leandro, roberto pacheco. comunidade dos países de língua

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ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA CAPITÃO-DE-MAR-E-GUERRA ROBERTO PACHECO LEANDRO COMUNIDADE DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA: espaço estratégico para afirmação do prestígio militar brasileiro Rio de Janeiro 2011

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ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA

CAPITÃO-DE-MAR-E-GUERRA ROBERTO PACHECO LEANDRO

COMUNIDADE DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA:

espaço estratégico para afirmação do prestígio militar brasileiro

Rio de Janeiro 2011

Capitão-de-Mar-e-Guerra ROBERTO PACHECO LEANDRO

COMUNIDADE DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA: ESPAÇO ESTRATÉGICO PARA AFIRMAÇÃO DO PRESTÍGIO MILITAR DO BRASIL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia. Orientador: CMG (RM1) Guilherme Sandoval Goés

Rio de Janeiro 2011

“Minha pátria é a língua portuguesa”

(Fernando Pessoa)

À minha mãe.

RESUMO

O Brasil e os demais países de língua portuguesa da África (Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe) e da Ásia (Timor Leste) são frutos de uma épica e fantástica aventura histórica: as grandes navegações e consequentemente a expansão do vasto Império Marítimo Português. Hoje, estes países dispersos em 3 continentes comungam a mesma língua e com diferentes gradações dividem também costumes, tradições, culinária, folclore, danças e etc. Aproximadamente 20 anos após a independência política dos países africanos e do Timor Leste da metrópole européia foi criada a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) com o intuito, entre outros mais, de estreitar as relações entre os países lusófonos. Com o crescimento econômico do Brasil e sua inexorável condição de global player em um futuro não muito distante – já como a quarta economia mundial – este estreitamento das relações com os países da CPLP poderá propiciar ao país grandes vantagens estratégicas diante do posicionamento geográfico dos países lusófonos da África e da Ásia. O presente estudo ressalta a condição do Brasil como líder natural da CPLP (afinal, dentre eles, é o país de maior Poder Nacional), considera os interesses brasileiros na África, no Atlântico Sul e no Oceano Índico e apresenta estas vantagens estratégicas: Cabo Verde e Guiné-Bissau e o gargalo do Atlântico Sul, São Tomé e Príncipe e Angola e o Golfo da Guiné, Angola e Moçambique e a Rota do Cabo, Moçambique e os acessos ao Oceano Índico e ao Oriente Médio e, por fim, Timor Leste e o acesso aos estreitos indonésios e ao Mar da China. Palavras chaves: Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.

ABSTRACT

Brazil and other Portuguese-speaking countries of Africa (Angola, Cape Verde, Guinea Bissau, Mozambique and Sao Tome and Principe) and Asia (East Timor) are the result of a historical epic and fantastic adventure: the Age of Exploration and consequently the expansion of the wide Portuguese Overseas Empire. Nowadays, these countries scattered across three continents share the same language and with different gradations also customs, traditions, cuisine, folklore, dances and so on. Some 20 years after African countries and East Timor had got political independence from the European metropolis, it was established the Community of Portuguese Language Countries (CPLP) with the intention, among others, to strengthen relations between Lusophone countries. With the economic growth of Brazil and its inexorable global player condition in a not so distant future – currently as fourth world economy – the narrowing of relations with CPLP countries can provide great benefits considering the country's strategic geographical position to Lusophone countries in Africa and Asia. The present study underscores the condition of Brazil as a natural leader of the Community of Portuguese Language Countries (after all it is the country with largest National Power, among them), considers the Brazilian interests in Africa, the South Atlantic and Indian Ocean and presents these strategic advantages: Cape Verde and Guinea-Bissau and the “bottleneck” (gargalo) of the South Atlantic, Sao Tome and Principe and Angola and the Gulf of Guinea, Angola and Mozambique and the Cape Route, Mozambique and the accesses to the Indian Ocean and the Middle East, and finally, access to East Timor and Indonesian straits and China Sea. Keywords: Community of Portuguese-Speaking Countries.

SUMÁRIO

Página

1 INTRODUÇÃO....................................................................................................

9

2

2.1

2.2

2.3

CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS E A CRIAÇÃO DA CPLP.....................

Início, Expansão e Decadência do Império Marítimo Português...........................

O Mundo que o Português Criou...........................................................................

A Criação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e Aspectos

Geopolíticos Inerentes............................................................................................

13

13

16

18

3

3.1

3.2

3.3

3.4

3.5

PROJEÇÃO DE PODER DO BRASIL NO ATLÂNTICO SUL E NA

ÁFRICA................................................................................................................

Descrição Física do Atlântico Sul e Algumas Considerações Geopolíticas..........

A Independência dos Países Africanos e o Pensamento Geopolítico do General

Golbery em Relação à África.................................................................................

As Prioridades Político-Estratégicas do Brasil para o Atlântico-Sul: “Mare

Nostrum Afro-Brasileiro”.......................................................................................

História Sucinta das Relações Comerciais e dos Interesses do Brasil na África

Atlântica.................................................................................................................

Óbices para o Brasil no Continente Africano e no Atlântico Sul.........................

22

22

23

25

27

31

4

4.1

4.2

4.3

4.4

O OCEANO ÍNDICO E A INSERÇÃO DO BRASIL......................................

Oceano Índico: Limites e Características Gerais...................................................

Considerações Estratégicas e Geopolíticas. A Importância do Oceano Índico......

O Crescente Interesse do Brasil no Oceano Índico...............................................

A Presença Militar no Oceano Índico...................................................................

33

33

34

35

37

5

5.1

5.2

5.3

5.4

OS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA E SUAS LOCALIZAÇÕES

GEOGRÁFICAS ESTRATÉGICAS..................................................................

O Gargalo do Atlântico Sul e o Eixo Natal-Bissau ou Natal- Cabo Verde............

São Tomé e Príncipe e Angola, o Acesso à África e ao Golfo da Guiné...............

