lenin, educaÇÃo e revoluÇÃo na construÇÃo da repÚblica dos sovietes

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  • 8/7/2019 LENIN, EDUCAO E REVOLUO NA CONSTRUO DA REPBLICA DOS SOVIETES

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    1UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

    FACULDADE DE EDUCAO

    EDISON RIUITIRO OYAMA

    LENIN, EDUCAO E REVOLUO NA CONSTRUO DA

    REPBLICA DOS SOVIETES

    NITERI

    2010

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    2

    EDISON RIUITIRO OYAMA

    LENIN, EDUCAO E REVOLUO NA CONSTRUO DA

    REPBLICA DOS SOVIETES

    Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade FederalFluminense, como requisito parcial para obteno

    do grau de Doutor em Educao.

    Orientador: Prof. Dr. JOS DOS SANTOS RODRIGUES

    Niteri

    2010

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    3SUMRIO

    Pgina

    DEDICATRIA .............................................................................................. 1

    AGRADECIMENTOS .................................................................................... 2

    RESUMO ....................................................................................................... 3

    INTRODUO: PROBLEMATIZAO E ASPECTOS METODOLGICOS 5

    Problematizao: consideraes preliminares .......................................... 5

    Reviso da bibliografia ........................................................................ 11Questo de pesquisa e hiptese de trabalho ...................................... 20

    Objetivos e justificativas ...................................................................... 21

    Aspectos metodolgicos ............................................................................ 22

    Caracterizao da pesquisa, fontes e limitaes ................................ 22

    Critrios de organizao e anlise das fontes de informao ............. 23

    1 OUTUBRO DE 1917: ELEMENTOS HISTRICOS, POLTICOS E

    SOCIOLGICOS ........................................................................................ 261.1 Elementos histricos ............................................................................ 26

    1.1.1 Apontamentos sobre a histria da revoluo russa ..................... 26

    1.1.2 A consolidao da revoluo ....................................................... 33

    1.1.3 O comunismo de guerra .............................................................. 40

    1.1.4 A Nova Poltica Econmica e a adoo do

    modelo de Partido nico ............................................................. 44

    1.2 Elementos polticos .............................................................................. 47

    1.2.1 O papel e a importncia de Lenin para a

    Revoluo Bolchevique de Outubro de 1917 .............................. 47

    1.2.2 O pensamento poltico de Lenin .................................................. 52

    1.2.3 Socialismo, comunismo, ditadura do proletariado,

    revoluo em Lenin ..................................................................... 55

    1.2.4 A classe trabalhadora .................................................................. 59

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    41.3 Elementos sociolgicos ....................................................................... 61

    1.3.1 A Rssia imperial ........................................................................ 61

    1.3.2 Questes referentes burguesia ............................................... 64

    1.3.3 Sobre a educao czarista/burguesa ......................................... 67

    2 LENIN E A EDUCAO ANTES DE OUTUBRO DE 1917 ........................ 70

    2.1 Lenin e a educao: aspectos biogrficos ........................................... 70

    2.2 Elementos subjacentes investigao do tema Lenin e a educao:

    poltica, luta de classes, revoluo ...................................................... 73

    2.3 Lenin e a educao antes de Outubro de 1917 ................................... 77

    2.3.1 As disputas com os populistas .................................................... 78

    2.3.2 A educao poltica do proletariado e as

    crticas educao czarista ........................................................ 80

    2.3.3 Educao revolucionria antes da revoluo?............................ 90

    3 LENIN E A EDUCAO APS OUTUBRO DE 1917 ................................ 93

    3.1 A luta contra o analfabetismo .............................................................. 94

    3.2 O programa do Partido de 1919 para a educao ............................... 99

    3.3 Confirmao da hiptese de trabalho ...............................................101

    3.4 A dimenso poltica da educao leninista ..........................................102

    3.4.1 Acabar com o poder da burguesia...............................................1023.4.2 Implantar as bases para construo da sociedade

    socialista / comunista ..................................................................106

    3.5 A dimenso econmica da educao leninista ....................................108

    3.5.1 A politecnia: tarefas imediatas e mediatas ..................................108

    4 LENIN E A EDUCAO NA CONSTRUO DA REPBLICA DOS

    SOVIETES E DA SOCIEDADE SOCIALISTA ...........................................115

    4.1 Outubro de 1917: breve balano .........................................................115

    4.2 O problema da construo da sociedade socialista ............................1194.3 Lenin e a educao: concluses pontuais ........................................127

    4.3.1 Interlocuo com a reviso da bibliografia ...............................127

    4.3.2 Para alm da hiptese de trabalho..............................................128

    4.3.3 Educao e poltica em Lenin .....................................................130

    4.3.4 A politecnia..................................................................................132

    4.3.5 Contrarrevoluo burocrtica, carncia,

    escassez e educao..................................................................133

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    5

    CONSIDERAES FINAIS ..........................................................................138

    REFERNCIAS .............................................................................................143

    ANEXO I ........................................................................................................153

    ANEXO II .......................................................................................................156

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    6

    Aos da classe trabalhadora que lutaram pelaconstruo da Repblica dos Sovietes.

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    7

    AGRADECIMENTOS

    Ao Jos dos Santos Rodrigues, pela competncia,rigor, seriedade e amizade.

    Aos Membros das Bancas de Qualificao e Defesa:

    Dermeval Saviani, Eunice Trein, Ktia Lima, Roberto Leher,

    Ronaldo Rosas Reis e Virgnia Fontes.

    A todos do Campo Trabalho e Educao e do

    Programa de Ps Graduao da FEUFF.

    s Funcionrias da Secretaria de Ps-Graduao daFEUFF.

    Aos Colegas do Centro de Educao da UFRR.

    A todos os Profissionais e Amigos da Creche UFF e do

    Colgio Universitrio Geraldo Reis.

    Ao grupo de difuso da cultura afro-brasileira Gingas, o

    qual desenvolve um belo trabalho educativo junto

    comunidade do Bairro So Domingos, em Niteri.A todos do Interveno Comunista.

    Aos meus familiares.

    Maria Helena, Liamar e Andr Luiz.

    Com muito carinho e gratido, a todos que, direta ou

    indiretamente, contriburam para a realizao deste trabalho.

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    8RESUMO

    OYAMA, Edison Riuitiro. Lenin, educao e revoluo na construo da

    Repblica dos Sovietes. Orientador: Jos dos Santos Rodrigues. Niteri-RJ/UFF,

    26/01/2010. Tese (Doutorado em Educao), 165 pginas. Campo de Confluncia:

    Trabalho e educao; Linha de Pesquisa: O mundo do trabalho e a formao

    humana.

    Nosso propsito com a presente tese foi investigar o tema educao escolar

    e revoluo social num contexto histrico determinado, qual seja, o perodo

    imediatamente posterior ecloso da Revoluo Russa de Outubro de 1917,

    examinando quais eram os objetivos e as aes de Vladimir Ilich Ulianov (Lenin) no

    campo da educao. Para tanto, empreendemos uma pesquisa de naturezabibliogrfica, sendo que as fontes empricas compulsadas foram os textos e obras

    de Lenin referentes educao. Alm destas, tambm recorremos a informaes

    pertinentes histria da revoluo russa, ao perodo do comunismo de guerra e da

    Nova Poltica Econmica, bem como a biografias e estudos de especialistas em

    Lenin. Por sua vez, o contedo do trabalho trata: dos aspectos natureza histrica,

    poltica e sociolgica relacionados ao Outubro de 1917 e da anlise propriamente

    dita do tema Lenin e a educao antes e depois de 1917. Mas, se em seudelineamento inicial, o estudo se restringia aos anos de 1917-1924, com o

    desenvolvimento da pesquisa percebemos que excluir uma anlise referente ao

    perodo anterior a 1917 comprometeria o entendimento mais abrangente do que

    significou a educao para Lenin. Desse modo, no perodo anterior insurreio de

    1917, investigamos a questo da educao poltica das massas e as disputas com

    os populistas russos. Aps o Outubro de 1917, pesquisamos sobre os esforos da

    Repblica dos Sovietes na erradicao do analfabetismo; o Programa do PartidoComunista Russo de 1919 para a educao e a politecnia. Ao final, deduzimos que:

    a educao assumiu grande importncia e papel de destaque no que se refere

    educao poltica das massas e na preparao da revoluo bolchevique; no

    processo de consolidao da revoluo; de (re) construo econmica e

    implantao das bases para construo da futura sociedade comunista. Conclumos

    tambm que: a educao e a educao escolar participam necessariamente da luta

    de classes em vrios nveis e dimenses da realidade; a derrubada do poder poltico

    na Rssia foi uma premissa para as transformaes revolucionrias ocorridas

    posteriormente no campo da educao sovitica; educao e poltica so

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    9indissociveis. Finalmente, declaramos que todos que se proponham a pensar em

    assuntos como a revoluo social ou o problema da construo do socialismo, no

    podem deixar de investigar, refletir, prever e planejar o papel e a importncia que a

    educao e a educao escolar tm a desempenhar nesses processos histricos.

    Palavras-chave: Lenin e a educao; revoluo russa e educao; educao

    e revoluo

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    10INTRODUO: PROBLEMATIZAO E ASPECTOS METODOLGICOS

    Problematizao: consideraes preliminares

    Um tema importante e que discutido de forma recorrente no campo

    educacional se refere s relaes que se estabelecem entre a

    mudana/transformao social e a escola. Em outras palavras, muito comum haver

    dvidas, reflexes, afirmaes categricas, relativas questo de que a educao

    escolar ou poderia ser um instrumento tanto de mudana quanto de transformao

    social. Mas, independentemente das concepes sobre o que se entende por mudar

    ou transformar, para ns o essencial saber at onde se pretende chegar com

    ambas. Ou seja, a mudana e a transformao se restringem aos limites da ordem

    burguesa ou se referem superao do modo de produo capitalista?Assim, nosso objetivo foi tratar do tema revoluo social e educao escolar

    e o que nos moveu, fundamentalmente, foi a reflexo a respeito da ecloso da

    revoluo socialista como um fato concreto e quais relaes o processo

    revolucionrio estabelece com a educao escolarizada.

    Sobre a revoluo social, recorremos ao Manifesto do Partido Comunista1

    (MARX; ENGELS, 2007b), enfatizando dois elementos essenciais da parte II desta

    obra (item Proletrios e comunistas): a abolio tanto do poder econmico daburguesia (mediante a extino da propriedade privada dos meios de produo e

    consequentemente da apropriao privada da riqueza produzida social e

    coletivamente)2, quanto do seu poder poltico, por intermdio da derrubada do

    Estado burgus.

    No tocante educao escolar, o princpio geral que a fundamenta a

    concepo segundo a qual a produo material da existncia do ser humano

    condiciona todas as outras esferas da realidade. Com base nessa premissa,entendemos que a humanidade instaura modos distintos de sociabilidade que

    tendem a ser fixados [...] em instituies determinadas (famlia, condies de

    trabalho, relaes polticas, instituies religiosas, tipos de educao, formas de

    arte, [...]) (CHAU, 2001, p.23).

