leitura de imagens e narrativas: entrecortando-se na produção

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Revista Linguasagem 21° Edição www.letras.ufscar.br/linguasagem Leitura de imagens e narrativas: entrecortando-se na produção escrita. Elizângela Fernandes dos Santos 1 Sandra Patrícia Ataíde Ferreira 2 INTRODUÇÃO É por se acreditar que a produção de textos (orais e escritos) é o ponto de partida e ponto de chegada de todo processo de ensino/aprendizagem e também, por ser um espaço de interlocução “onde o sujeito articula aqui e agora um ponto de vista sobre o mundo” - (GERALDI, p.136, 1997) e também um ponto de encontro de fenômenos linguísticos, fazer uso do texto (narrativo) representa o momento de o sujeito distanciar-se de sua produção em direção a um discurso que retoma acontecimentos sucessivos - sejam fictícios ou não explicitando-os através de personagens, espaço e tempo determinados. Além disso, o uso do texto narrativo estimula o desvendar de vivências passadas, experiências pessoais a que cada indivíduo interioriza. Em outras palavras, significa dizer o passado não é o antecedente do presente, é sua fonte” Bosi (1987. p. 48) . Explorar, portanto, o texto narrativo é, também, possibilitar o reconhecimento cognitivo deste evento, pois não é apenas recapitular, mas também evidenciar a reconstrução e mobilização de um sujeito que dialoga com o seu entorno. Assim, os conhecimentos, a bagagem simbólica que cada indivíduo carrega consigo deve ser explorado na escola, um espaço de intensa diversidade e propiciadora de diferentes estímulos, despertando-se para a realidade de que o aluno convive em seu cotidiano com diferentes formas de linguagem, como assegura Orlandi (1988 p.38). No caso do presente estudo, a proposta didática analisada vislumbrou articular a produção de um texto narrativo escrito (uma linguagem verbal) à leitura de imagens (uma linguagem visual), tratando-se, pois, de uma tentativa de explorar a intertextualidade (relação de um texto com outro) bastante citada nos manuais de Língua Portuguesa, mas pouco explorada pelos professores que esquecem que mais do que uma utilização de outros textos (verbais e não verbais), esta intertextualidade permite uma reflexão sobre as leituras anteriores e valoriza o vasto conjunto de conhecimentos construídos que, na superfície textual encontram-se mergulhados a nível sintático (elemento linguísticos) e significativo (elementos não linguísticos). A partir disso, três questionamentos emergem: a) quais são os elementos lingüísticos e não lingüísticos ativados no ato 1 Graduada em Letras pela UFPE e Especialista em Psicologia na Educação do Departamento de Psicologia e Orientação Educacionais, do Centro de Educação, da UFPE. E-mail: [email protected] 2 Professora Adjunto do Departamento de Psicologia e Orientação Educacionais, do Centro de Educação, da UFPE. E- mail: [email protected]

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Leitura de imagens e narrativas: entrecortando-se na produção escrita.

Elizângela Fernandes dos Santos1

Sandra Patrícia Ataíde Ferreira2

INTRODUÇÃO

É por se acreditar que a produção de textos (orais e escritos) é o ponto de partida e ponto de

chegada de todo processo de ensino/aprendizagem e também, por ser um espaço de interlocução –

“onde o sujeito articula aqui e agora um ponto de vista sobre o mundo” - (GERALDI, p.136, 1997)

e também um ponto de encontro de fenômenos linguísticos, fazer uso do texto (narrativo) representa

o momento de o sujeito distanciar-se de sua produção em direção a um discurso que retoma

acontecimentos sucessivos - sejam fictícios ou não – explicitando-os através de personagens, espaço

e tempo determinados. Além disso, o uso do texto narrativo estimula o desvendar de vivências

passadas, experiências pessoais a que cada indivíduo interioriza. Em outras palavras, significa dizer

“o passado não é o antecedente do presente, é sua fonte” Bosi (1987. p. 48) . Explorar, portanto, o

texto narrativo é, também, possibilitar o reconhecimento cognitivo deste evento, pois não é apenas

recapitular, mas também evidenciar a reconstrução e mobilização de um sujeito que dialoga com o

seu entorno. Assim, os conhecimentos, a bagagem simbólica que cada indivíduo carrega consigo

deve ser explorado na escola, um espaço de intensa diversidade e propiciadora de diferentes

estímulos, despertando-se para a realidade de que o aluno convive em seu cotidiano com diferentes

formas de linguagem, como assegura Orlandi (1988 p.38).

No caso do presente estudo, a proposta didática analisada vislumbrou articular a produção

de um texto narrativo escrito (uma linguagem verbal) à leitura de imagens (uma linguagem visual),

tratando-se, pois, de uma tentativa de explorar a intertextualidade (relação de um texto com outro)

bastante citada nos manuais de Língua Portuguesa, mas pouco explorada pelos professores que

esquecem que mais do que uma utilização de outros textos (verbais e não verbais), esta

intertextualidade permite uma reflexão sobre as leituras anteriores e valoriza o vasto conjunto de

conhecimentos construídos que, na superfície textual encontram-se mergulhados a nível sintático

(elemento linguísticos) e significativo (elementos não linguísticos). A partir disso, três

questionamentos emergem: a) quais são os elementos lingüísticos e não lingüísticos ativados no ato

1 Graduada em Letras pela UFPE e Especialista em Psicologia na Educação do Departamento de Psicologia e

Orientação Educacionais, do Centro de Educação, da UFPE. E-mail: [email protected] 2 Professora Adjunto do Departamento de Psicologia e Orientação Educacionais, do Centro de Educação, da UFPE. E-

mail: [email protected]

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da produção escrita? b) Qual a contribuição da leitura de imagens (socialmente conhecidas) na

produção da narrativa em seus aspectos não linguísticos? c) Em que medida o uso das imagens,

socialmente conhecidas, interferem no desenvolvimento da situação–problema dentro da história?

Esses questionamentos impulsionaram a realização desse trabalho que visa explorar a leitura

de imagens e suas implicações pedagógicas como instrumento dialógico no ato de contar histórias

bem como a identificação e o comprometimento de estruturas lingüísticas e não lingüísticas na

composição do texto narrativo - história.

Após um levantamento na literatura nacional acerca do uso da imagem articulado à

produção escrita do texto narrativo, encontrou-se apenas um estudo comparativo entre as mais

diversas formas de se ler um texto narrativo (JUNIOR, 2004), Característica das leituras de

imagens por alunos dos primeiros anos do Ensino fundamental. Com outra proposta pedagógica

encontraram-se as publicações de Martins, (2005), e a de Gouvêa (2005) que objetivou uma

investigação acerca de como as imagens presentes em livros didáticos de ciências são lidas e

compreendidas por estudantes, cujo título Práticas de leitura de Imagens em livros didáticos de

Ciências. Outra publicação foi na área de educação sobre imagem e texto verbal nos livros do

ensino fundamental II de Belmiro (UFF/2004), Imagens e textos verbais na construção dos jovens

sujeitos leitores, e, por último, a de SIMÕES e DUTRA (UFRJ/2006) sobre Iconicidade, a leitura e

o projeto do texto.

Assim, diante deste panorama, acredita-se que o presente estudo pode trazer contribuições

relevantes no sentido de favorecer uma reflexão, por parte dos professores ou profissionais da área

de produção textual, acerca do uso das imagens como ferramenta propiciadora da produção escrita,

com conteúdos diversificados, e como possibilitadora do acionamento dos conhecimentos de

mundo, das experiências culturais e individuais conservados na memória, como assegura Ferrara

(1993).

DISCUSSÃO TEÓRICA

Leitura de imagens

Uma das mais antigas formas de relação do homem com o mundo é através das imagens.

Elas circulam em nossa sociedade, ora como expressão de uma cultura ou ideologia, ora como

revelação de uma comunicação com o outro, com a sociedade, a fim de instaurar novas leituras,

registrar novas formas que resultam nas mais diversas imagens. Entretanto, mais que um resultado

de ação artística e criativa, a imagem também é fruto do comportamento humano diante de um

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ponto de vista. Talvez seja por isso o interesse de historiadores, antropólogos, sociólogos e

educadores em discutir o que está por trás das imagens e, mais, em usá-las como proposta de

construção do conhecimento. Sim, porque a imagem deixa de ser uma mera ilustração para passar a

ser uma representação cognitiva e lingüística (BARBOSA, 1995).

