liberdade de expressÃo no caso ellwanger ( completo)

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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA FACULDADE DE DIREITO DE CURITIBA ALESSA ROYER AMANDA BISSONI BENJAMIN BRUM DIEGO VIESBA JULIANA TOMASI LARISSA BRASIL LIBERDADE DE EXPRESSÃO NO CASO ELLWANGER

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Page 1: LIBERDADE DE EXPRESSÃO NO CASO ELLWANGER ( completo)

CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBAFACULDADE DE DIREITO DE CURITIBA

ALESSA ROYERAMANDA BISSONIBENJAMIN BRUM

DIEGO VIESBAJULIANA TOMASILARISSA BRASIL

LIBERDADE DE EXPRESSÃO NO CASO ELLWANGER

CURITIBA2010

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ALESSA ROYERAMANDA BISSONIBENJAMIN BRUM

DIEGO VIESBAJULIANA TOMASILARISSA BRASIL

LIBERDADE DE EXPRESSÃO NO CASO ELLWANGER

Trabalho apresentado como requisito parcial à aprovação na disciplina de Constitucional I, segundo semestre de 2010 da Faculdade de Direito de Curitiba.

CURITIBA2010

Page 3: LIBERDADE DE EXPRESSÃO NO CASO ELLWANGER ( completo)

SUMÁRIO

RESUMO.............................................................................................................3

1 INTRODUÇÃO................................................................................................ .4

2 A COLISÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS.........................................8

3 DECISÃO........................................................................................................10

4 RAZÕES GERAIS SUSTENTADAS NO JULGAMENTO..............................11

5 O QUE DIZ O TEXTO DA NORMA................................................................14

6 LIBERDADE DE EXPRESSÃO vs DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA....18

7 REFERÊNCIAS............................................................................................. 19

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3

RESUMO

Este trabalho objetiva analisar o conflito entre direitos fundamentais no caso do hábeas corpus a favor de Siegfried Ellwanger, bem como a importância do embate na delimitação de uma nova interpretação com relação ao racismo. A análise deste assunto é de extrema importância, pois, além de o caso ter assumido uma repercussão nacional, ele se tornou um marco na jurisprudência do país devido à interpretação utilizada e como ela foi capaz de reafirmar a democracia e fortalecer a Constituição.

Palavras-chave: conflito, direito fundamentais, hábeas corpus, Siegfried Ellwanger, nova interpretação, racismo.

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INTRODUÇÃO

O presente caso refere-se ao Habeas Corpus impetrado no Supremo

Tribunal Federal em favor do escritor Siegfried Ellwanger, acusado de praticar

racismo através da edição e venda de livros com idéias discriminatórias,

negando o holocausto. A discussão baseia-se no conceito de racismo, de raça

e o questionamento sobre a adequação dos judeus nesse conceito.

Absolvido em primeira instância, o Superior Tribunal de Justiça condena-

o a dois anos de reclusão sob o entendimento de que toda e qualquer

discriminação se configura no delito de racismo. Os advogados do paciente

impetram o Habeas Corpus no STF alegando que Ellwanger foi condenado por

discriminação contra os judeus, que não configura racismo porque os judeus

não constituem uma raça, portanto não tem o caráter de imprescritibilidade.

Sustentam ainda que deva ser extinta a punibilidade, pois o delito já teria

prescrito, uma vez que a imprescritibilidade é uma característica apenas do

racismo.

No entendimento do STF o delito de Ellwanger constitui crime de

racismo, por isso decidiu pelo indeferimento do pedido. Diz o artigo 5º inciso

XLII da Constituição Federal:

XLII – a prática do racismo constitui crime inafinaçável e imprescritível, sujeito a pena de reclusão, nos termos da lei.1

A legislação complementar a que o artigo refere-se é a Lei 7.716/90, que

antes restringia o racismo apenas a raça e a cor. Com a Lei 8081/90 inclui-se a

religião, procedência nacional e etnia. Em razão disso as leis são utilizadas em

conjunto no momento da aplicação. Diz o texto da Lei 7.716/90:

Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Pena – reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos e multa

1 BRASIL, Constituição Federal (1988). Art. 5. Saraiva: 2010. p. 8

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§ 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos, propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo. Pena – reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa.

