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VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007 1 LEI DAS AUGI NO QUADRO DAS ALTERAÇÕES AO REGIME JURÍDICO DE GESTÃO TERRITORIAL - novas soluções para velhos problemas – O PPRJúlia Susana C. Reis (Geógrafa) e Maria Teresa Caiado F. Correia (Juiz de Direito) Rua Dr. Vasco Moniz, Edifício Varandas da Lezíria I, Bloco 2, 3º D, 2600- 273, Vila Franca de Xira, 964497482, [email protected] ou [email protected] 1. O CLANDESTINO EXISTE … E AGORA ? Resultado de apurado esforço legislativo e consequência de uma verdadeira tempestade de papel”, surge em 1995 o actual regime jurídico excepcional para a reconversão urbanística do solo e para a legalização das construções integradas em Áreas Urbanas de Génese Ilegal (AUGI) – cfr. Lei n.º 91/95, de 2 de Setembro, com a redacção introduzida pela Lei n.º 165/99, de 14 de Setembro e Lei n.º 64/2003 de 23 de Agosto. Este diploma, também conhecido como a Lei das AUGI, estabelece claramente um conjunto de procedimentos normativos e ferramentas jurídicas que apontam a reconversão como prioridade, visando a satisfação do princípio da legalidade, procurando ultrapassar uma das mais complexas teias jurídico-administrativas do urbanismo em Portugal. Este diploma veio dar um impulso considerável às reconversões em curso promovidas pelos Municípios, permitindo estabelecer regras comuns e normas de procedimentos adaptáveis consoante as realidades em concreto de cada área de reconversão. As parcerias levadas a cabo com a sociedade civil (Associações, Comissões, etc.), viram também neste diploma a sua posição legitimada, saindo assim reforçada a sua prestação enquanto parceiro privilegiado e com uma maior co-responsabilização no processo de reconversão. Palavras-Chave: Reconversão, Legalização, Desafios, Normas, Sinergias, Urbanidade. 1.1. OCUPAÇÃO CLANDESTINA: A GÉNESE DO FENÓMENO O fenómeno clandestino, consubstanciado na transformação informal e no fraccionamento ilegal do território, teve e tem em Portugal, e sobretudo nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, um significativo papel na criação do espaço urbano e na formação das periferias.

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VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007

1

LEI DAS AUGI NO QUADRO DAS ALTERAÇÕES AO REGIME

JURÍDICO DE GESTÃO TERRITORIAL

- novas soluções para velhos problemas – O PPR–

Júlia Susana C. Reis (Geógrafa) e Maria Teresa Caiado F. Correia (Juiz de Direito)

Rua Dr. Vasco Moniz, Edifício Varandas da Lezíria I, Bloco 2, 3º D, 2600- 273, Vila Franca de Xira, 964497482, [email protected] ou [email protected]

1. O CLANDESTINO EXISTE … E AGORA ?

Resultado de apurado esforço legislativo e consequência de uma verdadeira tempestade de

papel”, surge em 1995 o actual regime jurídico excepcional para a reconversão urbanística

do solo e para a legalização das construções integradas em Áreas Urbanas de Génese Ilegal

(AUGI) – cfr. Lei n.º 91/95, de 2 de Setembro, com a redacção introduzida pela Lei n.º

165/99, de 14 de Setembro e Lei n.º 64/2003 de 23 de Agosto.

Este diploma, também conhecido como a Lei das AUGI, estabelece claramente um

conjunto de procedimentos normativos e ferramentas jurídicas que apontam a reconversão

como prioridade, visando a satisfação do princípio da legalidade, procurando ultrapassar

uma das mais complexas teias jurídico-administrativas do urbanismo em Portugal.

Este diploma veio dar um impulso considerável às reconversões em curso promovidas

pelos Municípios, permitindo estabelecer regras comuns e normas de procedimentos

adaptáveis consoante as realidades em concreto de cada área de reconversão. As parcerias

levadas a cabo com a sociedade civil (Associações, Comissões, etc.), viram também neste

diploma a sua posição legitimada, saindo assim reforçada a sua prestação enquanto

parceiro privilegiado e com uma maior co-responsabilização no processo de reconversão.

Palavras-Chave: Reconversão, Legalização, Desafios, Normas, Sinergias, Urbanidade.

1.1. OCUPAÇÃO CLANDESTINA: A GÉNESE DO FENÓMENO

O fenómeno clandestino, consubstanciado na transformação informal e no fraccionamento

ilegal do território, teve e tem em Portugal, e sobretudo nas áreas metropolitanas de Lisboa

e do Porto, um significativo papel na criação do espaço urbano e na formação das

periferias.

VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007

2

Foi sobretudo a partir dos anos 60 do século XX que se assistiu a uma explosão na

ocupação do solo para fins urbanos, reflexo do extravasar dos centros até então existentes,

fruto da necessidade de obtenção de habitação própria de uma vasta camada da população,

numa época em que a oferta imobiliária não era suficiente, nem cobria as exigências de

todas as camadas sociais.

Se os bairros clandestinos dos anos 40 e 50 ofereciam alojamento barato, constituindo-se

como uma alternativa à construção em barracas (fenómeno que ocorreu principalmente na

margem norte de Lisboa) os loteadores ilegais dos anos 70 e 80 ofereceram a alternativa de

uma moradia com quintal e jardim construída pelos próprios proprietários.

Os clandestinos de “primeira geração”1 instalaram-se e cresceram por “falta de uma

política de habitação social que respondesse às necessidades do crescimento demográfico

e à instalação de população imigrante de baixos rendimentos”2. Os de “segunda geração”,

dominados pela casa própria, consolidaram-se por não haver uma “política urbanística

global que responda a um modelo de habitat eleito pela classe média com uma capacidade

de auto-investimento acrescida.”3

A urbanização clandestina é um fenómeno de transformação social, envolvendo diversos

estratos sociais da população, desde os grandes proprietários fundiários, aos

intermediários, aos pequenos empresários e construtores, à pequena burguesia urbana,

largamente associada ao clandestino do lazer e à segunda habitação junto às praias, aos

operários dos centros industriais e à população rural deslocada em busca de referências que

recriassem o seu modelo de habitat.

Esta forma de urbanização marginal surgiu como resposta a três aspectos fundamentais:4

Procura de terrenos para investimento de pequenos capitais e poupanças familiares,

proporcionando o acesso à propriedade urbana como garantia face à desvalorização da

moeda, fruto do processo inflacionário que ocorria na década de 70.

Procura de alojamento por parte dos estratos sociais de menor capacidade económica,

proporcionando casas de renda acessível, reduzindo o desfasamento entre o poder

1 O termo clandestinos de “primeira e segunda geração” é utilizado por BRUNO SOARES, Jorge Luís

(1997) “Transformação Informal do Território. Situação na Área Metropolitana de Lisboa”, in A Cidade em

Portugal: Onde se Vive, Colecção Povos e Culturas, n.º 2, pp. 345 a 351, Centro de Estudos dos Povos e

Culturas de Expressão Portuguesa, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa; 2 Idem; 3 Ibidem; 4 Ibidem;

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3

aquisitivo e o preço da habitação, contornando os aspectos do difícil acesso ao mercado do

crédito bancário;

Procura de terrenos para construção de casa própria, habitualmente de moradias

unifamiliares, recorrendo-se à auto-construção, gerida através do auxílio de familiares,

amigos e colegas de trabalho, numa articulação de esforços em que a família assume o

papel orientador do processo.

