libâneo - educação escolar

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Este livro proporciona aos futuros professores e gestores dos sistemas de ensino e das escolas bases conceituais para uma análise dos aspectos sociopolíticos, históricos, legais, pedagógicos-curriculares e organizacionais da educação escolar brasileira e da organização e gestão da escola, possibilitando uma visão crítico-compreensiva dos contextos em que os profissionais da educação exercem suas atividades. Com esse conteúdo, acredita-se que tais profissionais possam: • situar o sistema escolar brasileiro no contexto das trans- formações em curso na sociedade contemporânea; • conhecer e analisar as políticas educacionais, as reformas do ensino e os planos e diretrizes, tendo como foco a construção da escola pública brasileira; • conhecer a estrutura e organização do ensino brasileiro; • desenvolver conhecimento e competências para atuarem, de forma eficiente e participativa, nas práticas de organização e de gestão da escola e na transformação dessas práticas. DOCÊNCIA^ FORMAÇAO Educação Escolar: políticas, estrutura e organização * Estágio e Docência Questões de método na construção da pes EDITORA CIRC Tombo: 58434 Educação^ Escolar Políticas, Estrutura e Organização J osé C arlos L ibâneo J oão F erreira de O liveira M irza S eabra T oschi

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Libâneo - Educação escolar - Políticas, Estrutura e OrganizaçãoJosé Carlos LibâneoJoão Ferreira de OliveiraMirza Seabra Toschi

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  • Este livro proporciona aos futuros professores e gestores dos sistem as de ensino e das escolas bases conceituais para uma anlise dos aspectos sociopolticos, histricos, legais, pedaggicos-curriculares e organizacionais da educao escolar brasileira e da organizao e gesto da escola, possibilitando uma viso crtico-compreensiva dos contextos em que os profissionais da educao exercem suas atividades. Com esse contedo, acredita-se que tais profissionais possam:

    situar o sistema escolar brasileiro no contexto das transformaes em curso na sociedade contempornea;

    conhecer e analisar as polticas educacionais, as reformas do ensino e os planos e diretrizes, tendo como foco a construo da escola pblica brasileira;

    conhecer a estrutura e organizao do ensino brasileiro; desenvolver conhecimento e competncias para atuarem,

    de forma eficiente e participativa, nas prticas de organizao e de gesto da escola e na transformao dessas prticas.

    D O C N C IA ^ FORMAAO

    Educao Escolar: polticas, estrutura e organizao * Estgio e Docncia

    Questes de mtodo na construo da pes

    EDITORA

    CIRCTombo: 58434

    Educao^Escolar

    Polticas, Estrutura e Organizao

    J os Carlos L ibneo J oo Ferreira de Oliveira

    Mirza Seabra Toschi

  • Srie: Educao Infantil

    Educao Infantil: fundamentos e mtodosZilm a Ramos de Oliveira

    Educao Infantil e registro de prticasAmanda Cristina Teagno Lopes

    Formao de professores na Educao Infantil M arineide de Oliveira Gomes

    Srie: Ensino Fundamental

    Ensino de Cincias: fundamentos e mtodosDemtrio Delizoicov Jos Andr Angotti

    M arta M aria Pernambuco

    Ensino de Histria: fundamentos e mtodosCirce M aria Fernandes Bittencourt

    Ensino Religioso no Ensino FundamentalLilian Blanck de Oliveira

    Srgio Rogrio Azevedo Junqueira Luiz Alberto Sousa Alves - Ernesto Jacob Keim

    Filosofia: fundamentos e mtodosMarcos Antnio Lorieri

    Para ensinar e aprender Geografia N dia Nacib Pontuschka Tomoko Iyda Paganelli

    Nria Hanglei Cacete

    Srie: Ensino Mdio

    Ensino de Biologia: histrias e prticasem diferentes espaos educativos

    M artha M arandino Sandra Escovedo Selles Mareia Serra Ferreira

    Ensino de Filosofia no Ensino MdioEvandro Ghedin

    DOCNCIA

    Coordenao: Selma Garrido Pimenta

    EDITORA AFILIADA

  • 2003 by Jos Carlos Libneo Joo Ferreira de Oliveira

    Mirza Seabra Toschi

    Direitos de publicaoCORTEZ EDITORA

    Rua Monte Alegre, 1074 Perdizes 05014-001 - S o P au lo -SP

    Tel.: (11) 3864-0111 Fax: (11) [email protected]

    DireoJos Xavier Cortez

    EditorAmir Piedade

    PreparaoAlexandre Soares Santana

    RevisoAuricelia Lim a Souza

    Gabriel M aretti Paulo Oliveira

    Edio de Arte M aurcio Rindeika Seolin

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Libneo, Jos CarlosEducao escolar: polticas, estrutura e organizao / Jos Carlos

    Libneo, Joo Ferreira de Oliveira, Mirza Seabra Toschi - 10. ed. rev. e ampl. - So Paulo: Cortez, 2012. - (Coleo docncia em formao: saberes pedaggicos / coordenao Selma Garrido Pimenta)

    Bibliografia.ISBN 978-85-249-1860-5

    1. Educao - Brasil 2. Educao e Estado - Brasil 3. Escolas - Administrao e Organizao - Brasil 4. Escolas pblicas - Brasil 5. Professores - Formao Profissional I. Oliveira, Joo Ferreira de. II. Toschi, Mirza Seabra. III. Pimenta, Selma Garrido.IV. Ttulo. V. Srie.

    12-00672 CDD-371.00981

    ndices para catlogo sistemtico:1. Brasil: Educao escolar 371.009812. Educao escolar: Brasil 371.00981

    Impresso no'Brasil - abril de 2012

    J os Carlos Libneo J oo Ferreira de Oliveira

    M irza Seabra T oschi

    Educao escolarpolticas, estrutura

    e organizao

    10a edio revista e am pliada~20lT~

    /aCORTZ >&DITORQ

  • SumrioAOS PROFESSORES ................................................................................... 13

    Apresentao da c o le o ......................................................................15

    Apresentao 10 1 e d i o ................................................................25

    Apresentao do liv ro ...........................................................................31

    Introduo ......................................................................... 371. Novas realidades sociais, as reformas

    educativas, a organizaoe a gesto das escolas .......................................42

    2. Breve histria dos estudos disciplinares relacionados estrutura e organizaodo ensino ........................................................... 472.1. Legislao, objetivos e contedos bsicos___492.2. A evoluo da disciplina

    (a transformao do objeto de estudo)........ 53Bibliografia ............................................................55

    Is Parte A educao escolar no co ntextoDAS TRANSFORMAES DA SOCIEDADE

    M CONTEMPORNEA ...................................................... 59

    Captulo I As transformaes tc n ic o -cientficas,ECONMICAS E POLTICAS ........................................ 67

    1. Revoluo tecnolgica:impactos e perspectivas ...................................691.1. Uma trade revolucionria: a energia

    termonuclear, a microbiologiae a microeletrnica ......................................70

    1.2. Um destaque: a revoluo informacional ... 772. Globalizao e excluso social ........................81

    2.1. Acelerao, integraoe reestruturao capitalista .......................... 84

    2.2. Globalizao dos mercados:incluso ou excluso? ................................. 87

  • 2.3. Globalizao do poder:o Estado global e a nova ordemeconmica mundial .....................

    3. Neoliberalismo: o mercado como princpio fundador, unificador eautorregulador da sociedade ................3 .1 .0 paradigma da igualdade ................3.2. O paradigma da liberdade econmica,

    da eficincia e da qualidade ...............3.3. Neoliberalismo e educao: reformas

    e polticas educacionais de ajuste .......

    C aptulo II A educao escolar pblica eDEMOCRTICA NO CONTEXTO ATUAL:UM DESAFIO FUNDAMENTAL ................................

    1. Impactos e perspectivas da revoluo tecnolgica, da globalizao e do neoliberalismo no campo da educao

    2. Objetivos para uma educao pblica de qualidade diante dos desafiosda sociedade contempornea ...............

    Bibliografia ...................................................Leituras complementares ............................

    2- Parte As polticas educacionais, as reformasDE ENSINO E OS PLANOS E DIRETRIZES:A CONSTRUO DA ESCOLA PBLICA ...............

    C aptulo I Elementos para uma anliseCRTICO-COMPREENSIVA DAS POLTICAS EDUCACIONAIS: ASPECTOS SOCIOPOLTICOS E HISTRICOS ...............................................................

    1. A histria da estrutura e da organizaodo sistema de ensino no Brasil ..............

    2. Centralizao/descentralizao naorganizao da educao brasileira .......

    3. O debate qualidade/quantidadena educao brasileira ............................

    4. O embate entre defensores da escola pblica e privatistasna educao brasileira ................................. 166

    C aptulo II As reformas educacionaisE OS PLANOS DE EDUCAO ................................. 173

    1. Breve histrico das reformas educacionais . 1 7 52. Plano Nacional de Educao (PNE)

    2001-2010: histrico e anlise geral ......... 1813. Polticas educacionais no governo

    Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) 1854. Polticas educacionais do primeiro governo

    Luiz Incio Lula da Silva (2003-2006) .... 1885. Programa de educao do segundo governo

    Luiz Incio Lula da Silva (2007-2010):Plano de Desenvolvimento daEducao (PDE) ........................................... 192

    6. Plano de Metas CompromissoTodos pela Educao ................................... 195

    7. Programa de educao do governo Dilma Roussefif (2011-2014): educao de qualidade, cincia e tecnologiapara construir uma sociedade do conhecimento ..........................................204

    8. O PNE para a prxima dcada .................. 2079. Emenda Constitucional ns 59, de 11

    de novembro de 2009 ...................................21310. As alteraes na LDB ns 9.394/1996 ..... 217

    C aptulo III A construo da escola pblica:AVANOS E IMPASSES ............................................ 231

    1. As modalidades de educao ........................2352. A educao escolar ........................................ 2373. Diferentes concepes

    de educao escolar........................................ 2394. A construo da escola pblica:

    finalidades sociais e polticas eorganizao curricular e pedaggica .............248

  • C aptulo IV Avaliao da educao bsica ......................261

    C aptulo V O s profissionais d o magistrio e o s movimentos associativos naORGANIZAO DO SISTEMA DE ENSINO E NA ORGANIZAO ESCOLAR ...............................271

    1. Os profissionais do ensino, as competncias profissionais e as caractersticas da carreira . 273

    2. Magistrio e especialistas ................................ 2753. As formas de organizao sindical e

    cientfica dos profissionais do magistrio .. 2774. Profissionalizao do magistrio ................... 280

