leitura de mundo paulo freire

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Leitura de Mundo “A leitura do mundo precede a leitura da palavra” (Paulo Freire) Paulo Freire é um daqueles seres humanos que entram na história para nunca mais sair. Pela simplicidade, dedicação, persistência e empenho com que tratou a educação, continua presente em todos os lugares em que se discute a transformação da realidade. Paulo Freire é um educador internacionalmente conhecido pelo seu processo de alfabetização. Ele foi o primeiro teórico a usar o termo “leitura do mundo”. Porém, esse termo causa certa estranheza em quem o ouve. Afinal, o que seria a leitura do mundo? Segundo Paulo Freire a leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra. O ato de ler se veio dando na sua experiência existencial. Primeiro, a “leitura” do mundo do pequeno mundo em que se movia; depois, a leitura da palavra que nem sempre, ao longo da sua escolarização, foi a leitura da “palavra mundo”. Na verdade, aquele mundo especial se dava a ele como o mundo de sua atividade perspectiva, por isso, mesmo como o mundo de suas primeiras leituras. Os “textos”, as “palavras”, as “letras” daquele contexto em cuja percepção experimentava e, quando mais o fazia, mais aumentava a capacidade de perceber se encarnavam numa série de coisas, de objetos, de sinais, cuja compreensão ia aprendendo no seu trato com eles, na sua relação com seus irmãos mais velhos e com seus pais. A leitura do seu mundo foi sempre fundamental para a compreensão da importância do ato de ler, de escrever ou de reescrevê-lo, e transformá-lo através de uma prática consciente. Esse movimento dinâmico é um dos aspectos centrais do processo de alfabetização que deveriam vir do universo vocabular dos grupos populares, expressando a sua real linguagem, carregadas da significação de sua experiência existencial e não da experiência do educador.

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Leitura do mundo por paulo freire

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Page 1: Leitura de mundo Paulo Freire

Leitura de Mundo

“A leitura do mundo precede a leitura da palavra” (Paulo Freire)

Paulo Freire é um daqueles seres humanos que entram na história

para nunca mais sair. Pela simplicidade, dedicação, persistência e empenho

com que tratou a educação, continua presente em todos os lugares em que se

discute a transformação da realidade.

Paulo Freire é um educador internacionalmente conhecido pelo seu processo

de alfabetização. Ele foi o primeiro teórico a usar o termo “leitura do mundo”.

Porém, esse termo causa certa estranheza em quem o ouve. Afinal, o que seria

a leitura do mundo?

Segundo Paulo Freire a leitura do mundo precede sempre a leitura da

palavra. O ato de ler se veio dando na sua experiência existencial. Primeiro, a

“leitura” do mundo do pequeno mundo em que se movia; depois, a leitura da

palavra que nem sempre, ao longo da sua escolarização, foi a leitura da

“palavra mundo”. Na verdade, aquele mundo especial se dava a ele como o

mundo de sua atividade perspectiva, por isso, mesmo como o mundo de suas

primeiras leituras. Os “textos”, as “palavras”, as “letras” daquele contexto em

cuja percepção experimentava e, quando mais o fazia, mais aumentava a

capacidade de perceber se encarnavam numa série de coisas, de objetos, de

sinais, cuja compreensão ia aprendendo no seu trato com eles, na sua relação

com seus irmãos mais velhos e com seus pais.

A leitura do seu mundo foi sempre fundamental para a compreensão

da importância do ato de ler, de escrever ou de reescrevê-lo, e transformá-lo

através de uma prática consciente.

Esse movimento dinâmico é um dos aspectos centrais do processo de

alfabetização que deveriam vir do universo vocabular dos grupos populares,

expressando a sua real linguagem, carregadas da significação de sua

experiência existencial e não da experiência do educador.