Angola, Moçambique e a Rota do Cabo................................................................

Moçambique, o Acesso ao Oriente Médio e a Entrada no Oceano Índico............

40

40

41

43

44

5.5

Timor Leste, os Estreitos e os Limites do Oceano Índico......................................

45

6

CONCLUSÃO ....................................................................................................

47

REFERÊNCIAS...................................................................................................

ANEXO A - Primeira Ilustração.....................................................................52

ANEXO B - Segunda Ilustração.....................................................................53

ANEXO C - Terceira Ilustração.....................................................................54

ANEXO D - Quarta Ilustração........................................................................55

ANEXO E - Quinta Ilustração........................................................................56

ANEXO F - Sexta Ilustração...........................................................................57

ANEXO G - Sétima Ilustração........................................................................58

ANEXO H - Oitava Ilustração........................................................................59

ANEXO I - Nona Ilustração............................................................................60

ANEXO J - Décima Ilustração........................................................................61

ANEXO K - Décima Primeira Ilustração.......................................................62

ANEXO L - Décima Segunda Ilustração........................................................63

ANEXO M - Décima Terceira Ilustração.......................................................64

ANEXO N – Décima Quarta Ilustração.........................................................65

49

9

1 INTRODUÇÃO

Portugal é um caso singular na história da humanidade. Pobre, pequeno e

pouco povoado, mesmo assim foi capaz de criar e manter um imenso e vasto

império marítimo na América, na África e na Ásia durante 5 séculos; que foi, na

verdade, diminuindo paulatinamente com o passar dos anos. Seu périplo começou

em Ceuta em 1415 e só veio a terminar em 1974 e 1975 com a independência de

suas últimas colônias ou províncias ultramarinas. No início deste processo, ao longo

do século XV, os portugueses transformaram e aperfeiçoaram todas as técnicas de

construção naval e de navegação conhecidas até aquela época. A exploração

marítima conheceria então um impulso jamais visto.

Se houve necessidade de um período de 73 anos para chegar ao Cabo da

Boa Esperança em 1488, e com ele toda a costa ocidental africana, os 30 anos que

se seguiram levaram os portugueses a todos os oceanos do globo. Em 1496

chegaram à Groelândia; em 1498 às Índias; em 1500 a Terra Nova e ao Brasil; em

1509 em Malaca; em 1511 às Molucas e à China; em 1542 foram os primeiros

europeus que chegaram ao Japão onde, introduzindo as armas de fogo, modificaram

completamente o equilíbrio político do país. E ainda a primeira viagem de

circunavegação realizada entre 1519 e 1522 pelos sobreviventes dos navios do

português Fernando de Magalhães, a serviço da coroa espanhola. Conquistas

épicas para o pequeno, porém intrépido, ousado e valente Portugal.

O Brasil é filho desta fantástica epopeia. Foi colonizado, passou a ser Reino

Unido e ficou independente em 1822. Juntamente com mais 5 países africanos

(Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe) e um

asiático (Timor Leste), consequências e resquícios do outrora vasto império luso,

formam um grupo de países que dividem em comum a mesma língua e com

variadas gradações dividem também costumes, tradições, culinária, folclore, danças

e etc.

Com a antiga metrópole são 8 países que comungam a língua portuguesa. O

idioma comum entre nações é um fator sempre aglutinador e harmonizador para

seus povos. O idioma comum os une, traz uma maior percepção das características

psicossociais do outro, insere um na cultura do próximo muito mais facilmente,

facilita as negociações políticas, comerciais e as relações diplomáticas entre eles. O

peso e o papel da língua inglesa no antigo Império Britânico e as vantagens que a

10

Inglaterra e os EUA hoje desfrutam em relação ao Canadá, Austrália, Índia e vários

outros países na África e na Ásia são notórias, visíveis e servem de exemplo.

Somente em 1996, após duas décadas do processo de independência dos

países lusófonos africanos, foi firmado e consubstanciado a Comunidade dos Países

de Língua Portuguesa (CPLP), formada inicialmente por Angola, Brasil, Cabo Verde,

Guiné Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe. O Timor Leste,

localizado na Ásia, participava das primeiras reuniões apenas como membro

observador. Com a sua independência da Indonésia em 2002, teve seu pedido

formal de adesão aceito em julho do mesmo ano. Estava afinal pronto um processo

de institucionalização, cujos fundamentos baseiam-se na língua e no patrimônio

histórico comum.

No site oficial da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa na internet, a

CPLP apresenta-se como “um novo projeto político cujo fundamento é a língua

portuguesa, que atuará como fator de unidade que alicerçará, no plano mundial,

uma atuação conjunta cada vez mais significativa e influente”. Sendo assim, a CPLP

nasce, primordialmente, como um foro oficial dos pleitos e anseios políticos-

comerciais de todo o grupo lusófono perante a comunidade internacional. Do ponto

de vista das Relações Internacionais, a CPLP tem caráter diplomático, político e

jurídico para representar seus membros em fóruns internacionais, além de ser

dotada de autonomia administrativa e financeira. É, ainda, um organismo para

estreitamento das relações do grupo lusófono.

E justamente este estreitamento das relações do grupo lusófono que pode

trazer grandes e inúmeras vantagens ao Brasil e, em decorrência da cooperação

mútua, também aos demais países lusófonos. A CPLP é uma comunidade ímpar,

com seus membros dispersos em 4 continentes (Europa, América do Sul, África e

Ásia). Por ser um grande país, com uma economia pujante e um futuro que se

delineia como um verdadeiro “global player”, o Brasil possui desde já interesses

estratégicos em várias partes do mundo, e estes interesses se aguçam ainda mais à

medida que o país cresce e a sua participação na economia mundial aumenta.