Milhares de hectares foram, em resposta a estes anseios, parcelados e destinadas à

construção sem que tenha sido emitido, por parte das autoridades competentes, a respectiva

autorização para lotear. Vastas áreas continuaram nas décadas seguintes, e continuam nos

nossos dias, embora a um ritmo diferenciado e com objectivos distintos dos iniciais, que

interessaria noutro contexto aprofundar, a ser divididas, parceladas e objecto de construção

no mais completo desrespeito para com as regras técnico-jurídicas aplicáveis, à vista de

todos, perante a lentidão, e na maior parte das vezes ineficácia, do quadro legal vigente e

das instituições competentes, tementes na maioria das vezes do preço político que resulta

de uma acção repressiva constante, sem que sejam proporcionadas alternativas viáveis e

em tempo útil para grande parte da população alvo.

Embora o processo clandestino seja complexo social e urbanisticamente, possua uma base

especulativa, e se alimente dos diversos jogos de interesses dos agentes sociais, não se

pode esquecer que a sua existência resulta da transformação ocorrida no País e mais

especificamente na sociedade portuguesa, refém das dificuldades em se reajustar, entre

outros, no campo urbanístico e habitacional, em face dos interesses sociais dominantes que

as alterações político-económicas promoveram.

1.2. AS “URBANIZAÇÕES CLANDESTINAS”...

A transformação do solo não planeada e, na maior parte das vezes, completamente

divorciada das estratégias de desenvolvimento municipal, e das regras legais e

regulamentares aplicáveis, originou estruturas urbanas com as mais diversas patologias,

tais como: ocupação de solos impróprios para construção, delapidando recursos e

destruindo equilíbrios ecológicos; ausência de infra-estruturas básicas ou incipientes cujo

alastramento da construção no território as torna inviáveis ou extremamente onerosas; falta

de espaços para equipamentos colectivos e zonas verdes; incorrecta implantação das

construções numa notória má organização do tecido urbano e dos espaços públicos,

ausência de hierarquia viária aumentando pontos de conflito; ausência de diversidade

VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007

4

funcional que suporte a permanência da população e responda às necessidades básicas

diárias e ainda ausência de relações de vizinhança com a envolvente próxima.

Esta imagem demonstra a falta de cuidado dos loteadores na promoção destas áreas

urbanas em que o parcelamento do solo é a regra básica de ocupação. A forma do

loteamento clandestino resulta da acção individual de centenas ou milhares de proprietários

movidos pelos seus interesses económicos e pelas suas aspirações sociais e culturais.

A construção clandestina é, do ponto de vista financeiro, o assumir de um risco calculado,

com possibilidade de controlar o endividamento e o investimento, em função das etapas e

ritmos de construção, realizada à medida das disponibilidades económicas, sem projecto

que coordene a sua evolução e a escolha dos materiais mais adequados e em que a

organização interna da construção se encontra, amiúde, mal solucionada, anti-regulamentar

e sem condições de habitabilidade, dando a imagem constante de obra inacabada, embora

em muitos casos o produto final seja semelhante ao das construções legais e muito superior

às dos bairros de lata e mesmo de alguns bairros sociais.

Ninguém ao iniciar o processo de construção de uma casa, ainda que clandestina, ignora

que produz igualmente património, no entanto, à partida, o seu valor estará reduzido por

condições de mercado, nomeadamente, pela incipiente existência de infra-estruturas, ou

mesmo pela sua ausência, e pela localização do terreno, isolada dos aglomerados urbanos

consolidados de cariz tradicional.

O clandestino espera que o tempo jogue a seu favor, isto é, que a periferia deixe de ser tão

periférica e que as acções estatais e, em particular, as municipais, sejam, desencadeadas

visando a consolidação e recuperação do loteamento, e, por conseguinte, a melhoria das

suas condições de habitação num interesse egoísta e especulativo do indivíduo com

absoluto desprezo pelo interesse social, numa perspectiva do máximo benefício da sua

parcela, isoladamente, sem ponderar os aspectos mais gerais dos seus actos, com prejuízos

e conflitos para a área do interesse colectivo. “O clandestino é o cadinho onde se fundem a

diversidade de condições e situações e a multiplicidade de aspirações, hoje (i)legítimas ...

amanhã legitimadas”5

5 Retirado de GUERRA, Isabel; MATIAS, Nelson (1997) “Elementos para uma análise sociológica do

movimento clandestino” in A Cidade em Portugal: Onde se Vive, Colecção Povos e Culturas, n.º 1, pp. 335 a

355, Centro de Estudos dos Povos e Culturas de Expressão Portuguesa, Universidade Católica Portuguesa,

Lisboa;

VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007

5

2. A LEI DAS AUGI: NOVAS SOLUÇÕES, VELHOS PROBLEMAS

2.1. DAS PARCELAS EM M2 AO REGIME DE COMPROPRIEDADE

A tomada de consciência do fenómeno clandestino não é nova. Em termos legislativos,

vários diplomas legais procuraram, ainda que de forma incipiente, obter resultados

práticos.

Em 1965 surge o primeiro diploma legal (DL n.º 46.673, de 29 de Novembro) que faz

depender de licenciamento da Câmara Municipal o parcelamento do solo sujeitando, pela

primeira vez, e de uma forma sistemática, a licenciamento as operações de loteamento e as

obras de urbanização6. No texto do seu articulado pode ler-se “Em várias regiões do País

(...) tem sido verificada, com frequência crescente, actividade especulativa de indivíduos

ou de empresas (...) formando aglomerados populacionais sem sujeição a qualquer

disciplina (...).” A principal razão de sujeição a controlo municipal das operações de

loteamento promovidas por particulares foi a de evitar que se efectuassem operações sem

que previamente estivessem garantidas as indispensáveis infra-estruturas urbanísticas,

situação que, além de lesar os comparadores de boa fé, criava para as câmaras municipais

graves problemas de carácter financeiro visto serem elas que, em última instância, tinham

de realizar, com prejuízos evidentes, as respectivas obras de urbanização, bem como a

construção de equipamentos para garantir a qualidade de vida dos residentes.

Apesar do esforço, não foi possível disciplinar os negócios jurídicos relativos a terrenos

rústicos e os loteadores continuaram a parcelar os prédios rústicos em lotes urbanos. Surge

6 “De facto a divisão de um ou vários prédios em lotes destinados à construção não esteve, entre nós, sujeita

a qualquer regulamentação jurídica autónoma até à publicação daquele diploma legal. Dúvidas existem,

contudo, sobre a questão de saber qual era o regime que vigorava antes deste diploma. Uns defendem que

vigorava a regra da liberdade (neste sentido, cfr. Osvaldo Gomes, Manual dos Loteamentos Urbanos

Coimbra Editora, 1983, p.35 a 37), outros que, após o Código Administrativo de 1936, o governo passou a

proibir tacitamente a realização de urbanizações particulares [posição defendida por Fernando Gonçalves,

“Evolução Histórica do Direito do Urbanismo em Portugal (1851-1988), in Direito do Urbanismo, INA,

1989, p. 2519]. No entanto, não obstante as dúvidas que perante as disposições do Código Administrativo se

colocaram quanto à respectiva legalidade, a verdade é que a iniciativa dos particulares no fraccionamento

da propriedade não foi, antes de 1965, impedida, desde que fossem respeitados os preceitos legais

aplicáveis. cfr. António Duarte de Almeida, Legislação Fundamental de Direito do Urbanismo, Lisboa, Lex,

p.502” Retirado de CARVALHO, Jorge; OLIVEIRA, Paula (2003) “Perequação Taxas e Cedências –

Administração Urbanística em Portugal” pp.15 a 18, Livraria Almedina, Lisboa;

VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007

6

assim o DL n.º 289/73, de 6 de Junho, que vem tentar impor algumas regras,

nomeadamente a necessidade de identificação do número e data do alvará de loteamento

para o registo dos actos ou negócios jurídicos relativos a terrenos com ou sem construção

