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Warley Marcos Nascimento Embrapa Hortaiças Devido a grande importância das legu- ruinosas para a alimentação humana, o ano de 2016 foi declarado, pela ONU, através da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricul- tura (FAO), como o Ano Internacional das Leguminosas (em inglês, "Interna- tional Year of Pulses"). "Pulses", na verdade é um subgrupo da família Fabaceae ou Leguminosae (depen- dendo do sistema de classificação uti- lizado), e compreende aquelas espécies onde os grãos secos são colhidos para consumo. Assim, feijão (Phaseolus vulgaris), fava (Vicia faba), lentilha (Lens culinaris), grão- -de-bico (Cicer arietinum), ervilha seca (Pisum sativum) e vigna (Vigna sp.) são considerados "pulses". Feijão- -vagem e ervilha-verde (considerados hortaliças), soja e amendoim (utiliza- dos para extração de óleos), alfafa e trevo (utilizados para adubação verde ou outros usos), não são considerados "pulses". O cultivo e consumo dessas espécies, assim, como esta data come- morativa tem elevada importância, não só pelo valor alimentício que elas possuem mas pela contribuição dos seus cultivos nos sistemas de produção. Devido ao alto teor de pro- teínas e minerais contidos nos grãos destas leguminosas, estas espécies apresentam alto valor nutricional. Ademais, a utilização destas espécies em rotação de culturas ou o cultivo das mesmas em consórcio pode proporcio- nar uma melhoria considerável na fer- tilidade dos nossos solos; sabe-se que por meio da fixação biológica do nitrogênio, estas espécies propiciam um menor uso de adubos químicos, contribuindo assim para um sistema mais sustentável de produção. Neste artigo, serão abordadas apenas três (ervilha, lentilha e grão-de-bico) destas espécies, as quais tem sido con- sideradas, em nosso país, como horta- liças leguminosas. Elas geralmente são produzidas no período de inverno, sob irrigação; neste sentido, estas espécies entrariam como alternativas no período de temperaturas mais amenas do ano. São culturas total- mente mecanizadas, relativamente de fácil manejo e que permite ganhos maiores, uma vez que os produtos colhidos alcançam melhores preços na cornercialização. As leguminosas nor- malmente são cultivadas em regiões temperadas e, em países tropicais, elas são geralmente cultivadas em locais de maiores altitudes, necessitando de temperaturas amenas durante o ciclo para seu bom desenvolvimento. Na região dos cerrados, notadamente no Planalto Central, em áreas com altitu- des acima de 800 rn, e em plantios rea- lizados no período de abril a maio, o cultivo dessas espécies têm apresen- tado excelentes resultados. Nesta região, o clima tem sido bastante favorável ao cultivo destas espécies leguminosas; no período de inverno, o cultivo coincide com o período de baixa umidade relativa do ar e, conse- quentemente, a incidência de doenças é bastante reduzida. Soma-se ainda que a colheita dos grãos e sementes no período seco (ausência de chuvas) permite, respectivamente, a obtenção de produtos de elevada qualidade para cornercialização in natura ou para a indústria, bem como sementes de alta qualidade fisiológica e sanitá- ria. Na década de 1980, a região de DF e entorno chegou a produzir milhares de hectares com a cultura da ervilha; atualmente, pouco se produz nesta região. A produção de legumi- nosas nesta região tende a expandir nos próximos anos, pois a agricultura desta região é considerada uma das mais tecnificadas do país, com registro de altos índices de produtivi- dade devido ao alto padrão tecnoló- gico utilizado pelos produtores locais. O sistema de irrigação por pivô central instalado na região e a topo- grafia plana que permite a total meca- nização das culturas também contribuem para a grande potenciali- dade da região. Nosso Alho 52

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Warley Marcos NascimentoEmbrapa Hortaiças

Devido a grande importância das legu-ruinosas para a alimentação humana, oano de 2016 foi declarado, pela ONU,através da Organização das NaçõesUnidas para a Alimentação e Agricul-tura (FAO), como o Ano Internacionaldas Leguminosas (em inglês, "Interna-tional Year of Pulses"). "Pulses", naverdade é um subgrupo da famíliaFabaceae ou Leguminosae (depen-dendo do sistema de classificação uti-lizado), e compreende aquelasespécies onde os grãos secos sãocolhidos para consumo. Assim, feijão(Phaseolus vulgaris), fava (Viciafaba), lentilha (Lens culinaris), grão--de-bico (Cicer arietinum), ervilhaseca (Pisum sativum) e vigna (Vignasp.) são considerados "pulses". Feijão--vagem e ervilha-verde (consideradoshortaliças), soja e amendoim (utiliza-dos para extração de óleos), alfafa etrevo (utilizados para adubação verdeou outros usos), não são considerados"pulses". O cultivo e consumo dessasespécies, assim, como esta data come-morativa tem elevada importância,não só pelo valor alimentício que elaspossuem mas pela contribuição dosseus cultivos nos sistemas deprodução. Devido ao alto teor de pro-teínas e minerais contidos nos grãosdestas leguminosas, estas espéciesapresentam alto valor nutricional.