    4.1. A carreira do magistrio ....................... 2824.2. Aes pblicas no campo da

    formao dos professores eseu exerccio profissional ........................2844.2.1. Plataforma Freire e

    Portal do Professor ...........................2854.2.2. Plano Nacional de Formao

    de Professores da EducaoBsica (Parfor) ..................................286

    4.2.3. Piso Salarial da Carreira Docente ... 2874.2.4. Diretrizes da Carreira Docente ....... 2954.2.5. Formao continuada dos

    profissionais da educao:educao a distncia .........................299

    Bibliografia ..............................................................302

    3- Parte Estrutura e organizao do ensinoBRASILEIRO: ASPECTOS LEGAIS E ORGANIZACIONAIS ...............................................307

    C aptulo I A estrutura d o en sin o : federal,ESTADUAL E MUNICIPAL ...........................................311

    1. Relaes entre sistema de ensinoe outros sistemas sociais ..................................314

    2. Formas de organizao dos sistemas ............316

    C aptulo II Princpios da organizaoco nform e a LD B /1996 ...................................321

    C aptulo III O rganizao administrativa, pedaggicae curricular do sistema de ensino ............ 325

    1. Sistema nacional de educao:balano crtico ............................................... 328

    2. Sistema federal de ensino ............................. 3303. Sistema estadual de ensino .......................... 3354. Sistema municipal de ensino ...................... 337

    C aptulo IV N veis e modalidades de educaoe de ensino .......................................................... 341

    1. Educao bsica .............................................3442. Educao superior ..........................................3553. Modalidades de educao/ensino ............... 361

    C aptulo V F inanciamento da educao escolar ....... 3711. Receita financeira e oramento ................... 3742. A subvinculao de recursos

    por meio de fundos: Fundef e Fundeb . . . . 3783. Como se faz o oramento? .........................3814. Como os recursos so divididos e gastos? .. 3825. Como possvel controlar

    os recursos pblicos? ......................................384

    C aptulo VI Os programas do Fu n do N acionalde D esenvolvimento da E ducao ............. 389

    1. Programa Nacional de AlimentaoEscolar (PNAE) ........................................... 394

    2. Programa Dinheiro Diretona Escola (PDDE) ........................................ 394

    3. Programa Nacional Bibliotecada Escola (PNBE) ........................................ 396

    4. Programa Nacional doLivro Didtico (PNLD) ...............................397

    5. Programas de transporte escolar .................. 3986. Programa Brasil Profissionalizado ............... 399

  • 7. Programa Nacional de Formao Continuada a Distncia nas Aes do FN D E (Formao pela Escola) ............ . 3 9 9

    8. Proinfncia ............................. .4009. Programa Nacional de Sade

    do Escolar (PNSE) .......................... . 40110. Plano de Aes Articuladas (PAR) ....... .402Bibliografia ............................ .402

    4a Parte O r g a n iz a o e g e s t o d a e s c o l a :OS PROFESSORES E A CONSTRUO COLETIVA DO AMBIENTE DE TRABALHO ... . 405

    C a p t u l o I O r g a n iz a o e g e s t o , o b je t iv o s d oENSINO E TRABALHO DOS PROFESSORES .......... .409

    1. A escola entre o sistema de ensino e a sala de aula .......................... .415

    2. Os objetivos da escola e as prticas de organizao e gesto ........... . 419

    3. Funcionar bem para melhorar a aprendizagem ............................. .420

    4. A organizao da escola: os meios em funo dos objetivos ...................... .424

    5. A escola, lugar de aprendizagemda profisso. A comunidade democrtica de aprendizagem ..............................

    1

    .4276. Os professores na organizao e na gesto

    escolar. Competncias do professor .... .429

    C a p t u l o II O SISTEMA DE ORGANIZAO E DE GESTODA ESCOLA: TEORIA E PRTICA ......................... .433

    1. Os conceitos de organizao, gesto, direo e cultura organizacional ........... . 436

    2. As concepes de organizaoe de gesto escolar ............................ .444

    3. A gesto participativa ............................ .4504. A direo como princpio e atributo da

    gesto democrtica: a gesto da participao. 453

    5. Princpios e caractersticas da gestoescolar participativa .......................................455

    6. A estrutura organizacional de uma escolacom gesto participativa................................462

    7. As funes constitutivas do sistema deorganizao e de gesto da escola ............... 4697.1. Planejamento escolar e projeto

    pedaggico-curricular ..................................4707.2. Organizao geral do trabalho .................4717.3. Direo e coordenao .............................. 4757.4. Avaliao da organizao e da

    gesto da escola ............................................ 476

    C aptulo III As reas de atuao da organizaoE DA GESTO ESCOLAR PARA MELHORAPRENDIZAGEM DOS ALUNOS .............................479

    1. O planejamento e o projetopedaggico-curricular ...................................483

    2. A organizao e o desenvolvimentodo currculo ..................................................489

    3. A organizao e o desenvolvimentodo ensino ....................................................... 494

    4. As prticas de gesto .................................... 4964.1. Aes de natureza tcnico-administrativa . 4964.2. Aes de natureza pedaggico-curricular . 500

    5. O desenvolvimento profissional(formao continuada) ..................................504

    6. Avaliao institucional da escola eda aprendizagem ........................................... 507

    C aptulo IV D esenvolvendo aes e competnciasPROFISSIONAIS PARA AS PRTICAS DE GESTO PARTICIPATIVA E DE GESTO DA PARTICIPAO ...509

    1. Aes a ser desenvolvidas ............................. 5132. Competncias profissionais

    do pessoal da escola ....................................... 529Bibliografia .......................................................... 537Leituras complementares ...................................539

  • AOS PROFESSORES

    A Cortez Editora tem a satisfao de trazer ao pblico brasileiro, particularmente aos estudantes e profissionais da rea educacional, a Coleo Docncia em Formao, destinada a subsidiar a formao inicial de professores e a formao contnua daqueles que esto em exerccio da docncia.

    Resultado de reflexes, pesquisas e experincias de vrios professores especialistas de todo o Brasil, a Coleo prope uma integrao entre a produo acadmica e o trabalho nas escolas. Configura um projeto indito no mercado editorial brasileiro por abarcar a formao de professores para todos os nveis de escolaridade: Educao Bsica (incluindo a Educao Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino M dio), a Educao Superior, a Educao de Jovens e Adultos e a Educao Profissional. Com pleta essa form ao com as Problemticas Transversais e com os Saberes Pedaggicos.

    Com mais de 30 anos de experincia e reconhecimento, a Cortez Editora uma referncia no Brasil, nos demais pases latino-americanos e em Portugal por causa da coerncia de sua linha editorial e da atualidade dos temas que publica, especialmente na rea da Educao, entre outras. E com orgulho e satisfao que lana a Coleo Docncia em Formao, pois estamos convencidos de que se constitui em novo e valioso impulso e colaborao ao pensamento pedaggico e valorizao do trabalho dos professores na direo de uma escola melhor e mais comprometida com a mudana social.

    Jos Xavier Cortez Editor

  • A presentao da c o le o

    A Coleo Docncia em Formao tem porobjetivo oferecer aos professores em processo de formao e aos que j atuam como profissionais da Educao subsdios formativos que levem em conta as novas diretrizes curriculares, buscando atender, de modo criativo e crtico, s transformaes introduzidas no sistema nacional de ensino pela Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, de 1996. Sem desconhecer a importncia desse documento como referncia legal, a proposta desta Coleo identifica seus avanos e seus recuos e assume como compromisso maior buscar uma efetiva interferncia na realidade educacional por meio do processo de ensino e de aprendizagem, ncleo bsico do trabalho docente. Seu propsito , pois, fornecer aos docentes e alunos das diversas modalidades dos cursos de formao de professores (licenciaturas) e aos docentes 'em exerccio, livros de referncia para sua preparao cientfica, tcnica e pedaggica. Os livros contm subsdios formativos relacionados ao campo dos saberes pedaggicos, bem como ao campo dos saberes relacionados aos conhecimentos especializados das reas de formao profissional.

    A proposta da Coleo parte de uma concepo orgnica e intencional de educao e de formao de seus profissionais, e com clareza do que se pretende formar para atuar no contexto da sociedade brasileira contempornea, marcada por determinaes histricas especficas.

    15

  • Apresentao da coleo

    Como bem mostram estudos e pesquisas recentes na rea; os professores so profissionais essenciais nos processos de mudanas das sociedades. Se forem deixados margem, as decises pedaggicas e curriculares alheias, por mais interessantes que possam parecer, no se efetivam, no gerando efeitos sobre o social. Por isso, preciso investir na formao e no desenvolvimento profissional dos professores.

    Na sociedade contempornea, as rpidas transformaes no mundo do trabalho, o avano tecnolgico configurando a sociedade virtual e os meios de informao e comunicao incidem com bastante fora na escola, aum entando os desafios para torn-la uma conquista democrtica efetiva. Transformar as escolas em suas prticas e culturas tradicionais e burocrticas que, por intermdio da reteno e da evaso, acentuam a excluso social, no tarefa simples nem para poucos. O desafio educar as crianas e os jovens propiciando-lhes um desenvolvimento humano, cultural, cientfico e tecnolgico, de modo que adquiram condies para fazer frente s exigncias do mundo contemporneo. Tal objetivo exige esforo constante do coletivo da escola - diretores, professores, funcionrios e pais de alunos - dos sindicatos, dos governantes e de outros grupos sociais organizados.

    No se ignora que esse desafio precisa ser prioritariamente enfrentado no campo das polticas pblicas. Todavia, no menos certo que os professores so profissionais essenciais na construo dessa nova escola. Nas ltimas dcadas, diferentes pases realizaram grandes investimentos na rea da

    16

    Apresentao da coleo

    formao e desenvolvimento profissional de professores visando essa finalidade. Os professores contribuem com seus saberes, seus valores, suas experincias nessa complexa tarefa de melhorar a qualidade social da escolarizao.

    Entendendo que a democratizao do ensino passa pelos professores, por sua formao, por sua valorizao profissional e por suas condies de trabalho, pesquisadores tm apontado para a importncia do investimento no seu desenvolvimento profissional, que envolve formao inicial e continuada, articulada a um processo de valorizao identitria e profissional dos professores. Identidade que episte- molgica, ou seja, que reconhece a docncia como um campo de conhecimentos especficos configurados em quatro grandes conjuntos, a saber:

    1. contedos das diversas reas do saber e do ensino, ou seja, das cincias humanas e naturais, da cultura e das artes;

    2. contedos didtico-pedaggicos, diretamente relacionados ao campo da prtica profissional;

    3. contedos relacionados a saberes pedaggicos mais amplos do campo terico da educao;

    4. contedos ligados explicitao do sentido da existncia humana individual, com sensibilidade pessoal e social.