    1 Segundo Coggiola (2007, p.9), a primeira edio do Manifestoocorreu em fins de fevereiro / incio

    de maro de 1848, em Londres. Para este trabalho, ns consultamos a edio de maro de 1998 daBoitempo Editorial, atualmente em sua 5 reimpresso.2 Marx e Engels (2007a, p.52) escreveram no Manifesto: [...] os comunistas podem resumir sua teorianuma nica expresso: supresso da propriedade privada.

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    11Todavia, enquanto a educao se refere a um processo social de maior

    amplitude, cujo objetivo o de [...] produzir, direta e intencionalmente, em cada

    indivduo singular, a humanidade que produzida histrica e coletivamente pelo

    conjunto dos homens [...] (Saviani, 2003b, p.13), a escola consubstancia o modo

    pelo qual uma instituio em particular assumiu a forma principal e dominante do

    processo educativo (Idem, ibidem, p. 7-8).

    E medida que se sucedem formas de organizao social, a cada uma

    delas correspondem tipos de educao, educao escolar e teoria educativa. No

    caso do modo de produo capitalista, existiram modelos de educao

    consentneos s formas pr-capitalistas, ao artesanato, s manufaturas, aos

    monoplios etc. (BOWLES; GINTIS, 1985). Isto , existe uma correspondnciaestrutural entre o sistema produtivo e o sistema educacional, o que no quer dizer

    necessariamente que a relao entre ambos seja mecnica, unidirecional e linear,

    mas mediada.

    A nosso ver a educao escolar apresenta a tendncia a reproduzir as

    relaes dominantes, sob o ponto de vista econmico e poltico, de acordo com o

    raciocnio segundo o qual

    As ideias da classe dominante so, em cada poca, as ideiasdominantes, isto , a classe que a fora materialdominante da sociedade, ao mesmo tempo, sua fora espiritualdominante. A classe que tem suadisposio os meios da produo material dispe tambm dos meios daproduo espiritual, de modo que a ela esto submetidos aproximadamenteao mesmo tempo os pensamentos daqueles aos quais faltam os meios daproduo espiritual. (MARX; ENGELS, 2007a3, p.47, grifos dos autores).

    Desse modo, uma das formas pelas quais se mantm o poder poltico e

    econmico por meio da educao, dado seu carter de mtua influncia e relao

    com os processos econmicos e polticos e sua vinculao com a luta de classes.

    Em acrscimo s anlises de Marx, Engels e Lenin, outros tambm j haviam

    constatado: a educao na sociedade burguesa uma educao burguesa. Em

    outras palavras, Enquanto existir uma sociedade de classes, a escola

    inevitavelmente ser uma escola de classes [...]. (SNYDERS, s.d., p.32).

    Por conseguinte, preciso reconhecer que o modo de produo capitalista

    impe determinaes de natureza econmica e poltica escola. Nesse sentido,

    3 Considerada uma obra inacabada, A ideologia alem foi escrita durante os anos de 1845-1846 esubmetida para publicao. Contudo, diante da recusa para publicao do manuscrito, o texto foideixado de lado, sendo publicadas partes do texto original apenas na dcada de 20-30 do sculo XX,por David Riazanov (ENDERLE, 2007).

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    12foroso admitir que, mesmo consideradas outras mediaes, a escola se torna um

    instrumento de classe, na medida em que os [...] processos educacionais e os

    processos sociais mais abrangentes de reproduo esto intimamente ligados.

    (MSZROS, 2005, p.25).

    Contudo, a submisso da educao escolar aos imperativos do capital seria

    absoluta, ou ela poderia encerrar elementos revolucionrios? Para Ponce (2001,

    p.162-163), a educao e a revoluo andam juntas, na medida em que a primeira

    [...] tem sempre estado a servio das classes dominantes, at o momento em que

    outra classe revolucionria consegue desaloj-las do poder e impor sociedade a

    sua prpria educao. Em outros termos, significa que medida que se alteram os

    domnios de classe, modifica-se tambm o sistema educacional, pois quando umanova classe dominante ascende ao poder, ascende um novo tipo de educao.

    Ademais, Nenhuma reforma pedaggica fundamental pode impor-se antes do

    triunfo da classe revolucionria que a reclama [...] (Idem, Ibidem, p.169, grifos do

    autor).

    Mas a dificuldade em lidar com a relao entre a instruo4 e a

    transformao (ou revoluo) social persiste, conforme depreendemos do que

    escreveu Manacorda (2006, p.304):O problema estava no ar: qual das duas coisas mais importante? Qual oprimeiro a ser resolvido? Exatamente em 1869, [...] Marx, falando noConselho Geral da I Internacional, onde este problema j surgira,reconhecia a particular dificuldade em abord-lo:

    Exige-se, de um lado, uma mudana das condies sociais paracriar um sistema de instruo adequado e, do outro lado, um adequadosistema de instruo para poder mudar as condies sociais.

    De maneira diversa, a revoluo social e a educao seriam elementos

    conjugados e imbricados, em que ambos fazem parte de um nico e mesmo

    processo? Foi o que sugeriu Marx, em sua III Tese sobre Feuerbach5:

    A doutrina materialista que pretende que os homens sejamprodutos das circunstncias e da educao, e que, consequentemente,homens transformados sejam produtos de outras circunstncias e de umaeducao modificada, esquece que so precisamente os homens quetransformam as circunstncias e que o prprio educador precisa sereducado. por isso que ela tende inevitavelmente a dividir a sociedade emduas partes, uma das quais est acima da sociedade. A coincidncia damudana das circunstncias e da atividade humana ou automudana s

    4 Supomos que o termo instruopode ser tomado como sinnimo de educao escolar.5 Nesta edio de A Ideologia Alem,As Teses sobre Feuerbachforam publicadas como Anexo.

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    13pode ser considerada e compreendida racionalmente como prxisrevolucionria. (MARX; ENGELS, 1989, p.94, grifo dos autores).6

    Outro ponto polmico sobre o assunto relaciona-se com a existncia de

    concepes distintas a respeito da participao e da importncia da instituioescolar quando da ocorrncia de um processo revolucionrio. Dito de outra forma,

    existem aqueles que atestam que a escola, por si s, no capaz de assumir um

    papel revolucionrio, sendo que tudo o que se faa no seu interior nesse sentido

    seria reformismo. Desse modo, o papel da educao escolar seria basicamente

    instrumental, cabendo a um partido revolucionrio a tarefa de fazer a revoluo, para

    quem a escola apenas forneceria militantes (CARVALHO, F. M. de 2005b;

    CERVETTO, s.d.; INTERVENO COMUNISTA, s.d.).Por outro lado, h aqueles que julgam que a escola desempenha um papel

    de destaque na construo do socialismo e da revoluo. Por exemplo, muitas

    experincias autoproclamadas revolucionrias no campo da educao, algumas

    delas associadas a movimentos sociais, ONGs, populaes e comunidades que se

    diferenciam em termos tnicos, sociais, polticos etc.7

    Contudo, mesmo concordando que tais movimentos desenvolvam uma

    atividade pedaggica coerente com a constituio de uma sociedade socialista,

    patente que no seu conjunto, tais propostas no lograram obter fora poltica

    suficiente para transformar radicalmente o modo de produo capitalista e tampouco

    conseguiram se generalizar ou multiplicar suas experincias. Em outros termos, o

    capitalismo se mantm, a despeito muitas vezes da seriedade, do denodo e da

    dedicao das pessoas envolvidas com tais movimentos, os quais, em ltima

    instncia, no fizeram a revoluo e portanto, no concretizaram seu objetivo de

    constituio do socialismo.

    Mesmo considerando a complexidade e a abrangncia relativas ao tema

    educao escolar e revoluo e as mltiplas possibilidades de abord-lo, optamos

    inicialmente8 por empreender uma anlise tanto da denominada concepo

    histrico-crtica da educao (SAVIANI 2003a; 2003b), quanto das chamadas teorias

    6 Na transcrio do texto ns suprimos as notas da Editora.7 A ttulo de exemplo, em nvel de Brasil, referimo-nos ao Movimento dos Trabalhadores Rurais SemTerra. No exterior, aos movimentos sociais localizados nas regies de Chiapas e Oaxaca, no Mxico.8 Referimo-nos ao projeto de tese apresentado em nosso Exame de Qualificao, em agosto de 2008.

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    14crtico-reprodutivistas9 (ALTHUSSER, 1980; 1999; BAUDELOT; ESTABLET, 1980;

    BOURDIEU; PASSERON, 1982; BOWLES; GINTIS, 1985).

    Desse modo, com relao concepo histrico-crtica da educao,

    averiguamos a proposta de Saviani (2003a, p.65-66; p.76), no que se refere

    implantao de uma suposta pedagogia revolucionria. Quanto s teorias da

    reproduo, investigamos uma das possveis limitaes dessas teorias, qual seja, a

    excluso de uma anlise sobre a produo, de maneira que as teorias crtico-

    reprodutivistas tendem a superestimar o papel da escola na reproduo das

    relaes sociais, dirigindo toda a carga do problema para a instituio escolar e para

    a ideologia, desconsiderando o nvel da produo (CUNHA, 1979, p.99-100;

    LEFEVBRE, 1977, p.230-236; PETIT, 1982, p.48-50; SNYDERS, s.d., p.86).Dessa forma, considerando-se o poltico e o econmico como esferas

    preponderantes do modo de produo capitalista, dois elementos se sobressaram

    de forma conjunta em relao educao escolar a necessidade de um estudo

    sobre economia poltica e as perspectivas para a ao poltica -, pois de acordo com

    Ianni (1988, p.7):

    Ao analisar o capitalismo, Marx apanha os fenmenos como fenmenossociais totais, nos quais [se] sobressaem o econmico e o poltico, comoduas manifestaes combinadas e mais importantes das relaes entrepessoas, grupos e classes sociais. Por isso que a sua anlise apanhasempre as estruturas de apropriao econmica e dominao poltica [...].

    Assim, com base nas limitaes identificadas tanto na concepo histrico-

    crtica da educao quanto nas teorias da reproduo, na ocasio, o problema a ser

    investigado foi formulado nos seguintes termos: quais so as perspectivas

    revolucionrias ligadas educao escolar, considerando-se um estudo conjugado

    sobre economia poltica da educao e uma teoria da revoluo?

    Porm, esta abordagem inicial do tema apresentou uma srie de

    dificuldades de natureza epistemolgica. Isto , quais so os limites e as

    possibilidades impostos teoria, em relao apreenso, compreenso, explicao

    e transformao do real? Portanto, o delineamento inicial da investigao

    apresentava grande limitao quanto s suas possibilidades explicativas para a

    questo de pesquisa proposta.

