letícia pereira teixeira - danÇantes por natureza | pós-graduação em … · aprendizado. desta...

87
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - UNIRIO CENTRO DE LETRAS E ARTES - CLA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEATRO - PPGT MESTRADO EM TEATRO INSCRITO EM MEU CORPO: UMA ABORDAGEM REFLEXIVA DO TRABALHO CORPORAL PROPOSTO POR ANGEL VIANNA Letícia Pereira Teixeira RIO DE JANEIRO 2008

Upload: halien

Post on 30-Nov-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO -

UNIRIO

CENTRO DE LETRAS E ARTES - CLA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEATRO - PPGT

MESTRADO EM TEATRO

INSCRITO EM MEU CORPO: UMA ABORDAGEM REFLEXIVA DO TRABALHO CORPORAL PROPOSTO POR ANGEL VIANNA

Letícia Pereira Teixeira

RIO DE JANEIRO

2008

2

Inscrito em meu corpo: Uma abordagem reflexiva do trabalho corporal

proposto por Angel Vianna

por

LETÍCIA PEREIRA TEIXEIRA

Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Teatro do Centro de Letras e Artes da UNIRIO, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre, sob a orientação da Professora Doutora Nara Keiserman. Área de Concentração: Teoria e técnicas teatrais. Linha de pesquisa: processos e métodos da construção cênica.

RIO DE JANEIRO 2008

3

TEIXEIRA, Letícia Pereira. Inscrito em meu corpo: Abordagem Reflexiva do Trabalho Corporal proposto por Angel Vianna. Mestrado em Teatro – Programa de Pós-Graduação em Teatro, Centro de Letras e Artes, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, 2008.

RESUMO

Esta dissertação teve como objeto de estudo o trabalho corporal proposto por Angel Vianna, ou seja, a sua prática conhecida como conscientização do movimento. A via principal de investigação partiu do registro, incorporação e assimilação efetivadas pela autora, uma de suas discípulas. Está estruturada em quatro capítulos: o primeiro parte da conceituação do corpo como elemento norteador para a compreensão desta abordagem; o segundo discute os principais conceitos pertinentes à prática de Angel Vianna, como: imagem corporal, propriocepção e consciência do corpo; o terceiro apresenta tópicos de caráter didático formulados através de princípios, modos de aplicação e alguns procedimentos básicos e o quarto capítulo estabelece uma articulação entre o pensamento formulado nos capítulos anteriores e aspectos da preparação corporal do ator. Os temas analisados nos quatro capítulos dessa dissertação contribuem para a projeção do trabalho, na construção de novas didáticas e pesquisas no campo das artes cênicas, envolvendo a formação do bailarino e do ator.

Palavras-chave: Angel Vianna, Expressão Corporal, Pedagogia do Corpo.

4

ABSTRACT

This dissertation was based, as object of the study, on the body work purposed by Angel Vianna, which means, her body work practice known as movement consciousness. The main lane of the investigation began from the taken on permanently register, incorporation and assimilation by the author, who was one of hers pupils. The dissertation is structed in four chapters. The first one starts from the concept of the body as the element for the understanding of this bound approach. The second one discusses about the principal concepts related to Angel Vianna practice, such as: the body image, the proprioception and the conscious ness of the body itself. The third one presents didactic character topics formulated through the principles, forms of application and some basic procedures. Finally, the last chapter determines an articulation between the formulated thought in the previous chapters and the aspects of the body preparation of the actor. The analyzed subjects in the four chapters of the dissertation contribute to a further projection of this work, in what concernes to the constructions of news didactics and researches in the scenic arts field, involving the rise of the dancer and of the actor.

Key words: Angel Vianna, Body Expression, Pedagogy of the Body.

5

AGRADECIMENTOS

À minha querida Angel, por acreditar em meu empenho e esforço para a continuidade

do seu trabalho.

À minha orientadora, Profa. Dra. Nara Keiserman, pelo diálogo recíproco, dedicação,

confiança e objetividade.

Aos professores Doutores do Programa de Pós-Graduação em Teatro (Sueli Barbosa

Thomaz, Tânia Brandão, Iremar Brito, Ana Teresa Jardim, Zeca Ligiério, Eloísa Brantes

Mendes e Charles Feitosa), ao me proporcionarem reflexão e crescimento.

À Hélia Borges, Enamar Ramos, Charles Feitosa e Joana Ribeiro (suplentes), que

aceitaram participar da banca.

Aos colegas de turma de 2005, pela troca, apoio e carinho, especialmente Andréa Elias

e Claudia Petrina.

À Aline e Marcus, pela acolhida e receptividade.

Á bibliotecária Isabel, da biblioteca setorial do CLA pela atenção.

À bibliotecária Nercy Souza Paula, da biblioteca Klauss Vianna, por sua ajuda e

confiança.

À Julieta Calazans, pelo auxílio e acompanhamento do estudo.

À Juliana Polo, pela gentileza em me conceder os diskettes de seu trabalho de

pesquisa.

À Soraya Jorge, em me ajudar a “mover”.

Aos meus próximos (Arnaldo, Luiza e Amanda), pela paciência na ausência necessária

para completar este estudo.

6

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....................................................................................................................1

CAPÍTULO I – CORPO FILOSÓFICO............................................................................8

1.1. Não somos apenas um monte de ossos, músculos e órgãos............................................9

1.2. Perceber o corpo é ver a vida de outra maneira............................................................15

1.3. Gente é como nuvem, sempre se transforma... ............................................................17

CAPÍTULO II – CORPO SENSÍVEL.............................................................................21

2.1. Cada parte do corpo deve ser habitada interiormente ..................................................23

2.2. Movimento exterior é o prolongamento de um trajeto interior.....................................30

2.3. Conscientização do movimento é a busca da consciência............................................35

CAPÍTULO III – CORPO APRENDIZ...........................................................................41

3.1. Nós não ensinamos um corpo a se movimentar............................................................42

3.1.1. Nossa história acaba por se inscrever em nosso corpo...............................................43

3.1.2. Há os que vão em busca de uma integridade..............................................................45

3.1.3. É um trabalho de reeducação......................................................................................45

3.2. Nós já nascemos sabendo..............................................................................................46

3.2.1. Despertar a sensibilidade corporal.............................................................................47

3.2.2. Integrar corpo e mente...............................................................................................48

3.2.3. Achar o seu eixo de equilíbrio...................................................................................49

3.3. O que fazemos é orientar a pessoa para que ela relembre o que está guardado

dentro de si..................................................................................................................50

3.3.1. É se conhecer e saber que pode se tocar, ver, sentir e ouvir......................................54

3.3.2. Uma busca do seu movimento interior, de você mesma............................................55

3.3.3. É um movimento........................................................................................................56

CAPITULO IV – CORPO CÊNICO................................................................................58

4.1. Se você desenvolve seu potencial você se torna único.................................................59

7

4.2. Tomar consciência do movimento é tomar consciência da própria vida......................63

CONCLUSÃO....................................................................................................................69

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................................74

8

INTRODUÇÃO

Existe um método Angel Vianna1? Pergunta que venho processando deste os

anos de convivência com Angel2. A hipótese em questão se justifica pela

metodologia que está totalmente inscrita em meu corpo, isto é, nas vivências

corporais adquiridas durante o percurso de mais de 30 anos, como aluna, depois

como assistente em curso livre e, finalmente, como profissional da prática aplicada

na Escola/Faculdade Angel Vianna.

Quando comecei a lecionar a disciplina de Expressão Corporal no Curso de

Formação em Dança, substituindo Angel na década de 1980, deparei-me ao seguinte

desafio: dar continuidade ao trabalho corporal criado por ela. Mas o que lhe é

próprio? Não havia material escrito e sistematizado de que eu pudesse me valer para

prosseguir aplicando esta prática. Foi somente pela apropriação profunda de uma

memória introjetada em meu ser que pude fazer emergir as diretrizes absorvidas

depois de tantas vivências.

Ao exercer a função de professora, deparei-me com obstáculos referentes ao

“como fazer” e “o que fazer”, já que a empreitada no campo pedagógico ocorreu de

maneira inesperada. Dessa forma, a construção de um ensino calcado na

aprendizagem com o corpo e para o corpo foi sendo montada e sustentada pelas

necessidades, tanto teóricas quanto práticas, de ordem pessoal e profissional.

Apresento-me neste estudo como discípula. Trago na memória o que Angel me

favoreceu: o desenvolvimento de minha personalidade, do meu corpo, de uma visão

mais aberta e generosa sobre o humano e o mundo. Angel me possibilitou

desenvolver o legado mais importante da educação que, segundo o pedagogo Jacques

Delors, é “aprender a ser”, ou seja, oferecer um princípio fundamental da educação

que deve “contribuir para o desenvolvimento total da pessoa – espírito e corpo,

inteligência, sensibilidade, sentido estético, responsabilidade pessoal,

espiritualidade” (DELORS, 2000:99).

1 Angel Vianna, bailarina, coreógrafa, professora, doutora (título notório saber) e fundadora da Escola e Faculdade Angel Vianna (Rio de Janeiro), cujo espaço é pioneiro na formação em dança contemporânea e nas linguagens de consciência corporal. 2 Mencionarei eventualmente, a partir de então, simplesmente por Angel e não Vianna, que é uma forma carinhosa e bastante reconhecida de tratá-la.

9

A liberdade de exercer uma prática que aflorou, primeiramente na vivência,

me levou a crer no potencial humano, isto é, em nossa capacidade de transmitir o que

de fato condiz com o que é absorvido durante o aprendizado, na troca entre mestre e

discípulo. Então, guiada pela minha intuição, fui criando, elaborando, aplicando esse

aprendizado. Desta forma, aprendi a ser o que se é. Segundo o educador Jorge

Larrosa: “Para chegar a ser o que se é, tem que se ser artista de si mesmo”. No

entanto é preciso seguir duas regras fundamentais.

A primeira é seguir o próprio instinto e deixar que vá trabalhando inconscientemente a força organizadora. (...) A segunda é utilizar mestres, porém como pedras da sorte, como pretextos para a experimentação de si, que se tem de saber abandonar a tempo (...), visto que não são modelos de identificação, mas astúcias para diferir de si próprio, para separar-se de si mesmo no processo tortuoso de chegar a ser o que se é. (LAROSSA, 2000:76-77).

Esta dissertação dá seqüência ao que venho desenvolvendo em minha

trajetória acadêmica, tendo a mestra como principal referência. A primeira

elaboração teórica sobre esse tema foi a monografia para o curso de Pós-Graduação

“Lato Sensu” em Educação Psicomotora – O construtivismo na educação no Instituto

Brasileiro de Medicina de Reabilitação (IBMR).

A monografia que apresentei no final de 1995, com o título: Pressupostos para

o entendimento da conscientização do movimento como uma prática corporal, partiu

da inquietação pessoal para o reconhecimento desta modalidade de trabalho corporal.

Nesse estudo pude conjugar as bases teóricas já assimiladas com a prática,

apresentada na forma de uma aula aplicada. A monografia inclui não somente a

filosofia absorvida na formação acadêmica (graduada e licenciada em filosofia pela

Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 1985), como também a estudada na

Escola Angel Vianna (no curso de formação em expressão corporal, de 1978 até

1983), organizada em três capítulos. No primeiro, “Reflexões”; no segundo capítulo,

“Vivências”, onde constam os autores de práticas corporais que possuem uma

afinidade com as de Angel e, por fim, no terceiro capítulo, “Práticas”, são descritos

os procedimentos de uma aula. Esta Monografia foi lançada em livro pela Editora

Caioá, de São Paulo, em 1998.

Em um segundo momento, elaborei, a pedido de Angel, um artigo para o livro

Lições de Dança 2, organizado por Roberto Pereira e Silvia Soter, da Editora

UniverCidade, e lançado no ano de 2000. Trata-se de uma apresentação básica dos

10

elementos abordados na prática corporal de Angel Vianna, que são: espaço, peso e

transferência, consciência dos ossos, das dobras (articulações) e do invólucro (pele).

Desenvolvi, ainda, um artigo para a primeira produção acadêmica da

Escola/Faculdade Angel Vianna, onde leciono as disciplinas IMECO I e II

(Improvisação e Expressão Corporal I e II). Nessa produção foi dada ênfase a uma

preocupação particular em desvendar o conceito de consciência, razão de tantas

sondagens na área do meu envolvimento. O livro Dança e Educação em Movimento,

publicado pela Editora Cortez, em 2003, foi organizada por Julieta Calazans, Jacyan

Castilho e Simone Gomes.

As produções teóricas sobre Angel Vianna (AV), tanto pela autora deste

estudo quanto por outros, vem sendo pensadas, conduzidas e acrescidas de novas

perspectivas. Angel é tema de várias teses, dissertações e monografias.

Especificamente sobre esse tema, destaco os seguintes trabalhos:

- BENTO (2004), tese de Doutorado de Maria Enamar Ramos Neherer Bento, para o

Programa de Pós-Graduação em Teatro (PPGT) da Universidade Federal do Estado

do Rio de Janeiro (UNIRIO), intitulado Angel Vianna: A pedagoga do corpo. Bento

traça um panorama do percurso da educadora desde sua cidade natal (Belo

Horizonte), passando por Salvador e Rio de Janeiro (onde se localizam a sua Escola e

a Faculdade Angel Vianna), indo até o momento atual, em que se torna mantenedora

da Faculdade homônima e portadora do título de doutora de notório saber, pela

Universidade Federal da Bahia. Bento ressalta a pedagoga através dos cursos

ministrados por ela, desde a década de 1970, destacando a afluência de artistas à

procura de seu trabalho corporal. Grandes atores e diretores do Rio de Janeiro (Amir

Haddad, Sérgio Brito, Eduardo Tolentino e outros) testemunharam experiências sutis,

renovadoras e sensíveis. Bento também analisa e compara as ementas das disciplinas

de Expressão Corporal na Faculdade Angel Vianna (FAV), Universidade do Rio de

Janeiro (UNIRIO) e a Universidade de Campinas (UNICAMP). Por fim, destaca a

importância, para a atuação cênica do ator, da experiência corporal calcada no

trabalho corporal de AV.

- POLO (2005). Pesquisa realizada por Juliana Polo, através do oitavo Programa de

bolsas RioArte, denominado: Angel Vianna através da história – a trajetória da

11

dança da vida. Polo organizou periódicos de acervo pessoal de Angel Vianna, entre

1948 até 2004. Os temas abordados por períodos onde, respectivamente,

encontramos:

� Ballet de Minas Gerais (1948 – 1955): período de formação e participação

como bailarina no grupo de dança de Carlos Leite – responsável pela

implantação da dança clássica na cidade de Belo Horizonte;

� Ballet Klauss Vianna (1955 – 1962): período em parceira com seu

companheiro de vida Klauss Vianna e incentivadora da primeira escola de

formação – Escola Klauss Vianna;

� UFBA (1963 – 1964): período onde lecionou dança e integrou o grupo de

dança da Universidade Federal da Bahia, sob a direção de Rolf Gelewsky;

� Ballet Tatiana Leskova (1965 – 1974): período onde lecionou ballet clássico e

implantou a primeira turma de expressão corporal;

� Centro de Pesquisa Corporal Arte e Educação (1975 – 1982): período da

fundação de sua segunda escola junto com Klauss Vianna e Teresa de Aquino

e da criação de seu primeiro grupo de dança – Teatro do Movimento.

� Escola Angel Vianna (1983 – 2004): período da fundação de sua terceira

escola, junto com seu filho Rainer Vianna, e a oficialização dos cursos

oferecidos: formação técnica de dança contemporânea e recuperação motora

através da dança;

� Faculdade Angel Vianna (2001 – 2004): o período inicia com a implantação da

formação em nível de terceiro grau até 2004 e, finalmente;

� O teatro (1962 – 2004): período de participação como atriz, coreógrafa,

expressão corporal, preparação corporal, direção de movimento e de corpo.

Polo catalogou artigos, notas, entrevistas, chamadas de cursos e apresentações

artísticas.

- FREIRE (2006). Livro de Ana Vitória Freire, intitulado Angel Vianna: uma

biografia da dança contemporânea. Rio de Janeiro: Dublin. Freire analisa a trajetória

de vida de Angel através da dança. A autora salienta a sua participação como

bailarina e coreógrafa em Belo Horizonte, na Bahia e no Rio de Janeiro.

12

Este estudo pretende explanar o trabalho corporal proposto por Angel, que é

conhecido como “Conscientização do Movimento e Jogos Corporais”, porém passível

de outras terminologias, tais como: expressão corporal, conscientização de jogos

corporais, conscientização corporal, conscientização do movimento3.

Não me aterei às questões terminológicas. A escrita compõe-se de quatro

capítulos, percorridos em um caminho que se inicia pela concepção teórica (corpo

filosófico e corpo sensível), segue para uma concepção didática (corpo aprendiz) e,

no quarto capítulo (corpo cênico), aponta para uma articulação entre o teatro e temas

abordados nos três primeiros capítulos.

Apresento, primeiramente, a concepção de uma prática, na qual o suporte

teórico é o seu embasamento. Contudo, a base deste estudo encontra-se em um

subtexto, oferecido por um corpo/vivido que se inscreve na vivência da abordagem

que está sendo constituída e demonstrada. O primeiro capítulo se adentra no

conhecimento filosófico para sustentar as idéias de corpo representado, modo de ver

(Maurice Merleau-Ponty) e modo de ser (Gilles Deleuze e Friedrich Nietzsche). O

segundo capítulo abrange conceitos que validam essa abordagem no âmbito do

conhecimento prático, como: imagem do corpo (Paul Schilder), propriocepção

(Oliver Sacks) e consciência do corpo (José Gil). O terceiro capítulo, denominado

corpo aprendiz, aborda o papel do orientador através de princípios a ele relacionado

(transmissão do vivido, orientação para uma auto-condução e aprendizado constante);

os modos de sensibilização (toque, imagem e direção óssea), procedimentos e as

etapas possíveis em sala de aula (tomada de consciência, movimento e

improvisação).

O quarto capítulo volta-se para o corpo cênico (ator/bailarino), priorizado

como condição de exploração para uma efetiva experimentação de si. Dessa forma,

será travado um diálogo com Antonin Artaud, Gilles Deleuze e Félix Guattari para o

3 Nos periódicos organizados por Juliana Polo, encontram-se várias terminologias para o trabalho corporal de Angel Vianna, a começar pelo título de “Expressão Corporal” Jornal Opinião, 10 de dezembro de 1976:299; Jornal da Bahia, 1977:307; Jornal Ipanema, de 1977:309. No ano de 1982, o Jornal O Globo a cita como professora de dança e conscientização de jogos corporais (p. 350). “Conscientização e jogos corporais” foi título de uma nota do jornal Luta e Prazer, novembro de 1982:351. Em 1987, no Jornal O Estado, em uma entrevista, ela diz: “Meu trabalho, de uns quinze anos para cá, ficou conhecido como expressão corporal. (...) No momento chamo meu método de Conscientização Corporal”. (p. 377). Em 1992, para o Diário da Tarde, diz: “Atualmente, não chamo esse trabalho de Expressão Corporal e sim de Conscientização do Movimento e Jogos Corporais. É o título que hoje dou e entre parênteses (Expressão Corporal)” (p. 409). Ver: Polo (2005:299-409). Em sua Escola/Faculdade, Angel leciona curso livre com a denominação de Conscientização do Movimento.

13

entendimento do corpo estranho e, em seguida, uma reflexão dialogada com o

encenador pedagogo Jerzy Grotowski e a abordagem de Angel Vianna.

Como fecho da dissertação, dá-se destaque à importância de um corpo

preparado, em condições de ser apropriado pelo seu dono, graças a uma formação

qualificada para tal, colocando-se a autora em defesa do método Angel Vianna, ou

melhor, empenhada na implantação da abordagem aqui apresentada.

O principal motivo para investigar e aprofundar este estudo se deu em função

de sua proximidade, da necessidade de ampliar o tema e de acordo com o meu

próprio percurso, já mencionado.

Surgiu, inicialmente, um interesse no enfoque especificamente educativo, o

que me levou a colher depoimentos de colegas de formação em expressão corporal

(1979 a 1983), no intuito de apurar a influência e a especificidade pedagógica

exercida pela mestra Angel. Depois, entrevistei Angel, com a finalidade de obter

informações sobre os seus mestres e sua formação, mas ela já havia depositado toda

sua história para a excelente pesquisa realizada por Juliana Polo4. Mais uma vez

compreendi que o seu interesse não é relatar sua vida, e sim, provocar, a partir de seu

trabalho, o despertar da potencialidade de cada um. Assim, deparei com o que

realmente me pertence e segui na investigação de minhas próprias descobertas e

interesses.

A partir de então, tentei traçar a sua trajetória pela perspectiva filosófica, mas

a condução natural se encaminhou pelo fazer teórico, enquanto aluna do Mestrado ao

longo dos dois anos. De tal modo que toda a concepção do estudo aconteceu através

das questões, diálogos e vínculos, por mim estabelecidos, durante a travessia das

disciplinas cursadas. Norteei-me na condição de seguidora, com a preocupação de

analisar o tema, no intuito de esclarecê-lo e proporcionar novas leituras, perspectivas

e interesses pelo trabalho corporal de Angel Vianna, e não pelo seu caráter

historiográfico. É por esta razão que sua trajetória é pontuada ou sinalizada na

intenção de fornecer dados para a reflexão da abordagem em questão. Procurei

acrescentar várias citações (depoimentos da própria), para preencher o estudo com o

seu pensamento.

Inscrito em meu corpo é uma abordagem elaborada a partir de reflexões que

me acompanham durante as aulas, na carreira profissional e em minha vida,

4 Pesquisa referida nos estudos sobre Angel Vianna.

14

comprometida pela necessidade de acolher o pensamento de Angel, para legitimar

todo o seu legado.

15

CAPITULO I – CORPO FILOSÓFICO

A abordagem reflexiva do trabalho corporal de AV conduz para um

pensamento aberto, singular, contraditório, inquieto; afastado de verdades, certezas e

resoluções, até porque não existem no corpo idéias claras e distintas5. Basta

prestarmos atenção a um só dia de sua inevitável presença: há sempre algum mal

estar, uma dor, uma inquietação para a qual não se tem, a princípio, distinção e nem

clareza de seus motivos. A afirmativa que racionaliza a condição do duvidoso e do

incerto não cabe à peculiar existência física ou à experiência sensível6.

O pensamento aqui gerado partiu de vivências processadas no trabalho

corporal com AV, em um envolvimento circunstanciado pelo ambiente de sua Escola.

Algumas possíveis considerações serão abordadas acerca do entendimento da

abordagem corporal de AV, através da perspectiva de uma discípula/autora deste

estudo, que o absorveu pelo registro sensório e cinético.

Como adentra em um campo de possibilidades onde não há fixação de uma

única visão, afina-se com o pensamento da gagueira criadora do filósofo francês

Gilles Deleuze7, isto é, com a reverberação do som e, e, e... O pensamento deleuziano

indica a noção de multiplicidade, que não embolsa o pensamento dual ou afirmativo,

pois este compara e pressupõe a afirmação de uma verdade ou de um raciocínio que

prevaleça. Segundo Deleuze: “o E não é nem um nem outro, é sempre entre os dois, é

a fronteira”8 para a multiplicidade de conexões, junções e possibilidades, em

contrapartida ao “é”, do pensamento afirmativo, convicto, universal, absolutista. O

pensamento da gagueira não busca uma significação ou uma origem (pensamento

5 Alusão ao pensamento dualista de Descartes, em que o conhecimento e a verdade provêm da razão através de idéias claras e distintas, independente da experiência sensível. Ver: Descartes (1979:6-22). 6 Novamente a referência cartesiana onde a dúvida também advém da razão, pois é o meio para a credibilidade da existência humana, assim sendo, se duvido é porque penso, se penso é porque existo, logo existo na condição de ser pensante Ver: Descartes (1979: 6-22). 7 Ver: Deleuze (1992:59-60). Deleuze, Gilles. Conversações. Editora 34, 1992. 8 Idem.