    Vale ressaltar que identidade que profissional ou seja, a docncia, constitui um campo especfico de interveno profissional na prtica social. E, como tal, ele deve ser valorizado em seus salrios e demais condies de exerccio nas escolas.

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  • Apresentao da coleo

    O desenvolvimento profissional dos professores tem se constitudo em objetivo de propostas educacionais que valorizam a sua formao no mais fundamentada na racionalidade tcnica, que os considera como meros executores de decises alheias, mas em uma perspectiva que reconhece sua capacidade de decidir. Ao confrontar suas aes cotidianas com as produes tericas, impe-se rever suas prticas e as teorias que as informam, pesquisando a prtica e produzindo novos conhecimentos para a teoria e a prtica de ensinar. Assim, as transformaes das prticas docentes s se efetivam medida que o professor amplia sua conscincia sobre a prpria prtica, a de sala de aula e a da escola como um todo, o que pressupe os conhecimentos tericos e crticos sobre a realidade. Tais propostas enfatizam que os professores colaboram para transformar as escolas em termos de gesto, currculos, organizao, projetos educacionais, formas de trabalho pedaggico. Reformas ges- tadas nas instituies, sem tomar os professores como parceiros/autores, no transformam a escola na direo da qualidade social. Em consequncia, valorizar o trabalho docente significa dotar os professores de perspectivas de anlise que os ajudem a compreender os contextos histrico, sociais, culturais, organizacionais nos quais se d sua atividade docente.

    Na sociedade brasileira contempornea, novas exigncias esto postas ao trabalho dos professores. No colapso das antigas certezas morais, cobra-se deles que cumpram funes da famlia e de outras instncias sociais; que respondam necessidade de afeto dos alunos; que resolvam os problemas da violncia, das drogas e da indisciplina; que preparem melhor

    18

    Apresentao da coleo

    os alunos nos contedos das m atem ticas, das cincias e da tecnologia tendo em vista coloc-los em melhores condies para enfrentarem a com petitividade; que restaurem a importncia dos conhecimentos na perda de credibilidade das certezas cientficas; que sejam os regeneradores das culturas/identidades perdidas com as desigualda- des/diferenas culturais; que gestionem as escolas com economia cada vez mais frugal; que trabalhem coletivamente em escolas com horrios cada vez mais fragmentados. Em que pese a importncia dessas demandas, no se pode exigir que os professores individualmente considerados faam frente a elas. Espera-se, sim, que coletivamente apontem caminhos institucionais ao seu enfrentamento.

    nesse contexto complexo, contraditrio, carregado de conflitos de valor e de interpretaes, que se faz necessrio ressignificar a identidade do professor. O ensino, atividade caracterstica do professor, uma prtica social complexa, carregada de conflitos de valor e que exige opes ticas e polticas. Ser professor requer saberes e conhecimentos cientficos, pedaggicos, educacionais, sensibilidade da experincia, indagao terica e criatividade para fazer frente s situaes nicas, ambguas, incertas, conflitivas e, por vezes, violentas, das situaes de ensino, nos contextos escolares e no escolares. da natureza da atividade docente proceder mediao reflexiva e crtica entre as transformaes sociais concretas e a formao humana dos alunos, questionando os modos de pensar, sentir, agir e de produzir e distribuir conhecimentos na sociedade.

    19

  • Apresentao da coleo

    Problematizando e analisando as situaes da prtica social de ensinar, o professor incorpora o conhecimento elaborado, das cincias, das artes, da filosofia, da pedagogia e das cincias da educao, como ferramentas para a compreenso e proposio do real.

    A Coleo investe, pois, na perspectiva que valoriza a capacidade de decidir dos professores. Assim, discutir os temas que perpassam seu cotidiano nas escolas - projeto pedaggico, autonomia, identidade e profissionalidade dos professores, violncia, cultura, religiosidade, a importncia do conhecimento e da informao na sociedade contempornea, a ao coletiva e interdisciplinar, as questes de gnero, o papel do sindicato na formao, entre outros -, articulados aos contextos institucionais, s polticas pblicas e confrontados com experincias de outros contextos escolares e com as teorias, o caminho a que a Coleo Docncia em Formao se prope.

    Os livros que a compem apresentam um tratamento terico-metodolgico pautado em trs premissas: h uma estreita vinculao entre os contedos cientficos e os pedaggicos; o conhecimento se produz de forma construtiva e existe uma ntima articulao entre teoria e prtica.

    Assim, de um lado, impe-se considerar que a atividade profissional de todo professor possui uma natureza pedaggica, isto , vincula-se a objetivos educativos de form ao humana e a processos metodolgicos e organizacionais de transmisso e apropriao de saberes e modos de ao. O trabalho docente est impregnado de intencionalidade, pois

    20

    Apresentao da coleo

    visa a formao humana por meio de contedos e habilidades de pensamento e ao, implicando escolhas, valores, com prom issos ticos. O que significa introduzir objetivos explcitos de natureza conceituai, procedimental e valorativa em relao aos contedos da matria que se ensina; transformar o saber cientfico ou tecnolgico em contedos form ativos; selecionar e organizar contedos de acordo com critrios lgicos e psicolgicos em funo das caractersticas dos alunos e das finalidades do ensino; utilizar mtodos e procedimentos de ensino especficos inserindo-se em uma estrutura organizacional em que participa das decises e das aes coletivas. Por isso, para ensinar, o professor necessita de conhecimentos e prticas que ultrapassem o campo de sua especialidade.

    De outro ponto de vista, preciso levar em conta que todo contedo de saber resultado de um processo de construo de conhecimento. Por isso, dominar conhecimentos no se refere apenas apropriao de dados objetivos pr-elaborados, produtos prontos do saber acumulado. Mais do que dominar os produtos, interessa que os alunos compreendam que estes so resultantes de um processo de investigao humana. Assim, trabalhar o conhecimento no processo formativo dos alunos significa proceder mediao entre os significados do saber no mundo atual e aqueles dos contextos nos quais foram produzidos. Significa explicitar os nexos entre a atividade de pesquisa e seus resultados, portanto, instrumentalizar os alunos no prprio processo de pesquisar.

    21

  • Apresentao da coleo

    Na formao de professores, os currculos devem configurar a pesquisa como princpio cognitivo, investigando com os alunos a realidade escolar, desenvolvendo neles essa atitude investigativa em suas atividades profissionais e assim configurando a pesquisa tambm como princpio formativo na docncia.

    Alm disso, no mbito do processo educativo que mais ntima se afirma a relao entre a teoria e a prtica. Em sua essncia, a educao uma prtica, mas uma prtica intrinsecamente intencionali- zada pela teoria. Decorre dessa condio a atribuio de um lugar central ao estgio, no processo da formao do professor. Entendendo que o estgio constituinte de todas as disciplinas percorrendo o processo formativo desde seu incio, os livros da Coleo sugerem vrias modalidades de articulao direta com as escolas e demais instncias nas quais os professores atuaro, apresentando formas de estudo, anlise e problematizao dos saberes nelas praticados. O estgio tambm pode ser realizado como espao de projetos interdisciplinares, ampliando a compreenso e o conhecimento da realidade profissional de ensinar. As experincias docentes dos alunos que j atuam no magistrio, como tambm daqueles que participam da formao continuada, devem ser valorizadas como referncias importantes para serem discutidas e refletidas nas aulas.

    Considerando que a relao entre as instituies formadoras e as escolas pode se constituir em espao de formao contnua para os professores das escolas assim como para os formadores, os livros sugerem a realizao de projetos conjuntos entre ambas. Essa

    22

    Apresentao da coeeo

    relao com o campo profissional poder propiciar ao aluno em formao oportunidade para rever e aprimorar sua escolha pelo magistrio.

    Para subsidiar a formao inicial e continuada dos professores onde quer que se realizem: nos cursos de licenciatura, de pedagogia e de ps-graduao, em universidades, faculdades isoladas, centros universitrios e Ensino Mdio, a Coleo est estruturada nas seguintes sries:

    Educao Infantil: profissionais de creche e pr- -escola.

    Ensino Fundamental: professores do 1- ao 5a ano e do 6 ao 9 ano.

    Ensino Mdio: professores do Ensino Mdio.

    Ensino Superior: professores do Ensino Superior.

    Educao Profissional: professores do Ensino Mdio e Superior Profissional.

    Educao de Jovens e Adultos: professores de jovens e adultos em cursos especiais.

    Saberes pedaggicos e formao de professores.

    Problemticas transversais e formao de professores.

    Em sntese, a elaborao dos livros da Coleo pauta-se nas seguintes perspectivas: investir no

    23

  • Apresentao da coleo

    conceito de desenvolvimento profissional, superando a viso dicotmica de formao inicial e de formao continuada; investir em slida formao terica nos campos que constituem os saberes da docncia; considerar a formao voltada para a profissionali- dade docente e para a construo da identidade de professor; tomar a pesquisa como componente essencial da/na formao; considerar a prtica social concreta da educao como objeto de reflexo/formao ao longo do processo formativo; assumir a viso de totalidade do processo escolar/educacional em sua insero no contexto sociocultural; valorizar a docncia como atividade intelectual, crtica e reflexiva; considerar a tica como fator fundamental na formao e na atuao docente.

    So Paulo, 21 de fevereiro de 2012 Selma Garrido Pimenta

    Coordenadora

    A pr esen ta o 10 ~ EDIO

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  • Apresentao 10 edio

    Nosso livro Educao escolar: polticas, estrutura e organizao chega sua 10a edio, sete anos aps seu lanamento em 2003. Ao se escrever um livro, no se pode prever a recepo que ter, principalmente quando seu contedo pretende trazer inovaes nas formas convencionais de abordar determinados assuntos. Por isso, motivo de alegria para ns constatar que professores e alunos aceitaram nossa proposta, em certa medida inovadora, de reunir numa mesma obra quatro reas de conhecimento necessrias formao dos educadores: as polticas educacionais, a organizao do sistema de ensino, a legislao educacional e a organizao e gesto da escola.

