lei abuso de autoridade

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AULA - 08/06/13 Lei 4898/65 - Lei de abuso de autoridade O ato de abuso de autoridade enseja tripla responsabilidade, sendo, simultaneamente, um ilícito administrativo, civil e penal. A lei de abuso de autoridade prevê as três esferas de responsabilidade. Sobre responsabilidade civil, a lei 4.898/65 possui somente um artigo. Art. 6º O abuso de autoridade sujeitará o seu autor à sanção administrativa civil e penal. § 2º A sanção civil, caso não seja possível fixar o valor do dano, consistirá no pagamento de uma indenização de quinhentos a dez mil cruzeiros. OBS: Esse dispositivo, por óbvio, perdeu a vigência, tendo em vista que fixa parâmetros de indenização de maneira a engessar a responsabilidade civil, e ainda o faz em moeda já desatualizada. Ademais, sempre é possível fixar o valor do dano, ainda que por arbitramento judicial. A doutrina diz que a responsabilidade civil depende da propositura de ação civil de indenização contra o estado e será apurada na forma da lei civil. A responsabilidade administrativa está prevista no art. 6º, §1º. Art. 6º O abuso de autoridade sujeitará o seu autor à sanção administrativa civil e penal: § 1º A sanção administrativa será aplicada de acordo com a gravidade do abuso cometido e consistirá em: a) advertência; b) repreensão; c) suspensão do cargo, função ou posto por prazo de cinco a cento e oitenta dias, com perda de vencimentos e vantagens; d) destituição de função; e) demissão; f) demissão, a bem do serviço público. A lei de abuso de autoridade apenas prevê o rol de sanções administrativas cabíveis, enquanto a responsabilidade civil é apurada na forma da lei civil, a responsabilidade administrativa obedece ao rol das sanções administrativas. Ocorre que a lei, apesar de prever as sanções administrativas, não prevê a forma das sanções administrativas. Assim, aplicam-se as respectivas normas de processo administrativo para cada servidor público. OBS: Fora esses dois parágrafos do art. 6º, que tratam de responsabilidade civil, a lei de abuso de autoridade traz aspectos penais.

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Lei Abuso de Autoridade

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Page 1: Lei Abuso de Autoridade

AULA - 08/06/13Lei 4898/65 - Lei de abuso de autoridade

O ato de abuso de autoridade enseja tripla responsabilidade, sendo, simultaneamente, um ilícito administrativo, civil e penal. A lei de abuso de autoridade prevê as três esferas de responsabilidade. Sobre responsabilidade civil, a lei 4.898/65 possui somente um artigo. Art. 6º O abuso de autoridade sujeitará o seu autor à sanção administrativa civil e penal. § 2º A sanção civil, caso não seja possível fixar o valor do dano, consistirá no pagamento de uma indenização de quinhentos a dez mil cruzeiros. OBS: Esse dispositivo, por óbvio, perdeu a vigência, tendo em vista que fixa parâmetros de indenização de maneira a engessar a responsabilidade civil, e ainda o faz em moeda já desatualizada. Ademais, sempre é possível fixar o valor do dano, ainda que por arbitramento judicial. A doutrina diz que a responsabilidade civil depende da propositura de ação civil de indenização contra o estado e será apurada na forma da lei civil.

A responsabilidade administrativa está prevista no art. 6º, §1º. Art. 6º O abuso de autoridade sujeitará o seu autor à sanção administrativa civil e penal: § 1º A sanção administrativa será aplicada de acordo com a gravidade do abuso cometido e consistirá em: a) advertência; b) repreensão; c) suspensão do cargo, função ou posto por prazo de cinco a cento e oitenta dias, com perda de vencimentos e vantagens; d) destituição de função; e) demissão; f) demissão, a bem do serviço público. A lei de abuso de autoridade apenas prevê o rol de sanções administrativas cabíveis, enquanto a responsabilidade civil é apurada na forma da lei civil, a responsabilidade administrativa obedece ao rol das sanções administrativas. Ocorre que a lei, apesar de prever as sanções administrativas, não prevê a forma das sanções administrativas. Assim, aplicam-se as respectivas normas de processo administrativo para cada servidor público.