Ademais, a utilização destas espéciesem rotação de culturas ou o cultivo dasmesmas em consórcio pode proporcio-nar uma melhoria considerável na fer-tilidade dos nossos solos; sabe-se quepor meio da fixação biológica donitrogênio, estas espécies propiciamum menor uso de adubos químicos,contribuindo assim para um sistemamais sustentável de produção.

Neste artigo, serão abordadas apenastrês (ervilha, lentilha e grão-de-bico)destas espécies, as quais tem sido con-sideradas, em nosso país, como horta-liças leguminosas. Elas geralmentesão produzidas no período de inverno,sob irrigação; neste sentido, estasespécies entrariam como alternativasno período de temperaturas maisamenas do ano. São culturas total-mente mecanizadas, relativamente defácil manejo e que permite ganhosmaiores, uma vez que os produtoscolhidos alcançam melhores preços nacornercialização. As leguminosas nor-malmente são cultivadas em regiõestemperadas e, em países tropicais, elassão geralmente cultivadas em locais demaiores altitudes, necessitando detemperaturas amenas durante o ciclopara seu bom desenvolvimento. Naregião dos cerrados, notadamente noPlanalto Central, em áreas com altitu-des acima de 800 rn, e em plantios rea-lizados no período de abril a maio, o

cultivo dessas espécies têm apresen-tado excelentes resultados. Nestaregião, o clima tem sido bastantefavorável ao cultivo destas espéciesleguminosas; no período de inverno,o cultivo coincide com o período debaixa umidade relativa do ar e, conse-quentemente, a incidência de doençasé bastante reduzida. Soma-se aindaque a colheita dos grãos e sementesno período seco (ausência de chuvas)permite, respectivamente, a obtençãode produtos de elevada qualidadepara cornercialização in natura oupara a indústria, bem como sementesde alta qualidade fisiológica e sanitá-ria. Na década de 1980, a região deDF e entorno chegou a produzirmilhares de hectares com a cultura daervilha; atualmente, pouco se produznesta região. A produção de legumi-nosas nesta região tende a expandirnos próximos anos, pois a agriculturadesta região é considerada uma dasmais tecnificadas do país, comregistro de altos índices de produtivi-dade devido ao alto padrão tecnoló-gico utilizado pelos produtores locais.O sistema de irrigação por pivôcentral instalado na região e a topo-grafia plana que permite a total meca-nização das culturas tambémcontribuem para a grande potenciali-dade da região.

Nosso Alho 52

Estas três leguminosas são muito apre-ciadas no Brasil e são consumidas innatura ou na forma de produtos pro-cessados. O consumo em nosso paístem demandado frequentes importa-ções destas leguminosas, e o mercadointerno tende a se expandir devido aconstante associação destes legumescom uma série de atributos de elevadaqualidade alimentar, que incluem apresença balanceada de proteínas,fibras, vitaminas e elementos nutra-cêuticos (especialmente flavonóides,fitoestrogênio e acidos oléico e lino-léico).

Ervilha

Acredita-se que seja ongmana doOriente Médio, do nordeste da Índiaaté o Afeganistão; a Etiópia é tidatambém como o segundo centro deorigem. A cultura é bem significativapara a história, pois existem relatos deervilha na Bíblia, além de ter sido degrande importância para pesquisas deGregor Johann Mendel, o criador dagenética moderna. Hoje as ervilhascontinuam tendo sua importância,principalmente na alimentaçãohumana, por ser um excelentealimento, pois destacam em sua com-posição, elevados teores de proteínas,vitaminas do complexo B, como,tiamina, riboflavina e niacina,minerais, como o ferro, cálcio,potássio e fósforo, além dos carotenoi

des luteína, ~-caroteno e violaxantina.O teor do aminoácido lisina faz comque seja umbom complemento dos cereais, emtermos nutricionais.

É utilizada na forma de grãos, verdesou secos, sendo que os grãos secosdevem ser reidratados e enlatados; jáas cultivares de ervilha-verde sãopróprias para a colheita de grãos aindaverdes, imaturos, visando assim oimediato congelamento e/ou enlata-mento. Nestes dois segmentos, aprodução deve ser previamenteacordada com a agroindústria visandoa garantia na cornercialização. Aervilha também pode ser encontradana forma de vagens comestíveis comsementes em desenvolvimento, deno-minadas de "ervilha torta". Na alimen-tação animal, pode ser utilizada emconcentrados para aquicultura, suino-cultura e avicultura. E como é uma efi-ciente fixadora de nitrogênio, podeainda ser utilizada como cobertura dosolo.