    Durante longos anos, desde a regulamentao da Lei na 3.692/1971, a disciplina Estrutura e Funcionamento do Ensino parecia atender s demandas formativas dos cursos de licenciatura em relao aos conhecimentos sobre os sistemas educacionais. Com as reformas curriculares institudas pelo Ministrio da Educao a partir dos anos 1990 e a atuao dos movimentos de educadores em torno da reviso do sistema de formao de educadores, outras disciplinas passaram a compor esse ncleo de conhecimentos. Presentemente, tal como mostrou recente estudo publicado pela Fundao Carlos Chagas, organizado por Bernadete Gatti e Marina M. R. Nunes, os cursos de licenciatura

  • Apresentao 10a edio

    em Lngua Portuguesa, Matemtica e Cincias Biolgicas destinam em suas grades curriculares em torno de 3,5% da carga horria para os conhecimentos sobre os sistemas educacionais, distribudos entre as disciplinas Estrutura e Funcionamento (2%), Currculo (1,2%) e Gesto (0,3%). Nos cursos de Pedagogia, a carga horria para esses conhecimentos chega a 16%, distribudos em disciplinas com variadas denominaes, como: Estrutura e Funcionamento do Ensino, Planejamento e Polticas Educacionais, Fundamentos da Gesto Escolar, Legislao da Educao Bsica, Currculo, Currculo e Avaliao, Projeto Pedaggico, Gesto e Coordenao do Trabalho na Escola, Organizao do Trabalho Pedaggico, entre outras. Ao imaginarmos um livro didtico que assegurasse as articulaes entre o sistema de ensino e o funcionamento das escolas, acreditvamos que a abordagem desse campo de conhecimentos em suas dimenses macro, meso e micro faria mais sentido aos estudantes, motivando- -os mais para o estudo. Por exemplo, o conhecimento das polticas educacionais estaria diretamente articulado com os objetivos e as formas de funcionamento das escolas.

    Sentimo-nos, pois, reconhecidos e estimulados a continuar nossa colaborao com a formao profissional de professores, trazendo agora uma verso revista e atualizada do livro. Com efeito, em 2003, ano em que saiu a T edio, terminava o segundo perodo do governo Fernando Fienrique Cardoso, ao mesmo tempo que eram anunciados os planos de ao do governo Lula, com muito poucos elementos para informar os estudantes sobre as polticas educacionais e diretrizes que estavam por vir. Ao longo do governo

    Apresentao 10a edio

    Lula, vrios programas foram mantidos, outros reajustados e outros projetos e aes novas surgiram. Desse modo, com grande satisfao que apresentamos aos professores e estudantes esta 10a edio inteiramente revista, com as seguintes mudanas: a) atualizao do histrico das polticas educacionais a partir de 2003, at o final do segundo perodo do governo Lula (2010); b) reviso de algumas interpretaes do contexto social da globalizao, em face de recentes mudanas no funcionamento do capitalismo e das relaes internacionais; c) elaborao de um quadro sintico da legislao educacional em vigor sobre o sistema de ensino, as diretrizes curriculares, a formao de professores etc. Num primeiro momento, cada uma das partes do livro foi revisada pelo seu autor principal; em seguida, o texto passou pela reviso dos trs autores, que, em um pargrafo ou outro, contriburam para a redao final.

    Desejamos que nossos colegas formadores de professores e os estudantes futuros professores continuem a usufruir do contedo deste livro, especialmente compartilhando conosco nosso principal objetivo: ajudar os estudantes das licenciaturas a ter uma compreenso terico-crtica dos sistemas de ensino e, com isso, assumir seu papel ativo e colaborativo na transformao cotidiana das escolas em favor da qualidade cognitiva, procedimental e tica das aprendizagens escolares.

    Os Autores

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  • A pr esen ta o do livro

  • Apresentao do livro

    Este livro apresenta um conjunto de contedos que introduzem os futuros professores no conhecimento

    terico e prtico dos aspectos sociais e polticos, histricos, legais, pedaggico-curriculares e

    organizacionais da educao escolar brasileira.Seu objetivo principal consiste em proporcionar

    aos alunos em processo de formao a compreenso dos contextos mais amplos em que professores

    exercem suas atividades profissionais e de seu papel na organizao da escola.

    Para isso, prope uma anlise das transformaes em curso na sociedade contempornea e o estudo das

    polticas educacionais, da organizao dos sistemas de ensino, da legislao educacional e do funcionamento

    interno das escolas, tendo em vista a atuao consciente e crtica dos professores nos processos decisrios concretos

    referentes aos objetivos e meios de realizao da educao e do ensino.

    A reestruturao produtiva do capitalismo global e, como decorrncia, a tendncia internacional de mun- dializao do capital e de reestruturao da economia vm impondo mudanas no conceito de qualidade educativa, com forte impacto na organizao e na gesto das escolas. As reformas educacionais mundiais expressam essa tendncia e identificam as escolas como espaos de mudana, tendo como referncia conceitos como autonomia, gesto descentralizada e avaliao.

    33

  • Apresentao do livro

    Por sua vez, o atendimento s necessidades sociais e culturais da populao requer uma escola de qualidade social e pedaggica que socialize a cultura, a cincia e a arte como direitos universais.

    A pesquisa no mbito das organizaes escolares tem-se centrado, cada vez mais, na ideia de escola como espao de aprendizagem, isto , uma organizao de trabalho pedaggico caracterizada pela construo coletiva, por parte de seus profissionais, de projetos e prticas, em que a aprendizagem ocorre pela participao ativa nos processos de tomada de decises. Desse modo, os professores passam a ser considerados agentes criativos e inovadores nas atividades pedaggico-didticas, curriculares e organizacionais, para a transformao da escola e do sistema escolar. Como membro de uma equipe, ele executa as tarefas especficas da docncia, mas tambm assume as responsabilidades nos processos de gesto e nas atividades conjuntas dos professores no planejamento e na realizao do ensino.

    O livro est estruturado em uma introduo e quatro partes. A Introduo discute o sistema educacional no Brasil, tendo por base a histria da disciplina Estrutura e Funcionamento do Ensino na formao de professores.

    A Is Parte situa a educao escolar brasileira no contexto das transformaes da sociedade contempornea, ressaltando o impacto da revoluo tecnolgica e da globalizao no campo da educao e as relaes entre o neoliberalismo e polticas educacionais correntes. Conclui apresentando os objetivos esperados para a educao escolar de qualidade em uma sociedade socialmente inclusiva.

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    Apresentao do livro

    A 2a Parte analisa as polticas educacionais, as reformas de ensino e os planos e diretrizes para a educao escolar brasileira, tendo por base uma perspectiva histrico-crtica. Destaca conceitos, reformas e planos fundamentais que ajudam a compreender a estrutura e a organizao do sistema de ensino no Brasil. Explicita a trajetria histrica dos principais avanos e impasses na construo da escola pblica de qualidade, apresentando e discutindo os projetos e aes educativas em mbito federal, a poltica de financiamento da educao e o sistema de avaliao da educao bsica e superior.

    A 3a Parte dedica-se a expor detalhadamente a estrutura e a organizao do sistema de ensino brasileiro em seus aspectos legais, organizacionais, pedaggicos, curriculares, administrativos e financeiros, considerando sobretudo a LD B (Lei ns 9 .394/1996) e a legislao complementar pertinente. Examina, ainda, o papel dos profissionais do magistrio e dos movimentos associativos na organizao do sistema de ensino e na organizao escolar, destacando aspectos do desenvolvimento profissional e da formao.

    Finalmente, a 4a Parte traz elementos para uma anlise compreensiva das prticas de organizao e de gesto das escolas, na perspectiva que compreende a escola como comunidade educativa e local de trabalho do professor. So apresentados, especialmente, os conceitos de organizao, gesto, participao e cultura organizacional, bem como as reas de atuao da direo e da coordenao pedaggica, destacando as aes e competncias profissionais do professor necessrias ao aprimoramento das condies para a aprendizagem dos alunos.

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  • Apresentao do livro

    Este livro foi planejado para atender aos cursos de licenciatura destinados aos profissionais docentes que atuaro na educao bsica. O planejamento e a produo dos textos foram realizados conjuntamente pelos trs autores. No entanto, a Ia Parte foi escrita preponderantemente por Joo Ferreira de Oliveira com a colaborao de Jos Carlos Libneo, as 2a e 3a Partes por Mirza Seabra Toschi com a colaborao de Joo Ferreira de Oliveira e a 4a Parte por Jos Carlos Libneo.

    Os autores so h anos professores em cursos de Pedagogia e nas licenciaturas, nos quais tm ministrado disciplinas como: Didtica, Organizao do Trabalho Pedaggico, Estrutura e Funcionamento do Ensino, Educao Brasileira e Polticas Educacionais.

    Esperamos que o livro venha a ajudar professores e alunos dos cursos de Pedagogia e de licenciatura, bem como gestores dos sistemas de ensino e das escolas, a ampliar sua compreenso crtica da educao brasileira, com base no conhecimento e na discusso de aspectos fundamentais das polticas educacionais e do funcionamento das escolas.

    Jos Carlos LibneoJoo Ferreira de OliveiraM irza Seabra Toschi

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    Introdo

  • Introduo

    Este livro compe-se de trs blocos de temas articulados entre si: a educao escolar no contexto das

    transformaes da sociedade contempornea; as polticas educacionais, as diretrizes curriculares

    e a estrutura e organizao do ensino; a organizao e a gesto de escolas.

    A perspectiva de anlise dos autores considerar a escola e sua organizao como ponto de convergncia entre o sistema de ensino e as prticas pedaggicas na

    sala de aula. Nesse sentido, o livro destina-se a proporcionar aos futuros professores elementos para

    uma anlise crtico-compreensiva dos fatores condicionantes do sistema de ensino em sua relao

    com as prticas organizativas, pedaggicas e curriculares da escola.

    Trata-se, portanto, de compreender a escola em sua complexidade e em sua dinmica,

    na interseo de seus aspectos externos e internos, para ento situar a atuao do professor.

    H duas importantes razes para conhecer e analisar as relaes entre o sistema educativo e as escolas. Por um lado, as polticas educacionais e as diretrizes organizacionais e curriculares so portadoras de intencionalidades, ideias, valores, atitudes e prticas que vo influenciar as escolas e seus profissionais na configurao das prticas formativas dos alunos, determinando

  • Introduo

    um tipo de sujeito a ser educado. Por isso, necessitam da anlise crtica. Por outro lado, os profissionais das escolas podem aderir ou resistir a tais polticas e diretrizes do sistema escolar, ou ento dialogar com elas e formular, colaborativamente, prticas formativas e inovadoras em vista de outro tipo de sujeito a ser educado, com base em uma viso sociocrtica de sociedade. Em um caso e em outro, preciso conhecer e analisar as formas pelas quais se inter-relacionam as polticas educacionais, a organizao e gesto das escolas e as prticas pedaggicas na sala de aula. No basta, pois, aos professores dominar saberes e competncias docentes; compete-lhes enxergar mais longe para tomar conscincia das intenes dos formuladores das polticas e diretrizes, das prticas escolares que elas induzem, a fim de se tornarem capazes de participar e atuar nas transformaes necessrias da escola.