OBS: Fora esses dois parágrafos do art. 6º, que tratam de responsabilidade civil, a lei de abuso de autoridade traz aspectos penais.

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A doutrina diz que a lei de abuso de autoridade possui um bem jurídico imediato ou principal e um bem jurídico mediato ou secundário. BEM JURÍDICO PRINCIPAL: proteção dos direitos fundamentais das pessoas físicas e jurídicas. BEM JURÍDICO SECUNDÁRIO: proteção da regularidade e lisura dos serviços públicos. O abuso de autoridade é uma forma irregular (anormal) de prestação de serviços públicos.

ASPECTOS PENAIS DA LEI

1) OBJETIVIDADE JURÍDICA

Obs.: a pessoa jurídica pode ser vítima de abuso de autoridade.

Portanto, o agente público que age em abuso de autoridade, além de ferir direito fundamental, prejudica a regularidade e lisura da prestação do serviço público. 2) FORMAS DE CONDUTA O abuso de autoridade pode ser comissivo ou omissivo. Os crimes do art. 4º, “c”, “d” e “g” são crimes omissivos puros ou próprios (o verbo do tipo penal é uma omissão). Art. 4º Constitui também abuso de autoridade: c) deixar de comunicar, imediatamente, ao juiz competente a prisão ou detenção de qualquer pessoa; d) deixar o Juiz de ordenar o relaxamento de prisão ou detenção ilegal que lhe seja comunicada; g) recusar o carcereiro ou agente de autoridade policial recibo de importância recebida a título de carceragem, custas, emolumentos ou de qualquer outra despesa;

3) ELEMENTO SUBJETIVO O elemento subjetivo é o dolo. Não existe crime de abuso de autoridade culposo. Atenção: o crime de abuso de autoridade é somente doloso, não admitindo a forma culposa. Ocorre que a linha que distingue discricionariedade e arbitrariedade é muito tênue. Sobretudo para autoridades que exercem atividade repressiva, como a polícia.

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Para que isso fique bem definido no crime de abuso de autoridade, a doutrina diz que o crime só existe se houver a finalidade específica de agir abusivamente, não bastando o dolo de praticar a conduta comissiva ou omissiva prevista no tipo penal. Para que isso fique bem definido no crime de abuso de autoridade, a doutrina diz que o crime só existe se houver a finalidade específica de agir abusivamente, não bastando o dolo de praticar a conduta comissiva ou omissiva prevista no tipo penal.

Ex.: Delegado de polícia, convicto da situação de flagrante, lavra o auto e recolhe a pessoa para a prisão. O MP e o juiz entendem que a prisão foi ilegal, pois não havia mais situação de flagrante. Essa prisão é considerada ilegal e o preso é solto. Neste caso, não houve o delito de abuso de autoridade. Se o delegado estava convicto da situação de flagrante, ele agiu com intenção de cumprir a lei e não com o dolo de abusar.

4) AÇÃO PENAL Esse é o tópico que mais cai em concursos sobre o tema abuso de autoridade. Art. 12. A ação penal será iniciada, independentemente de inquérito policial ou justificação por denúncia do Ministério Público, instruída com a representação da vítima do abuso.

A dispensabilidade do inquérito não é novidade, a lei apenas repetiu o que está no CPP. A espécie de ação penal pública no abuso de autoridade é pública incondicionada. O MP não depende de representação da vítima para agir. A palavra “representação” pode ter vários significados. Dentre outros significados, pode significar condição de procedibilidade, mas também pode significar o direito de petição contra abuso de poder (art. 5º, XXXIV da CF). Na lei de abuso de autoridade, a palavra “representação” é utilizada no art. 12 como sinônimo de direito de petição contra abuso de poder e não como condição de procedibilidade. Por óbvio, é cabível a ação privada subsidiária da pública, tendo em vista que se trata de direito fundamental, previsto no art. 5º da CF.

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5) COMPETÊNCIA O abuso de autoridade tem pena máxima de 6 meses, sendo infração de menor potencial ofensivo. Logo, a competência será dos Juizados Especiais Criminais.