    9 Assim como Manacorda (2006, p.313), tambm achamos que as etiquetas repugnam, mas pela

    necessidade de tornar a comunicao mais gil, por vezes se torna difcil no empreg-las. Dessemodo, a expresso crtico-reprodutivista foi tomada de Saviani (2003a; 2003b), o qual se referegenericamente aos estudos vinculados teoria dos aparelhos ideolgicos de Estado, teoria daescola dualista e teoria do sistema de ensino como violncia simblica (SAVIANI, 2003a, p.15).

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    15Outro percalo identificado foi que, pela prpria natureza do processo

    revolucionrio, o problema a ser investigado no poderia limitar-se exclusivamente

    instituio escola, na medida em que a revoluo ultrapassa e extrapola o nvel das

    relaes escolares. Dessa forma, seria preciso identificar as articulaes, as

    mediaes e as mltiplas determinaes existentes entre a dinmica da histria, a

    luta de classes, a emergncia e atuao de agentes e organizaes polticas

    (partidos, lderes, dirigentes) e a escola. Por conseguinte, conclumos que o

    problema fora colocado de modo ainda genrico, evidenciando a impossibilidade de

    lidar com ele.

    Logo, uma possvel soluo seria abordar o assunto articulando-o a um

    processo histrico determinado. Desse modo, num desdobramento das questescolocadas acima e em funo das limitaes relativas questo de pesquisa

    formulada inicialmente, optamos por investigar o tema educao e revoluo social

    num contexto histrico determinado o perodo posterior ecloso da Revoluo de

    Outubro de 1917, na recm criada Repblica Sovitica10. Especificamente, investigar

    quais eram os objetivos de Vladimir Ilich Ulianov - Lenin - para a educao no

    perodo de outubro de 191711 a janeiro de 192412.

    Para tanto, nosso trabalho foi organizado da seguinte forma: na Introduoexpusemos o percurso trilhado at a elaborao final de nossa questo de pesquisa;

    empreendemos a reviso da bibliografia pertinente ao tema Lenin e a educao;

    apresentamos nossa questo de pesquisa, os objetivos e as justificativas. Ainda na

    Introduo mencionamos os aspectos metodolgicos relativos execuo da

    pesquisa. No captulo 1, tratamos dos elementos histricos, polticos e sociolgicos,

    com o intuito de expor os aspectos necessrios contextualizao e melhor

    compreenso do assunto Lenin e a educao. Nos captulos 2 e 3desenvolvemos ainvestigao do objeto de nossa tese, no que se refere anlise do tema Lenin e a

    10 De acordo com Carr (1981, p.43 et seq), a promulgao da Constituio da Repblica SoviticaFederal Socialista Russa (RSFSR) ocorreu em julho de 1918. Ao longo dos anos, foram incorporados RSFSR Azerbaijo e Ucrnia (1920), Bielo-Rssia, Armnia e Gergia (1921). Em dezembro de1922, os congressos das quatro repblicas da RSFSR, da Ucrnia, Bielo-Rssia e Transcaucsiareuniram-se separadamente e aprovaram a criao da Unio das Repblicas Socialistas Soviticas(URSS).11 Na poca, vigorava na Rssia o calendrio juliano, com uma defasagem de treze dias em relaoao calendrio gregoriano, vigente nos pases de capitalismo avanado, em suas reas de influncia erespectivas colnias. Portanto, a insurreio bolchevique ocorreu em 25 de outubro de 1917, pelo

    calendrio juliano e a 07 de novembro, pelo calendrio gregoriano. A Repblica Sovitica ajustou-seao calendrio gregoriano a partir de 1 de fevereiro de 1918 (REIS FILHO, 2003, p.58).12 Lenin faleceu em janeiro de 1924 e o seu ltimo texto de que se tem notcia foi Melhor menos, masmelhor, publicado em maro de 1923.

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    16educao: antes de Outubro de 1917 e aps Outubro de 1917, respectivamente. No

    captulo 4 apresentamos a discusso dos assuntos, seguida das Consideraes

    finais, na forma de uma reflexo sobre as implicaes e consequncias do que foi

    tratado nos captulos anteriores, com destaque para o papel e a importncia que a

    educao assumiu para Lenin.

    Reviso da bibliografia

    Na reviso da bibliografia pertinente ao tema Lenin e a educao,

    inicialmente, nossa investigao teve como base dois documentos: a dissertao

    intitulada Origem e desenvolvimento da educao na Rssia leninista (1917-1924):

    reconstituio de seus traos centrais, de autoria de Elisa Mainardi (MAINARDI,2001) e a tese intitulada Lenin e a educao poltica: domesticao impossvel,

    resgate necessrio, cujo autor Francisco Mauri de Carvalho (CARVALHO, F. M. de

    2005a). Por conseguinte, constatamos que a produo bibliogrfica em nvel

    nacional, na forma de teses e dissertaes deveras escassa, pois at o segundo

    semestre de 2008 foram localizados apenas esses dois trabalhos13.

    O curioso que, quando se compara a produo bibliogrfica que trata do

    tema educao/pedagogia associada a nomes como Marx, Gramsci e atMakarenko e Pistrak, em termos quantitativos, esta bastante superior produo

    bibliogrfica referente ao tema Lenin e a educao.

    A ttulo de exemplo analisemos a situao em relao a Marx.

    Em seu competente trabalho de investigao sobre a existncia de um

    pensamento pedaggico em Marx e Engels, no contexto em que tal pensamento foi

    gestado e anunciado, Nogueira (1993), em algumas de suas consideraes finais

    concluiu que o tema da educao e do ensino no central na obra de Marx eEngels, cujo tratamento, quando comparado ao de O Capital, est longe de ser

    minucioso e sistemtico. Mas a autora ponderou que incontestvel que a

    educao e o ensino encontram-se presentes no conjunto da obra desses autores,

    se bem que apresentando certas descontinuidades, ambiguidades e limitaes, tais

    como a ausncia de anlise: a) em relao aplicabilidade das propostas

    13 Nessa pesquisa inicial baseamo-nos nas seguintes fontes de informao: Banco de teses edissertaes do portal Capes; Education Resources Information Center (ERIC); Banco de dadosbibliogrficos de Universidades Pblicas Estaduais e Federais do eixo Rio-So Paulo, Minas Gerais,Rio Grande do Sul e Santa Catarina; Banco de dados bibliogrficos da Biblioteca Nacional.

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    17pedaggicas apresentadas; e b) quanto ao desenvolvimento e aprofundamento em

    relao aos contedos do ensino (Idem, ibidem, p.206 et seq).

    Nosso objetivo com esta breve digresso no foi opor Marx e Engels de um

    lado e Lenin de outro, mas apenas refletir: se consideramos o envolvimento, a

    produo e principalmente a ao dos primeiros no campo da educao e do

    ensino14, em princpio, talvez se justificasse a existncia de uma produo

    bibliogrfica maior em favor de Lenin do que de Marx e Engels, mas o que

    aconteceu no Brasil foi exatamente o contrrio.

    Nesse sentido, perguntamos: qual seria o motivo de tal fato?

    Seria banal ressaltar o valor e a importncia de Marx e Engels em suas

    crticas ao sistema capitalista; no seu papel de destaque na organizao domovimento trabalhista e revolucionrio do sculo XIX; na sua influncia e inspirao

    em revolucionrios do mundo todo. Apenas por isso, a proeminncia de Marx e

    Engels j estaria justificada. Contudo, o vulto de Lenin no menor.

    Desse modo, a resposta questo acima talvez se relacione com uma

    possvel herana maldita creditada a Lenin, se levarmos em conta uma srie de

    elementos: seu papel fundamental na organizao do Partido Comunista da Rssia15

    (PCR) e do governo sovitico, que posteriormente serviram de sustentao para aditadura stalinista instaurada aps a morte de Lenin; o modelo organizacional e

    operacional do PCR, que serviu de exemplo para muitos partidos comunistas criados

    aps a ecloso da revoluo de outubro; a crena segundo a qual Lenin seria o

    responsvel pela conspirao de Outubro de 1917, a qual teria dado origem a uma

    ditadura cruel e violenta que se estenderia por dcadas etc.

    Bensaid (2000a) citou trs ideias bastante aceitas, empregadas na tentativa

    de se enterrar a revoluo de outubro e s quais Lenin pode estar associado: 1) oOutubro de 1917 no teria sido uma revoluo na acepo plena da palavra, mas

    um compl praticado por uma minoria, de cima para baixo, com uma concepo

    autoritria de organizao social em benefcio de uma nova elite; 2) essa seria uma

    deformao de gnese, que teria impregnado e determinado todo o desenvolvimento

    14 De acordo com Nogueira (1993, p.13), o livro Textos sobre educao e ensino (MARX; ENGELS,2004) foi organizado e comentado por Roger Dangeville e publicado originalmente em francs, pelaMaspro em 1976. O livro tambm foi publicado em portugus pela Editora Centauro. Trata-se de

    uma antologia dos textos de Marx e Engels sobre a educao e ensino. Porm, a antologia compe-se de textos em que na maioria das vezes a relao com o tema da educao e o do ensino apenasmarginal.15 Partido Comunista da Rssia (bolchevique), ou PCR (b): consultar a nota 53.

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    18ulterior da revoluo russa, de modo que a histria se reduziria s consequncias

    dessa conspirao original; 3) a revoluo russa foi um ato prematuro, uma tentativa

    de forar o curso da histria, quando as condies objetivas do capitalismo ainda

    no estavam dadas para sua superao.

    A propsito, Salem (2008, p.22), mencionou o pensamento segundo o qual

    Lenin encarnaria uma histria da qual s se poderia sentir vergonha. Bensaid

    (2000b, p.177), por sua vez, afirmou que aps a onda de antimarxismo ocorrida

    nos anos de 1980 at houve um retorno a Marx e a Trotski, mas [...] Lenin! Seu

    papel sem dvida o mais ingrato. O do vilo da histria, morto cedo demais [...]

    para ver as condenaes, os desterros e as arbitrariedades que viriam a acontecer.

    Zizek (2005, p.7) foi ainda mais enftico:

    A primeira reao pblica ideia de retomar Lenin , obviamente,uma risada sarcstica. Marx, tudo bem hoje em dia, at mesmo em WallStreet h gente que ainda o admira: o Marx poeta das mercadorias, que fezdescries perfeitas da dinmica capitalista; o Marx dos estudos culturais,que retratou a alienao e a reificao de nossas vidas cotidianas. MasLenin no, voc no pode estar falando srio! Lenin no aquele querepresenta justamente o fracassona colocao em prtica do marxismo? Oresponsvel pela grande catstrofe que deixou sua marca em toda a polticamundial do sculo XX? O responsvel pelo experimento do socialismo real,que culminou numa ditadura economicamente ineficiente? Ento, se h umconsenso dentro da esquerda radical da atualidade (o que resta dela), que, para ressuscitar o projeto poltico radical, devemos deixar para trs olegado leninista: o implacvel enfoque na luta de classes; o partido comoforma privilegiada de organizao; a tomada violenta e revolucionria dopoder; a consequente ditadura do proletariado [...]. (grifo do autor)

    Para alm das questes relacionadas pessoa de Lenin, supomos tambm

    existir resistncia e hostilidade em relao investigao dos estudos leninistas16 da

    educao, posto que: a Revoluo de Outubro no significou a origem da ditadura

    stalinista, da derrocada da URSS e do socialismo real? No foi ela (a Revoluo de

    Outubro) a inspiradora e financiadora de vrias revolues (socialistas, de libertaocolonial) e portanto, pelo malogro dessas revolues? Ademais, existiria tema mais

    dmode to pouco atrativo do ponto de vista dos financiamentos em pesquisa do

    que a revoluo social?

