorridos durante a execução dos serviços aéreos obedecerá ao seguinte:

[...]

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III - no transporte gratuito realizado pelo Correio Aéreo Nacional, não haverá indenização por danos à pessoa ou bagagem a bordo, salvo se houver comprovação de culpa ou dolo dos operadores da aeronave.

Num primeiro momento, pode parecer válido o dispositivo anterior; porém,

essa responsabilidade se encontra incompatível com o atual ordenamento jurídico e

merece uma atualização.

À época da publicação e entrada em vigor do CBA em 1986, o passageiro do

CAN ingressava em aeronaves do COMAER sob o título da cortesia. Assim, em

caso de acidente, os danos sofridos pelos passageiros somente seriam ressarcidos

em caso de culpa ou dolo do transportador, quando o próprio passageiro deveria

provar tais situações. Caso não conseguisse o intento, a indenização jamais

ocorreria.

Entretanto, a responsabilidade civil muito se modificou após o CBA.

Inicialmente, a Constituição Federal de 1988 impõe a responsabilidade objetiva do

Estado no desempenho de suas atividades administrativas, independente de culpa.

Com o advento do Código de Defesa do Consumidor em 1990, o prestador

de serviços públicos também passou a ser onerado com o dever de indenizar sem

necessidade de prova de culpa e com o CC de 2002, art. 927, parágrafo único,

atribuiu-se às atividades perigosas a mesma responsabilidade objetiva, in verbis:

Art. 927.

[...]

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

A isonomia é outro princípio constitucional trazido à realidade a partir da Carta

Magna de 1988, princípio que também produz fortes modificações no quadro da

responsabilidade civil no transporte aéreo, pois determina a igualdade entre o

passageiro gratuito da aviação comercial e o passageiro do CAN, equilíbrio esse não

existente, tendo em vista que o CBA outorga a responsabilidade objetiva ao

transportador no primeiro caso e a nega no segundo. É de extrema relevância

iluminar a legislação aeronáutica com a forte luz do atual ordenamento jurídico e

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com o brilho das mais novas jurisprudências dos Tribunais Superiores, para que o

COMAER possa avaliar com maior discernimento a responsabilidade que é atribuída

às suas atividades de transporte aéreo militar, especialmente as desempenhadas

pelo CAN.

Em seguida, são apresentadas algumas particularidades do transporte aéreo

civil para uma melhor compreensão e posterior comparação com o transporte aéreo

militar.

4.3 Responsabilidade Civil no Transporte Aéreo Civil

Conforme apresentado no art. 256 do CBA, a responsabilidade do

transportador aéreo para danos pessoais é objetiva, bem como a matéria de defesa

é restrita:

Art. 256. O transportador responde pelo dano decorrente:

I - de morte ou lesão de passageiro, causada por acidente ocorrido durante a execução do contrato de transporte aéreo, a bordo de aeronave ou no curso das operações de embarque e desembarque;

II - de atraso do transporte aéreo contratado.

§ 1° O transportador não será responsável:

a) no caso do item I, se a morte ou lesão resultar, exclusivamente, do estado de saúde do passageiro, ou se o acidente decorrer de sua culpa exclusiva;

b) no caso do item II, se ocorrer motivo de força maior ou comprovada determinação da autoridade aeronáutica, que será responsabilizada.

§ 2° A responsabilidade do transportador estende-se:

a) a seus tripulantes, diretores e empregados que viajarem na aeronave acidentada, sem prejuízo de eventual indenização por acidente de trabalho;

b) aos passageiros gratuitos, que viajarem por cortesia.

Diante da letra da lei, percebe-se a forte responsabilidade que é imputada ao

transportador aéreo. Nem mesmo caso fortuito ou de força maior são

disponibilizados ao transportador, para que se exonere do dever de indenizar, como

afirma a doutrina dominante. (CAVALIERI FILHO, 2005, p.253 e VENOSA, 2005,

p.27).

Em similaridade à Convenção de Varsóvia, o ônus da prova fica a cargo do

transportador, para que o ele possa elidir a sua responsabilidade civil.

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Outra característica especial que surge no CBA, em seu artigo 256, § 2°,

como agravamento da responsabilidade civil do transportador aéreo, é a não

exclusão de responsabilidade objetiva para danos a passageiros gratuitos, que

viajem por cortesia ou até mesmo a serviço da empresa.

A maior celeuma refere-se à tarifação dos valores das indenizações devidas

pelo transportador aéreo. Pelos arts. 257, 260 e 262 do CBA, a responsabilidade do

transportador é limitada a valores pré-fixados, a seguir:

Art. 257. A responsabilidade do transportador, em relação a cada passageiro e tripulante, limita-se, no caso de morte ou lesão, ao valor correspondente, na data do pagamento, a 3.500 (três mil e quinhentas) Obrigações do Tesouro Nacional - OTN, e, no caso de atraso do transporte, a 150 (cento e cinquenta) Obrigações do Tesouro Nacional - OTN.

§ 1° Poderá ser fixado limite maior mediante pacto acessório entre o transportador e o passageiro.

§ 2° Na indenização que for fixada em forma de renda, o capital para sua constituição não poderá exceder o maior valor previsto neste artigo.

[...]

Art. 260. A responsabilidade do transportador por dano, conseqüente da destruição, perda ou avaria da bagagem despachada ou conservada em mãos do passageiro, ocorrida durante a execução do contrato de transporte aéreo, limita-se ao valor correspondente a 150 (cento e cinquenta) Obrigações do Tesouro Nacional (OTN), por ocasião do pagamento, em relação a cada passageiro. [...]

Art. 262. No caso de atraso, perda, destruição ou avaria de carga, ocorrida durante a execução do contrato do transporte aéreo, a responsabilidade do transportador limita-se ao valor correspondente a 3 (três) Obrigações do Tesouro Nacional (OTN) por quilo, salvo declaração especial de valor feita pelo expedidor e mediante o pagamento de taxa suplementar, se for o caso (arts. 239, 241 e 244).

Essas restrições vão de encontro ao princípio básico da responsabilidade por

ato ilícito (art. 186 e 927 do CC/2002):

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. [...]

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.(Código Civil/2002)

E também fere o CDC em seu art. 25:

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Art. 25. É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas Seções anteriores.

§ 1º Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas Seções anteriores.

Na mesma linha de raciocínio está o transporte aéreo militar, que é dotado de

características especiais, como serviço público direto e gratuidade aparente, mas

que não o torna isento às modificações atuais do ordenamento jurídico nacional,

como se observa no detalhamento a seguir.

4.4 Responsabilidade Civil no Transporte Aéreo Militar

O transporte aéreo militar é um serviço de transporte aéreo realizado em

aeronaves militares, que pode ser de carga ou passageiro. Esta forma de transporte

também é serviço público, pois a CF, em seu art. 21, inc. XII, letra “c”, não faz

qualquer distinção quanto às formas possíveis de prestação do serviço público de

transporte aéreo.

O CAN é uma forma de serviço público de transporte aéreo, estabelecido no

art. 21, inc. X, CF, de competência exclusiva da União, que tem o dever de mantê-lo

operando-o em favor da sociedade, in verbis:

Art. 21. Compete à União:

[...]

X - manter o serviço postal e o Correio Aéreo Nacional;

[...]

XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:

[...]

c) a navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária;

Ao COMAER foi imputado o dever legal de operar o Serviço do CAN, através

da Lei Complementar n° 97 (art. 18, inciso V), norma editada com a finalidade de

regulamentar o emprego e o preparo das Forças Armadas, in verbis:

Art. 18. Cabe à Aeronáutica, como atribuições subsidiárias particulares:

I - orientar, coordenar e controlar as atividades de Aviação Civil;

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II - prover a segurança da navegação aérea;

III - contribuir para a formulação e condução da Política Aeroespacial Nacional;

IV - estabelecer, equipar e operar, diretamente ou mediante concessão, a infra-estrutura aeroespacial, aeronáutica e aeroportuária;

V - operar o Correio Aéreo Nacional.

Parágrafo único. Pela especificidade dessas atribuições, é da competência do Comandante da Aeronáutica o trato dos assuntos dispostos neste artigo, ficando designado como Autoridade Aeronáutica Militar, para esse fim. (Redação dada pela Lei Complementar nº 136, de 2010).

Por sua vez, o CBA trata da responsabilidade civil do transporte aéreo militar

como verdadeiro hiato na atual legislação civilista, pois considera esta forma de

transporte como gratuita, bem como imputa a responsabilidade subjetiva e a

limitação do quantum indenizatório ao transportador.

O CBA assim estipula a responsabilidade do transportador aéreo militar:

Art. 267 Quando não houver contrato de transporte (arts. 222 a 245), a responsabilidade civil por danos ocorridos durante a execução dos serviços aéreos obedecerá ao seguinte:

[...]

III – no transporte gratuito realizado pelo Correio Aéreo Nacional, não haverá indenização por danos a pessoa ou bagagem a bordo, salvo se houver comprovação de culpa ou dolo dos operadores da aeronave.

[...]