ATENÇÃO: Abuso de autoridade contra Servidor Federal no exercício de suas funções: a competência é do JECRIM Federal (Súmula 147 da STJ).Súmula Nº 147 - Compete a Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra funcionário público federal, quando relacionados com o exercício da função.

Abuso de autoridade praticado por Servidor Federal: vale lembrar que, o que está sendo protegido pela lei de abuso de autoridade é também o serviço público. Assim, se o servidor está praticando abuso de autoridade, está prejudicando a regularidade do serviço público federal, havendo aí interesse da União. Logo, a competência é do JECRIM Federal. Este é o entendimento amplamente majoritário.*Caso específico: (HC 102.049/ES) Delegado da PF foi a hospital e exigiu prontuários médicos de pacientes. A médica disse que, por ser o prontuário médico documento sigiloso, não poderia fazê-lo sem autorização judicial. O Delegado se identificou como Delegado da PF e agrediu a médica que se recusou a entregar o prontuário. O STJ entendeu que, neste caso, a competência era do JECRIM Estadual. Isso porque o Delegado da PF queria o prontuário para fins particulares, não estando ali no exercício da função. Concluiu o STJ que o Delegado praticou o abuso em razão da função de delegado, uma vez que usou o seu cargo para exigir os prontuários. Contudo, não cometeu o crime no exercício da função. Logo, não estando no exercício da função, não prejudicou a regularidade dos serviços públicos federais, de modo que não há interesse da União na causa.

Abuso de autoridade praticado por militar: não é da competência da justiça militar, tendo em vista que o abuso de autoridade não é crime militar. (Súmula 172 do STJ).Súmula Nº 172 - Compete a Justiça Comum processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade, ainda que praticado em serviço.

Vale notar que, da interpretação da súmula 172, podemos notar que o abuso de autoridade pode ser também praticado fora de serviço.O abuso de autoridade pode ser praticado também fora do serviço, desde que praticado em razão do serviço.

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OBS: Se a autoridade praticar crime de abuso de autoridade conexo com crime militar, ocorre separação do processo, sendo o primeiro julgado pelo JECRIM Estadual e o segundo julgado pela Justiça Militar

6) CONCURSO DE CRIMES É pacífico na doutrina e na jurisprudência que o abuso de autoridade não absorve e nem é absorvido pelas infrações a ele conexas. Ex.: Juiz que xinga advogado na audiência pratica abuso de autoridade e também o crime contra honra. O policial que mata abusivamente pratica homicídio e também o crime de abuso.Obs.: Nucci entende que o crime de vias de fato fica absorvido pelo abuso de autoridade.

Obs: Silvio Maciel entende que é perfeitamente possível concurso entre abuso de autoridade e tortura, dando exemplo dos policiais civis que torturam preso para obter confissão e o preso torturado confessa o crime e, posteriormente, exibem a imagem do preso na imprensa, contra a vontade do preso que era réu confesso.

EXCEÇÃO: a tortura absorve o crime de abuso de autoridade. A doutrina entende nesse sentido, sob a justificativa de que o abuso é meio de execução da tortura.

Silvio destaca que o argumento de que o abuso de autoridade é meio de execução é falho, tendo em vista que o crime de abuso pode ocorrer depois do crime de tortura. Contudo, o que prevalece na doutrina é o entendimento no sentido de que o crime de abuso fica absorvido pela tortura. Destaca-se que o CESPE adota o entendimento de Silvio Maciel.

7) SUJEITOS DO CRIME

7.1) SUJEITO ATIVO O crime de abuso de autoridade é crime próprio, exigindo condição especial do sujeito ativo. O art. 5º da lei é norma penal explicativa que traz o conceito de autoridade.Art. 5º Considera-se autoridade, para os efeitos desta lei, quem exerce cargo, emprego ou função pública, de natureza civil, ou militar, ainda que transitoriamente e sem remuneração.

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O conceito de autoridade para fins de abuso de autoridade é o mais abrangente possível, sendo qualquer pessoa que exerça função pública, pertença ou não à Administração Pública e ainda que exerça tal função de forma gratuita e passageira. Ex.: o jurado do tribunal do júri e o mesário eleitoral são autoridade pública para fins de abuso. Há julgado considerando até o vigilante noturno como autoridade.