16

ontológico), pois implica em um pensamento circular mais do que linear (pensamento

histórico). Desta forma, como não afirma o que é, tampouco necessita invalidar o que

não é. Pode ser aquilo e mais isto e, quem sabe, vindo dali e dacolá e surgindo de um

ponto subjetivo e outro objetivo, e assim sempre reverberando...

A proposta é promover a intercessão entre vivência, experiência e reflexão. O

que importa é o que se passa entre o que é possível estabelecer enquanto dinâmica,

entre a aplicabilidade e o procedimento, a aplicação e sua concepção, o procedimento

e sua concepção, enfim, entre o pensamento que busca conceber uma prática e a

aplicação da mesma.

É neste ínterim, entre uma primeira articulação provocada pela reflexão e sua

prática que apresentaremos as seguintes noções de corpo: o corpo do discurso e das

nomeações (corpo representado); o corpo percebido pelo seu ponto de vista, como

ponto de referência no espaço (aqui) e no tempo (agora), relacionado com a

consciência enquanto sujeito intencional no mundo (modo de ver) e o corpo devir

enquanto potência (modo de ser) por meio de fragmentos do pensamento de Angel:

• Não somos apenas um monte de ossos, músculos e órgãos;

• Perceber o corpo é ver a vida de outra maneira;

• Gente é como nuvem, sempre se transforma.

1.1. “Não somos apenas um monte de ossos, músculos e órgãos”9

A abordagem do conhecimento da anatomia, da fisiologia e da cinesiologia,

priorizado em toda trajetória corporal da professora Angel, trouxe um diferencial em

relação ao modelo informativo do estudo do corpo com base nestes conteúdos10.

Segundo Maria Enamar Bento (2004:17)11, ela “trouxe para a sala de aula palavras

que originariamente eram restritas ao campo da medicina ou da fisioterapia”.

No entanto, a busca de Angel pelo conhecimento formal do corpo, em um

primeiro momento, não veio pela via intelectual e nem acadêmica, ou seja, pelo

9 Pensamento de Angel Vianna, extraído dos periódicos organizados por Juliana Polo. Ver: Polo (2005:359). 10 Angel freqüentou aulas de anatomia na Escola de Odontologia e Farmácia da UFMG, em Belo Horizonte, no ano de 1955. Em 1963, em Salvador, voltou a estudar anatomia na Escola de Dança (UFBA).Ver: Freire (2005:67). No Rio de Janeiro, no final da década de 1970 obteve aulas particulares de cinesiologia com a fisioterapeuta Solange Lucie. Ver: Polo (2005:285). 11 Professora de Expressão Corporal e Dança da UNIRIO e autora da Tese de Doutorado em Teatro, com o título Angel Vianna: A pedagoga do corpo, pela UNIRIO, 2004. Sinalizado na Introdução.

17

ambiente das áreas citadas acima que abrangem o conhecimento categorizado para a

compreensão do corpo. A via curiosa que a levou à necessidade de entendê-lo,

apreendê-lo e trazê-lo para seu mundo foi a artística, tanto da dança quanto da

escultura12. O universo do movimento foi uma das diretrizes que a impulsionou para

a compreensão do mecanismo das ações realizadas na técnica de dança a partir do

balé clássico e, depois, em toda a sua trajetória voltada para a expressão do mover-

se.

A restrição dos termos anatômicos, fisiológicos ou cinesiológicos,

relacionados ao corpo humano, para o conhecimento específico da área da saúde,

mostra o quanto o estudo do corpo é reduzido à sua formatação orgânica. Neste

sentido, o corpo é tratado como um modelo de representação dirigido ao modo de

apresentá-lo, pelo foco da organização porque o classifica, decepa, analisa, e

enquadra-o. Enfim, torna-o representado através de sistemas, tais como: sistema

esquelético, muscular, articular, arterial, respiratório, circulatório, digestivo etc.

Dentro deste parâmetro, o filósofo francês Michel Foucault13 analisa que “a

partir do século XVII perguntar-se-á como um signo pode estar ligado ao que

significa. A tal pergunta a idade clássica responderá pela análise da representação”.

(1980:67). Cada coisa estará indicada pela sua função e nada mais, assim sendo, “o

olho será destinado a ver e a ver, apenas; o ouvido, apenas a ouvir” (1980:68); a

redução torna o olho coisa/signo e o ver palavra/significado14 - um estágio em que

ainda estamos impregnados, pois objetivou a cultura da representação na arte da

nomeação e do discurso. “O discurso terá então por objetivo dizer o que é, mas já

não será coisa alguma do que diz” (1980:68), pois ele representa o dito, a idéia da

coisa/objeto de análise.

O pensamento clássico que sistematizou e classificou o corpo trata-o como

idéia15, ou melhor, como uma representação universal. A representação básica da

12 Angel estudou dança clássica com Carlos Leite (uns dos responsáveis pela implantação desta técnica em Belo Horizonte, em 1948), gravura (Misabel Pedrosa), desenho (Sansão Castelo Branco), escultura (Frans Weissman) e pintura (Guignard) na Escola de Belas Artes, no mesmo período. Ver: Freire (2005:36-37). 13 No livro As Palavras e as Coisas, Michel Foucault tratou de estabelecer a estrutura da linguagem particular de cada época – episteme – em uma leitura das Histórias das Idéias no Ocidente, ou melhor, em uma arqueologia das ciências humanas. São Paulo: Martins Fontes, 1980. 14 Aqui me refiro ao próprio título do livro de Foucault, As palavras e as coisas; a palavra, no caso do verbo ver, é o significado e a palavra, no caso do olho, é a coisa, o signo – base da interpretação semiótica. 15 Em relação a essa questão, no livro da autora: Conscientização do Movimento: uma prática corporal há um parecer sobre esse pensamento, introduzido por Descartes, que levou o seu res

18

anatomia do corpo é reduzida pelo discurso da estrutura esquelética, nomeada nas

divisões entre membros (superiores e inferiores), tronco, quadril e cabeça; pelo

discurso dos músculos, nomeados nas respectivas origens e inserções; pelo discurso

dos ligamentos, nomeados na combinação dos ossos que os unem, e assim em todos

os sistemas representativos do corpo.

O discurso teórico do corpo anatômico e fisiológico não nos capacita a

reconhecermos como pertencentes a uma morfologia oriunda das condições materiais

(contexto histórico, social e cultural) e fenomenológicas (experiências cotidianas que

vão moldando cada pessoa, principalmente com relação ao fato ou fenômeno

acontecido e acontecendo na constante formação física, afetiva e intelectual como

sujeito no mundo).

Para Charles Feitosa, no artigo Para Além da Dialética: O Anti-Hegelianismo

de Nietzsche e Deleuze:

O problema é que sempre que se diz algo, diz-se para outro, representa-se alguma coisa. O representante diz “todo mundo reconhece que”, mas há sempre uma singularidade não representada que não é reconhecida precisamente porque ela não é todo mundo ou o universal. (FEITOSA, 2000:95).

O conhecimento formal da anatomia ou da cinesiologia costuma ser

transmitido através da visualização da imagem figurativa no Atlas de Anatomia,

explanada pelo livro ou na apresentação do cadáver acompanhado pelo discurso. A

figuração estabelece a construção de uma representação do corpo, ordenado em

medidas exatas e proporcionais, cuja projeção se volta para a visualização ideal de

perfeição. Além disso, o aprendizado da anatomia, por exemplo, consiste

fundamentalmente em ver e nomear partes do cadáver como peças, em que cada parte

é reconhecida como autônoma e independente do resto do corpo, desfavorecendo a

compreensão das relações entre suas partes.

As referências básicas que podemos obter dos objetos/corpos físicos através

de nossa percepção, são: o tamanho, o volume, a distância, a cor, o cheiro, o som, a

forma, a temperatura, a densidade, a largura, o comprimento, enfim, dados físicos

desta suposta realidade/corpo com que lidamos no dia-a-dia. Então, será que cada um

pode reconhecer sua constituição física, localizando e visualizando a estrutura

(esqueleto) em si mesmo, para constatar a distinção do que é visto na representação

cogitans (consciência) a se apropriar da realidade que, de representações constituídas pelo sujeito, converteu-se em idéia ou conceito do mundo. Ver: Teixeira (1998:26).

19

figurativa? Assim ao tocar no próprio corpo a particularidade do mesmo surgirá por

meio da percepção de si, e não pelo que dele é representado. Tocar no seu próprio

corpo é, por si só, uma experiência única independente de comparar, explicar e

representar.

O reconhecimento da constituição física indica para cada um a existência

própria de algumas particularidades, potencialidades, facilidades e dificuldades.

Processa-se na descoberta do que cada um tem de peculiar, como: traços (fino,

grosso, marcado etc.); dimensões (estrutura larga ou pequena, membros superiores e

inferiores desproporcionais ao tronco/quadril etc.); tipos (biótipos relacionado com a

cultura, raça e gênero) e outros detalhes corporais diferenciados.

A introdução dos dados anatômicos possibilita a assimilação da informação

refletida, debatida, sentida e memorizada simultaneamente. Reflexão conjunta ao

discurso representativo da anatomia, com a nomenclatura dos ossos, e sua

funcionalidade, para oferecer adiante a percepção sinestésica do corpo enquanto

estudado, situado e experimentado no corpo presente. No momento da pesquisa do

movimento, o corpo assimilará as respostas vindas do foco de atenção para outras

partes que, a princípio, não estavam sendo associadas, informando que o corpo não é

separado e nem dissociado entre si. Este é o grande diferencial para o estudo da

representação do corpo. A singularidade não é universal; por isso é preciso sinalizá-

la enquanto estudada, sentida, manipulada e vivida.

Angel proporcionou a si mesma, através da escultura, a leitura das figurações

humanas. Ao esculpir corpos ela reconheceu a multiplicidade das formas humanas e,

assim, a singularidade da representação figurativa do corpo. Segundo Henri-Pierre

Jeudy16, a singularidade “só parece fixar-se na afirmação arbitrária de uma criação

subjetiva” (2004:34), ou seja, fugindo das regras e restrições aos moldes impostos

por uma ordem representada.

A formalidade dentro do academicismo artístico da representação física

também perpassa por moldes de ideais perfeccionistas, porém a arte, enquanto

16 Henri-Pierre Jeudy, sociólogo francês do LAIOS (Laboratório de Antropologia das Instituições e das Organizações Sociais) e Professor de estética na Escola de Arquitetura de Paris-Villemin. Em seu livro O Corpo como Objeto de Arte, invoca o corpo como elemento de análise. Nesta citação específica, ele dirige a relação do artista com o modelo, que é diferenciado do modelo ideal. O modelo que é apreendido singularmente pelo artista serve como inspiração de uma observação que vai além do olhar de um objeto qualquer, perpassa pela via imaginária, livre e comprometida. Ver: Jeudy (2002:34-44).

20

necessidade e não instrumento de comunicação ou informação provoca debates,

questiona e rompe com regras – “criar não é comunicar, mas resistir”17, segundo

Deleuze. O ato de criação, nesta perspectiva, perdura, resiste e potencializa vários

modos de expressão, ou seja, manifesta várias maneiras de fazê-lo. A arte oferece a

oportunidade das múltiplas possibilidades de reconhecimento das diversas figurações

de corpos – vide os artistas como Pablo Picasso, Paul Gauguin, Salvador Dali e

tantos outros, com suas originais e próprias figuras humanas.

Toda esta exposição e, em concordância com Feitosa e Jeudy acima citados,

consiste em pontuar que a representação da idéia do corpo vinculada à imagem e ao

discurso que nos apresentam não contribui para a compreensão efetiva de sua

presença e do mecanismo do movimento corporal. Foram necessárias outras

motivações (a arte de esculpir e a arte de mover) para impulsionar Angel à

descoberta de um novo caminho para o entendimento do corpo.

Em Angel, a correspondência do informativo é situada através da percepção e

da presença do corpo, para permitir reconhecê-lo em sua morfologia pessoal

(remetido à descoberta da forma do corpo pela escultura) e pela qualidade do

movimento (remetido ao aprendizado anatômico, pelo movimento na técnica do balé

clássico, ao reconhecer a parte do corpo que move; como essa parte funciona no

movimento e como o todo corporal está comprometido com as partes).

No prefácio do livro Anatomia para o Movimento, da autora Blandine Calais-

Germain, escrita pelo Doutor Jacques Samuel18, observamos a mesma busca de

associação da aplicação do conhecimento na atuação do movimento. Samuel mostra

que a partir do século XX, de forma gradativa, as descrições anatômicas do aparelho

locomotor foram sendo relacionadas com as ações dos músculos e das articulações.

Recentemente, a pesquisa no campo da biomecânica vem aprofundando o

conhecimento da função do aparelho motor pelo exame interno dos tecidos

estruturais dos músculos e das articulações.

Porém, para Samuel:

17 Ver: Deleuze (1992:179). 18 Diretor da Escola Francesa de Ortopedia e de Massagem.

21

O aspecto funcional foi exposto, sobretudo, em termos de eficácia, sem haver muita preocupação com a maneira pela qual “isso ocorre”, procurando-se, principalmente, submeter o corpo aos imperativos da técnica para fazer dele um instrumento dócil ao serviço da expressão. (...) Numerosas pessoas, interessadas nas técnicas corporais (dança, mímica, teatro, ioga, relaxamento etc.), chegaram à fisioterapia para encontrar tais análises estáticas e cinéticas, facilitando a aplicação dessas diferentes técnicas: esse é o caminho que seguiu Blandine Calais, que da dança veio à fisioterapia. (CALAIS-GERMAIN, 1991:3).

Esse é o caminho que seguiu Angel ao procurar, desde a década de 1950, aulas

de anatomia, fisiologia e cinesiologia, para um melhor entendimento da condução

motora do movimento.

Sylvie Fortin19 compartilha da mesma opinião acima citada. Para ela, as

teorias ainda estão defasadas em relação às práticas corporais conhecidas também

como educação somática20, pois elas não abrangem uma análise devida aos

fenômenos observados nos estudos de casos. A esse respeito, assim se manifesta:

Talvez dada à dificuldade de se realizar as experimentações controladas, com o que se supõe em termos de medidas de variáveis dependentes e interdependentes, mas, sobretudo, dado ao questionamento dos educadores somáticos sobre a pertinência do tipo de pesquisa, constata-se que a pesquisa realizada até hoje pouco tentou avaliar a eficiência das práticas no sentido em que se entende o modelo científico do paradigma positivista dominante. (FORTIN, 1999:50).

Dentro deste parâmetro, as abordagens similares de AV procuram outros

vieses de elaboração teórica (filosofia, psicologia, antropologia), de forma a

favorecer a constatação e a importância de suas práticas.

A intuição da professora Angel, em interligar sua experiência com a

modelagem na observação das formas dos corpos das colegas bailarinas, levou-a ao

encontro das particularidades do humano. Esta primeira revelação conduziu-a ao

encontro teórico com as estruturas corporais para o desempenho da dança. Trata-se

de uma abordagem visionária que afasta a padronização através da compreensão do

corpo próprio, sabendo como experimentá-lo, assim como sustentá-lo e reconhecê-lo

como aparato da percepção de si no mundo.

19 Professora no departamento de dança da Universidade de Quebec, em Montreal (Canadá). Diplomada no método Feldenkrais. Doutora pela Universidade Estadual de Ohio (EUA), pesquisa a contribuição da educação somática para a formação do intérprete, as metodologias de pesquisa em dança e a educação somática dos jovens para a representação coreográfica. 20 Citarei, na Conclusão, algumas linhas de trabalhos corporais associados à educação somática.

22

1.2. “Perceber o corpo é ver a vida de outra maneira” 21

O presente estudo dialoga com o corpo vivido em relação ao mundo como um

veículo. Para o filósofo Maurice Merleau-Ponty, no livro Fenomenologia da

Percepção, “O corpo é o veículo do ser no mundo, e ter um corpo é, para um ser

vivo, juntar-se a um meio definido, confundir-se com certos projetos e empenhar-se

continuamente neles” (PONTY, 1994:122).

Exatamente porque o corpo é um veículo de comunicação com o mundo é que

Merleau-Ponty irá considerá-lo como próprio. O corpo-próprio é um conceito que o

diferencia de um corpo objetivo ou objeto.

A visão morfológica da abordagem corporal em questão compreende que a

apresentação do corpo no mundo depende de vários fatores influenciados pelo meio,

tais como: a genética, a hereditariedade e os ambientes: familiar, social, ecológico e

cultural, que moldam e formatam estruturas. Assim sendo, estabelece o “corpo-

próprio” ao relacioná-lo com as particularidades habitadas em sua constituição

morfológica no mundo: cabelos, peles, estaturas, volumes, formas, biótipos.

Ninguém jamais é igual ao outro, porque cada pessoa é única provinda de um par

biológico, possui um “corpo-próprio” que emerge do meio.

O pensamento fenomenológico de Merleau-Ponty imbrica na condição de um

sujeito intencional, isto é, uma consciência/sujeito que existe e age intencionalmente

na relação com o mundo/fato/fenômeno/objeto. A busca de Angel pelo objeto de

estudo (corpo) pertencente ao sujeito (as bailarinas) surgiu de uma intenção de

interligá-los com o universo mecânico da dança. Não bastava saber dos sistemas

corporais separadamente, era preciso vivê-los e entendê-los no corpo em movimento.

Segundo Merleau-Ponty, em seu livro No Primado da Percepção e suas

Conseqüências Filosóficas, o meio/mundo/objeto é sempre visto de um ponto de

vista, pois a percepção do que está ao redor de si como visto/apreendido vincula-se

ao lugar que o corpo ocupa no espaço.

Não é por acidente que o objeto se oferece deformado por mim, segundo o lugar que eu ocupo; é a este preço que ele pode ser real. [...] Esse sujeito que assume um ponto de vista é meu corpo como campo perceptivo e prático. (PONTY, 1990:47).

21 Pensamento de Angel Vianna, extraído dos periódicos organizados por Juliana Polo. Ver: Polo (2005:384).

23

É preciso reconhecer-se no corpo para trazer a percepção do mundo, pois ele

será apresentado pelo ponto de vista de quem vê, do ângulo de sua visão. Neste

sentido, coloca o corpo/sujeito em algum lugar como ponto de vista metafórico, ou

seja, na perspectiva aberta (ampla) ou fechada (reduzida) de seu olhar sobre esse

mundo/objeto. O modo reduzido de ver apreende a frente como chapada, sem

ultrapassar o que está por detrás. Como podemos deixar a vista captar além do que é

visto? Conduzindo-a pelo interior e exterior, pelas costas, lados, por baixo, por cima,

em profundidade e aproximação.

Uma questão fundamental para a percepção do corpo no espaço é apreendê-lo

como tridimensional, ou seja, conquistá-lo enquanto corpo que se preenche em todas

as direções (frente, lados, costas, em cima, embaixo). Esta noção de corpo no espaço

aumenta a capacidade de ver-se no mundo.

Assim sendo, transferindo ao sujeito a sua consideração e sua credibilidade do

que seria essa realidade aparente/mundo e, fazendo uma analogia ao saber ou ao

modo de pensar, teremos, então, de cada pessoa um “ponto de vista”, “um modo de

ver as coisas” “um modo de pensar e sentir”, pois existe o ponto de vista de onde o

corpo vê.

O corpo humano desloca-se sempre de algum lugar e apreende a sua

experiência do mundo do ponto de vista de onde ele se coloca como sujeito no

mundo, isto é, de onde ele estabelece sua subjetividade. É preciso se deslocar de

vários ângulos para obter um melhor panorama, olhar em volta ou se transferir para a

condição do outro. Desta forma, obtém-se uma melhor compreensão do que se está

vendo/apreendendo/percebendo como abrindo para a relatividade do pensar, do agir e

do sentir. É nesta condição estabelecida, a priori com o seu ponto de vista, que o

sujeito reconhece o lugar do seu corpo mental/subjetivo, psíquico, biofísico.

A análise em Angel de um sujeito fenomenológico, perceptivo e intencional se

dá através da relação que ela estabeleceu entre a escultura e a morfologia corporal, a

música pelo movimento e percepção rítmica e auditiva22 e o conhecimento anatômico

integrado com a dança. Em detrimento deste sentido fenomenológico, pode se

22 O primeiro empreendimento educacional de AV foi a abertura da Escola Klauss Vianna (1955) junto com seu parceiro de vida: Klauss. Uma das disciplinas oferecidas neste ambiente era a música, para que os alunos pudessem desenvolver o sentido rítmico e melódico do movimento. Ver: Freire (2005:51-54).

24

afirmar que Angel vem se deslocando de vários “pontos de vista”, pois a sua maneira

de relacionar-se com o mundo ultrapassa o paradigma clássico.

Merleau-Ponty reivindicou a consideração do corpo a partir de um pensamento

estabelecido pelo sujeito e seu objeto/corpo, associado-os, interligado-os e

relacionando-os. Assim, ao considerar o corpo, trouxe em evidência o sujeito que

pertence e está no mundo. Exatamente o que o pensamento clássico não permitia,

pois o objeto distancia-se do sujeito e, portanto, não estabelece relação.

Para o filósofo português José Gil, em seu livro Movimento Total:

A fenomenologia teve o mérito de considerar o corpo no mundo. Não se trata de uma perspectiva terapêutica (embora tenha dado origem a toda uma escola psiquiátrica), mas do estudo do papel do corpo próprio na constituição do sentido. A noção de corpo próprio compreende ao mesmo tempo o corpo percebido e o corpo vivido, em suma o corpo sensível, a carne de Husserl, de Merleau-Ponty e de Erwin Strauss. (GIL, 2001:68).

A perspectiva fenomenológica que considera o corpo sensível – percebido

concreto, como diria Gil23 –, intencional e associado a um ponto de vista ainda não é

o suficiente para tratarmos de um corpo paradoxal e com sentidos múltiplos, mas

apropriado ao modo de ser que englobe a noção do humano interno e externo, que

pode transformar-se em devires. O que, com certeza, encaminha a abordagem

reflexiva do trabalho de AV nos tempos atuais.

1.3. “Gente é como nuvem, sempre se transforma”24

O corpo é um processo, está sempre para acontecer. Todo processo é um

continuum porque faz parte da idéia de movimento. A sua manifestação nunca acaba,

pois ele está sendo, indo e transformando-se. O corpo é dinâmico e potencialidade. A

potencialidade que cada um desenvolve, no âmbito do possível, na perspectiva do

acontecido e ainda por acontecer, em sua morfologia específica e na constância da

sua exposição.

O corpo, primeiramente, é um veículo de experiências possíveis de serem

manifestadas e relacionado consigo próprio e com o meio. Contudo, junto com essa

aparência surgem marcas, sinais, memórias, habilidades, dificuldades – sentidos 23 Ver: Gil (2001:68). 24 Pensamento de Angel Vianna, extraído dos periódicos organizados por Juliana Polo. Ver: Polo (2005:601).

25

múltiplos. Segundo Deleuze: “Não existe sequer um acontecimento, um fenômeno,

uma palavra, nem um pensamento cujo sentido não seja múltiplo” (1976:3).

O conceito específico de múltiplo, aqui, relaciona-se com o devir, com o vir a

ser, porém, segundo o filósofo alemão Nietzsche, ponderando que “o sentido de vir a

ser precisa ser a cada momento completado, alcançado, aperfeiçoado” (2002:74). Isto

é, a própria condição da vida como um processo que está sempre sendo e sempre para

acontecer com suas múltiplas possibilidades.