(ver a este propósito o art.º 27º que impede a celebração dos negócios jurídicos acima

referidos. Deste modo parecia estar vedada a possibilidade de constituição de direitos sobre

parcelas concretas de terrenos.7

De facto, com a publicação deste diploma, deixou de ser possível vender parcelas de

terreno rústico como lotes para construção urbana (em m2), no entanto as propriedades

rústicas passaram a ser vendidas em parcelas de avos indivisos. A venda em avos

processava-se da seguinte forma: por exemplo, um prédio rústico de 100.000 m2 era

vendido em tantas parcelas quanto possíveis, até atingir o valor da propriedade (100.000

m2) – 350/100.000 avos, 500/100.000 avos, 1.000/100.000 avos, etc, registando assim os

compradores o seu direito na competente Conservatória do Registo Predial em regime de

compropriedade.8

A venda em avos não implica o destaque do prédio inicial, ou seja, não é vendida uma

parcela de terreno, mas sim um direito em comunhão com os outros compradores, porque

como não pode ser vendida uma fracção de terreno, vende-se uma fracção do direito ao

terreno, constituindo a escritura em avos a comunhão do direito indiviso.

Embora constitua um princípio do direito civil - ninguém ser obrigado a permanecer na

indivisão - este princípio encontrou-se limitado pelo referido art.º 27º do DL n.º 289/73, de

6 de Junho, pois quer a divisão se efectuasse por partilha judicial ou extra-judicial seria

7 Este diploma integra uma reforma da legislação urbanística ocorrida no principio da década de 70 marcada

também pelos DL n.º 166/70 de 15 de Abril relativo ao licenciamento de obras particulares, DL n.º 576/71 de

24 de Novembro, que aprovou a lei dos solos e DL n.º 506/71 e DL n.º 561/71, ambos de 17 de Dezembro,

que legislam sobre planos de urbanização, gerais e parciais, planos zonamento, planos de áreas territoriais,

planos de conjunto que abrangiam vários centros urbanos e zonas territoriais intermédias e envolventes e

planos de pormenor. 8 Muitos loteadores chegaram a vender a totalidade da propriedade rústica incluindo a área necessária aos

arruamentos que entretanto tinham “aberto” no terreno, deixando numa situação muito complicada os

compradores de direitos indivisos. Acontecem igualmente situações em que os compradores se localizam

num determinado prédio, e lá edificaram a sua construção, e encontram-se com o seu direito inscrito noutro

prédio rústico, demonstrando uma total falta de preocupação do loteador com os aspectos de natureza

registral e cadastral aquando da venda das parcelas, essencial, aliás, para a posterior concretização da divisão

da coisa comum no âmbito do processo de reconversão. Esta situação, entre outras de igual complexidade

que interessaria noutro âmbito também desenvolver, têm constituído obstáculo à celeridade dos processos e à

emissão dos títulos de reconversão.

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sempre necessário exibir o alvará de licença de loteamento da Câmara Municipal. Assim

nunca uma parcela em avos poderia reconduzir à aquisição da propriedade de uma parcela

concreta do solo.

Porém o negócio jurídico era estabelecido com esse objectivo preciso – obter uma parcela

de terreno definido e localizado, através de elementos concretos como a demarcação das

parcelas no terreno cfr. planta do loteamento clandestino (planta do particular) por acordo

com o vendedor e todos os compradores e comproprietários. Daqui resultou a fraude à lei.

Só com a aprovação do DL n.º 400/84, de 31 de Dezembro, ficou também proibida a venda

de parcelas em avos, declarando-se a nulidade de quaisquer actos jurídicos de que resulte

ou possa resultar a compropriedade ou ampliação do número de compartes de prédios

rústicos sem parecer favorável da Câmara Municipal. Este diploma veio reconhecer que é

necessário “evitar que «o crime ainda compense» (...) não são os que constroem

ilegalmente os principais infractores, mas sim os que se dedicam a uma actividade

comercial que não é só especulativa mas é, sobretudo, fraudulenta, já que se vende como

lote para construir e a preços tal um produto onde não se pode construir legalmente e que

não tem as infra-estruturas exigidas por lei.”

Posteriormente o disposto no DL n.º 448/91, de 29 de Novembro, vem exigir que os

negócios jurídicos de que resulte o fraccionamento dos prédios rústicos seja comunicado

ao actual Instituto Geográfico Português, sob pena de prática de contra-ordenação, sem

prejuízo de responsabilidade civil, criminal ou disciplinar, que no caso em concreto seja

aplicável. Com base neste diploma legal e mais tarde na vigência do DL n.º 555/99 de 16

de Dezembro e respectivas actualizações, que mantém esta redacção, alguns Municípios

enviaram para o Ministério Público processos de fraccionamento ilegal para que este

declarasse a nulidade do negócio jurídico praticado.9

A Lei das AUGI no n.º1 do art.º 54.º, vem reforçar esta filosofia e identifica como “ 1 -

São nulos os negócios jurídicos entre vivos de que resultem ou possam vir a resultar a

constituição da compropriedade ou a ampliação do número de compartes de prédios

rústicos quando tais actos visem ou deles resulte parcelamento físico em violação do

regime legal dos loteamentos urbanos”.

Com a alteração introduzida pela Lei n.º 64/03 de 23 de Agosto, a redacção do n.º1º deste

artigo é alterada para “1 – A celebração de quaisquer actos ou negócios jurídicos entre

9 Seria muito interessante dispor de dados sobre a concretização destas declarações de nulidade, no sentido de

avaliar sobre a sua aplicabilidade, no entanto, não dispomos desses elementos.

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8

vivos de que resulte ou possa vir a resultar a constituição de compropriedade ou a

ampliação do número de compartes de prédios rústicos carece de parecer favorável da

câmara municipal do local da situação dos prédios.”

Embora a actual redacção contenha outros aspectos que interessaria aprofundar, o facto é

que aos Municípios é dada, a partir desta data, a oportunidade de intervir ex-ante, ou seja,

antes da concretização do negócio jurídico, de forma a controlar e impedir novos

parcelamentos. Por outro lado a interpretação deste artigo pode ser extensível, (a

interpretação extensiva da Lei será abordada de seguida) a áreas do território municipal

não abrangidas por AUGI, mas cuja pressão urbanística se faz sentir de forma muito real

permitindo um maior controle do Município sobre o seu território. Ainda sobre este artigo

importa referir a possibilidade da compropriedade ser admissível, ao contrário da anterior

redacção, em face do desenvolvimento da operação de reconversão, cabendo à câmara

municipal definir as regras em que tal autorização seja possível, ou seja, conforme “ … o

local da situação dos prédios”.

2.2. A LEI DAS AUGI: REMEDIAR O QUE NÃO SE CONSEGUIU PREVENIR

Uma Lei Excepcional

A Lei das AUGI é, verdadeiramente, uma lei excepcional, isto porque, neste diploma, a

teoria (operando com conceitos abstractos com a força da lógica) foi capaz de extrair os

princípios gerais da lei e de lhes dar desenvolvimento prático. Deste modo teoria e prática

não estão em antítese, antes colaboram reciprocamente, conscientes que, não obstante

terem objectos de actividade distintos, cada uma tem sempre que aprender com a outra.

O legislador compreendeu, há muito, nesta como noutras matérias, que a teoria recebe

quotidianamente da prática ensinamentos e sugestões, pois é a prática que sente primeiro a

solução jurídica, aquela que conhece a variedade inexaurível das mais diversas hipóteses

reais com as quais é diariamente confrontada, e que, por isso, revela novos problemas, ou

novos aspectos dos mesmos, bem como abre novos campos de estudo à dogmática,

mostrando experimentalmente, por vezes, também, que uma teoria é errada ou unilateral.