§1° No caso do item III deste artigo, ocorrendo a comprovação de culpa, a indenização sujeita-se aos limites previstos no Capítulo anterior, e no caso de ser comprovado o dolo, não prevalecem os limites deste Código.

No que se refere à definição de gratuidade para o transporte em geral,

erguido pelo CC de 2002, em seu art. 736:

Art. 736. Não se subordina às normas do contrato de transporte o feito gratuitamente, por amizade ou cortesia.

Parágrafo único. Não se considera gratuito o transporte quando, embora feito sem remuneração, o transportador auferir vantagens indiretas.

Muito se tem escrito sobre o transporte gratuito, benévolo ou de cortesia,

sendo também controversas as posições tanto na doutrina, como na jurisprudência.

Para alguns autores, a responsabilidade do transportador gratuito é contratual; para

outros, trata-se de responsabilidade delitual. O exame da questão parte

necessariamente da distinção que se deve fazer entre transporte puramente gratuito

e transporte aparentemente gratuito.

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Puramente gratuito é o transporte que é feito no exclusivo interesse do

transportador, por mera cortesia do transportador, como no caso de alguém que dá

carona para um amigo, socorre uma pessoa que está ferida na estrada ou sem meio

de condução.

Para dirimir dúvidas, consolidou-se a jurisprudência do STJ, sintetizada na

Súmula 145:

No transporte desinteressado, de simples cortesia, o transportador só será civilmente responsável por danos causados ao transportado quando incorrer em dolo ou culpa grave.

Há transporte aparentemente gratuito quando o transportador tem algum

interesse patrimonial no transporte, ainda que indireto, como ocorre, por exemplo, no

transporte que o patrão oferece aos empregados para levá-los ao trabalho, do

corretor que leva o cliente para ver o imóvel que está à venda, dentre outros.

No transporte aparentemente gratuito em nada se modifica a

responsabilidade do transportador. É objetiva, somente elidida por fato

exclusivamente da vítima, pelo caso fortuito externo e por fato exclusivo de terceiro.

Nesta situação, o transporte aéreo militar muito se distancia da gratuidade

pura, pois não são encontrados os dois caracteres que definem essa qualidade:

cortesia e amizade.

O usuário do CAN, ao ser transportado por uma aeronave militar, não é por

simples cortesia, pois o serviço do CAN decorre de um mandamento constitucional e

de previsão legal, que atribui à União o dever de manter e operar o CAN por

intermédio do COMAER, conforme demonstrado anteriormente.

Diferente é a situação de um cidadão que utiliza seu próprio veículo, por mera

cortesia, para fornecer carona a um amigo ou realizar um socorro por ato de

humanidade. Nessa situação, realiza um ato de gratuidade, pois pode o proprietário

do carro, patrocinador dos próprios custos de operação, dispor de seus bens em

favor de outrem, por puro desprendimento. Assim surge a cristalina gratuidade.

Não é o que ocorre com as aeronaves militares, de propriedade da União,

custeadas pelos créditos públicos e que têm a finalidade de prestar um serviço

constitucional: o transporte de passageiros e cargas pelo CAN.

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Cabe também ao COMAER, atingir em sua plenitude o cumprimento de um

dos objetivos nacionais permanentes, que é a manutenção da integração nacional, a

qual faz parte de sua missão institucional, conforme previsão legal editada por meio

do item 4.8.1 da DCA 11-1 Missão da Aeronáutica de 2007, in verbis:

A Aeronáutica realiza missões de Integração Nacional, que são missões aéreas destinadas a atender localidades ou regiões menos desenvolvidas, de difícil acesso e desprovida de outros meios de transporte, em território nacional, com a finalidade de possibilitar o apoio logístico, o transporte aéreo de pessoal e o desempenho de atividades de interesse da integração e soberania nacionais. (DCA 11-1 Missão da Aeronáutica)

Além dessa disposição, o agente da administração não pode dispor do que é

do Estado, assim, não há possibilidade de haver desprendimento material, sob pena

de responsabilidade por improbidade administrativa.

A amizade também não é a origem do transporte aéreo militar, pois essa é

uma forma de benevolência entre particulares, pessoas físicas, que se relacionam

socialmente, através de relações afetivas, caracteres impertinentes numa relação

Estado-cidadão.

Desse modo, a gratuidade do transporte aéreo militar é aparente, por analogia

às atuais definições doutrinárias (CAVALIERI FILHO, 2005, p. 253 e VENOSA,

2005, p.27), quando não incide a responsabilidade civil subjetiva, atribuída ao

transporte gratuito, mas sim a responsabilidade objetiva do transporte oneroso, pois

o COMAER está apenas cumprindo suas atribuições delegadas pela Carta Magna

desta Nação, o que se trata de uma obrigação legal.

4.5 Responsabilidade Civil no Transporte Aéreo Militar pelo Código Brasileiro

de Aeronáutica

Pelo art. 267 do CBA, há dupla possibilidade de ocorrer a responsabilidade do

transportador do CAN: quando a vítima provar apenas culpa, obtem a indenização

tarifada; ou quando provar dolo, a indenização integral.

Desse modo, o CBA retira o passageiro do CAN das regras da

responsabilidade objetiva aeronáutica, previstas no art. 256. Esse passageiro será

regulado pelas regras gerais do CC, ou seja, a responsabilidade civil subjetiva.

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Porém, a lei aeronáutica estipula a limitação do valor indenizatório também para o

transporte do CAN, situação esta incompatível com a responsabilidade subjetiva

geral, em que a indenização se mede exclusivamente pela extensão do dano, de

acordo com o art. 944 do CC:

Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.

Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização.

Quanto ao ônus da prova, os legisladores da responsabilidade civil nos

transportes sempre evitaram que essa obrigação processual fosse atribuída ao

passageiro, tal disposição é observada desde a primeira lei que tratou sobre o

assunto (Lei das Estradas de Ferro, de 1912).

Seguindo a mesma linha doutrinária, as regras do transporte aéreo eximiram

o passageiro desse ônus processual, em virtude do alto custo das perícias

aeronáuticas e estendeu esse benefício ao passageiro gratuito (art. 256, §2°, “b” do

CBA); porém, não o fez em relação ao passageiro do transporte aéreo militar (art.

267, §1° do CBA), que tem o dever de provar a culpa ou o dolo do transportador nas

questões de responsabilidade civil.

Desse modo, observa-se verdadeira desigualdade entre o estabelecido no

CBA para o transporte aéreo militar e para o transporte aéreo civil, bem como forte

incompatibilidade das regras aeronáuticas perante o atual ordenamento jurídico

nacional. Responsabilidade civil objetiva do transportador, limitação de valores

indenizatórios e ônus da prova formam a rede problemática que é analisada diante

das regras do Estado Democrático de Direito.

4.6 Atual Responsabilidade Civil no Transporte Aéreo Militar

Pelo que foi visto até então, o CDC derrogou os dispositivos que estabelecem

responsabilidade limitada para os órgãos públicos e para as empresas de transporte

aéreo. Como prestadores de serviços públicos, estão submetidos ao regime daquele

Código (art. 3º, § 2º e 6º, X), que estabelece responsabilidade objetiva integral,

conforme se vê do seu art. 22 e parágrafo único, in verbis:

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Art. 3° [...]

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

[...]

Art. 6° [...]

X - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.

[...]

Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados na forma prevista neste Código.

Ora, sendo o transporte aéreo um serviço público realizado ou concedido pela

União (art. 21, inc. XII, letra ‘c’ da CF), não podem os exploradores ficar de fora do

regime de indenização integral estatuído no CDC (art. 6º, I e IV, e art. 25), conforme

segue:

Art. 21. Compete à União:

[...]

XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:

[...]

c) a navegação aérea, aeroespacial e a infraestrutura aeroportuária;

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;

[...]

IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;

[...]

Art. 25. É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores.

A responsabilidade limitada somente é admitida, em situações justificáveis,

nas relações de consumo entre o fornecedor e consumidor, pessoa jurídica,

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conforme o art. 51, I, parte final, jamais entre o fornecedor e consumidor, pessoa

física.

Não vale argumentar que o CDC, por ser lei posterior, não derrogou o CBA,

de natureza especial e anterior – lex posterior generalis non derrogat priori speciali -,

porque essa regra, além de não ser absoluta, não tem aplicação no caso em exame.

E assim é porque o Código do Consumidor, em observância a preceito constitucional

(CF, art. 5º, XXXII), veio para implantar uma Política Nacional de Relações de

Consumo, vale dizer, estabeleceu uma ordem jurídica uniforme e geral destinada a

tutelar os interesses patrimoniais e morais de todos os consumidores, bem como o

respeito à sua dignidade, saúde e segurança (art. 4º do CDC). Ao assim fazer,

disciplinou não só aquilo que ainda não estava disciplinado como, ainda, alterou a

disciplina que já existia em leis especiais, concentrou em um único diploma a

disciplina legal de todas as relações contratuais e extracontratuais do mercado de

consumo brasileiro. E se nessa nova ordem jurídica, nessa consolidação de

princípios a respeito do consumidor, não foram excepcionados privilégios previstos

em leis anteriores, não mais condizentes com a atual realidade social, é forçoso

concluir que o objetivo da nova lei foi, justamente, eliminá-los.