As pessoas que exercem múnus público não cometem abuso de autoridade. Múnus público é encargo imposto pela lei ou pelo juiz para proteção de interesse particular. Assim, quem exerce múnus público não defende direitos públicos. A condição pessoal de autoridade é elementar do crime de abuso de autoridade, assim transmite-se ao particular, desde que ingresse em seu dolo.

7.2) SUJEITO PASSIVO O crime de abuso de autoridade é crime de dupla subjetividade passiva: SUJEITO PASSIVO IMEDIATO OU PRINCIPAL: a pessoa física ou jurídica que sofre com a conduta abusiva. SUJEITO PASSIVO MEDIATO OU SECUNDÁRIO: a administração pública cuja regularidade foi prejudicada pela conduta abusiva.

8) PRESCRIÇÃO Como a lei de abuso de autoridade não traz regras específicas sobre prescrição, aplicam-se as regras previstas no código penal.

9) PENAS Estão previstas no art. 6º, §3º da lei. Obs: os artigos estão desatualizados, assim como a previsão de multa específica (em moeda desatualizada).Art. 6º O abuso de autoridade sujeitará o seu autor à sanção administrativa civil e penal. § 3º A sanção penal será aplicada de acordo com as regras dos artigos 42 a 56 do Código Penal e consistirá em: a) multa de cem a cinco mil cruzeiros; b) detenção por dez dias a seis meses; c) perda do cargo e a inabilitação para o exercício de qualquer outra função pública por prazo até três anos.

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MULTA: será conforme o art. 49 do CP Art. 49. A pena de multa consiste no pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa. Será, no mínimo, de 10 (dez) e, no máximo, de 360 (trezentos e sessenta) dias-multa. § 1º - O valor do dia-multa será fixado pelo juiz não podendo ser inferior a um trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, nem superior a 5 (cinco) vezes esse salário. § 2 º - O valor da multa será atualizado, quando da execução, pelos índices de correção monetária.

DETENÇÃO DE 10 DIAS A 6 MESES: trata-se de Crime de Menor Potencial Ofensivo PERDA DO CARGO E INABILITAÇÃO PARA QUALQUER FUNÇÃO PÚBLICA POR ATÉ 3 ANOS: vale notar que a perda do cargo é para qualquer função pública, e não somente para o mesmo cargo e ainda que o prazo de três anos é o prazo máximo, não sendo necessariamente sempre de três anos.

OBS: Essas penas podem ser aplicadas isoladas ou cumulativamente.

STJ Súmula nº 171 - 23/10/1996 Súmula Nº 171 - Cominadas cumulativamente, em lei especial, penas privativa de liberdade e pecuniária, e defeso a substituição da prisão por multa.

Há ainda, uma quarta sanção, que não pode ser aplicada para qualquer autoridade, que é a proibição de exercer função policial ou militar no município do crime pelo prazo de 1 a 5 anos (parágrafo 5º do art. 6º). § 5º Quando o abuso for cometido por agente de autoridade policial, civil ou militar, de qualquer categoria, poderá ser cominada a pena autônoma ou acessória, de não poder o acusado exercer funções de natureza policial ou militar no município da culpa, por prazo de um a cinco anos.

OBS: Para Capez, essa pena não existe mais, tendo em vista que a reforma penal de 1984 extinguiu as penas acessórias do nosso ordenamento jurídico. Ocorre que o dispositivo prevê a aplicação dessa pena de forma autônoma e acessória. Assim, o que prevalece é que esta pena ainda pode ser aplicada como pena autônoma.

A lei 9.455 (lei de tortura), também prevê a perda do cargo e a interdição para o servidor público pelo dobro do prazo da condenação. (art. 1º §5º). Assim, enquanto na lei de abuso de autoridade a inabilitação é por até três anos, na lei de tortura, a interdição para o exercício da função é pelo dobro do prazo da condenação.