O corpo pertence a alguém específico (singular) e, ao mesmo tempo, é

pertencente a todos (múltiplos) – todo ser humano tem um corpo físico. A abordagem

do corpo, priorizado na sua singularidade, conduz para a conduta de aceitação de

todos (aberto a vários corpos), no ambiente pedagógico construído pela professora

Angel, intercomunicando com as questões da atualidade, que valorizam a diversidade

humana, as diferenças e garante a não-exclusão como base para uma questão ética de

respeito mútuo, afastado da noção de que alguns podem ou pertencem e outros não.

Sendo assim, o sentido de múltiplo é referenciado ao agrupamento de diferenças

dentro de um mesmo ambiente ou em uma mesma pessoa, que permite o aprendizado

corporal de si mesmo sem que se estabeleçam juízos de valor.

Para Regina Maria Lopes Van Balen, no livro Sujeito e Identidade em

Nietzsche: “O corpo sugere a multiplicidade que dá forma (ou formas) à

subjetividade. Multiplicidade de instintos em conflito, de paixões e emoções. O

corpo é o fio condutor para a diversidade da realidade”. (VAN BALEN, 1999:19).

Com base nesse pensamento nietzschiano, não cabem fixações de identidade,

verdades absolutas e normas de poderes permanentes.

A polarização “nós” e “eles” revela a tendência metafísica de pensarmos em termos de identidades fixas (...) identidades fixas que tem a ilusão de traduzir a realidade como algo absoluto e sem movimento (...), do pensar dualista que sempre privilegia um em detrimento do outro. É difícil pensar as culturas enquanto complexidades, enquanto processos, enquanto descontinuidades. (VAN BALEN, 1999:47).

A noção de múltiplo afasta o pensamento dual que estipula o que é do que não

é ou não pertence, onde a verdade rege o pensamento, e que não aceita o pensamento

paradoxal. Com relação a essas questões, o pedagogo Thomaz Tadeu Silva pressupõe

que o pensamento doutrinário se impõe, numa posição de superioridade, com seus

valores fixados pela sua identidade. Assim, a noção de identidade é o que “é”, uma

representação da afirmação e a noção de diferença é o que “não é”, uma

26

representação da negação ou do excluído, organizada pela normalização que

“significa eleger – arbitrariamente – uma identidade específica como parâmetro em

relação ao qual as outras identidades são avaliadas e hierarquizadas”. (2000:83). Para

Silva: “a multiplicidade é uma máquina de produzir diferenças – diferenças que são

irredutíveis à identidade. [...] A multiplicidade estimula a diferença que se recusa a

se fundir com o idêntico” (SILVA, 2000:100-101).

Numa sociedade padronizada predomina a identidade de superioridade que

incentiva tornarmos “o mesmo” sobrepondo no “outro” as diferenças. O lugar do

“outro” situa-se sempre à margem da ordem orgânica funcional: o feio, o

problemático, o indevido, o louco, o defeituoso, enfim, o que não se enquadra no

“mesmo”.

A investigação de si mesmo não escapa do lugar demarcado pela ordem social.

Em várias situações cotidianas representamos ou estamos atuando na vida através das

funções estabelecidas socialmente. Ora somos mãe, professora, aluna, patroa, esposa

etc. No entanto, a consideração do corpo, neste estudo, é a vida contida nele. Este

corpo-vivo, que está em relação com o meio, às vezes, demarcado ou territorizado

que exige uma atuação/papel (social e pessoal), através de vários ambientes (escola,

shopping, supermercado, casa, consultório, escritório, empresa, praça, rua, teatro

etc.) e, às vezes, desterritorizado, provocado pela criação e pela exploração de si,

onde não existe uma demarcação tão explícita da identidade e da origem de cada um,

até porque dentro de nosso interior, segundo Gilles Deleuze e Félix Guattari:

(...) um pedaço pode ser chinês, um outro americano, um outro medieval, um outro pequeno-perverso, mas num movimento de desterritorialização generalizada onde cada um pega e faz o que pode, segundo seus gostos. (DELEUZE e GUATTARI, 1996:19).

Através do corpo é possível mobilizar sensação, emoção, afeto, conexões

múltiplas que extrapolam o convencional, o esperado, situando-se no

desterritorizado, que Deleuze e Guattari apresentam como o lugar para a

manifestação do “corpo sem órgãos”25. É aí que é possível experimentar uma certa

dose de liberdade de deixar-se levar, ou seja, motivar-se através da energia, do

volume, da presença e do movimento. O que o estudo pretende salientar é a entrada

no nosso interior, onde não há fronteiras entre pensamento e corpo, inconsciente e

consciente, dentro e fora.

25 Esse conceito será apresentado no capítulo IV – corpo cênico.

27

O corpo é, sobretudo, reconhecido em si pela sua especificidade (qualidade do

singular) num lugar de igualdade (qualidade do múltiplo), enquanto corpo a ser

potencializado para que tenha força de atuação na sua realidade corpórea através da

apropriação da sensibilidade, da afetividade e da sensação. O corpo, nesta

perspectiva, deve ser afetado, pois, segundo Deleuze: “quanto maior o número de

maneiras pelas quais um corpo pudesse ser afetado tanto mais força ele teria”

(1976:51). Parte-se do princípio de que não existe corpo neutro como uma folha em

branco, ele já é influenciado pelas circunstâncias dado à sua existência, cuja

necessidade de resistência (como a arte) incita a abrir canais para o corpo livrar-se,

decompor-se, separar-se dos clichês, dos padrões, dos rótulos e, assim, despertar para

uma efetiva vivência.

A experimentação corporal estimula a sensibilidade, a afetividade e a sensação

através do movimento, que é geradora de forças e fluxos de energias. Aproxima da

definição de corpo criada por Gil como: “feixe de forças e transformador de espaço e

de tempo (...), comportando um interior ao mesmo tempo orgânico e pronto a

dissolver-se ao subir à superfície” (GIL, 2001:68).

Uma outra via de estimulação além de aflorar os cincos sentidos, que instiga a

observação para a escuta, o tato, a visão, o olfato em situações de exploração de si e

fora de si é a interiorização das reações orgânicas que atravessam os poros da pele,

numa comunicação direta com o espaço, isto é, o afloramento do sexto sentido26;

“porque é mais por toda a superfície da pele que através da boca, do ânus ou da

vagina que o corpo se abre ao exterior” (GIL, 2001:69). É uma superposição das

camadas de dentro da pele até a superfície que toca uma pessoa, a si mesmo, um

objeto etc. As sensações ativadas com os sentidos abertos do corpo possibilitam a

sensibilidade corporal em uma autêntica experimentação de si mesmo.

26 Ver: Capitulo II – Corpo Sensível: Propriocepção.

28

CAPÍTULO II – CORPO SENSÍVEL

A abordagem corporal de AV levanta alguns conceitos, não específicos de sua

prática, que são mencionados em sala de aula e também em estudos, voltados para a

abordagem pedagógica. Como exemplo, Maria Enamar Bento salienta em sua tese

que “o trabalho de Angel visa à percepção e reformulação do esquema e/ou imagem

corporal” (BENTO, 2004:20).

Os conceitos acima mencionados são polêmicos e estão em evidência. Tanto a

Psicanálise (Jurandir Freire Costa27) quanto a Educação física (Leonardo

Maturana28), e tantas outras áreas, estão envolvidas com estes temas.

O estudo não pretende relevar a significação do conceito de imagem corporal,

tão importante para o entendimento da abordagem de AV através da explicação, e

sim abordá-lo pelo que suscita. Neste sentido, este conceito não relacionará ao

esquema corporal e nem à propriocepção, apesar de estarem interligados.

A reflexão propiciada pelo psiquiatra Paul Schilder – criador do conceito de

imagem corporal, aliás, abstrato assim como o da consciência (por mais que estejam

às voltas com os experimentos da percepção e da neurologia), é pertinente à

abordagem filosófica do trabalho corporal de AV.

27 Com relação à psicanálise, existe uma revisão crítica do conceito de imagem em Schilder, apoiado na teoria da percepção/psicologia (Gibson, Strauss, Samuel Todes) e na Psicanálise (Campbell), feita por Jurandir Costa Freire, em seu artigo Considerações sobre o corpo na Psicanálise, no livro O Vestígio e a Aura. Garamond, 2003:60. Para ele, a noção de corpo vivido/intencional de Merleau Ponty é absorvida por Paul Schilder como corpo físico, levando a entender o esquema corporal como automático. Segundo a teoria de Gibson, levantado por Freire, isso confunde com a imagem corporal que é apresentada de forma conjunta ao esquema corporal. A teoria de Gibson transfere esses conceitos do âmbito do corpo para o campo perceptivo – processos de auto-percepção corporal (interocepção e exterocepção). A interocepção/propriocepção estrutura a experiência do corpo-próprio sendo orientada pelo movimento no eixo gravitacional (rotação e translação) na absorção das partes do corpo no todo. A exterocepção estrutura a experiência dos fenômenos extra-corporais – o meio através do conjunto dos sentidos para os objetos e eventos do ambiente, como: sons, luzes/cores, cheiros, degustações e tato. A construção do eu é o ajuste ao ambiente pela sintonia do processo das duas auto-percepções corporais (interocepção/propriocepção e a exterocepção). 28 No site da internet: http.//www.efdeportes.com/efd71/imagem.htm há um artigo resumido deste conceito (Leonardo Mataruna), em que o fundamenta, principalmente, com os teóricos da psicomotricidade (Le Blouch, Piaget, Lapierre). O que se constata, de modo geral, é a elaboração mais abrangente dos conceitos de imagem (interno/psíquico) e esquema (externo/neurológico).

29

Impregnada por essa prática, através da convivência com Angel, me vi

envolvida com tais conceitos desde o fim da década de 1970. E como soava estranho,

enigmático e distante mencionar palavras como consciência a outros que não

conheciam esta prática! Pior ainda era quando pediam explicações. Explicar como?

Gaguejando, a autora deste estudo comentava as vivências: “começa com um

relaxamento...”, “você fica parado observando...”, “realiza movimentos bem

devagar...”, “percebe o osso mexendo dentro do corpo...”, “sente a textura da

roupa...”, “faz massagem com uma bolinha...”, “experimenta sensações diferentes...”,

“é um trabalho de consciência corporal”... No entanto, os relatos não se

aproximavam de algo conhecido que pudesse facilitar a captação dessa vivência.

Desde o momento que a autora deste estudo passou a aplicar essa prática

corporal, o interesse em entendê-lo se avivou. Porém, o ambiente de Angel não

pertence – de forma tão explícita – ao lugar da explicação, cujo processo de

reconhecimento do saber é palpado na justificativa científica de comprovação da

verdade instituída. O lugar é propício à vivência e à criação. As leituras é que vieram

pouco a pouco se acumulando, principalmente na década de 1990, trazendo condições

de afirmar-se diante das explicações. Mencionar a palavra “consciência” nos tempos

atuais não mais suscita estranhamento. Contudo, é preciso salientar que o

pensamento gerado pela experiência corporal proporcionada no ambiente de AV,

circula no âmbito intuitivo, sensível e artístico.

Angel nomeia sua prática corporal como Conscientização do Movimento e

Jogos Corporais, como já mencionado na introdução. Especificarei, aqui, o primeiro

título. Do que se trata essa conscientização? De que forma o processo de

reconhecimento do movimento se dá pela consciência? Como a percepção do corpo é

ativada no que está sendo realizado/movido? A imagem do corpo (Paul Schilder), a

propriocepção (Oliver Sacks) e a consciência corporal, ou melhor, a consciência do

corpo (José Gil) serão referenciadas para a compreensão desta prática.

Estes conceitos serão analisados e titulados com fragmentos do pensamento de

Angel:

� Cada parte do corpo deve ser habitada interiormente;

� Movimento exterior é o prolongamento de um trajeto interior;

� Conscientização do movimento é a busca da consciência.

30

2.1. “Cada parte do corpo deve ser habitada interiormente” 29

Iniciaremos com as seguintes perguntas: O que é previsto para o corpo? Como

detectar a interioridade do corpo? O que é o corpo? Empiricamente, não há uma

resposta para o que é o corpo, a não ser quando existe uma falha ou quando

decepamos e estudamos o corpo/morto. Desta forma, os neurologistas são

especialistas em descrever, analisar e registrar, pois reconhecem que quando uma

parte do cérebro é lesada o seu correspondente/função corporal é paralisado. O

empírico trabalha com a noção de função orgânica do corpo, como já foi mencionado

no primeiro tópico, e a partir de suas deficiências, muitas análises, descobertas e

hipóteses são levantadas.

Gerda Alexander30, mestra da consciência e percepção corporal, com que AV

estabeleceu contato em cursos realizados na França (1971) e na Argentina (1974 e

1978), interessou-se em proporcionar aos seus alunos uma clara configuração das

formas e proporções corporais em correspondência à real imagem de seus corpos,

através de desenhos e modelagens, realizando-os antes e depois de um período de

vivência com a Eutonia. Alexander visava, com essas vivências, promover a

experiência da totalidade corporal pelo aumento da percepção do corpo31.

A imagem corporal desenvolvida na Eutonia revela, através da experiência

com a modelagem ou com o desenho, que não há proporções igualitárias entre as

partes do corpo. Além do mais, existem mais desníveis entre os membros e as

lateralidades (direita e esquerda) do que podemos imaginar ou mesmo verificar em

nosso habitual espelho. De certa forma, o espelho nos apresenta como somos, porém,

em algumas circunstâncias, mostra aquilo que queremos ver, salientando algumas

partes e ignorando outras, em função do estado emocional e psíquico ao nos

dirigirmos a ele.

A capacitação da imagem corporal proporcionada pela prática eutônica leva o

aluno, que esteja consciente de seu corpo, a ver na modelagem ou no desenho a sua

própria imagem ao identificar, por exemplo, uma perna mais volumosa, um ombro 29 Pensamento de Angel Vianna, extraído dos periódicos organizados por Juliana Polo. Ver: Polo (2005:379). 30 Gerda Alexander (1908-1994) criadora da Eutonia. 31 No livro La Eutonía – un camino hacia la experiencia total del cuerpo, Alexander descreve e demonstra vários desenhos e modelagens de alunos (ginastas, esportistas, bailarinos, psicoterapeutas e médicos), antes e depois de um curso de eutonia de 8 a 14 dias. Nesta exposição ela enfatiza a falta da percepção da imagem corporal, mesmo naqueles que lidam diretamente com o corpo (1979:79-116).

31

mais alto, um quadril bem saliente, um ombro estreito, um peito franzino etc.;

marcado, de certa forma, no manuseio com a argila ou com o lápis e condizente com

o que ele/aluno percebe em si mesmo. Isto acontece exatamente porque é moldado à

própria imagem que temos de nós mesmos, sem a referência de um modelo ideal

projetado externamente, levando assim ao reconhecimento da imagem do corpo na

modelagem ou no desenho realizado pela experiência.

Na abordagem corporal de AV ocorre uma observação dirigida a cada parte do

corpo, assim como também na Eutonia e em outras práticas similares. A atenção

dirigida ao corpo (em movimento ou não) remete à sinalização dessa parte do corpo

no cérebro. O cérebro, segundo a neurologia, possui um mapa que indica sua conexão

com cada área do corpo. O mapeamento é acionado quando a área correspondente é

ativada; remete ao conceito de imagem corporal apresentado pelo psicanalista e

neurologista Paul Schilder.

No livro A Imagem do Corpo, Schilder afirma que formatamos uma imagem

corporal na mente e a adquirimos através das sensações da pele, dos músculos e das

vísceras. Em suas palavras: “Entende-se por imagem do corpo humano a figuração de

nosso corpo formada em nossa mente, ou seja, o modo pelo qual o corpo se apresenta

para nós”. (SCHILDER, 1994:11).

O curioso nesta informação é poder remetê-la à experiência prática da

abordagem corporal de AV, que ativa a parte específica do corpo que é sensibilizado,

com o intuito de interiorizar a dimensão dessa parte e poder, assim, adquirir uma

condução leve e suave do movimento. E uma das formas para que isso aconteça é

propor a sensação/percepção do osso até a pele – áreas de aquisição da imagem

corporal, assim como da propriocepção32. Os ossos localizam a região estrutural –

nosso alicerce; as articulações orientam as direções como as posições do corpo, e a

pele absorve o volume do corpo.

Para Angel (apud Polo, 2005:378-379):

A pele é um regulador de tensões, portanto, devemos ter mais cuidado com nosso glacê, quando tocamos nela (...) Pelo contato podemos modificar todo o funcionamento corporal, tensão nervosa, metabolismo etc. É o meio de reencontrarmos o tônus normal (...) É igualmente preciso despertar a sensibilidade inclusive na própria estrutura. Trata-se de adquirir a sensação de que são os ossos que se movem no espaço. Os músculos não devem encarcerar os ossos, mas serem seus servidores. O domínio das articulações dá sempre uma impressão de extremo desafogo.

32 Ver o próximo tópico.

32

Os elementos sublinhados são os considerados básicos do trabalho proposto

por Angel33. Em seu trabalho a estrutura ou arcabouço ósseo é dirigido para a

observação tanto visual quanto tátil dos ossos, para que através dessa informação se

interiorize a percepção da estrutura e conduza o movimento pelo osso. A

sensibilização dos ossos – considerando que são envolvidos por uma membrana

fibrosa/periósteo – ocorre por meio de contatos com objetos, superfícies e pelo micro

estiramento. É na relação estabelecida pelo contato do osso com um objeto, seja ele

consistente ou maleável, que a pele do osso (periósteo) é estimulada, tanto pela

ativação do apoio ósseo quanto pelo próprio atrito provocado pelo contato. Pode

ocorrer também a relação entre o próprio corpo, por exemplo: dorso ou palma da mão

com os ísquios ou vice-versa, ou com um outro corpo (costas com costas).

O micro estiramento, que acontece através de micro movimentos, proporciona

o movimento pelo osso. No momento em que se efetiva o micro movimento, a

musculatura externa (músculos dinâmicos e superficiais, tais como: grande dorsal,

trapézio, deltóide, glúteos etc.) alcança um estado tônico que auxilia o deslizamento

do osso no interior. Desta forma, é possível atingir a mobilidade dos músculos

profundos próximos da ossatura e experimentar pequenos movimentos. Se a massa

muscular em torno do micro movimento estiver presa, ou seja, com uma tensão além

do necessário, bloqueará a sensação profunda de mover-se com os ossos.

Outro elemento importante é a pele. Angel se refere a ela como um envelope

(nosso glacê) que cobre todo o corpo. Antes de relacionar a pele diretamente com o

sentido de propriocepção34 a qual se vincula, é preciso lembrar a sua função orgânica.

A pele é um órgão vital que reveste todo o corpo e, com a perda de sua integridade,

não se sobrevive. Possui função protetora e também a de recolher informações,

comportando uma grande densidade de receptores, através de nervos sensitivos com

terminações livres (dor, contato) ou terminações em corpúsculos especializados

(calor, frio, pressão)35.

A pele toca algo, ininterruptamente: uma superfície, um objeto, o ar, várias

texturas de tecidos. Esse algo tem textura, volume, temperatura, forma, densidade,

distância. O próprio corpo é uma forma, que possui volume, textura, altura, peso,

33 Estes elementos foram mencionados no artigo Angel Vianna: a construção de um corpo, em Lições de Dança 2, 2000:247-264, da autora do presente estudo. 34 Ver: o próximo tópico. 35 Ver: Teixeira (2000:257).

33

envolto pela sensação tátil da pele. Quando a pele é despertada para o movimento,

ela é acionada para acompanhar o ar que envolve o espaço – o corpo se moverá como

dentro de um receptáculo aéreo.

As articulações móveis, imóveis ou semimóveis são elementos que também

possibilitam uma percepção internalizada do corpo, trabalhadas como dobras que

ligam cada segmento do corpo ao outro. Esse elemento estimula principalmente a

pesquisa do movimento através de uma ou mais articulações, provocando a atenção

exclusiva para as possíveis dinâmicas, mobilidades e alterações na condução do

movimento.

As articulações podem ser orientadas pelos ossos. No caso das pontas ou

processos ósseos (cotovelo, joelho, acrômio, ápice da cabeça etc.), que se pontua em

várias direções no espaço, favorecendo, em conseqüência, o deslocamento de outras

partes do corpo. O mover livre entre dois ossos é canalizado minuciosamente para o

espaço articular, trazendo a percepção das cápsulas, ligamentos e tendões.

Entre as articulações existem aquelas que exigem mais atenção e mobilidade

isolada. Por exemplo, para cada vértebra da coluna ou para as articulações imóveis,

as articulações sacro-ilíacas, que quando sensibilizadas, causam um espaçamento ou

alargamento de sua área.

Voltemos à sinalização do osso na abordagem pedagógica do trabalho corporal

de AV: primeiro apresenta-se o osso, não pela figura (às vezes se faz uso do

figurativo, mas não é tão eficiente) e sim pela presença (um osso de cadáver) ou uma

reprodução similar. Depois, introduz o conhecimento anatômico do segmento ou

parte do corpo referida, para que possa ser reconhecida no próprio corpo dos alunos.

O objetivo é oferecer a percepção do que está sendo mostrado reconhecendo, assim, a

forma, o tamanho e a mobilidade possível do segmento dentro de cada aluno, em si

mesmo, para que a referência visual no Atlas ou no cadáver seja inferida juntamente

com o referido.

Dessa forma, ao tocarmos um osso, a sensação tátil é ressaltada através do

registro de sua forma, de sua textura, de seu volume e de sua consistência. Esta

experiência pode ser realizada com um osso de cadáver e com o seu próprio osso (em

áreas fáceis de serem tocadas) e provocará o que Schilder afirma: um dos processos

de construção da imagem do corpo é pelo toque. E, ainda, que: “Todo toque provoca

34

uma imagem mental do ponto tocado. Tais imagens visuais certamente são de grande

importância para a localização”. (SCHILDER, 1994:19).

Existe a constatação da estrutura em si mesmo, como foi colocado, mas

também a tentativa de descoberta da mobilidade com algumas das peças dos

esqueletos em mãos, através do reconhecimento de suas formas, absorvido tanto no

contato tátil (dos ossos) quanto na visualização no Atlas (representação figurativa).

A percepção do interior do corpo é incógnita e estranha à imaginação que

fazemos do corpo. As sensações são vagas, assim como a pele que exige uma atenção

especial. Desta maneira, a estimulação do entorno do corpo – nosso envelope/pele

precisa ser destacada, seja em qualquer situação: tocando um objeto, uma superfície,

o ar, as roupas etc. Segundo Schilder:

É de grande interesse o estudo das mudanças que ocorrem na sensação da pele e da superfície tátil do corpo quando um objeto toca a pele ou tocamos um objeto com as mãos ou com uma outra parte do corpo. Neste exato momento, a superfície se torna leve, clara e distinta. As fronteiras visuais e táteis tornam-se idênticas. É um fato psicológico notável que sintamos distintamente o objeto, nosso próprio corpo e sua superfície, ainda que eles não se toquem completamente. (SCHILDER, 1994:77-78).

Angel não negligencia o campo das sensações e percepções, pelo contrário, ela

os enfatiza pela experiência do “contato”36. Utiliza vários contatos corporais, em

duplas, em trios, em grupos através da relação; sem falas, sem representações,

somente pelos sentidos que fazem aflorar sensações, prazeres, surpresas e

inquietações.

O meio circundante permite a entrada no interno, ajudando a processar uma

melhor relação com o “outro”, cuja interação independente de ser consigo (uma parte

do corpo tocando outra parte do mesmo corpo – mão tocando o pé), com outra pessoa

(qualquer parte de um corpo tocando outro corpo – costas com costas) e com objetos

(qualquer objeto ou superfície tocando qualquer parte do corpo – bambu na lateral da

perna ou todas as superfícies que tocamos, não estamos flutuando, portanto, tocamos

“algo” o tempo todo).