Só assim e perante o contacto dos factos, o edifício jurídico, fadigosamente, levantado

pelas abstracções dos teóricos não desmorona, ou pelo menos, não desmorona facilmente.

Com efeito, na Lei das AUGI, a teoria e a prática juntaram e fundiram os seus anseios para

cooperarem na actividade legislativa, sendo disso reflexo as alterações a que a Lei tem sido

sujeita, no sentido de a adaptar ao melhor conhecimento da realidade, o que é

VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007

9

particularmente relevante se atendermos ao facto dos processo de reconversão e de

legalização durarem décadas.

A Lei das AUGI veio criar bases sólidas e objectivas para alcançar a reconversão

urbanística do solo e a legalização do edificado, quase trinta anos depois do surgimento do

fenómeno10 tendo, no entanto, o legislador tido a capacidade de uniformizar as regras

dispersas por todo o nosso ordenamento jurídico, captando a experiência dos diversos

municípios onde o fenómeno se fazia sentir, sobretudo na Área Metropolitana de Lisboa.

A Lei das AUGI estabelece o regime excepcional para a reconversão urbanística das áreas

urbanas de génese ilegal (cfr. n.º 1 do art. 1º). Importa, a este propósito, ter presente que

uma Lei de natureza excepcional é um conjunto normativo que regula um sector particular

de relações, e fá-lo de forma específica, singular, exclusiva, e muitas vezes mesmo oposta

àquela que genericamente se verifica.

Entendeu o legislador que para alcançar a reconversão urbanística e a futura legalização

das AUGI mostrava-se necessário, por motivos de utilidade e, eventualmente, contra as

exigências da razão, interromper a regra geral e introduzir um regime excepcional que

retirasse do quadro legal vigente princípios orientadores e pressupostos, através dos quais

seria possível retirar aplicações concretas, concedendo também protecção ou regras

específicas, para uma certa categoria de situações.

Pela sua singularidade, fruto de imposição da lógica e do Direito, as regras excepcionais

acham-se restringidas aos casos estabelecidos e não podem, por isso, aplicar-se além deles,

mas admitem a interpretação extensiva embora não comportem aplicação analógica. Isto

significa, aliás como, magistralmente, o ensinam PIRES DE LIMA E ANTUNES

VARELA “…o recurso à analogia pressupõe a existência de uma lacuna da lei, isto é,

pressupõe que determinada situação não está compreendida nem na letra nem no espírito

da lei. Esgotou-se todo o processo interpretativo dos textos sem se ter encontrado nenhum

que contemplasse o caso cuja regulamentação se pretende, ao passo que, na interpretação

extensiva, encontra-se um texto, embora, para tanto, haja necessidade de estender as

palavras da lei, reconhecendo que elas atraiçoaram o pensamento do legislador que, ao

formular a norma, disse menos do que efectivamente pretendia dizer. Mas o caso está

contemplado. Não há omissão…”. 11 Deste modo, a existência deste instrumento jurídico,

10 Durante estes anos os Municípios, com recurso à imaginação, foram procurando alcançar resultados

experimentando soluções em face do apertado quadro legal, tentando ultrapassar a rigidez dos

procedimentos, que se revelaram muito úteis no quadro do surgimento do regime legal em apreço. 11 VARELA, Antunes; LIMA, Pires de (s.d.) “Código Civil Anotado”, Vol. I, 4.ª Edição, Coimbra Editor

VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007

10

nesta matéria é especialmente útil, pois quando perante os desafios que a reconversão

apresenta, não se encontra, nem mesmo na Lei das AUGI, solução expressa, é possível

encontrar solução por recurso à referida forma de interpretação legal.

Regime Jurídico Excepcional reflexo de relações jurídicas poligonais ou multilaterais

Reconverter à luz da actual Lei das AUGI requer que sejam diagnosticados os problemas,

para que se possam identificar com rigor, as soluções. Nas áreas de génese ilegal quanto

mais cedo se realizar uma intervenção reguladora do espaço, mais reduzidas são as

dificuldades técnicas, bem como os custos de recuperação do território, daí o interesse em

estabelecer, em devido tempo, as regras para a sua ocupação.

Importa ter presente que são muitos e diversos os instrumentos legais e regulamentares a

que é possível recorrer, partindo das directrizes contidas no diploma em referência, a

saber: Código do Procedimento Administrativo – CPA (DL n.º 442/91, de 15 de

Novembro, com a redacção introduzida pelo DL n.º 6/96, de 31 de Janeiro); o Regime

Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (DL n.º 380/99 de 22 de Setembro com a

redacção actualizada e respectivas Portarias) o Regime Jurídico da Urbanização e da

Edificação (DL n.º 555/99, de 16 de Dezembro, com a redacção actualizada e respectivas

Portarias); Regime Jurídico das Expropriações (Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro);

Regulamentos Municipais (nomeadamente de Taxas e Licenças, condições de mobilidade e

acessibilidades, etc.), entre outros, nomeadamente, os diplomas que tutelam as diversas

Servidões e Restrições de Utilidade Pública, em especial as áreas de Reservas (RAN, REN,

Domínio Hídrico, Rede Natura, entre outras), o Regulamento Geral do Ruído, os Planos

Regionais e mais recentemente o Plano Nacional da Política de Ordenamento do Território

(PNPOT), e tantos outros que se articulam com aqueles aqui enumerados, numa lógica de

articulação transversal assente numa base de complementaridade.

O recurso à compatibilização entre os instrumentos que a Lei coloca ao dispor dos

interessados é reflexo do actual panorama jurídico, resultado directo da tarefa de gerir o

território, partilhado pelas autarquias locais e demais entidades envolvidas quer públicas –

designadamente na prossecução da qualidade de vida das populações – quer privadas,

reflexo das diversas relações multilaterais ou poligonais, verdadeiras pedras de toque do

direito do urbanismo, em geral, e das questões da reconversão, em particular.

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11

Atente-se, a este propósito, ao feixe das relações que ocorrem, isolada e/ou

simultaneamente, entre os proprietários, entre estes e as respectivas comissões eleitas, entre

estas e as respectivas autárquicas, nomeadamente os eleitos locais, entre os eleitos e o

corpo técnico que dirigem, entre os técnicos das autarquias e os técnicos da AUGI, entre o

corpo técnico municipal e o corpo técnico dos diferentes organismos da administração

central, entre os diversos organismos da administração do estado entre si, e por aí fora, na

demanda pela concertação dos diversos interesses envolvidos.

A concertação de interesses é, para o território, essencial, pois este é o palco onde actuam a

maioria dos agentes sociais que querem ver satisfeitas as suas pretensões e anseios, nem

sempre coincidentes espacial e temporalmente.

A Lei das AUGI veio, neste aspecto específico, regulamentar a participação dos

interessados no processo de reconversão, orientando-a no quadro do regime da

administração dos prédios integrados em AUGI. Os interessados têm, no âmbito deste

diploma legal, a faculdade de intervirem de forma activa e responsável, nos diferentes

estádios do processo de reconversão, que vão desde a elaboração da proposta de

recuperação, determinante para a posterior divisão da coisa comum, até à aprovação da

mesma por parte das diversas entidades da administração local e/ou central, por via das

Assembleias de Proprietários e Comproprietários, onde podem discutir, entre outros

assuntos a proposta de regeneração urbana, alterá-la e posteriormente aprová-la, nos

termos da Lei, numa participação empenhada, na procura de soluções e não apenas na

inventariação dos problemas. Aos interessados a Lei não faculta a possibilidade de

participar, antes os obriga a fazê-lo, impondo sanções, num exercício de cidadania

responsável que interessaria, em moldes semelhantes, alargar a outras áreas de actuação

que não as AUGI.12

2.3. CHEGAR AO TÍTULO DE RECONVERSÃO - DO FRACCIONAMENTO

ILEGAL AO FRACCIONAMENTO LEGAL

O Título de Reconversão é o documento final que comprova o cumprimento dos

parâmetros legais e urbanísticos da AUGI, permitindo assim a divisão em lotes.