O país não pode apenas pensar e se preocupar com suas fronteiras terrestres

e com seu interior. A Amazônia Verde é importante, a Amazônia Azul também o é,

mas os nossos interesses vão além das nossas fronteiras terrestres, da nossa Zona

Econômica Exclusiva e da nossa plataforma continental estendida. Por uma

coincidência geopolítica ou por um destino manifesto verde e amarelo, estes

11

interesses se localizam em áreas próximas às costas de países membros da CPLP,

seja no Oceano Atlântico (costa ocidental africana), seja no Oceano Índico (costa

oriental africana e na Ásia).

Além do domínio ou acesso as nossas costas opostas (costa ocidental da

África), que é em termos geopolíticos uma das tendências dos Estados em face das

suas condições geográficas, o estreito e especial relacionamento com os membros

africanos da CPLP ainda nos propiciaria: domínio do gargalo do Atlântico com o

controle do eixo Natal-Bissau ou Natal-Cabo Verde; acesso ao Golfo da Guiné por

intermédio de São Tomé e Príncipe e acesso à Rota do Cabo a partir de Angola. No

Oceano Índico, incrementaríamos o nosso controle sobre as nossas vias de

comunicação marítimas (outra tendência dos Estados em face das suas condições

geográficas) para o Oriente Médio a partir de Moçambique e para a China e a Índia a

partir do Timor Leste.

País de maior Poder Nacional, maior território, maior economia e maior

população entre todos os outros membros da CPLP, o Brasil naturalmente ascende

e lidera a Comunidade, ocupando o lugar que a história daria a Portugal por ter sido

um dia a metrópole colonizadora e dono do idioma, mas que a realidade, os

números, a lógica e o destino dão ao Brasil.

A exemplo dos EUA no fim do século XIX, os estrategistas brasileiros devem

começar a antever as necessidades geopolíticas do país que o seu promissor futuro

demandará. Segurança de suas vias de comunicações marítimas, domínio e acesso

às suas costas opostas, segurança de seus navios contra ameaças de

pirataria/terrorismo e expansão da influência de seu Poder Naval e Aéreo em

regiões afastadas no Atlântico e no Indico são preocupações que a Nação em um

futuro não muito longe exigirá soluções e ações.

Para isso, a participação como o grande país no concerto da Comunidade

dos Países de Língua Portuguesa é fundamental para o Brasil. Comunidade de

países com fortes laços culturais, históricos e de amizade entre eles, ressaltando o

fator facilitador da língua portuguesa, o Brasil possui a chance de obter grandes

vantagens e benefícios geopolíticos, cooperando, entretanto, com os demais países

lusófonos em suas áreas de segurança, desenvolvimento e progresso.

O presente trabalho será organizado em quatro capítulos principais, com

exceção da Introdução e das Considerações Finais. No primeiro capítulo será

abordado o histórico e algumas considerações em relação à Comunidade dos

12

Países de Língua Portuguesa, bem como os elementos culturais que aglutinam

países de continentes tão distintos e o grande papel do Brasil como o país de maior

Poder Nacional entre todos eles.

No segundo capítulo serão descritas a projeção de poder do Brasil no Atlântico

Sul, os aspectos econômicos, geográficos e de segurança/defesa da África

Ocidental e a importância para o Brasil de ter acesso as suas costas opostas.

No terceiro capítulo será apresentada uma breve descrição do Oceano Índico,

sua importância estratégica em um futuro próximo e a imperiosa necessidade que as

potências atuais e as emergentes têm e terão de se fazerem presentes na região.

No último capítulo serão especificadas as áreas de maior interesse para o país:

Cabo Verde e/ou Guiné Bissau e o gargalo do Atlântico, São Tomé e Príncipe como

um porta-aviões no Golfo da Guiné, Angola e a segurança da Rota do Cabo,

Moçambique e os acessos ao Oceano Índico e ao Oriente Médio e o Timor-Leste e o

acesso aos estreitos indonésios.

13

2 CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS E A CRIAÇÃO DA COMUNIDADE DOS

PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA

2.1 Início, Expansão e Decadência do Império Marítimo Português.

Considera-se frequentemente o ano de 1415 – conquista de Ceuta no norte da

África – como o início da expansão marítima portuguesa. Há razões para acreditar

que começou anteriormente, mas foi na realidade depois daquele ano que as

atividades marítimas passaram a assumir um papel importante na história

portuguesa (SARAIVA, 1995).

A dimensão da obra e a grandeza das ações exercidas pelos portugueses em

uma enorme parte do mundo durante os séculos XV a XX são surpreendentes.

Pode-se falar numa gigantesca epopeia coletiva, sem receio de exagerar o uso das

palavras. A história do mundo não pode escrever-se sem numerosas referências ao

que nele foi praticado por este pequeno povo de um pobre país nos confins da

Europa. Como foi possível que um povo tão pouco numeroso tivesse feito tanto? A

irresistível tentação do espírito humano para, diante de um efeito, lhe atribuir uma

causa, fez surgir o problema das “causas” das grandes navegações, que depois se

converteu em um dos debates obrigatórios entre os estudiosos da História de

Portugal.

Inúmeras causas têm sido consideradas durante os anos: situação geográfica do

território, desproporção entre a evolução demográfica e os recursos internos,

experiência náutica das populações do litoral, existência de ciência náutica

avançada, desenvolvimento da burguesia e crescente necessidade de trigo e de

ouro, o espírito de cavalaria dos nobres, o espírito de aventura do povo, o espírito de

cruzada dos clérigos e dos reis, ações pessoais, especialmente do Infante D.

Henrique, e etc (SARAIVA, 1995).

Independente das causas, o feito foi memorável. Como já foi dito, em 1415 os

portugueses tomaram Ceuta dos árabes, iniciando assim o seu périplo. Depois, o

primeiro grande feito foi a descoberta do contorno marítimo da África, isto é, a

ultrapassagem do Cabo Bojador por Gil Eanes em 1435. Em 1443 Nunes Tristão

chega à Ilha Arguim na atual Mauritânia. Dois anos mais tarde Dinis Dias atinge o

Cabo Verde, assim denominado porque, em contraste com a costa explorada até

14

então, este ponto marcava o início das vastas florestas tropicais. Em 1447 Álvaro

Fernandes chega à Guiné.