O texto não-verbal ou a linguagem visual que muitas vezes “comunica de forma mais

direta e objetiva do que as palavras” (PICCININI; GOUVÊA; MARTINS, 2005, p.5 ), é espaço,

também, para a problematização não só da própria linguagem visual, mas também do que está

envolvido em sua leitura. Leitura esta compreendida como um processo de construção de sentidos,

no qual jogam a intencionalidade do autor, a materialidade do texto e as possibilidades de

ressignificação do leitor. Em outras palavras, as diversas faces de um texto não-verbal é um campo

excelente para se desenvolver a produção de outros textos, pois a imagem desenvolve com o texto

verbal uma relação de complementaridade.

A complementaridade das imagens e das palavras também reside no fato de

que se alimentam umas das outras. Não há qualquer necessidade de uma co-

presença da imagem e do texto para que o fenômeno [complementaridade]

exista. As imagens engendram as palavras que engendram as imagens em

um movimento sem fim. (JOLY, 1996, p. 121)

Isto consiste em dizer que a imagem dificilmente pode mostrar aquilo que a escrita

possibilita, por exemplo, comentários, legendas, títulos, artigos de imprensa, relações espaço -

temporais, assim como dificilmente a escrita mostra aquilo que a imagem possibilita, por exemplo,

o seu valor sígnico ainda que de modo disperso, mas representado pelos traços, tamanhos, textura,

cores etc.

A complementaridade onsiste em conferir à imagem uma significação que

parte dela, sem com isso ser-lhe intrínseca. Trata-se, então, de uma

interpretação que excede a imagem, desencadeia palavras, um pensamento,

um discurso interior, partindo da imagem que é suporte, mas que

simultaneamente dela se desprende. (JOLY, 1996, p.120)

Portanto, a imagem enquanto linguagem não é tomada no sentido de transmissão de

informação, mas como mediadora (transformadora) entre o homem e a realidade natural e social

(ORLANDI, 1988, p. 38); que instaura diversas possibilidades de significados/compreensões a

partir da sua articulação com o sujeito, historicamente situado. Como assegura Ferrara (1993, p.

15),

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[...] seu sentido [da imagem] por força sobretudo da fragmentação que o

caracteriza, não sugere a priori, mas decorre da sua própria estrutura

significante, do próprio modo de produzir-se no e entre os valores sígnicos

que o compõem. Este significado não está dado, mas pode produzir-se.

Assim, a leitura de imagem possibilita ao seu leitor a capacidade de relacionar-se com o

universo simbólico a que está submetido, bem como a exercitar a intertextualidade e a

interdiscursividade. (ORLANDI, 1988, p. 38)

E diante da infinidade de leituras possíveis a partir da imagem, fazer seu uso em sala de aula

significa desencadear a leitura de mundo que o aluno traz, ou seja, as suas experiências com todas

as formas de linguagem e da sua articulação dentro e para o uso do texto verbal.

A leitura da imagem como uma tecnologia incorporada à cultura, está

ampliando seu campo e retomando a projeção que teve no passado. O texto

ocupou grande espaço a partir da invenção da imprensa e da democratização

do acesso à informação escrita. Na chamada sociedade moderna, a ênfase

dada à educação pela imagem, muitas vezes, vista como uma atividade

marginal, associada à ornamentação ao lúdico, ao dispensável, secundário,

ilustrativo, acelerou, consequentemente, uma perda gradual da educação

pela imagem. Hoje ninguém aprende a lê-la (BARBOSA, 1995. p. 6)

Interpretar a mensagem visual é, portanto, dialogar de maneira a explorar não uma

mensagem preexistente, mas em compreender o que essa mensagem, naquelas circunstâncias,

provoca de significações aqui e agora, é compreender o que ela nos suscita, é compará-la com

outras interpretações e nesse embate “construir uma interpretação num momento X, e em

circunstância Y”. (JOLY, 1996 p.66).

Elementos linguísticos e não - linguísticos

O estudo do texto como manifestação de fenômenos lingüísticos e não - linguísticos

chegou ao Brasil em meados da década de 80, através da lingüística textual (FÁVERO, 2002, p.5),

que define o texto como:

[...] qualquer passagem falada ou escrita que forma um todo significativo

independente da sua extensão. Trata-se, pois, de um contínuo comunicativo

contextual caracterizado de textualidade: contextualização, coesão,

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coerência, intencionalidade, informatividade, aceitabilidade, situcionalidade

e intertextualidade.

Assim, independente da sua extensão ou da quantidade de idéias suscitadas, o texto

para sê-lo necessita de eventos comunicativos interligados, os quais ocorrem dentro e fora dele.

Logo, a partir desta dinâmica regida pelo campo sintático e campo semântico, o texto é dotado de

características: sociocomunicativas; semântico–conceituais; unidades sintáticas e espaço para a

inscrição do outro. Em outras palavras, quando se produz um texto (oral ou escrito) ele é regido por

regras sociais de interação comunicativa determinadas pelo conhecimento partilhado entre os

interlocutores, ou seja, precisa ser percebida pelo recebedor como um todo significativo (COSTA

VAL, 1999, p. 4). Além disso, a autora destaca que o texto é formado por constituintes linguísticos

que devem se mostrar reconhecivelmente integrados, de modo a permitir que ele (texto) seja

percebido como um todo coeso. E por fim, é para o outro que se produz o texto e esse outro não se

insere apenas na leitura, ou na produção de sentidos, mas também já no ato da produção textual,

como condição necessária para que o texto exista.

Texto (oral ou escrito) é precisamente o lugar das correlações: construído

materialmente com palavras (que portam significados) organizadas em

unidades maiores para construir informações cujo sentido/orientação

somente é compreensível na unidade global do texto. Este dialoga com

outros textos sem os quais não existiria. (LEITE, 1997, p.102).

A construção material a que se refere a autora diz respeito ao modo como os elementos

lingüísticos, presentes na superfície textual, encontram-se interligados (sintaxe); já a unidade global

refere-se às relações de sentido que se estabelecem entre os enunciados que compõem o texto,

fazendo com que a interpretação de um elemento qualquer seja dependente da interpretação de

outros. Têm-se, portanto, a classificação de dois fatores de textualidade responsáveis por essa

dinâmica textual lingüística, que são: a coesão e a coerência textuais. A primeira que diz respeito à

forma (coesão) e a segunda, ao campo conceitual, ambas trabalhando para um discurso

significativo.

Coesão Textual

A utilidade dos mecanismos de coesão como fatores de eficácia do discurso, segundo

Costa Val (1999, p. 7-8), “torna a superfície textual estável e econômica, enquanto fornece

possibilidades variadas para a continuidade e a progressão do texto além da explicitação de

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relações, principalmente, na escrita.” Eis aí, segundo a própria autora, uma das grandes facetas do

recurso coesivo dentro do texto: o efeito gradual entre um jogo de escolhas lingüísticas que

constroem comunicação entre as partes micro - textuais do texto. E ainda de acordo com Costa Val

(1999. p, 21):

A continuidade tem a ver com sua unidade, pois um dos fatores que fazem

com que se perceba um texto como um todo único é a permanência, em seu

desenvolvimento, de elementos constantes. Uma seqüência que trate a cada

passo de um assunto diferente certamente não será aceita como texto.

Logo, coesão não se esgota como recurso de ligar ou conectar uma palavra à outra, uma

frase à outra, mas também se estende a uma relação macro - textual no sentido da inteira

distribuição significativa. Nesse sentido, Nunes (1996, p. 29) afirma:

A coesão define-se, então, como um fenômeno da organização superficial

do texto. Orientado para o estabelecimento da continuidade seqüencial que,

por sua vez, viabiliza e assimila um outro tipo de continuidade que a

constituição semântica do texto impõe.

Sobre a relação entre a coesão e a coerência, há autores, como Marcusch (1985) e Koch

(2005), que asseguram que é possível um texto ser dotado de coerência sem coesão. Isto quer dizer

que, em muitos momentos, a não explicitude das unidades lingüísticas na superfície do texto não

compromete o desencadear das idéias e dos objetivos significativos dentro do discurso. Embora,

neste trabalho, não se tem a pretensão de entrar no mérito desta questão, defende-se que ambas,

coesão e coerência, caminham juntas e harmonicamente.

Segundo Fávero (2002), didaticamente, a coesão se apresenta em três tipos de

modalidades: a referencial (ocorre entre dois ou mais elementos da superfície textual que remetem

a um mesmo referente); a sequencial (diz respeito aos procedimentos linguísticos responsáveis pelo

estabelecimento de tipos de interdependência semântica e pragmática entre enunciados ou parte

deles) e a recorrencial (constitui um meio de articular a informação nova à velha, o fluxo

informacional, progride, caminha).

