leite - mitos e verdades

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LEITE - MITOS E VERDADES LACTOSE Frases como “a lactose faz a pele engrossar” ou “a lactose dificulta a absorção de proteínas” são muito comuns de serem ouvidas em rodas de conversa em academias ou até mesmo por alguns profissionais da área da saúde. Esses mitos são vistos muitas vezes como verdade absoluta, e uma grande parte dos praticantes de atividade física preocupados com a sua definição muscular acabam fugindo do leite e seus derivados a todo custo. Mas será que existe alguma explicação fisiológica para ser usada como base para essas afirmações? De onde e porque surgiram esses mitos? A lactose A lactose é o açúcar encontrado no leite, um dissacarídio formado por uma molécula de glicose e uma de galactose. Por ser uma molécula muito grande, a lactose precisa ser degradada em compostos absorvíveis nas microvilosidades do intestino delgado Essa degradação é feita pela lactase, uma enzina hidrolítica que possibilita a quebra da lactase em monosssarídios, possibilitando assim a absorção intestinal da lactose. Algumas pessoas têm uma deficiência na produção dessa enzima, o que caracteriza a intolerância à lactose. A intolerância à lactose tem maior incidência em negros, judeus e asiáticos, podendo chegar a 90% nesses últimos, enquanto em brancos de descendência européia esses níveis ficam em torno de 25%. Um indivíduo intolerante à lactose que consuma leite pode sofrer de dores abdominais, cólicas e diarréia, devido ao acúmulo de água na luz intestinal em virtude do efeito osmótico causado pela incapacidade de fracionar a molécula de lactose para ser absorvida (McArdle, 2003). Porém já existem no Brasil diversas marcas de leite com baixa lactose, possibilitando assim o consumo de produtos lácteos por pessoas intolerantes. O iogurte também é uma boa opção para essas pessoas, já que a lactose é quebrada em compostos menores durante o processo de fermentação o qual o iogurte é submetido.

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LEITE - MITOS E VERDADES

LACTOSE

Frases como “a lactose faz a pele engrossar” ou “a lactose dificulta a absorção de proteínas” são muito comuns de serem ouvidas em rodas de conversa em academias ou até mesmo por alguns profissionais da área da saúde. Esses mitos são vistos muitas vezes como verdade absoluta, e uma grande parte dos praticantes de atividade física preocupados com a sua definição muscular acabam fugindo do leite e seus derivados a todo custo. Mas será que existe alguma explicação fisiológica para ser usada como base para essas afirmações? De onde e porque surgiram esses mitos?

A lactose

A lactose é o açúcar encontrado no leite, um dissacarídio formado por uma molécula de glicose e uma de galactose. Por ser uma molécula muito grande, a lactose precisa ser degradada em compostos absorvíveis nas microvilosidades do intestino delgado Essa degradação é feita pela lactase, uma enzina hidrolítica que possibilita a quebra da lactase em monosssarídios, possibilitando assim a absorção intestinal da lactose. Algumas pessoas têm uma deficiência na produção dessa enzima, o que caracteriza a intolerância à lactose. A intolerância à lactose tem maior incidência em negros, judeus e asiáticos, podendo chegar a 90% nesses últimos, enquanto em brancos de descendência européia esses níveis ficam em torno de 25%. Um indivíduo intolerante à lactose que consuma leite pode sofrer de dores abdominais, cólicas e diarréia, devido ao acúmulo de água na luz intestinal em virtude do efeito osmótico causado pela incapacidade de fracionar a molécula de lactose para ser absorvida (McArdle, 2003). Porém já existem no Brasil diversas marcas de leite com baixa lactose, possibilitando assim o consumo de produtos lácteos por pessoas intolerantes. O iogurte também é uma boa opção para essas pessoas, já que a lactose é quebrada em compostos menores durante o processo de fermentação o qual o iogurte é submetido.

A lactose pode influenciar a definição muscular?

A lactose tem um índice glicêmico baixo (46 ± 2) (Foster-Powell, 2002), não causando sozinha um grande aumento nos níveis de insulina. Já o leite tem um índice insulinênico bastante elevado (Ostman, 2001), causando aumentos 3 a 6 vezes maiores na insulinemia do que o esperado levando em consideração apenas o índice glicêmico da lactose. Especula-se que essa diferença seja causada pelas proteínas presentes no leite, pois se sabe que a adição de aminoácidos a uma mistura de carboidratos causa aumentos na insulinemia maiores do que apenas a ingestão de carboidratos sozinhos (van Loon, 2000). Apesar de um aumento na insulinemia poder levar a um aumento nos níveis de gordura corporal, a insulina é um hormônio extremamente importante, principalmente no período de pós-treino, já que ela é responsável por aumentar o fluxo de glicose e aminoácidos para as células, ajudando na síntese de glicogênio.