    Contudo, optamos por seguir uma orientao diferente dessa possvel

    herana maldita creditada a Lenin. Logo, partindo da dissertao e da tese

    supracitadas, fomos compondo uma bibliografia, com base nas informaes sobre o

    assunto Lenin e a educao. Desse modo, constatamos que o assunto tratado, em16 Os termos leninista e leniniano foram empregados como sinnimos ao longo de nossa tese esignificam to somente relativos a Lenin.

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    19linhas gerais, em livros e artigos relacionados a temas sobre histria da educao;

    educao e socialismo; educao sovitica; revoluo bolchevique e educao;

    politecnia; trabalho e educao.

    Para o conjunto das obras que tratam da histria da educao russa /

    educao sovitica (ARANHA, 1989; CAMBI, 1999; GADOTTI, 1995; HUBERT,

    1967; LARROYO, 1962; LUZURIAGA, 1967; MANACORDA, 2000; 2006; MORENO

    et al, 1978), o tema Lenin e a educao desenvolvido de forma breve na maioria

    delas, nas quais se discorre sobre temticas como trabalho produtivo; a associao

    entre trabalho, escola e vida; ao ensino politcnico e a nomes como Makarenko e

    Pistrak. Cambi (1999), por sua vez, exps de forma um pouco mais aprofundada

    elementos referentes aos modelos de educao socialista e liberal; aos tipos deeducao implantados em pases totalitrios17, incluindo-se a ex-URSS; s relaes

    entre a Guerra fria e a pedagogia.

    Ainda numa abordagem histrica, mas sob uma perspectiva socialista,

    destacaram-se Dietrich (1973), Dommanget (1970) e Rossi (1981). Dietrich (1973,

    p.214), entre outros assuntos, tratou de questes referentes aos objetivos de Lenin

    com relao educao, dando destaque para o Programa do PCR de 1919.

    Dommanget (1970, p.446 et seq) e Rossi (1981, p.168 et seq) abordaram de formasimilar o tema Lenin e a educao, segundo uma perspectiva cronolgica,

    descrevendo fatos e analisando algumas aes de Lenin no campo da educao.

    Identificamos tambm estudos a respeito da caracterizao geral da

    denominada pedagogia sovitica, correspondente ao perodo aproximado que vai

    de 1917 a 1930, com destaque para Makarenko (CAPRILES, 1989; CARVALHO, J.

    de O. et al, 2007; RODRIGUES, M. V., 2004).

    Compulsamos ainda trabalhos em que se sobressaa uma anlise a respeitodos temas trabalho e educao; politecnia; escola nica do trabalho; formao

    omnilateral. Mas nestes casos, presumimos que o objetivo dos autores no era

    desenvolver um estudo aprofundado sobre o tema Lenin e a educao (DORE,

    2006; LAUDARES; QUARESMA, 2007; MACHADO, 1989; 1991; NOSELLA, 2007a;

    2007b; RODRIGUES, J., 1998; SAVIANI, 2003c; 2007).

    17 Cambi (1999, p.577) definiu Estado totalitrio da seguinte forma: Um Estado totalitrio umEstado autoritrio, burocraticamente organizado, dirigido por um partido nico, capaz de controlar e

    unificar num projeto de ao comum toda a sociedade [...]; um Estado ideologicamente compacto,rigidamente estruturado, empenhado em conformar as massas aos objetivos dos partidos-Estados.O autor associou tal tipo de Estado totalitrio ao fascismo, ao nazismo e ao comunismo sovitico, apartir da poca stalinista.

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    20Com relao ao termo politecnia, Dore (2006), ao investigar a influncia e a

    forma como foi assimilado o pensamento de Gramsci na rea educacional brasileira,

    afirmou que o fato generalizado que no Brasil associa-se a politecnia a uma certa

    pedagogia marxista. Assim, com frequncia, os estudos sobre a educao

    politcnica so retomados a partir de Marx e Engels e os mesmos atravessam a

    histria, pases e autores, passando por Lenin, Gramsci, Manacorda, chegando at

    Nosella, Saviani e outros.

    No caso de Manacorda (2000, p.40 et seq), este associou Lenin educao

    socialista por meio da questo da politecnia, de modo que Lenin seria um caudatrio

    de Marx. O que, a nosso ver, restringe a discusso do tema Lenin e a educao

    politecnia. Ademais, constatamos a influncia determinante de Gramsci eManacorda em muitos autores brasileiros, a ponto de Nosella (2007a, p.139)

    confessar que suas principais fontes de estudos a respeito da politecnia serem Marx,

    Engels e Lenin, mas estudados por intermdiode Manacorda.

    Assim, tratando-se do assunto de nosso interesse nos estudos examinados,

    sobressaem-se pelo menos dois aspectos: a) muitas vezes o tema abordado de

    forma marginal, em que a nfase da investigao direcionada para tpicos como

    politecnia, escola nica do trabalho, associao entre vida, escola e trabalho; b) namaioria das vezes os estudos carecem tanto de um aprofundamento sobre o

    contexto histrico, quanto do estabelecimento de premissas interpretativas sobre o

    posicionamento poltico de Lenin como elemento auxiliar da investigao.

    Identificamos tambm opinies daqueles que, de um lado, criticam

    duramente a revoluo bolchevique e o socialismo real e de outro, aqueles que

    tecem loas grande revoluo de outubro e implantao do socialismo em um s

    pas. Alm dos que apresentaram uma posio aparentemente imparcial, comoRumintsev (1970).

    Dessa forma, tratando-se dos supostos crticos ao sistema, o livro intitulado

    Educao sovitica, organizado por Kline (1959) merece destaque, pois se trata de

    uma obra publicada fora da ex-URSS, contendo alguns artigos escritos por

    dissidentes russos. Nesse sentido, em seu prefcio, Counts (1959, p.VIII) foi

    assertivo ao afirmar que:

    Qualquer novio que pretenda penetrar no domnio dos negcios da URSSbem sabe que, ao ler um artigo ou livro, ou ao consultar um quadroestatstico trazendo a marca de Moscou, precisa sempre tomar cuidadopara distinguir o fato real da fico. Tratando-se de uma terra onde a

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    21narrativa verdica de fatos histricos bem documentados pode ser repudiadapelo seu objetivismo burgus, onde as estatsticas podem ser manejadaspelos mais altos rgos escolares como armas polticas, onde o tradicionalsignificado das palavras pode ser banido do dicionrio por ordem oficial, oinvestigador pertencente ao mundo livre deve lembrar-se constantemente

    de Alice no Pas das Maravilhasou de Mil novecentos e oitenta e quatro.(grifos do autor).

    Segue o mesmo raciocnio em outra passagem do texto:

    O verdadeiro Bolchevista ri sarcasticamente ao ouvir falar em liberdade deeducao em qualquer estado burgus. Aplicando sem discusso estedogma, ao assumir o poder em 1917, os Bolchevistas estabeleceram umaaberta e confessada ditadura em nome do proletariado e agiram nosentido de converter todo o sistema educacional em um instrumento total emilitantemente empenhado na conquista dos seus objetivos.(Idem, ibidem,p.IX)

    Ainda, de acordo com o autor, na ex-URSS do perodo stalinista, existia umcontrole ideolgico em todas as formas de manifestao cultural e educacional:

    escolas; meios de comunicao escrita e audiovisual; teatro; cinema; museus;

    msica; artes plsticas etc., sendo que o controle poltico e cultural abrangia todas

    as organizaes, particularmente aquelas ligadas infncia e juventude. Outra

    marca caracterstica do ensino na ex-URSS seria a existncia de uma orientao

    monoltica controlada pela Comisso Central (CC) do Partido Comunista da Unio

    Sovitica (PCUS), de modo que o Partido quem ditava as regras que deveriam sercumpridas.

    Sobre a perseguio poltica qual foram submetidos professores,

    pensadores e aqueles que se mostravam contrrios ao sistema, o autor mencionou

    que:

    A histria da educao sovitica est assinalada pelo sacrifcio davida de ilustres professores e de eminentes educadores que, por um motivoqualquer, foram julgados culpados ou suspeitos de esposarem doutrinasantirrevolucionrias ou por deixarem de seguir, com visvel entusiasmo, as

    reformas propagadas pelo Partido. Assim, um professor pode ter revogadoo seu diploma de doutor, porque a posio por ele tomada em suasprelees, em anos anteriores, foi declarada errnea pela ComissoCentral. Nestas condies, no de admirar que o autor de um compndiode Histria Moderna, ou mesmo de Psicologia Educacional, limite suascitaes de autoridades aos escritos de Marx, Engels e Lenin ou Stalin.(Idem, ibidem, p.XII)

    J autores como Gapotchka (1987), Kuzine (1977) e Monoszon (1998)

    notabilizam-se por sua posio francamente favorvel ao sucesso da revoluo

    bolchevique, ao socialismo sovitico e concepo do socialismo num s pas, ao

    proferir um discurso doutrinrio e apologtico, conforme segue:

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    22Com base na comunidade de interesses fundamentais dos

    trabalhadores fortaleceu-se o vnculo da classe operria com ocampesinato, firmou-se a fraternidade socialista inquebrantvel dos povosda URSS e formou-se a unidade poltica e moral do povo sovitico, coeso volta do seu chefe provado: o Partido Comunista. O socialismo trouxe aos

    cidados soviticos uma instruo de fato e enriqueceu muitssimo a vidaespiritual da sociedade. (KUZINE, 1977, p.9)

    Ainda, para o autor, [...] na Unio Sovitica, a sociedade se compe de

    classes amigas [...] (Idem, ibidem, p.13), onde [...] impera a amizade fraterna e a

    confiana entre os povos, as lnguas nacionais desenvolvem-se com base na

    igualdade de direitos e enriquecimento recproco. (Idem, ibidem, p.17).

    Ou seja, supomos que na maioria dos textos publicados pelos rgos do

    governo da ex-URSS, seus autores assumem uma posio dogmtica e

    propagandista em favor do socialismo num s pas e uma submisso ao Partido

    como guia maior da sociedade e detentor inconteste das verdades relativas ao

    socialismo e ao comunismo.