Em 1460 morreu o Infante D. Henrique, o grande incentivador das grandes

navegações portuguesas. Em 1469 o rei D. Afonso V concedeu o direito de navegar

e comerciar no litoral africano a Fernão Gomes, um rico mercador de Lisboa. Em

1471, navegadores a soldo de Fernão Gomes alcançam a Ponta de Santa Catarina,

hoje Porto Gentil no Gabão, cruzando a linha do equador pela primeira vez. Atribui-

se-lhes também a descoberta das ilhas de São Tomé e Príncipe, Ano Bom e Fernão

Pó. Diogo Cão chega à embocadura do Rio Congo em 1482.

Em sua segunda viagem em 1484, Cão subiu com seus navios o curso deste rio

e fez gravar, a 160 Km da foz, a famosa inscrição que ainda hoje se pode ler nos

rochedos de Ielala. Navegou depois mais de 700 milhas para o sul até a altura da

Serra Parda, atual Namíbia. Em 1488 Bartolomeu Dias finalmente cruza a última

ponta ao sul da África batizando-a de Cabo das Tormentas, posteriormente Cabo da

Boa Esperança. Devido a um motim de sua tripulação, cansada e aterrada pelos

mares tumultuosos, foi forçado a voltar. Bartolomeu Dias dobrara a África, mas

fracassara em chegar ao seu destino, às Índias.

Coube ao grande navegador Vasco da Gama descobrir o caminho marítimo para

às Índias e mudar a história do mundo, dez anos após a viagem de Dias, em 1498.

Uma viagem épica onde o grande nauta nomeou com nomes portugueses vários

acidentes geográficos na atual África do Sul, Moçambique e Quênia. Na próxima

viagem às Índias em 1500, o fidalgo Pedro Álvares Cabral descobre o Brasil,

fundeando suas caravelas na Baía de Cabrália, atual Estado da Bahia.

A conquista total das Índias e do Índico foi concretizada com Afonso de

Albuquerque com as tomadas de Goa em 1510, Malaca em 1511 e Ormuz no Golfo

Pérsico em 1515. A conquista de Malaca propiciou aos portugueses o maior centro

distribuidor de especiarias indonésias, assim como uma base naval que controlava o

gargalo entre o Oceano Índico, o Mar de Java e o Mar da China Meridional.

Em 1512 os primeiros mercadores portugueses chegaram ao que hoje é o Timor

Leste. Dois anos mais tarde, os missionários da fé cristã. Somente em 1702 deu-se

início à organização colonial do território, criando-se o Timor Português.

Desde 1513 que aventureiros e mercadores portugueses já comerciavam na

China de forma clandestina. Traziam e levavam produtos chineses, indianos e

japoneses. Em 1557, o mandarim de Cantão encontrou uma fórmula hábil para

15

permitir o comércio sem acabar com a proibição: deu aos portugueses uma ilhota

ligada ao continente chinês por um estreito istmo. Era a península de Macau que por

mais de quatro séculos pertenceu a Portugal. Durante um século as relações

comerciais entre chineses e japoneses foi mantida pelos portugueses, que

aproveitou sapientemente a extrema rivalidade entre os dois povos. A cidade

japonesa de Nagasaki, praticamente fundada por aventureiros lusos, servia de

entreposto comercial.

Poderíamos ainda mencionar a chegada dos portugueses na Groelândia, em

Terra Nova no Canadá (Newfoudland), nas ilhas ao sul do Atlântico, no Mar

Vermelho, na Austrália, nas passagens ao norte do Oceano Pacífico e etc. Além da

primeira viagem de circum-navegação que foi realizada pelo português Fernando de

Magalhães a serviço do Reino de Espanha.

Durante mais de um século apenas as naus e caravelas portuguesas navegavam

no Índico e no Pacífico, enfunando suas velas estampadas com a Cruz de Cristo, até

a chegada de outras potências europeias interessadas também no comércio e no

controle de áreas de seus interesses. Até a primeira metade do século XVII o

Império Português era muito vasto e abrangia, entre colônias, possessões, feitorias

e entrepostos comerciais, regiões tão díspares, longínquas e diferentes

culturalmente, desde o norte da África, passando pela América do Sul, costas

ocidental e oriental africana, sul da península arábica, atual Índia, ilhas indonésias,

China e Japão.

A decadência teve início com a paulatina chegada de outros países europeus à

América, às costas africanas e ao oriente. Portugal perdeu algumas posições em

confrontos armados, negociou algumas outras e conseguiu manter um império que

até o início do século XIX era ainda maior que o dos ingleses, dos franceses, dos

espanhóis e dos holandeses.

Com a independência do Brasil, o vasto Império Português começou a ser

desmantelado em um processo que acabaria em 1999 com a entrega de Macau à

China, seguindo um acordo firmado entre os dois países em 1987. Em 1961, Goa,

Damão e Diu foram invadidas pela União Indiana dentro da onda de descolonização

que marcou a época. Após a Revolução dos Cravos em 1974, Portugal concedeu a

independência a suas colônias na África após mais de uma década de guerras

contra movimentos separatistas financiados externamente. Neste contexto, foi

16

também o Timor Leste que logo após a independência de Portugal foi invadido pela

Indonésia, obtendo sua independência definitiva em 2002.

Na verdade, Portugal lutava em uma campanha imaginativa a fim de conservar

as suas colônias em uma época anticolonial; não havia mais solução militar que

conseguisse superar o problema político da legitimidade de Portugal na África.

Nada na história da humanidade foi mais ousado, aventureiro e espetacular que

as grandes navegações realizadas pelos europeus; e nesta história Portugal é o

protagonista. O Brasil e os brasileiros são filhos desta grande epopéia e junto com

os outros países de língua portuguesa guardam características e similaridades

únicas e especiais.