Dentre as unidades lingüísticas que compõem a superfície do texto tem-se o uso dos

artigos definidos, os pronomes demonstrativos (para determinar entidades já mencionadas), uso dos

pronomes anafóricos (que concordam em gênero e número com o termo que substituem). Essas

unidades aparecem na superfície textual promovendo não só a continuidade no plano linguístico,

mas também a progressão, que no caso da coesão, é a retomada de elementos linguísticos com a

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finalidade de trazer a informação nova. “Há no português, construções, palavras e locuções que

servem para destacar de maneira especial o tópico de uma passagem colocando-o em posição de

foco: até, quanto a, a respeito de, etc...” Entretanto, o uso dessas unidades também pode ser

suprimido a fim de causar um efeito estilístico (realçar ou suavizar algum termo ou expressão), mas

que são, rapidamente, reiteradas pela gramática intuitiva a que todo falante detém (COSTA VAL,

1999). Isto proporciona o momento de encontro e reflexão de todo os conhecimentos simbólicos

construídos a partir das relações interativas e contextualizados.

Coerência Textual

Para alguns teóricos (Marcuschi e Koch), definir a coerência textual é tarefa bastante

difícil, pois a sua responsabilidade em tornar uma seqüência lingüística em texto, exige a ativação

de outras instâncias (conhecimento de mundo, conhecimento partilhado, inferências, etc...) que

extrapolam a superfície textual, mas que são necessárias para a produção da unidade global

significativa do texto.

Ainda que não se consiga com exatidão definir a coerência, pode-se ao menos reconhecer

o espaço de constante diálogo em que ela se constrói. E essa constatação é resultado da relação

interdependente entre quem escreve ao produzir e quem lê ao atribuir (interpretar), conforme

assegura Orlandi (1988). Ou seja, é o processo de interação comunicativa entre o leitor e o produtor

que estabelece a construção do sentido ou dos sentidos em um texto.

Seu [o texto] sentido por maior precisão que lhe queira dar seu autor, e ele o

sabe, é já na produção um sentido construído a dois. Quanto mais, na

produção, o autor imagina leituras possíveis que pretende afastar mais a

construção do texto exige do autor o fornecimento de pistas para que a

produção do sentido na leitura seja mais próxima ao sentido que lhe quer dar

o autor. (ORLANDI, 1997, p. 102)

Assim, o sentido não existe em si, mas é determinado por posições ideológicas colocadas

em jogo no processo sócio-histórico em que as palavras são produzidas, e a mudança de sentido da

palavra vai depender do objetivo a que se quer dar o produtor. Logo, é possível reconhecer que

além da construção da coerência ser num espaço simbolicamente instituído por meio da linguagem,

também é resultado de uma operação cognitiva, pois não só a seleção de idéias e eventos advindos

do produtor textual é “responsável pela a construção do sentido, mas também depende,

fundamentalmente, do leitor, de sua atitude de cooperação, de sua habilidade de desvendar o sentido

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do texto e, especialmente, de sua bagagem cognitiva” (TREVISAN, 1992, p. 23). Logo, construir o

significado de um texto e, por conseguinte, dizer ser ele é coerente, necessita da interação de outros

eventos tais como os conhecimentos de mundo, o enciclopédico, o contextual, os armazenados na

memória, as crenças, as convicções, as atitudes diante da situação apresentada. Em outras palavras,

“o conhecimento veiculado pelo texto é captado, ao adequar-se aos conhecimentos armazenados na

memória, no momento da atividade de compreensão” (TREVISAN, 1992, p. 24)

A relação da memória com a armazenagem de conhecimentos e a utilização deles é

fundamental na atividade de compreensão, logo, na constituição da coerência. Tais conhecimentos,

como dizem Koch e Travaglia (1998, p. 187), consistem em “uma espécie de dicionário

enciclopédico do mundo e da cultura arquivado na memória e que são adquiridos pelos indivíduos à

medida que vivemos, tomando contato com o mundo que nos cerca e experimentando uma série de

fatos”. O conhecimento de mundo a que cada usuário da língua apreende, desempenha importante

papel no estabelecimento da coerência. De modo que quanto maior for o grau de compartilhamento

entre os elementos ativados pelo texto e o conhecimento de mundo pelo leitor, tanto maior será a

compreensão que este terá do texto. Há, portanto, necessidade de certo equilíbrio entre o

conhecimento de mundo de produtor e do leitor, como salienta Trevisan (1992). Esse equilíbrio

refere-se aos conhecimentos que os indivíduos têm em comum. Esse tipo de conhecimento está

relacionado à forma de o indivíduo construir o sentido do texto através de informações novas e

velhas.

Se um texto contivesse apenas informação nova, seria inteligível, pois

faltariam ao leitor/receptor as bases (âncoras) a partir das quais ele poderia

proceder ao processamento cognitivo do texto. De outro lado, se o texto

contivesse somente informação dada, ele seria altamente redundante, isto é,

caminharia em círculo sem preencher seu propósito comunicativo. (KOCH;

TRAVAGLIA, 1998, p. 64)

Isso significa dizer que nesse jogo pela busca entre o ponto de equilíbrio (informação

nova versus informação velha) verifica-se que a “apreensão do sentido do texto não ocorre somente

a partir do texto, mas vai além” (TREVISAN, 1992, p. 27). O texto, a partir das unidades

lingüísticas que apresenta, permite, então, leituras não intencionadas ou previstas pelo produtor, de

modo que este nunca poderá prever todas as leituras possíveis que o texto suscita como diz Koch

(2005). E essas leituras possíveis é conseqüência da construção única e particularizada do individuo

que, no ato da compreensão, desenvolve um processo, também único e particularizado, de

estabelecer conexões entre a superfície lingüística com toda a sua bagagem de conhecimentos e que

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“o levam a construir o sentido do texto que lê ou escuta” (TREVISAN, 1992, p.53). A essa

atividade de produzir a construção de um sentido a partir da conexão entre elementos formais do

texto com o conhecimento de mundo, crenças, etc..., denomina-se inferência.

O ato de inferir, ou seja, de preencher e recuperar as informações implícitas é decisivo na

produção do sentido, logo, no estabelecimento da coerência, pois elas contribuem para a

organização do sentido. E essa contribuição essencial à compreensão do texto é possibilitar o acesso

a informações futuras e estabelecer a continuidade de sentido, tornando-se um fator fundamental

para a construção da coerência.

PRODUÇÃO TEXTUAL NARRATIVA: HISTÓRIAS

O ato de contar histórias, seja pela modalidade oral ou escrita, é uma prática bastante

comum entre os usuários de uma língua. Isso, não só porque a narrativa, fundamentalmente,

organiza facilmente nosso pensamento ou interação com os outros seres humanos, mas também

porque a narrativa é produzida por um sujeito – num dado grupo social, num dado tempo e num

determinado espaço – que expõe idéias, anseios, temores, expectativas da sua época e da sua

sociedade, conforme Eco (1994 apud BROCKMEIER ;HARRÉ, 2003).

Todo texto narrativo tem um caráter histórico, não no sentido de que narra fatos históricos,

mas no de revelar idéias e concepções do período em que ele foi produzido.

Em seu sentido mais corrente e geral, a narrativa é o nome para um conjunto

de estruturas lingüísticas e psicológicas transmitidas cultural e

historicamente, delimitadas pelo nível do domínio de cada indivíduo e pela

combinação de técnicas sócio-comunicativas e habilidades lingüísticas.