12 Seria, sem dúvida, muito interessante estudar o comportamento destas Assembleias de Proprietários e

Comproprietários no quadro da participação, no processo de planeamento, na Sociedade Portuguesa, pois,

malogrados os casos, constituem exemplos muito curiosos, pese embora o tipo de ocupação possuir as

contingências aliadas à sua génese marginal.

VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007

12

A reconversão do loteamento clandestino é realidade diferente da legalização das

construções. São processos distintos, que constituem duas etapas do percurso da

reconversão, sendo que a reconversão do solo deverá ser sempre a prioridade.

O percurso que leva até à emissão do Título de Reconversão nem sempre é plano e

rectilíneo, antes repleto de dificuldades práticas e legais, implicando o recurso a

complicadas operações de engenharia jurídico-administrativa, que procuram conjugar

regras urbanísticas que, nasceram de costas voltadas umas para as outras.

Delimitação da AUGI

A delimitação da AUGI é a primeira etapa no processo de reconversão urbanística,

podendo a iniciativa partir da Câmara Municipal ou ser efectuada a pedido dos

interessados (cfr. art.º 1º conjugado com art. 35º da Lei das AUGI). Assim, qualquer

interessado poder tomar a iniciativa para a reconversão do seu prédio.

Podem ser delimitados como AUGI:

- Os prédios que, sem o respectivo alvará de loteamento, foram objecto de operações

físicas de parcelamento destinadas à construção, até à data de entrada em vigor do DL

n.º 400/84 de 31 de Dezembro (até Março de 1985);

- Os prédios que se encontram classificados no Plano Municipal de Ordenamento do

Território (PMOT) em vigor como espaço urbano ou urbanizável. Existe a

possibilidade de integrar áreas com outros tipos de classificação, desde que cumpram

os requisitos impostos pela Lei das AUGI na sua redacção actualizada (cfr. art.º 5º)13;

- Os prédios ou conjuntos de prédios parcelados anteriormente à entrada em vigor do DL

n.º 46.673 de 29 de Novembro de 1965, quando predominantemente ocupadas por

construções não licenciadas.

13 Este artigo possibilita que áreas parcialmente classificadas no PMOT em vigor como urbanas ou

urbanizáveis possam ser delimitadas como AUGI, desde que a maior parte da área esteja abrangida pelas

classificações referidas e a área não classificada esteja maioritariamente ocupada com construções destinadas

à habitação própria, e que preencham as condições de salubridade e segurança previstas na Lei das AUGI,

bem como se encontrem participadas na respectiva matriz à data da entrada em vigor da presente Lei. Refere

ainda este artigo no seu n.º 2 que as áreas abrangidas por reserva ou servidão possam ser desafectadas, até ao

estrito limite do necessário à viabilização da operação de reconversão, desde que não ponham em causa o

conteúdo essencial ou o fim da reserva ou da servidão, impondo nestes casos sempre a alteração ao PMOT

em vigor.

VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007

13

Estas três condições base expressas na legislação visam abarcar o maior número possível

de situações nascidas na ilegalidade.14

A delimitação do perímetro das AUGI é feita com recurso a qualquer meio gráfico,

cadastral ou registral que identifique com clareza a área delimitada, podendo integrar um

ou mais prédios contíguos, pese embora um dos elementos base para a delimitação sejam

as plantas cadastrais que se apresentam extremamente desactualizadas.

Os constantes fraccionamentos e destaques de prédios rústicos contribuíram para que ao

longo dos anos se sedimentasse o actual sistema de descoordenação entre as instituições

intervenientes no processo.15 Como é óbvio, os loteadores clandestinos não tinham o

interesse de participar às entidades competentes o fraccionamento ilegal que praticavam,

para estas procederem à sua actualização. Tal situação conduz a uma complexa tarefa na

identificação dos limites das propriedades e da sua titularidade. A delimitação das AUGI

deve pois ser uma responsabilidade partilhada entre quem propõe e quem aceita.

14 Para as áreas insusceptíveis de reconversão urbanística (art.º 48º) a Lei prevê mecanismos de resolução que

passam pela reafectação das parcelas ocupadas aos usos previstos no PMOT em vigor, complementadas com

os meios que actualmente as autarquias dispõem no âmbito dos processos de realojamento, ou em alternativa

através da atribuição ao município de prioridade nos concursos municipais de habitação a custos controlados

para venda, ou ainda por via da aplicação do regime constante no DL n.º 226/87 de 06 de Junho, e legislação

complementar, para arrendamento em regime de renda apoiada. Este é um dos artigos constantes da Lei das

AUGI de mais difícil aplicação. De acordo com a nossa experiência profissional em matéria de reconversão,

o presente artigo não teve aplicação, permanecendo as áreas insusceptíveis de recuperação urbanística

imutáveis. Seria interessante procurar saber da experiência dos diversos municípios nesta matéria, porquanto

nos foi igualmente dado a perceber, em sede de troca de experiências, no decurso da actividade profissional,

que as dificuldades na aplicação deste artigo eram do foro comum e não exclusivas de um determinado

município. 15 O DL n.º 224/2007 de 31 de Maio visa constituir, cfr. se pode ler no texto introdutório do diploma legal

“…a viabilização de um sistema de informação predial único que condense, de forma sistemática , a

realidade factual da propriedade imobiliária com o registo predial, as inscrições matriciais e as informações

cadastrais.” Este diploma visa aprovar o regime experimental da execução, exploração e acesso à

informação cadastral visando a criação do Sistema Nacional de Exploração de Informação Cadastral,

abreviadamente designado por SINERGIC, cujos objectivos são, entre outros, assegurar a identificação

unívoca dos prédios mediante a atribuição de um número único de identificação, de utilização comum a toda

a Administração Pública, possibilitando a criação da informação predial única. A sua aplicabilidade será de

grande utilidade nas mais diversas esferas da sociedade e determinante no futuro desenvolvimento dos

instrumentos de gestão territorial, porquanto, frequentemente, quem procura desenvolver estudos na área do

planeamento e ordenamento do território se vê enredado na difícil tarefa de articular informação cadastral,

registo predial e fiscal.

VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007

14

Neste contexto os proprietários e comproprietários destas parcelas de terreno devem, em

seu interesse, e no interesse do colectivo, procurar ser activos na resolução deste problema,

pois são eles os seus legítimos titulares/possuidores. Há, amiúde, que percorrer o caminho

inverso ao do loteador e reconstruir o puzzle cadastral dele herdado. Neste percurso é

essencial o papel da Comissão de Administração, uma vez nomeada, ou das Associações

de Moradores, pois são estas que melhor conhecem a situação da sua área de intervenção.

O objectivo é reunir o maior número de informação possível que permita suportar e

fundamentar propostas que representem fielmente a realidade.

Dever de Reconversão

Na reconversão urbanística ao abrigo da Lei das AUGI, direitos e deveres encontram-se

interligados, pois do cumprimento do dever de reconversão depende o sucesso da mesma,

sendo condição indispensável à recuperação do solo, à legalização e ao licenciamento da

construção, assim como, na impossibilidade de legalização, na atribuição do estatuto de

manutenção temporária da construção e usufruto de infra-estruturas16.