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Ademais, na lei de abuso de autoridade a perda do cargo e a inabilitação são penas, podendo ou não ser aplicadas pelo juiz. Já na lei de tortura, a perda do cargo e a interdição são efeitos automáticos da condenação.

PERGUNTA: é cabível transação penal para o delito de abuso de autoridade? R: 1ª corrente: não cabe transação penal, porque a pena de perda do cargo é incompatível com a transação penal (Nucci e César Roberto Bitencourt). 2ª corrente: cabe transação penal, por se tratar de infração de menor potencial ofensivo (prevalece).Obs: O primeiro entendimento não tem cabimento, tendo em vista que a pena transacionada nunca é a pena cominada no tipo penal, mas sim, multa ou pena restritiva de direito. O MP não tem que propor na transação as penas previstas na lei de abuso de autoridade.O entendimento de Nucci e CRB no sentido de que a pena de perda de cargo é incompatível com a pena transacionada, caso fosse adotado, também seria aplicável nos casos da pena de prisão, que também é incompatível com a transação penal. Desse modo, nunca seria cabível o instituto da transação.

10) CRIMES

10.1) ART. 3º Art. 3º Constitui abuso de autoridade qualquer atentado: a) à liberdade de locomoção; b) à inviolabilidade do domicílio; c) ao sigilo da correspondência; d) à liberdade de consciência e de crença; e) ao livre exercício do culto religioso; f) à liberdade de associação; g) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício do voto; h) ao direito de reunião; i) à incolumidade física do indivíduo; j) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional.

Pelo princípio da taxatividade, a norma incriminadora deve definir, ou seja, expor com precisão, com exatidão, qual é a conduta criminosa. A norma incriminadora vaga, genérica ou imprecisa, é inconstitucional por violação ao princípio da taxatividade. Nesse sentido, discute-se a constitucionalidade do art. 3º.

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1ª corrente: é inconstitucional, por violação ao princípio da taxatividade, porque possui redação genérica (Capez). 2ª corrente: é constitucional, porque não há como o legislador prever todas as hipóteses possíveis de conduta abusiva e descrevê-las no tipo penal. Portanto, assim como nos crimes culposos, o tipo penal deve ser aberto (é a corrente que prevalece para efeitos de concurso).

OBS: STF e STJ nunca declararam a inconstitucionalidade incidental deste dispositivo.

Os crimes do art. 3º são crimes formais ou de consumação antecipada. Consumam-se com a conduta, ainda que não ocorra o resultado naturalístico da efetiva lesão ao direito protegido. O simples atentado ao direito protegido já configura crime consumado.

Obs.: o direito de locomoção abrange também o direito de não se locomover.

As legítimas restrições ao direito de locomoção, não configuram abuso de autoridade. As restrições legítimas são atos do poder de polícia. Ex.: retirada de alguém que tumultue o discurso de presidente da república. A doutrina faz distinção entre detenção momentânea e prisão para averiguação. Detenção momentânea: é a retenção da pessoa pelo tempo estritamente necessário para uma fiscalização pessoal. Trata-se de ato legítimo, exercício de poder de polícia (ex.: bloqueio de trânsito no caso de verificação de suspeita de habilitação vencida). Prisão para averiguação: é a prisão para investigar formal ou informalmente, sem ordem judicial e sem situação em flagrante.

Art. 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado: b) à inviolabilidade do domicílio;

Domicílio é qualquer local não aberto ao público onde alguém exerce atividade, trabalho ou moradia, ainda que momentânea. O agente público que ilegalmente viola domicílio comete o crime de abuso de autoridade e não o crime do art. 150 do CP (princípio da especialidade).

Art. 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado: a) à liberdade de locomoção;

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Como não pode haver o bis in idem, o art. 150, §2º do CP está tacitamente revogado pela lei de abuso de autoridade, no que se refere à violação de domicílio por autoridade policial.§ 2º - Aumenta-se a pena de um terço, se o fato é cometido por funcionário público, fora dos casos legais, ou com inobservância das formalidades estabelecidas em lei, ou com abuso do poder.