Neste caso, é impertinente a regra lex posterior generalis non derrogat priori

speciali, porque, trata-se de relações de consumo, e o Código do Consumidor é lei

própria, específica e exclusiva, que estabelece a Política Nacional de Relações de

Consumo e consolida em um só diploma legal todos os princípios pertinentes à

matéria, em razão da competência que lhe foi atribuída pela própria Constituição. E,

na matéria de sua competência específica, nenhuma lei pode a ele (Código) se

sobrepor ou subsistir; pode apenas coexistir naquilo que com ele não for

incompatível.

Partindo do entendimento de que o CAN é um serviço público, cumprido por

determinação constitucional e custeado por tributos nacionais, pode-se afirmar que a

sua responsabilidade deve ser levada ao campo da objetividade, em obediência a

três normas jurídicas: a CF (art. 37, § 6°), que estabelece a responsabilidade

objetiva do Estado perante terceiros; o atual CC (art. 927, § único), que vincula a

responsabilidade objetiva ao exercício de atividade de risco; e o CDC (art. 6°, inciso

X e art. 22), que impõe a responsabilidade objetiva ao prestador de serviço público.

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101

A Lei Maior da Nação impõe a responsabilidade objetiva para os prestadores

de serviços públicos, quer seja o próprio Estado ou seus concessionários. Decorre

tal responsabilidade da Teoria do Risco Administrativo, que delega a toda a

sociedade, principal beneficiária desses serviços, o ônus do risco da atividade da

administração pública, protegendo o simples cidadão da ação estatal.

Art 37.

[...]

§ 6° As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. (CF, 1988)

Segundo a mais atual jurisprudência do STF, o “terceiro”, no dispositivo

constitucional acima, é o usuário do serviço público (RE 262.651-SP, rel. Ministro

Carlos Velloso, vencidos os Ministros Celso Melo e Joaquim Barbosa).

Assim, por ser o transporte aéreo militar modalidade de serviço público,

abarca a teoria do risco administrativo e imputa àquele que explora essa atividade

seus ônus, em contrapartida aos bônus auferidos nessa exploração, como salienta a

doutrina: é a forma democrática de repartir os ônus e encargos sociais por todos

aqueles que são beneficiados pela atividade da Administração Pública. (CAVALIERI

FILHO, 2005, p. 253).

Já o CC, em seu art. 927, parágrafo único, estabelece que os danos

decorrentes de atividades de risco deverão ser indenizados, independentemente de

culpa. Essa regra geral deve ser acatada pela responsabilidade civil do

transportador e, em especial, pelo transporte aéreo, modalidades dotadas de risco.

O CBA é moldado com o perfil de responsabilidade objetiva para o

transportador aéreo em geral, o que não ocorre para o transporte do CAN, em

virtude de o código aeronáutico partir do princípio que ele é gratuito, embora,

contraditoriamente, o próprio CBA contemple o passageiro gratuito da aviação civil

com a proteção da responsabilidade objetiva do transportador.

O Estado é fornecedor de vários serviços, alguns desses sem remuneração

direta, chamados de serviços públicos próprios, como o serviço de saúde pública,

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102

porém, em todas as formas de prestação, o Poder Público é equiparado a

fornecedor de serviços ao consumidor, por força do artigo 22 do CDC.

O parágrafo único deste mesmo dispositivo do CDC traz a equiparação

expressa de fornecedor para o Estado e para as pessoas de direito privado com

delegação para prestar serviços públicos, quanto aos efeitos de responsabilidade

civil.

Há entendimentos doutrinários que os serviços públicos próprios não estão

abarcados pelo CDC, porém, outra corrente se opõe com o argumento de que o

codificador não faz tal distinção, ao contrário, elege como possível de incidência o

CDC aos serviços públicos em geral, de forma expressa no artigo 3°, caput, e no art.

6°, inciso X, in verbis:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados [...]

Art. 6° São direitos básicos do consumidor:

[...]

X – A adequada e eficaz prestação de serviços públicos em geral.

Com grande clareza, argumenta Khouri (2005, p. 57) que o CDC, como dito,

não distinguiu entre serviço público próprio e impróprio. Fazer esta distinção tão-

somente com base na remuneração específica não parece o mais correto. O que

busca o Código é que todos os serviços sejam prestados adequadamente, de forma

eficiente. A distinção entre serviço público próprio e impróprio está na contramão das

exigências de uma sociedade de massa, quando se sabe que o Estado,

infelizmente, é quem mais lesa os direitos de seus cidadãos na prestação de

serviços públicos.

O pagamento indireto, realizado pelo pagamento de tributos é capaz de

manter o elo da contraprestação que une o passageiro ao âmbito das regras

consumeristas, como assevera Nunes (2004, p. 114). Assim, quer o consumidor

pague ou não pelo serviço público, não é esse fato que vai afastar a incidência da

norma.

Na mesma linha, encontra-se Lazzarini (1999, apud KHOURI, 2005, p. 58)

que entende o Estado como fornecedor de serviços na caracterização do CDC,

qualquer que seja a modalidade de serviço: próprio ou impróprio.

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Assim, o paciente que é atendido em hospital público e adquire uma

deformidade, em razão do deficiente atendimento, tem direito de ação individual

consumerista contra o prestador de serviço público, no caso o Estado, que atua

diretamente.

Paralelamente, o serviço de transporte aéreo, fornecido diretamente pelo

Estado, por meio do CAN, passa a estabelecer uma relação jurídica Estado-usuário,

passível de disciplinamento pelas regras do CDC.

A responsabilidade do Estado, como fornecedor direto de serviços públicos,

pode ser regulada pelo CDC, da mesma forma que os tribunais têm entendido ser

pertinente a aplicação do CDC ao transporte aéreo civil, pois as diferenças entre

essas modalidades de serviço são muito tênues.

Observe-se que no transporte aéreo civil é uma pessoa jurídica privada que

opera o serviço público, ao passo que no transporte aéreo militar quem opera é o

próprio Estado; e, enquanto no transporte aéreo civil há uma contraprestação

pecuniária direta, no transporte aéreo militar, a contraprestação é proveniente do

dever tributário do usuário e dever de cumprimento de sua atribuição constitucional,

que é promover a integração nacional.

Assim, tanto o CDC quanto o CC e a própria CF impõem ao transportador

aéreo militar a responsabilidade objetiva, que somente poderá ser exonerada pelas

excludentes causais, já previstas no parágrafo 1° do artigo 256 do CBA.

O CBA estabelece a limitação do quantum indenizatório, para as indenizações

do transporte aéreo, no entanto, considera-se, atualmente, como derrogada tal

limitação, diante das novas regras do CDC, lei esta estabelecida em 1990. O

fundamento dessa derrogação é a Lei de Introdução ao CC, art. 2°, § 1°, que

estabelece a revogação tácita quando uma lei nova seja incompatível com lei antiga,

como já confirma a jurisprudência atual:

Os danos materiais, portanto, não sofrerão as limitações previstas naquela Convenção (de Varsóvia) e no Código Brasileiro de Aeronáutica, ante as novas disposições do Código de Defesa do Consumidor, por esse derrogados, sem necessidade de denúncia formal, em relação à referida Convenção, como visto acima, e por força do art. 2°, §1°, da Lei de Introdução ao Código Civil, quanto ao Código Brasileiro de Aeronáutica. (TJRJ, Ap. cível 968/97, 2ª C., Des. Luiz Odilon Gomes Bandeira)

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A inaplicabilidade da tarifação do quantum indenizatório advém das letras do

artigo 25 do CDC, que veda expressamente qualquer estipulação que atenue a

obrigação de indenizar prevista no código consumerista, conforme jurisprudência:

Transporte aéreo e extravio de mercadorias – A indenização pelo extravio de mercadorias no transporte aéreo já não é mais tarifada após o Código de Defesa do Consumidor – Agravo regimental não provido (STJ – GA 256502/SP 391040, 5-4- 2001, 3ª T. – Rel. Min. Ari Pargendler).

Não há qualquer dúvida da inaplicabilidade da tarifação de indenização ao

transporte aéreo militar, pelos mesmos princípios jurídicos que vedam a limitação de

valores das indenizações no transporte aéreo civil, visto que já foi demonstrada a

possibilidade jurídica da aplicação do CDC ao transporte aéreo militar no início deste

capítulo.

Ponto de interessante arguição é o do dano moral, que, à época da

codificação do CBA, não estava incorporado à legislação civil; porém, com o advento

da CF de 1988, o dano moral definitivamente ingressou no ordenamento jurídico

nacional.

Inicialmente, pela integração analógica, tentou-se empregar as mesmas

restrições existentes no dano material ao moral, no entanto, mostrou-se tal

integração ser impossível, em razão do princípio jurídico que veda a aplicação de

restrição de direitos a outro instituto jurídico sem devida previsão legal.

Desse modo, o dano moral, conquista constitucional da Carta Magna de 1988,

passou a ser imputado aos serviços de transportes, independente de qualquer

restrição valorativa, em razão da ausência de dispositivo legal que determine tal

limitação, sendo igualmente imputável ao transporte aéreo militar.