(BRUNER, 1991, p. 21 apud BROCKMEIER; HARRÉ 2003)

Observa-se, então, que a produção de um texto narrativo permite ao indivíduo exercitar a

reflexão (semântica e lingüística) através da retomada de acontecimentos passados, presentes e até

mesmo, a confabulação de ações futuras. Ou seja, ao se narrar algo, ou algum evento, uma situação

complicada, uma intenção, um sonho, uma angustia, a situação comunicativa estruturada pelos

elementos constitutivos do gênero narrativo, demonstram as mudanças progressivas de estado que

vão ocorrendo com as pessoas e com as coisas através do tempo. Tem a ver com a transmissão de

nossa cultura e tradições e é um tipo de produção que, depois de feita, tem vida independente do

autor e da época, mantendo-se sempre atual. É importante ressaltar também, a acepção que aqui se

dá ao termo autor, sob a luz do caráter discursivo do sujeito, que está determinado pela

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exterioridade (contexto sócio-histórico) e que implica numa posição de natureza mais social,

autônoma, ao mesmo tempo em que ele se remete à sua própria interioridade (ORLANDI, 1988, p

79). Assim, produzir narrativas significa delimitá-las por princípios de constituição bastante

precisos, sendo possível especificar seu início, desenvolvimento e seu final apresentando

características peculiares como: organizações lingüísticas (elementos coesivos) e componentes

estruturais (personagens, tempo e espaço bem definidos, verbos de ação, enredo fixo). Segundo a

teoria de Larivaille (1982) a narrativa para passar do estado inicial para chegar ao estado final se

organiza em três seções:

►Estado inicial: nele é feita a apresentação das personagens, lugar e tempo;

►Transformação: processo dinâmico, que provoca mudança no estado inicial;

►Estado final: novo equilíbrio, que resulta das mudanças que o estado inicial sofreu.

E esse processo se apresenta bastante nas narrativas, principalmente, a mudança de um

estado que é marcada pela relação temporal/espacial que acarreta num momento transitório regido

pela dinâmica das ações.

Uma narrativa ideal começa por uma situação estável que uma força

qualquer vem perturbar. Disso resulta um estado de desequilíbrio, pela a

ação de uma força dirigida em sentido inverso, o equilíbrio é restabelecido:

o segundo equilíbrio é semelhante ao primeiro, mas os dois nunca são

idênticos. (PERRONI, 1992, p. 74)

Esse desequilíbrio a que se refere a autora, é desencadeado por ações singulares (inclusão

de novos personagens, exploração de outros cenários ou comportamentos) que levam a uma

mudança de estado e, consequentemente, ao desenrolar da história.

O interessante é que, por um lado, na medida em que nos conta as histórias de alguns

personagens, geralmente em tempo e espaço bem definidos, um universo fictício pode ser visto

como um pequeno mundo infinitamente mais limitado que o mundo real. Por outro lado, na medida

em que adicionam alguns indivíduos, circunstâncias e eventos ao conjunto do universo real (que

serve como fundamento), podem-se considerar maior que o mundo de nossas experiências. “A

partir desse ponto de vista, o universo fictício não termina com a estória propriamente, mas se

extende indefinidamente.” (Eco, 1994 apud BROCKMEIER ;HARRÉ, 2003). Isso devido ao fato

das narrativas, mais do que as outras seqüências tipológicas (argumentar, expor, descrever etc...)

evidenciar aspectos indissociáveis dos jogos de linguagem, das práticas concretas colocadas em

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ação através do uso das palavras às quais carrega consigo os traços de todos os sujeitos, possíveis e

reais, que já empregaram tal palavra. Como diz Eco (1994, p.63 apud BROCKMEIER ;HARRÉ,

2003).

[...] os leitores ou ouvintes de uma estória fictícia precisam conhecer várias

coisas sobre o mundo real para poderem assumi-lo como o fundamento

correto para o mundo fictício. Eles permanecem com um pé no mundo de

fato e o outro no universo narrativo do discurso.

Tal análise faz concluir que o conteúdo de uma história não existe em si mesmo, mas

relacionado com situações vividas, recriadas a partir dessas mesmas experiências, mas de uma

forma tão intensa que o sentido posterior que lhes é dado aprofunda e esclarece a própria

experiência. A linguagem assume, assim, uma potencialidade de organização de sentido que, posta

em prática pelo produtor, traz à superfície realidades que foram marcantes ao longo de um percurso

pessoal.

A realidade cotidiana é percebida por cada um de nós de um modo muito

particular, damos sentido às situações por meio do nosso universo de

crenças, elaborado a partir das vivências, valores e papéis culturais inerentes

ao grupo social a que pertencemos. As representações nos permitem

decodificar e interpretar as situações que vivemos. Os nossos filtros

interpretativos nos permitem apropriarmo-nos dessa realidade e agirmos

sobre ela utilizando, por vezes, modelos que antecipam o comportamento

dos outros. E assim vamos construindo um percurso individual feito de

cruzamentos de histórias que vivemos ou que ouvimos contar. (GALVÃO,

2002, p. 342)

E essa realidade de caráter subjetivo alcança sucesso quando os interlocutores envolvidos

começam a se entrecortar na construção/interpretação dessa história, é como se a aceitabilidade

daquele evento narrado dependesse de ambos (produtor e leitor), ou seja, o cruzamento de histórias

que vivemos ou que ouvimos falar, bem como aceitar esse discurso significa despertar os

conhecimentos partilhados, crenças, ideologias a que os interlocutores/narradores dentro de um

contexto-histórico estão submetidos. Portanto, não basta, apenas, fazer a narração de um evento

respeitando as estruturas e a forma, mas o processo de contar história aponta, também, para a

necessidade de considerar os aspectos macro-lingüísticos relativos a um determinado tipo de texto.

Logo, diversos fatores estão envolvidos no estabelecimento da compreensão, ou melhor, da

coerência, daquilo que está sendo narrado, seja do ponto de vista daquele que recebe o texto

(leitor/ouvinte), seja daquele que produz o texto (narrador).

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Segundo a gramática de história (STEIN, 1982), esses aspectos são: manutenção do tópico,

relação entre os eventos narrados e relação entre os eventos presentes no desenvolvimento da

história e de seu desfecho, os quais são assim definidos:

► Manutenção dos personagens ao longo da narrativa: agentes que participam e estão engajados

nos eventos que compõem a história;

► Relação entre os eventos narrados que precisam estar conectados entre si pelos personagens, e

que contribuem para a unidade da narração;

► Relação entre os eventos presentes no desenvolvimento da história e seu desfecho, de forma que

uma história coerente deve finalizar com uma conclusão ou desfecho que envolve tanto os

personagens, como também uma relação estreita com os episódios narrados.

A utilização desses aspectos permite a progressão textual, bem como a articulação de

informações velhas às novas. Assim, não só cabe à superfície textual a responsabilidade de fazer

progredir o texto, mas também promover as relações pragmático-semânticas difundidas no texto e

inferidas a partir dele.

DELINEAMENTO METODOLÓGICO

Tendo como objetivos identificar o uso dos elementos linguísticos e não -linguísticos na

produção do texto narrativo escrito e observar a leitura de imagens na produção do mesmo, buscou-

se evidenciar a presença e a seleção desses elementos nos textos produzidos por alunos do 7º ano do

Ensino Fundamental de uma escola particular. O corpus analisado é composto por quatro textos de

uma turma de total de 36 alunos. A escolha por esses textos segue o critério da não repetição das

imagens que ao total foram seis (O coisa, Cinderela, Alladin, Pocahontas, Ursinho Pooh, Tinger

Bell).

A atividade ocorreu em sala de aula, na disciplina de redação e a aplicação didática seguiu o

modelo de Ott (1984 apud BROCKMEIER; HARRÉ 2003) que postula a seqüência didática,

usando a leitura de imagem como objeto de análise.

O primeiro passo foi preparar os alunos para atividade, fazendo especulações acerca das

imagens. Em seguida, as imagens foram afixadas no quadro branco e os educandos foram

questionados quanto ao que viam, como: as emoções que cada uma suscita, suas trajetórias e o

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contexto que foram originadas, fazendo, portanto, um trabalho de ativação de conhecimentos

prévios e de interpretação. Por último, foi pedido que elaborassem um texto narrativo (gênero

estudado na unidade escolar em questão) a partir da leitura daquelas imagens.

ANÁLISE DOS RESULTADOS

Baseada nos critérios de Fávero (2002) e Antunes (1996), através do mapeamento colorido

disperso no texto (partes destacadas coloridas) inicialmente, procedeu-se a uma análise das histórias

em relação aos fenômenos linguísticos, percorrendo a seguinte ordem: a) coesão referencial por

substituição - analisando as ocorrências das pro - formas pronominais e adverbiais; b) coesão

referencial por reiteração – analisando a ocorrência dos hiperônimos e hipônimos; c) coesão

sequencial temporal – analisando as ocorrências das ordenações lineares dos elementos; d) coesão

sequencial conexão – analisando os operadores lógicos e discursivos. Como segue abaixo:

OCORRÊNCIAS DOS FENÔMENOS LINGUISTICOS

Coesão Referencial por Substituição e Reiteração.