ATENÇÃO: Entrada de autoridade em domicílio alheio sem mandado, mas em situação de flagrante permanente: a entrada na casa sem ordem judicial fica sanada pela situação de flagrante de crime permanente, ainda que os agentes policiais desconhecessem a situação de flagrante quando entraram na casa. Nucci entende nesse sentido, ficando o risco por conta dos policiais. Se não houver situação de flagrante, fica configurado o abuso de autoridade.

Art. 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado: c) ao sigilo da correspondência; O tipo penal só protege correspondências fechadas. Correspondências abertas perdem o caráter sigiloso. É unanime o entendimento de que o sigilo da correspondência não é absoluto, apesar de o art. 5º, XII fazer parecer o contrário. Em situações excepcionais, de relevante interesse público, pode a autoridade violar a correspondência sem que isso configure abuso de autoridade (STF, HC 70.814). A lei de execuções penais prevê, dentre os direitos do preso, o direito de receber e enviar correspondências, dizendo que tal direito pode ser suspenso por ato motivado do diretor. Note-se que a lei não diz que o diretor pode interceptar a correspondência do preso, mas sim suspender o direito de os presos se corresponderem.

Art. 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado: d) à liberdade de consciência e de crença; Art. 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado: e) ao livre exercício do culto religioso; Não existe direito fundamental absoluto. O excesso na liberdade de consciência e de crença e o excesso do exercício dos cultos religiosos

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podem e devem ser coibidos. Ex.: culto religioso com sacrifício de pessoas. Culto religioso com som muito alto

Art. 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado: f) à liberdade de associação; A CF/88 diz que é plena a liberdade de associação, mas veda as associações ilícitas e as de caráter paramilitar.

Esse crime de abuso de autoridade pode ocorrer durante referendo ou plebiscito, onde também há o direito ao voto, e não somente em época de eleições. Capez entende que não há conflito entre esse dispositivo e o código eleitoral. Para ele, no CE não há nenhuma conduta que se assemelhe ao abuso de autoridade, não havendo conflito de normas entre o art. 3º, “g” e o CE.

Ocorre que, no CE, dentre outros, há previsão de crime do juiz que impeça alguém de se inscrever como eleitor sem justa causa. Neste caso, o conflito de normas é evidente, de modo que a solução seria tratar como crime subsidiário e especial. Este é o entendimento de Silvio Maciel.

Art. 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado: g) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício do voto;

Art. 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado: h) ao direito de reunião; A reunião em local público deve ser pacífica, sem armas, com aviso prévio à autoridade e sem ter a finalidade de frustrar outra reunião já marcada para o mesmo local.

Art. 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado: i) à incolumidade física do indivíduo; Aqui existe discussão se o tipo penal protege a integridade física ou a integridade física e psíquica. Essa discussão foi travada entre Fragoso e Bento de Faria.

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O STF, no RHC 95.617/MG, decidiu que o art. 322 permanece vigente, que prevê o crime de violência arbitrária, não sendo este tacitamente revogado pelo crime do art. 3º, “i” da lei de abuso de autoridade.Violência arbitrária Art. 322. Praticar violência, no exercício de função ou a pretexto de exercê-la: Pena - detenção, de seis meses a três anos, além da pena correspondente à violência.

Art. 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado: j) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional. (Incluído pela Lei nº 6.657,de 05/06/79)

Qualquer atentado às prerrogativas profissionais constitui abuso de autoridade. Ex.: delegado de polícia impede promotor de justiça de visitar a cadeia e conversar com os presos. O art. 3º, “j” é norma penal em branco, que é complementada pela norma que garante a prerrogativa profissional.

10.2) ART. 4º

Os crimes do art. 4º são descritivos, não havendo questionamento sobre sua constitucionalidade.

Art. 4º Constitui também abuso de autoridade: a) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder; b) submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei; c) deixar de comunicar, imediatamente, ao juiz competente a prisão ou detenção de qualquer pessoa; d) deixar o Juiz de ordenar o relaxamento de prisão ou detenção ilegal que lhe seja comunicada; e) levar à prisão e nela deter quem quer que se proponha a prestar fiança, permitida em lei; f) cobrar o carcereiro ou agente de autoridade policial carceragem, custas, emolumentos ou qualquer outra despesa, desde que a cobrança não tenha apoio em lei, quer quanto à espécie quer quanto ao seu valor; g) recusar o carcereiro ou agente de autoridade policial recibo de importância recebida a título de carceragem, custas, emolumentos ou de qualquer outra despesa; h) o ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal; i) prolongar a execução de prisão temporária, de pena ou de medida de segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de cumprir imediatamente ordem de liberdade.