Este aprendizado de si mesmo ocorre através da sensibilização do nosso

envelope – a pele, que é responsável pela relação, pelo “entre” estabelecido pelo

mundo interno e pelo mundo externo; assim como para alcançar a harmonia tônica,

isto é, o equilíbrio das tensões do corpo. 36 A noção de “contato” é apresentada por Gerda Alexander, para diferenciá-la do tato (relação afetiva) e que se assemelha a essa descrição de Schilder.

35

A sensibilização do “contato” acelera e aflora a percepção táctil da pele que

cobre todo o corpo, experimentando-a de várias formas e em vários pontos do corpo.

É necessário um estado de inteireza para fazer emergir o interior que capta o

exterior, permitindo o caminho de volta, de modo que o exterior penetre no interior.

A experiência, por exemplo, de deixar surgir o objeto e sua forma (bambu,

bola de tênis, bola de espuma etc.) através da percepção táctil como parte de si é

intrigante a tal ponto que, ao retirá-lo, a sua forma ainda fica alguns segundos

marcada e presente no corpo, provocando uma sensação exacerbada da parte em que

a superfície/pele/fronteira foi tocada.

O aprimoramento dos sentidos tácteis, facilitada pelo objeto e superfície

possibilita manter o corpo, que é envolvido por uma camada/pele, desperto e presente

no mundo. Acontece que ao desenvolver a interação sutil do contato de um corpo

humano com outro corpo humano, ou do corpo com um objeto, esses dados tomam

uma outra dimensão. A integração provoca sensações com essas referências em uma

interação que desfaz totalmente o dentro e o fora, como no anel ou banda de

Möebius37. Da mesma forma, para Gil, o corpo do bailarino, através de seu

movimento, transforma-se numa superfície de Möebius, “movente, formando-se e

desfazendo-se incessantemente – absorvendo e dissolvendo sem parar o interior que

faz surgir à superfície única, sem avesso” (2001:78). Objeto/meio/corpo tornam-se

um só, penetra e é penetrado. Isso não corresponde à consciência alterada através de

efeitos de algumas drogas, que impedem a apreensão delimitada do que é a princípio

aparente. Como foi colocado, conduz a sensações que tomam de surpresa aquele que

está atento a essas provocações, como: deslizamento do osso, crescimento interno

dos espaços, nitidez do contato da pele com o meio/objeto, afrouxamento repentino

da musculatura etc.

A hipótese levantada acima por Schilder é precursora da prática corporal de

AV:

Não há duvida de que as qualidades físicas de nossos tecidos são de grande importância, e que a relação da estrutura óssea com a pele dará as elaborações finais a todas nossas sensações táteis e à percepção de nosso corpo. (SCHILDER, 1994:79).

37 Na topologia (ciência dos espaços e suas propriedades) há uma figura em que não é possível distinguir o seu lado direito do seu avesso. Chamada de Banda ou Anel de Möebius foi descoberta por Möebius, em 1861. Lembra uma fita ou banda plana que, ao ser torcida e ligada em suas extremidades, possui a propriedade unilateral de ser visto com os dois lados, simultaneamente.

36

Um outro fator relevante para se conferir a imagem corporal é o modelo

postural, que é considerado a partir do modelo da criança indo até o do adulto,

considerando que a característica inerente da vida psíquica é a mudança constante e

variante da imagem. Ora, o corpo é contínuo em mudanças, mas será que nos damos

conta disto? De cinco em cinco anos é óbvio para o adulto; dos doze aos dezesseis

anos opera-se uma revolução; nos primeiros anos de vida, acontece todo mês, e nos

primeiros meses de vida, todo dia.

Pela experiência corporal desta abordagem em questão, o que verificamos é

que o modelo/padrão de comportamento postural é rígido, fixado e interiorizado em

seus vícios, mesmo durante o processo de mudanças etárias. Schilder chega a

mencionar que temos o hábito de utilizar certos músculos em detrimento de outros,

de acordo com o uso cotidiano do corpo. Por exemplo, um trabalhador rural crescido

em seu habitat adquire força e trabalho braçal diferentemente de um trabalhador

industrial e urbano. Trata-se das possibilidades de uso corporal no decorrer da vida38,

isto é, da maneira como usamos o corpo através das suas agilidades, proezas,

limitações incorporadas e possibilitadas. Em decorrência da experiência, o padrão

corporal se molda no modelo de imagem da pessoa, mesmo que haja transformações

físicas pela condição biológica de evolução e interferências externas/internas das

ações cotidianas.

O padrão corporal é uma tendência de automatismo na construção habitual de

uso na vida cotidiana. Desfazer-se dele não é tão simples assim, pois o que parece é

que a acomodação em um tipo particular de postura partiu de experiências enraizadas

interiormente, repetidas muitas vezes. O próprio hábito cotidiano de mover-se é uma

forma de repetição que se torna mecanizada pelo uso. Sua assimilação incorre em um

padrão incorporado.

O uso do corpo nas ações habituais do cotidiano torna-se automático. Nas

ações já reconhecidas, o fator repetição, desfaz a necessidade de acessar, todas às

vezes, a atenção afinada do corpo com seus sentidos. Assim, adquirimos uma

maneira de andar, de entreter, de comer etc., que faz com que cada pessoa use certas

articulações como músculos diferentemente de cada um. Sem esquecer que a

motivação sempre tem um caráter psíquico e que, com certeza, irá intervir no modo

de agir. Desta forma, cada indivíduo constrói o seu padrão corporal. Contudo, se há

38 Ver: Schilder (1994:49-51).

37

um entendimento do movimento repetitivo, existe a possibilidade de assimilá-lo de

outra forma. Surge a oportunidade de uma nova busca no uso do corpo.

As transformações do corpo amenizam e podem até destruir a rigidez da

imagem corporal através de meios triviais como o uso de roupas, de acessórios, da

atividade corporal e até mesmo mutilações corporais, que nos fazem expandir,

contrair, desfigurar ou enfatizar a imagem corporal ou partes dela.

Assim, o modelo postural está em contínua mudança, retornando às imagens primárias típicas do corpo, que são dissolvidas e logo cristalizadas de novo. Assim, a imagem do corpo tem traços característicos de toda a nossa vida. Há uma mudança contínua de entidades cristalizadas e bastante rígidas para estados de dissolução e conjuntos menos estabilizados de experiências e, daí, um retorno à melhor forma a uma entidade modificada. Desse modo, há a construção contínua de uma forma que imediatamente depois de dissolvida é reconstruída. (SCHILDER, 1994:182).

Há um jogo entre o corpo, a emoção e a imagem, da mesma forma que existe o

prazer em observar a atuação corporal de um virtuosismo acrobático ou técnico de

dança, que está associado ao desejo de ultrapassar as fronteiras de nosso corpo39. Às

vezes, há uma mistura de admiração e mal estar que significa o desejo da totalidade

ou integridade do corpo e o medo de desmembramento ou retirada de uma das partes.

É a constante necessidade de mudança. É a própria afirmação de um corpo-devir.

Existem as emoções que o influenciam; existem as tendências ativas ao jogo; existem os motivos instintivos e voluntários para construir e destruir, que estão sempre sob a orientação dos objetivos finais da personalidade e do organismo como um todo; existe uma necessidade interna de escapar de toda cristalização e restrição. (SCHILDER, 1994:182).

2.2. “Movimento exterior é o prolongamento de um trajeto interior” 40

O neurologista Oliver Sacks nos surpreende com seus casos clínicos, ao

resolver contá-los em seu livro O Homem que confundiu sua mulher com um

chapéu41. Os casos clínicos que se parecem com contos, escritos em cada capítulo

deste livro, revelam situações imprevisíveis.

39 Ver: Schilder (1994:179). 40 Pensamento de Angel Vianna, extraído dos periódicos organizados por Juliana Polo. Ver: Polo (2005:379). 41 Sacks, Oliver. Rio de Janeiro, Imago, 1988.

38

O caso da dama sem corpo42 trata de uma mulher que perde sua propriocepção,

isto é, a capacidade de perceber a postura, o tônus e o movimento do corpo no

espaço. Sacks o reconhece como um sentido que pode ser estudado tanto pelos

aspectos fisiológicos quanto psicológicos. Para ele, é mais um sentido – o sexto

sentido perdido, guardado ou mantido escondido.

Aquele fluxo sensorial contínuo, mas inconsciente, das partes móveis de nosso corpo (músculos, tendões, articulações) pelo qual sua posição, tono e movimento são continuamente monitorados e ajustados, porém de um modo oculto para nós por ser automático e inconsciente. (SACKS, 1988:51).

Este sentido aparece diferenciado dos outros sentidos que estão despertos e

ativos no dia-a-dia. De qualquer forma, podem estar automatizados ou sem uma

aguda sensibilidade, mas quando degustamos algo o seu sabor aparece

imediatamente; odores fortes são evidentes quando passamos por eles ou quando eles

passam por nós; guiamo-nos pela visão, senão esbarraríamos constantemente em

algo; escutamos barulhos, ruídos, alguns, nem todos, mesmos que não estejamos

atentos; tocamos, pegamos, apertamos coisas, objetos, seres. Enfim, os cinco

sentidos estão, em princípio, despertos e em uso diário, externamente chegando a

nós.

Já o sexto sentido aqui referenciado como o sentido da propriocepção, nunca é

acionado ou nem mesmo estimulado pelos prazeres cotidianos. Ou seja, será que nos

damos conta da nossa postura ou da movimentação do corpo no espaço ou de nosso

tônus ao apreciarmos a gastronomia, a música, o perfume, os eventos artísticos?

Porém, a apreciação no movimento/dança não será uma necessidade do sexto

sentido? Será que ele está tão automático e óbvio – no que se remete às posições do

corpo – que jamais atentamos para ele? É como se não precisássemos conectá-lo, já

que o sentido é inconsciente, porém é automático? Então, toda ação automática é

inconsciente?

O que aconteceu com a moça que perdeu a propriocepção? Pelo que conta

Sacks, veio sem aviso prévio, antes de uma cirurgia, levando a associarem a uma

histeria de ansiedade que provocou uma desconexão com os circuitos de controle do

tônus e do movimento. Seu relato remetia à falta total do corpo – “sem corpo” como

ela diria. Foi detectado que “os lobos parietais estavam funcionando, mas não tinham

42 Idem, Terceiro relato do livro, p. 51-61.

39

com que funcionar” (1988:53). Somente depois de testes elétricos da função dos

nervos e dos músculos é que foi detectada a perda total da propriocepção, da cabeça

aos pés. E que sensação mais esdrúxula revelada de sentir-se sem corpo? A que ponto

o seu cérebro apagou de si sua carne?

Para Sacks, foi a falta do sentido dos músculos, dos tendões e das articulações,

portanto de quase tudo que engloba o corpo, que a levou a sentir um corpo cego.

Quer dizer, o sentido proprioceptivo faz o corpo ver-se em movimento, em postura e

sustentado e, portanto, perdê-lo é deixar de ver o corpo? Pelo que parece, na

perspectiva de Sacks, a propriocepção é um sentido do corpo interligado à visão e

aos órgãos do equilíbrio (sistema vestibular), pois trabalham juntos; a falta ou

deficiência de um deles é compensada pelos outros em conjunto43. A paciente passou

a adquirir uma vida normal com auxílio da visão em uma intensa vigilância da

atenção exacerbada pela falta. Não tendo a propriocepção não podemos nos apropriar

do corpo associado, pois segundo Sacks:

(...) às amarras orgânicas fundamentais da identidade – pelo menos aquelas da identidade corpórea, ou ‘ego corporal’, que Freud considera a base da identidade (...) algumas destas despersonalizações ou despercepções ocorrem sempre que há profundas perturbações da percepção corporal ou imagem corporal. (SACKS, 1988:58).

A partir desta exposição, apoiada em um caso/conto, lembremos dos locais no

corpo onde se instalam a propriocepção: na pele, no periósteo (membrana que

envolve o osso), nos tendões e ligamentos (nas articulações) – áreas internas que

possibilitam através da prática corporal da professora Angel a aquisição de sensações

e de percepções. Correspondendo exatamente aos estímulos dos elementos da

abordagem corporal de AV44, que são: o invólucro/pele, as dobras/articulações e o

alicerce estrutural/os ossos. E quais são as diretrizes fundamentais da abordagem

corporal de AV? Proporcionar, ativar, acionar, especialmente acordar o corpo –

torná-lo desperto. Tornar encarnado – com, no, dentro do corpo. Como? Na prática45.

O sentido da propriocepção, quando analisado, é simples de ser entendido,

porém a experiência corporal da sua assimilação efetiva denota a dificuldade de ser

realmente adquirido. Pela experiência, este sentido nos revela a total falta de

percepção que temos de nossa presença corporal e de seu reconhecimento, tanto

43 Ibidem. 44 Ver: tópico anterior sobre os elementos trabalhados em Angel. 45 Idem.

40

quando interiorizada ou quando focada num específico segmento corporal,

principalmente em movimento. É claro que temos noção do corpo no espaço e em

qualquer posição seja em pé, sentada ou deitada, mas não a temos completa e sim

parcialmente percebida. Isso fica claro quando ocorre uma sinalização, por exemplo,

provinda de um professor que orienta os alunos na atenção de seus pés ao se

locomoverem ou sinalizando qualquer parte do corpo no espaço; ou em contato com

algo como a superfície do chão, ou, ainda, vinda do próprio dono do corpo. O que

podemos notar é o requerimento consciente da sensibilidade do sentido para o seu

surgimento, levando-nos a crer que sua ausência só existe porque não é consciente,

necessitando assim acioná-lo.

Em Angel, o desenvolvimento desse sentido é voltado para o reconhecimento

do padrão ou modo de agir tão peculiar a cada um. Ou seja, sabemos que estamos nos

movendo em qualquer circunstância, como também sabemos que estamos sentados ou

deitados ou em pé, mas não nos reconhecemos nestas ações em nossa tão usual

maneira de agir.

O desenvolvimento do sentido proprioceptivo, nesta abordagem, é bastante

estimulado pela presença das articulações, para despertá-las enquanto

posicionamento (onde elas se situam) e qualidade de mobilidade (quais as

possibilidades de movimento). Ao movermos somente pequenos espaços ou áreas

corporais, percebemos entraves que denotam um mau uso (relacionado a um

posicionamento compensador ou falta de fluidez no movimento) e também um bom

uso (relacionado à liberdade de movimento e melhor posicionamento).

Cada parte do corpo pode ser revelado, despido e apropriado através da

pesquisa minuciosa do movimento interno para captar as dificuldades e as defesas,

assim como as facilidades e os prazeres, com uma tal motivação que possa processar

os encontros internos, pessoais e solitários.

Como menciona Sacks, este sentido é inconsciente, e, portanto seu estímulo

remete ao interior. A propriocepção é imprescindível, mais do que a visão, a audição,

a degustação, pois viveríamos de forma debilitada ou, insuportavelmente, sem ele.

Este sentido é apurado no trabalho corporal de AV através de sua sinalização. Ver-se

no corpo refere a introjetar-se e reconhecer seu estado, sua posição no espaço, sua

sustentação etc.

41

É preciso disponibilidade corporal para adquirir a noção do corpo em sua

integridade, pois nossos estados sensoperceptivos46 comprometem-se com a

experimentação, ou melhor, com estímulos que favoreçam sua apreensão.

O único órgão responsável pelo sexto sentido/propriocepção é a pele, pois

assim o é reconhecido. A pele47, segundo Ashley Montagu, em seu livro Tocar: o

significado humano da pele, é descrita como:

(...) uma roupagem contínua e flexível, envolve-nos por completo. É o mais antigo e sensível de nossos órgãos, nosso primeiro meio de comunicação, nosso mais eficiente protetor. O corpo todo é recoberto pela pele. Até mesmo a córnea transparente de nossos olhos é recoberta por uma camada modificada de pele. A pele também se vira para dentro para revestir orifícios como a boca, as narinas e o canal anal. Na evolução dos sentidos, o tato foi, sem dúvida, o primeiro a surgir. O tato é a origem de nossos olhos, ouvidos, nariz e boca. (...) ‘matriz de todos os sentidos’. (MONTAGU, 1988:21).

Montagu associa a pele ao sentido do tato – origem de todos os outros sentidos

(visão, audição, olfato, paladar), mas aqui o estamos enfatizando pela propriocepção.

A propriocepção não só engloba a pele (que nos permite o sentido do contorno), mas

também tendões, ligamentos, músculos e ossos (que nos favorece a postura). Desta

forma, é um sentido que exige uma apuração não só interior como também exterior.

Não vem à tona como acontece com os outros sentidos, estimulado pelo exterior

(cheiros, cores/luzes, imagens, sons, gostos, texturas). Acontece numa relação

interior/exterior, além de estar comprometido com o modo de se posicionar, de

postura na vida; sobretudo é um sentido mais complexo.

A prática corporal proposta por AV nos faz detectar posturas viciadas,

acomodadas e desgastadas pela simples condução minuciosa de um movimento ou

pela sustentação bem posicionada, se assim conseguirmos manter, em uma postura

(sentada, de pé, deitada). E requer bastante disposição física para atentar às

dificuldades que aparecem, como, por exemplo, de mantermo-nos em qualquer

postura por muito tempo.

O que se pretende não é fixar o registro da dificuldade, e sim a possibilidade

de modificação e alteração do padrão condicionado, para a descoberta de uma

liberdade e uma espontaneidade corporal possível de ser manifestada.

46 Correspondem às sensopercepções: exteroceptivas (cinco sentidos), a propriocepção e as interoceptivas (vinculadas aos órgãos internos) Ver: Luria (1991:8-15). 47 Ver: Capítulo I – Tópico 1.3 – Os elementos.

42

2.3. “Conscientização corporal é a busca da consciência” 48

A consciência, assim como a biomecânica e o estudo da estruturação interna

dos ligamentos e músculos, se codifica em pesquisas recentes que procuram cada vez

mais desvendar detalhadamente suas funções. Desde modo, novas técnicas de

observação do cérebro e do corpo, que até então eram desconhecidas, ampliaram o

conhecimento de sua estrutura e funcionalidade49.

A abordagem deste estudo é pela experiência da dança e do movimento, que

traz a consciência do corpo. Não pretende desvendar o corpo, a consciência por meio

de suas funções. O que este estudo deseja abordar é o conceito de “consciência do

corpo” do filósofo José Gil, já mencionado anteriormente.

Existe um saber próprio do corpo, ou melhor, a consciência do corpo e sua

localização? Para Gil não existe propriamente um local onde se instala a consciência

do corpo; ela perpassa pelo movimento de captação interna e externa do corpo, em

uma “zona” – espaço interior50.

Gil reconhece dois tipos de configurações de consciência. Uma que se fecha

em si mesma e observa sempre do exterior – consciência de si, tipo egóica, que tem a

preocupação na perfeição, cujo corpo é impermeável para os movimentos internos e

para os sentidos – corpo organizado. Gil relaciona aos modelos sensório-motores

rígidos “que representam sempre um obstáculo à inovação” e desfavorecem a

circulação de energias. (2001:73).

48 Pensamento de Angel Vianna, extraído dos periódicos organizados por Juliana Polo. Ver: Polo (2005:377). 49 Para António Damásio (neurologista português), existem vários aspectos do processo da consciência que podem ser testados por meio dos seguintes fatores: primeiro, como foi exposto acima, atualmente é possível traçar uma anatomia da consciência – agrupar os territórios cerebrais segundo suas funções. Em segundo lugar, reconhecer a distinção entre a consciência e a atenção básica (estado de vigília). Terceiro, a emoção pode ser ligada à consciência, isto é, uma suposição verificada em situações neurológicas em que a emoção se apaga assim que a consciência se ausenta; o que parece, mesmo sendo fenômenos distintos, a existência de algum mecanismo de estruturação que os mantêm ligados. Quarto fator, a consciência pode ser distinguida entre o tipo simples e o tipo complexa, ou seja, consciência simples ou central, cujo sentido de self é concernente a um momento aqui (espaço, em algum lugar) e agora (tempo), e a consciência ampliada, cujo sentido de self é mais complexo, possui muitos níveis e graus, tendo o passado e o futuro revistos correntemente na condição do aqui e agora. No entanto, ela só se sustenta na existência da consciência central e não o contrário. E, por fim, pode circunstanciar na teoria da consciência outras funções cognitivas para uma melhor compreensão, tais como: a memória, o raciocínio e a linguagem, que colaboram com a interpretação do que se passa no cérebro e na mente. Ver: Damásio (2000:30-36). 50 Ver: Gil (2001:173-175).

43

A outra configuração de consciência corresponde a que libera e torna o corpo

poroso, pois ela é acompanhada pelo movimento em todas as direções do corpo,

interna e externamente. É a situação de deixar-se invadir pelas percepções, ou

melhor, pelas “pequenas percepções”51 que são sutis, e precisam de uma afinada e

apurada compreensão do movimento pelo interior do corpo, isto é, “condição para

desposar os movimentos e as tensões internas do corpo” (GIL: 2001:160).

A capacidade de interiorizar pequenos detalhes ou, como diria Gil, abrir o

canal das “pequenas percepções” é possibilitar introspectar a consciência pelo

movimento. Esta capacidade foge da expectativa de um comando exterior, isto é, do

comando que indica o que fazer, que nos coloca em uma atitude passiva de

obediência, como se esta fosse a única forma de ativar o corpo na demanda de

aprimoramento técnico.

A consciência dos movimentos, segundo Gil, produz dois efeitos interessantes:

o primeiro é a sensação de ampliação do movimento, pois não se foca na finalização,

e sim na continuidade; e o outro é a direção cada vez mais interna que impregna o

corpo desta consciência, isto é, torna a consciência – corpo52.

Gil ilustra, em seu livro Movimento total, uma aula do curso de dança de Eva

Karezag, na Holanda53. A aula descrita inicia com uma observação no Atlas de

anatomia, seguida da explicação da professora sobre a coluna vertebral e sua

demonstração com um bailarino. A professora localizava e isolava cada vértebra54,

para que o bailarino pudesse deixa-se levar pelas impressões tácteis e, assim, acordar

os processos espinhosos, movendo a coluna o mais isoladamente possível,

experimentando micro-movimentos ou movimentos internos55.

O conhecimento do corpo (informações de sua mecânica, de sua anatomia, de

seus sentidos) conduz ao aprofundamento de uma contrapartida interna do

movimento, trazendo à superfície/pele a liberdade e a liberação de novas aquisições

51 Este conceito, retirado de Leibniz, invoca a compreensão de que, no máximo de nossa capacidade de assimilação das percepções, algumas são imperceptíveis ou insignificantes ou confusas ou não despertam atenção. Desta forma, precisamos ser afetados por elas para serem captadas. Ver: Leibniz (1980:11-15) 52 Ver: Gil (2001:134). 53 Idem (2001:172-175). 54 Sabe-se que os movimentos da coluna acontecem em blocos: extensão, flexão, flexão lateral e torção, e não pelas vértebras separadamente. Esta vivência permite a aquisição isolada do movimento de cada vértebra. 55 Experiência já vivida por mim, exatamente como foi descrita por Gil. Os procedimentos e os meios são semelhantes aos de Angel Vianna. Ver: Capítulo III – Corpo Aprendiz.

44

em habilidades possíveis, estabelecendo um diferencial no modo de tratar qualquer

ação ou movimento corporal.