A coesão Referencial subdivide-se em: por substituição e por reiteração. Ambas, presentes

em todos os textos analisados. A por substituição apresenta-se de duas maneiras: uma, recorrendo-

se ao uso das pro-formas1 pronominais, que dizem respeito ao uso dos pronomes em 3ª pessoa,

sendo o mais comum nos textos analisados o emprego de ele(s)/ela(s) - que também recebe a

classificação de pronome anafórico - retomado de um termo escrito anteriormente na superfície

textual - e a outra pelas por - formas adverbiais, que dizem respeito ao emprego dos advérbios (no

nosso caso, apenas o de lugar).

A coesão por reiteração, que é a repetição de expressões no texto, se apresenta por meio da

utilização de hiperônimos, hipônimos2, sinonímia

3 e repetição do item lexical.

Coesão sequencial por conexão

1 Elemento gramatical representante de uma categoria como, por exemplo, o nome; caracteriza-se por baixa densidade

sêmica ; traz as marcas do que substitui. (FÁVERO , 2002, p.24). 2 É quando o primeiro elemento mantém com o segundo uma relação parte-todo, elemento-classe. (FÁVERO 2002, p.

24) 3 É a identidade semântica entre os elementos lexicais.

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Diz respeito às relações entre as partes do texto que devem estabelecer conexões (operadores

do tipo lógico4 e discursivo

5). Nos textos analisados, todos utilizaram esse recurso, seja pelo uso das

conjunções aditivas e/nem - presentes em todo o corpus - seja pelo uso das contrajunções ou

conjunções opositivas. E também o uso da relação causa versus conseqüência presente nos Textos 1

e 4. Abaixo um exemplo do Texto 1:

Texto 1: Um novo quase habitante

Um dia, nos Estados Unidos da América, tinha um ursinho muito divertido chamado Puft,

que mora em uma floresta muito encantadora e (conjunção aditiva) viu na televisão a folia que era

o carnaval no Brasil e Pernambuco.

Passado seis Puft comprou a passagem e ( conjunção aditiva) foi para o Brasil, lá ele já viu

no aeroporto a alegria que o “time” brasileiro representava, logo que chegou em Pernambuco foi

para um hotel cinco estrelas, e (conjunção adversativa) como na floresta em que vivia não existia

dinheiro ele pagou a diária com uma pombinha de ouro.

No dia do carnaval Puft colocou uma fantasia, de empresário (porque - conjunção causal -

é totalmente diferente de um empresário) e (conjunção aditiva) foi pular carnaval, tirou muitas fotos

e (conjunção aditiva) depois de um mês voltou para sua terra natal.

Quando chegou lá mostrou suas fotos aos seus amigos que decidiram juntamente com Puft a

ir todos os anos ao Brasil e (conjunção aditiva) todos os anos vi ao Brasil com seus amigos, Puft

virou um quase habitante.

MATRIZ (termo de origem) REFERENTE (termo de origem

retomado)

Estados Unidos da América

Floresta (hiperônimo);

lá (pro - forma adverbial);

terra natal (sinonímia).

Puft

ele (pro-forma ronominal/pronome

anafórico);

Fantasia de empresário (Sinonímia).

Brasil

lá (pro-forma adverbial);

Pernambuco (hiperônimo)

Observa-se que o uso da conjunção (e) é bastante freqüente, mas também que, os seus

sentidos são bem diferentes. Ora, provocando o sentido de adição de idéias/ações, ora causando a

4 A relação lógica que o escrito/locutor estabelece entre duas proposições. (FÁVERO, 2002)

5 Tem por função estruturar os enunciados do texto dando-lhes os seus sentidos argumentativos. (FÁVERO, 2002)

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idéia de adversidade, oposição. Cabe ao leitor perceber a relação que um enunciado tem com o

outro para realizar a identificação das conjunções aditivas e adversativas.

Existe também a ocorrência da conjunção com valor causal (porque) que narra o motivo de

usar a fantasia de empresário. Já a ocorrência da hiperonímia, que estabelece uma relação de

inclusão entre a parte com o todo, isto é, entre Estados Unidos da América (todo) e floresta (parte),

e, entre Brasil (todo) e Pernambuco (parte), é um recurso coesivo interessante que delimita,

especifica os fatos narrados. O uso da sinonímia, outro recurso coesivo bastante utilizado, recupera

textualmente, exemplo, os Estados Unidos da América substituído por terra natal.

Texto 2: Aladin é um voador

Era uma vez um menino chamado Aladin, todo mundo chamava ele de Alan. Alan tinha

um tapete voador, pois (conjunção causa) ele voava quando tinha alguma emergência.

Um dia ele tinha uma emergência, e (conjunção aditiva) teve que voar, na hora que ele vôo

ele viu uma menina muito linda voando e (conjunção aditiva) se apaixonou à primeira vista, quase

que ia caindo de tão linda era linda. Quando chegou contou logo(conjunção conclusiva) pro seu

melhor amigo que era o macaquinho. Ele foi com o macaquinho atrás da menina, mas

(conjunção adversativa) ele não viu, procurou tanto que ele nem achou. Chegaram em casa muito

cansados foram dormi.

No outro dia o macaquinho tava dizendo que ela não existia, mas (conjunção adversativa)

alan tava dizendo que era verdade, depois de muito tempo descobriram quer era só um sonho de um

menino alan.

MATRIZ (termo de origem) REFERENTE(termo de origem retomado)

Alladin um menino (sinonímia);

ele (pro-forma pronominal/pronome anafórico);

Allan (sinonímia).

Menina Ela (pro-forma pronominal/ pronome anafórico).

Macaquinho Amigo (sinonímia)

Novamente, o uso da conjunção aditiva nesse Texto 2 é bastante recorrente e sempre com o

sentido de adição de idéias/ações. Outra conjunção usada é a que exprime oposição, sendo

identificada por Fávero (2002) como contrajunção. No caso do Texto 2, ocorre no momento que

Alladin procura a menina mas não a encontra. Ora, mesmo Alladin tendo uma visão mais

privilegiada, pois estava voando, ainda assim não encontrou a tal menina.

Um fenômeno interessante que ocorreu no Texto 2 é o fato de que no final do penúltimo

parágrafo aparece a desinência de número, ainda que os sujeitos não tenham sido explicitados

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naquela oração, assegurando assim, a progressão textual no nível horizontal e proporcionando o

sentido do texto em cada um dos seus segmentos, como se exemplifica abaixo:

“[...] Chegaram em casa muito cansados foram dormi.[...]”

Texto 3: O possível fim do era uma vez.

Uma vez (EU) estava andando perto do porto do Recife e (conjunção aditiva) vi alguns

personagens de desenhos animados presos por correntes grandes e grossas, entre eles estavam As

menina superpoderosas, o coisa, a tinger bell, os simpsons e pocarrontas. Fui ver o que estava

havendo ali, Perguntei ao comandante do navio o que havia e (conjunção aditiva) ele disse que os

personagens foram presos pelo encantado de Sher. Então (conjunção conclusiva) eu fingi que

também estava presa, (EU) fui até o covel do mal do encantado e (conjunção aditiva) lá tinham

vários frascos coloridos, Eu me escondi e (conjunção aditiva) vi o encantado dizer: Ó meu povo de

armados, eu o grande Rei encantado, guardarei sua graça e magia dentro desse potes coloridos.

Eu neste momento vi a pocarrontas se soltando e (conjunção aditiva) enquanto o encantado

Virava Para Beber água ela o golpeou nas costas e (conjunção aditiva) fugiu, fui atrás dela e vi ela

num barco indo embora, Fiquei feliz por ela mas (conjunção aditiva) voltei para ajudar os outros,

destranquei o barco e (conjunção aditiva) quando todo já entravam, (EU) levei um soco na cara do

comandante e (EU) caí no chão quando vi pocarrontas apareceu e jogou o capitão fora do navio,

Manda todos entrarem e (conjunção aditiva) fez meu nariz parar de sangrar. (EU) Desci do navio e

(conjunção aditiva) todos os animados foram embora, Para onde não sei, só sei que até hoje não vi

mais a pocarrontas, só sinto que ela está sempre ao meu lado, sempre perto de mim.

MATRIZ (termo de origem) REFERENTE (termo de origem

retomado)

Porto do Recife Ali (pro-forma adverbial).