    Tendo em vista a anlise crtico-compreensiva dos contextos em que os professores exercem sua atividade e, ao mesmo tempo, o desenvolvimento de conhecimentos e competncias para uma ao transformadora no seu local de trabalho, espera-se, com o estudo deste livro, que os alunos possam:

    a) conhecer e analisar as polticas educacionais, as reformas do ensino e os planos e diretrizes organi- zativas e curriculares para o sistema escolar e as escolas, em uma perspectiva histrica;

    b) situar o sistema escolar, as escolas e o trabalho do professor no contexto das transformaes em curso na sociedade contempornea;

    c) desenvolver conhecimentos e competncias para atuarem, de forma eficiente e participativa, nas

    40

    Introduo

    prticas de organizao e gesto da escola e na transformao dessas prticas.

    Esse conjunto de conhecimentos precisa ser estudado e elaborado de modo que venha a captar as contradies entre os aspectos normativos prprios do sistema educacional e a atuao dos sujeitos. Com efeito, as escolas formam um sistema pblico, implicando princpios, diretrizes e normas organizacionais, pedaggicas e curriculares que orientam a educao nacional. Como todos os brasileiros tm direito educao bsica, h que existir garantias institucionais e legais da realizao desse direito que somente o Estado pode assegurar. Entretanto, tais leis, diretrizes e normas esto sujeitas a decises polticas; ou seja, no embate das foras sociais em movimento na sociedade, os grupos detentores do poder econmico e poltico dirigem tambm as decises educacionais. Em contrapartida, as relaes sociais e polticas nunca so harmnicas nem estveis; ao contrrio, so tensas, conflituosas, contraditrias, favorecendo a existncia de um espao para que as escolas e seus profissionais operem com relativa autonomia em face do sistema poltico dominante. Conclui-se, por um lado, que no se pode ignorar a existncia de dispositivos legislativos e organizacionais do sistema de ensino, mas, por outro, que eles podem e devem ser questionados no interesse de um projeto de educao emancipatria. A orientao adotada neste livro reconhecer a importncia das polticas educacionais e das normas legais para o ordenamento poltico, jurdico, institucional e organizacional do sistema de ensino, mas sempre submetidas a uma avaliao crtica do ponto de vista social e tico,

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  • Introduo

    uma vez que as leis devem estar a servio do bem comum, da democracia, da justia, da solidariedade, dos interesses dos mais diversos grupos e culturas. Desse modo, o sistema de formao de educadores precisa contribuir significativamente para a existncia de sujeitos capazes de participar ativamente no processo de construo de um projeto educacional que assegure educao e ensino de qualidade para todos.

    1. Novas realidades sociais, asreformas educativas, a organizao e a gesto das escolas

    As atuais polticas educacionais e organizativas devem ser compreendidas no quadro mais amplo das transformaes econmicas, polticas, culturais e geogrficas que caracterizam o mundo contemporneo. Com efeito, as reformas educativas executadas em vrios pases do mundo europeu e americano, nos ltimos vinte anos, coincidem com a recomposio do sistema capitalista mundial, que incentiva um processo de reestruturao global da economia regido pela doutrina neoliberal. Analistas crticos do neoli- beralismo identificam trs de seus traos distintivos: mudanas nos processos de produo associadas a avanos cientficos e tecnolgicos, superioridade do livre funcionamento do mercado na regulao da economia e reduo do papel do Estado.

    Esses traos afetam a educao de vrias formas. A prioridade da educao nos programas econmicos dos pases industrializados situa-se no quadro das polticas de ajuste e de estabilizao defendidas,

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    Introduo

    no mbito europeu, pela Organizao de Cooperao e Desenvolvimento Econmico (OCDE) e, no mbito mundial, sobretudo pelo Banco Mundial. As orientaes neoliberais postulam ser o desenvolvimento econmico, alimentado pelo desenvolvimento tcnico-cientfico, o fator de garantia do desenvolvimento social. Trata-se de uma viso economicista e tecnocrtica que desconsidera as implicaes sociais e humanas do desenvolvimento econmico, gerando problemas sociais como desemprego, fome e pobreza, que alargam o contingente de excludos, e ampliando as desigualdades entre pases, classes e grupos sociais. Paralelamente, a associao entre cincia e tcnica acaba por propiciar mudanas drsticas nos processos de produo e transformaes nas condies de vida e de trabalho em todos os setores da atividade humana. O conhecimento e a informao passam a constituir fora produtiva direta, afetando o desenvolvimento econmico. Por conseguinte, os pases industrializados precisaram sair na frente para rever o lugar das instituies encarregadas de produzir conhecimento e informao. Com isso, a reforma dos sistemas educativos torna-se prioridade, especialmente nos pases em desenvolvimento, tendo em vista o atendimento das necessidades e exigncias geradas pela reorganizao produtiva no mbito das instituies capitalistas mundiais. O raciocnio sistematicamente reiterado por agncias financeiras internacionais, como o Banco Mundial, o seguinte: novos tempos requerem nova qualidade educativa, o que implica mudana nos currculos, na gesto educacional, na avaliao dos sistemas e na profissionalizao dos professores. A partir da, os sistemas e as polticas educacionais de cada pas precisam introduzir

    43

  • Introduo

    estratgias como descentralizao, reorganizao curricular, autonomia das escolas, novas formas de gesto e direo das escolas, novas tarefas e responsabilidades dos professores.

    A educao brasileira insere-se no contexto dessas orientaes. O incio do governo Collor em 1990 coincidiu com a realizao da Conferncia Mundial sobre Educao para Todos, em Jomtien, na Tailndia, promovida pelo Banco Mundial com a participao da Organizao das Naes Unidas para a Educao, Cincia e Cultura (Unesco), do Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e do Fundo das Naes Unidas para a Infncia (Unicef), ocasio em que foram estabelecidas prioridades para a educao nos pases do Terceiro Mundo, especialmente em relao universalizao do ensino fundamental. As orientaes emanadas dessa conferncia (Unesco, 1990) foram contempladas no Plano Decenal de Educao para Todos, documento produzido como diretriz educacional do governo Itamar Franco em 1993.

    O governo de Fernando Henrique Cardoso (a partir de 1993), em seu plano para a educao, deu sequncia ao Plano Decenal, mas escolhendo metas bem pontuais: descentralizao da administrao das verbas federais, elaborao do currculo bsico nacional, educao a distncia, avaliao nacional das escolas, incentivo formao de professores, parmetros de qualidade para o livro didtico, entre outras. Nessa gesto ocorreu, tambm, a elaborao e a promulgao da LD B (Lei na 9.394/1996) e a formulao das diretrizes curriculares, normas e resolues do Conselho Nacional de Educao (CNE) para o ensino superior. No segundo governo FH C (1999-2002), foi

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    mantida a poltica educacional do perodo anterior, com pequenas alteraes, incluindo a aprovao, pelo Congresso Nacional, do Plano Nacional de Educao (2001-2010).

    O primeiro perodo do governo Lula (2003-2006) pouco acrescentou s polticas formuladas anteriormente, embora se possa dar destaque ao Fundo de Desenvolvimento da Educao Bsica (Fundeb). No segundo perodo desse governo (2007-2010) surgiram algumas iniciativas relevantes no mbito tanto da educao bsica - tais como o aumento dos recursos para a educao, o ndice de Desenvolvimento da Educao (Ideb), o piso salarial dos professores e a aprovao da Emenda Constitucional n2 59, que, entre outras disposies, acaba com a Desvinculao das Receitas da Unio (DRU) e torna o ensino obrigatrio dos 4 aos 17 anos - quanto da educao superior, em que se destacam o Programa Universidade para Todos (ProUni), a Reestruturao e Expanso das Universidades Federais (Reuni), a Universidade Aberta do Brasil (UAB), a rede de formao de professores e a expanso da rede federal de educao tecnolgica. No entanto, essas aes acompanharam, no geral, as tendncias internacionais de alinhamento poltica econmica neoliberal e s orientaes dos organismos financeiros internacionais, sobretudo do Banco Mundial e do Fundo Monetrio Internacional (FMI).

    As polticas e diretrizes educacionais dos ltimos vinte anos, com raras excees, no tm sido capazes de romper a tenso entre intenes declaradas e medidas efetivas. Por um lado, estabelecem-se polticas educativas que expressam intenes de ampliao da margem de autonomia e de participao das escolas e dos

  • Introduo

    professores; por outro, verifica-se a parcimnia do governo nos investimentos, impedindo a efetivao de medidas cada vez mais necessrias a favor, por exemplo, dos salrios, da carreira e da formao do professorado, com a alegao de que o enxugamento do Estado requer reduo de despesas e do deficit pblico, o que acaba imprimindo uma lgica contbil e economicista ao sistema de ensino. As reformas educativas vm ocorrendo, assim, em um quadro de ambivalncias e contradies que, em alguns pases, provoca desconfiana, reservas e, s vezes, ceticismo quanto ao grau de efetividade que pretendem. Esse fato deve-se, certamente, s caractersticas do modelo de desenvolvimento econmico adotado, de orientao economicista e tecnocrtica, em que as implicaes sociais e humanas ficam em segundo plano.

    No que se refere aos propsitos deste livro, os pesquisadores e educadores tm expressado um entendimento mais ou menos generalizado de que a formao geral de qualidade dos alunos depende de uma formao de qualidade dos professores. Tambm nas reformas educativas dos vrios pases, os professores aparecem como agentes inovadores nos processos pedaggicos, curriculares e organizacionais. J no so considerados apenas profissionais que atuam em uma sala de aula, mas tambm membros integrantes de uma equipe docente, realizando tarefas com responsabilidade ampliada no conjunto das atividades escolares. J no podem ser meros repassadores de informao, mas devem revelar-se investigadores atentos s peculiaridades individuais e socioculturais dos alunos e sensveis s situaes imprevisveis do ensino, alm de participantes ativos e reflexivos na

    46

    Introduo

    equipe docente, discutindo no grupo suas concepes, prticas e experincias. Esses elementos de um novo profissionalismo do professor levam a postular exigncias especficas de formao inicial e continuada.

    Nesse quadro de consideraes insere-se o contedo deste livro, que apresenta, para a formao de professores, um conjunto de conhecimentos que visa prepar-los para o exerccio profissional nas escolas e para suas tarefas de cidados na sociedade.