§ 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza. Pena – reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa.2

O texto da lei mostra que o paciente agravou o crime ao utilizar meio de

comunicação propagando suas ideias antisemitas. Todos os tipos de

discriminação, raça, cor, etnia, são imprescritíveis, pois fazem parte do crime

de racismo.

Com o passar do tempo a interpretação dada ao artigo 5º da

Constituição Federal foi modificando-se, trata-se de uma mutação

constitucional, pois em nada foi alterado o texto, apenas a norma produto da

interpretação, com efeito extensivo.

O conceito de racismo e a interpretação da norma contitucional dividem

opiniões entre os ministros. Moreira Alves, relator, faz uma interpretação

restritiva do texto, das palavras do constituinte, partindo de premissas

históricas, em uma concepção biológica do conceito de raça, conclui que o

racismo seria apenas a discriminação racial contra afro-descendente. Maurício

Corrêa aponta a necessidade de interpretar de acordo com o a antropologia e a

sociologia, pois o conceito biológico de raça não pode mais ser considerado,

devido às inúmeras miscigenações. Marco Aurélio de Mello, em seu voto, alega

que um dos fundamentos de um Estado Democrático de Direito é a tolerância,

liberdade de expressão.

Os ministros constroem um conceito para elucidar essa questão

trazendo teses de cientístas e doutrinadores. O Supremo Tribunal Federal

conclui que, partindo de premissas históricas, a discriminação contra os judeus

é um tipo de racismo porque Hitler tratava o povo semita como uma raça

inferior, que deveria ser exterminada. O termo racismo deve ser interpretado de

acordo com a sociedade, pois há um sentido muito maior do que aquele

prensente nas palavras do texto, não pode ser feita uma interpretação somente

2 BRASIL, Legislação Complementar. Art. 20. Verbo Jurídico: 2007. p. 643.

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baseada no que o legislador quis dizer na época em que houve a criação, o juiz

não pode ser apenas a boca da lei.

O Brasil tem como compromisso o combate ao racismo, em todos os

aspectos, como diz a Constituição Federal:

Art. 3º constituem os objetivos fundamentais da Republica Federativa do Brasil:

I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; [...]

IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça., sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.3

“Todos esses elementos levam a convicção de que o racismo, enquanto

fenômeno social e histórico complexo, não pode ter o seu conceito jurídico

delineado a partir do referencial ‘raça’.” 4 Deve ser levado em conta o conceito

social, cultural para tratar o conceito de racismo, todos os seres humanso são

passíveis de sofrer discriminação na forma de racismo.

A colisão de dois direitos fundamentais, liberdade de expressão e

dignidade da pessoa humana, divide a opinião dos ministros. Ambos são

princípios fundamentais, portanto não há hierarquia, o STF vai ponderar nesse

caso específico qual deve ser utilizado, sem negar a importância do outro.

A liberdade de expressão é um dos fundamentos de uma sociedade

democrática, bem como a liberade de imprensa, característica da soberania

popular. Sendo um direito fundamental no estado Democrático de Direito

brasileiro não podem ser alienados, transmitidos ou transferidos. A dignidade

da pessoa humana também é um princípio fundamental, formador, presente no

artigo primeiro da Constituição Federal:

Art. 1 A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...]

3 BRASIL, Constituição federal. Art. 3. Saraiva: 21010. p. 2.4 BRASIL, Superior Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 82.424. Brasília DF, 12 de dezembro de 2002. Lex: jurisprudência do STF, p. 648, nov. 2010.

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III – a dignidade da pessoa humana5

Os direitos fundamentais surgiram em gerações diferentes, o que não

significa que tenham importâncias diferentes. A liberdade de expressão é

originária da primeira geração, com a concepção de um Estado Liberal, sem

intervenção. Surge a necessidade de limitar essa liberdade na segunda

geração, com a igualdade e direitos sociais. Cada geração surge da luta para

que certos direitos sejam valorizados.