Personagens Eles (pro-forma pronominal/anafórico);

Todos (pro-forma pronominal)

Pocahontas Ela (pro-forma pronominal/ anafórico);

Dela (pro-forma)

Cavel do mal

Lá (pro- forma adverbial)

Comandante Capitão (sinonímia)

Barco Navio (sinonímia)

Eu Mim/me/meu (pro-forma pronominal)

No Texto 3, o narrador participa de todos os eventos narrados, concluí-se isso devido ao fato

de alguns verbos se encontrarem em 1ª pessoa do singular:

“[...] Uma vez (EU) estava andando [...]” / “[...] (EU) Fui ver o que estava havendo ali[...]”

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O reporte do pronome (EU) mediante o uso dos verbos conjugados em 1ª pessoa do singular

torna a classificação linguística desse narrador-personagem em sujeito oculto, que é bastante

trabalhado em todos os manuais de Língua Portuguesa, e, portanto, um excelente recurso coesivo.

O uso da sinonímia que, no Texto 3, é realizada entre os termos comandante e capitão,

ocorrendo a simetria entre os dois termos, apenas, a nível de superfície textual que, rapidamente,

um reporta-se ao outro, mas que ambas não apresentam semelhanças de funções em suas condições

reais.

Fora isso, observa-se que diferentemente do Texto 1, o uso da pro-forma adverbial (ali)

aparece apenas uma vez, ainda que exista dois cenários (dentro do navio e no porto do Recife),

embora o navio esteja dentro do porto do Recife. Talvez tenha sido esse o raciocínio do produtor em

retomar o cenário apenas uma vez. Porém isso torna o texto confuso, principalmente, na ocasião

narrada (2º parágrafo)

Não se sabe, portanto, em que cenário está o narrador-personagem na hora em que viu

Pocahontas indo embora, mas que retorna para ajudar os outros personagens. O uso dos anafóricos

mais uma vez é requisitado, igualmente nos textos anteriores, mas não porque o aluno desse nível

escolar tenha noção de redundância, mas por uma questão lógica de ser mais fácil recapitular algo

disperso na superfície textual do que as estruturas não recobráveis.

Texto 4: Mudança de vida …

Como podemos vê, a moça ao lado é Cinderella, a garota que se casou com um príncipe

por causa (conjunção causal) de um sapatinho de cristal. Ela casou-se e (conjunção aditiva) foi

morar num incrível palácio, porém (conjunção adversativa) o príncipe andava mudado, não queria

mais sair com Cinderella, nem (conjunção aditiva) dava mais flores e (conjunção aditiva) por isso

ela andava entristecida. Um dia o príncipe saiu no meio da noite e Cinderela o seguiu ele o

encontrou dando uma aliança para outra mulher, então (conjunção conclusiva) ela correu para o

palácio, pegou suas roupas e (conjunção aditiva) se separou do principe que logo (conjunção

conclusiva) casou de novo. Cinderela decepcionada logo (conjunção conclusiva) ficou em um bar

olhando o movimento e apareceu um homem, sentou-se ao lado dela e (conjunção aditiva) convidou

ela para cantar e (conjunção aditiva) ela não recusou subiu no palco e (conjunção aditiva) deu um

tremendo show e desde então dedicou sua vida a carreira de cantora e virou uma pop star super.

MATRIZ (TERMO DE ORIGEM) REFERENTE (termo de origem

retomado)

Cinderella Moça/garota/pop star (sinonímia);

Ela (pro-forma pronominal/anafórico).

Príncipe Ele (pro-forma pronominal/ anafórico).

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No Texto 4, a ocorrência do referente anafórico (ela) equipara-se com a quantidade de vezes

que aparece a matriz (Cinderella), diferentemente de todos os textos que ora apareciam mais a

matriz (como acontece com a matriz príncipe), ora mais o anafórico. Outro detalhe é quanto ao uso

da sinonímia, por exemplo, a matriz Cinderella aparece através dos referentes (moça; garota). O

mais interessante é que os termos garota e moça, textualmente, exprimem o mesmo sentido, pois as

diferenças entre moça e garota nem sempre são claras no contexto real para esse público (alunos do

7º ano). Neste texto não ocorre a pro – forma adverbial. Talvez isso se deva ao fato deste apresentar

três cenários bastante isolados um do outro (palácio, local do encontro e bar).

O uso da conjunção aditiva (e) mais uma vez se repete, entretanto, nesse texto ocorre

também o único caso de conjunção aditiva, nem, quando comparado aos outros textos analisados. O

relevante dessa conjunção é que além de adicionar idéias, dá uma atribuição negativa ao invés de

utilizar puramente o advérbio de negação não. Há também a escolha de uma contrajunção ou

conjunção adversativa, diferente do mas, que no caso foi o uso do porém. Não que mude o sentido

de unir ações opostas, mas que em todos os textos analisados, a primeira ocorrência dessa

conjunção (porém) se deu nesse texto. Outro evento inédito foi o uso da conjunção causal por

causa:

„[...] Como podemos vê, a moça ao lado é Cinderella, a garota que se casou com um príncipe por

causa de um sapatinho de cristal [...]”

A relação de causa e conseqüência comumente andam juntas, entretanto no caso do Texto 4,

não haveria a necessidade de explicitar a causa, o motivo (sapatinho de cristal que coube no pé de

Cinderela) que fez o príncipe casar-se com Cinderela. Assim, caso o produtor houvesse omitido a

causa, mesmo assim, seria possível concluir como foi que as coisas aconteceram, uma vez que o

conto de fadas Cinderela é socialmente conhecido nesse público. Exemplo:

“[...] essa é a Cinderela que casou - se com o príncipe [...]”

Coesão Sequencial temporal

Esse tipo de coesão diz respeito à progressão do fluxo informacional, ou seja, faz o discurso

“caminhar”. Portanto, é o meio de articular a informação velha à nova, ordenando linearmente os

fatos. A ocorrência da coesão sequencial temporal foi utilizada nos Textos 3 e 4 analisados, como

demonstrado nos exemplos que se seguem.

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TEXTO 3: O possível fim do era uma vez.

“[...] pocarrontas se soltando [...]” “[...] ela indo embora [...]” “[...] pocarrontas apareceu e

jogou o capitão fora do navio, mandou todos entrarem [...]”

O referente Pocarrontas foi retomado sendo que, nesse caso, com a função de adiantar o

discurso, ou seja, registrando as diferentes ações por ela praticadas.

TEXTO 4: Mudança de vida.

“[...] apareceu um homem, sentou-se ao lado dela e convidou ela para cantar e ela não

recusou subiu no palco e deu um tremendo show [..]”

O referente Cinderela foi retomado pela pro - forma pronominal ela, mas que introduziu

novas ações, permitindo, portanto, ocorrer a progressão textual.

OCORRÊNCIAS DOS FENÔMENOS NÃO-LINGUÍSTICOS

Para essa análise será realizada, primeiramente, a constatação das características do gênero

narrativo história, e, em seguida, destacar-se-á a importância das inferências e conhecimentos de

mundo para se atingir uma leitura global e, por conseguinte, significativa.

A construção psicológica e o percurso a que cada produtor-aluno se propôs a fazer, dentro

do texto narrativo, são fruto dos conhecimentos armazenados, das leituras de mundo que cada

autor/narrador tem. Para tanto, utilizar-se á das seguintes nomenclaturas baseadas em Beaugrande e

Dressler (1981) considerando os seguintes aspectos:

a) A manutenção dos personagens: são os personagens que participam e que estão engajados nos

eventos que compõem a história.

Tipo P1: personagem principal indefinido.

Tipo P2: personagem principal definido que desaparece no decorrer da história.

Tipo P3: personagem principal definido e mantido ao longo de toda a narração.

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b) A relação entre os eventos narrados: é a articulação, o diálogo entre as partes do texto que

garantem a progressão textual.

Tipo E1: aquelas histórias que apresentam vários eventos, sendo difícil definir o principal,

mas que apresentam alguma relação entre si, estando, por exemplo, ligados pelos mesmos

personagens e ao redor de uma trama principal.

Tipo E2: histórias que apresentam um evento principal, trama ou situação-problema central,

bem definida que rege toda a história e as ações dos personagens.

c) A relação entre os eventos presentes no desenvolvimento da história e seu desfecho: é a

finalização da história que envolve tantos os personagens, como também uma relação estreita com

os episódio narrados.

Tipo D1: neste caso há ausência de um desfecho.

Tipo D2: apesar de a história apresentar um desfecho, este não apresenta uma relação com o

evento principal ou mesmo com o tema tratado na história.

Tipo D3: desfecho definido e em estreita relação com o evento principal, trama ou situação-

problema.