2.2 O Mundo que o Português Criou

Segundo Smith Junior (FREYRE, 2010), entre todas as nações européias

colonizadoras, Portugal foi a mais bem sucedida em transplantar para os territórios

conquistados o espírito essencial de pátria, e em manter tanto em colonos quanto

em nativos um sentimento racial comum. O fator principal foi o tratamento tolerante

do mestiço, que graças à falta de discriminação, tornou o Brasil e os demais países

lusófonos forças poderosas para a democracia racial, um elemento de orgulho

praticamente universal de passado e tradição portugueses. E estas condições

especiais para a unidade psicológica e cultural prevalecem mesmo na menos

afortunada das ex-colônias portuguesas.

E esta unidade não foi apenas psicológica e cultural como bem disse Smith Jr.

Havia uma unidade política onde as partes formavam o todo de uma maneira muito

mais visível e integrada que as colonizações das outras nações europeias. O

Professor Felipe Cocuzza (COCUZZA, 1995) lembra que a transferência da corte

portuguesa e a sua instalação em 1808, elevou o Brasil a sede de um império que

tinha então, nas duas margens do Atlântico, uns 16.000 Km de costas e uma área

de cerca de 20 milhões de quilômetros quadrados, unindo Angola a Moçambique.

Nesta grande tentativa e obra de unir o Atlântico ao Índico participou o brasileiro

Francisco José de Lacerda e Almeida, governador de Moçambique, desbravador e

povoador do interior de Zâmbia e do sul do Zaire ainda no século XVIII. Porém a

passagem de costa a costa foi feita logo no começo do século XIX, em 1805, pela

17

expedição de Pedro João Baptista, que partindo de Angola chegou a Moçambique,

deixando núcleos de povoamento no coração daquela região africana.

Quando, em 1815, o Brasil é elevado a Reino, dentro do Reino Unido, D. João,

ainda regente, não usava o título que passaria a usar no ano seguinte: “Rei de

Portugal, Brasil e Algarves, daquém e d’além-mar em África, Senhor da Guiné, da

conquista, da navegação e do comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia”. Frisando

que Índia era termo genérico que denominava as terras asiáticas para além da

Pérsia.

O professor Cocuzza reitera que em toda a vastidão do Império Português havia

uma só cidadania e brasileiros ilustres foram chefes militares e governadores em

Angola, em Moçambique, em Macau, no Timor, em Mombaça, em Cabo Verde,

mesmo em Portugal e em muitas e distantes províncias. Igualmente, havia nativos

como governantes em suas próprias terras e no Brasil muitos foram os vice-reis,

chefes civis e militares que nasceram aqui. Muito diferente das outras regiões

colonizadas pelas demais nações europeias, o que fez o domínio português único.

Não é, portanto, de se estranhar que vários brasileiros e várias expedições

armadas saíram do Brasil e foram além-mar guerrear pelo Império. O pernambucano

Matias de Albuquerque, que combateu os holandeses no nordeste brasileiro,

comandou as tropas portuguesas que derrotaram os espanhóis na Batalha de

Montijo, em 1644, durante a Guerra de Restauração. Francisco de Souto Mayor

comandou a expedição que saiu do Rio de Janeiro, em 1645, e derrotou as tropas

da Rainha africana Ginga aliada dos holandeses que tinham invadido Luanda.

Em 1647, Salvador Correia de Sá armou uma esquadra à sua custa no Rio de

Janeiro e foi expulsar definitivamente os holandeses de Angola e São Tomé e

Príncipe, no Golfo da Guiné. Derrotou um adversário que contava com superioridade

numérica e de armamento. Este fato demostra a importância de possuir pontos

estratégicos ao longo dos oceanos para a defesa dos interesses de uma nação. Vale

ressaltar que essas expedições antecederam três séculos o envio da Força

Expedicionária Brasileira durante a Segunda Guerra Mundial (COCUZZA, 1995).

Este caráter único e ímpar da colonização portuguesa e sua integração com os

povos nativos das regiões conquistadas foi tema de vários estudiosos. O grande

sociólogo e antropólogo brasileiro Gilberto Freyre em suas obras referentes ao

assunto, “O Mundo que o Português Criou”, “Uma Cultura Ameaçada”, “Aventura e

Rotina”, “Um Brasileiro em Terras Portuguesas” e “O Luso e o Trópico” realça que a

18

tendência para a mestiçagem, comum às sociedades da América, da Ásia e da

África, onde predominou a colonização portuguesa, e à própria sociedade

portuguesa da Europa, é decerto um elemento de aproximação entre estas várias

sociedades, capazes das mesmas reações sentimentais, estéticas, éticas e a uma

série de estímulos a que nos fosse possível sujeitá-las.

Dizia Gilberto Freyre:

A atitude do português para com o mestiço – única em povo europeu moderno – é, por essa sua singularidade e pelas consequências sociais, econômicas e políticas semelhantes que já produziu nas várias áreas de colonização lusitana, um elemento fortíssimo de caracterização psicológica do bloco de sentimentos e de cultura que hoje constituímos. Ao mesmo tempo, é para nós, portugueses e lusodescendentes, um clima sentimental e de cultura que quase não varia da Ásia portuguesa ao Brasil, nem da África portuguesa a Cabo Verde. Uma força que, em todas essas áreas, se impõe aos artistas, aos intelectuais, aos poetas, como uma consciência de espécie que une os lusodescendentes uns aos outros (FREYRE, 2010).

O eminente intelectual já falava nos idos da década de 40 no sentimento de

federação entre os povos de língua portuguesa. Não em federação política, mas sim

cultural.

Às diferenciações regionais que se esboçam no mundo português e de formação portuguesa, e às tendências à integração dessas várias áreas em um único bloco, essencialmente o mesmo nos seus motivos mais fortes de vida e de cultura, correspondem aqueles sentimentos, aparentemente contraditórios, mas que na realidade se completam: o da região e da unidade. E unidade não só nacional, como transnacional, baseada em afinidades de cultura e de comportamento que excedem as fronteiras simplesmente políticas para firmarem em muralhas de cultura viva. Muralhas que, não nos isolando de outros povos, nos dão personalidade moral entre eles. Definem-nos como uma das grandes federações modernas de cultura (FREYRE, 2010).