Para Gil, o bailarino, desta forma, é capaz de penetrar no seu espaço interior

ou “zona”, isto é, o espaço da consciência do corpo. E por que Gil considera essa

experiência um contato com a consciência – porosa como ele irá defini-la? Pelo

comentário das impressões dos bailarinos, após a experiência realizada em duplas,

pois, segundo o autor:

Todos dirão mais tarde a sua maravilhosa impressão de terem crescido, de terem uma coluna mais comprida; sobretudo, de experimentarem uma desenvoltura acrescida nos movimentos, como se os membros e as articulações se estivessem desprendido dos nós que antes retinham. Acabavam de libertar o “espaço interior”. Ou a “Zona”, espaço transcendental. (GIL, 2001:173-174).

De acordo com Angel: “quando um bailarino conhece melhor como seu corpo

funciona, dança melhor, por isso vale saber dos ossos e músculos e não só dos passos

de dança”. (POLO, 2005:489). Simplesmente repetir conduz à padronização e ao

enrijecimento dos músculos, fechando o canal sensório e prazeroso com o corpo. Nos

relatos de Klauss Vianna: “a dança é um ato de prazer, de vida, e só deixa de ser

prazerosa e viva no momento em que passa a ser ginástica, exercício, competição de

força e de ego”. (2005:80).

O que Gil abrange nesta exemplificação é a noção da troca energética e da

abertura do espaço interno (zona) pela consciência do corpo. E deixa claro que não

houve atividade meramente física de execução de proezas musculares.

A consciência do corpo de Gil é um estado de impregnação (consciência) –

algo que nos auxilia na ligação e no reconhecimento de que pertencemos ao nosso

corpo e não ao outro corpo –, em que o inconsciente (corpo) é capaz de dar sentido

ao mundo. É uma concepção diferenciada da percepção de si, isto é, da consciência

fenomenológica (consciência de si) que dirige-se ao mundo/para fora, para a

percepção de algo como um objeto ou uma intencionalidade, a fim de recebê-lo ou

captá-lo.

Para o autor, a consciência do corpo dirige se “para dentro” do corpo, pelo

lado obscuro do mundo ou “para trás”, em contraposição ao colocar-se de “frente”

para o fato/fenômeno/mundo, em Ponty.

Abrir-se ao corpo não faz deste um objeto. (...) Como dissemos, abrir-se ao corpo significa deixarmo-nos impregnar pelos movimentos do corpo. O

45

que provoca, evidentemente, um “abaixamento do limiar da consciência”, uma consciência “crepuscular”. (GIL, 2001:177).

Ou seja, a consciência do corpo não está voltada para reconhecer o mundo em

função de uma ação intencional que irá dar-lhe sentido, “mas como adesão imediata

ao mundo, como contacto e contágio com as forças do mundo”. (GIL, 2001:177).

A consciência perceptiva de Merleau-Ponty é similar à consciência central de

Antônio Damásio, que “fornece ao organismo um sentido do self concernente a um

momento – agora – e a um lugar – aqui” (2000:33). Quer dizer, uma concepção que

instala o si diante do mundo. Contudo, não oferece, como queremos abordar, e em

sintonia com a concepção de Gil, o mundo interior, intenso, profundo e dúbio, pois o

limiar entre o que vem de fora, o que penetra e o que brota de dentro e emerge para

fora não é tão elucidado.

O propósito desta abordagem é frisar o corpo como estado de mudança

despertado pelo contínuo fluxo sensorial, inconsciente e complexo56 que é a

propriocepção.

O corpo, em Gil, afasta a noção de corpo sensível ou funcional, própria das

ciências biológicas e da fenomenologia, para apoiar-se no corpo inteiro tomado pela

consciência. Perspectiva que complementa o que faltava para desvendar a palavra-

chave na abordagem corporal de Angel Vianna: a consciência, ou melhor, a

“consciência do corpo”.

Então, como deixar a consciência invadir o corpo? Através da experiência, ao

entrar nas “pequenas percepções”, ou seja, nas possibilidades de absorção das

sutilezas, detalhes, nuances provindas do interior do movimento. A consciência

porosa é penetrada pelas “pequenas percepções” de liberações de tensões, não se

tratando de uma concentração em um ponto, enquanto objeto observado e tratado

logicamente e concretamente (consciência de si), mas a consciência do corpo que

passa por contatos do movimento em um estado de sentido contínuo.

Esta consciência relaciona-se com um corpo paradoxal, com sua porosidade –

o interior que emerge para a superfície/exterior, o duplo de Möebius – o dentro e o

fora que se conjugam na passagem de movimento trazendo mais consciência, em um

entrelaçado de energia. Para Gil, é pela energia e pelo espaço-tempo que se concebe

a “consciência do corpo”. São dois elementos fundamentais para a aquisição de um

56 Tratado o segundo tópico deste capítulo – propriocepção.

46

corpo apto para a criação espontânea, e possíveis de serem vivenciados na prática

concebida pela professora Angel.

É através deste paradoxo que a abordagem do trabalho corporal de Angel

realmente se efetiva, ou seja, na relação inconsciente/consciente de um conhecimento

espontâneo que o corpo tem do mundo. O corpo, por si, sabe através da consciência,

como portadora de energia, disponibilidade e atenção interior, como um saber

próprio do corpo: “a consciência de si deve deixar de ver o corpo do exterior, e

tornar-se uma consciência do corpo”. (GIL: 2001:159).

O enfoque corporal em Angel visa abrir o campo da consciência do corpo. Os

elementos básicos de sua abordagem corporal, pele, articulações e ossos57, já

apresentados nesse estudo, apresentam possibilidades de experimentação. Essa

exploração se constitui quando o inconsciente ou movimento interno aflora na

superfície do continente interior/exterior da pele, pelos espaços das dobras e pela

profundeza constituída dos ossos –, que é o interior dos interiores das camadas

corpóreas.

Então, como se processa a consciência pelo trabalho corporal proposto por

Angel? Não só pelo movimento, como esclarece e se apóia Gil, mas, também, pela

via da concentração –, direção da atenção ao especificar uma área do corpo (ex:

pescoço/cabeça) com uma orientação externa que sinaliza distâncias/sentido do

entorno (a orelha direita e a esquerda e vice-versa, entre a orelha direita e o ombro

direito, o espaço atrás do pescoço, a percepção embaixo do queixo e sua distância e,

assim por diante); depois a percepção dos ossos (base do crânio, o crânio, a

mandíbula, a face e as vértebras cervicais), para provocar uma orientação interna e,

assim, mobilizar em minúsculas direções os movimentos/articulações. Nesta

interiorização é possível registrar a tensão muscular, a rigidez e a imobilidade em

alguns pontos ou com mobilidade restrita, mas também pontos móveis, livres e o

conseqüente prazer de sentir a leveza do movimento.

Ao se concentrar no movimento durante o seu percurso, isto é, em sua

trajetória (espaço) durável (tempo) adquiri-se a capacidade de perceber o percurso

entre o inicio e o término do movimento sem a preocupação em finalizá-lo58. É uma

57Tratado no primeiro tópico do capítulo. 58 Denota o efeito indicado por Gil, de sensação de continuidade, isto é, de que o movimento está sempre continuando, apresentado no inicio desde tópico.

47

indicação para podermos manter continuamente o movimento em uma rota livre e

interior.

No artigo Educação Somática: Novo ingrediente da formação prática em

dança, Sylvie Fortin afirma:

Para os educadores somáticos, as trocas no movimento não se fazem unicamente pelos exercícios motores voluntários e repetitivos, que às vezes têm a tendência a brecar a aquisição de novas formas de se mexer, mas também por um trabalho de refinamento sensorial. (FORTIN, 1999: 43).

Todavia, mover espaços internos demanda tranqüilidade e uma recepção para a

apreensão de novos movimentos que não estão categorizados (flexão, extensão, rotação

etc.), mas que são os movimentos vibrados, pulsados, ondulados e, principalmente,

pontuados ou direcionados para o espaço. Assim sendo, se não habitarmos

interiormente cada parte do nosso corpo não iremos favorecer o trajeto do movimento

para o exterior. Necessário se torna salientar que o enfoque de Angel é na consciência

do corpo, para que cada um processe em si mesmo a conscientização do movimento.

Vejamos, portanto, o que é a conscientização do movimento para Angel59:

É a busca de um conhecimento mais profundo sobre o corpo. Não só fazer o movimento pelo movimento, mas saber utilizar as articulações, as dobradiças, a energia do corpo, a tonicidade muscular, o equilíbrio deste tônus, sem desgastar energia à toa. (POLO, 2005:427).

A citação ressalta itens (energia do corpo, tonicidade muscular e equilíbrio das

tensões) que são adquiridos na conjunção da consciência da estrutura óssea, do nosso

entorno e nos minúsculos moventes articulares. Elementos, esses, ativados para

alcançar o movimento interior, isto é, o movimento que busca uma qualidade porosa,

lubrificada e maleável de mover, desfazendo resistências, tensões ou bloqueios

físicos. Relembremo-nos: o movimento interior ou micro-movimento só é possível

quando se atinge um nível de descontração muscular necessária e suficiente para que

aconteça, ou quando podemos deixar-nos levar pela transferência de um contato

contínuo com corpos, superfícies e objetos. Relembremos-nos: um estado de fluxo e

liberdade de movimento só aflora quando não há encurtamento muscular, esforço e

falta de maleabilidade articular. O conhecimento profundo do corpo não se associa a

conquista da virtuosa e egoica flexibilidade corporal.

59 Pergunta feita pela Revista Aplauso, em Julho de 1995, em um artigo intitulado: Angel Vianna – Vida nova para os movimentos, de Denise Rockenbach.

48

CAPÍTULO III – CORPO APRENDIZ

Angel, e tantos outros60, acreditam no potencial humano como condição de

desenvolvimento, buscando incorporar a vida humana como trabalho sobre si. Trata

de um trabalho experimental dirigido para a estimulação do corpo, levando em

consideração que qualquer pessoa traz um corpo que pode ser aprimorado, lapidado,

sensibilizado para o uso na vida. Assim sendo, todos os humanos: qualificados,

despreparados, identificados, estranhos, interessados, taxados, incomuns, normais

são recebidos e acolhidos no trabalho corporal de AV.

Desde muito cedo evidenciou em seu trabalho uma conduta sensível perante os

alunos. “Eu sempre observei muita gente, observar e cuidar era o meu verbo”61.

Apoiava-se no sentido da receptividade e do acolhimento, cujos requisitos são

preciosos para a aproximação devida com o outro. Em relação à sua Escola, relatou:

“Tenho muito cuidado, muito cuidado mesmo para que esta filosofia seja para o

crescimento do ser e não para a dança ou para o teatro, ou para outra coisa,

exclusivamente, e sim, para a vida”. (POLO, 2005:410).

Educar, na expectativa da abordagem de AV, é um ato de entrega, não que seja

devotado, mas doado pela credibilidade em si mesmo que fortalece o humano, o afeto

e a troca. Neste sentido, compartilha condições de circular uma comunicação

aproximada entre os pares: orientador/aluno, aluno/aluno e aluno/orientador.

Este trabalho visa a educação através do corpo-mente; uma educação que

permite ao aluno/aprendiz reconhecer e refletir a dinâmica da vida, que se relaciona

tanto com as mudanças ativas e constantes do desenvolvimento etário quanto às

provocadas pela esfera diária da vida, ou seja, com o corpo em um estado do presente

constante, em que ora encontra-se ansioso, cansado, incomodado, tranqüilo, em

atividade, em descanso etc. Desde modo, dentro e fora da sala de aula, a finalidade

60 Gerda Alexander, Mathias Alexander, Moshe Feldenkrais, de um lado e, Jersy Grotowski, Eugenio Barba, Viola Spolin, Peter Brook, entre outros. 61 Depoimento extraído de entrevista com a autora, em 30/09/2006.

49

da proposta de Angel é a construção de uma pessoa mais humana, aproximando-a de

seu corpo.

Nesta perspectiva, apresentarei neste capítulo alguns princípios, diretrizes,

procedimentos e etapas, através de três tópicos retirados de um pensamento de Angel

para o Jornal O Globo62:

� Nós não ensinamos um corpo a se movimentar;

� Nós já nascemos sabendo;

� O que fazemos é orientar a pessoa para que ela relembre o que está guardado

dentro de si.

3.1. “Nós não ensinamos um corpo a se movimentar”63

Quem orienta o trabalho corporal aqui apresentado favorece a auto-condução,

ou seja, guia o aluno para a experimentação do movimento a partir de si mesmo.

Desta forma, a opção pelo termo “orientador” é utilizada para designar a função de

transmissão de quem estabelece a cumplicidade dinâmica e a comunicação direta com

os alunos. Contudo, é preciso relevá-lo, de acordo com a acepção de Gerda

Alexander, de um “ser humano que também tem seus gostos, suas necessidades e

suas circunstâncias, sua inspiração”. (GAINZA: 1998:106).

A consideração pela qualidade de ser humano, também muito valorizada por

Angel, permite ao orientador desvincular-se da atitude professoral de quem ensina ao

aluno sem comprometer-se. Esta função é sustentada e garantida pelos dispositivos

educacionais da cultura ocidental. Dispositivos esses estruturados pela hierarquia,

pelo controle do tempo e do espaço, pelo controle da atividade, da vigilância, das

sanções e exames64. O trabalho corporal de AV não se enquadra em um

estabelecimento que não esteja constantemente revendo a condição do humano em

sua proposta.

62 Jornal O Globo, 11 de dezembro de 1994, no artigo: O corpo já nasce sabendo, de Maristela Fittipaldi. Ver: Polo (2005:422) 63 Pensamento extraído dos periódicos organizados por Juliana Polo. Ver: Polo (2005:422). 64 Não pretendo me ater ao tema dos dispositivos de poder institucional, sinalizado pelo filósofo francês Michel Foucault, nos livros: Vigiar e Punir. Petrópolis, Vozes, 1977 e Microfísica do Poder, Rio de Janeiro: Graal, 1979 e já pontuado no livro da autora. Ver: Teixeira (1998: 31-33).

50

Então, quem é o/a orientador/a, o/a dinamizador/a, o/a comunicador/a, o/a

professor/a, a quem estamos nos referindo? Será que existe um perfil para um

orientador que se afine com a abordagem corporal de AV? Para que este estudo

identifique aquele que assume o papel de um orientador, capaz de transmitir o

trabalho corporal de AV, é preciso levantar algumas condutas ou princípios65, em

sintonia com a sua filosofia.

Enfocarei três princípios básicos nos seguintes sub-tópicos: (princípio da

transmissão pelo vivido, princípio da orientação para uma auto-condução e princípio

do aprendizado constante) submergidos no pensamento de Angel.

3.1.1. “Nossa história acaba por se inscrever no nosso corpo”66

O Princípio da transmissão pelo vivido é básico na abordagem corporal de

AV, pois não se professa um conhecimento transferido ou, como diria Paulo Freire,

depositado, e sim, vivido. “Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as

possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção” (FREIRE, 2003:47).

Neste sentido, não há como seguir uma cartilha ou uma receita, pois é preciso que o

orientador ofereça o que ele tem de verdadeiro, isto é, o aprendizado vivenciado e

digerido ao longo dos anos, tanto nas situações que o colocaram em dificuldade,

exposição, avaliação e risco, quanto nas situações de descoberta, surpresa, criação e

transformação.

Portanto, é muito importante que o orientador assimile a experiência corporal

desta abordagem em sua estrutura interna. Há que passar por um processo de

frustrações e revelações para poder chegar a orientar um grupo. Não basta somente

adquirir uma titulação para ser capaz de propor uma técnica, cujo objetivo é a

integração do corpo e da mente ou o bem-estar do ser humano. O importante para

Angel é “saber quem ministra esta técnica. É preciso que, além da formação

65 Na Conclusão do livro Conscientização do Movimento: Uma prática corporal, a autora da dissertação apresenta algumas diretrizes relacionadas à conduta do orientador, tais como: o orientador não tem função de analista, deve evitar comentários que relaciona postura corporal com postura emocional; o orientador conduz a aula de forma tranqüila; ele proporciona ao aluno o despertar da percepção e da sensibilidade corporal; ele deve ficar atento para não agredir o aluno com exigências de relaxamento, enfim, deverá estar totalmente disponível para si e para o outro. Ver: Teixeira (1998:90). 66 Pensamento extraído dos periódicos organizados por Juliana Polo. Ver: Polo (2005:379).

51

profissional, esta pessoa tenha um conhecimento grande de si e do que vai fazer com

o outro” . (POLO, 2005:422).

A didática favorecida no trabalho corporal de AV compromete o

professor/orientador. A atitude, a conduta de disposição para si e para com o outro

surge através do aprendizado com o corpo. O corpo é o grande mestre. O veículo de

comunicação direta com o mundo67 com base na sua fisicalidade, através dos

registros de textura, densidade, peso, volume, apoio, tato, gravidade, força, vetor,

espaço e tempo.

O corpo se manifesta no trabalho corporal de AV exatamente pela via dos

registros acima mencionados. Tomemos como exemplo a noção de espaço: todo

corpo preenche um espaço, todo corpo tem um volume, uma estatura, uma largura,

um contorno (pele) que o delimita no espaço. Esta é uma colocação básica. No

entanto, permitir que o corpo esteja aberto ao mundo, com estas peculiaridades

possíveis, não é condição absorvida de imediato. É necessária a vivência que irá

colocar o corpo e o espaço em evidência; a prática para entendermos que

preenchemos um espaço e neste espaço podemos circular sem desequilibrar, sem

esbarrar, sem atropelar o outro; a experiência para percebermos o espaço ao redor e

como nos encontramos nele.

Tudo isso funciona como uma revisão: de si, de seus hábitos, de seus modos

de se relacionar com o mundo, do modo como se caminha, aguarda, espera, escuta e

partilha o espaço com o outro. Isso poderá levar à observação da complexidade

humana, que envolve o social e suas influências, rotinas e costumes.

O orientador, para poder transmitir o trabalho corporal proposto por AV,

precisa compreender um saber provindo do corpo, isto é, reconhecer as evidências

dos dados físicos (peso, volume, tato, tempo, espaço, gravidade e tantos outros) no

comportamento corporal, tornando-se apto a orientar-se, respeitando os seus próprios

limites de habilidades, fraquezas, memórias, hábitos, condicionamentos vindos e

percorridos pelo corpo.

É a partir desta permissão, em deixar-se revelar, que o orientador do trabalho

corporal de AV será capaz de relembrar a sua espontaneidade ao transmitir a outros,

como uma rede de saber-próprio, o valor da educação a partir do corpo, obviamente

cada um com suas necessidades, inspirações, gostos e circunstâncias.

67 Ver: Capítulo I – Corpo Filosófico.

52

3.1.2. “Há os que vão em busca de uma integridade”68

Esse sub-tópico corresponde ao princípio da orientação para uma auto-

condução, isto é, o orientador deve ser capaz de oferecer ao aluno/aprendiz

informações69, para que ele possa guiar-se durante sua prática corporal através de

orientações, alguns comentários, idéias, contatos, trocas, estímulos. É preciso deixar

o outro manifestar suas necessidades. Oferecer tempo. Ajudá-lo na difícil tarefa de

levá-lo ao encontro de si mesmo.

Assim nos fala Angel:

Não é preciso ensinar o corpo a se movimentar. Ele já nasce sabendo. É preciso apenas orientar a pessoa para que ela relembre o que está guardado dentro de si, esquecido pela correria do dia-a-dia e por convenções sociais, que moldam o gestual e limitam os movimentos naturais do indivíduo: atos simples como bocejar e espreguiçar. (POLO, 2005:424).

3.1.3. “É um trabalho de reeducação”70

O terceiro princípio, do aprendizado constante, equivale ao desenvolvimento

pessoal do orientador, o qual deve ser rico em experiência e conhecimento. O

orientador jamais termina sua formação, pois a condição de portador de um

conhecimento vivido, sentido e percebido passa pela necessidade contínua de

renovações.

A assimilação de um conhecimento amadurece no decorrer da prática

corporal/vivência, juntamente, como foi colocado acima, com novas experiências.

Desta forma, o comunicador, o dinamizador, o orientador precisa estar em constante

processo de reconhecimento de sua responsabilidade para atuar, exercer e cumprir o

seu lugar de transmissor, levando o aluno a se interessar pelo momento singular –

que é a ação de estar em aula e, mais importante ainda, de estar em contato consigo

mesmo. A formação contínua também acontece no envolvimento com o aluno/grupo

na sala de aula, trazendo novas relações, combinações e possibilidades.

68 Pensamento extraído dos periódicos organizados por Juliana Polo. Ver: Polo (2005:309). 69 Ver: próximo tópico. 70 Pensamento extraído dos periódicos organizados por Juliana Polo. Ver: Polo (2005:385).

53

Uma mesma vivência realizada nesta abordagem corporal, pela segunda vez,

revela nuanças até então despercebidas, porque não se processa no âmbito do

mecânico, da ação repetida exteriormente. É o entendimento do interior do corpo que

abre possíveis camadas, que vão sendo expostas de forma gradativa em um outro

canal de captação do movimento. Assim nos revela Ester Weitzman71, no depoimento

feito para o livro Conscientização do Movimento: uma prática corporal, da autora da

dissertação:

Até hoje, depois de dez anos fazendo os mesmos exercícios, vejo como eles vão ficando diferentes. A gente precisa saber que precisa voltar para o básico para perceber o quanto a própria escuta vai ficando diferente, para saber em que pode se desenvolver, e não achar que as coisas ficam velhas, que não fazem mais efeito, muito pelo contrário, saber que o mais simples é sempre o essencial e é isso que tem de estar sempre vivo. (TEIXEIRA, 1998:99-100).

A simplicidade no trabalho corporal de AV convida e capacita a concentração

nos pormenores que o corpo é capaz de perceber e transparecer.

3.2. “Nós já nascemos sabendo”72

Partindo do enfoque atribuído a Mosche Feldenkrais73, o mais importante para

uma abordagem corporal que reconheça a consciência e o auto conhecimento não é o

que fazer, e sim como fazer. Assim, também para a Eutonia, segundo Violeta Gainza

no livro Conversas com Gerda ALexander: “(...) acredito que a Eutonia tenha menos

a ver com ‘o que se faz’ do que com o ‘como se faz’: é um enfoque profundo de

processos e necessidades inerentes à natureza do ser humano”. (1997:13).

O que fazer não incentiva um trabalho para si, pois para levantar, andar,

coordenar, para realizar este ou aquele movimento basta obedecer. Podemos nos

mover de muitas maneiras, porém, como fazer para que o corpo estabeleça uma outra

percepção e sentido interior? Como fazer para que o movimento tenha um melhor

71 Ester Weitzman é formada pela Escola Angel Vianna (turma de 1985). Foi aluna da autora do estudo, substituindo-a no curso técnico de bailarino, pelo qual foi formada, a partir de 1990. Ministrou aulas de Expressão Corporal neste curso até 2000. Diretora e fundadora do Studio de Pedra. Atualmente é professora de dança na UniverCidade, na PUC e coreógrafa e bailarina da Companhia de Dança Ester Weitzman. 72 Pensamento extraído dos periódicos organizados por Juliana Polo. Ver: Polo (2005: 422). 73 Mosche Feldenkrais, criador de uma prática/método corporal conhecido como Consciência pelo Movimento.

54

empenho? Como fazer para que o movimento ocorra sem esforço, seja leve e

prazeroso? Como fazer para que a espontaneidade corporal prevaleça, em detrimento

da submissão imposta pelo sucesso da demanda de que, quanto mais exercícios,

melhor para o corpo?

Neste trabalho não existe a preocupação de se chegar a um resultado

determinado, seja de movimento ou de postura. Sua validade está no percurso, no

entre, o que se passa quando se realiza o movimento. Assim nos revelam Paulo

Trajano74, no depoimento feito para o livro Conscientização do Movimento: uma

prática corporal, da autora desta dissertação:

Já tinha feito esporte, ginástica olímpica. (...) tem uma forma pronta para chegar, um ponto para chegar, é sempre uma coisa pronta para chegar a algum lugar (...). A escuta do próprio corpo, dos mecanismos que levam a chegar lá, a forma de uso, isso, na ginástica a gente não observava. O percurso é observado na conscientização corporal. (TEIXEIRA, 1998:95-96).