Por serem princípios diferentes, embora de mesma relevância, a

interpretação terá que ser diferenciada, baseada no bem jurídico tutelado em

cada princípio, para isso é preciso utilizar o princípio da proporcionalidade ou

razoabilidade, ou seja, só é permitido restringir um direito fundamental para

proteger outro que não poderia ser protegido de outra maneira.

Ambos os princípios discutidos são a base de um Estado Democrático

de Direito, de grande relevância para a própria vida em sociedade, em razão

disso, são protegidos pela Constituição, pois são elevados ao status de

cláusulas pétreas, como diz o Art. 60 §4º:

§4º Não será alvo de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: [...]

IV – os direitos e garantias individuais. 6

Os direitos fundamentais estão vinculados com Executivo, Legislativo e

Judiciário, por isso esse caso foi considerado um marco na jurisprudência dos

direitos humanos, pois modifica as relações sociais.

A interpretação utilizada pode ser caracterizada como normativo-

estruturante, uma vez que parte de premissa do problema, caso concreto, sem

deixar de lado a ideia de sistema. A interpretação concretiza a norma, pois não

fica limitado ao texto. Além disso, conclui Friedrich Müller:

Mesmo no âmbito do direito vigente a normatividade que se manifesta em decisões práticas não está orientada, linguisticamente, apenas pelo texto da norma jurídica concretizada, muito pelo contrário, todas as decisões são elaboradas com a ajuda de materias legais, de

5 BRASIL, Constituição Federal. Art. 1. Saraiva: 2010. p. 2.6 BRASIL, Constituição Federal. Art. 60. Saraiva: 2010. p. 65.

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manuais didáticos, de comentários e estudos monográficos, de precedentes e de subsídios do direito comparado, quer dizer, com a ajuda de numerosos textos que não são, nem poderiam ser idênticos ao teor literal da norma e, até mesmo, o transcendem. 7

É certo que todos os princípios fundamentais decorrem da dignidade da

pessoa humana, princípio formador dos direitos da personalidade, mas não

existe hierarquia entre os princípios, apenas ponderação.

O STF ponderou pelo princípio da dignidade da pessoa humana, nesse

caso, por entender que “A discriminação racial levada a efeito pelo exercício da

liberdade de expressão compromete um dos pilares do sistema democrático, a

própria ideia de igualdade.” 8 Em razão disso, pode-se afirmar que essa

decisão tem um papel importante no fortalecimento da democracia, pois o

princípio democrático não é pautado apenas pela liberdade, mas também pela

igualdade. O Estado de Direito surge com a pretensão de igualdade, tratar

igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de sua

desigualdade.

A liberdade de expressão encontra limites, logo, não pode levar ao

racismo, a intolerância. Fica evidente a condenação para preservar uma

sociedade pluralista e tolerante, defendendo a dignidade da pessoa humana,

uma vez que não há outro meio igualmente eficaz de punição. Se a liberdade

de expressão for levada sem limites, inúmeros bens jurídicos seriam

lesionados.

COLISÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS

A colisão entre os direitos fundamentais, de maneira geral, ocorre

quando o exercício de um direito fundamental, por parte do seu titular, colide

com o exercício do direito fundamental, por parte de outro titular9.

A colisão dos direitos fundamentais pode ser encontrada facilmente no

Habeas Corpus nº 82.424 impetrado por Siegfried Ellwanger, em virtude de se

7 MÜLLER, Friedrich, 1999 apud MENDES, Gilmar. Curso de Direito constitucional. 4 ed. São Paulo: 2009. p. 129.8 BRASIL, Superior Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 82.424, Brasília, DF, 12 de dezembro de 2002. Lex: jurisprudência do STF, p. 651, nov. 2010.9 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 3.ed. reimp., Coimbra: Almedina, 1998. p. 1255.

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colocar em xeque princípios garantidos pela Constituição Federal de maneira

plena e sem distinção.