2.3 A Criação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e

Aspectos Geopolíticos Inerentes

O projeto da criação da CPLP foi consequência de uma série de manifestações

significativas e de tratados firmados entre Brasil e Portugal, desde a década de 50,

que foram pouco a pouco enriquecendo a relação entre a antiga metrópole e a

antiga colônia: Tratado da Amizade e Consulta entre os dois países em 1953,

instituído o Dia da Comunidade Luso-Brasileira em 1967, a Convenção da Igualdade

19

de Direitos e Deveres Entre Brasileiros e Portugueses em 1971 e o reconhecimento

pelo Brasil do regime saído da Revolução dos Cravos em 27 de abril de 1974. Em

1978 o Presidente Ramalho Eanes visitou o Brasil, e em 1981 o Presidente

Figueiredo retribuiu-lhe a visita (SOBRINHO, 1997).

Diante desta nova realidade, o Brasil, reencontrando-se na África na temática de

uma política externa independente e buscando não ferir a relação luso-brasileira, e

Portugal, procurando reencontrar-se com os povos das antigas colônias segundo um

reinventado modelo de cooperação, convergiram no projeto que tomou forma com a

Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.

Porém, somente em 27 de julho de 1996, após duas décadas do processo de

independência dos países lusófonos africanos, foi firmado e consubstanciado a

CPLP, formada inicialmente por Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné Bissau,

Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe. O Timor Leste, localizado na Ásia,

participava das primeiras reuniões apenas como membro observador. Com a sua

independência da Indonésia em 2002, teve seu pedido formal de adesão aceito em

julho do mesmo ano. Estava afinal pronto um processo de institucionalização, cujos

fundamentos baseiam-se na língua e no patrimônio histórico comum.

No site oficial da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa na internet, a

CPLP apresenta-se como “um novo projeto político cujo fundamento é a língua

portuguesa, que atuará como fator de unidade que alicerçará, no plano mundial,

uma atuação conjunta cada vez mais significativa e influente”. Sendo assim, a CPLP

nasceu, primordialmente, como um foro oficial dos pleitos e anseios políticos-

comerciais de todo o grupo lusófono perante a comunidade internacional e

apresenta-se como um espaço de cooperação baseado não somente na língua

comum, mas também em um conhecimento onde se procuram elementos de

convergência histórica que reforcem a sua coesão.

Do ponto de vista das Relações Internacionais, a CPLP tem caráter

diplomático, político e jurídico para representar seus membros em fóruns

internacionais, além de ser dotada de autonomia administrativa e financeira. É,

ainda, um organismo para estreitamento das relações do grupo lusófono. Porém, por

ser uma comunidade, conceito que engloba pressupostos conteúdos econômicos,

políticos, culturais, etc., que geram complementaridade e, consequentemente,

formas de solidariedade de várias formas, a CPLP está longe de ser uma instituição

consolidada. Segundo o Dr. Adelino Torres:

20

Essencialmente parece faltar ainda à CPLP um projeto que subordine de alguma forma os interesses particulares dos Estados a uma estratégia que os supere, ou a um realismo geopolítico (TORRES, 2001).

E continua o Dr. Torres, catedrático do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa:

No que concerne à CPLP, é preferível afastar a concepção romântica de uma “desinteressada” e singular “irmandade”, confinada a um espaço histórico e linguístico sui generis. Enquanto instrumento conceptual tal pretensão é uma falácia, e, como meio de ação, pouco mais de uma inutilidade (TORRES, 2001).

É uma verdade. Pelas possibilidades e vantagens estratégicas que os

posicionamentos geográficos dos países de língua portuguesa podem oferecer ao

Brasil, é um verdadeiro desperdício a CPLP continuar a tratar majoritariamente de

temas culturais (linguísticos e históricos), como bem disse o Dr. Torres,

negligenciando outros segmentos de importância como os econômicos e

geopolíticos.

Passos já foram dados no sentido de contornar esta situação, como alguns

acordos de cooperação, realização da Conferência dos Ministros das Pescas da

CPLP, realização do Simpósio das Marinhas dos Países de Língua Portuguesa,

Encontros de Portos da CPLP em Leixões-Portugal em 2008 e em Fortaleza-Brasil

em 2009, estabelecimento da Estratégia da CPLP para os Oceanos no início de

2010 e operações militares conjuntas, como a Operação Felino. A Operação Felino

tem como propósito organizar e treinar o Comando Operacional de uma Força-

Tarefa Conjunta Combinada (FTCC) da Comunidade dos Países de Língua

Portuguesa. Em março de 2011 foi realizada em Angola. A primeira operação foi em

Portugal em 2000, o Brasil sediou-a em 2002 e 2006 e já está previsto tornar a ser o

país anfitrião novamente em 2013. Apesar dessas iniciativas, muito ainda há e pode

ser realizado.

Com o fim da bipolaridade leste-oeste causado pelo debacle da URSS e o

surgimento de uma nova configuração geopolítica no mundo, onde cada Estado

passou a constituir preocupação para os demais, os termos segurança e defesa

tornaram-se constantes nas agendas internacionais. Neste contexto, o mar foi

valorizado em termos geoestratégicos e geopolíticos, e se fez constar nas listas de

assuntos e preocupações das agendas das mais diversas organizações políticas no

mundo. Principalmente nas organizações que incluem em suas pautas a defesa e a

21

cooperação, na vertente diplomática-linguística-cultural-económica, como é o caso

da CPLP (BERNARDINO, 2011).