Com relação ao ônus da prova, a obrigação de produzi-la, em matéria de

transporte aéreo, é invertido, tendo em vista a extrema dificuldade em conseguir

produzir provas nestes casos, tanto pelo aspecto da onerosidade, que requer um

alto custo em produzi-las, como pela sua complexidade, que necessita de

conhecimento especializado em várias áreas científicas. Desde o início do século

passado, o ônus da prova em matéria de responsabilidade civil nos transportes é

destinado ao transportador.

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O CDC também estabelece a inversão do ônus da prova nas questões de

responsabilidade civil do prestador de serviço público, por danos ao consumidor (art.

14, § 3° e art. 22, § único), em completa convergência ao ordenamento jurídico atual

e à histórica legislação dos transportes.

De forma isonômica, o CBA atribui a mesma responsabilidade objetiva e com

o ônus da prova ao transportador no serviço gratuito e no oneroso; no entanto, não é

assim que ocorre com o passageiro do CAN.

Para o CBA, se uma família for transportada pelo CAN, sofrer um acidente

aeronáutico e um de seus entes vier a falecer, terá que produzir provas sobre

assuntos altamente técnicos que envolvem um acidente aéreo, dos quais não possui

conhecimento algum para que então possa pleitear uma indenização.

O Princípio da Isonomia, edificado pela CF de 1988, art. 5, “caput”, é

frontalmente agredido pelo CBA, pois ambos passageiros gratuitos, o de aeronave

civil e o da militar (este aparentemente gratuito), igualmente qualificados numa

mesma situação jurídica, são tratados de forma desigual, como exemplificado acima.

A proposta de atualizar a responsabilidade civil do transporte aéreo militar ao

ordenamento jurídico em vigor e às leis modificadas pela vigência da CF de 1988,

mostrou-se como a forma mais adequada em se operar o serviço do CAN, visto que

leva o COMAER à vivência dos Princípios do Estado Democrático de Direito, como a

isonomia e a proteção do consumidor.

Assim, apresentada toda a repercussão civil que a atualização jurídica da

responsabilidade civil do transporte aéreo militar provoca, importante se faz levar o

assunto ao caso concreto por meio dos exemplos mais recentes de acidentes

aéreos ocorridos no país, analisando-os à luz de suas implicações legais, e realizar

uma retrospectiva do assunto em tela, com destaque para os principais pontos

abordados, a fim de melhor compreendê-los.

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CAPÍTULO V – APLICAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA: O

CASO

Todo o trabalho foi desenvolvida tomando por base o problema de pesquisa

encontrado, cada um dos objetivos específicos, de onde foi formulada uma hipótese

que analisa os aspectos jurídicos envolvidos no transporte de passageiros em

aeronaves da COMAER, principalmente no que se refere à responsabilidade civil.

Para tanto, procedeu-se a coletada de dados e a análise do problema com a

finalidade de identificar as dissonâncias legislativas e judiciais no reconhecimento da

responsabilidade civil objetiva do Estado, no que tange ao transporte de passageiros

e de suas bagagens em aeronaves da COMAER.

5.1 A Coleta dos Dados

A coleta de dados foi feita mediante leitura e análise de documentos

constitucionais e legais, tais como leis, decretos, portarias, diretrizes, manuais, de

decisões judiciais (mormente as do Supremo Tribunal Federal e Tribunal

Constitucional) e dos textos doutrinários, dentre outros. Foram também analisadas

as normas do COMAER relativas às suas atribuições constitucionais, dentre elas o

transporte de passageiros por intermédio do Correio Aéreo Nacional.

Para dar sustentabilidade ao tema proposto, levantou-se junto ao Centro de

Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA), os acidentes

aéreos com aeronaves militares com vítimas fatais nos últimos 15 anos. Um arquivo

em formato de tabela excell contendo todos os acidentes neste período está no

anexo “E” deste trabalho.

A partir dos dados levantados, observou-se que, no período compreendido

entre 2001 e 2015, houve 105 ocorrências de acidentes aeronáuticos na aviação

militar, sendo que destas resultaram em 65 fatalidades (mortos).

No Gráfico 1 é possível observar a distribuição de ocorrências de acidentes

aeronáuticos na aviação militar nos últimos 15 anos:

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Gráfico 1 – Ocorrências na aviação militar entre 2001 e 2015..

Fonte: CENIPA (2016).

Na Tabela 1 é possível observar a distribuição de número de fatalidades nos

últimos 15 anos:

Tabela 1 – Acidentes fatais entre 2001 e 2015

ANO ACIDENTE FATALIDADES

2001 8 13

2002 9 7

2003 8 3

2004 9 7

2005 4 2

2006 10 0

2007 10 1

2008 5 5

2009 2 0

2010 9 8

2011 8 13

2012 8 3

2013 4 2

2014 6 0

2015 5 1

TOTAL 105 65

Fonte: O autor, adaptado de dados do CENIPA (2016).

Numa analise mais criteriosa, separou-se a distribuição do número de

fatalidades nos últimos quinze anos por Comando Militar, sendo que o Comando da

Aeronáutica ficou com a seguinte amostra de dados conforme Tabela 2 a seguir:

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Tabela 2 – Acidentes fatais entre 2001 e 2015 com aeronaves do COMAER.

MATRÍCULA MODEL

O TIPO DE OCORRÊNCIA LOCAL FATALIDADES

FAB1307 T27 COLISÃO EM VOO COM

OBSTÁCULO LAGES SC 1

FAB1342 T27 PERDA DE CONTROLE

EM VOO IBATÉ SP 2

FAB1383 T27 EJEÇÃO INVOLUNTÁRIA PIRASSUNUNGA

SP 1

FAB1415 T27 COLISÃO EM VOO COM

OBSTÁCULO MACEIÓ AL 3

FAB1857/1881

T25 COLISÃO DE

AERONAVES EM VOO PIRASSUNUNGA

SP 4

FAB1923 T25 COLISÃO DE

AERONAVES EM VOO CASA BRANCA

SP 2

FAB1937 T25 FALHA DO MOTOR EM

VOO CASA BRANCA

SP 1

FAB1939 T25 COLISÃO EM VOO COM

OBSTÁCULO SANTA MARIA RS 1

FAB2292 C95 FALHA DO MOTOR EM

VOO SÃO JOSÉ DOS

PINHAIS PR 5

FAB2455 C130 COLISÃO EM VOO COM

OBSTÁCULO NITERÓI RJ 9

FAB2735 C98 PERDA DE CONTROLE

EM VOO BOM JARDIM DA

SERRA SC 8

FAB4595 AT26 COLISÃO EM VOO COM

OBSTÁCULO IPOJUCA PE 1

FAB5540 A1 MANOBRAS À BAIXA

ALTURA SANTA MARIA RS 1

FAB5731 A29 DESORIENTAÇÃO

ESPACIAL CAMPO GRANDE

MS 1

FAB5935 A29 COLISÃO EM VOO COM

OBSTÁCULO BOA VISTA RR 1

FAB5948 A29 COLISÃO COM

OBSTÁCULO NO SOLO PUREZA RN 1

FAB5964 A29 MANOBRAS À BAIXA

ALTURA PIRASSUNUNGA

SP 2

FAB8074 TZ13 PERDA DE COMPONENTE

EM VOO PIRASSUNUNGA

SP 2

FAB8532 H1H FALHA DE

SISTEMA/COMPONENTE ICAPUÍ CE 4

FAB8672 H1H PERDA DE CONTROLE

EM VOO CAMPO GRANDE

MS 2

FAB8687 H1H FALHA DO MOTOR EM

VÔO GUARANTÃ DO

NORTE MT 1

FAB8690 H1H FALHA DE

SISTEMA/COMPONENTE JACAREACANGA

PA 5

FAB8703 H1H OUTROS TIPOS CAMPO GRANDE

MS 1

Fonte: O autor, adaptado de dados do CENIPA (2016).

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O Comando da Exército ficou com a seguinte distribuição de dados nos

últimos 15 anos:

Tabela 3 – Acidentes fatais entre 2001 e 2015 com aeronaves do Comando do Exército.

MATRÍCULA MODELO TIPO DE OCORRÊNCIA LOCAL FATALIDADES

EB1029 AS550 COLISÃO EM VOO

CONTROLADO COM O TERRENO

CORUMBÁ MS 5

EB2010 AS365 COLISÃO EM VOO COM

OBSTÁCULO TEFÉ AM 1

Fonte: O autor, adaptado de dados do CENIPA (2016).

No período selecionado para amostragem, apesar da ocorrência de 04

(quatro) acidentes em aeronaves pertencentes ao Comando da Marinha, não houve

vítimas em nenhum deles.

Apesar da distribuição das 65 fatalidades terem sido apresentados

anteriormente, o foco principal do presente trabalho trata-se do transporte de

passageiros em aeronaves do COMAER. Diante disto, verificou-se que no período

selecionado houve 03 (três) acidentes com aeronaves do COMAER que

transportavam passageiros, o que ocasionou 22 fatalidades como podemos observar

na Tabela 4:

Tabela 4 – Acidentes fatais entre 2001 e 2015 com aeronaves do COMAER transportando

passageiros.