Partindo do pressuposto que não há valorização entre um direito ou

outro previsto na Constituição Federal, deve-se agir por meio da ponderação

entre os mesmos. Pois, não existe uma hierarquização entre os direitos e sim

um meio termo para que um princípio não sobreponha o outro, observando o

principio da harmonização, em que ao legislador se depara com situações de

concorrência entre bens constitucionalmente protegidos, “adote a solução que

otimize a realização de todos eles, mas ao mesmo tempo não acarrete a

negação de nenhum”10.

No caso de Ellwanger os ministros atentam ao fato de tratar igualmente

os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade, sendo

esse o fator relevante para resolver a discriminação aos judeus. Por se tratar

de uma religião a defesa alega que não pode ser considerado crime de

racismo, imprescritível, porém ampliando o campo de visão pode ser

considerado racismo por criar uma distinção entre pessoas, o que não deve

existir. Deve-se analisar a posição tomada pelo STF como uma evolução dos

direitos fundamentais, pois nunca foi tratado a respeito dos judeus como fora

nesse caso, o racismo sempre foi considerado aquele contra afro-

descendentes, orientais, indígenas, etc. Há décadas o povo judeu vem

sofrendo com a discriminação, um exemplo, que é de conhecimento de todos,

é o Holocausto durante a 2ª Guerra Mundial organizado e executado pelo líder

nazista, alemão, Adolf Hitler. Desde então é considerado crime qualquer tipo de

apologia nazista, mas até a data desse Habeas Corpus não havia

jurisprudência que tratasse a respeito desse assunto.

DECISÃO

10 MENDES, G. Ferreira et al. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. Saraiva. 2010. p. 175.

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O Supremo Tribunal Federal sob Relatório do Excelentíssimo Senhor

Ministro Moreira Alves, deu por indeferido por oito votos a três o pedido de

Habeas Corpus impetrado pela defesa do paciente alegando serem as

publicações inconciliáveis com os padrões éticos e morais estabelecidos na

Constituição Federal Brasileira.

A questão principal do processo é a colisão entre dois direitos

fundamentais previstos pela CF, sendo eles:

Art. 1 A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...]

III – a dignidade da pessoa humana11

E o direito de liberdade de expressão:

Art. 5°

IV – é livre de manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, cientifica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;12

A defesa alega que no presente caso o direito a liberdade de expressão

ser mais importante e que a publicação poderia ter qualquer conteúdo ficando a

critério da opinião publica compará-los ou não.

Já os tribunais inferiores consideraram as publicações como uma afronta

direta a dignidade da pessoa humana, entendimento este retificado pelos

ministros do STF.

Os Ministros do Supremo tentaram resolver o caso de modo que

existisse uma ponderação de princípios.

Muitas questões nortearam a decisão como à questão colocada sobre

judeus serem ou não uma raça.

11 ? BRASIL, Constituição Federal. Art. 1. Saraiva: 2010. p. 2.12 Ibid., p. 4.

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No entanto foi justificado o indeferimento do pedido sob alegação de que

qualquer gesto que se volte contra a dignidade da pessoa humana deve ser

considerado crime. O Ministro Marco Aurélio considerando a importância dos

dois princípios e a não hierarquização dos mesmos, decidiu que a não censura

as publicações seria proporcionalmente melhor para a promoção da

democracia e de uma cultura diversificada como a existente no Brasil, pois

deixaria a cargo da própria opinião publica. Justificativa esta o motivo pelo qual

declarou deferir o pedido de HC. Já o Min. Gilmar Mendes, nitidamente

hierarquizou os princípios colocando como intolerável que no caso o principio

da dignidade humana seja atingido pelo principio da Liberdade de expressão.

A decisão de negar o Habeas Corpus sendo ela atingida por

unanimidade mostra que os Ministros partiram de pensamentos diferentes e

que apesar de todos terem utilizado ponderações na analise da colisão entre

os princípios três chegaram a conclusões distintas. No entanto a jurisprudência

abre espaço para o Supremo legislar, já que no caso a decisão é para o que os

Magistrados consideram melhor para a população brasileira e não o que é

constitucionalmente adequado a ela. Ou seja, deveria ser a matéria deixada

para que ou o legislativo regulamente a mesma ou para que a opinião pública

discutisse e provocasse tal regulamentação.