As diretrizes que auxiliam o “como fazer” consistem na utilização do toque,

da imagem e da direção óssea75, apresentadas por meio de fragmentos do pensamento

de Angel.

3.2.1. “Despertar a sensibilidade corporal”76

O que sentimos quando tocamos algo? É frio ou quente? Liso ou áspero?

Macio ou duro? Inerte ou móvel? Vibrante? Superficial, profundo? Qual a sua

consistência? E a pressão, leve, forte? E tantas outras indagações surgidas pela

relação do corpo/pele com o mundo/meio que nos circundam. Porém há que se

atentar a elas e aprimorar o nível de percepção sensível que surgem.

A sensibilidade corporal se aprimora pelo toque. O tocar traz presença,

contorno, cria vinculo, relaciona, desperta a percepção do movimento e das

condições tônicas do corpo. Esse aprendizado aumenta nossa capacidade de conhecer

o próprio corpo e sua relação com objetos, pessoas e tudo que esta ao nosso redor.

74 Ator e professor de Conscientização do Movimento no curso de Recuperação Motora através da dança, na Escola Angel Vianna e na CAL. 75 As diretrizes apontadas neste estudo não são exclusivas do trabalho corporal de Angel Vianna. As práticas corporais que estimulam o corpo-mente (Feldenkrais, Eutonia, Método Alexander e muitos outros) utilizam também o toque, a imagem como a direção óssea. 76 Pensamento extraído dos periódicos organizados por Juliana Polo. Ver: Polo (2005:362).

55

O principal uso do toque no orientador é seu simples tocar, que permite ao

aluno apreender a região tocada. Sua mão pode apoiar no ombro tenso do aluno para

que ele ceda e relaxe ou poderá acompanhá-lo por meio do movimento, utilizando

suas mãos que se acomodam sem pressão, sublinhando, desta forma, a leveza do

movimento.

Tocar uma parte do corpo do aluno não é tão simples assim, pois requer um

estado de transmissão, de um aviso que reverbera e faz ser atingido e sentido pelo

outro. Por isso, o orientador precisa saber o que ele pretende transmitir. Por exemplo,

a leveza do movimento ou a sustentação indevida de alguma parte do corpo ou a

organização da estrutura na postura. Esta transmissão sensível do toque de uma mão

terapêutica sinaliza a área que precisa afinar-se à condição harmônica do movimento.

Segundo Sylvie Fortin: “O contato manual (toque) requer o concurso de um

profissional hábil para dar ao sistema nervoso a informação necessária à sua auto-

regulamentação”. (FORTIN, 1999:46).

De toda forma, a chegada do professor, isto é, o modo como ele se dispõe para

o outro com sua percepção e com a sua intuição, ao saber que pode chegar e tocar o

outro, exige um desenvolvimento apreendido com o seu próprio corpo.

3.2.2. “Integrar corpo e mente”77

O movimento, na abordagem de AV, é uma condição de possibilidade, de

pesquisa para que o aluno execute-o internamente, diferenciando-o daquele que

resulta de um comando motor padronizado e fixo. O que se pretende é provocar

sensações diferenciadas e contornadas por um prazer, uma conexão, um

agenciamento que desfaz a mecanicidade ou a rigidez do corpo habitual.

As imagens são excelentes para favorecer um outro lugar de encontro com o

corpo e o movimento. Como será movimentar o quadril, por exemplo, imaginando-o

como uma bacia cheia d’água? O que esta imagem provoca em meu corpo? Quais as

sensações provindas daí? É interessante observar como a sugestão de uma imagem

conduz uma qualidade interna e peculiar que facilita o movimento autêntico.

77 Ibidem.

56

As imagens possibilitam projetar o movimento para o espaço (imaginar fios

vindos de fora – de qualquer ponto do espaço como marionetes ou ao contrário

pontas vindas de dentro – de qualquer parte do corpo como pincéis que desenham o

espaço ao redor); as imagens fazem emergir diferentes experiências de movimento

(imaginar o quadril como um mata-borrão, como uma bacia cheia de água ou como

um relógio78); fazem estabilizar e distribuir a carga do corpo (imaginar vetores/setas

saindo de cada ponto de apoio do corpo com o chão ou com qualquer outra superfície

ou objetos); permitem, ainda, por meio da sensação, despertar áreas corporais

inconscientes, apagadas ou excessivamente tensas. E, assim, várias imagens possíveis

como: desenrolar a coluna deixando o xale cair, afundar o peito como se estivesse

levando um soco, carimbar as vértebras (processos espinhosos) no chão, fechar o

zíper da calça, empurrar o umbigo nas costas, sorrir com as clavículas, enraizar os

pés no chão, tirar a saia justa da pele, iluminar os mamilos como faróis...

3.2.3. “Achar o seu eixo de equilíbrio”79

Há, no trabalho de AV, referências básicas de alinhamento ósseo para a

unidade inferior (cintura pélvica e membros inferiores), para a unidade superior

(cintura escapular e membros superiores) e para a unidade central (cabeça, torso e

quadril).

A estrutura do corpo, pela unidade inferior, é riscada a partir dos pés, pernas

até o quadril. Neste segmento, as linhas traçadas para a direção óssea são: cristas

ilíacas (quadril), patelas (joelho) e segundo dedo dos pés (pés). O alinhamento é

posicionado independente da posição do corpo e orientado pela parte anterior/frente

do corpo. A mesma referência é dada a unidade superior (mãos, cotovelos e

escápulas), com a linha iniciando na parte posterior/trás localizada nas escápulas e

seguindo pelos cotovelos até a linha do dedo mínimo das mãos. E, por fim, para a

unidade central, a direção óssea é vista pela lateralidade corpórea: orelha, ombro

(acrômio), coxo (trocanter) e tornozelo (maléolo lateral).

78 Esta imagem é conhecida, em Feldenkrais, como relógio pélvico. 79 Pensamento extraído dos periódicos organizados por Juliana Polo. Ver: Polo (2005:362).

57

O alinhamento do corpo consiste em orientar nossa estrutura óssea,

favorecendo o equilíbrio das cargas. Na posição em pé a orientação recai sobre a

sustentação nos dois pés e seu triângulo de apoios, que também possuem suas

direções – vetores nos calcâneos e metatarsos que se projetam ao chão. Esta

orientação guia-se pela distribuição de peso no calcâneo, nos metatarsos e na borda

externa vinda da colocação dos maléolos, que não devem se sobrepor no medial (cair

para dentro) e nem no lateral (cair para fora). O mesmo se dá com a patela, que se

orienta para frente e não para dentro ou para fora. Esta condição vem do quadril e da

articulação coxo-femoral.

Em se tratando da região superior dos braços, a orientação é dada pela

colocação das escápulas, que se ajustam para baixo, permitindo que os cotovelos se

mantenham de lado sem que se acentuem as rotações do braço para dentro (interna) e

para fora (externa).

Com relação aos planos frontais, que dividem o corpo em anterior (frente) e

posterior (atrás), sua orientação contribui para a condição de cargas na coluna, pois

uma alteração na coluna cervical modifica a cabeça, assim como a alteração da

coluna dorsal ou torácica compromete a colocação dos ombros e a alteração da

coluna lombar e sacro, a colocação do quadril ou vice-versa.

Observa-se ainda a relação e direção entre o esterno e a púbis na parte anterior

do corpo como condição de equilíbrio da massa posterior. Pode-se utilizar um bambu

que irá pressionar e indicar os dois ossos, para que eles possam se manter

alinhados/direcionados.

Esta é uma explanação que serve como guia para o posicionamento do corpo,

mas que não deve ser usada como determinante para o trabalho corporal. Ela é

meramente auxiliar, pois o orientador não deve inserir no outro uma informação

estabelecida e funcional, comprometida em avaliar o físico do aluno.

A experiência é para se posicionar seja em que postura for. Com as referências

acima mencionadas, pretende se trazer o aluno para o físico, para firmá-lo e orientá-

lo no espaço. Este enfoque conduz ao equilíbrio tônico, ou seja, a sustentação –

condição perene de estar, simplesmente estar na postura.

As posturas são invariavelmente invadidas por sensações que afasta a

concentração no corpo, como: sensações de incomodo, instabilidade, inquietação,

58

enjôo, tonteira. A busca da estabilidade perpassa por um longo caminho de encontro

com a estrutura óssea e suas direções.

3.3. “O que fazemos é orientar a pessoa para que ela relembre o que está

guardado dentro de si”80

O início de uma aula proposta por Angel costuma ser rica em detalhes e

informações. Ela os utiliza no decorrer da aula e os alunos a escutam atentamente. A

orientação para o movimento provém de um tema (quadril, eixo, coluna, apoios etc.)

ou da observação dos movimentos dos próprios alunos.

Na necessidade de aproximação com e entre os alunos, a professora Angel

explicita o movimento através do corpo de um aluno/aprendiz. Esta tática favorece

um aprendizado corporal para todos. Por exemplo, ela convida um aluno para deitar

de costas (decúbito dorsal), com as pernas flexionadas e os pés apoiados no chão,

para trabalhar com o movimento de esticar (extensão) e dobrar (flexão) com as

pernas alternadamente.

O procedimento começa quando ela pede para o aluno deslizar o pé no chão

até estender a perna. Nesse momento, o movimento pedido é conduzido pela mão

(toque81), que relaxa onde está tenso ou acorda a musculatura que deveria estar

desperta naquele movimento específico. Caso o aluno demonstre excesso de força,

ela, além de fazer uso do toque, utiliza a fala para que ele solte a planta do pé através

da pele, para que possa deslizar suavemente, sem trepidar. Orienta-o nas direções:

pé, joelho e quadril (direção óssea82). Na ação contrária, de flexão da perna, solicita-

o para imaginar um fio (imagem83) puxando o joelho para que ele possa usar as

articulações, evitando o uso de força muscular excessiva. Não somente a perna que

está em ação será acionada e atentada, mas todo o corpo o será, especificamente para

aquele que ali está como demonstrador.

Enquanto o aluno realiza o movimento, o orientador, desta maneira, sinaliza e

informa para todos (o demonstrador e os alunos) como o corpo reage à ação, como

80 Pensamento extraído dos periódicos organizados por Juliana Polo. Ver: Polo (2005:422). 81 Ver: tópico anterior. 82 Ibidem. 83 Ibidem.

59

compensa fazendo uso excessivo de tensão ou até de falta de tensão, como abandona

o corpo na ação e, assim por diante.

Estabelecido esse primeiro procedimento, o orientador continua indicando e

pontuando referências, para que o movimento mostrado seja realizado por todos de

forma consciente e não mecânica. A noção de movimento consciente, como estamos

aqui denominando, refere-se a uma ação realizada individualmente, de acordo com

padrões singulares no uso do tempo e do espaço, desvinculado de qualquer

necessidade de seguir um professor ou um modelo determinado.

A imagem (imaginar um fio de marionete no joelho), o toque (tocar com a mão

a área que o aluno movimenta) e a direção óssea (ajustar com as mãos ou com a fala

a distância da espinha ilíaca anterior/crista ilíaca, joelho e segundo dedo do pé) são

meios empregados pelo orientador para a condução de um movimento interno a ser

realizado por todos os alunos.

Portanto, os fundamentos para a realização do movimento são: detalhamento

exposto antes de sua execução pelo aluno – procedimento entre orientador e aluno

demonstrador, e sempre esclarecido durante o movimento, utilizando as diretrizes

que já foram sinalizadas (toque, imagem, direção óssea)84.

No trabalho corporal de AV a conscientização através do uso do toque, da

imagem e da direção óssea permite trazer à tona o volume do corpo (adquirido pela

pele), a forma do corpo (adquirido pelos ossos) e a liberdade, flexibilidade e

maleabilidade corporal (adquiridos pelas articulações). Essa aplicação orienta e

integra a imagem do corpo, o sentido proprioceptivo e a consciência do corpo85.

O professor utiliza a fala para a orientação do movimento propriamente dito,

além disto, corrige, sinaliza, pontua os segmentos do corpo que precisam de ajustes.

Isso possibilita o aprendizado do aluno escolhido, que recebe uma aula vivida e a

incorpora; ele é, no momento, um demonstrador, mas não representa um modelo

ideal, como se fosse substituir a figura do professor e, portanto, não será imitado

pelos outros alunos.

O modelo idealizado se dá quando o professor se enquadra em um modelo

formalizado ou projetado pelos alunos. Esta atitude vem de um modelo hierárquico

em que o professor se coloca superior ao aluno, esperando que todos o imitem. O

84 Ibidem. 85 Ver: Capítulo II – Corpo Sensível.

60

papel de modelo também equivale ao padrão idealizado que o aluno identifica e

projeta para si.

No procedimento exposto acima, o professor (orientador), a turma de alunos e

o aluno (demonstrador) afinam-se mais em uma condição proximal, que propõe uma

conotação diferente da escala hierárquica, pois acorre de forma horizontal. Além do

aprendizado do aluno demonstrador, os alunos observadores, aprendem pela didática

exemplificada de um corpo particular, com suas dificuldades e facilidades, ou seja,

pela diversidade e não pelo modelo que iguala.

O orientador assume o lugar de quem irá conduzir uma idéia, uma proposta,

uma aula que exige atenção de todos para assimilarem e trocarem informações, pois

esses irão realizar as diretrizes em si mesmos, sem um modelo. Funciona no ato da

transmissão absorvida e repercutida nos alunos. Compatível com a perspectiva do

educador espanhol Jorge Larrosa, que diz: “Alguém que conduz alguém até si mesmo

(...) não é feito por imitação, mas por algo assim como por ressonância” (2003:51-52).

Desta forma, o aluno terá que dispor de uma prontidão e de uma escuta

interior. Por mais simples que seja o movimento, a finalidade é executá-lo

interiormente, de modo que seja possível detalhar e esmiuçar pequenas percepções,

concentradas nas reações do corpo durante (tempo) o percurso (espaço) da

ação/movimento.

A duração da condução sugerida pelo orientador é um fio condutor entre ele e

o grupo. Tudo vai depender dos estados emotivos do momento dos dois (orientador e

aluno). E, principalmente, da disponibilidade de ambos. O orientador precisa atentar

na resposta do que foi proposto e, caso haja uma sinalização de algum esgotamento

ou dispersão do grupo, é um aviso de mudança de estímulo ou proposta.

O tempo do relógio não corresponde ao tempo experimentado pela atenção e

escuta dada para o corpo – é comum ouvirmos dos alunos a impressão de que o

tempo não passou ou que passou muito rápido em relação aos 10, 15 ou 20 minutos

transcorridos. Além disso, é importante que o aluno tenha tempo para apurar suas

capacidades internas, sensitivas e sensoriais. Existe a necessidade de um tempo longo

para quem a pratica, que deve ser respeitado nas aulas, pois o movimento surge pela

demanda da interioridade, que envolve percepção da ação do osso, do músculo, da

pele, da emoção, da percepção, do sensório.

61

O orientador pode solicitar ao aluno que verbalize suas sensações. Isso pode

acontecer em qualquer momento da aula, não havendo a necessidade de os alunos

estarem sentados, uns de frente para os outros. O fato dos alunos continuarem em

estado de observação e de olhos fechados facilita a apreensão e exposição de suas

sensações de uma maneira menos exposta. Fica a critério de cada um comentar ou

não suas percepções/sensações. De imediato, aquele que foi surpreendido pelo

inusitado ou inesperado exclama frases, tais como: “Nossa! Parece que um lado

caiu!”; “Estou sentido a metade do meu corpo mais em contato com o chão”; “Sinto o

lado trabalhado mais forte”; ou ao contrário, pode comentar: “Estou sentindo o meu

lado trabalhado mais leve”; “Sinto um buraco no meu corpo”; ou ainda: “Eu não senti

diferença nenhuma”; “Não aconteceu nada comigo”; “Está tudo igual como

começou”. Para cada pessoa haverá um registro.

A escuta relatada das sensações leva o aluno a experimentar o si (porque

escuta a si mesmo) e o outro (porque escuta o outro). O mais importante de tudo isso

não é relatar uma resposta certa e sim permitir o contato com o corpo que fala através

de sensações. O corpo é sentido e suas sensações diferenciadas, subjetivas,

importando tanto àquele que o relata e o escuta quanto aos outros, que poderão

relacionar ou comparar com suas percepções.

O que importa na experiência do relato no trabalho corporal de AV são os

registros reais, físicos e momentâneos da vivência corporal.

Essas referências não estão na ordem do estabelecido. O que se propõe é

experimentar momentos corporais que oscilam entre: estar inerte/estar em

movimento; estar em postura (sustentação tônica)/estar em relaxamento, estar para

fora (exterior)/estar para dentro (interior).

Enfim, os procedimentos descritos permitem aprofundar na direção em que se

processa a consciência, e não a fixação em um padrão sensório-motor, como diria

Gil. O trabalho é feito com consciência através de três itens: envolvimento sugerido

pela repetição, porém não mecânica, mas aprimorada pelo aumento aprofundado das

percepções do movimento; pelo tempo propício e não acelerado e ansioso em

completar o movimento, mas sim, para vivê-lo intensamente no percurso e, por fim,

pela abertura de comentários que reafirmem as sensações que, por mais estranhas que

sejam, vivemo-las. Tudo isso conduzido em etapas, de modo a disponibilizar o corpo

para o movimento guiado pelo interior que se abre para o mundo.

62

Desta maneira, as etapas serão apontadas (tomada de consciência, movimento

e improviso) não como determinantes para alcançar o estado de estar/ser com o

corpo, e sim, como linhas de condução possíveis e prováveis.

Angel diz ao comentar sobre a conscientização do movimento: “É se conhecer

e saber que pode tocar, ver, sentir e ouvir. Uma busca do seu movimento interior, de

você mesma. É um movimento”. Assim abrimos para as etapas do trabalho corporal.

3.3.1. “É se conhecer e saber que pode se tocar, ver, sentir e ouvir”86

A tomada de consciência chama o aluno para o contato com o corpo. Como

estou? Em que posição me encontro? Onde me encontro no espaço da sala de aula? O

que meu corpo deseja? São perguntas que estão implícitas na condução da aula, pois

são aí abordados o corpo, o ambiente e o momento. Isso pode provocar uma certa

instabilidade naqueles que ainda não conseguem travar um contato interior e próprio

com o corpo.

A proposta é a seguinte: proporcionar ao dono de seu corpo a capacidade de se

apropriar dele. Ser capaz de ouvi-lo para reconhecer suas necessidades, inquietações,

entraves. Muitos associam a um relaxamento, porém não trata de descansar o corpo e

sim de desbloquear as defesas psíquicas, emotivas e físicas que irão favorecer a

liberdade de mover-se. Compartilhamos com a mesma idéia de Jussara Miller, ao

sistematizar a técnica de Klauss Vianna, pois seu estudo entende “o relaxamento

como alívio de tensões desnecessárias na musculatura para desbloquear o

movimento” (2007:67).

Trata-se de disponibilizar a si mesmo para gerar possibilidades. Dar tempo

para que o momento de estar em sala de aula propicie a investigação do ser, isto é, o

despertar de um canal que não se vincule à demarcação de um lugar estabelecido pela

exterioridade.

Basicamente usa-se o recurso verbal para que o corpo fique em evidência

problematizando questões. O orientador salienta as distâncias entre as partes do

corpo, demarca o seu entorno, evidencia as partes que tocam e não tocam a

superfície, ativa os apoios bem evidentes e estimula a percepção das áreas presentes

e não presentes.

86 Pensamento de Angel Vianna, extraído dos periódicos de Juliana Polo. Ver: Polo (2005:309).

63

A sala de aula é um recinto de convite e escuta para com o corpo. Ali se

processará o contato de cada um consigo mesmo. Será a partir deste momento que o

aluno poderá deixar-se mover pela consciência do corpo87.

Assim nos orienta Angel: “Antes da dança e do próprio movimento, vem a

tomada de consciência do corpo. Esta é a filosofia de meu trabalho porque cada ser

humano é único e, precisa saber se colocar no mundo de forma bem presente”.

(POLO, 2005:601).

3.3.2. “Uma busca do seu movimento interior, de você mesma” 88

O movimento pode ser trabalhado em qualquer posição, isolando e integrando

ao máximo os segmentos do corpo. Esta é uma forma de aumentar a capacidade de

mobilidade interna e acionar as musculaturas profundas que são responsáveis: pela

sustentação do eixo, estabilidade e equilíbrio corporal.

A proposta é acordar, despertar condições diferentes de mover. Por isso é

importante tratar de sentir o movimento e não de exercitar. O que é proposto não se

relaciona com atividade física para os músculos, as articulações e a aparência

física/externa do corpo.

O foco estabelecido é para a exploração de pequenos movimentos internos de

um segmento do corpo que, provavelmente, já foi apresentado, depois tocado,

reconhecido, sinalizado e introjetado como uma radiografia. Certamente possibilitou

acordar os tecidos dos músculos, das articulações, dos ossos e da pele, mas não

condicioná-los.

A pesquisa do movimento, ao emergir de dentro, projeta para fora a qualidade

porosa que o contorno da pele nos oferece, comunicando-se, assim, com o mundo de

forma direta. Então, o espaço é valorizado para que todos participem e mantenham

presente o contato com o ambiente.

3.3.3. “É um movimento”89

87 Tema (Consciência do Corpo) tratado no capítulo II – Corpo Sensível. 88 Pensamento de Angel Vianna, extraído dos periódicos de Juliana Polo. Ver: Polo (2005:309). 89Pensamento de Angel Vianna, extraído dos periódicos de Juliana Polo. Ver: Polo (2005:309).

64

Seguem-se situações lúdicas e livres em criação individual ou em grupo, que

se dá no sentido da atenção, da prontidão através de improvisos, sem a conotação de

finalidade ou de realização de um cumprimento, amarrado e normalizado como na

composição de coreografias. Por exemplo:

Na etapa da improvisação se enfatiza o que foi acentuado durante a aula, isto

é, uma parte específica do corpo sensibilizada pelo toque, por um objeto ou pela

pesquisa minuciosa do que é possível mover isoladamente, para que esta parte do

corpo impulsione o movimento e faça reverberar em todo o corpo. A proposta pode

ocorrer em grupos (trios, duplas etc.), através do contato entre as partes do corpo ou

em percursos livres na sala, explorando planos (baixo, médio e alto), direções

(frente, lados, diagonais e trás) e ritmos (lento, rápido, pausado).

A comunicação entre os alunos acontece pelo olhar. Quem é esse com o qual

me relaciono? Como reage meu corpo ao olhá-lo? Como estou comigo? O momento

do olhar permite o movimento improvisado pela integração dos alunos, ou seja, pelo

fluir dos afetos, envolto à multiplicidade inconsciente de expressão.

É preciso um tempo para que aflorem os registros sensíveis e a permissão de si

mesmo para com o outro e o outro para com você. É complexo, pois o corpo humano

dialoga com o inconsciente, ou seja, com vias onde não há um controle tão explícito

e racional. Portanto, demanda atenção, cuidado e vontade para abrir-se para com o

outro.

A pesquisa do movimento, feito individualmente ou em grupo, segue com

outras indicações, que remetem ao sistema Laban90, tais como: movimentos cortados,

redondos, retos, flutuado, pontuado, sacudido, deslizado, torcido, de forma enérgica

ou leve ou balançado, e assim por diante. Estas referências aparecem como idéias

para a pesquisa e a descoberta de novos movimentos.