MATRÍCULA MODELO TIPO DE OCORRÊNCIA LOCAL FATALI DADES

FAB2292 C95 FALHA DO MOTOR EM

VOO SÃO JOSÉ DOS

PINHAIS PR 5

FAB2455 C130 COLISÃO EM VOO COM

OBSTÁCULO NITERÓI RJ 9

FAB2735 C98 PERDA DE CONTROLE

EM VOO BOM JARDIM DA

SERRA SC 8

Fonte: O autor, adaptado de dados do CENIPA (2016).

Diante dos dados apresentados não foi possível separar quais dessas vítimas

eram tripulantes ou passageiros transportados, civis ou militares, no entanto isto é

um dado irrelevante para o estudo do direito, pois conforme estudaremos mais

adiante, o Estado é responsável pela integridade física destas pessoas quando

estão no interior de suas aeronaves. Quando alguém requer a devida indenização

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ao Estado por dano moral em virtude do falecimento de um ente querido, o faz em

nome próprio ou de um tutelado.

Fotografia 1 – Acidente do C-95 matrícula FAB 2292.

Fonte: http://www.desastresaereos.net/ (2016).

Nesse sentido, nada impede de cada um dos membros da família ingressar

em juízo contra a União visando à compensação pecuniária de um bem que deveria

ser tutelado pelo Estado; ou seja; pais e irmãos podem ingressar com a mesma

ação requerendo a mesma indenização para cada um.

Fotografia 2 – Aeronave C-130, semelhante ao FAB 2455 acidentado.

Fonte: http://www.desastresaereos.net/ (2016).

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Um exemplo disso está na sentença proferida na ação ordinária nº 5008920-

42.2014.4.04.7208/SC, que está no anexo “C”, onde os autores, pais e irmãos do

falecido em acidente aéreo, ingressaram com ação coletiva contra a União

pleiteando a condenação da Ré ao pagamento de indenização por danos morais na

quantia de 1.000 salários mínimos para cada demandante. A União perdeu, porém

conseguiu reduzir o quantum indenizatório para R$ 100.000,00 (cem mil reais) para

cada um dos pais e R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) para cada um dos irmãos.

Fotografia 3 – Acidente do C-98 matrícula FAB 2735.

Fonte: http://www.desastresaereos.net/ (2016).

5.2 O Caso Concreto

A vida em sociedade necessita de normas reguladoras de obrigações e

direitos entre os homens, imprescindíveis à existência da humanidade. Entre essas

magnas regras está a da responsabilidade civil, que impõe o dever de indenizar,

quando um cidadão prejudica ilicitamente outro.

Ao analisar o caso concreto, percebe-se que extravio e bagagem, atrasos em

partidas de voos, overbooking, são problemas extremamente insignificantes diante

das tragédias aéreas que assolaram o Brasil desde 2006, além de outros acidentes

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– inclusive com a própria TAM, em anos passados, que caiu na cabeceira da pista

ao tentar levantar voo.

Os acidentes aéreos que continuam provocando imagens e lembranças na

sociedade têm início com o acidente do Boeing da Gol (Figura 11), envolvendo uma

outra aeronave, o Legacy, da empresa americana Excel Air Services, apontado

como causador da colisão.

Figura 11– Acidente do voo 1907 da Gol.

Fonte: http://www.desastresaereos.net/acidente_gol_menu.htm (2016).

Foi a partir desse acidente que os problemas ligados à aviação comercial, até

então desconhecidos, vieram ao conhecimento público. A partir daí outros acidentes

de igual, ou maior gravidade, principalmente, o último ocorrido com a aeronave da

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TAM (Ver Figura 14), no qual faleceram não apenas os passageiros, mas também

seres humanos que se encontravam em seu turno normal de trabalho em terra no

prédio localizado após a cabeceira oposta da pista. É simplesmente ilógico para uma

família entender que algum ente seu saiu de casa para trabalhar, dentro de um

prédio, a princípio imune a qualquer tipo de acidente externo, e de repente morre em

decorrência do choque de uma aeronave com o edifício em que trabalhava.

Figura 12 – Acidente do voo 1907 da Gol.

Fonte: http://www.desastresaereos.net/acidente_gol_menu.htm (2016).

O acidente ocorrido com o Boeing da Gol (Figura 12) – em tela este, porque

impactou sobremaneira a sociedade brasileira – tirou a vida de cento e cinquenta e

quatro pessoas e entrou para os anais da aviação brasileira como o maior acidente

da história da aviação até então (Ver Figura 13).

Figura 13 – Acidente do voo 1907 da Gol.

Fonte: http://www.desastresaereos.net/acidente_gol_menu.htm (2016).

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É incontestável o dano experimentado pelas famílias daqueles que morreram

nesse voo, tanto material, quanto imaterial, inclusive neste último os danos

psicológicos.

Mesmo sendo um acidente, as pessoas que ocupavam a aeronave, segundo

o visto até o presente momento pertencem à categoria de “consumidor”, e como tal,

efetuou contrato com a empresa transportadora, a Gol, para ser transportado de um

local para outro, com vida e saudável. Logo, se os juristas elegeram o Código do

Consumidor como legislação fundamental nos casos de contratos de transporte

aéreo, por entender tratar-se de uma relação consumerista, revogando o CBA e a

Convenção de Varsóvia, neste caso, então, deve-se adotar o CDC como norteador

para a reparação de tais danos, principalmente por ser um acidente de tal monta,

que nem sequer necessita verificar se há ou não culpa, por parte da empresa

transportadora, ou de quem quer que seja. Frisa-se, mesmo sendo um acidente

aeronáutico.

Nesse raciocínio, o Código de Processo Civil brasileiro regra a tutela

antecipada no art. 273, e demais disposições subsequentes, provê licitude ao juiz, a

requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente os efeitos da tutela

pretendida no pedido inicial, desde que exista prova inequívoca – o que é o caso do

acidente (art. 334, I do CP) - se convença da verossimilhança da alegação, bem

como haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação e fique

caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do

réu.

A questão da culpa, que se projeta na eventual falha do sistema de controle

aéreo, não perquirirá a culpa, já que a responsabilidade civil do Estado é objetiva, de

acordo com o disposto na CF de 1988, art. 37, § 6º que inclusive, autorizaria a

concessão liminar de efeitos antecipados de tutela jurisdicional.

Não importa quem causou o dano, o que importa é que o dano foi causado, e

assim deve ser entendido para a garantia do direito do destinatário da reparação –

no caso os familiares – portanto, responsabilidade objetiva, seja da empresa

transportadora, seja do Estado, ou seja da empresa proprietária da aeronave

Legacy, que abalroou a aeronave da Gol, já que, eleita a legislação consumerista -

in casu – equiparou-se as vítima do funesto evento a consumidor, o que lhes

assegura o direito de ação em face de terceiros (art. 17 do Código de Defesa do

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Consumidor). O núcleo da questão é então a garantia da concretização das medidas

de proteção deste consumidor. Desse modo, movimenta-se a discussão ao redor do

nexo causal para um plano secundário.

A queda do avião, por si só - baseado na legislação apresentada - é capaz de

autorizar a concessão dos efeitos antecipatórios e determinar o pagamento, a quem

de direito, da indenização, em razão de o juiz, por meio de cognição sumária já ter

conhecimento de que a ela é devida, o que representa prova forte, indubitável e

imodificável. Com o desastre, o dano moral se consumou, isto é, fez nascer nos

familiares das vítimas o direito à correspondente reparação.

Dado que o acidente é fato e quanto a isso não há argumentos, portanto,

considerável a tutela antecipada, resta individuar o quantum a indenizar, tendo em

vista que cabe ao juiz, no exercício da presidência do processo, considerar uma

série de requisitos objetivos e subjetivos para a fixação do devido valor. Todavia, em

se tratando de dano moral, basta que o prestador de serviços (a Gol) tenha causado

a morte dos passageiros para que a família destes tenham direito à reparação. A

morte presente é revestida de liquidez e certeza e, diante dessa característica,

resguardado o direito das partes, poderá o juiz fixar o mínimo a ser indenizado, já

que o dano sumariamente observado é apenas um denominador comum. Outros

fatos que, porventura vierem a aumentar do valor da indenização, poderá ser objeto

de instrução processual, em harmonia com o processo legal.

Há de se levar em conta, também, a questão da irreversibilidade da decisão

(da tutela antecipada). Se por um lado a antecipação da tutela pode causar efeitos

que importam em prejuízo econômico irreversível em relação ao réu, caso, num

futuro, fique devidamente provado que o montante da indenização não era devido,

por outro lado, sua “não” concessão também importaria em prejuízos irreversíveis

aos direitos da honra subjetiva, a intimidades, à vida privada, direitos estes

inteiramente relacionados à dignidade das pessoas. Tais direitos, dado o dano

presente (a morte dos passageiros) são prementes e hierarquicamente superiores à

ordem econômica, nos termos da CF de 1988. Além dessa disposição, no curso do

processo, podem ocorrer modificações na esfera econômica.

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Figura 14 – Acidente do voo 3054 da TAM.

Fonte: http://www.desastresaereos.net/acidentetam3054.htm (2016).