No Texto 3, a narrativa se procede com narrador personagem, ou seja, ele participa dos

eventos narrados. E isso se constata pela a utilização dos enunciados de fazer7 e ser

8, como mostram

os exemplos abaixo:

“Uma vez (eu) estava andando perto do porto do recife e (eu) vi alguns personagens de desenhos

[...] Eu neste momento vi a pocarrontas se soltando [...]”

Além dessa característica, o Texto 3 também apresenta uma outra particularidade – o não

aparecimento de um personagem principal, mas de dois protagonistas: o autor da narrativa e a

Pocahontas.

7 Fazer: são os que mostram as transformações, os que correspondem às passagens do enunciado de um estado a outro.

(FIORIN, 2006, p.28)

8 Ser: são os que estabelecem uma relação de junção/disjunção/junção entre um sujeito e o objeto (FIORIN, 2006, p. 28)

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A ocorrência do evento (P1 - personagem principal indefinido) é mantida ao longo da

narrativa, portanto, não ocorre a perda da continuidade textual, visto que o leitor consegue

engendrar a compreensão do texto através das ações mobilizadas ora pelo o autor do texto, ora pelas

atitudes de Pocahontas.

Os textos 1, 2 e 4 apresentam a ocorrência (P3). Os personagens Pooh, Aladin e Cinderela,

respectivamente, desde o primeiro parágrafo, são apresentados como principais, como se observa

nos trechos iniciais das histórias a seguir:

“Um dia, nos Estados Unidos da América, tinha um ursinho muito divertido chamado Puft, que

mora em uma floresta muito encantadora [...]”

“Era uma vez um menino chamado Aladin, todo mundo chamava ele de Alan.Alan tinha um tapete

voador, pois ele voava quando tinha alguma emergência.”

“Como podemos vê, a moça ao lado é Cinderella, a garota que se casou com um príncipe por causa

de um sapatinho de cristal.”

Quanto à relação entre os eventos, os Textos 1 e 4 apresentam a ocorrência (E2- história

com trama que rege toda a história), pois a seqüência de ações marcadas pela mudança de

parágrafo, no caso do Texto 1, revela essa continuidade de ações, como se verifica abaixo:

“Um dia, nos Estados Unidos da América, tinha um ursinho muito divertido chamado Puft,

que mora em uma floresta muito encantadora e viu na televisão a folia que era o carnaval no Brasil

e Pernambuco.

Passado seis Puft comprou a passagem e foi para o Brasil, lá ele já viu no aeroporto a alegria

que o “time” brasileiro representava, logo que chegou em Pernambuco foi para um hotel cinco

estrelas, e como na floresta em que vivia não existia dinheiro ele pagou a diária com uma pombinha

de ouro.”

Já no Texto 4, uma série de atitudes praticadas pelo príncipe (mudança de comportamento),

foi gerando outras, em Cinderela ( a desconfiança de que algo não estava bem entre os dois).

Observa-se que diferentemente do Texto 1, o Texto 4, inicialmente, apenas descreve a condição de

Cinderela e de como se tornou princesa. É no final de um possível parágrafo (uma vez que o

narrador produziu o seu texto em apenas um) que começam as mudanças. Observe:

“[...] porém o príncipe andava mudado, não queria mais sair com Cinderella, nem dava mais flores e

por isso ela andava entristecida Um dia o príncipe saiu no meio da noite e Cinderela o seguiu ele o

encontrou dando uma aliança para outra mulher, então ela correu para o palácio, pegou suas roupas

e se separou do príncipe que logo casou de novo.”

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O fato do aluno-autor ter produzido apenas um parágrafo talvez esteja associado à questão

do desfecho ser encarado por ele como finalizador de apenas uma situação-problema: “mudança de

vida”. Ou seja, Cinderela se separa, mas supera o problema (a traição) e torna-se uma pop star.

Mas não é só o Texto 4 que apresenta desfecho definido e em estreita relação com o evento

principal ou situação-problema (D3), os Textos 1 e 3 também seguem esse tipo de desfecho, pois o

Pooh (Texto 1) vai ao Brasil, diverte-se no carnaval pernambucano, volta para os EUA e todos os

anos vem para o Brasil nesse período. Já no Texto 3, os personagens principais (narrador

personagem e Pocahontas) se mobilizam: ela quer volta para ajudar o narrador personagem, que já a

tinha ajudado anteriormente, e ao qual auxilia na hora em que o nariz dele está sangrando. E isso

também o classifica como uma história com evento principal, trama ou situação-problema central,

bem definido que rege toda a história e as ações dos personagens (E2), como mostra o trecho da

história abaixo:

“[...] voltei para ajudar os outros, destranquei o barco e quando todo já entravam, levei um soco na

cara do comandante e caí no chão quando vi pocarrontas apareceu e jogou o capitão fora do navio,

Manda todos entrarem e fez meu nariz parar de sangrar.”

Apenas o Texto 2 apresenta vários eventos, sendo difícil definir o principal (E1) e a

finalização da história não apresenta uma relação com o evento principal ou mesmo com o tema

tratado na história (D2). Isso porque o aluno-autor, primeiramente, diz que Aladin usa o tapete

mágico apenas nos casos de emergência, mas não informa-nos qual emergência, pois enquanto voa

ele avista uma moça muito bonita que o tira da sua missão :

“Um dia ele tinha uma emergência, e teve que voar, na hora que ele vôo ele viu uma menina muito

linda voando e se apaixonou à primeira vista, quase que ia caindo de tão linda era linda [..]”

Percebe-se, portanto, que o autor não retoma mais a tal emergência. O desfecho em (D2) é

praticamente a conseqüência dessa falta de continuidade do evento principal (E1), ou seja, o que foi

dito no primeiro parágrafo, não se relaciona em quase nada com o que foi dito no último, como se

pode verificar:

“Era uma vez um menino chamado Aladin, todo mundo chamava ele de Alan. Alan tinha um tapete

voador, pois ele voava quando tinha alguma emergência.” (PRIMEIRO PARÁGRAFO)

“No outro dia o macaquinho tava dizendo que ela não existia, mas alan tava dizendo que era

verdade, depois de muito tempo descobriram quer era só um sonho de um menino Alan.” (

ÚLTIMO PARÁGRAFO)

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A questão da inferência, outro parâmetro de análise do presente artigo, que necessita do

conhecimento de mundo para que ela ocorra, foi requisitada em todos os textos, portanto, entre

aquilo que o autor quer dizer e aquilo que o leitor infere, depende da seleção de palavras e de

conhecimento de mundo que detém o autor.

Assim, para cada texto analisado se fará apenas um recorte de conhecimento inferido e de

mundo. No caso do Texto 1 o fato de o ursinho Pooh ser dos EUA (uma superpotência mundial,

tanto economicamente, como politicamente forte = conhecimento inferido) fez com que seu autor

também produzisse que ao invés de ser potinho de mel (o qual Pooh adora) fosse de ouro, até

porque mel não pagaria as despesas de se hospedar num hotel cinco estrelas, conforme o autor

narra.

“[...] logo que chegou em Pernambuco foi para um hotel cinco estrelas, e como na floresta

em que vivia não existia dinheiro ele pagou a diária com uma pombinha de ouro.”

Como o ursinho Pooh é dos Estados Unidos, é provável que tenha dinheiro e não pode se

hospedar em qualquer hotel, e esse raciocínio é fruto do conhecimento a que todos nós temos em

relação a quem vem de outros países, principalmente EUA, onde muitas pessoas vão para lá com a

finalidade de “ajuntar” dinheiro. Outro aspecto interessante, é quanto à fantasia do ursinho, que no

caso é de empresário:

“No dia do carnaval Puft colocou um fantasia, de empresário (porque é totalmente diferente de um

empresário) [...]”

Portanto, para o produtor do texto fantasia tem que ser algo diferente de quem ou do que

você é, o fato, provavelmente, de o ursinho Pooh ter se hospedado em um hotel cinco estrelas, ter

vindo dos Estados Unidos da América, ter dinheiro mas não ser pessoa. A fantasia de empresário

(ou seja, uma pessoa) seria uma boa indumentária que representa bem o que você é, no caso dele,

um ursinho rico.

Já no Texto 2, o fato de Allan ter se apaixonado à primeira vista por uma menina muito

linda e talvez se desviado da sua “emergência”, faz concluir que vale a pena ir atrás dela

(conhecimento inferido), entretanto, ele a procura mas não encontra:

“[...] Ele foi com o macaquinho atrás da menina, mas ele não viu, procurou tanto que ele nem

achou.”