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Art. 4º Constitui também abuso de autoridade: a) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder;

Na modalidade “ordenar”, trata-se de crime formal, a execução do crime será mero exaurimento do crime daquele que ordenou. A doutrina entende que este crime admite tentativa, desde que na forma escrita. Na modalidade “executar” o crime é material e a tentativa é perfeitamente possível.Descumprimento de formalidades legais Ex.: delegado de polícia manda recolher à prisão pessoa em situação de flagrante, porém, sem lavrar o APF. Configura crime de abuso de autoridade por descumprimento de formalidade legal

Prisão abusiva Prender alguém sem estar em situação de flagrante ou ordem judicial. Ex.: prisão para averiguação. A conduta de prender alguém sem situação de flagrante e sem ordem judicial configura atentado à liberdade de locomoção (Art. 3º, “a”), gerando aparente conflito de normas. A solução dada pela doutrina é que, havendo conflito entre o art. 3º, “a” e o art. 4º, “a” da lei de abuso de autoridade, prevalece este último. Tendo em vista que o art. 3º possui redação aberta, deve prevalecer o art. 4º, que tem redação mais descritiva e mais garantista.

Algemar indevidamente também configura crime de abuso de autoridade. A SV 11 diz que a algema pode ocorrer em três casos: a) Resistência; b) Fundado receio de fuga c) Risco a integridade física (do próprio preso ou de terceiro). Fora desses três casos, o uso de algema configura abuso de autoridade. Ao editar a SV 11, o próprio Supremo diz que à responsabilidade penal a que se refere a súmula é o abuso de autoridade.Súmula Vinculante 11: Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.

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Se o sujeito passivo dessa conduta for criança ou adolescente, haverá o crime do art. 230 do ECA. No caso de o delegado apreender adolescente e não lavrar o APF, incidirá nas mesmas penas (art. 230 do ECA).

Art. 230. Privar a criança ou o adolescente de sua liberdade, procedendo à sua apreensão sem estar em flagrante de ato infracional ou inexistindo ordem escrita da autoridade judiciária competente: Pena - detenção de seis meses a dois anos. Parágrafo único. Incide na mesma pena aquele que procede à apreensão sem observância das formalidades legais.

Art. 4º Constitui também abuso de autoridade: b) submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei;

É preciso diferenciar o constrangimento ou vexame legal do constrangimento ou vexame ilegal. Cuidado: Se a vítima for menor, configura crime do art. 232 do ECA.Art. 232. Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento: Pena - detenção de seis meses a dois anos.

Art. 4º Constitui também abuso de autoridade: c) deixar de comunicar, imediatamente, ao juiz competente a prisão ou detenção de qualquer pessoa;

A comunicação da prisão deve ser uma comunicação imediata. Isto é, aquela feita no primeiro momento possível, consideradas as circunstâncias do caso concreto. A comunicação feita propositalmente ao juiz incompetente configura abuso de autoridade. Ex.: delegado que comunica ao juiz errado de propósito a fim de retardar o controle judicial sobre a prisão.

Esse crime é doloso. Significa dizer que o delegado que comunica ao juiz incompetente por desconhecimento da lei não comete crime de abuso de autoridade. Também não há abuso no caso do delegado que se esquecer de fazer a comunicação. Não existe abuso de autoridade culposo, ainda que o delegado tenha sido imperito ou negligente.

Atenção: Se o crime é cometido contra criança ou adolescente, configura o crime do art. 231 do ECA.