No caso do voo 1907 da Gol, assim como no da TAM, fica claro que existem

os direitos dos familiares das vítimas em virtude do instituto da responsabilidade

objetiva. Faz-se necessário que haja a respectiva indenização por danos morais, de

forma inconteste e com antecipação dos efeitos da tutela antecipada. Tais fatos se

fundamentam e se legitimam no Código de Proteção e Defesa do Consumidor,

concebido e eleito para garantir a efetiva proteção dos tutelados, já que estes são

parte vulnerável da relação de consumo, faz jus à devida indenização.

Um desses casos foi a sentença proferida pela juíza Ione Pernes, da 37ª Vara

Cível do Rio de Janeiro, que deferiu parcialmente a antecipação de tutela,

determinando que a Gol Transportes Aéreos pagasse, mensalmente, a quantia de

dez mil reais à esposa e filha de um passageiro morto no acidente. Segundo a juíza,

a companhia aérea ainda terá que incluir os autores na folha de pagamento a partir

da data da decisão.

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Constata-se que a responsabilidade da suplicada é objetiva, respondendo, em

princípio, pelos danos causados a terceiros, escreveu a juíza na decisão. Porém, o

mérito da ação de reparação de danos ainda não foi julgado.

Diante dos exemplos citados, qual seria o tratamento dispensado pela justiça

para o COMAER no caso de algum desses acidentes ocorrido em uma de suas

aeronaves? Mesmo que o processo fosse conduzido pela Justiça Militar por se

enquadrar em uma das hipóteses de ocorrência de crime militar previsto no CPM,

conforme demonstrado a seguir, isto não obsta de ocorrer outro processo em

paralelo visando a devida indenização das vítimas de acordo com o instituto da

responsabilidade civil:

Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:

I - os crimes de que trata este Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial;

II - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados:

a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado;

b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;

c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil;

d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;

e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar;

Com o intuito de ilustrar, segue no anexo “A” ao trabalho exemplo de negativa

de provimento do Recurso Extraordinário, o qual a União impetrou contra a decisão

de concessão de pensão concedida em favor de Maria Nota da Silva, que foi

beneficiária em virtude do falecimento de seu marido em acidente de aeronave do

COMAER, no qual viajava gratuitamente. (RE N° 91.335 - AM).

Para comprovação do caso concreto em que a União, por intermédio do

COMAER, está no polo passivo da demanda, onde teve sua apelação Nº 2282/PE

(2006.83.00.003503-0) de 2006, do Tribunal Regional Federal da 5ª Região negada

em parte, sendo acatado somente em relação ao quantum indenizatório, segue o

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histórico do caso em pauta. O teor completo da decisão encontra-se no anexo “B” do

trabalho.

Resumidamente em relação à referida apelação, a União alega que o

acidente aéreo do qual resultou a morte do pai do autor constitui hipótese de caso

fortuito, devido a fatores meteorológicos, não tendo havido culpa dos pilotos nem

tampouco falhas mecânicas na aeronave. Ademais, sustenta que, tratando-se de

transporte gratuito, o artigo 267 da Lei nº 7.565/86 dispõe que não será devida

indenização por danos a pessoa ou bagagem a bordo, salvo comprovação de culpa

ou dolo dos operadores da aeronave.

Defende ainda que, tendo a parte autora imputado à apelante a

responsabilidade pelo referido acidente em virtude de falhas técnicas da aeronave,

aplica-se ao presente caso a responsabilidade subjetiva do Estado, de modo que

cabe ao apelado comprovar suas alegações, conforme previsão do artigo 333, I, do

Código de Processo Civil, mesmo porque se presumem legítimos os atos e as

condutas administrativas. Para melhor compreensão segue o teor deste artigo no

Código do Processo Civil:

Art. 333. O ônus da prova incumbe:

I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

Em caso de se entender existente a responsabilidade, pleiteia que seu valor

seja fixado com base em critérios objetivos, aplicando-se o mesmo à pensão.

Centra-se a questão em apreço no questionamento acerca da existência de

responsabilidade civil do Estado quanto ao falecimento do genitor da parte autora,

decorrente de acidente aéreo em avião da Aeronáutica, com o pagamento de dano

moral e material, em relação ao acidente em tela.

A Constituição Federal de 1988, ao tratar da responsabilidade civil

extracontratual, consagra a teoria da responsabilidade objetiva, conforme previsão

do artigo 37, parágrafo 6º, confira-se:

“As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

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Da exegese do referido comando constitucional, depreende-se que, ao

fundamentar a teoria da responsabilidade objetiva do Estado, o constituinte acolheu

a teoria do risco administrativo, de modo a limitar a responsabilidade do Estado aos

casos em que houver relação de causa e efeito entre a atividade administrativa e o

dano sofrido, dispensando, assim, a prova da culpa do agente público no exercício

da atividade. Exige-se, pois, a presença de três requisitos essenciais: a) fato

administrativo; b) dano e c) nexo causal a ligar a conduta ao dano.

In casu, tratando-se de acidente aéreo ocorrido com avião da Aeronáutica, é

aplicado o disposto em tal artigo, sendo dispensada a demonstração de culpa da

Administração Militar. De qualquer forma, não consta prova nos autos acerca do

motivo que deu ensejo ao acidente, não havendo, assim, como se acolher a

alegação do apelante de que teria ocorrido caso fortuito, o que poderia excluir a

responsabilidade civil do Estado.

A sentença proferida trouxe que, por si só, o fato de ter o acidente envolvido

avião da Força Aérea Brasileira torna a União Federal responsável pelas suas

consequências, tendo-se em vista o dever legal de assegurar a segurança daqueles

que se encontram a bordo de uma aeronave militar da Aeronáutica. (grifo nosso)

Ademais, levando-se em conta a teoria do risco administrativo, responde o

Poder Público pelos riscos da atividade administrativa, sendo o acidente, pois, fato

idôneo à configuração de dano moral, preenchendo o primeiro dos requisitos

necessários à indenização.

Segundo o Juízo competente, com relação aos danos morais, nem sempre é

possível se exigir do autor a demonstração de sua existência em si, posto que de

grande dificuldade a comprovação do sofrimento, da perda sofrida no âmbito

sentimental. Em tais hipóteses, o objeto da prova é a idoneidade da conduta para a

deflagração causal de sua ocorrência, segundo normas de experiência. No caso em

exame, tendo do acidente decorrido a morte do pai do autor, desnecessária a

comprovação do dano sofrido, visto que evidentes os prejuízos advindos da perda

de um pai, especialmente em tão tenra idade, levando o autor a crescer sem a

presença da figura paterna.

Caracterizado o fato administrativo, qual seja o acidente em avião da

Aeronáutica, e constatada a sua idoneidade para provocar os danos sofridos, resta

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configurado também o nexo de causalidade a ligar a conduta ao dano, estando,

portanto, presentes os três requisitos exigidos pela teoria da responsabilidade

objetiva do Estado.

Neste sentido posicionam-se os seguintes julgados, no que interessa:

ADMINISTRATIVO. MORTE DE MILITAR EM ACIDENTE AÉREO. DANOS MORAIS DEVIDOS À FILHA. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DA ADMINISTRAÇÃO. MAJORAÇÃO DO QUANTUM COM BASE NOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA MANTIDOS EM 10% SOBRE O VALOR DA CONDENAÇÃO. I – Restou demonstrado o nexo causal entre a queda da aeronave e a morte do pai da Autora, aplicando-se a responsabilidade civil objetiva preconizada pelo art. 37, § 6º da Constituição Federal de 1988. Adoção da teoria da causalidade adequada e do risco administrativo pelo ordenamento pátrio. (...) (TRF-2ª R. – AC338041 – 7ª turma especializada – Rel. Des. Fed. Sérgio Schwaitzer – Julg. em 12/07/2006. Publ. DJU de 26/05/2008 – p. 173)

CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E CIVIL. AERONAVE MILITAR. ACIDENTE AÉREO. MORTE. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA CARACTERIZADA. REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. CABIMENTO. VALOR ARBITRADO COM RAZOABILIDADE. MAJORAÇÃO DO QUANTUM AFASTADA. APELAÇÃO DA AUTORA, DA UNIÃO E REMESSA OFICIAL, TIDA POR INTERPOSTA, IMPROVIDAS. (...) 2 -Caracterizada a responsabilidade civil objetiva da UNIÃO, nos termos do art. 37, § 6o, da CF/88, uma vez que as condições meteorológicas não foram a causa determinante do evento danoso, o que afasta a tese da ocorrência de força maior (excludente da responsabilidade); (...) (TRF-5ª R. – AC311934 – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Paulo Gadelha – Julg. em 04/05/2006. Publ. DJ de 12/06/2006 – p. 373)