    Trata-se, assim, de centrar esse programa de estudos na escola como organizao de trabalho e, por conseguinte, no professor como agente visvel e imediato dos processos de escolarizao demarcados institucionalmente. comum constatar que as expectativas da sociedade acerca dos papis profissionais do professor so frequentemente cingidas a seu desempenho em sala de aula. certo que a sala de aula representa o principal espao de atuao dos professores, mas a prtica docente no ocorre apenas ali. Ressalta-se, portanto, a importncia de compreender as ligaes do espao escolar com o sistema de ensino e com o sistema social, para articular as prticas pedaggico-didticas com as demais prticas sociais concorrentes.

    2. Breve histria dos estudos disciplinares relacionados estrutura e organizao do ensino

    Na histria do curso de Pedagogia e dos cursos de licenciatura desde, pelo menos, a estruturao do curso de Pedagogia em 1939, sempre esteve presente a preocupao com os aspectos legais e administrativos da

  • Introduo

    escola, agrupados geralmente na disciplina Administrao Escolar. No Parecer n2 292/1962, do Conselho Federal de Educao, e na resoluo que fixava as matrias pedaggicas da licenciatura consta a disciplina Elementos de Administrao Escolar, cujo objetivo era levar o licenciando a conhecer a escola em que iria atuar, seus objetivos, sua estrutura e os principais aspectos de seu funcionamento, alm de propiciar uma viso unitria do binmio escola-sociedade. A orientao do parecer era explcita quanto focalizao da escola e suas conexes com a comunidade local e nacional.

    Seis anos depois, para adequar os currculos de Pedagogia e das licenciaturas Lei n2 5.540/1968, foram homologados, respectivamente, os Pareceres n2 252/1969 e n2 672/1969, que incluram a disciplina Estrutura e Funcionamento do Ensino de 2- Grau, substituindo a disciplina Administrao Escolar. Argumentava-se no Parecer n2 672/1969 que, com essa denominao, o aspecto administrativo acabava prevalecendo, sem que se considerassem aspectos especficos referentes estrutura e funcionamento do ensino. Cabe lembrar que, nessa poca, o 2a grau correspondia aos antigos ginasial e colegial, diferentemente da denominao hoje existente. At 1996, a Lei n2 5.540/1968 e a regulamentao dela decorrente constituam a legislao bsica sobre a disciplina Estrutura e Funcionamento do Ensino nos cursos de Pedagogia e de licenciatura.

    Com o movimento de reformulao dos cursos de formao de educadores, no incio dos anos 1980, surgiram propostas curriculares alternativas que contemplavam disciplinas com denominaes diferentes: Educao Brasileira, Polticas Educacionais, Organizao do Trabalho Pedaggico (ou Escolar), cujo contedo

    48

    Introduo

    disciplinar, todavia, foi pouco alterado em relao Administrao Escolar e Estrutura e Funcionamento do Ensino. Boa parte das instituies formadoras de professores ainda mantm a denominao Estrutura e Funcionamento do Ensino. Qual foi a trajetria dessa disciplina nos currculos dos cursos de licenciatura? Quais so seus fundamentos epistemol- gicos e filosficos, seu objeto de estudo, seus objetivos, temas e abordagens? Com que contedo tem trabalhado? Que papel tem exercido na formao de professores e especialistas da educao?

    2.1. Legislao, objetivos e contedos bsicos

    A denominao Estrutura e Funcionamento do Ensino apareceu pela primeira vez na Resoluo n2 2/1969, que fixava o mnimo de contedos das disciplinas e a durao do curso de Pedagogia (professores e especialistas), e na Resoluo n2 9/1969, que estabelecia o mnimo de contedos e a durao dos cursos para a formao pedaggica nas licenciaturas. Conforme esta ltima resoluo, os currculos dos cursos de licenciatura deviam abranger as seguintes matrias pedaggicas: Psicologia da Educao, Didtica, Estrutura e Funcionamento do Ensino de 2a Grau e Prtica de Ensino, sob a forma de estgio supervisionado. Com a aprovao da Lei n2 5.692/1971, que instituiu o ensino de l 2 e 22 graus, a denominao alterou-se para Estrutura e Funcionamento do Ensino de T e 22 graus.

    Nos cursos de Pedagogia (formao de professores e especialistas), a Resoluo n2 2/1969 incluiu os temas sobre estrutura do ensino na parte diversificada do currculo sob trs nomenclaturas: Estrutura e Funcionamento do Ensino de Ia Grau, Estrutura e

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  • Introduo

    Funcionamento do Ensino de 22 Grau e Estrutura e Funcionamento do Ensino Superior.

    Conforme as ementas da legislao, dois aspectos deveriam ser contemplados nessas disciplinas: a escola e o ensino. No entanto, pouco se alterou em relao aos pareceres anteriores, em que a escola e o ensino eram apresentados como instncias formais, estticas, no interior de um sistema educacional racionalmente organizado e de uma sociedade organicamente constituda e funcional. Como analisa Saviani (1987), toma-se emprestado para o contedo dessa disciplina o modelo biolgico, em que estrutura indica a anatomia do ensino (os rgos que o constituem, suas caractersticas bsicas) e funcionamento, sua fisiologia (o modo pelo qual funcionam os diversos rgos que constituem o ensino). Ou seja, prevaleciam os aspectos legais, as normas constitudas, a descrio dos rgos e seu funcionamento, bem como a anlise de seus componentes administrativos e curriculares, por meio de textos legais: leis, decretos, resolues, pareceres, indicaes e outros.

    Atualmente, nos currculos de Pedagogia, a disciplina Estrutura e Funcionamento do Ensino Fundamental e Mdio oferecida, em geral, no segundo ou no terceiro ano, com carga horria anual que varia entre 60 e 128 horas. Nos cursos de formao de licenciandos, a carga horria tambm varia entre 60 e 128 horas, sendo ministrada com maior frequncia nas ltimas sries ou semestres.

    Os objetivos e contedos dessa disciplina assumem, no geral, trs abordagens bem distintas: a) predominantemente legalista, formalista e acrtica; b) predominantemente poltico-ideolgica; c) histrico-crtica. certo

    50

    que essas abordagens so profundamente influenciadas por contextos e tendncias histricas diferentes na produo do conhecimento sobre a educao brasileira e por posicionamentos/formaes bastante diversificadas dos professores. As trs expressam uma inteno poltico-ideolgica, embora a primeira, sobretudo, advogue certa neutralidade. As denominaes utilizadas, portanto, conservam termos histricos reconhecidos no mbito universitrio.

    Na abordagem legalista e form al, os textos legais e os documentos so apresentados e analisados sistmica e funcionalmente e, segundo Saviani (1987, p. 134), acabam por enfatizar o ideal em detrimento do real, tomando o dever-ser pelo ser, a norma pelo fato . Essa abordagem acaba por ater-se letra, s linhas e ao texto legal e/ou ao documento, tornando o estudo bastante rduo e, s vezes, aversivo. Na abordagem poltico-ideolgica, enfatizam-se os chamados textos crticos em detrimento dos textos legais e/ou documentos, sendo o real apresentado j em sua forma poltico-ideolgica. Com isso, o ensino da disciplina acaba por ater-se mais ao contexto, ao esprito e s entrelinhas dos textos legais e/ou documentos do que ao contedo dos documentos legais. Na abordagem histrico-crtica, parte-se dos textos legais e/ou documentos como referencial para a anlise crtica do sistema de ensino e da organizao escolar. Os textos crticos servem reflexo e anlise crtica dos documentos da legislao, buscando captar seu esprito e seu contexto. Conforme Saviani (1987, p. 134), nessa abordagem os textos legais e/ou documentos so utilizados juntamente com os textos crticos para confrontar a situao proclamada (ideal) com a situao

  • Introduo

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    real. Desse modo, possvel captar as contradies objetivas e os fatores condicionantes da prtica educativa, rompendo com a viso ingnua, acrtica, legalista, formal-idealista, reprodutora, parcializada e partidria do processo educativo e tornando o estudo mais frtil, dinmico, investigativo e crtico-reflexivo.

    Do ponto de vista metodolgico, Saviani (1987) sugere trs etapas no exame crtico da legislao de ensino: a) contato com a lei: anlise textual, para captar a estrutura do texto; b) exame das razes manifestas: leitura, por exemplo, da exposio de motivos, dos pareceres, dos relatrios etc.; c) busca das razes reais: implica o exame do contexto (processo histrico/ condicionantes socioeconmicos e polticos) e o exame da gnese da lei, isto , o processo de elaborao da lei, os atores e seus papis. Tambm Monteiro (1995), para o desenvolvimento dos contedos, aponta a articulao de trs elementos: a) viso oficial: conhecimento da legislao educacional, programas e planos de governo;b) viso da realidade: comparao da viso oficial com o que acontece de fato no funcionamento do ensino (cotidiano vivo); c) viso crtica: aps conhecimento das anteriores, procede-se crtica fundamentada, para a gerao de novos conhecimentos.

    Ainda no tocante metodologia de ensino, sugeriu-se trabalhar com relatos de pesquisas e/ou com temas-pretexto de investigao. Alguns temas da disciplina (municipalizao do ensino, organizao formal e informal da escola, financiamento do ensino etc.) deveriam ser trabalhados com o auxlio dos textos legais, dos documentos e dos textos crticos, com base no interesse em elucidar uma situao/questo nor- teadora de investigao. Nesse caso, pretendia-se aliar

    Introduo

    ensino e pesquisa, para tornar o processo de ensino- -aprendizagem mais dinmico e reflexivo, alm de desenvolver habilidades de investigao. A atividade de ensino, nesse caso, no ficaria restrita transmis- so/assimilao passiva dos contedos; ao contrrio, o conhecimento seria procurado, investigado e produzido pelos alunos com a orientao e a mediao do professor. A investigao poderia, assim, ir alm dos textos legais, dos documentos e dos textos crticos.

    2.2. A evoluo da disciplina (a transformao do objeto de estudo)

    As abordagens identificadas e os aspectos metodolgicos de tratamento dos contedos esto intimamente relacionados forma de apreenso do objeto de estudo, uma vez que refletem a trajetria da disciplina. No entanto, se houve uma evoluo significativa em suas abordagens ou, ao menos, sua ampliao e diversificao, o mesmo no aconteceu, com clareza, em relao ao objeto de estudo. Qual era e qual esse objeto?