Laban elaborou um sistema para a significação do movimento/ação humano,

reconhecendo quatro indícios para descrevê-lo, que são: primeiro, a parte do corpo

que move (segmento corporal); segundo, a direção (para onde dirige a parte que

move); terceiro, a velocidade (com que tempo é excetuada a ação) e o quarto, o grau

de energia gasta no movimento (com que empenho é realizada a ação) (1978:55-56).

90 Rodolf Von Laban, alemão, foi um grande teórico do movimento, elaborou um sistema em que analisa a intensidade, a força e o fluxo do movimento.

65

A descrição do movimento em Laban é uma indicação formal de como se

procede a improvisação no trabalho corporal de AV, já que ela o evidencia como

condutor principal de energia e força91.

Assim sendo, uma parte do corpo é escolhida para que seja o líder ou o

gerador do fluxo do movimento, por exemplo, o cotovelo (ponta óssea) ou qualquer

extremidade do corpo – 1o indício. O cotovelo movimentará em várias direções

riscando o espaço – 2o indício. O desenho sugestionado pela ponta do cotovelo

conduzirá a dinâmica e a velocidade do movimento – 3o indício. Assim, também a

precisão e a energia gastas no movimento (leveza, força) – 4o indício.

O movimento improvisado não somente se atém à descrição mencionada

acima, pois se compromete com a interioridade, com a preparação ocorrida desde o

início da etapa de tomada de consciência. É nesta interioridade que aflorará uma

demanda inconsciente de movimentos. No início o movimento é estabelecido por um

segmento corporal, mas depois, é guiado pela energia e pela conjugação

espaço/tempo livre e impulsionado em todo o corpo.

91 A referência específica dada a Laban corresponde à influência de Angel, no período em que esteve em Salvador (dois anos) em contato com Rolf Gelewski, como bailarina e professora. Gelewski foi diretor da escola de dança da Universidade Federal da Bahia na década de 60, e transmitiu seu conhecimento sobre Laban e Mary Wigman. Ver: Tavares (2002), em anexo – entrevista com Angel Vianna.

66

CAPÍTULO IV – CORPO CÊNICO

O corpo cênico, quando apurado e sutilizado, é o corpo em conexão com a

consciência como multiplicador de afetações com o mundo. Mundo esse, segundo

Gil, das forças e das pequenas percepções: “é a força de contágio, que doravante

religa a consciência ao mundo, que vai permitir toda a arte”. (GIL, 2001:178).

Portanto, orienta-se para a condição de um corpo aberto, hipersensível e pensante.

Ativado, enquanto corpo paradoxal, que escuta sua própria época na turbulência, no

caos, no risco, na resistência dos regimes que esforçam em produzir “o corpo

unitário, sensato, finalizado das práticas e das representações sociais que lhes são

necessárias” (idem, 2001:212).

Neste sentido, em um primeiro momento, o corpo aberto e paradoxal de Gil

(consciência do corpo) será analisado de forma articulada com o conceito de “corpo

sem órgãos”, de Deleuze e Guattari, retirado do ator/diretor Antonin Artaud –, o

divulgador do manifesto revolucionário para a atuação corpórea do ator/bailarino.

Neste tópico, a noção do corpo é abordada através de sua estranheza – corpo

estranho.

Em um segundo momento será travado um diálogo entre a abordagem de AV e

o pedagogo do corpo no teatro, Jerzy Grotowski. Aqui, a noção do corpo é analisada

pela ótica da vida – corpo vida.

O corpo no teatro eclodiu com Artaud e priorizou-se a partir da década de

1960/70, com a valorização dos gestos, a expressividade física e a voz; não

simplesmente pela declamação, mas por proporcionarem acordes, rugidos e gritos

sonoros vindos do interior do corpo.

A preparação física do ator passou a ser uma prioridade em sua formação,

conjugando-se com inúmeras técnicas (circenses, orientais, lutas e danças). A partir

dessa relevância surgem novos métodos ou técnicas corporais que visam o

desenvolvimento corporal e a capacitação do ator; concretizados pelos praticantes do

67

teatro, segundo Jean-Jacques Roubine92, ou teatro dos novecentos, como diria

Eugênio Barba93, que são, notadamente: Artaud, Stanislavski, Meyerhold, Decroux,

Craig, Grotowski, Brook, o próprio Barba.

Segundo Márcia Strazzacappa, no artigo: As Técnicas corporais e a cena:

No teatro, as técnicas corporais foram desenvolvidas por diretores que buscavam, assim como os coreógrafos, o domínio do ator para a perfeita adequação à estética por eles idealizada: a biomecânica de Meyerhold, as ações físicas de Grotowski, as técnicas extra-cotidianas do ator de Eugenio Barba, a mímica de Etienne Dcroux, e, no Brasil, a mímesis corpórea de Luis Otávio Burnier, entre outros. (GREINER e BIÃO, 1998:167).

Destarte, as relações entre o trabalho corporal proposto por Angel foram

interligadas com as reivindicações presentes nas técnicas corporais do ator como: a

preocupação na formação meticulosa, a dedicação de um tempo mais minucioso para

a escuta do corpo, a rejeição ao trabalho meramente mecânico, a integração da mente

e do coração e a busca pela expressão vinda do interior da pessoa.

4.1. “Se você desenvolve seu potencial você se torna único”94

A experiência/vivência do contato com o corpo, na abordagem corporal de

AV, causa estranheza. É incrível como estranhamos o corpo. O corpo é produzido,

invadido, manipulado, destruído e transformado. Por que não nos permitimos entrar

em nosso próprio corpo? Por que nos deixamos ser manipulados, destruídos,

escravizados? A quem pertence o corpo?

Na abordagem em questão, em relação à sensação de estranheza com o corpo,

surgem vários testemunhos que demonstram a existência de um certo incômodo com

a sensibilização interior da sinalização do corpo. Estranhamento ao perceber, por

exemplo, o que é osso ou que possui em si mesmo ossos, ou que os ossos fazem parte

de uma presença corpórea. Então, mais perguntas aparecem: Por qual motivo sentir

estranheza através do interior do corpo? Será que é a racionalidade que é impregnada

92 Roubine, Jean-Jacques. Introdução às Grandes Teorias do Teatro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003. Neste livro, Roubine traça um panorama da complexidade teórica do teatro ocidental e os percussores da renovação e da ruptura, com modelos superados ou estagnados. 93 Barba, Eugenio, no livro A Canoa de Papel: Tratado de Antropologia Teatral. São Paulo: HUCITEC, 1994. Neste livro, Barba analisa o desenvolvimento das técnicas de corpo destes grandes renovadores do teatro. 94 Pensamento extraído dos periódicos organizados por Juliana Polo. Ver: Polo (2005:432).

68

pelo conhecimento produzido em nossa formação cultural da dicotomia entre mente,

espírito e corpo? Será que não aprimoramos uma familiaridade íntima com nosso

próprio corpo? Será que a constatação de que somos feitos de carne, ossos, peles,

órgãos não condiz com a imagem que produzimos do corpo? Será que deparar com o

limiar do que está dentro e fora, num estado autêntico de observador, nos coloca

nesse imbricado contexto do que é real, do que é imaginário e virtual?

Uma constatação é feita: quando a exploração interna do corpo é conduzida

pelo movimento ou a condução da mobilidade articular é realmente interiorizada,

ocorre um estado de integração, ou melhor, o pensamento interage com o

corpo/movimento. A consciência pelo movimento emerge, exatamente porque as

defesas da consciência foram atenuadas ou dissipadas. É um momento raro de

envolvimento, muitas vezes próximo ao transe. Mas, também, deparamos com dores e

incômodos que acentuam sensações diferenciadas, analíticas, inquietas, e

perturbadoras. É uma situação paradoxal.

A correspondência de estranheza e estado de transe remete a Antonin Artaud,

que requer do trabalho do ator o sentido de correr risco, de enfrentar o medo do

inconsciente do corpo, de lidar com o perigo que é viver. José Teixeira Coelho, em

seu livro Antonin Artaud afirma:

Nesse teatro, o homem terá de correr todos os riscos novamente, todos os riscos que ele representa para si mesmo. O risco do transe, por exemplo. Esse teatro será o lugar do conhecimento físico das imagens de existência e dos meios de provocar transes através delas. Mas o transe não é essa máscara pueril que se fez por aí durante algum tempo sob o nome de Artaud, não é o transe de uma sessão de macumba para turistas. Artaud usa as palavras (e ele alertou para isso) de modo a refazer seu sentido perdido: seu transe é a visão da Idade Média, a visão dos poetas e a visão admitida também para os santos doutores da Igreja, quer dizer, o estado que permite ao homem ver o mundo sob nova luz e ver-se aí. (COELHO, s/d:84-85).

O corpo conecta em todos os níveis, no cérebro, nas células, nas correntes

sangüíneas, nas memórias musculares, na vida corrente de cada um. Neste sentido,

aproxima-se da concepção de Gil sobre o fluxo de energia provocado pelo

movimento dançado, cuja “transformação microscópica da energia muscular, do

fluxo de sangue, do influxo nervoso repercutem-se, ampliando-se em todo corpo”

(2001:26). É oportuno possibilitar a expressão enquanto lugar de experimentação do

movimento. Não que tenha que chegar em uma forma dada, sistematizada; pelo

contrário, há que surpreender com o imaginável, agenciar desejos, potencializar o

69

impossível, fortalecer-se. Deixar afetar-se na condição deleuziana do devir, devir-

criança, devir-animal, devir-planta, devir-corpo-sem-órgãos.

Não estamos no mundo, tornando-nos com o mundo, nós nos tornamos, contemplando-o. Tudo é visão, devir. Tornamo-nos universo. Devires animal, vegetal, molecular, devir zero. (DELEUZE e GUATTARI, 1992:220).

É um ímpeto para experimentar – é o “Corpo sem Órgãos” poetizado por

Artaud no texto Para Acabar com o Julgamento de Deus: “Quando tiverem

conseguido um corpo sem órgãos, então o terão libertado dos seus automatismos e

devolvido sua verdadeira liberdade”. (ARTAUD, 1983).

É incrível que, mesmo através de uma conotação formalizada pelo modelo

funcional e analítico da ciência empírica e objetiva – nomear partes do corpo, por

exemplo –, algo escapa quando se interioriza. Há sempre uma brecha na qual a

existência experimental do corpo deixa em aberto, não há como definir, querer

enquadrar os estados de experimentações abertos às sensações, às afetações, às

percepções e ao inconsciente.

O conceito de “corpo sem órgãos” (CsO), inspirado em Artaud, por Gilles

Deleuze e Félix Guattari no livro Mil Platôs, trava um contato direto com a

experiência da vida, com os impulsos e com os desejos. Neste sentido, o corpo

aparece como inconsciente desejante e se manifesta através de ações não

programadas e não controladas.

De todo modo você tem um (ou vários), não porque ele pré-exista, ou seja dado inteiramente feito – se bem que sob certos aspectos ele pré-exista – mas de todo modo você faz um, não pode desejar sem fazê-lo – e ele espera por você, é um exercício, uma experimentação inevitável, já feita no momento em que você a empreende, não ainda efetuada se você não a começou. Não é tranqüilizador, porque você pode falhar. Ou às vezes pode ser aterrorizante, conduzi-lo à morte. Ele é não-desejo, mas também desejo. Não é uma noção, um conceito, mas antes uma prática, um conjunto de práticas. (DELEUZE e GUATTARI, 1996:9).

A idéia de “CsO” de Deleuze e Guattari não pretende ser explicativa e nem

interpretada, ela é sinalizada como uma experiência necessária para quebrar a

estrutura rígida – do padrão corporal? Da consciência de si? Da representação do

corpo? De controle sobre o corpo? Existem no corpo impulsos e intensidades várias,

que precisam diluir-se para não serem tomados por si próprios. É a situação da

fixação em tipos, exemplificada por Deleuze e Guattari, como: o hipocondríaco, o

paranóico, o esquizofrênico, o drogado, o masoquista. Esses corpos em tipos também

70

são “CsOs” e buscam-no por intermédio da dor95. Não que exista um tipo melhor ou

pior, é a escolha de cada um – a intensa busca pelas sensações. Esta intensa procura

está fora da ordem, do organizado, do estipulado, do esperado, do conduzido, do

informado.

O paradoxo do corpo nos artifícios para desfigurar, isto é, para modificar

como necessidade de experimentação é o de desfazer qualquer cristalização96. A

construção e a destruição são tendências humanas básicas: umas cristalizam

unidades, asseguram pontos de descanso e ausência de mudança e outras obtêm um

fluxo contínuo, uma mudança permanente. Porém, a aceitação e o julgamento moral

das tendências humanas (que são formuladas num modo de pensar o mundo), não

sabem lidar com o “CsO”.

A experimentação ou um conjunto de práticas, segundo Deleuze e Guattari,

fazem do “CsO” desejos e impulsos que precisam de prudência, não que seja

controlado, mas permitido, possível. É paradoxal. É a consciência do corpo de Gil. É

o Teatro da Crueldade de Artaud – experimentação ou um conjunto de práticas.

Os impulsos e os desejos do “CsO” se manifestam através da entidade psíquica

ou força inteligente, segundo Artaud, que aparece através de uma devastadora

afetação, que necessariamente não precisa ser contagiosa como a peste97, mas é

contagiante, por isso assemelha-se à peste.

Essa força começa sua trajetória no sensível/corpóreo e compõe a fisionomia

espiritual do mal/peste de Artaud. “Como uma dor que, à medida que cresce em

intensidade e se aprofunda, multiplica seus acessos e suas riquezas em todos os

círculos da sensibilidade” (1999:18). É a desorganização física, que é a imagem da

peste, que é o “CsO”.

O que leva Artaud perseguir no ator – a sensibilidade que inventa personagens

intempestivamente e entrega-as ao público, igualmente inerte ou delirante. O que nos

levam a crer na experimentação ou conjunto de práticas como canal de possibilidade

para a preparação do ator, bailarino, que inclui o corpo em sua mais autêntica

atuação.

95 No terceiro volume de Mil Platôs, Deleuze e Guattari desenvolvem, no platô 28 de Novembro de 1947 – como criar para si um corpo sem órgãos, o conceito de CsO. Ver: Deleuze e Guattari (1996:10-14). 96 Isto já foi sinalizado pelo conceito de Imagem do corpo, em Schilder – Ver: Capitulo II – Corpo Sensível. 97 Ver: Artaud (1999:12-16).

71

Neste sentido, a abordagem de corpo no trabalho de AV convoca o desejo de

dançar ou de encenar como agenciamento para processar os afetos, isto é, o desejo de

fluir, de construir espaço, de se desdobrar em potência.

4.2. “Tomar consciência do movimento é tomar consciência da própria vida”98

Durante os estudos realizados nos diferentes cursos do mestrado, interessou-

me particularmente a tematização do corpo do ator. Não por acaso, Angel é

mencionada neste âmbito através de estudos que a situam neste contexto desde a

década de 1960/7099, e em sua Escola/Faculdade ingressam a cada ano um grande

número de atores interessados em aperfeiçoar-se em sua arte e aprimorar a sua

formação.

A compreensão da concepção de Jerzy Grotowski a respeito do trabalho do

ator, que firmou um novo olhar sobre a abordagem corporal de AV em sua

vinculação com o teatro. Pude perceber várias interligações entre os seus

pensamentos, articulados entre si. A base está no próprio sentido de formação

estabelecido por ambos, que é o aprimoramento da qualidade de ser humano, em que

não se restringe à área específica da dança ou do teatro, mas adquirido pela

sensibilidade, criatividade e pensamento.

Relata Angel: “O que me interessa é o ser humano e cada um leva o que

ensino para onde quiser, seja para a dança, o teatro, o cotidiano” (2005:17)100. Em um

mesmo parâmetro, afirma Grotowski: “interesso-me pelo ator porque ele é um ser

humano” (1992:104).

Tanto Angel quanto Grotowski, ao estabelecerem a busca no humano,

depararam-se com o corpo; o elemento crucial que os lançou na difícil tarefa de

conduzir o outro para o reconhecimento do que é vida – corpo. Processo inevitável,

98 Pensamento extraído da revista Nós da Escola. Ver: Petrocelli (2007:6). 99 Ver: Introdução, onde a autora do estudo cita os documentos (estudos sobre Angel Vianna) que serviram de suporte para o estudo: A tese: Angel Vianna – A pedagoga do corpo, para o Mestrado em Teatro (Unirio, em 2004), autoria de Maria Enamar Neherer Bento, que trata exatamente de inserir Angel Vianna neste contexto; e a pesquisa pela oitava bolsa RioArte dos periódicos do acervo de Angel Vianna, organizada por Juliana Polo, onde é mencionada a participação de Angel como coreógrafa, preparadora corporal ou direção do movimento, em um total de 20 peças, um filme e um show. Tratado no oitavo tema: Teatro. 100 Ver: Capítulo III – Corpo Aprendiz.

72

que leva à superação, pois viver é perigoso; corremos riscos, sentimos dor e lidamos

com desafios.

Há uma colocação em Grotowski que reforça essa afirmativa: “com o corpo,

com a carne não estão (os atores) à vontade, estão antes em perigo” (2007:175).

Acreditar em si é confiar no corpo, segundo Grotowski, pois o corpo é a via que

favorece a confiança necessária para atuar, ou melhor, estar na vida. “Há uma falta

de confiança no corpo que é, na realidade, uma falta de confiança em si mesmo. É

isso que divide o ser”. (2007:175). O corpo, para Grotowski, é dúbio, pois o

aceitamos e o rejeitamos ao mesmo tempo. Há uma certa insuficiência no corpo que

gera insatisfação, o que faz torná-lo inimigo. Insatisfação e estranheza em lidar com

o corpo e aproximar-se literalmente com a carne, o osso e a pele101. Esta estranheza

se relaciona à não familiaridade com o próprio corpo e o intricado contato interior

com suas contradições: prazer e dor, restrição e liberdade, clareza e confusão. O

corpo é paradoxal e a maneira de lidar com suas inquietações se dá pela comunhão

consigo mesmo. Angel indica apropriar-se dele sem massacrá-lo; solicita pensá-lo e

senti-lo.

Para Grotowski, o ator tem mais bloqueios no plano de sua atitude em relação

à aceitação de seu próprio corpo do que no plano meramente físico, de execução de

habilidades. Sua intenção, na preparação do ator, corresponde à liberação dos

impulsos vivos do corpo. “(...) Impulsos quase invisíveis, que tornam o ator

irradiante, que fazem com que mesmo sem falar, fale continuamente, não porque quer

falar, mas porque é sempre vivo”. (GROTOWSKI: 2007:169).

Por isso sua técnica corporal “não se baseia em uma coleção de habilidades”

(1992:32). Exige amadurecimento, total despojamento e disposição, isto é, uma

doação de si mesmo.

Habilidades se adquirem, treina-se, domestica-se o corpo, sendo assim, é

necessário inserir no trabalho corporal a ação consciente e não mecânica. A atividade

física de condicionamento dos músculos, articulações e tendões102 não pertence à

abordagem de um corpo sensível tratado por Grotowski, assim como,

veementemente, em Angel.

101 Conforme tratado no tópico anterior. 102 Ver: Capítulo III – Corpo Aprendiz.

73

A intenção no trabalho corporal de AV é a consciência do corpo103, instalada a

partir da liberação das tensões. Somente assim é possível deixar a energia do

movimento fluir e entrar em contato com as percepções sutis, por exemplo, as

sensações de ampliação dos espaços internos ou os descolamentos das camadas

epidérmicas, musculares, articulares etc.

A experiência da consciência corporal amplia a capacidade de assimilação

mútua entre o “fora” (os estímulos do meio/mundo) e o “dentro” (todos os sentidos

assimilados por uma interioridade integrada). Segundo Angel: “é se conhecer e saber

que pode tocar, ver, sentir e ouvir. É a tentativa de encontrar um paralelo que

equilibre o eixo corporal e emocional” (POLO, 2005:310), para sermos capazes de

criar, isto é, de transformar, de metamorfosear, de deixar o corpo absorver o sentido

do movimento, que é vida, que é acontecimento.

O ator e o bailarino devem conviver e conhecer o seu corpo, porém é unânime

entre Angel e Grotowski que esta convivência e conhecimento ocorrerão mediante

um processo longo e profundo. Para Angel: “É um trabalho árduo, mas nunca

impossível. E a descoberta é fascinante. Quanto mais você se conhece, mais você

quer se conhecer”. (POLO, 2005:427); sem a preocupação em terminar, mesmo que

ocorra ou tenha um objetivo de conclusão. O importante é integrá-lo na vida.

Encontra-se vinculado à espontaneidade, a qual Angel tanto busca e incentiva. “A

percepção e o auto-conhecimento tem o poder de deixar todas as coisas acontecerem

espontaneamente” (POLO, 2005:369) perante o reconhecimento de si mesmo, com

suas manias, trejeitos e vocações. O reconhecimento não é para que seja

racionalmente afirmado; é para que seja instigante, isto é, que possa reagir aos

estímulos propostos no trabalho sobre si.

Grotowski reconhece a importância de uma constante preparação do ator, o

que o levou a se preocupar com uma formação que abrangesse estímulos (música,

ritmo, recordação, associação ou imagem) – “Aquilo que nos ajudava a reagir”

(2007:2002). Angel, em sua trajetória, por sua vez, explorou a formação do bailarino

(percepção musical, relaxamento, alongamento, sensibilidade, sentidos),

independente do treinamento físico, apesar de vinculada à área de dança, em que a

preparação física é contínua. Ainda hoje ela se inquieta com as condições de

estímulo oferecidas aos alunos de sua escola.

103 Visto pelo conceito de José Gil, no Capítulo II – Corpo Sensível.

74

Em Grotowski, é de uma total importância a relação do ator com o outro. A

começar consigo mesmo: “não é possível entrar em contato com alguém se não se

existe sozinho” (2007:204). Angel define o seu trabalho como “a arte de aprender a

viver consigo e, a partir daí com os outros”. (POLO, 2005:307).

Mas o comprometimento inclui também o orientador, pois aquele que guia o

ator torna-se testemunha. O desenvolvimento do ator irá refletir nele pela

observação, perplexidade e desejo de ajudar. É na junção do em si para com o outro

que surge a revelação – o desenvolvimento do humano, pois um cresce com o outro,

isto é, o fenômeno de “nascimento duplo e partilhado”. (GROTOWSKI, 1992:22).

O corpo, para Grotowski, é vida tal como o é para Angel. É nele que estão

inscritas todas as experiências. Quando há uma solicitação de comunhão com o outro

se acessa o corpo-vida, isto é, o ser inteiro, no momento presente. “O ato do corpo-

vida implica na presença de um outro ser humano, a comunhão das pessoas”

(2007:206).

Na expectativa da abordagem de AV há uma entrega, uma doação que

fortalece o humano, o afeto e a troca, possibilitando compartilhar e conviver entre

pessoas.

Para Angel Vianna:

É um caminho vital para eu transmitir o que sinto (...) cada coisa que falo para o aluno, falo para mim também. Me gratifica demais saber que esse tipo de trabalho ajuda as pessoas, e à medida que ajuda a elas me ajuda também a me encontrar mais (POLO, 2005:311).

Um dos princípios vistos no estudo é a transmissão do vivido, isto é, a troca

constante e imediata do orientador, cultivada pela cumplicidade e o convívio com os

alunos104.

No percurso de Angel Vianna, antes de construir sua escola e faculdade, houve

um interesse em abrir um centro de pesquisa, o que aconteceu em 1974. O Centro de

Pesquisa Corporal – Arte e Educação (CPCAE) dirigida por ela, Klauss Vianna e

Thereza D’Aquino surgiu com o propósito de desenvolver um trabalho de pesquisa

corporal que abrangesse o maior número de diferenças e intenções possíveis. Angel,

em entrevista para o Jornal o Globo, no ano da inauguração de seu Centro, explica a

finalidade de abrir um centro de pesquisa corporal que não se limitasse aos passos ou

104 Ver: Capítulo III – Corpo Aprendiz, 1º princípio.

75

exercícios executados aleatoriamente. Segundo ela, referindo-se aos fundadores do

centro:

Nós tratamos de explicar ao aluno o sentido e a finalidade de cada movimento, fazendo-o tomar conhecimento real do seu corpo, e extrair dele toda a sua potencialidade. Só depois disso, está apto a usar o corpo como instrumento de trabalho. (POLO, 2005:286).