Sendo assim a própria decisão vai contra os princípios democráticos

ferindo assim um direito que foi conquistado por muito tempo de luta.

RAZÕES GERAIS SUSTENTADAS NO JULGAMENTO

A primeira estratégia dos impetrantes se dá em torno da prescritibilidade

das leis que se aplicam ao caso. Os impetrantes defendem que o paciente

pode ser condenado pelo crime tipificado no artigo 20, da Lei 7.716/89, que

prescreve a discriminação contra os judeus. Entretanto, alegam que o crime

cometido não possui conotação racial, o que impede a aplicação do artigo 5°

da Constituição e, portanto, a imprescritibilidade no caso, de forma a

possibilitar a suspensão da execução da sentença devido à prescrição do caso.

Os impetrantes afirmam que o texto da Lei ao se referir à

imprescritibilidade por discriminação diz respeito especificamente ao racismo, e

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a questão que se instaura a partir daí é se judeus consistem numa raça de

forma que se possa aplicar o artigo 5° da Constituição.

Os defensores do paciente afirmam que os judeus não são uma raça, e

buscam vários autores judeus para fundamentar essa idéia.

Ao todo são três os ministros que deferem o pedido de hábeas corpus:

Moreira Alves, Marco Aurélio e Carlos Ayres Britto. Os dois primeiros defendem

a extinção da punição em função prescrição do caso. No discurso do relator

ministro Moreira Alves constam várias citações de autores judeus, alguns deles

antropólogos, que tentam definir o que são os judeus. A conclusão reiterada é

que não constituem uma raça, pois esse termo se referia, sobretudo, a

diferenças biológicas. Essa idéia encontra respaldos no fato de haver judeus de

inúmeras nacionalidades, bem como haver judeus brancos, negros e amarelos.

A melhor definição é a que traz a idéia de povo, muito mais ligada por laços

místicos do que propriamente biológicos e até mesmo religiosos. A grande

confusão, segundo alguns autores, sobre a classificação dos judeus, se deve a

Hitler que propagou a idéia de raça judia, inferior, em contraposição a idéia de

raça ariana, superior. Moreira Alves, no auge de sua argumentação, prevê

quais as conseqüências de se abrir o conceito de racismo. Para ele, as

conseqüências seriam negativas, pois, afetariam diretamente as liberdades

fundamentais em diversos âmbitos, a saber, o econômico, o político e o social.

Além disso, sustenta que a perseguição aos judeus não ocorre no Brasil, e que

não temos holocausto aqui.

O outro ministro que defere o pedido de hábeas corpus, Carlos Ayres

Britto, afirma que o trabalho feito por Siegfried Ellwanger é de revisão histórica,

e defende durante toda sua argumentação a liberdade de pensamento. A

justificativa de seu voto é a ausência de tipicidade de conduta.

Os ministros que indeferem o pedido de hábeas corpus são Maurício

Corrêa, Celso de Mello, Gilmar Mendes, Carlos Velloso, Nelson Jobim, Ellen

Gracie, Cezar Peluso e Sepúlveda Pertence. Para eles, em geral, o conteúdo

do livro não constituem uma revisão histórica das perseguições que marcaram

a 2° Guerra Mundial, e podem, sim, colocar a segurança dos judeus residentes

no país em perigo.

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Mas a questão muda um pouco de foco. Com Maurício Correa, ganha

importância a questão da exegese do texto constitucional, e não apenas o

conceito de raça. Entretanto, o cerne prático continua sendo o da

imprescritibilidade da conduta de Ellwanger.