CONSTITUCIONAL – ADMINISTRATIVO – RESPONSABILIDADE OBJETIVA – UNIÃO FEDERAL – ACIDENTE AÉREO – AVIÃO DA FAB – MORTE DA TRIPULAÇÃO MILITAR – CULPA CONFIGURADA – PROVA CONSISTENTE – DANOS MORAIS – CARACTERIZADOS. - Em se tratando de acidente aéreo ocorrido com avião da FAB, no qual faleceu toda a sua tripulação, o pedido de indenização por danos morais pleiteados pelos parentes das vítimas, dispensa a demonstração da culpa da Administração Militar, eis que a matéria versada tem guarida no art. 37, § 6º da Constituição Federal, que dispõe acerca da responsabilidade objetiva do Estado, nos casos de danos causados por seus agentes; (...) - Os militares falecidos no desastre, parentes dos apelantes, tinham 25 e 34 anos de idade, deixaram filhos pequenos, os quais deverão ser indenizados, moralmente, pelos sofrimentos, pela dor, pela ausência de carinho e orientação paterna, no correspondente ao sentimento de perda. (TRF-2ª R. – AC347758 – 4ª turma especializada - Rel. Des. Fed. Paulo Espírito Santo – Julg. em 30/11/2005. Publ. DJU de 21/12/2005 – p. 64)

Quanto à alegação da apelante acerca do disposto no artigo 267, inciso III, da

Lei nº 7.565 (Código Brasileiro de Aeronáutica), referente à exigência de

comprovação de dolo ou culpa para a indenização de danos decorrentes de

transporte gratuito realizado pelo Correio Aéreo Nacional, já se posicionou o STJ no

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sentido de que tal dispositivo se refere apenas aos danos materiais, não excluindo a

indenização por danos morais. Leia-se, no que interessa:

Ação de indenização. Acidente aéreo. Voo doméstico. Morte de passageiros. Danos pessoais. Recibo de quitação. Seguro obrigatório. Danos morais. (...) II - A garantia de reparação do dano moral tem estatura constitucional. Assim, a aplicação de indenização tarifada prevista no Código Brasileiro de Aeronáutica se refere a danos materiais, não excluindo aquela relativa a danos morais. Ademais, esta Corte também tem admitido a indenização por danos morais e afastado a limitação de tarifa prevista no Código Brasileiro do Ar, tendo em vista o disposto no Código de Defesa do Consumidor. III - A morte do pai dos autores em acidente aéreo, quando contava apenas 37 anos de idade, causou-lhes sofrimento intenso, somando-se ainda à perda de amparo material e emocional, faltando-lhes, da parte do ente querido, carinho e orientação, sobretudo no caso dos autos. Indenização por danos morais corretamente concedido. IV - Recurso especial não conhecido. (STJ – RESP245465 – 3ª T. – Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro – Julg. em 24/05/2005. Publ. em 20/06/2005)

No mesmo julgado, o único ganho da União na apelação foi a redução da

indenização por danos morais de 600 para 300 salários mínimos, com a devida

incidência da correção monetária, a partir da fixação do valor por parte do Tribunal,

acrescidos a partir do evento danoso de juros de mora.

Pela análise do caso concreto anterior, fica demonstrado que o Poder

Judiciário condenou a União, representada pela Aeronáutica, ao pagamento de

indenização por dano moral em virtude de acidente em uma de suas aeronaves,

com o devido pagamento de pecúnia no valor de 300 salários mínimos, corrigido

com juros e correção monetária e o devido pagamento de pensão ao autor da ação

até o prazo determinado na sentença.

Outra situação que deve ser colocada é que nada impede de cada um dos

membros da família ingressar em juízo contra a União visando à compensação

pecuniária de um bem que deveria ser tutelado pelo Estado; ou seja; pais e irmãos

podem ingressar com a mesma ação requerendo a mesma indenização para cada

um. Um exemplo disso está na sentença proferida na ação ordinária nº 5008920-

42.2014.4.04.7208/SC, que está no anexo “C”.

Em todas as ações impetradas contra a União, esta tem a obrigação de

defende-se até a última instância, no entanto reiteradas são as decisões em seu

desfavor. Exemplo disto está no teor da decisão do Recurso Especial nº 1.497.209 -

PE (2014/0301951-3) proferido pelo Ministro Benjamin, presente no anexo “D”.

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Além destes casos, existem diversas ações que foram verificadas e outras

que ainda tramitam pelos Tribunais, tais como: TRF-2ª R. – AC338041 – 7ª turma

especializada – Rel. Des. Fed. Sérgio Schwaitzer – Julg. em 12/07/2006. Publ. DJU

de 26/05/2008 – p. 173, TRF-5ª R. – AC311934 – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Paulo

Gadelha – Julg. em 04/05/2006. Publ. DJ de 12/06/2006 – p. 373, TRF-2ª R. –

AC347758 – 4ª turma especializada - Rel. Des. Fed. Paulo Espírito Santo – Julg. em

30/11/2005. Publ. DJU de 21/12/2005 – p. 64, STJ – RESP245465 – 3ª T. – Rel.

Min. Antônio de Pádua Ribeiro – Julg. em 24/05/2005. Publ. em 20/06/2005, TRF-4 -

Apelação Civel : AC 8842 SC 2001.72.00.008842-0, TRF-4 - Apelação Civel: AC

2531 SC 2003.72.00.002531-4, TRF-2 - Apelação Civel: AC 347758 RJ

2002.51.01.012872-0, TRF-5 - AC - Apelação Civel : AC 200683000035028, dentre

outros; e podem ficar por anos onerando o Judiciário e o Departamento Jurídico do

COMAER, inclusive com alguns deles correndo em segredo de justiça em virtude de

requerimentos em favor de menores de idade.

Diante das evidencias apresentadas neste capítulo, pode-se demonstrar a

aplicação da responsabilidade civil no caso concreto, seja na aviação civil ou militar.

Percebeu-se, nitidamente, que não há possibilidade alguma do Estado se eximir da

sua responsabilidade objetiva na aplicação deste instituto, excetuando-se nos casos

previstos pelas respectivas excludentes previstas para tal.

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CONCLUSÃO

Durante o desenvolvimento do trabalho procurou-se mostrar como o Direito

Aeronáutico desenvolveu-se em face de diversos institutos jurídicos e de suas

necessidades específicas, com o objetivo de regular o transporte aéreo civil e militar,

e a responsabilidade civil do transportador aéreo.

Foi apresentada a motivação da proteção inicial da atividade por meio da

Convenção de Varsóvia de 1929, devido ao alto risco da atividade, e como isto foi

mudando com o passar do tempo. Esta convenção foi em sua plenitude o marco

inicial para nortear as regras existentes em nossa legislação aeronáutica, mais

especificamente no CBA – Código Brasileiro de Aeronáutica.

Adicionalmente a isto, atualmente ficou provado que há sem dúvida alguma, a

existência de conflito entre as normas do Sistema Varsoviano - dentre elas o nosso

CBA -, o Código de Defesa do Consumidor de 1990 e o Código Civil de 2002; onde

reside a questão da reparação de ordem integral consubstanciada na própria

concepção do desenvolvimento de uma atividade que por sua essência consiste em

uma atividade de risco. Esta reparação integral consiste na aplicação do instituto da

responsabilidade civil.

Como já conceituado anteriormente, a responsabilidade civil consiste na

aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial

causado a outrem em razão de ato por ela mesma praticado, de pessoa por quem

ela responde por alguma coisa a ela pertencente ou simplesmente por imposição

legal, resultando assim, no entendimento de que se trataria de um dever jurídico

sucessivo, que passaria a existir após a violação de um dever jurídico originário.

Contrariando este consagrado instituto do direito, o qual foi recepcionado pela

Constituição Federal em seu art. 37, § 6º, e pelo Código de Defesa do Consumidor

em vários dispositivos legais, que trata da responsabilidade civil objetiva do Estado;

está o Código Brasileiro de Aeronáutica, em seu art. 267, inc. III, que remete à

responsabilidade subjetiva do Estado, nos moldes da Convenção de Varsóvia.

Percebe-se nitidamente que nos encontramos num conflito jurídico que

somente consegue-se solucionar nas vias judiciais, o que demanda perda de tempo

e recursos financeiros.

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Este dispositivo legal do CBA (art. 267, inc. III) é aplicado diretamente às

operações aéreas do COMAER para o transporte de passageiros no CAN. Apesar

da alegação do COMAER da cortesia existente no transporte de passageiros em

suas aeronaves, no desenvolvimento do trabalho foi demonstrado que o transporte

aéreo militar deve ser qualificado frente às leis nacionais como serviço público e ter

sua característica de gratuidade descartada, em função da ausência das exigências

legais: a cortesia e a amizade.

Diante desta exposição, formulou-se o seguinte problema de pesquisa: Quais

as dissonâncias legislativas e judiciais no reconhecimento da

responsabilidade civil objetiva do Estado, no que tange ao transporte de

passageiros e de suas bagagens em aeronaves da COMAER?

A pergunta deste problema de pesquisa foi respondida durante o

desenvolvimento do trabalho, bem como nos casos concretos relacionados

anteriormente; os quais demonstram que a União, representada pelo COMAER, teve

que indenizar diversos familiares em virtude de acidentes aéreos com vítimas fatais

em suas aeronaves. Estas indenizações também são extensivas aos pertences dos

acidentados e/ou incidentados e terceiros.