O dever de reconversão (cfr. art.º 3º da Lei das AUGI) constitui a obrigação de actuar em

prol da reconversão, de conformar os prédios que integram a AUGI no respeito pelas

regras urbanísticas estipuladas pelos instrumentos de ordenamento e gestão do território,

nomeadamente o derrube e alinhamento dos muros mal implantados e respectiva cedência,

quando for o caso, para os arruamentos, o cumprimento dos afastamentos mínimos

previstos na Lei para implantação das novas construções ou legalização das existentes,

cedências para zonas verdes ou equipamentos, entre outros. O dever de reconversão inclui

igualmente o dever de comparticipar nas despesas e em todos os custos necessários à

concretização da reconversão, entre os quais a execução das infra-estruturas e dos espaços

de utilização colectiva, bem como dos respectivos projectos.

Importa ter presente que a Lei prevê sanções para os incumpridores que podem passar, no

que diz respeito à intervenção do Município, pela aplicação aos devedores, do corte dos

abastecimentos às redes de infra-estruturas já em funcionamento, nomeadamente a ligação

às redes de água e electricidade17 ou pelo recurso ao embargo e demolição da construção

clandestina (art. 52º do mesmo diploma). No que diz respeito às sanções aplicáveis pela

16 Esta figura deriva do DL n.º 804/76 de 6 de Novembro, actualizado pelo DL n.º 90/77 de 9 de Março,

conjugada com a Lei das AUGI. 17 Raramente os Municípios cortam o acesso às redes de saneamento, quando estas existem, por motivos que

se prendem com a saúde pública.

VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007

15

Administração Conjunta aos devedores, as mesmas ocorrem na esfera do direito privado,

passando, sem prejuízo de outros exemplos, pela exigência do pagamento de juros de mora

e pela penhora da cota indivisa para boa cobrança dos montantes em dívida.

Os caminhos da Reconversão

O Titulo de Reconversão pode ser alcançado por uma das duas vias que a Lei das AUGI

coloca ao dispor dos interessados, a saber:

Modalidade de Reconversão por Iniciativa dos Particulares, através de operação de

loteamento, cujo Título de Reconversão será o alvará de loteamento – cfr. art. 4º conjugado

com o art. 17ºA e seguintes da Lei das AUGI e, subsidiariamente, pelas disposições do DL

n.º 555/99 de 16 de Dezembro com a redacção actualizada. Razão pela qual, é, entre outras

condições legalmente exigíveis, indispensável que cada projecto de loteamento se

conforme com o plano municipal de ordenamento do território (PMOT) superiormente

aprovado, sob pena do estudo de loteamento poder ser indeferido ou de vir a ser praticado

um acto administrativo nulo, com todas as consequências legais daí decorrentes.

Modalidade de Reconversão por Iniciativa Municipal, que pode ser desenvolvida com, ou

sem, o apoio da Administração Conjunta,18 através de operação de loteamento, cujo Título

de Reconversão será também o alvará de loteamento, depois de PMOT superiormente

aprovado, ou através de "PPR” - ao qual por mera simplificação de tratamento

chamaremos Plano de Pormenor de “reconversão” ou simplesmente “PPR”, cujo Título de

Reconversão será a certidão do plano, cfr. art.º 4º, conjugado com o 31º e seguintes da Lei

das AUGI e, subsidiariamente, pelas disposições do D.L. n.º 380/99, de 22 de Setembro, na

redacção actualizada. Quando a opção pela modalidade de reconversão recai sob a

iniciativa municipal, é necessário celebrar-se um Contrato de Urbanização (cfr. art.º 32º da

Lei), que define as atribuições e competências dos intervenientes no processo de

reconversão.

A opção por um ou outro caminho está sobretudo dependente de dois factores:

Da classificação da área de reconversão na Planta de Ordenamento do Plano Director

Municipal (PDM) respectivo, pelos motivos acima descritos;

Do grau de desenvolvimento da operação de reconversão à data da publicação da Lei das

AUGI e do contexto do seu desenvolvimento em face da legislação vigente.

18 À Comissão de Administração, de acordo com o art.º 15º da Lei das AUGI compete praticar, entre outros,

os actos necessários à tramitação do processo de reconversão, em representação dos titulares dos prédios e

donos das construções integradas em AUGI.

VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007

16

3. O “PPR” - A GRANDE INOVAÇÃO

Na redacção do art. º 31º da Lei n.º 165/99 de 14 de Setembro, a reconversão municipal

mediante Plano de Pormenor segue os trâmites do DL n.º 380/99, de 22 de Setembro.

Quiçá preciosismo linguístico ou resultado de um apurado esforço de compatibilização

entre os diferentes, e supra sumariamente referenciados, diplomas aplicáveis ao direito do

urbanismo, o facto é que na redacção original do artigo em apreço (Lei n.º 91/95 de 02 de

Setembro) se referia que a reconversão municipal era prosseguida através da elaboração de

Plano de Pormenor de Reconversão: “PPR”.

Não obstante tal designação ter sido entretanto alterada, facto é que, independentemente da

denominação (PP de reconversão ou reconversão mediante elaboração de PP), a mais

importante inovação chegou na redacção de 1999, através da qual, e de acordo com o

disposto no n.º 4 do art. º 31º, a certidão do PP substitui o alvará de loteamento para efeitos

de registo predial, ou seja, em termos práticos, o “PPR” assume agora, e também, o papel

de Título de Reconversão, situação que se mantém na actual redacção da Lei das AUGI

(Lei n.º 64/2003, de 23 de Agosto).

Na modalidade de reconversão por iniciativa municipal introduziu-se, em 1999, a

possibilidade desta se processar em simultâneo, num único processo de reconversão, não

apenas mediante a elaboração de um PP, permitindo a alteração ao PMOT em vigor

quando necessário, mas também através de uma operação de loteamento.

O PP, ao abrigo da Lei das AUGI, é apresentado como uma solução do tipo: “2 em 1”, pois

a emissão da certidão do “PPR” corresponde à emissão do Título de Reconversão, o que

equivale à emissão de um alvará de loteamento, como supra mencionado.

O “PPR” assume pois as funções de um PP “tradicional” (concepção do espaço urbano

que define os usos do solo e condições gerais das edificações) e, por outro lado, tem

também as atribuições de um alvará de loteamento (instrumento que divide de facto, e de

direito, a propriedade em lotes). Pretende-se que os “PPR” sejam instrumentos de

planeamento territorial, mas também, e sobretudo, instrumentos de gestão que permitem

dividir, de direito, a propriedade.

O “PPR” apresenta-se como o percurso mais célere para alcançar o Título de Reconversão,

quando as propostas de ocupação do solo não se enquadram dentro dos índices e

parâmetros urbanísticos estipulados pelo PMOT em vigor, nomeadamente dos Planos

Directores Municipais (PDM). Assim, ao aliar a filosofia do PP “tradicional” à filosofia da

Lei das AUGI, ultrapassa-se a necessidade de elaboração de um PP e, posteriormente, a

VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007

17

elaboração de estudos de loteamento para a mesma área, unificando procedimentos, e

reduzindo substancialmente burocracias.

O “PPR” constitui uma nova abordagem no âmbito das figuras de Planos Municipais

permitindo ao município respectivo, estabelecer, aplicar e gerir, simultaneamente, a

disciplina urbanística numa determinada área através de um único instrumento de gestão

territorial.

No entanto a prática tem levado a concluir que a tramitação de um PP é morosa, em face

das consultas que obriga a efectuar e aos prazos que lhe estão subjacentes, bem como a

dependência de parecer vinculativo das Entidades Centrais, nomeadamente das Comissão

de Coordenação e Desenvolvimento Regional e da Direcção Geral de Ordenamento do

Território e Desenvolvimento Urbano, em diferentes fases do processo. Embora os prazos

legais, no âmbito das consultas às diversas Entidades, estejam bem patentes na legislação,

a verdade é que os mesmos são amplamente ultrapassados transformando o processo de

plano num longo e interminável percurso de concertação de interesses entre as entidades

com diferentes jurisdições sobre o território e visões sobre o desenvolvimento do mesmo,

frequentemente, antagónicas.