Os questionamentos giram em torno de como deve ser interpretado o

inciso XLII do artigo 5° da Constituição: se o texto em foco deve ser entendido

de modo stricto senso, isto é, que ele abrange somente o que de fato entende-

se por raça hoje, ou se deve-se aderir a uma interpretação teleológica. Este

modo de interpretação é sugerido por Corrêa em vista das circunstâncias em

que o inciso XVII foi elaborado. Seu inspirador foi o deputado constituinte Caó,

que na época vivia no contexto de preocupação em assegurar os direitos dos

negros. Mas será que os demais constituintes que votaram na disposição

pensaram também dessa forma, ou incluíram no conceito de racismo outros

segmentos que não o negro?

Maurício Corrêa também considera os fatores históricos de repressão

aos judeus, alegando que talvez devêssemos aos judeus essa demonstração

de justiça.

Corrêa coloca que o conceito de raça não deve ser tratado sob o

aspecto meramente biológico, pois, como o próprio projeto de pesquisa do

genoma humano provou, as diferenças entre os seres humanos são ínfimas.

Ao se catalogar as pessoas como negras, amarelas ou brancas o que se faz é

associar certas características físicas decorrentes de adaptações geográficas.

Por isso, os elementos antropológicos e sociológicos devem ser levados

também em consideração.

Gilmar Mendes argumenta no mesmo sentido de Corrêa, e ressalta que:

"[...] o indeferimento do hábeas corpus na espécie é fundamental para a afirmação de uma concepção de exercício dos direitos fundamentais no contexto de sociedades democráticas, que se não compatibiliza com a prática de intolerância militante e com ataques à dignidade de grupos ou de etnias"13

13 BRASIL, Superior Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 82.424. Brasília DF, 12 de

dezembro de 2002. Lex: jurisprudência do STF, p. 971, nov. 2010.

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14

As razões constitucionais para a condenação de Siegfried Ellwanger

elencadas pelos ministros tem por base o racismo. Malgrado a divergência de

opiniões a respeito do caso e dos conceitos que ele envolve, outros motivos

são integrados ao ato de racismo, tais como colocar em risco os fundamentos

de uma sociedade livre, de entender-se que uma ofensa contra a dignidade de

um ser humano é uma ofensa contra a dignidade de todos e de cada um.

O QUE DIZ O TEXTO DA NORMA

A polêmica em torno do Hábeas Corpus impetrado no caso de Ellwanger

gira em torno da questão qualificativa de judeu como raça ou não. O conflito

entre dois direitos fundamentais, que garantem o fundamento e funcionamento

do nosso Estado Democrático de Direito, resultam em um longo debate sobre

qual deve se sobrelevar ao outro. Primeiramente faz-se necessário realizar

uma análise sobre o que diz o texto da norma e sobre a norma em si, levando

em conta os aspectos de limites da interpretação constitucional.

Como afirma Gilmar Ferreira Mendes 14

[...] a idéia de se estabelecerem parâmetros objetivos para controlar e/ou racionalizar a interpretação derivam imediatamente, dos princípios da certeza e da segurança jurídica, que estariam comprometidos se os aplicadores do direito, em razão da abertura e da riqueza semântica dos enunciados normativos, pudessem atribuir-lhes qualquer significado, à revelia dos cânones hermenêuticos e do comum sentimento de justiça.

Com isso, observa-se que o próprio Direito constitucional não pode se

limitar somente à aquilo que está escrito na Constituição, mesmo porque,

muitas vezes os enunciados normativos presente nela se encontram de forma

abrangente, por fim necessitando da interpretação dos aplicadores do direito,

que acabam fixando suas linhas de pensamento através da jurisprudência

constitucional. Contudo, ainda assim há a presença de certos limites que

devem ser seguidos e respeitados na interpretação do texto constitucional.

Com essas novas linhas de pensamento sendo fixadas, acabam cada vez com

14 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 183.

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mais freqüência originando Mutações Constitucionais, que nada mais são do

que a mudança interpretativa de determinada norma sem alterar o texto escrito,

ou seja, o seu entendimento assume novos significados devido as mudanças

que vão ocorrendo aos poucos na sociedade. Cabe ao intérprete não

ultrapassar os limites possíveis de interpretação da norma, pois caso o faça ele

acaba assumindo a função de legislador, o que na verdade não compete ao

seu cargo fazê-lo.