Uma vez que o objetivo geral do trabalho era analisar a responsabilidade civil

do Comando da Aeronáutica (COMAER), quando da ocorrência de acidentes e

incidentes, com ou sem vítimas no transporte de passageiros em suas aeronaves,

ou com terceiros, bem como nas perdas e/ou danos às bagagens destes, o

propósito foi atingido.

Após analisar e estudar as normas pertinentes ao assunto e o caso concreto

verificou-se que esta em vigor no ordenamento jurídico interno o instituto da

responsabilidade civil objetiva do Estado. Sendo assim o COMAER é responsável

por acidentes e incidentes que possam ocorrer no transporte de passageiros em

suas aeronaves, ou com terceiros, bem como nas perdas e/ou danos às bagagens

destes.

Por meio do caso concreto pode-se reconhecer a ocorrência de

responsabilidade de que se reveste o transporte aéreo no transporte de passageiros

em aeronaves do COMAER demonstrando as correntes existentes que, cada uma a

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sua maneira, tenta resguardar os direitos dos usuários do CAN, sempre de forma

análoga com a aplicação da lei no caso concreto à aviação civil.

O Direito processual civil nas relações de consumo, exceto quando alude à

execução de sentença produzida em ação coletiva, nada fala acerca de acidentes

aéreos. O mesmo ocorre com o Direito Penal nas relações de consumo.

Estando o COMAER no polo passivo desses acidentes, o exemplo do RE

N°91.335-AM apresentado no anexo A, quanto a Apelação Nº 2282/PE

(2006.83.00.003503-0) apresentado no anexo B, serviriam como prova dessa

constatação.

Dessa forma, a hipótese aceita nesse trabalho é a de que; por estar em vigor

no ordenamento jurídico interno o instituto da responsabilidade civil objetiva do

Estado, o COMAER é responsável por acidentes e incidentes que possam ocorrer

no transporte de passageiros, ou com terceiros, em suas aeronaves e/ou perdas e

danos de bagagens, pois, como fundamentado; sendo a responsabilidade civil

apresentada admitida, o COMAER estará seguindo os Princípios do Estado

Democrático de Direito, em completo respeito à CF de 1988. Assim, pode-se afirmar

que a atualização da responsabilidade civil do transporte aéreo militar, conforme as

regras constitucionais e legais em vigor, produz verdadeira sintonia ao sentimento

de justiça, que habita o coração dos homens de bem.

Corroborando-se com esta proposta, consta do anexo “F” desta pesquisa, um

modelo de Projeto de Lei visando a alteração do art. 267, inc III do CBA, no sentido

de adequá-lo ao texto constitucional vigente.

Como solução para o problema fica proposta a atualização jurídica do instituto

da responsabilidade civil do transportador aéreo militar, frente aos novos princípios

constitucionais, erguidos pela Carta Política de 1988; incorporando a

responsabilidade civil objetiva, a vedação à tarifação de valores indenizatórios e a

inversão do ônus da prova. Para realizar o saneamento dessas deficiências

encontradas no ordenamento jurídico aeronáutico a proposta da devida adequação

às regras constitucionais e legais em vigor, faz-se imprescindível mediante a

manifestação das autoridades competentes, o que pode ser originado pelas

lideranças militares.

Em virtude da amplitude de princípios e institutos jurídicos presente nas

legislações analisadas e estando o presente estudo limitado apenas aos pontos

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conflitantes entre elas, elevando-os ao estudo dos princípios gerais do direto para

solucioná-lo, que por visarem à manutenção do Estado Democrático de Direito são

suscetíveis de serem alterados por via de reedição de leis, súmulas, acórdãos, por

via judicial, etc., o que limita em tempo a análise de todas as possibilidades.

Assim, propõe-se para futuras pesquisas o estudo em perspectiva comparada

do Brasil com outras Nações visando identificar como essas outras tratam o

transporte aéreo de passageiros, bem como se dá o instituto da responsabilidade

civil nesses outros países em comparação ao Brasil. Tais estudos podem auxiliar

na atualização da responsabilidade civil do transporte aéreo militar brasileiro,

conforme as regras constitucionais e legais em vigor.

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GLOSSÁRIO

A Priori – Significa originalmente do princípio, por oposição a começar de algo que

já existe.

ab initio – Expressão latina que significa desde o início, desde o começo.

Caput – É o termo usado nos textos legislativos, em referência ao enunciado do

artigo. Caput vem do latim e significa cabeça.

Convenção De Varsóvia – Convenção realizada em 12 de outubro de 1929 visando

à unificação de certas regras relativas ao Transporte Aéreo Internacional

Damnum Iniuria Datum –.Delito chamado também de damnum iniuria, que consistia

em causar iniuria, isto é, um dano aos bens que formavam parte do patrimônio de

outro sujeito, sem que tivesse direito a isso.

Derrogar – Ato de abolir ou alterar (geralmente referindo-se a leis) de forma parcial

ou algumas disposições; apresentar dispositivos contrários a uma determinada lei ou

costume.

Indenização Tarifada – É a indenização que possui valores previamente fixados.

In Verbis – Nestas palavras.

Legacy – Aeronave fabricada pela EMBRAER – Empresa Brasileira de Aeronáutica.

Lex Aquilia – É a responsabilidade aquiliana onde se esboça o princípio geral

regulador da reparação do dano, que deu origem à denominação da

responsabilidade civil delitual ou extracontratual.

Lex Posterior Generalis Non Derrogat Priori Speciali – Regra geral do Direito. Em

caso de antinomia entre o critério de especialidade e o cronológico, valeria o critério,

segundo o qual a regra de especialidade prevaleceria sobre a cronológica.

Nullum Responsabilitas Sine Culpa – É uma regra geral, um principio abstrato do

direito puro, onde imputa a responsabilidade civil objetiva ao funcionário, quando da

ocorrência de dolo ou culpa na sua conduta.

Ônus da Prova – É o dever de produzir provas durante processo judicial.

Onus Probandi – Ônus da prova.

Ordenamento Jurídico Nacional – Conjunto total de normas vigentes de uma

Nação.

Overbooking – Consiste na venda pela empresa aérea de mais bilhetes do que o

disponível no voo com base na média de desistência dos voos anteriores.

Quantum – É a palavra latina que significa quantidade.

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Responsabilidade Civil Objetiva – É o dever de indenizar que incide sobre o autor

do dano, independente de haver culpa ou dolo no comportamento do agente.

Responsabilidade Civil Subjetiva – É o dever de indenizar que incide sobre o

autor do dano, desde que haja prova que o fato ocorreu em decorrência de sua

conduta culposa ou dolosa.

Restitutio In Integrum – Reposição completa da vítima à situação anterior à lesão,

por meio de uma reconstituição natural de recurso a uma situação material

correspondente ou de indenização.

Revogação Tácita – É a perda de vigência de uma norma jurídica, pela

incompatibilidade com uma nova norma, sem que esta última disponha

expressamente, que revoga a norma anterior.

Sub Judice – Em juízo. Locução latina que indica o estado de uma demanda que

ainda não foi decidida. Quando se diz que a ação está sub judice, isto significa que

ela ainda não foi objeto de uma decisão.

Status Quo Ante – Deixar a situação do modo que estava anteriormente,

retornando as coisas do modo que costumavam ser.

Stricto Sensu – É uma expressão em latim que significa, literalmente, em sentido

estrito.

Teoria do Risco – É a obrigação de indenizar ainda que a conduta não seja

culposa, impondo o dever de reparar o dano em razão da atividade, potencialmente

geradora de risco, normalmente exercida independente de haver vantagem para

aquele que a exerce.

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ANEXO A – RE 91.335 –AM

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ANEXO B – APELAÇÃO Nº 2282/PE (2006.83.00.003503-0)

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ANEXO C – AÇÃO ORDINÁRIA Nº 5008920-42.2014.4.04.7208/SC

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ANEXO D – RECURSO ESPECIAL Nº 1.497.209 - PE (2014/0301951-3)

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ANEXO E – OCORRÊNCIAS DA AVIAÇÃO MILITAR DE 2001 A 2015

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*Dados fornecidos via e-mail para o autor pelo CENIPA.

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ANEXO F - MODELO PROJETO DE LEI

Dá nova redação ao inciso III do art. 267 da Lei n.º 7.565, de 19 de dezembro de 1986 (Código Brasileiro de Aeronáutica).

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º Dê-se ao inciso III do art. 267 da Lei n.º 7.656, de 19 de

dezembro de 1986, a seguinte redação:

“Art. 267......................................................................................

I - ...............................................................................................

II - ..............................................................................................

III - no transporte gratuito realizado pelo Correio Aéreo Nacional, haverá indenização por danos à pessoa ou bagagem a bordo nos moldes do art. 256 deste Código.”(NR)

Art. 2º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICAÇÃO

Em face da recepção do instituto da responsabilidade civil

objetiva do Estado pela Constituição Federal de 1988, em seu art. 37, parágrafo 6º,

o Código Brasileiro de Aeronáutica teve por derrogado o Art. 267, inciso III, por se

tratar de expressa adoção do instituto da responsabilidade subjetiva do Estado,

contrariando o previsto nesta Carta Magna.

Sala das Sessões, em ...........................................