    A despeito dos ganhos e avanos reais obtidos no campo educacional na

    ex-URSS (CARR, 1981, p. 167 et seq; DEUTSCHER, 1968a, p.93 et seq.),

    identificamos que no posicionamento daqueles autores: 1) a evoluo e os ganhos

    no campo social e na educao socialista so tomados como absolutos, como se

    no tivesse ocorrido avanos e retrocessos; imensas dificuldades e resistncias na

    implantao da nova educao sovitica; dvidas e acirradas disputas internas

    sobre a questo da educao (MACHADO, 1991); 2) no h nenhuma aluso,

    reflexo ou crtica sobre as mudanas e problemas enfrentados pela repblica

    sovitica no mesmo perodo; 3) afirma-se categoricamente que Lenin teria

    implantado uma educao socialista no perodo imediatamente posterior a outubro

    de 1917.

    Portanto, considerando-se o perodo imediatamente posterior a outubro de

    1917, comum identificar informaes de que Lenin teria implantado uma

    verdadeira educao socialista. A propsito, atentemos para o que escreveu

    Mainardi (2001, p.8):

    Diante dos acontecimentos que abalaram a Rssia em 1917, aURSS leninista se tornou o bero em que nasceria, definitivamente, a tosonhada e idealizada educao socialista [...].

    Lenin foi o primeiro revolucionrio socialista a assumir o controlede um governo e, confiante de que a educao seria um importante e

    indispensvel elemento na transformao social, ps em prtica, naeducao, juntamente com seus colaboradores, as ideias socialistas.

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    24socialismo; tudo o que o poder sovitico pode fazer combinar a polticamoderada do capitalismo de Estado com uma intensa educao culturaldas massas camponesas inertes no a lavagem cerebral da propagandacomunista, mas simplesmente uma imposio paciente e gradual depadres desenvolvidos de civilizao. Fatos e nmeros revelam que ainda

    h muito trabalho braal a ser feito urgentemente, antes que se atinja opadro de um pas qualquer da Europa ocidental... Devemos ter em mentea ignorncia semiasitica da qual ainda no nos livramos.19

    Ainda, no artigo escrito em novembro de 1919, intitulado A economia e a

    poltica na poca da ditadura do proletariado, Lenin declarou que, se por um lado, a

    burguesia fora alijada do poder poltico, os grandes proprietrios destitudos dos

    meios de produo e os grandes latifundirios de suas terras com o sucesso da

    Revoluo de Outubro, por outro lado, a classe burguesa no tinha sido

    completamente aniquilada. Portanto, a burguesia enquanto classe social aindaexistia, tornando-se mais encarniada no seu desejo de derrubar a revoluo

    bolchevique (LENINE [escrito em 30 de outubro de 1919], 1980c).

    Desse modo, o socialismo como sendo a [...] supresso das classes [...]

    (Idem, ibidem, p.206) no poderia ser implantado. Assim, consciente de que no

    existiam condies objetivas para implantao de uma sociedade socialista, Lenin

    vai defender de forma veemente o fortalecimento do Estado proletrio instaurado

    aps a revoluo de outubro de 1917.De acordo com Getzler (1985, p.35), a tarefa imediata dos bolcheviques

    aps a tomada do poder poltico na Rssia no era a instaurao do socialismo, mas

    sim do Estado-Comuna, que j existia em germe nos sovietes20 dos operrios e

    dos soldados, desde que fosse possvel livr-los de seus dirigentes pequeno-

    burgueses. Nesse sentido, aps o trmino da guerra civil (1918-1920), com o pas

    arrasado economicamente, a fome, as epidemias e outros problemas, alm do

    fracasso da tentativa de se passar imediatamente ao comunismo

    21

    , Lenin defendeucomo tarefa prioritria do governo o desenvolvimento de um capitalismo de Estado.

    Tal seria a forma tanto de garantir as condies imediatas de sobrevivncia

    19 De acordo com Zizek, os trechos entre aspas foram extrados do texto de Lenin Pginas de umdirio.20 Sovietes: os conselhos dos sovietes surgiram pela primeira vez em outubro de 1905, em SoPetersburgo. Sua representao era constituda com base nas unidades de produo. Elegia-se umdelegado para cada quinhentos operrios e seu mandato era revogvel. Garantiu na prtica aliberdade de imprensa, organizou patrulhas para a proteo dos cidados, apoderou-se em parte doscorreios, dos telgrafos e dos trens e buscou estabelecer de fato a jornada de trabalho de oito horas.

    Foi a organizao mais adequada para a classe operria em sua luta independente, mostrando suapotencialidade como organismo de poder operrio e como alicerce para um novo tipo de Estado(TROTSKI, 2007, p.23, nota 5).21 Consultar o item 1.1.3 O comunismo de guerra.

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    25da Repblica Sovitica, quanto de implantar as bases para a construo da futura

    sociedade socialista, materializando-se na concepo da ditadura do proletariado,

    como um perodo de transio entre a dissoluo do capitalismo e a construo do

    socialismo.

    No plano externo, o fortalecimento do Estado proletrio se relacionava com o

    isolamento da Repblica Sovitica. De acordo com a concepo de desenvolvimento

    desigual e combinado do capitalismo, a Rssia era o elo mais fraco do capitalismo

    na Europa e portanto a tarefa de se empreender uma revoluo nesse pas era uma

    necessidade colocada historicamente. Contudo, os lderes da Revoluo de Outubro

    acreditaram que o triunfo pleno da revoluo dependeria da internacionalizao da

    revoluo para os pases da Europa, de modo que a Rssia fosse o estopim darevoluo mundial.

    Como isso no aconteceu, a Repblica Sovitica ficou isolada e restou a

    dificlima tarefa de como sobreviver em meio a um mundo hostil. Assim, no plano

    interno, uma das sadas encontradas por Lenin e seus correligionrios foi o

    fortalecimento e a consolidao da revoluo e a construo de um capitalismo de

    Estado, at que eclodissem as revolues na Europa ocidental e no oriente.

    Questo de pesquisa e hiptese de trabalho

    Nossa questo de pesquisa foi formulada mediante uma especificao em

    dois nveis. No primeiro nvel, tomamos algumas das limitaes e lacunas

    encontradas nos estudos analisados na reviso da bibliografia. Tambm nos

    baseamos em Nogueira (1993), a qual procurou investigar as formulaes de Marx e

    Engels para a educao, na conjuntura histrica em que ocorreram.

    Foi assim que transpusemos algumas indagaes da autora para umainvestigao sobre a educao leninista. Ou seja, procurar entender as

    preocupaes e aes de Lenin no campo educacional, no contexto em que foram

    gestadas e implementadas. Nesse sentido, tornou-se imprescindvel estipular as

    premissas necessrias para interpretao das preocupaes e proposies de Lenin

    para a educao, com destaque para os elementos histricos, polticos e

    sociolgicos.

    No outro nvel de especificao, consideramos que, aps o Outubro de

    1917, a proposio de Lenin (pelo menos em seu plano geral) no era instaurar

    imediatamente o socialismo. Portanto, supomos que com relao educao sua

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    26proposta tambm no era a de implantar imediatamente uma educao socialista.

    Sendo assim, o problema a ser investigado (GIL, 2002; SALOMON, 2001), na

    condio de uma questo de pesquisa (TRIVIOS, 1987, p.107) foi formulado nos

    seguintes termos: se o objetivo de Lenin para a educao no era implantar

    imediatamente uma educao socialista aps outubro de 1917, quais eram seus

    objetivos para a educao, durante os anos de 1917 1924?

    Nossa hiptese de trabalho (Idem, ibidem, p.105-106) foi a de que os

    objetivos de Lenin para o campo da educao, no perodo compreendido entre os

    anos de 1917-1924, se relacionavam fundamentalmente com uma necessidade de

    natureza tanto poltica quanto econmica, conforme considerou Hubert (1967,

    p.136), para quem a revoluo pedaggica ocorrida na repblica dos sovietescorrespondeu a uma necessidade econmica e tecnolgica e a uma disposio

    poltica.

    Objetivos e justificativas

    Em termos genricos, nosso objetivo foi investigar o tema educao escolar

    e revoluo social, com relao s seguintes questes: quem vem antes, a

    revoluo ou a educao? Pode existir uma educao revolucionria antes darevoluo? A educao escolar participa da luta de classes? Em caso positivo, de

    que forma? Ao vincularmos tais questes ao contexto da Revoluo Russa de 1917,

    propusemo-nos ento a pesquisar: sobre a Revoluo de Outubro, bem como refletir

    a respeito das suas implicaes, consequncias e legado; sobre Lenin e os estudos

    leninistas da educao.

    Especificamente, nosso objetivo foi verificar o duplo e indissocivel carter

    atribudo educao por Lenin - as dimenses poltica e econmica -, considerando-se a necessidade de consolidao do poder poltico do Estado proletrio e de

    reconstruo econmica da Repblica Sovitica, bem como a implantao das

    bases materiais e culturais para a construo da futura sociedade comunista.

    No plano poltico, em linhas gerais, tratava-se de consolidar o poder do

    Estado proletrio, mediante a destruio dos vestgios do poder czarista22 e burgus

    e ao mesmo tempo, construir os fundamentos de uma futura sociedade comunista.

    Assim, educao caberia a tarefa de destruir os fundamentos da educao

    22 Czarista, czarismo: regime caracterizado pelo poder absoluto do czar (TROTSKI, 2007, p.22, nota4).

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    27czarista e burguesa e ao mesmo tempo: a) incorporar e aproveitar os mais elevados

    conhecimentos da cincia, da tecnologia e da cultura produzidos at ento pela

    humanidade e necessrios construo do socialismo / comunismo; b) educar o

    povo de acordo com os princpios do comunismo.

    Segundo Gurley (1976, p.97), Lenin previu que o sucesso dos planos

    econmicos dependeria fundamentalmente da aplicao de instrumentos por meio

    dos quais ocorreria um aumento da produtividade do trabalho, sendo que tais

    instrumentos seriam: a) a imposio de uma rgida disciplina de trabalho; b) a

    introduo da gerncia cientfica (aplicao dos princpios tayloristas na produo);

    c) a elevao do nvel educacional e cultural da classe trabalhadora.

    Assim, no plano econmico, Lenin defendia a necessidade dodesenvolvimento de um capitalismo de Estado, com o objetivo de superar a runa

    econmica e material decorrente dos anos de guerra e ao mesmo tempo, implantar

    as bases para construo da futura sociedade socialista / comunista. Portanto,

    educao caberia a tarefa de formar a fora de trabalho necessria ao

    desenvolvimento das foras produtivas e ao mesmo tempo elevar o nvel cultural,

    tcnico e cientfico da populao.