Até os anos oitenta, a ervilha era quaseque totalmente importada acarretandouma evasão anual de divisas na ordemde sete milhões de dólares. Atual-mente, toda a demanda pode seratendida pela produção nacional,graças as pesquisas realizadas pelaEmbrapa Hortaliças, juntamente comas empresas de pesquisa e extensão

rural dos Estados de Minas Gerais eMato Grosso do Sul e as indústrias deprocessamento, através do desenvol-vimento de cultivares e técnicas decultivo.

Lentilha

A lentilha é outra leguminosa de altovalor alimentício, sendo de mais fácilcocção e de maior digestibilidade queo feijão. A nível de consumidor, alentilha vem sendo comercializadaentre R$ 10,00 a 15,00/kg (mercadode Brasília). É uma opção à agricul-tura irrigada de inverno, principal-mente na região dos cerrados, ondeesta cultura alcançou produtividadesvariando de 1.200 a 1.500 kg/ha. OBrasil tem importado quase a totali-dade da lentilha destinada aoconsumo, principalmente do Canadá,Argentina e Estados Unidos, atin-gindo o valor médio de US$ 440,00(FOB) por tonelada. Em 2014, foramgastos com a importação um valor de9 milhões de dólares. Esta importaçãoocorre devido, principalmente, à faltade interesse dos grandes importado-res/empacotadores em estimular aprodução nacional, bem como a ine-xistência de tradição de cultivo porparte de nossos agricultores. Aliado aestes fatores, não se dispunha de tec-nologia adequada para a produção,bem como decultivares adaptadas àsnossas condições edafo-clirnáticas.

Hoje, graças aos trabalhos de pesquisarealizados por diferentes instituições,esta tecnologia está disponível assimcomo já existem cultivares promisso-res para algumas regiões. Com base naadaptação às nossas condições, ciclomais curto e com características degrãos do tipo macrosperma (sementesgrandes e com cotilédones creme--amarelados), duas cultivares foramselecionadas pela Embrapa Hortaliças,'Precoz' e 'Silvina'. A cultivar Precoz,de origem argentina, é bastante produ-tiva; contudo, ela apresenta grãosmenores que o exigido pelo mercado,inviabilizando em parte sua comercia-lização em mercados mais exigentes.No Brasil, o tipo macrosperma, comgrãos maiores é o preferido. Entre-tanto, esta cultivar poderá ser utilizadacomo matéria prima de produtos fari-náceos e de sopas instantâneas. Acultivar Silvina, também de origemargentina, apresenta uma produçãobastante satisfatória, além de possuirótimas características de grãos, comotamanho e coloração. Esta cultivarapresenta um ciclo de 120 dias. Assimcomo ervilha, a lentilha pode ser total-mente mecanizada, desde a semeaduraaté a colheita.

Grão-de-bico

Dentre as leguminosas cultivadas, ogrão-de-bico é a segunda mais consu-mida no mundo, atrás somente da soja,

com estimativa de 20 milhões de tone-ladas por ano. Pode ser cultivada sobgrande variedade de climas. O Brasiltem importado praticamente a totali-dade de grão-de-bico (principalmentena forma de grãos secos) destinado aoconsumo, principalmente do México eArgentina. A maior parte da produçãomundial é feita com as cultivares dogrupo "desi" (sementes menores, dediferentes colorações). Entretanto, emnosso país, a preferência é para o grão--de-bico tipo "kabuli" (sementesmaiores, de coloração creme ou bege).O consumo in natura ou na forma pro-cessada tem aumentado no Brasil nosúltimos anos. Segundo relatório doSECEXIDECEX (Secretaria deComercio Exterior/Departamento deOperações de Comercio Exterior) noano de 2013 o Brasil importou 7.571toneladas de grão de bico a um custoFOB de US$ 8.970.965. Assim, comoa lentilha, este produto alcança, a nívelde consumidor, de altos preços.

A produção nacional é quase nula.Como no caso da lentilha, isto ocorredevido à falta de tradição de cultivodos produtores brasileiros e ao desin-teresse dos grandes importadores emestimular a produção interna. Aliado aestes fatores, também não se dispunha,no passado, de tecnologia adequadapara a produção e nem cultivares adap-tadas às diversas condições

edafo-climáticas brasileiras. Atual-mente, graças aos trabalhos depesquisa realizados por diferentesinstituições, existem tecnologias dis-poníveis e informações técnicas parao manejo dessa cultura no Brasil.Com relação às cultivares, apenas trêsestão registradas no RegistroNacional de Cultivares - RNC/Mapa,a 'IAC Marrocos', do Instituto Agro-nômico de Campinas - fAC e as culti-vares 'Cicero' e 'BRS Aleppo', daEmbrapa Hortaliças, esta últimadesenvolvida recentemente emparceria com a Universidade deBrasília (UnB). Outra cultivar deno-minada Leopoldina, foi desenvolvidana década de 90, pela Epamig; não háentretanto, sementes disponíveis nomercado destas duas cultivares,'Marrocos' e 'Leopoldina'.

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