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É se baseando talvez na ideia de que nos sonhos acontecem coisas inexplicáveis, que o autor

narra o fato de Allan não ter encontrado essa menina linda, pois ela era tão linda que não era

possível existir (conhecimento inferido a partir dos contos de fadas e da experiência sobre os

sonhos):

“[...] Chegaram em casa muito cansados foram dormi. No outro dia o macaquinho tava dizendo que

ela não existia, mas alan tava dizendo que era verdade, depois de muito tempo descubriram quer era

só um sonho de um menino alan.”

No Texto 3, assim como em quase todas as histórias de conto de fadas, há o súdito (o

comandante), o vilão (o Rei Encantado) e a turma do bem (as meninas super-poderosas, o coisa, a

tinger bell, os simpsons e a pocahontas). O vilão vive num castelo (navio) e tem o poder de fazer o

mal (guardar em potes as magias que cada personagem possui) e para destruí-lo tem-se que unir

forças (narrador-personagem e Pocahontas). Esse raciocínio paralelo orientou a construção do

enredo dessa narrativa. (Conhecimento de mundo)

A autora se apropriou de todos esses conhecimentos para articular, a partir da imagem de

Pocahontas (conhecida pela sua bravura), o percurso que cada personagem tomaria. Percebe-se que,

quando o encantado (o vilão) bebe água, ele dá às costas (Conhecimento inferido), pois é a hora em

que Pocahontas se solta e o golpeia. Pode-se inferir que esse golpe foi em um momento de

distração, uma vez que se não o fosse, ele (rei encantado) teria visto:

“[...] Eu neste momento vi a pocarrontas se soltando e enquanto o encantado Virava Para Beber

água ela o golpeou nas costas e fugiu [...]”

O Texto 4, em que aparece Cinderela como personagem principal, tem trama desenrolada a

partir de uma seqüência de atitudes por parte do príncipe, como se pode observar no trecho em

seguida:

“[...] o príncipe andava mudado, não queria mais sair com Cinderella, nem dava mais flores e por

isso ela andava entristecida Um dia o príncipe saiu no meio da noite e Cinderela o seguiu ela o

encontrou dando uma aliança para outra mulher [...]”

Assim, a mudança de comportamento do príncipe com Cinderela acrescida às saídas à noite,

bem como ao acontecimento de vê-lo entregando uma aliança para outra mulher, faz concluir que é

uma traição (conhecimento inferido). Para o aluno-produtor, as seqüências de comportamentos

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apresentadas pelo príncipe, são indícios de quem pratica uma traição. E isso pode ser inferido pelo o

que diz o aluno-produtor mais adiante:

“[...] Cinderela o seguiu ele o encontrou dando uma aliança para outra mulher, então ela correu para

o palácio, pegou suas roupas e se separou do príncipe que logo casou de novo.”

Mas Cinderela superou essa traição, tornando-se cantora. Assim, para a autora do texto, em

um momento como esse de separação, de decepção, nada como se dedicar à vida profissional

(conhecimento de mundo trazido para o texto).

“[...] Cinderela decepcionada logo ficou e em um bar olhando o movimento e apareceu um homem,

sentou-se ao lado dela e convidou ela para cantar e ela não recusou subiu no palco e deu um

tremendo show e desde então dedicou sua vida a carreira de cantora e virou uma pop star super

famosa.”

Antes Cinderela era apenas uma princesa que era sustentada pelo príncipe, agora, uma super

pop star que “deu a volta por cima”.

. Pensa-se que a imagem contribui na construção narrativa, através do desencadear que ela

provoca, justamente, na articulação daquilo que o autor/narrador sabe a respeito do mundo, bem

como a respeito daquilo que se quer dizer (ORLANDI, 1988). Significa dizer, que em todos os 4

(quatro) textos analisados neste artigo, a leitura de imagem foi realizada de modo denotativo, ou

seja, objetivamente, descrevendo as pessoas, as ações. E de modo conotativo, isto é, ressaltando as

apreciações do intérprete, aquilo que a imagem sugere e/ou faz pensar o leitor, enveredando-se,

portanto, para a utilização das inferências e do conhecimento de mundo.

Partindo-se do pressuposto de que estes textos foram produzidos sob um contexto não de

avaliação, mas sim de instrumento de sondagem acerca do gênero narrativo história e,

principalmente, que a produção dos mesmos foi realizada a partir da leitura de imagens de desenhos

animados socialmente conhecidos pela faixa etária investigada, evidenciou que ler uma imagem

possibilita o desprendimento da realidade na qual os personagens estão submetidos, bem como a

superação da primeira impressão que a linguagem iconográfica pode estabelecer. Assim, articular as

imagens com a narrativa não cumpre a função, apenas, de ilustrar, mas também de produzir

conhecimento e desvelar as nossas próprias emoções e experiências.

Considerações Finais

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Com este estudo verificou-se que trabalhar com narrativas escolares é uma atividade

enriquecedora não só pela variedade de recursos linguísticos ali requisitados, mas também pelo

acesso à bagagem simbólica a que cada indivíduo constrói, e que é acionada no ato daquela

produção. Porém, ao associá-la ao uso da linguagem iconográfica, amplia-se esse sentido, pois a

narrativa envereda para uma atividade lúdica e inusitada, mas ao mesmo tempo torna-se veículo de

respostas das intervenções do meio sobre nós, logo um trabalho que vai além do domínio do gênero

narrativo história, mas que também evidencia o desempenho expressivo de toda bagagem simbólica

a que nós, usuários da língua, detemos, acionando a memória, estimulando o senso critico da

apreciação de uma imagem e a observação do mundo ao redor (ORLANDI, 1988).

A aula de produção textual articulada as mais diversas formas de linguagem que circulam

em nosso meio social, permite destacar em sala de aula, as relações entre as modalidades escritas e

visuais, ou seja, reconhece que independentemente do suporte a que essa linguagem seja veiculada,

continua sendo o lugar de correlações (LEITE, 1997), isto é, tanto as palavras como as imagens

portam significados, e que organizadas, juntamente, objetivam construir sentidos e trazer

informações. E isso, foi encontrado em todos os textos analisados, ora mais evidente, como nos

Textos 1, 2 e 4, ora menos articulado com a imagem em si, mas sim, com o conhecimento acerca do

personagem, como no Texto 3. Mas em todos eles, confirma- se o que Joly (1996) afirma sobre a

relação de complementaridade entre o verbal e não verbal. Com isso, conclui-se que a imagem e

escrita se alimentam uma da outra, entrecortando-se para a expansão da compreensão textual e a

concretização do imaginário.

Outro resultado relevante diz respeito à cooperação harmônica dos recursos coesivos para a

construção do sentido, logo a coerência. Observou-se, por exemplo, que no Texto 3 quanto mais

equivocado é o uso de estruturas lingüísticas na superfície textual, mais difícil torna-se a produção

de sentidos e, consequentemente, mais incoerente torna-se o texto. Assim como, outro fator

responsável pela incoerência nos textos analisados (Texto 3), foi a dificuldade de desenvolver a

situação-problema (parte constitutiva) do gênero história com a imagem observada. Pois, para que

ocorra a progressão de cenas e fatos, dependem de uma intriga, de uma situação difícil, de uma

mudança de um estado para outro, como atesta Fiorin (2006) e que no caso desse Texto (3) não foi

contemplada. Então, a partir dessa verificação, surge o seguinte questionamento: em que medida o

uso de imagens, socialmente conhecidas, dificultam a criação da situação-problema na história?

Manejar com todas essas instâncias que se afloram nessa atividade de interlocução é

reconhecer que produzir um texto é ir além da escrita e da leitura, mas é também a capacidade de se

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reportar a construções cognitivas que se registram nas palavras. Verifica-se, portanto, que o texto

(narrativo) é um excelente campo de reflexão da escrita, mas não porque ela conecta um enunciado

ao outro, ou por que transforma os conteúdos - através de personagens individualizados - mas

também porque dessa conexão emerge o diálogo necessário para a compreensão significativa do

texto entre o autor e o leitor, através das inferências e conhecimentos de mundo.

Mais do que dar uma sugestão de atividade de produção textual a partir de leitura de

imagens, é instaurar o seu confronto com a finalidade de perceber que os recursos linguísticos, não

linguísticos e a imagem, quando associados, promovem o despertar de interpretações, cumprindo

com um dos principais propósitos da linguagem: espaço de interlocução.

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ANEXO

FIGURA 1

FIGURA 2

FIGURA 4: Cinderela

Figura 4

FIGURA 3