A lactose pode atrapalhar a utilização de proteínas?

As pessoas leigas em geral costumam ver a lactose como alguma substância de natureza obscura, algo desconhecido e que vai causar as mais diversas reações adversas no nosso corpo. Engrossar a pele, impedir o metabolismo de nutrientes, atrapalhar a definição

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muscular formando uma camada sobrenatural de tecido adiposo são uns dos males inexplicavelmente atribuídos à lactose. Porém, talvez o mais absurdo deles seja que a lactose impede a absorção de proteína. Justamente o leite, que é a única fonte de alimento nos primeiros meses de vida de tantos seres vivos, os mamíferos. Você acha que estaria aí, sentado lendo esse artigo, se o leite atrapalhasse de alguma maneira a absorção de proteínas? Você que provavelmente dependeu exclusivamente do leite materno até o primeiro ano de vida?

Leite no período pós-treino

Além dos carboidratos (lactose), o leite contém proteínas de alto valor biológico (caseína e lactoalbumina). Algumas pessoas costumam argumentar que a adição de leite no período pós-treino poderia atrapalhar a absorção de nutrientes, fazendo com que esses levassem mais tempo para serem metabolizados. Como já vimos, apesar de a lactose ter um índice glicêmico baixo, o leite tem um alto índice insulinêmico, o que é extremamente benéfico nesse período. A fração protéica do leite é composta de: 80% de caseína e 20% de lactoalbumina (mais conhecida como whey). É nesse período que os nutrientes precisam ser metabolizados mais rapidamente, para tentar reverter o mais rápido possível o balanço negativo das proteínas musculares (degradação maior que a síntese). Justamente por esse motivo que a suplementação com whey protein é bastante indicada, porém, como tudo na vida, a rápida absorção da whey também tem seu lado negativo (Boirie, 1997). A whey causa um grande aumento na aminoacidemia, porém esse aumento não dura muito tempo, não sendo suficiente para reduzir o catabolismo algumas horas após a refeição. Já a caseína causa um aumento mais discreto na concentração de aminoácidos no sangue, mas esse aumento é mais duradouro, o que levaria a um melhor balanço protéico durante um tempo prolongado. Em resumo, enquanto a whey é muito rapidamente digerida e degradada, a caseína continua fornecendo aminoácidos para o corpo por um período de tempo muito maior.

Conclusão

Para pessoas que não sofrem de intolerância à lactose, o leite desnatado pode ser um alimento muito útil, especialmente no período pós-treino, ou em qualquer horário do dia para aquelas pessoas que não estejam em dieta de definição muscular. A mistura de whey com caseína forma uma combinação perfeita de proteínas de alto valor biológico, de rápida e lenta absorção, sendo anabólica e prevenindo o catabolismo ao mesmo tempo. O leite, por ter um índice insulinêmico alto, somado ao seu alto teor de sódio, pode vir a estimular a lipogênese ou aumentar a retenção hídrica em algumas pessoas, porém esses aumentos serão como qualquer outro, sem qualquer efeito cumulativo ou prejudicial a longo prazo.

Referências:Boirie, Y., Dangin, M., Gachon, P., Vasson, M. P., Maubois, J. L. & Beaufrere, B. (1997) Slow and fast dietary proteins differently modulate postprandial protein accretion. Proc. Natl. Acad. Sci. USA 94:14930-14935.Foster-Powell K, Holt SH, Brand-Miller JC: International table of glycemic index and glycemic load values. Am J Clin Nutr 76:5–56, 2002McArdle W. D., Katch F. I., Katch V. L.: Fisiologia do Exercício – Energia, Nutrição e Desempenho Humano. Editora Guanabara Koogan S. A., Quinta edição, 2003.Ostman, E., Liljeberg, E. H. & Bjorck, I. (2001) Inconsistency between glycemic and

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insulinemic responses to regular and fermented milk products. Am. J. Clin. Nutr. 74:96-100.van Loon LJC, Saris WHM, Kruijshoop M, Wagenmakers AJM: Maximizing postexercise muscle glycogen synthesis: carbohydrate supplementation and the application of amino acid or protein hydrolysate mixtures. Am J Clin Nutr 72:106–111, 2000van Loon, L., Saris, W., Verhagen, H. & Wagenmakers, A.J.M. (2000) Plasma insulin responses after ingestion of different amino acid or protein mixtures with carbohydrate. Am. J. Clin. Nutr. 72:96-105.