Page 2: Leitura de mundo Paulo Freire

A alfabetização é a criação ou a montagem da expressão escrita da

expressão oral. Assim as palavras do povo, vinham através da leitura do

mundo. Depois voltavam a eles, inseridas no que se chamou de codificações,

que são representações da realidade. No fundo esse conjunto de

representações de situações concretas possibilitava aos grupos populares uma

“leitura da leitura” anterior do mundo, antes da leitura da palavra. O ato de ler

implica na percepção crítica, interpretação e “re-escrita” do lido.

Segundo Freire com a alfabetização de adultos no contexto da

República Democrática de São Tomé e Príncipe, a cujo governo vem dando

juntamente com Elza Freire, uma contribuição no campo da educação de

adultos como assessor, se torna indispensável uma concordância em torno de

aspectos fundamentais entre o assessor e o governo assessorado. Seria

impossível, por exemplo, dar uma colaboração, por mínima que fosse a uma

campanha de alfabetização de adultos promovido por um governo antipopular.

Não poderia assessorar um governo que em nome da primazia da “aquisição”

de técnicas de ler e escrever palavras por parte dos alfabetizando, exigi-se, ou

simplesmente sugerisse que fizesse a dicotomia entre a leitura do texto e a

leitura do contexto. Um governo para quem a leitura do concreto, o

desenvolvimento do mundo não são um direito do povo, que, por isso mesmo,

deve ficar reduzido à leitura mecânica da palavra.

É exatamente este aspecto importante — o da relação dinâmica entre

a leitura da palavra e a leitura da realidade em que nós encontramos

coincidentes os governos de São Tomé e Príncipes e nós.

Todo esforço que vem sendo feito em São Tomé e Príncipe na prática

da alfabetização de adultos como na da pós-alfabetização se orienta neste

sentido. Os cadernos de cultura popular vêm sendo usados pelos educandos

como livros básicos, com exercícios chamados Praticar para o Aprender. A

linguagem dos textos é desafiadora e não sloganizado. O que se quer é a

participação efetiva do povo enquanto sujeito, na reconstrução do país, a

serviço de que a alfabetização e a pós-alfabetização se acham. Por isso

mesmo os cadernos não são nem poderiam ser livros neutros, é a participação

crítica e democrática dos educandos no ato de conhecimento de que são

Page 3: Leitura de mundo Paulo Freire

também sujeitos. É a participação do povo no processo de reinvenção de sua

sociedade, no caso a sociedade são tomense, recém-independente do jugo

colonial, que há tanto tempo a submetia.

É preciso, na verdade, que a alfabetização de adultos e a pós-

alfabetização, a serviço da reconstrução nacional, contribuam para que o povo,

tomando mais e mais a sua História nas mãos, se refaça na leitura da História,

estando presente nela e não simplesmente nela estar representado.

No fundo o ato de estudar, enquanto ato curioso do sujeito diante do

mundo é expressão da forma de estar sendo dos seres humanos, como seres

sociais, históricos, seres fazedores, transformadores, que não apenas sabem,

mas sabem que sabem.

O povo tem de conhecer melhor, o que já conhece em razão da sua

prática e de conhecer o que ainda não conhece.

Nesse processo, não se trata propriamente de entregar ou de

transferir às massas populares a explicação mais rigorosa dos fatos como algo

acabado, paralisado, pronto, mas contar, estimulando e desafiando, com a

capacidade de fazer, de pensar, de saber e de criar das massas populares.

Na alfabetização pós-alfabetização não nos interessa transferir ao

Povo frases e textos para ele ir lendo sem entender. A reconstrução nacional,

exigem de todos nós uma participação consciente em qualquer nível, exige

ação e pensamento, exige prática e teoria, procurar descobrir de entender o

que se acha mais escondido nas coisas e aos fatos que nós observamos e

analisando.

A reconstrução nacional precisa de que o nosso Povo conheça mais e

melhor a nossa realidade.

Paulo Freire diz que a leitura do mundo precede a leitura da palavra.

Ou seja, antes de uma pessoa ser alfabetizada e aprender a decodificar, se

gundo esse preceito, ela já saberia ler implicitamente, mas não as palavras

grafadas num livro, por exemplo, mas, a grosso modo, essa pessoa sabe ler a

Page 4: Leitura de mundo Paulo Freire

vida.