Page 15: Lei Abuso de Autoridade

Art. 4º Constitui também abuso de autoridade: g) recusar o carcereiro ou agente de autoridade policial recibo de importância recebida a título de carceragem, custas, emolumentos ou de qualquer outra despesa;

Art. 4º Constitui também abuso de autoridade: f) cobrar o carcereiro ou agente de autoridade policial carceragem, custas, emolumentos ou qualquer outra despesa, desde que a cobrança não tenha apoio em lei, quer quanto à espécie quer quanto ao seu valor;

Art. 231. Deixar a autoridade policial responsável pela apreensão de criança ou adolescente de fazer imediata comunicação à autoridade judiciária competente e à família do apreendido ou à pessoa por ele indicada: Pena - detenção de seis meses a dois anos.

O art. 306 do CPP prevê que a prisão deve ser comunicada ao juiz, à família e ao MP. No crime da lei de abuso de autoridade, deixar de comunicar ao juiz configura abuso, enquanto deixar de comunicar à família e ao MP configuram fato atípico, tendo em vista que a lei somente faz referência à comunicação ao juiz. No crime do ECA, configura crime deixar de comunicar o crime ao juiz e também à família, sendo fato atípico deixar de comunicar ao MP.

Se o juiz é comunicado da apreensão ilegal, constata que a apreensão é ilegal, este comete crime do art. 4º, “d” da lei de abuso de autoridade. Atenção: Em se tratando de menor, o juiz comete crime do art. 234 do ECA. Art. 234. Deixar a autoridade competente, sem justa causa, de ordenar a imediata liberação de criança ou adolescente, tão logo tenha conhecimento da ilegalidade da apreensão: Pena - detenção de seis meses a dois anos.

O não arbitramento de fiança por motivo abusivo configura abuso de autoridade.

Art. 4º Constitui também abuso de autoridade: e) levar à prisão e nela deter quem quer que se proponha a prestar fiança, permitida em lei;

Art. 4º Constitui também abuso de autoridade: d) deixar o Juiz de ordenar o relaxamento de prisão ou detenção ilegal que lhe seja comunicada;

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h) o ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal;

Art. 4º Constitui também abuso de autoridade:

A alínea “h” traz previsão expressa da pessoa jurídica como sujeito passivo do crime de abuso de autoridade. A pessoa jurídica de direito público e a autoridade também podem ser vítimas do crime de abuso de autoridade. Inclusive o subordinado pode praticar o crime contra o superior. Ex.: subordinado que desfere soco contra seu superior.

Deve ser feita distinção entre ato lesivo da honra legal e ilegal. Sendo ato lesivo da honra legal o fato é atípico. O dispositivo define como abuso de autoridade o ato praticado lesivo da honra com desvio de poder ou sem competência legal. Ex.: fiscais da vigilância sanitária que interditam um restaurante cometem ato lesivo da honra legal. O crime da alínea “h” é material, se consumando com a efetiva lesão e a tentativa é perfeitamente possível.

Art. 4º Constitui também abuso de autoridade: i) prolongar a execução de prisão temporária, de pena ou de medida de segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de cumprir imediatamente ordem de liberdade. (Incluído pela Lei nº 7.960, de 21/12/89)

Esse crime é de conduta mista (conduta omissiva e conduta comissiva). Prolongar prisão preventiva configura crime do art. 4º, “b” (submeter o preso a constrangimento ilegal).

PERGUNTA: o art. 350 do CP foi tacitamente revogado pela lei de abuso de autoridade? R: O STF decidiu no sentido que o art. 350, caput, e incisos II e III foram revogados pelo art. 4º da lei de abuso. Estando vigentes os incisos I e IV. Assim, o crime de abuso de poder do art. 350 foi parcialmente revogado e continua parcialmente em vigor (STJ HC, 65,499)Art. 350. Ordenar ou executar medida privativa de liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder: Pena - detenção, de um mês a um ano. Parágrafo único. Na mesma pena incorre o funcionário que: I - ilegalmente recebe e recolhe alguém a prisão, ou a estabelecimento destinado a execução de pena privativa de liberdade ou de medida de segurança; II - prolonga a execução de pena ou de medida de segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de executar imediatamente a ordem de liberdade; III - submete pessoa que está sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei; IV - efetua, com abuso de poder, qualquer diligência.