    No percurso de sua constituio como disciplina, a Estrutura e Funcionamento do Ensino passou da nfase nos aspectos estruturais e formais do ensino para a nfase nas questes de funcionamento da escola. Alm disso, a abordagem mais genrica da escola e do ensino deslocou-se para uma viso mais concreta da escola, no sentido de transform-la democraticamente. Assim, a perspectiva legalista, descontextualizada e limitada foi sendo modificada em favor da discusso de alternativas para a reconstruo da escola e do sistema educacional brasileiro (Mendona e Lellis, 1988). Em outras palavras, da viso sistmica/tecnicista avanou-se para a

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  • viso histrico-crtica, em que as polticas para a educao em nvel mundial, nacional, estadual e municipal so tratadas com maior intensidade. Afinal, tais polticas definem, em grande parte, a legislao educacional e as prticas escolares e docentes. Esse novo entendimento procurou estabelecer uma reflexo dialtica (viso macro, viso micro) acerca da organizao escolar brasileira, especialmente na relao entre teoria e prtica.

    Qual deve ser, ento, o objeto dessa disciplina: a organizao escolar? As polticas educacionais? A legislao educacional? A anlise sociopoltica dos documentos legais? A tendncia parece ser um tratamento conjunto desses temas lastreado pela leitura histrico-crtica, no se restringindo a uma viso panormica do sistema, das polticas, da escola e do ensino, mas, ao contrrio, buscando compreender a dinmica do sistema de ensino e suas relaes com a vida real nas escolas. Trata-se, por outras palavras, de assegurar, de forma competente, uma viso macro e uma viso micro da organizao da educao escolar brasileira, a fim de ajudar os professores a conhecer melhor o sistema educacional e a organizao escolar em suas relaes.

    Esse posicionamento aponta para uma reorienta- o dos estudos das disciplinas denominadas ora Estrutura e Funcionamento, ora Gesto Escolar, ora Organizao do Trabalho Escolar, tal como propomos neste livro. Parece-nos, pois, pertinente adotar a denominao Educao Escolar: Polticas, Estrutura e Organizao. A ideia norteadora dessa disciplina consiste em apreender as imbricaes entre decises

    54

    Introduo

    centrais e decises locais a fim de articular, em torno da escola, as abordagens mais gerais de cunho sociolgico, poltico e econmico e os processos escolares internos de cunho pedaggico, curricular, psicolgico e didtico.

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    56 57

  • lParte

    A educao escolar no contexto das

    transformaes da sociedade contempornea

  • A educao escolar no contexto das

    transformaes da sociedade contempornea

    Como instituio socioeducativa, a escola vem sendo questionada sobre seu papel ante as transformaes econmicas, polticas, sociais e culturais do mundo

    contemporneo. Tais transformaes decorrem, sobretudo, dos avanos tecnolgicos, da reestruturao do sistema de produo e desenvolvimento, da compreenso do papel do

    Estado, das modificaes nele operadas e das mudanas no sistema financeiro, na organizao do trabalho e nos

    hbitos de consumo. Esse conjunto de transformaes est sendo chamado, em geral, de globalizao.

    Globalizao, portanto, designa uma gama de fatores econmicos, sociais, polticos e culturais que expressam o esprito da poca e a etapa de desenvolvimento do capitalismo em que o mundo se encontra atualmente. Esse termo sugere a ideia de movimentao intensa, ou seja, de que as pessoas esto em meio a acelerado processo de integrao e reestruturao capitalista. Exatamente por isso, h quem diga que globalizao um conceito ou uma construo ideolgica. De acordo com os estudiosos do assunto, nesse conceito esconde-se a ideologia neoliberal, segundo a qual, para garantir seu desenvolvimento, a um pas

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  • V Parte A educao escolar no contexto das transformaes da sociedade contempornea

    basta liberalizar a economia e suprimir formas superadas e degradadas de interveno social, de modo que a economia por si mesma se defina e seja criado, assim, um sistema mundial autorregulado (Touraine, 1996).

    Os acontecimentos do mundo atual afetam a educao escolar de vrias maneiras. Vejamos algumas:

    a) exigem novo tipo de trabalhador, mais flexvel e polivalente, o que provoca certa valorizao da educao formadora de novas habilidades cognitivas e competncias sociais e pessoais;

    b) levam o capitalismo a estabelecer, para a escola, finalidades mais compatveis com os interesses do mercado;

    c) modificam os objetivos e as prioridades da escola;d) produzem modificaes nos interesses, necessida

    des e valores escolares;e) foram a escola a mudar suas prticas por causa do

    avano tecnolgico dos meios de comunicao e da introduo da informtica;

    f) induzem alterao na atitude do professor e no trabalho docente, uma vez que os meios de comunicao e os demais recursos tecnolgicos so muito motivadores.

    A importncia que adquirem, nessa nova realidade mundial, a cincia e a inovao tecnolgica tem levado os estudiosos a denominar a sociedade atual de sociedade do conhecimento, sociedade tcnico-informacional ou sociedade tecnolgica, o que significa que o conhecimento, o saber e a cincia assumem um papel muito mais destacado do que anteriormente. Na atualidade, as pessoas aprendem na fbrica, na televiso, na rua, nos centros de informao, nos vdeos, no computador, e cada vez mais se ampliam os espaos de aprendizagem.

    62

    1 Parte__A educao escolar no contexto das transformaes da sociedade contempornea

    A instituio escolar, portanto, j no considerada o nico meio ou o meio mais eficiente e gil de socializao dos conhecimentos tcnico-cientficos e de desenvolvimento de habilidades cognitivas e competncias sociais requeridas para a vida prtica.

    A tenso em que a escola se encontra no significa, no entanto, seu fim como instituio socioeducativa ou o incio de um processo de desescolarizao da sociedade. Indica, antes, o incio de um processo de reestruturao dos sistemas educativos e da instituio tal como a conhecemos. A escola de hoje precisa no apenas conviver com outras modalidades de educao no formal, informal e profissional, mas tambm articular-se e integrar-se a elas, a fim de formar cidados mais preparados e qualificados para um novo tempo. Para isso, o ensino escolar deve contribuir para:

    a) formar indivduos capazes de pensar e aprender permanentemente (capacitao permanente) em um contexto de avano das tecnologias de produo e de modificao da organizao do trabalho, das relaes ontratuais capital-trabalho e dos tipos de emprego;

    b) prover formao global que constitua um patamar para atender necessidade de maior e melhor qualificao profissional, de preparao tecnolgica e de desenvolvimento de atitudes e disposies para a vida numa sociedade tcnico-informacional;

    c) desenvolver conhecimentos, capacidades e qualidades para o exerccio autnomo, consciente e crtico da cidadania;

    d) formar cidados ticos e solidrios.

    Pensar o papel da escola nos dias atuais implica, portanto, levar em conta questes sumamente relevantes. A

  • 1a Parte A educao escolar no contexto das transformaes da sociedade contempornea

    primeira e, talvez, a mais importante que as transformaes mencionadas representam uma reavaliao que o sistema capitalista faz de seus objetivos. O capitalismo, para manter sua hegemonia, reorganiza suas formas de produo e consumo e elimina fronteiras comerciais para integrar mundialmente a economia. Trata-se, portanto, de mudanas com o objetivo de fortalec-lo, o que significa fortalecer as naes ricas e submeter os pases mais pobres dependncia, como consumidores. Essas alteraes nos rumos do capitalismo do-se, no entanto, no momento em que o cenrio mundial, em todos os aspectos, bastante diversificado. A onda da globalizao ou mundializao e da revoluo tecnolgica encontra os pases (centrais e perifricos, desenvolvidos e subdesenvolvidos) em diferentes realidades e desafios, entre os quais o de implementar polticas econmicas e sociais que atendam aos interesses hegemnicos, industriais e comerciais de conglomerados financeiros e de pases ou regies ricas, tais como Estados Unidos, Japo, Unio Europeia e China.

    Dentre essas polticas, destaca-se a educacional. Os pases ricos realizaram suas reformas educacionais, que, na maior parte dos casos, submeteram a escolarizao s exigncias da produo e do mercado. Os organismos multilaterais vinculados ao capitalismo, por sua vez, trataram de traar uma poltica educacional aos pases pobres. A princpio, o interesse desses organismos esteve voltado quase exclusivamente para a otimizao dos sistemas escolares, no intuito de atender s demandas da globalizao, entre as quais uma escola provedora de educao que correspondesse intelectualizao do processo produtivo e formadora de consumidores. Atualmente, alm de empenhar-se na reformulao

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    1 Parte A educao escolar no contexto das transformaes da sociedade contempornea

    do papel do Estado na educao, esses mesmos organismos esto preocupados com a excluso, a segregao e a marginalizao social das populaes pobres, em razo de essas condies constiturem, em parte, fatores impeditivos para o desenvolvimento do capitalismo, ou melhor, serem uma ameaa estabilidade e ordem nos pases ricos. O fato que a globalizao tem provocado um quadro dramtico de desemprego e excluso social que tende a intensificar-se, sobretudo nos pases pobres, caso no ocorram aes que ponham a economia a servio da sociedade, com a finalidade de gerar maior justia social.

    Tais medidas, no mbito da educao, tm sido viabilizadas pelas chamadas reformas neoliberais impostas pelas corporaes e pelas instituies financeiras internacionais, como o FMI, a Organizao Mundial do Comrcio (OMC) e o Banco Mundial ou Banco Internacional de Reconstruo e Desenvolvimento (Bird). Os documentos que propem tais reformas, em geral, sustentam-se na ideia do mercado como princpio fundador, unificador e autorregulador da sociedade global competitiva. Alguns deles tentam convencer, ainda, de que o livre mercado capaz de resolver todas as mazelas sociais. Pura iluso! O mercado no tem esse poder invisvel. Na verdade, ele opera por excluso, ao mesmo tempo que busca o lucro a qualquer preo.

    Ao fazer um balano provisrio do neoliberalismo, Perry Anderson (1995, p. 23) afirma:

    Economicamente, o neoliberalismo fracassou, no conseguindo nenhuma revitalizao bsica do capitalismo avanado. Socialmente, ao contrrio, o neoliberalismo conseguiu muitos dos seus objetivos, criando sociedades marcadamente mais desiguais, embora no to desestatizadas como queria.

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  • 1 Parte A educao escolar no contexto das transformaes da sociedade contempornea

    Poltica e ideologicamente, todavia, o neoliberalismo alcanou xito num grau com o qual seus fundadores provavelmente jamais sonharam, disseminando a simples ideia de que no h alternativas para os seus princpios, que todos, seja confessando ou negando, tm de adaptar-se a suas normas.