Primeiro, lê-se o mundo. “Ler o mundo” significa ler os signos: as

coisas, os objetos, os sinais, etc. Vejamos o seguinte exemplo: uma criança,

que não sabe ler, vê fumaça em abundância saindo de uma janela. Mesmo não

sendo alfabetizada, a criança lê o que está inserido no mundo – no nosso caso,

o signo “fumaça” – e entende que aquilo pode querer dizer, entre outras coisas,

fogo. Isso é ler o mundo e é por isso que Paulo Freire diz que essa leitura

precede a leitura da palavra. Mesmo não-alfabetizada, a criança entende o que

se passa. Ela não precisa ler a palavra “fumaça” ou a palavra fogo” ou, ainda, a

frase “Há fogo naquele apartamento”. Posteriormente, quando ela aprender a

ler e escrever, ela ligará a imagem à palavra, fazendo uma leitura completa e

não apenas uma decodificação.

Porém é necessário lembrar que ela já lia as figuras, os signos. O mundo.

Falar de Leitura do Mundo no âmbito da alfabetização é se referir

diretamente ao legado do educador Paulo Freire. Para ele, o alfabetizando

antes de entrar no universo da leitura e da escrita já tem uma Leitura de

Mundo. E essa leitura precede a leitura da palavra. Alfabetizar para Freire é

problematizar a realidade em que os educandos estão inseridos para, a partir

daí, transformá-la, desvelando as desigualdades de classe, conscientizando e

engajando alfabetizadores e alfabetizandos para a arena da politização. A

linguagem enquanto ideologia para indagar acerca do mundo em que vivem os

educandos.

A Leitura do Mundo continua válida como estratégia

pedagógica de uma educação libertadora na qual ler o

mundo é condição necessária para a sua transformação.

(ANTUNES, 2002: 2)

É válido pensarmos dessa forma, pois, com a Leitura do Mundo, a

alfabeti zação se torna crítica e emancipatória, viabilizando o

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desencadeamento de uma pedagogia libertadora. A Educação como Prática de

Liberdade tão evocada por Paulo Freire. Ler o Mundo para transformá-lo, eis a

tarefa de educadores e educandos imersos no processo de alfabetização.

Se é verdade que toda linguagem contém os elementos de

uma concepção de mundo e de uma cultura, também o será

para que através da linguagem de cada um se possa julgar a

maior ou menor complexidade de sua percepção de mundo

(GRAMSCI, 1978: 32)

Julgar, indagar, refletir acerca da realidade, são tarefas fundamentais

para que o exercício da Leitura do Mundo seja engajado na luta pela

transformação do mundo em que vivemos. A realidade opressora deve ser

revelada para que a partir daí possamos modificar essa conjuntura,

promovendo assim uma pedagogia do oprimido que não leva ao fracasso e sim

a assunção problematizadora de seu contexto. Ler o Mundo pressupõe o

exercício permanente do diálogo. Não é a partir de uma relação verticalizada

que garantiremos uma verdadeira Leitura do Mundo. As múltiplas leituras

devem ser compartilhadas e socializadas, para que o conhecimento seja

construído dessa forma. A alfabetização fica tanto mais rica quanto mais

viabiliza a consolidação de sujeitos históricos em seu processo.

A educação que se impõe aos que verdadeiramente se

comprometem com a libertação não pode fundarse numa

compreensão dos homens como seres 'vazios' a quem o

mundo 'encha' de conteúdos; não pode basear-se numa

consciência espacializada, mecanicistamente

compartimentada, mas nos homens [e mulheres] como

'corpos conscientes' e na consciência como consciência

intencionada ao mundo. Não pode ser a do depósito de

conteúdos, mas a da problematização dos homens em suas

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relações com o mundo. (FREIRE, 1982: 77) (grifo do autor)

Referência bibliográfica

FREIRE, Paulo. A Importância do Ato de Ler: em três artigos que

se completam. 22 ed. São Paulo: Cortez, 1988. 80 p.