Angel aliou a vida e a arte de forma artesanal e não tinha a intenção, neste

ambiente, de produzir corpos em série. Segundo Grotowski, no livro Em Busca de um

Teatro Pobre pesquisa:

(...) significa que abordamos nossa profissão mais ou menos como o entalhador medieval, que procurava recriar no seu pedaço de madeira uma forma já existente. Não trabalhamos como quem procurava recriar no seu pedaço de madeira uma forma já existente. Não trabalhamos como o artista e o cientista, mas antes como o sapateiro, que procura o lugar exato no sapato para bater o prego. (GROTOWSKI, 1992:24).

O ateliê das artes cênicas é um lugar de investigação e preparação, com o

intuito de juntar pessoas que possam trocar, discutir, pesquisar e assim elaborar

novos métodos e condutas de atuação. Nada como as propostas de centro de pesquisa

sugeridas por Grotowski e Angel.

Ao tratarmos do teatro e da dança, nos deparamos com um suporte inevitável

para que essas artes aconteçam – o corpo humano. Sem um corpo humano não é

possível gerar arte cênica. É óbvio que todas as outras artes exigem a presença do

corpo, mas não um trabalho corporal com tal especificidade.

O corpo, num processo de preparação ou formação, passa pelo conhecimento

de si, pela capacidade de relação para com o outro – considerando como outro

qualquer relação de contato, cuidado e atenção e com o ato de criar, de ser

espontâneo, de agir sem bloqueios, sem censuras, com sinceridade.

Segundo Grotowski:

A sinceridade é algo que abraça o homem inteiramente, o seu corpo inteiro se torna uma corrente de impulsos tão pequenos que isoladamente são quase imperceptíveis. Mas é assim quando o homem não quer esconder nada: sobre a pele, da pele, sob a pele. (GROTOWSKI, 2007:203).

O corpo sendo tema de debates em circunstâncias similares (teatro e dança),

leva-me a destacar a pesquisa de ambos, que possibilitam a efetivação de um trabalho

corporal para o despertar do humano com sua espontaneidade, sinceridade e

autenticidade.

76

Ao refletir sobre a abordagem do trabalho corporal de AV no ambiente

acadêmico das artes cênicas, vi-me diante de novas perspectivas para os seus

ensinamentos que, com certeza, irão proporcionar novas pesquisas ainda por vir –

“Formar pessoas que acreditam nesse cotidiano de trabalho resulta em produção de

vida”105. É o que nos diz a grande mestra.

Toda essa exposição visa apontar o trabalho corporal de AV para o campo das

artes cênicas (ator, bailarino, entre outros), isto é, para a formação e preparação

daqueles que utilizam o corpo como suporte artístico.

105 Ver: Petrocelli (2007:10).

77

CONCLUSÃO

Até hoje não digo em palavras o que digo através do movimento. Formar pessoas que acreditam nesse cotidiano de trabalho resulta em produção de vida, é minha grande realização. Dança é movimento. Vida é movimento. Você só tem que seguir um caminho e deixar fluir.

Angel Vianna106

Ao me propor apresentar a abordagem do trabalho corporal de AV, empenhei-

me em abordá-la pela perspectiva da reflexão, através de idéias que acompanham a

minha profissão, ou seja, aliando a teoria à prática. Vale dizer que se trata de uma

visão, um olhar de uma discípula.

Essa reflexão envolveu concepções, princípios, relações, aplicações,

elementos, etapas e procedimentos. Não houve a intenção de sistematizar o método

de Angel. Seu trabalho comporta uma orientação para o movimento como canal de

percepção do corpo. Dispensa a noção de técnica como condicionamento físico para

se afinar com a idéia de aprimoramento, no que diz respeito ao estado de ser/corpo.

Neste sentido, tem uma conotação aproximada da educação somática107, cujo trabalho

corporal surgiu como recurso para o alívio de inquietações e de dificuldades físicas,

não resolvidas por tratamentos médicos e terapêuticos108.

Para Sylvie Fortin:

106 Ibidem. 107 Encontrei no artigo As técnicas corporais e a cena, de Márcia Strazzacappa, práticas pertencentes à educação Somática (Alexander, Feldenkrais, os Fundamentos de Bartenieff, a ideokinesis de Mabel Tood, Lulu Sweigard e Irene Dowd, a Eutonia de Gerda Alexander). Ver: Greiner e Bião (1998:167). Havia já tratado de algumas delas como práticas corporais (Feldenkrais, Alexander e a Eutonia de Gerda Alexander), situando-as lado a lado com Angel Vianna, para a concepção de trabalho corporal com consciência. Ver: Teixeira (1998:41-56). 108 A terminologia de educação somática vêm sendo apontada para referenciar alguns métodos corporais. No entanto, ela ainda precisaria ser discutida. A abrangência do trabalho corporal de Angel Vianna que inclui o campo artístico assim como a do seu companheiro de vida (Klauss Vianna), por exemplo, indica uma outra elaboração que não se resume ao termo somático.

78

A educação somática engloba uma diversidade de conhecimento onde os domínios sensorial, cognitivo, motor, afetivo e espiritual se misturam com ênfases diferentes (...) onde as estruturas orgânicas nunca estão separadas de suas histórias pulsional, imaginária e simbólica. (FORTIN, 1999:40).

Iniciei os estudos com hipóteses como: qual é o elemento principal do trabalho

corporal de AV? Que corpo é esse com o qual Angel trabalha? É um corpo

representado, manipulado, padronizado? Ou é um corpo pensante? Como inserir a

idéia de um corpo consciente?

A partir de então, utilizei alguns parâmetros da trajetória de Angel, por

exemplo, sua busca pelo conhecimento do corpo para questionar o entendimento do

corpo estático, e assim poder introduzir a noção de corpo relacional109, isto é, um

corpo que interage com o seu meio, participando de suas interferências e mudanças.

Ao situar Angel, em relação à sua formação artística (música, arte plástica e dança),

afirmei o corpo como veículo de comunicação com o mundo. Desta forma, foi

possível vincular o corpo à consciência.

Contudo, era preciso definir qual consciência, considerando-a pela perspectiva

do corpo, é claro. Primeiramente, elaborei este termo, apresentando a consciência em

si, que visa a comunicação com o meio/mundo ou que se projeta para o exterior

(corpo-próprio, de Merleau-Ponty) e a consciência que assimila o exterior pelo

interior, ou que absorve o mundo pelo interior para, assim, expressar-se

exteriormente (consciência do corpo, de Gil). Também carecia analisar conceitos

constantemente referenciados em seu trabalho, como imagem corporal (Paul

Schilder) e propriocepção (Oliver Sacks).

Toda essa introdução teórica teve a intenção de pensar o corpo nesta prática

especifica, trazendo considerações relevantes para a abordagem em questão, tais

como: o corpo que escapa da racionalidade, do controle e de qualquer organização,

seja instituída ou orgânica; o corpo como vida e o quanto ele é mutável, instável e

imprevisível, pois pertence à incerteza, ao ambíguo, ao duvidoso e, por fim, o corpo

estranho que lida com o risco que é viver. Estas idéias proporcionaram novas

questões, como: a não verdade instituída ou absoluta, a percepção de seu lugar no

mundo e aceitação do outro, a apropriação de sua própria imagem corporal

desfazendo a projeção em um ideal, a liberação das tensões e assimilação dos

sentidos.

109 Conforme analisado no Capítulo II – Corpo Sensível.

79

Os conceitos levantados, especificamente ao tratar do corpo sensível110

(imagem do corpo, propriocepção e consciência do corpo), oferecem dados que irão

proporcionar a compreensão da consciência do corpo e suas possibilidades no campo

das artes cênicas.

O que o estudo do conceito de imagem corporal – que é a projeção mental que

temos do nosso corpo – indica é a dificuldade de nos reconhecermos efetivamente

nela, devido ao valor em um ideal externo ou pela mudança constante que sofremos

através de nossa formação física, psíquica, emocional, mental etc. Contudo, ela é

analisada pela experimentação. Por exemplo, Gerda Alexander, em seus cursos de

Eutonia, propunha ampliar a imagem corporal capacitando-nos a reconhecer nossas

particularidades morfológicas através do desenvolvimento da percepção corporal.

Em Angel, a experimentação da percepção do corpo leva-nos à apropriação – o

reconhecimento de si. O caminho é o da observação que compara, analisa, verifica

outras mil particularidades; neste estágio de olhar para si e para o outro se constata a

multiplicidade humana. A observação ajuda na assimilação dos trejeitos, hábitos,

manias corporais que favorece a condição primordial para o ator corporificar-se,

buscando referências externas e internas.

Neste sentido, recordo-me de uma vivência com Angel que irá ajudar na

compreensão do que foi salientado acima. Consistia no seguinte: dividia-se o grupo

em dois, uma metade se locomovia pela sala e outra metade observava (cada

observador escolhia a quem observar). Depois, invertia os papéis: quem tinha sido

observado sentava para tentar se reconhecer naquele que agora o imitava. A idéia era

ajudar a pessoa que foi observada a se reconhecer no outro, em seu modo peculiar de

se locomover. Muitas vezes não éramos capazes de nos distinguirmos. Nesta situação

experimental, somos instigados a nos apropriar de nos mesmos.

A imagem corporal é assimilada conjuntamente ao sentido proprioceptivo.

Sentido complexo, pois envolve todo o corpo (pele, ossos, tendões, articulações, –

elementos de sensibilização no trabalho de AV), e cuja assimilação vem do interior

intermediado pelo exterior, isto é, seu desenvolvimento exige uma atenção interior

favorecida pelo estado presente de estar no mundo/exteriormente. Isso se dá

diferentemente dos outros sentidos, cujo estímulo vem do exterior, mesmo que

processados nos canais internos dos olhos, ouvidos, narinas, bocas e epidermes.

110 Capítulo II – Corpo Sensível.

80

O estado de estar vivo e presente no mundo possibilita encarnar-se111. Ver-se

no corpo, ser um corpo, se assumir corporalmente pela aquisição do sentido

proprioceptivo.

O sentido proprioceptivo nos posiciona em um espaço tridimensional, através

do domínio da profundidade aliada à amplitude do espaço vertical (altura) e espaço

horizontal (largura), em todas as direções. A noção do corpo no espaço

tridimensional é fundamental para o bailarino e não o é para o ator?

O conceito (consciência do corpo) criado por José Gil remete à liberação de

um corpo que se abre para os sentidos, de fluxo energético, isto é, no sentido que

possa fluir, conectar e agenciar outras possibilidades de criar, mover e atuar. O

contato com a consciência do corpo se dá por uma interiorização ao desatar tensões,

defesas e amarras. É uma via não egoica, isto é, em que não há a preocupação com a

forma, com o exterior, com o virtuoso. É a via da sinceridade e do possível. O ator

irá, com certeza, se beneficiar da consciência do corpo.

O trabalho corporal de AV propicia experimentações, um conjunto de práticas

para a experimentação de si – essa condição de encontro com nossos vários eus,

nossas identidades diluídas e nossas incertezas para a efetiva experimentação, que

acorda um corpo que não é demarcado, não é organizado e nem racional.

O estudo reafirma que a abordagem do trabalho corporal de AV possibilita a

formação humana capaz de preparar o ator, assim como prepara o bailarino no

desenvolvimento dos potenciais pessoais, coletivos, processuais e autênticos através,

primeiro, da singularidade – o em si, a revelação e a descoberta do próprio corpo

com suas peculiaridades, potencialidades e diferenciações; segundo, da alteridade – o

outro, a importância do outro através do respeito e generosidade consigo mesmo;

terceiro, do processo – corpo sendo, o sentido do movimento, da dinâmica da vida,

de que cada momento da vida o corpo responde, integra, afirma, muda. Além do

desenvolvimento da capacidade criadora, inerente a todos nós, e o seu trânsito em

outros setores da vida e por fim da presença – corpo preparado para uma presença

efetiva, isto é, a capacidade em desenvolver o em si, a relação com o meio/outro e a

qualidade permitida do processo de investigação.

111 Uso esse termo em referência à paciente do neurologista Oliver Sacks, que perdeu o sentido da propriocepção, e se sentia desencarnada, isto é, sem corpo. Comentado no Capítulo II – Corpo Sensível.

81

Ao articular o trabalho corporal de AV com o de Jerzy Grotowski, destaquei a

importância do corpo como aporte para as artes cênicas, o que vem de encontro a

vários tópicos expostos no presente estudo, a destacar: a experiência do movimento

interno, a percepção proprioceptiva, a compreensão da imagem corporal, a

concentração em si e a consciência do corpo.

A reflexão sobre o trabalho corporal de AV reafirmou a convicção de que a

sua prática oferece uma possibilidade de ampliação de nossa sensibilidade e de

desenvolvimento de nosso sentido de presença. Seu fundamento está na convivência

e na descoberta do próprio corpo, em uma metodologia aplicada coerentemente com

os princípios essenciais indicado pela mestra112, tais como: desenvolver a

individualidade, afetividade e generosidade; a sensibilidade e a capacidade de

transformar-se e de fortalecer a personalidade enquanto ser humano. São esses

aspectos que garantem a efetividade do trabalho corporal proposto por AV para a

preparação do ator.

Esta pesquisa me provocou muitos encontros e descobertas. Vi-me, mais uma

vez, perante o desafio de articular o que penso com o que pratico. O que não

significou que foi um caminho fácil. Debrucei-me em livros, textos, numa busca

desenfreada para interligar a vivência com o suporte teórico. Fui invadida por idéias

novas, estimulantes e prováveis de serem continuadas, principalmente em relação à

questão da formação e da teorização na área das artes cênicas. Esta dissertação foi

uma instigante oportunidade para continuar aprendendo, desenvolvendo e

transmitindo um conhecimento aprimorado pela experiência sensível.

Espero que este estudo possa trazer ainda novas abordagens, inspire

continuamente novas pesquisas e motive aqueles que abraçam suas causas, tanto na

Arte quanto na Educação, a seguirem o caminho coeso com aquilo pelo que

sinceramente foram tocados e afetados.

112 Ver: Polo (2005: 379).

82

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FILOSOFIA:

DELEUZE, Gilles. Conversações, 1972 – 1990. Rio de Janeiro: Editora. 34, 1992.

__________. Nietzsche e a Filosofia. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1976.

DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix. O que é filosofia? Rio de Janeiro: Editora 34, 2o ed, 1992. (Coleção TRANS)

__________. Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia. Vol. 3, Rio de Janeiro: Ed. 34, 1996.

FEITOSA, O. R. Charles. Para Além da Dialética: O Anti-hegelianismo de Nietzsche e Deleuze. In LINS, Daniel; COSTA, G. S. Sylvio e VERAS Alexandre. Nietzshe e Deleuze – Intensidade e Paixão. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2000.

FOUCAULT, Michel. As Palavras e As Coisas – Uma Arqueologia das Ciências Humanas. São Paulo: Martins Fontes, 1980.

GIL, José. Movimento Total – O Corpo e a Dança. Lisboa: Relógio D’Água, 2001.

__________. Consciência do corpo. Palestra proferida no Simpósio de corpo e arte.

MERLEAU-PONTY, Maurice. A Fenomenologia da Percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1994.

__________. O Primado da Percepção e suas conseqüências filosóficas. Campinas, SP: Papirus, 1990.

NIETZSCHE, Friedrich. Fragmentos Finais. In KOTHE, Flávio R. (sel.). Brasília: Ed. Universidade de Brasília, São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2002.

SHÖPKE, Regina. M. L. Por uma filosofia da diferença: Gilles Deleuze, o pensador Nômade. Rio de Janeiro: Contraponto; São Paulo: Edusp, 2004.

VAN BALEN, Regina Maria Lopes. Sujeito e Identidade em Nietzsche. Rio de Janeiro: UAPÊ, 1999.

83

PRÁTICAS CORPORAIS:

ALEXANDER, Gerda. La Eutonia: Un camino hacia la experiencia total del cuerpo. Buenos Aires: Paidós, 1979.

CALAIS-GERMAIN, Blandine. Anatomia pelo Movimento, volume 1: Introdução à Análise das Técnicas Corporais. São Paulo: Manole, 1991.

FELDENKRAIS, Moshe. Vida e Movimento. São Paulo: Summus Editorial, 1988.

__________. Consciência pelo Movimento. São Paulo: Summus Editorial, 1977.

FORTIN, Sylvie. Educação Somática: novo ingrediente da formação prática em dança. In Cadernos do Gipe-Cit. Salvador, n.2. Estudos do Corpo, p.40-55, fev.1999.

FREIRE, Ana Vitória. Angel Vianna – Uma biografia da dança contemporânea. Rio de Janeiro: Dublin, 2005.

GAINZA, Violeta. Conversas com Gerda Alexander: vida e pensamento da criadora da Eutonia. São Paulo: Summus Editorial, 1997.

LABAN, Rudolf. Domínio do Movimento. São Paulo: Summus Editorial, 1978.

MILLER, Jussara. A escuta do corpo: sistematização da Técnica de Klauss Vianna.São Paulo: Summus Editorial, 2007.

SOTER, Silvia. A educação somática e o ensino da dança. In PEREIRA Roberto, SOTER Silvia (orgs) Lições de Dança 1. Rio de Janeiro: UniverCidade Editora, 1998.

STRAZZACAPPA, Márcia. As Técnicas Corporais e a Cena. In GREINER, Christine e BIÃO, Armindo (Orgs). Etnocenologia – textos selecionados. São Paulo: Summus Editorial, 1997.

TEIXEIRA, P. Letícia. Conscientização do Movimento: Uma prática corporal. São Paulo: Caioá, 1998.

__________. Angel Vianna: a construção de um corpo. In PEREIRA, Roberto e SOTER, Silvia (orgs). Lições de Dança 2. Rio de Janeiro: Univercidade Editora, 2000.

84

__________. Conscientização do Movimento. In CALAZANS, Julieta, CASTILHO, Jacyan e GOMES Simone (orgs). Dança e Educação em Movimento. São Paulo: Cortez, 2003.

VIANNA, Klauss. A Dança. In CARVALHO, Marco A. (col). São Paulo: Summus Editorial, 2º ed, 2005.

EDUCAÇÃO:

DELORS, Jacques. Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez; Brasília: MEC UNESCO, 4. ed, 2000.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2003.

LARROSA, Jorge. Nietzsche & Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.

__________. Pedagogia Profana – danças, piruetas e mascaradas. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

OLIVEIRA, Marta K. Vygotsky – Aprendizado e Desenvolvimento: um processo sócio-histórico. São Paulo: Scipione, 1993.

SILVA, Tomaz Tadeu. Identidade e Diferença: A Perspectiva dos Estudos Culturais . (orgs) HALL, Stuart & WOODWARD Kathryn. Petrópolis: Vozes, 2000.

STRAZZACAPPA, Márcia e MORANDI, Carla. Entre a arte e a docência: a formação do artista da dança. Campinas: Papirus, 2006. – (coleção Agere).

TEATRO:

ARTAUD, Antonin. Para acabar com o julgamento de Deus. In: WILLER Claúdio (sel. e notas) Escritos de Antonin Artaud. Porto Alegre: L&PM, 1983.

__________. O Teatro e seu Duplo. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

BARBA, Eugenio. A Canoa de Papel: tratado de antropologia teatral. São Paulo: Hucitec.

BROOK, Peter. A Porta Aberta . Rio de Janeiro, 2o ed: Civilização Brasileira, 2000.

85

CHACRA, Sandra. Natureza e sentido da improvisação teatral. São Paulo: Perspectiva, 1983.

COELHO, José. T. Antonin Artaud . São Paulo: Brasiliense – (Coleção Encanto Radical).

GALENO, Alex. Antonin Artaud: a revolta de um anjo terrível . Porto Alegre: Sulina, 2005.

GROTOWSKI, Jerzy. Em Busca de um Teatro Pobre. Rio de Janeiro, 4o ed: Civilização Brasileira, 1992.

__________. O Teatro Laboratório de Jerzy Grotowski 1959-1969. São Paulo: Perspectiva: SESC; Pontedera, IT: Fondazione Pontedera Teatro, 2007.

ROUBINE, Jean-Jacques. Introdução às Grandes Teorias do Teatro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.

RYNGAERT, Jean-Pierre. Ler o Teatro Contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

OUTROS:

ANZIEU, Didier. O Eu-pele. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1989.

BAUMAN, Zygmunt. Vida Líquida . Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.

DAMÁSIO, António. O Mistério da Consciência. Do corpo e das emoções ao conhecimento de si. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

FREIRE, Jurandir C. O Vestígio e a aura. Rio de Janeiro: Garamond, 2003.

GREINER, Christine. O Corpo: pistas para estudos indisciplinares. São Paulo: ANNABLUME, 2005.

GREINER, Christine e AMORIN, Claudia. Leituras do Corpo. São Paulo: ANNABLUME, 2003.

HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

JEUDY, Henri-Pierre. O Corpo como Objeto de Arte. São Paulo: Estação Liberdade, 2002.

86

LURIA, A.R. Curso de Psicologia Geral. Vol. 2, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2º ed, 1991.

MONTAGU, Ashley. Tocar: o significado humano da pele. São Paulo: Summus, 1988.

PELBART, Peter Pál. O Corpo do Informe. In GREINER Christine e AMORIN, Claudia. (orgs). Leituras do Corpo. São Paulo: ANNABLUME, 2003.

SACKS, Oliver. O homem que confundiu sua mulher com um chapéu. Rio de Janeiro: Imago, 1988.

SCHILDER, Paul. A Imagem do Corpo – As energias construtivas da psique. São Paulo: Martins Fontes, 2º ed, 1994.

DISSERTAÇÕES E TESES:

BENTO, R. N., Maria Enamar. Angel Vianna: A pedagoga do corpo. Tese de Doutorado defendida no Programa de Pós-Graduação em Teatro da Universidade do Rio de Janeiro (UNIRIO), 2004.

SILVA, Narciso L. Telles. Teatro de Rua: dos grupos à sala de aula. Tese de Doutorado defendida no Programa de Pós-Graduação em Teatro da Universidade do Rio de Janeiro UNIRIO, Programa de Pós-Graduação em Teatro, 2007.

TAVARES, Joana Ribeiro da Silva. A técnica Klauss Vianna e sua aplicação no teatro brasileiro. Dissertação de mestrado defendida no Programa de Pós-Graduação de Teatro da Universidade do Rio de Janeiro (UNIRIO), 2002, Volume I e II.

PESQUISA:

POLO, Juliana. Angel Vianna através da história – a trajetória da dança da vida. 8º bolsa de Pesquisa RioArte, 2005.

REVISTAS: BONDIA LARROSA, Jorge. Notas sobre a experiência e o saber da experiência. Revista Brasileira de educação, n. 19, 2002.

PETROCELLI, Renata. Histórias que o corpo conta. Revista Nós da Escola. Rio de Janeiro: Ano. v. 4, n. 46, 2007.

87

RUBIN, Nani. Angel Vianna – escultora de ossos e músculos. Gesto Revista do Centro Coreográfico do Rio, dezembro de 2002.

COLEÇÕES:

DESCARTES, René. Os Pensadores. 2.ed., São Paulo: Abril Cultural, 1979.

LEIBNIZ II, Wilhelm. Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1980.

INTERNET:

http://www.Efdeportes.com/efd71/imagem.htm