    Nesse contexto, o Brasil vem implementando, desde os anos 90 do sculo X X , suas polticas econmicas e educacionais de ajuste, ou seja, diretrizes e medidas pelas quais o pas se moderniza, adquire as condies de insero no mundo globalizado e, assim, se ajusta s exigncias de globalizao da economia. De todo modo, faz-se presente, em todas essas polticas, o discurso da modernizao educativa, da diversificao, da flexibilidade, da competitividade, da produtividade, da eficincia e da qualidade dos sistemas educativos, da escola e do ensino.

    Nesta parte do livro, sero apresentados os elementos constitutivos da realidade contempornea, bem como as implicaes e desafios apresentados por ela. Para facilitar a apreenso dessa complexa problemtica, faremos estudo pormenorizado dos aspectos mais significativos da realidade atual. Temos o intuito de reunir os elementos crticos que possibilitem o estabelecimento de objetivos para uma educao escolar pblica e democrtica, que leve em conta as exigncias do mundo contemporneo, tendo em vista a construo de uma sociedade mais justa, igualitria e sustentvel.

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    Captulo

    As transformaes tcnico-cientficas,

    econmicas e polticas

  • IM H B B H U H flM l

    As transformaes tcnico-cientficas,

    econmicas e polticas

    1. Revoluo tecnolgica: impactos e perspectivas

    Inicialmente, buscaremos compreender em que consistem as transformaes tcnico-cientficas. Os estudiosos do assunto mencionam essas transformaes com diferentes denominaes, tais como terceira Revoluo Industrial, revoluo cientfica e tcnica, revoluo informacional, revoluo informtica, era digital, sociedade tcnico-informacional, sociedade do conhecimento ou, simplesmente, revoluo tecnolgica.

    Boa parte dos autores levam a crer que as mudanas econmicas, sociais, polticas, culturais e educacionais decorrem, sobretudo, da acelerao das transformaes tcnico-cientficas. Em outras palavras, os acontecimentos no campo da economia e da poltica como a globalizao dos mercados, a produo flexvel, o desemprego estrutural, tambm chamado de desemprego tecnolgico, a necessidade de elevao da qualificao dos trabalhadores, a centralidade do conhecimento e da educao - teriam como elemento desencadeador as transformaes tcnico-cientficas. A cincia e a tcnica estariam, portanto, assumindo o papel de fora produtiva em lugar dos trabalhadores, j que seu uso, cada vez mais intenso,

  • 1 Parte A educao escoiar no contexto das transformaes da sociedade contempornea

    faria crescer a produo e diminuiria significativamente o trabalho humano.

    Verifica-se, nessa compreenso, um determinismo tecnolgico que no corresponde inteiramente realidade. preciso considerar que as transformaes tcnico- -cientficas resultam da ao humana concreta, ou seja, de interesses econmicos conflitantes que se manifestam no Estado e no mercado, polos complementares do jogo capitalista. Essas transformaes refletem a diversidade e os contrastes da sociedade e, em decorrncia, o empreendimento do capital para controlar e explorar as capacidades materiais e humanas de produo da riqueza, tendo em vista sua autovalorizao.

    Todavia, embora existam algumas diferenas na compreenso do fenmeno da acelerada transformao tcnico-cientfica, percebe-se que todos os termos utilizados para definir a realidade atual apontam para o fato de estar em curso radical revoluo da tcnica e da cincia e de essa revoluo ser responsvel por amplas modificaes da produo, dos servios, do consumo e das relaes sociais.

    1.1. Uma trade revolucionria: a energia termonuclear, a microbiologia e a microeletrnica

    Para compreender mais concretamente as transformaes tcnico-cientficas, preciso considerar os aspectos ou pilares fundamentais da revoluo tecnolgica. Tal revoluo est assentada em uma trade revolucionria: a microeletrnica, a microbiologia e a energia termonuclear (Shaff, 1990). Essa trade aponta, em grande parte, os caminhos do conhecimento e as perspectivas do desenvolvimento da humanidade.

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    AS TRANSFORMAES TCNICO-CIENTFICAS, ECONMICAS E POLTICAS

    A revoluo tecnolgica ou terceira Revoluo Industrial marcada, entre outras, pela energia termonuclear, assim como a primeira Revoluo Industrial lembrada pela descoberta e utilizao da energia a vapor e a segunda Revoluo Industrial, pela energia eltrica, como mostra o quadro Revolues cientficas e tecnolgicas da modernidade , a seguir. A energia termonuclear responsvel pelos avanos da conquista espacial, alm de constituir potencialmente importante fonte alternativa de energia. Seu uso no sculo X X , no entanto, esteve em grande parte a servio da moderna tcnica de guerra, trazendo graves consequncias e grandes riscos para a vida humana e do planeta.

    Quadro 1 - Revolues cientficas e tecnolgicas damodernidade (do sculo XVIII ao incio do sculo XXI)

    Primeira Revoluo Cientfica e Tecnolgica(incio na segunda metade do sculo XVIII)

    Nasce na Inglaterra, vinculada ao processo de industrializao, substituindo a

    produo artesanal pela fabril. Caracteriza-se pela evoluo da tecnologia aplicada produo de mercado

    rias, pela utilizao do ferro como matria-prima, pela inveno do tear e pela substituio da fora humana pela energia e mquina a vapor, criando as condies objetivas de passagem de uma sociedade agrria para uma socie

    dade industrial. Impe o controle de tempo, a disciplina, a fiscalizao e a concentrao dos

    trabalhadores no processo de produo. Amplia a diviso do trabalho e faz surg ir o trabalho assalariado e o prole

    tariado. Aumenta a concentrao do capital e seu domnio sobre o trabalho; o traba

    lho subordina-se formal e concretamente ao capital. Demanda qualificao simples (trabalho simples), o que leva o trabalhador a

    perder o saber mais global sobre o trabalho.

    71

  • 1 * Parte A educao escolar no contexto das transformaes da sociedade contempornea

    Segunda Revoluo Cientfica e Tecnolgica(incio na segunda metade do sculo XIX)

    Caracteriza-se pelo surgimento do ao, da energia eltrica, do petrleo e da indstria qumica e pelo desenvolvimento dos meios de transporte e de comunicao.

    Fornece as condies objetivas para um sistema de produo em massa e para a ampliao do trabalho assalariado.

    Aumenta a organizao e a gerncia do trabalho no processo de produo por meio da administrao cientfica do trabalho (proposta por Taylor e Ford): racionalizao do trabalho para aumento da produo, eliminao dos desperdcios, controle dos tempos e movimentos dos trabalhadores na linha de montagem.

    Ocasiona a fragmentao, a hierarquizao, a individualizao e a especializao de tarefas (linha de montagem).

    Intensifica ainda mais a diviso tcnica do trabalho, ao mesmo tempo que promove sua padronizao e desqualificao.

    Faz surgir as escolas industriais e profissionalizantes (escolas tcnicas), bem como o operrio-padro.

    Terceira Revoluo Cientfica e Tecnolgica(incio na segunda metade do sculo XX)

    Tem por base, sobretudo, a microeletrnica, a ciberntica, a tecnotrnica, a microbiologia, a biotecnologia, a engenharia gentica, as novas formas de energia, a robtica, a informtica, a qumica fina, a produo de sintticos, as fibras pticas, os chips.

    Acelera e aperfeioa os meios de transporte e as comunicaes (revoluo infor- macional).

    Aumenta a velocidade e a descontinuidade do processo tecnolgico, da escala de produo, da organizao do processo produtivo, da centralizao do capital, da organizao do processo de trabalho e da qualificao dos trabalhadores.

    Transforma a cincia e a tecnologia em matrias-primas por excelncia. Organiza a produo de forma automtica, autocontrolvel e autoajustvel

    mediante processos informatizados, robotizados por meio de sistema eletrnico. Torna a gesto e a organizao do trabalho mais flexveis e integradas glo

    balmente.

    Favorece a criao de uma economia baseada no acesso a servios, informaes, bens intangveis, experincias etc.

    72

    AS TRANSFORMAES TCNICO-CIENTFICAS, ECONMICAS E POLTICAS

    A revoluo da microbiologia responsvel, tambm, por grandes avanos e perigos para a vida humana e do planeta. De um lado, o conhecimento gentico dos seres vivos permite a produo de plantas e animais melhorados para o combate fome e desnutrio, o desenvolvimento de meios contraceptivos no auxlio ao planejamento familiar e ao combate da exploso demogrfica e a luta pela eliminao de doenas congnitas (sndrome de Down, esclerose mltipla, diabetes, doenas mentais etc.). De outro lado, h a produo artificial de seres humanos, a clonagem, bem como a criao de vrus artificiais e a possibilidade de guerras bacteriolgicas.

    A revoluo da microeletrnica, por sua vez, a que mais facilmente pode ser sentida e percebida. Estamos rodeados de suas manifestaes no cotidiano, mediante: a) objetos de uso pessoal, como agendas eletrnicas, calculadoras, relgios de quartzo etc.; b) utenslios domsticos, como geladeiras, televisores, vdeos, aparelhos de som, mquinas de lavar roupa e loua, forno

    ->4micro-ondas, fax, telefone celular, entre outros; c) servios gerais, como terminais bancrios de autoatendi- mento, jogos eletrnicos, virtuais ou tridimensionais, balanas digitais, caixas eletrnicos e outros. J possvel perceber, tambm, que essas manifestaes, bem como a permanente introduo de artefatos tecnolgicos no cotidiano de vida das pessoas, vm promovendo alteraes nas necessidades, nos hbitos, nos costumes, na formao de habilidades cognitivas e at na compreenso da realidade (realidade virtual).

    A vedete dessa revoluo , certamente, o computador. Para muitos, ele constitui a maior inveno do

    O estudo de clulas- -tronco - encontradas, sobretudo, em clulas embrionrias e em vrios locais do corpo (tais como cordo umbilical, medula ssea, sangue, fgado, placenta, lquido amnitico), tendo em vista, especialmente, a recuperao de tecidos danificados por doenas e traumas - vem constituindo uma das reas mais significativas em termos de revoluo da microbiologia.

    73

  • 1 PaRTF----A EDUCAO ESCOLAR NO CONTEXTO DAS TRANSFORMAES DA SOCIEDADE CONTEMPORNEA

    sculo, j que seu fascnio, aperfeioamento e utilizao (diferentemente do automvel, da televiso, do telefone, do avio) no parecem ter limites. So potencialmente infindveis as aplicaes do computador em diferentes campos da atividade humana: lazer, educao, sade, agricultura, indstria, comrcio, pesquisa, transporte, telecomunicao, informao etc. Em todos esses campos, comea a fluir uma cultura digital pela qual todos se sentem fascinados ou pre