A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa constitui-se atualmente em

um patrimônio geocultural único no globo e pode representar um mecanismo de

capital importância na cooperação estratégica multidimensional para a segurança e

para o desenvolvimento de cada um dos seus Estados-membros. Nesse sentido, a

CPLP representa para cada nação um vetor estratégico da sua política externa e um

instrumento de poder e influência para cada um deles, principalmente para o Brasil,

país de maior poder nacional entre os oitos membros (BERNARDINO, 2011).

Os oito países membros da CPLP se distribuem estrategicamente em quatro

continentes, unidos pelos três oceanos, ligando cerca de 250 milhões de pessoas,

num espaço de 10,7 milhões de km2 de terra e de 7,6 milhões de km2 de superfície

marítima, apresentando plataformas continentais vastas e muito ricas (ANEXO A).

Diante desta realidade, é pertinente que a CPLP tenha uma necessidade

institucional e paradigmática de preservar os interesses nacionais e de contribuir

para a salvaguarda das soberanias marítimas dos seus membros, pois não é

exagero dizer que a CPLP é uma comunidade marítima.

O Brasil, país de maior dimensão, de maior economia e de maior população

dentre todos os membros da CPLP, não pode se furtar de sua predestinação de

liderar tão única comunidade, com características históricas sem par no planeta.

Comunidade organizada por países ribeirinhos e arquipelágicos, que necessitam de

cooperação estruturada nos mais diversos setores de suas sociedades, cujos mares

poderão servir de elementos estratégicos de inserção conjuntural de cada um deles

nos seus respectivos espaços regionais, mas também poderão servir para a

afirmação continental e planetária do Brasil.

22

3 PROJEÇÃO DE PODER DO BRASIL NO ATLÂNTICO SUL E NA ÁFRICA

3.1 Descrição Física do Atlântico Sul e Algumas Considerações Geopolíticas

Não há dificuldade em delimitar geograficamente o Atlântico Sul. A linha do

equador se constitui no limite norte, o meridiano que desce do Cabo Hornos (na Terra do

Fogo) até a Antártida separa o Atlântico do Oceano Pacífico e o meridiano que desce do

extremo austral da África também até a Antártida separa-o do Oceano Índico. No

entanto, esta delimitação não atende ao ponto de vista geopolítico que considera como

Atlântico Sul também uma área que contorna estes limites geográficos (COUTAU-

BÉGARIE, 1988).

A delimitação pela linha do equador parece imposta pela História e pela

Geografia. Geograficamente, o equador marca claramente os limites norte e sul do

Oceano Atlântico, mas também é na sua altura (latitude zero) que a África e a América

se aproximam para dividir o oceano em duas partes abertas em direção aos polos.

Historicamente, o equador foi durante muito tempo uma barreira intransponível: até o

século XIV não existe nenhum indício de uma navegação regular na parte austral do

oceano, enquanto que nas costas da África saariana presenciaram um tráfico constante

desde a Antiguidade (COUTAU-BÉGARIE, 1988).

Entretanto, em sentido contrário, pode-se dizer que o limite equatorial separa,

sem justificativa, o Golfo da Guiné e a bacia amazônica, empurrando para o norte toda a

África subsaariana e a parte superior da América do Sul, enquanto, na verdade, elas

pertencem logicamente ao sul, da qual não estão separadas nem pela geografia e nem

pela cultura. O Trópico de Câncer seria um limite mais apropriado entre o Atlântico Norte

e o Sul. Além do mais, a geopolítica atual sugere tal limite já que é neste paralelo que

termina a área de ação da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Deslocar

o limite norte do Atlântico Sul até o Trópico de Câncer é evitar deixar um vazio

geopolítico entre este trópico e a linha do equador (COUTAU-BÉGARIE, 1988). Não sem

motivos que este “vazio” interessa ao Brasil.

O mesmo problema ocorre na delimitação austral do Atlântico Sul. Muitos

geógrafos chamam de Oceano Antártico as águas que banham o imenso continente

branco até a latitude de 60ºS, o que representa uma distância considerável; no

hemisfério norte, o paralelo 60 graus passa pela cidade de Oslo na Noruega. O Oceano

Antártico não está limitado ao norte por nenhuma terra, mas possui uma fronteira

23

marítima que é a convergência antártica – gigantesca corrente que cruza este paralelo e

separa as águas frias da Antártida e as massas de águas mais quentes do Atlântico, do

Pacífico e do Índico. Mas como sempre a geopolítica não aceita estas convenções ou

cortes: a zona coberta pelo Tratado Antártico se estende até a latitude 60 graus sul, mas

em sentido inverso, o Tratado Interamericano de Assistência recíproca (TIAR) cobre (ou

cobria!) todo hemisfério ocidental até o polo (COUTAU-BÉGARIE, 1988).

O General Meira Matos sugeria o Atlântico Sul de interesse do Brasil projetando

as costas do país até a Antártida ao sul e até a Ilha da Madeira ao norte. A bacia

caribenha seria deixada de lado por causa dos EUA, que a vêem tradicionalmente como

sua área de influência. Nesta concepção, se obteria um limite norte orientado com uma

linha sudoeste-nordeste partindo do extremo norte do país (COUTAU-BÉGARIE, 1988)

(ANEXO B).

Finalmente, a Estratégia Nacional de Defesa define o Atlântico Sul, sendo uma

área de interesse direto do Brasil, como: “...do paralelo 16ºN até o Continente Antártico,

abrangendo as margens oeste da África e leste da América do Sul”. Este documento

extrapola a Atlântico Sul geográfico, em razão de o país possuir território e águas

jurisdicionais acima do equador e por nossos interesses diplomáticos, econômicos e

estratégicos atingirem o paralelo 16ºN (MOURA NETO, 2010) (ANEXO C).