    Em sentido amplo, nosso trabalho justificou-se pela necessidade de: a)resgatar uma discusso antiga, mas a nosso ver ainda no resolvida, sobre as

    relaes que se estabelecem entre a educao e a revoluo; b) desenvolver um

    estudo mais aprofundado a respeito do tema educao leninista.

    Em termos especficos, imps-se a necessidade de se pesquisar um tema

    ainda pouco explorado da vasta obra de Lenin, qual seja, a educao no perodo

    correspondente aos anos posteriores instaurao da Repblica Sovitica, nos

    quais se sobressaem as tarefas da construo de uma sociedade socialista.

    Aspectos metodolgicos

    Caracterizao da pesquisa, fontes e limitaes

    Nosso trabalho pode ser caracterizado como sendo uma pesquisa

    bibliogrfica (GIL, 2002) e as fontes empricas investigadas foram os textos e obras

    de Lenin sobre a educao.

    Quanto s limitaes da pesquisa, referimo-nos impossibilidade de

    consulta totalidade da obra de Lenin em russo, em funo do tempo disponvel

    para realizao de nosso trabalho e pelo desconhecimento do idioma russo. Quando

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    28necessrio, recorremos s Obras completasde Lenin disponveis em ingls no Lenin

    internet archive. Tambm consultamos uma srie de livros resultantes da

    organizao e compilao das obras de Lenin, a saber: A instruo pblica

    (LENINE, 1981); Cultura e revoluo cultural (LENIN, 1968); Sobre a educao

    (LENINE, 1977); alm das Obras escolhidas (LENINE, 1980a; LENINE, 1980b;

    LENINE, 1980c) em portugus.

    Para alm das questes propriamente tcnicas, considere-se tambm uma

    limitao relacionada talvez a um certo aparelhamento do Estado. Em outras

    palavras, significa que aps a morte de Lenin, sua obra tornou-se patrimnio do

    Estado Sovitico23. Nesse sentido, quem pode nos garantir que no houve algum

    tipo de interferncia, por meio dos rgos especializados da ex-URSS no processode coleta, organizao e publicao (e em alguns casos, traduo) dos textos

    leninianos?24

    Critrios de organizao e anlise das fontes de informao

    Ns selecionamos os textos leninianos de acordo com a indicao dos

    comentadores e especialistas em Lenin, bem como dos textos selecionados nas

    compilaes, quais sejam, A instruo pblica, Cultura e revoluo culturale Sobrea educao. Aps a seleo dos textos que deveriam ser lidos, estes foram

    organizados de acordo com um critrio temtico e cronolgico. Assim,

    primeiramente, os textos de Lenin foram ordenados com base nos seguintes temas:

    1) Obras econmicas; 2) Obras polticas, subdivididas nos subtemas s portas da

    revoluo; Clssicos; Consolidao da revoluo; Construo do socialismo; 3)

    Lenin e a educao, subdivido nos subtemas Antes de 1917; Aps 1917. Em

    seguida, os textos foram lidos e fichados de acordo com os temas/subtemas

    23 A ttulo de ilustrao, cite-se que Foster (2005, p.311 et seq) mencionou alguns acontecimentosrelacionados priso de Bukharin entre os anos de 1937-1938. Assim, de acordo com Foster,Bukharin escreveu quatro manuscritos, que eram conhecidos apenas por Stalin e alguns carcereiros.Os manuscritos no foram destrudos porque Stalin resolveu poup-los (mas no poupou Bukharin,nem a velha guarda do partido bolchevique, nem os que podem ser considerados verdadeirosheris da revoluo), consignando-os ao seu arquivo pessoal. Tais documentos s foramredescobertos no final da dcada de 1980, por meio de um assessor de Mikhail Gorbachev, sendopublicados apenas em 1992, originalmente em russo (How it all begane Philosophical arabesques,numa traduo em ingls).24 A nosso ver sobre esta questo abrem-se muitas possibilidades de pesquisa historiogrficas efilolgicas interessantssimas. Contudo, os desafios so imensos: dominar o idioma russo; obteracesso s fontes originais e de primeirssima mo (os textos originais do prprio Lenin); obter acessos fontes do Instituto Marxismo-Leninismo da ex-URSS etc.

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    29estipulados, mas dentro de uma ordem cronolgica para cada tema/subtema

    especfico.

    Tambm foram consultadas vrias obras sobre a histria da revoluo russa

    (com destaque para a insurreio de Outubro de 1917, o perodo da guerra civil e da

    implantao da Nova Poltica Econmica), educao na Rssia e comentadores de

    Lenin.

    Seria oportuno mencionar que o pesquisador sempre enfrenta muitas

    dificuldades ao investigar temas a respeito da Rssia, Revoluo de Outubro, Unio

    Sovitica, Lenin, Trotski, entre outros. Algumas dessas dificuldades referem-se

    lngua e grafia dos nomes russos. Sobre este assunto, infelizmente no foi

    possvel empreender uma pesquisa profunda relacionada transliterao dostermos russos. Nesse sentido, a escolha da grafia deu-se em funo dos nomes e

    termos que so empregados com mais frequncia na literatura.

    Ou seja, optamos por grafar Lenin (sem acento circunflexo), ao invs de

    Lenine (forma aportuguesada de Lnine, do francs), ou Lnin. Ainda: Trotskie no

    Trotsky. Krupskaiae no Kroupskaia, Krupskaja, ou Krupskaya. Lunacharskie no

    Lunatcharski. Bolcheviquee no bolchevista. Czarismoe czare no tzarismo e tzar,

    respectivamente. Kronstadte no Cronstadt. Contudo, no caso das Referncias, noalteramos os nomes com grafias diferentes daquelas adotadas por ns. Esse foi o

    caso de LENINE, KROUPSKAIA, LUNATCHARSKI e TROTSKY.

    No caso das citaes bibliogrficas, optamos pelo sistema autor-data. E

    tratando-se dos textos e livros de autoria de Lenin e Krupskaia, informamos a data

    em que os textos foram escritos, publicados ou proferidos (no caso dos discursos)

    entre colchetes. Ademais, de nossa autoria a verso para o portugus dos textos

    escritos originalmente em ingls, francs e italiano.Devido referncia constante aos textos de Lenin, optamos sempre por

    informar o leitor de qual texto ou livro estvamos tratando a fim de facilitar o acesso

    s Referncias. Assim, sempre deixamos explcitos o ttulo do texto ou o livro de

    Lenin ao qual nos referamos, seja no corpo do trabalho, seja na forma de notas de

    rodap.

    Considerando as peculiaridades relativas execuo de uma pesquisa

    bibliogrfica, na medida do possvel, tentamos recorrer a parfrases e resumos na

    composio do texto. Mas, num estudo em que predomina o trabalho de

    interpretao, como o nosso caso, no foi possvel fugir completamente da

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    30transcrio literal de trechos dos textos de Lenin ou de outros autores, que

    ocorreram em grande quantidade.

    Finalmente, a nosso ver, um autor nunca imparcial ao escrever. Sobre o

    assunto, recorremos a Lwy (2003, passim) e Schaff (1991, passim), os quais

    analisaram a questo de se possvel alcanar um conhecimento objetivo, seja nas

    cincias sociais, seja na histria, respectivamente. Uma resposta possvel a esta

    questo a de que a objetividade construda social e historicamente, posto que: a)

    o prprio objeto investigado indeterminado, imprevisvel e inacabado; b) o sujeito

    observador determinado por condies de classe, psquicas, de raa,

    nacionalidade, sobre as quais ele no tem total nem absoluto controle de como tais

    elementos impregnam e influenciam a produo do seu conhecimento; c) aconstruo do conhecimento objetivo no neutra aos condicionantes polticos,

    econmicos e de classe e tampouco esttico historicamente.

    Foi assim que John Reed e Victor Serge, na introduo de seus clebres

    livros, declararam que: Na luta, as minhas simpatias no eram neutras. Mas ao

    contar a histria dessas grandes jornadas tentei ver os acontecimentos com os olhos

    de um reprter consciencioso, interessado em expor a verdade. (REED, 1977,

    p.33). E A imparcialidade do historiador no passa de uma lenda destinada acorroborar convices de interesse. [...] O historiador sempre de seu tempo, isto

    , de sua classe social, de seu pas, de seu meio poltico. (SERGE, 2007, p.31).

    Conosco no foi diferente, posto que ao empreendermos a tarefa de

    construir uma objetividade cientfica procuramos deixar explcita nossa condio de

    classe e simpatias polticas.

    Por ltimo, declaramos que em sua totalidade, o nosso trabalho de

    interpretao. E assim como Nogueira (1993) (no caso de Marx), procuramos evitara adeso incondicional, a rejeio sistemtica, cultuar, fetichizar ou mitificar a

    pessoa de Lenin, ou dogmatizar seus escritos.

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    311 OUTUBRO DE 1917: ELEMENTOS HISTRICOS, POLTICOS E

    SOCIOLGICOS

    1.1 Elementos histricos

    1.1.1 Apontamentos sobre a histria da revoluo russa

    A revoluo russa representa um dos acontecimentos mais importantes do

    sculo XX, a primeira grande ruptura e talvez o principal ato de confronto ao

    capitalismo coroado de sucesso (CARR, 1981, p.11; HOBSBAWM, 1995, p.62;

    REED, 1977, p.33). Parker (1995, p.254) por sua vez, declarou que nenhum [...] fato

    isolado teve impacto to decisivo sobre o mundo moderno do que a Revoluo

    Russa de 1917 [...] - ela transformou um pas pobre, atrasado e subdesenvolvido

    em uma potncia industrial e militar e influenciou de forma decisiva o padro dasrelaes internacionais.

    No h registro de nenhuma insurreio revolucionria moderna comparvel

    Revoluo russa (DEUTSCHER, 1968a, p.2) e de acordo com Hobsbawm (1995,

    p.62), a [...] Revoluo de Outubro produziu de longe o mais formidvel movimento

    revolucionrio organizado na histria moderna. Ainda, para o autor, ela influenciou e

    contribuiu para a organizao de partidos comunistas no mundo todo, de modo que

    apenas trinta ou quarenta anos depois de abril de 1917, aproximadamente um teroda humanidade se achava vivendo sob regimes inspirados ou derivados da

    Repblica Sovitica ou do modelo organizacional do Partido Comunista da Unio

    Sovitica. De fato, o bolchevismo transformou a revoluo de 1917 em um

    fenmeno mundial (REIMAN, 1985, p.75).

    A URSS tambm teve importncia fundamental nos destinos da segunda

    guerra mundial, quando, ironicamente, ela foi a salvadora do capitalismo liberal,

    possibilitando a vitria do ocidente contra a Alemanha de Hitler (HOBSBAWM, 1995,p.89). Ademais, com o advento da Guerra Fria, a Unio Sovitica participou de

    forma decisiva na dinmica da geopoltica mundial do sculo XX.

    Porm, necessrio tornar preciso o que entendemos pela expresso

    Revoluo Russa.