Pelos motivos acima descritos, aliado ao facto do conteúdo material de um Plano conter

maior número de elementos, do que a instrução de um estudo de loteamento, este último

acaba por ser a opção mais célere face à intervenção que se pretende para a zona de

reconversão. Não teorizando a questão, que não faz parte do âmbito do presente trabalho,

relativamente aos benefícios e prejuízos de cada opção, loteamento ou PP, sendo certo que

a diferença entre estas duas figuras não se confina à questão da tramitação, a verdade é que

esta deve ser equacionada, nomeadamente no que respeita à obtenção de resultados mais

pragmáticos.

O loteamento ao abrigo da Lei das AUGI apresenta face ao PP um conjunto de vantagens

que importa avaliar, tais como:

- maior celeridade em termos de tramitação processual permitindo uma intervenção em

tempo útil;

- maior flexibilidade em se ajustar a eventuais alterações no decorrer da elaboração e

implementação do mesmo. Frequentemente se tem verificado, no caso dos PP em

tramitação, que um conjunto reduzido de alterações fazem praticamente reiniciar um

processo, obrigando quase sempre a proceder a novas consultas e a sujeitar a novos

pareceres de Entidades com as consequências temporais acima referidas.

VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007

18

O estudo de loteamento é a opção mais célere para alcançar a reconversão do solo quando

estamos em presença de um território, que embora apresente necessidades específicas em

matéria de ordenamento, não contraria figuras de planeamento em vigor, no entanto,

quando o território carece de uma visão mais estrutural do que aquela que decorre apenas

da concretização da divisão pré-existente, e no caso das AUGI em particular que

correspondem a espaços com necessidades de intervenção específicas, a opção deve, salvo

melhor opinião, passar pela elaboração de um plano municipal.

A figura do plano de pormenor carece de se tornar numa realidade no quadro dos

instrumentos de planeamento, no entanto, esta figura deve ser equacionada em moldes que

assentem no exercício da prática urbanística, que não se esgota na mera aplicação da Lei

alicerçada, frequentemente, em normativos abstractos que ignoram as especificidades de

cada lugar, as suas características biofísicas, sócio-económicas e jurídico-administrativas,

num processo formatado de acordo com especificações regulamentares, rígido e incapaz de

se adaptar às mudanças.

Um plano a que, por princípio teórico, não é permitido abertura e flexibilização, apenas

rigor e obediência subserviente, revela a incapacidade de olhar para o território como uma

expressão viva da vontade dos agentes que o titulam. Os planos devem ter margem de

manobra para reagir às mudanças e devem ser balizadores das iniciativas dos indivíduos

apostando na inteligência de interpretação e não na rigidez dos seus procedimentos. Por

sua vez um regulamento urbanístico não deve ser apenas o somatório de um conjunto de

comandos cegos, alheios ao fim a que se destinam, apenas para contentar quem não é

capaz de perceber que o urbanismo e a arquitectura não são, nem devem ser reféns de

espartilhos legais que condicionem a liberdade de expressão. 19

19 Sobre o processo de planeamento em Portugal, atente-se a intervenção do Sr. Secretário de Estado do

Ordenamento do Território e das Cidades, JOÃO FERRÃO, no II Congresso da Associação Nacional de

Municípios sobre o Tema “Ordenamento do Território e Revisão dos PDM”, na Covilhã a 25 de Outubro de

2006 que refere “É reconhecido por todos nós que o processo de planeamento territorial em Portugal tem

muitas virtudes, mas também vários defeitos. E é também reconhecido por todos que alguns desses defeitos

estão a afectar gravemente a eficiência e até a credibilidade do sistema de planeamento. (…). Do meu ponto

de vista (…) existem cinco factores principais que põem em causa o seu bom funcionamento. Em primeiro

lugar: complexidade, lentidão e burocracia. Para fazer face a este tipo de problemas temos que efectuar um

sério investimento na simplificação e agilização de procedimentos. Em segundo lugar: centralismo e

tecnocracia. A visão excessivamente tecnocrática revela-se em dois aspectos: ao nível da elaboração dos

planos, dado que os processos de concertação surgem apenas na fase final, situação tanto mais desadequada

quanto a concertação de interesses e valores constitui um desígnio essencial para o ordenamento do

VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007

19

A entrada em vigor do DL n.º 316/2007, de 19 de Setembro

A alteração ao Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial ocorrida com a

entrada em vigor do DL n.º 316/2007, de 19 de Setembro, que vem dar nova redacção ao

DL n.º 380/99 de 22 de Setembro, introduzindo um conjunto de aspectos particularmente

relevantes nesta matéria cfr. refere o Sr. Ministro do Ambiente, do Ordenamento do

Território e do Desenvolvimento Regional, FRANCISCO NUNES CORREIA20, “A

alteração ao DL n.º 380/99 visa alcançar a simplificação e agilização dos procedimentos

território; ao nível da apreciação dos planos pelos serviços públicos, já que por razões diversas,

predominam as verificações de conformidade legal em detrimento das avaliações da qualidade do plano. Em

terceiro lugar: “planocentrismo” recorrendo a uma designação utilizada pelo Director-Geral do

Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano. Quer isto dizer que o exercício de ordenamento do

território está muito centrado nos processos de elaboração dos planos, dando pouca importância à execução

(ou concretização) desses planos. Existe uma relação demasiado assimétrica entre a importância atribuída à

concepção do plano e a atenção dada à sua execução programada. É evidente que precisamos de planos e,

sobretudo, bons planos, mas não podemos descurar os processos e mecanismos de execução, que são, afinal,

o que permite alcançar os objectivos iniciais do processo de planeamento. O reconhecimento deste

desequilíbrio deve suscitar soluções inovadoras, nomeadamente no que se refere à participação dos

privados na elaboração do planos de pormenor e na execução de vários tipos de planos, o que implica um

debate alargado acerca de temas como as modalidades de contratualização ou o papel das parcerias

público-privadas neste domínio. Em quarto lugar: rigidez. Todos reconhecemos que os planos são rígidos e

que essa rigidez tem justificado o recurso generalizado a procedimentos de excepção - como a suspensão

parcial dos PDM – que infelizmente, por tão frequentes que são, quase se tornam “normais”. A esta rigidez

temos que contrapor com flexibilidade e diferenciação. Flexibilidade, para que, os planos possam acolher

dinâmicas de evolução sem alterar as orientações estratégicas assumidas nesses planos. E diferenciação,

porque não tem sentido exigir procedimentos e conteúdos idênticos para situações distintas, como sucede

hoje, por exemplo com os procedimentos de alteração ou revisão dos Planos, ou com os Planos de

Pormenor, sejam de modalidade simplificada ou não. Finalmente e em quinto lugar: fragmentação e

desarticulação entre planos. Uma maior coerência e articulação dos diferentes níveis de planeamento exige

vários tipos de iniciativas. Por um lado há que completar o edifício do sistema de planeamento aprovando o

Programa Nacional de Política de Ordenamento do Território e os vários PROT – Planos Regionais de

Ordenamento do Território ainda em falta. Em simultâneo, é preciso consagrar o Plano Director Municipal

– PDM como um instrumento de âmbito municipal que concentre todas as disposições relativas à

classificação, à qualificação e às regras de uso do solo, o que pressupõe a integração obrigatória no PDM,

através de alterações simplificadas, quer das disposições dos Planos Especiais de Ordenamento do

Território, quer das orientações dos Planos Sectoriais e dos PROT. O PDM deve transformar-se numa

espécie de “balcão” único para os decisores - públicos e privados – e para os cidadãos em geral.” 20 No discurso de abertura do II Congresso da Associação Nacional de Municípios sobre o Tema

“Ordenamento do Território e Revisão dos PDM”, na Covilhã a 25 de Outubro de 2006.

VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007

20

de elaboração, alteração e revisão dos PMOT nas fases de acompanhamento e de

concertação, eliminando trâmites procedimentais e diminuindo prazos que não se mostram

justificados à luz dos interesses públicos e privados e da dinâmica dos processos

económicos e sociais e ambientais de desenvolvimento territorial. É preciso contrariar

uma abordagem excessivamente proibicionista e promover uma visão dos planos de

ordenamento do território como um instrumento ao serviço do desenvolvimento,

assegurando a qualidade, a coerência e a sustentabilidade desse mesmo desenvolvimento.

(…) De facto trata-se de uma oportunidade única que deverá permitir que num futuro

próximo possamos ter um sistema de gestão territorial mais coordenado e coerente, e uma

prática mais operacional, mais expedita, mais eficaz e mais ligada à efectiva resolução

dos problemas do dia a dia da gestão do território.”

Para a reconversão das AUGI a inovação que este diploma traz surge por via do aditado

art.º 92º -A e art. 92º-B, porquanto, como o próprio legislador afirma, as: “… exigências de

simplificação e eficiência levam ao reconhecimento expresso da possibilidade dos planos

de pormenor com um conteúdo suficientemente denso procederem a operações de

transformação fundiária relevantes para efeitos de registo predial e inscrição matricial,

dispensando-se um subsequente procedimento administrativo de controlo prévio. Com

efeito, reconhecida a identidade funcional entre muitos planos de pormenor e as

operações de loteamento e reparcelamento urbano e de estruturação da compropriedade,

justifica-se, salvaguardada a autonomia da vontade dos proprietários, que o plano de

pormenor possa fundar directamente a operação de transformação fundiária, seja o

fraccionamento ou o emparcelamento das propriedades…”.

Parece-nos com a introdução desta possibilidade, no âmbito deste Regime Jurídico, e não

no quadro de uma Lei de natureza excepcional, estar a assistir ao princípio da

operacionalização da figura dos PP, uma vez que, nos termos e para os efeitos do disposto

no art. 91º a art. 92º-B do DL n.º 380/99, de 22 de Setembro com a redacção introduzida

pelo DL n.º 316/2007, de 19 de Setembro, a certidão do PP, uma vez emitida, passará a

constituir titulo bastante para a individualização no registo predial dos prédios resultantes

das operações de loteamento, estruturação da compropriedade ou reparcelamento previstas

no plano.

O legislador, reconhecendo a necessidade de reforçar os mecanismos de concertação dos

interesses públicos entre si e com os interesses dos particulares (vide o que acima se

sublinhou quanto ao importante papel das parcerias no processo de reconversão) e

reconhecendo ainda a necessidade de reforçar a efectiva responsabilização dos municípios

VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007

21

no ordenamento do território, clarificou e diferenciou os instrumentos de gestão territorial,

e, com vista à optimização de regras de simplificação e de eficiência, introduziu

simplificações onde se identificou também que a concretização prática se vinha revelando

de difícil operacionalidade.

Por outro lado, tal opção significa que, não só a figura do “PPR” ganhou autonomia, como

saiu reforçada face às alterações introduzidas ao regime jurídico dos instrumentos de

gestão territorial, e em particular as contidas nos citados art. 91º a art. 92º-B, porquanto

indo estas mais além do que o definido na Lei das AUGI, registar-se-á, por interpretação

extensiva, influência de sentido inverso, nomeadamente, no que concerne a questões

registrais, matriciais, de taxamento, de mapa de comparticipações, cauções, etc.

As novas alterações ao regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial vêm dar uma

esperança para conclusão dos “PPR” em curso, agilizando-se, na medida em que o

legislador ao introduzir importantes novidades quanto ao acompanhamento e registo do

planos, contribui de forma inequívoca para que diminua a pleia de variáveis que no âmbito

da reconversão urbanística colaboram para que também aqui, amiúde, desde que o plano

está pronto, até que entra efectivamente em vigor, medeiem anos, fazendo que quando ele

começa a ser aplicado já esteja desactualizado e desarticulado da realidade.

O processo de acompanhamento no âmbito dos PP, por parte da Administração Central,

passa a ser opcional, assentando claramente numa maior responsabilização dos Municípios

no desenvolvimento das suas propostas, numa clara distinção de competências entre

Administração Local e Central, neste domínio. Aos Municípios e seu corpo técnico cabe

provar estar à altura do desafio, na assumpção do efectivo planeamento do seu território,

conforme têm vindo a reivindicar desde há muito.

4. PARA TERMINAR, UM CONJUNTO DE NOTAS SOLTAS …

- A experiência tem ensinado que não existem soluções mágicas para as complicadas

questões que diariamente se colocam no âmbito da reconversão urbanística. A Lei por

si só não chega, é necessário integrar realidade e Direito, cruzar disposições legais e

regulamentares, interagir velhas e novas práticas urbanísticas;

- A ideia de reconversão urbanística deve ser inseparável de políticas gerais de

planeamento e de ordenamento do território, mas deve também, ser apresentada

oportunamente de modo a não comprometer ainda mais o futuro. O planeamento só é

eficaz se for aplicável atempadamente, caso contrário não passa de um conjunto de

intenções, que a passagem do tempo pode, porventura, alterar de forma irreversível.

VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007

22

- É necessário, para alcançar a reconversão urbanística do solo e a legalização de

construções integradas em AUGI, majorar sinergias entre os intervenientes, sejam eles

públicos (vg. Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional e outros

Organismos da Administração Central, Câmaras Municipais, Conservatórias do

Registo Predial, Finanças, Notários, Instituto Geográfico Português, etc), ou privados

(individuais ou em Associação) em consequência da crescente consciencialização da

correlação de interesses, simultaneamente coincidentes e divergentes, e da importância

que têm vindo a assumir as relações técnico-jurídicas poligonais ou multipolares que se

verificam no âmbito da intervenção no território, situação, aliás, que a nova alteração

ao DL n.º 380/99 de 22 de Setembro, vem reforçar acentuando o aspecto da

participação efectiva e activa.

- O “PPR” instrumento de gestão territorial tipo “2 em 1” permite num só processo

alcançar o planeamento e a divisão de facto e de direito do solo, através da emissão da

respectiva Certidão, “experimentando” uma nova prática urbanística, enquadrada pela

Lei das AUGI, numa tentativa de agilização de procedimentos e de simplificação

administrativa.

- O novo regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial vem reforçar esta figura

de planeamento num quadro operacional que fortalece a sua capacidade para proceder a

operações de transformação fundiária relevantes para efeitos de registo predial e

inscrição matricial, num reconhecimento da identidade funcional entre muitos PP e

operações de loteamento e reparcelamento urbano e de estruturação da

compropriedade.

- As AUGI têm no quadro do novo regime jurídico que se posicionar, em face do grau de

desenvolvimento da operação de reconversão urbanística, e procurar prosseguir a

regeneração do seu tecido urbano continuando a estimular novas práticas, assentes na

discussão interdisciplinar dos problemas, em diálogo constante, sem receio da crítica e

da refutação, explorando novos conceitos, modelos e paradigmas, que contribuam para

alcançar uma compreensão mais aprofundada da realidade territorial.

- A Reconversão carece de ultrapassar a fasquia das intenções para o campo das

soluções, superar o estigma espacial da degradação e provar que pode alcançar a sua

urbanidade.

VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007

23

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