Para resolver o embate entre dois direitos fundamentais como no caso

estudado ou em qualquer outro que envolvam situações parecidas, é de suma

importância o uso do principio da proporcionalidade na análise da cada caso

separadamente. Primeiro, para melhor esclarecer a ligação entre a norma e a

sua interpretação, façamos uma análise sobre a Liberdade de Expressão.

Antes de tudo, ressalta-se a importância da passagem de Paulo Gustavo

de Gonet Branco15 sobre as liberdades:

Liberdade e igualdade formam dois elementos essenciais ao conceito de dignidade da pessoa humana, que o constituinte erigiu à condição de fundamento do Estado Democrático de Direito e vértice do sistema dos direitos fundamentais.

A liberdade de expressão como já citado anteriormente neste trabalho, é

uma das ferramentas que dão segurança ao funcionamento do nosso sistema

democrático, uma vez que garante a pluralidade de pensamentos e opiniões

que formam nossa sociedade. Segundo o art. 5º da nossa constituição16:

15 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p.450.16 BRASIL, Constituição Federal (1988). Art. 5º. Saraiva, 2007. p. 7.

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Art. 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

IV – é livre de manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

[..]

IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, cientifica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

Como visto, esse direito está na base de toda a estrutura de nosso

Estado, contudo, como o próprio Gonet Branco afirma, essa liberdade não

abrage a violência. Nas palavras de Celso Lafer “a orientação fixada no

acórdão foi a de que a garantia constitucional da liberdade de expressão não é

absoluta, tem limites jurídicos e não pode abrigar, em sua abrangência,

manifestações que implicam ilicitude penal”. 17 Ou então, como complementa a

Procuradora Federal Priscila Coelho de Barros Almeida “não se pode deixar de

observar que o seu livre exercício esbarra na limitação de que sua utilização

não abarca a prática de condutas ilícitas. 18 Assim, torna-se fácil perceber que

os direitos de expressão encontram limites previamente identificados pelo

constituinte, podendo sofrer recuos quando vão contra a valores intrínsecos à

todos os seres humanos, principalmente quando os são feito através de

discursos de ódio.

Agora devemos analisar o que diz o texto constitucional sobre o crime de

racismo ao qual Ellwanger foi acusado, e sobre quais os diversos

entendimentos que podemos extrair a partir do texto. Segundo a Constituição

de 1988 19:

Art. 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

17 LAFER, Celso. O STF e o racismo: o caso Ellwanger. Folha de São Paulo. 30 mar. 2004. Disponível em: < http://www.verdestrigos.org/sitenovo/site/cronica_ver.asp?id=271>. Acesso em: 10 nov. 2010.18 ALMEIDA, Priscila Coelho de Barros. Caso Ellwanger: Uma análise da liberdade de expressão e proteção de minorias no STF. Clubjus, Brasília- DF: 30 set. 2010. Disponível em: < http://www.clubjus.com.br/?artigos&ver=2.32329 >. Acesso em> 10 nov. 2010. 19 BRASIL, Constituição Federal (1988). Art. 5º. Saraiva, 2007. p. 8.

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17

[...]

XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;

Deve-se citar aqui a Lei n.º 7.716, de 5 de janeiro de 1989, que se

relaciona com o artigo da Constituição citado. Segundo ela:

Art.1º: Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

[...]

Art.20: Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Pena - reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos e multa.  

§ 1º: Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos, propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo.

Pena – reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa.

§ 2º: Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza.            Pena – reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa.

Uma das maneiras de se interpretar o caso de racismo é aceitar que ele

é formado por comportamentos e teorias que tentam justificar a superioridade

de uma raça com relação à outra, e discriminação e preconceito, de certa

forma, acabam sendo fruto desta teoria. 20 Assim, na estrutura da própria

Constituição o legislador deixa bem claro a distinção entre conduta

discriminatória e prática de racismo. Observa-se isso em um inciso anterior ao

XLII, onde o legislador afirma que todo ato discriminatório é considerado crime,

e após isso, ele afirma que apenas a pratica de “racismo” é que é um crime

considerado imprescritível.