    Reis Filho (2003, p.41 et seq) e Serge (2007) mencionaram a ocorrncia de

    pelo menos trs revolues na Rssia25: a) a de 1905, cujos principais

    25 Sugerimos consultar o ANEXO I, no qual constam datas e informaes resumidas sobre a biografiade Lenin e sobre a histria da Rssia referente ao perodo analisado por ns.

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    32acontecimentos foram o domingo sangrento26 e a revolta dos marinheiros do

    encouraado Potemkim27; b) a de fevereiro de 1917, cuja principal consequncia foi

    a abdicao do czar; c) a de outubro de 1917, com a destituio do governo

    provisrio instalado em maro de 1917 e a constituio de um Estado proletrio28. A

    estas, Reis Filho (2003, p.41) acrescentou uma quarta (sempre esquecida) a de

    1921. Foi a insurreio dos marinheiros da base naval de Kronstadt29, qual se

    somaram as greves nas cidades e as revoltas no campo, na poca, todas contrao

    poder bolchevique30.

    Portanto, o que muitos denominam de revoluo russa, Hobsbawm (1995,

    p.62) especificou: a [...] Revoluo Bolchevique de outubro de 1917 [...]31.

    Contudo, a importncia da Revoluo de Outubro para a histria proporcional complexidade tanto dos elementos e processos mais gerais aos quais

    ela est vinculada, quanto das especificidades da Rssia, que, combinados, esto

    envolvidos com suas causas e ecloso. Em outras palavras, o Outubro de 1917 o

    resultado da imbricao existente entre processos globais e a realidade especfica

    da Rssia foram conjunturas que se entrelaaram (REIS FILHO, 2003, p.41) -, de

    26 O domingo sangrento (ocorrido em 9 de junho de 1905, pelo calendrio gregoriano) foi o estopimda revoluo de 1905. Tendo em mos uma petio dos operrios de So Petersburgo ao czarNicolau II chamado de o paizinho - (jornada de trabalho de oito horas; reconhecimento dos direitosdos operrios; promulgao de uma Constituio que garantisse a separao entre Igreja e Estado;mais democracia etc.), uma multido de pessoas dirigiu-se pacificamente ao palcio do governo.Foram recebidos a tiros e massacrados, com centenas de mortos e feridos. Ao massacre, somou-se odescontentamento com a guerra russo-japonesa, deflagrando uma onda de greves e revoltas pelopas (SERGE, 2007, p.54).27 Referimo-nos ao motim do encouraado Kniaz-Potemkim, ocorrido em 15 de junho de 1905, nabase naval de Kronstadt, a qual pertencia frota russa do mar Bltico. O acontecimento inspirou arealizao do filme que se tornaria um clssico - O encouraado Potemkim -, de Sergei Eisenstein.Ver a Nota 29.28 Carvalho, F. M. de (2005a) mencionou que as duas primeiras revolues foram de carter

    democrtico-burgus e a terceira, socialista.29 O levante dos marinheiros de Kronstadt foi sufocado pela Repblica Sovitica custa de muitasvidas de ambos os lados e provocou profunda comoo tanto entre os bolcheviques quanto entre osopositores da Repblica Sovitica. A revolta tambm tinha um sentido simblico, posto que Kronstadttornou-se famosa na campanha contra o czarismo, quando da insurreio dos marinheiros doencouraado Potemkim em 1905.30 Reis Filho (2003, p.41) mencionou que ocorreram verdadeiras batalhas historiogrficas, apropsito da natureza dessas revolues. Foge ao escopo de nosso estudo penetrar em taldiscusso, porm, oportuno citar que Reis Filho no compartilha da tese segundo a qual haveria umencadeamento entre as revolues, as quais ocorreram, at certo ponto, de forma espontnea e semqualquer determinao ou ao de partidos ou faces revolucionrias. Mas nem todos compartilhamdessa interpretao. No caso, citamos Deutscher (A revoluo inacabada) Lenin (Cartas de longeePor ocasio do IV aniversrio da Revoluo de Outubro), Serge (O ano I da revoluo russa) e

    Trotski (A histria da revoluo russa).31 Ao longo de nosso trabalho nos referimos Revoluo Bolchevique de Outubro de 1917 tambmpelas expresses Revoluo Russa de Outubro de 1917, Revoluo de Outubro, Revoluo deOutubro de 1917, Outubro de 1917, O Outubro de 1917.

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    33modo que [...] seus traos caractersticos s podiam ser apontados em relao ao

    curso mais amplo da histria mundial [...] (REIMAN, 1985, p.75).

    Concordamos com Deutscher e Trotski, para quem o Outubro de 1917 foi,

    genericamente, o resultado da contradio entre o desenvolvimento das foras

    produtivas e suas correspondentes relaes de produo, conforme o que fora

    propugnado por Marx no seu famoso Prefcio de Para a Crtica da Economia

    Poltica. Desse modo, para Deutscher (1968a, p.9), assim como nos antigos regimes

    francs e ingls, foi o desenvolvimento do capitalismo na Rssia que gerou

    contradies insanveis numa estrutura social incapaz de cont-las. Por

    conseguinte, as [...] foras do progresso estavam de tal modo comprimidas no

    espartilho da antiga ordem que teriam faltamente de explodir. (Idem, ibidem, p.9).A propsito, a concepo de Trotski se fundamenta naquilo que ele

    denominou de lei do desenvolvimento desigual e combinado, a qual se aplicaria aos

    pases atrasados, quando ocorre uma combinao original dos elementos obsoletos

    de uma sociedade com os mais avanados (TROTSKY, 1978a, p. 62). Tal lei [...]

    significa aproximao das diversas etapas [de desenvolvimento], combinao das

    fases diferenciadas, amlgama das formas arcaicas com as mais modernas. (Idem,

    ibidem, p.25). Portanto, no caso da Rssia, seria a combinao de um pas com [...]uma economia atrasada, uma estrutura social primitiva e [de] baixo nvel cultural [...]

    (Idem, ibidem, p.23), que convivia com a penetrao de uma industrializao

    avanada, prpria da Europa ocidental, nas grandes cidades russas.

    Com relao ao contexto da Europa ocidental, a Revoluo de Outubro o

    resultado das crises e do processo de desagregao que corroa o sistema

    capitalista desde meados do sculo XIX, conforme escreveu Hobsbawm (1995,

    p.62): Parecia bvio que o velho mundo estava condenado. A velha sociedade, avelha economia, os velhos sistemas polticos tinham, como diz o provrbio chins,

    perdido o mandato do cu. A humanidade estava espera de uma alternativa.

    Porm, por que essa alternativa ao capitalismo ocorreu na Rssia e no em

    outro pas da Europa ou do mundo?

    Porque, internamente, a Revoluo Russa de outubro de 1917 foi o

    resultado da confluncia de uma srie de aspectos: a existncia de uma autocracia

    violenta, cruel e repressiva, que garantia privilgios para a burocracia, a Igreja e

    para si prpria; uma sociedade baseada fundamentalmente numa economia rural e

    estagnada; um campesinato pobre, faminto e inquieto; a emergncia de

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    34contradies insanveis decorrentes da convivncia contraditria entre o capitalismo

    e um sistema fundado no feudalismo, no qual ainda persistiam profundos traos da

    servido; o passado poltico da Rssia czarista, marcado por convulses sociais e

    pela ao de grupos terroristas que atuavam desde 1860, com ocorrncia de surtos

    de violncia e represso (BENSAID, 2000a, p.169; CARR, 1981, p.11).

    Greves nos ncleos urbanos industrializados (Petrogrado32, Moscou); revolta

    no campo; desero no exrcito; fome; colapso no sistema de transportes;

    desorganizao econmica; vacilaes e conluios do governo provisrio com

    setores da burguesia e da autocracia; iminncia de uma invaso alem e da

    contrarrevoluo - a Rssia s vsperas de outubro de 1917 era um caldeiro

    prestes a explodir. Acrescente-se a esse contexto a deflagrao da primeira guerramundial (1914-1918), a qual trouxe [...] superfcie essas condies latentes e

    precipitou uma situao que parecia esperar apenas um impulso para se

    desagregar. (STRADA, 1987, p.110).

    Destaque-se que no possvel explicar o levante revolucionrio de outubro

    de 1917 com base em apenas um desses fatores isolados. Ao ser acusado de

    subestimar os elementos econmicos no transcorrer da revoluo russa, Trotski

    replicou ter conscincia do agravamento das condies econmicas, nos momentosque precederam o Outubro de 1917. Porm, para ele seria simplificar ao extremo, se

    a explicao para a ecloso da revoluo tivesse apenas como fundamento o

    aumento do preo do po (TROTSKY, 1978b, p.416).

    Concordamos com Trotski, para quem a ocorrncia da exploso

    revolucionria s se explica quando consideramos a combinao de uma srie de

    fatores, entre eles as causas estruturais e histricas com as causas conjunturais.

    Ora, se o raciocnio dos crticos de Trotski estivesse correto as revoluesaconteceriam sempre. De modo diferente, uma revoluo o resultado da

    sublevao incontrolvel e explosiva das massas, ao que os seus lderes aproveitam

    com argcia e habilidade, de modo que [...] preciso que a incapacidade

    definitivamente manifesta do regime social tenha tornado intolerveis as privaes e

    32 Petrogrado: desde 1703, data em que foi fundada, Petrogrado tinha o nome de So Petersburgo.Seu nome foi mudado para Petrogrado (1914-1924), em funo da guerra, posto que So

    Petersburgo foi considerado muito germanizado. Teve o nome mudado para Leningrado (1924-1991)e em 1991 voltou a ser So Petersburgo. So Petersburgo est localizada s margens do Rio Neva,no Golfo da Finlndia, s margens do mar Bltico. Foi capital da Rssia por mais de duzentos anos edeixou de s-lo em 1918, aps a Revoluo de Outubro.

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    35que novas condies e novas ideias tenham deixado entrever a perspectiva de uma

    sada revolucionria [...]. (Idem, ibidem, p.416).

    sob tal perspectiva que a atuao do Partido Bolchevique33 foi crucial no

    desenrolar da Revoluo de Outubro. Segundo Serge (2007, p.76), as massas

    populares russas tinham [...] milhes de rostos; no so nada homogneas; so

    dominadas por interesses de classe, diversos e contraditrios; s alcanam a

    conscincia verdadeira sem a qual nenhuma ao fecunda possvel mediante

    a organizao.

    O que o Partido Bolchevique fez, ao longo dos anos, por meio de sua

    inteligncia coletiva, organizao, disciplina, dedicao, ao entre o povo, foi

    interpretar e dar vazo aos anseios e s necessidades dessa massa disforme eanrquica. Ainda, nas palavras de Serge (ibidem, p.76):

    [...] o que todos eles querem [o povo], o partido o exprime em termos clarose o faz. O partido lhes revela aquilo que pensam. O partido o vnculo queos une a todos, de ponta a ponta do pas. O partido sua conscincia, suainteligncia, sua organizao.

    Graas compreenso precisa e rigorosa da dinmica dos

    acontecimentos e do movimento da histria, os bolcheviques foram capazes de se

    identificar ao mesmo tempo com o operariado em geral e com a necessidadehistrica colocada naquele momento to particular. por isso que distinguir as

    massas do Partido era impossvel. Eles formavam um todo coletivo. Foi assim que

    em fevereiro de 1917, quando os bolcheviques ainda eram uma minoria e uma fora

    poltica inexpressiva, em outubro de 1917 eles se tornam maioria e a nica

    esperana de salvao para o povo (Idem, ibidem, p.77).

    O Outubro de 1917 foi uma irrupo violenta e incontrolvel, uma

    radicalizao vinda de baixo que a tudo engolfava, marcada pela participao ativado povo no processo revolucionrio (BENSAID, 2000a, p.169-170; TROTSKY,

    1978a, p.15-16). A desintegrao da velha ordem social traduziu-se subjetivamente

    nas massas, a ponto de impulsion-las ao e intervir diretamente nos

    acontecimentos. Ou seja,

    A grande massa do povo foi avassalada pela mais intensa e prementeconscincia de desintegrao e apodrecimento na ordem estabelecida. Apercepo veio sbita. A conscincia teve um sobressalto que a colocou a

    par da existncia e impulsionou a transformao desta. Mas tambm esse

    33 Partido bolchevique: consultar a nota 53.

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    36sobressalto, essa mudana sbita na psicologia das massas no proveio donada. (DEUTSCHER, 1968a, p.11).

    Para que a revoluo eclodisse foram necessrios muitos anos de

    preparao, por meio: da atuao de grupos que disseminaram as ideiasrevolucionrias; de partidos polticos das mais variadas ndoles; da opresso da

    autocracia; do terrorismo; das contradies decorrentes do desenvolvimento das

    foras produtivas versusrelaes de produo. Pouco ou nada houve de fortuito em

    tudo isso. Subentendido neste meio sculo de Revoluo, avulta todo um sculo de

    esforos revolucionrios. (Idem, ibidem, p.11-12).

    Logo aps a destituio do governo provisrio, num relato dos

    acontecimentos relativos aos primeiros dias do poder bolchevique, Reed (1977,p.165-166) descreveu um fato muito significativo. Trata-se da votao do

    grupamento blindado brunoviki34, crucial naquele momento, posto que as foras

    contra revolucionrias comeavam a atuar para tentar destituir o governo proletrio.

    Assim, o autor narrou os discursos inflamados e emocionados - contra e a

    favor do poder bolchevique -, a dvida atroz dos soldados e a deciso tomada. A

    descrio do momento decisivo da votao tocante:

    Khanjunov

    35

    tentou falar de novo, mas a multido gritou: Votao!Votao! Votao! Cedeu, por fim, e leu a resoluo que ia ser submetida avoto: Os brunovikiretiravam o seu representante do Comit RevolucionrioMilitar e declaravam a sua neutralidade na presente guerra civil. Todos osque fossem a favor deviam ir para a direita; os que fossem contra, para aesquerda. Houve um momento de hesitao, uma expectativa parada, edepois a turba comeou a movimentar-se, cada vez mais depressa e aostropees, para a esquerda: centenas de corpulentos soldados numa massaslida que corria pelo cho sujo, sob a luz fraca... [...]

    Imaginem esta luta repetida em todos os quartis da cidade, dodistrito, de toda a Frente [de combate], de toda a Rssia. Imaginem osKrilenkos36 a cair de sono vigiando os regimentos, correndo de um lugarpara outro, argumentando, ameaando, implorando. E depois imaginem o

    mesmo em todos os sindicatos de operrios, nas fbricas, nas aldeias, noscouraados das dispersas esquadras russas; imaginem as centenas demilhares de russos de olhos postos em oradores atravs de todo imensopas operrios, camponeses, soldados e marinheiros tentando toesforadamente compreender e escolher, pensando to intensamente e, nofim, decidindo to unanimemente. Foi assim a Revoluo Russa.

    34Brunoviki:tropas de blindados. Era um regimento chave na consolidao da revoluo, dias aps ainsurreio de Outubro e antes da invaso de Petrogrado por Kerenski. Na prtica, quem controlasseos brunovikicontrolaria Petrogrado.35 Khanjunov: oficial que defendia a neutralidade do regimento brunoviki e consequentemente noapoiava os bolcheviques.36Krilenko: Comissrio do Povo para Assuntos Militares do governo revolucionrio. Orador que pediao apoio dos brunoviki causa revolucionria.

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    37Mas o Outubro de 1917 teria sido um golpe de Estado, uma conspirao ou

    uma revoluo?

    De fato, a insurreio assumiu as caractersticas de um golpe, posto que o

    acontecimento de 25 de outubro realizou-se como uma operao militar, sem

    conhecimento e anuncia de qualquer organizao sovitica. Na verdade, a

    insurreio fora planejada e organizada pelo comit militar do soviete de Petrogrado,

    com Trotski37 na presidncia e a ordem para sua execuo fora dada pelo Comit

    Central do Partido Bolchevique, com Lenin frente (REIS FILHO, 2003, p.66). Frise-

    se, porm, que os bolcheviques planejaram, organizaram e executaram a

    insurreio, derrubando o governo provisrio, mas posteriormente eles entregaram

    o poder ao II Congresso dos Sovietes, mediante a submisso ao voto e aprovaodo ato insurrecional, conforme fora planejado antecipadamente pelo Comit Central

    do Partido Bolchevique.

    Contudo, para alm disso, foi uma sntese entre golpe e revoluo: golpe no

    planejamento, organizao e execuo. E revoluo

    [...] nos decretos, aprovados pelos sovietes, reconhecendo e consagrando juridicamente as aspiraes dos movimentos sociais, que passaramimediatamente a ver no novo governo o Conselho dos Comissariados do

    Povo, dirigido por Lnin o intrprete e a garantia das reivindicaespopulares. (Idem, ibidem, p.67)

    Portanto, foi uma revoluo no sentido pleno da palavra, que afetou

    praticamente todos os setores da sociedade. Foi um lanvindo de baixo, como uma

    manifestao dos anseios das massas (BENSAID, 2000a, p.169-170). Tal o

    sentido dos primeiros decretos legislativos38, os quais determinaram o fim da guerra;

    a expropriao dos grandes latifndios e a correspondente distribuio da

    propriedade da terra entre os milhes de camponeses; e a constituio do poder dos

    soldados, trabalhadores e operrios o Conselho dos Comissrios do Povo39.

    37 Para uma viso detalhada dos momentos decisivos que antecederam a insurreio, sugerimosconsultar A histria da revoluo russa (TROTSKY, 1978b), Captulo IX A insurreio de outubro,no qual Trotski revelou as dificuldades de organizao poltica e militar relativas insurreio; aposio contrria de Kamenev e Zinoviev; as exortaes desesperadas de Lenin; as dvidas atrozese as vacilaes que dilaceravam os lderes da insurreio; os detalhes da logstica e da organizaoda insurreio etc.38 Para mais detalhes, consultar no ANEXO II, onde reproduzimos integral ou parcialmente algunsdos principais Decretos promulgados pelo Conselho dos Comissrios do Povo.39 O Conselho dos Comissrios do Povo representou o primeiro governo da Repblica Sovitica e foi

    institudo na sesso do II Congresso dos Sovietes de toda a Rssia, no dia 08 de novembro de 1917(pelo calendrio gregoriano), portanto, um dia aps a derrubada do governo provisrio de Kerenskipelos bolcheviques. O nome Comissrios do Povo foi sugesto de Trotski, em funo do desgasterelacionado aos termos governoe ministro.

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    38Fundamentalmente, mediante a promulgao destes decretos, que o poder

    revolucionrio garantiu o apoio dos soldados, dos trabalhadores e dos camponeses,

    essencial para o sucesso da revoluo e consolidao do governo proletrio.

    1.1.2 A consolidao da revoluo

    No tocante ao desenrolar dos acontecimentos ligados revoluo russa,

    Serge (2007, p.32) props uma cronologia para o perodo que vai de outubro de

    1917 ao incio de 1926.

    Desse modo, a primeira fase da revoluo russa correspondeu ao perodo

    de 25 de outubro de 1917 (pelo calendrio juliano) e acaba em 7 de novembro de

    1918, no momento em que explode a revoluo na Alemanha. Neste primeiro anoapresentaram-se os problemas imediatos que a ditadura do proletariado precisava

    resolver: organizao da produo e do abastecimento; defesa interna e externa;

    aes perante os intelectuais e a classe mdia. Esta fase Serge denominou de

    conquista proletria: tomada do poder, conquista do territrio, organizao da

    produo, criao do Estado proletrio e do exrcito etc.

    Segunda fase, que vai de novembro de 1918 a novembro / dezembro de

    1920 (fim da guerra civil). A revoluo alem abre esta fase, que o autor denominoude fase da luta internacional, ou da defesa armada. Foi o perodo em que se forma

    uma primeira coalizo contra a Repblica dos Sovietes; explode a guerra civil;

    ocorre a interveno externa e a adoo do comunismo de guerra.

    Terceira fase, a da reconstruo econmica. Inicia-se em 1921, com a

    adoo da Nova Poltica Econmica (Novaia Ekonomitcheskaia Politika, a NEP) e

    termina em 1925-1926, com o retorno do nvel de produo quele do perodo

    anterior grande guerra (muito embora em 1926 a populao russa fosse maior).Quarta fase da histria da revoluo proletria da Rssia: final de 1925 ao

    incio de 1926. Completa-se a reconstruo econmica cinco anos aps o trmino

    da guerra civil (o que constituiu um grande xito para um pas duramente castigado

    e dependente de seus prprios recursos). Portanto, em sua totalidade, a Repblica

    proletria conseguiu vencer a contrarrevoluo, exercer o poder, organizar a

    produo, resistir e vencer os inimigos internos e externos.

    Mas, para os fins de nosso trabalho, adotamos uma periodizao que abarca

    o perodo de 1917 a janeiro de 1924, marcada por uma srie de acontecimentos.

    Assim, de outubro de 1917 a junho de 1918, destacamos o momento da

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    39consolidao da revoluo. De junho de 1918 ao final de 1920: guerra civil russa e

    interveno estrangeira, com a adoo do comunismo de guerra. Final de 1920 a

    janeiro de 1924: construo do socialismo, com destaque para a adoo da NEP,

    em maro de 1921.

    Dessa forma, de outubro de 1917 a junho de 1918, corresponde fase em

    que o poder bolchevique obtm as primeiras vitrias no campo militar sobre os

    contra revolucionrios: na revolta dos junkers40e na ofensiva contra Kerenski e os

    cossacos41. Vitrias tambm contra a burguesia e as classes mdias, que aderiram

    contrarrevoluo, por me