20 MARINHO, Karoline Lins Câmara. A COLISÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS E SUA SOLUÇÃO NO CASO “SIEGFRIED ELLWANGER” JULGADO PELO STF. p.15. Disponível em: < http://www.esmarn.org.br/ojs/index.php/revista_teste/article/viewFile/85/76 >. Acesso em: 10 nov. 2010.

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LIBERDADE DE EXPRESSÃO vs DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Para os ministros que decidem pelo deferimento do Habeas Corpus

pode-se observar uma enorme preocupação com a liberdade de expressão,

que, segundo eles, é um dos “grandes baluartes da liberdade”, que o considera

um dos mais importantes e imprescindíveis para a concretização do princípio

democrático. É a partir da liberdade de expressão que podemos exteriorizar

todos os nossos pensamentos sem o medo de sofrer alguma sanção do

Estado, a liberdade de expressão torna-se uma ferramenta indispensável para

o exercício da democracia e da soberania popular assim como citado

anteriormente no art. 5º, IX.

Para os ministros que indeferem o pedido de Habeas Corpus o princípio

de maior relevância é o da dignidade da pessoa humana no que tange o

Estado Democrático de Direito, para tais ministros se não houvesse uma

Constituição esse fundamento estaria a priori dela, podemos citar até Hans

Kelsen com a “Teoria da Norma Fundamental” de que ela existe acima da

Constituição, está no topo da pirâmide normativa. Para esses ministros para

que exista um Estado Democrático como declara: Art. 1º, caput – A República

Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios

e do Distrito Federal, constitui-se um Estado Democrático de Direito [...] 21 é

necessário que o princípio da dignidade da pessoa humana não seja violado.

Eles priorizam que é necessário extrair deste princípio a sua máxima eficácia,

por ser considerado essencial e de limite externo aos outros direitos

fundamentais, possuindo supremacia sobre os outros princípios.

Como analisado anteriormente não existe uma hierarquização entre os

princípios dos direitos fundamentais, mas sim uma ponderação entre os

mesmo para que nenhum seja deixado de lado e que não se sobreponha ou

viole nenhum direito assegurado a todos os cidadãos brasileiros ou

estrangeiros, levando em consideração a isonomia dos desiguais.

21 BRASIL, Constituição Federal (1988). Art. 5º. Saraiva, 2007. p. 7.

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REFERÊNCIAS

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liberdade de expressão e proteção de minorias no STF. Clubjus, Brasília-

DF: 30 set. 2010. Disponível em: < http://www.clubjus.com.br/?artigos&ver

=2.32329 >. Acesso em> 10 nov. 2010.

BRASIL, Superior Tribunal Federal. Hábeas Corpus nº. 82.424. Brasília DF, 12

de dezembro de 2002. Lex: jurisprudência do STF.

BRASIL, Constituição Federal (1988). Saraiva, 2010.

BRASIL, Legislação Complementar. Verbo Jurídico: 2007.

CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 3.

ed. reimp. Coimbra: Almedina, 1998.

LAFER, Celso. O STF e o racismo: o caso Ellwanger. Folha de São Paulo. 30 mar. 2004. Disponível em: < http://www.verdestrigos.org/sitenovo/site/

cronica_ver.asp?id=271 >. Acesso em: 10 nov. 2010.

MARINHO, Karoline Lins Câmara. A COLISÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS E SUA SOLUÇÃO NO CASO “SIEGFRIED ELLWANGER” JULGADO PELO STF. p.15. Disponível em: < http://www.esmarn.org.br/ ojs/index.php/revista_teste/article/viewFile/85/76 >.Acesso em: 10 nov. 2010.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo

Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva,

2010.

MÜLLER, Friedrich, 1999 apud. MENDES, Gilmar. Curso de Direito

constitucional. 4.ed. São Paulo: 2009.