3.2 A Independência dos Países Africanos e o Pensamento Geopolítico do

General Golbery em Relação à África

A independência dos países africanos após a Segunda Guerra tem suas

raízes presas ao término da Primeira Guerra. Ao terminar esta guerra foi viável a

marcha da África para o anticolonialismo por duas razões principais. A primeira

porque desapareceriam gradativamente do cenário das Relações Internacionais,

como grandes potências, nações colonialistas europeias – notadamente França e

Inglaterra; cediam lugar paulatinamente à URSS e aos EUA, potências que não

necessitavam do espaço vital, mas que, sendo anticolonialistas, não deixaram de ser

imperialistas por questões geopolíticas e geoestratégicas.

A segunda razão que veio precipitar os movimentos de independência na

África foi a proliferação de Congressos, Conferências e Reuniões no âmbito das

Relações Internacionais, que ao lado da ONU, favoreceram os povos que até então

24

haviam permanecido mudos na defesa de seu direito natural de independência. A

ONU se transformou na tribuna do anticolonialismo militante não só pela ação dos

EUA e da URSS como também pelo apoio tácito de países latino americanos,

desejosos de fazer suas reivindicações (CASTRO, 1981).

Com esta nova realidade no continente negro, já a partir do final dos anos 50

e início dos anos 60, o general Golbery do Couto e Silva, bastante influenciado pela

guerra fria entre EUA e a antiga URSS, trouxe à tona os liames de segurança que

deveriam existir entre as jovens nações africanas em luta por suas independências e

o mundo ocidental (BOHOU, 2007). Com isso, para a segurança do Brasil e do

sistema ocidental, os estados africanos deviam se afastar do sistema comunista.

Afirmava o estrategista (SILVA, 2003):

Devemos nos mostrar vigilantes e dispostos a cooperar, quando se fizer necessário, com a defesa sem restrição do sul e do oeste da África; de onde um inimigo ativo poderá nos ameaçar diretamente controlando as comunicações do Atlântico centro-sul.

Na época, o inimigo era a URSS ou um dos seus satélites. Com a

independência desses países na década de 60, os escritos referentes à África

tornam-se mais precisos e diretos (SILVA, 2003):

Somente o controle pelos soviéticos de importantes bases no litoral africano lhes permitirá de agir de maneira decisiva, combinando continuidade e poder, contra um ponto qualquer do território brasileiro. É então nesta grande batalha pela preservação da invulnerabilidade de toda esta África atlântica-meridional diante as penetrações e, sobretudo, a instalação do poder soviético nesta região que se jogará o destino do Brasil.

E continuava o General Golbery em relação ao ponto de vista geoestratégico

entre as duas fronteiras da comunidade do Atlântico Sul (Brasil-África) (SILVA,

2003):

É necessário cooperar com a imunização dos jovens países africanos contra a infecção fatal do comunismo, ser vigilantes e atentos a qualquer progressão em direção à África Atlântica, onde se situa a fronteira avançada e decisiva de nossa própria segurança nacional.

Da mesma forma, do ponto de vista geopolítico da projeção brasileira dentro

do espaço lusófono africano, o estrategista lembrava (SILVA, 2003):

O Brasil tem que estar pronto para assumir a responsabilidade em relação ao mundo lusófono que Portugal não pode mais fazê-lo.

25

Nota-se perfeitamente a importância que o General Golbery dá a África,

principalmente a costa oeste africana e a aproximação aos países lusófonos da

região em relação à defesa do Brasil e da América do Sul. A sua Teoria dos

Hemiciclos corrobora ainda mais com esta afirmação.

Nesta teoria, centrando a noroeste do núcleo central do Brasil em uma carta

de projeção azimutal, Golbery define dois hemiciclos que projetam para o Atlântico e

Hemisfério Leste. O primeiro com um raio de 10.000 Km, o hemiciclo interior

abrange a América do Norte (flanco esquerdo), África (posição central) e a Antártida

(flanco esquerdo). É neste hemiciclo, e a costa oeste africana em especial, onde

residiriam as nossas primeiras preocupações em termos de segurança (SILVA,

2003) (ANEXO D).

De maneira geral, há uma lógica no pensamento geopolítico do General

Golbery. Ele se valeu de todas as teorias de seus predecessores (Backhauser e

Travassos), os atualizou em relação à guerra fria com as orientações

geoestratégicas e estratégicas fundadas sobre as teorias da segurança nacional

(BOHOU, 2007). A guerra fria acabou, mas as suas reflexões sobre a questão da

segurança são ainda válidas, diante de uma época e de um mundo onde as

ameaças nem sempre são tão claras e visíveis.

3.3 As Prioridades Político-Estratégicas do Brasil para o Atlântico Sul: “Mare

Nostrum Afro-Brasileiro”.

Segundo Bohou, o Brasil é o país da América do Sul onde a visão geopolítica é a

mais precisa quanto à geoestratégia do Atlântico Sul. Do Marechal Mario Travassos

aos Generais Golbery e Matos, o Atlântico Sul sempre aparece como uma prioridade

para a segurança do Brasil. Para o então Capitão Travassos, a projeção continental

do país definiria os eixos de antagonismos norte e sul do país, isto é, entre a bacia

do Amazonas e a do Plata, e entre o Oceano Pacífico e Atlântico; ele preconizava o

desenvolvimento do país ao redor de um eixo longitudinal leste-oeste (BOHOU,

2007).

Em compensação, para o General Golbery, o Atlântico representava a chave da

hegemonia continental do Brasil, que só podia ser garantida com uma aliance com

os EUA (viviam-se tempos de guerra fria). Ele ressaltava a importância da curvatura,

isto é, a porção proeminente do território, chamada também de saliente nordestino,

26

que avança sobre o oceano e que os norte-americanos consideravam durante a

Segunda Guerra Mundial como o melhor porta-aviões do planeta, pois a sua posição

estratégica propiciaria o controle da parte mais estreita e a menos vulnerável do

Atlântico e além do mais garantiria a segurança das rotas de navegação Europa-

África-Oceano Índico. Portanto, o saliente permite uma hegemonia brasileira no

Atlântico, e explica a importância que esta região se revestia no esquema

geopolítico norte americano conforme tinha sido esboçado por Spykman nos anos

quarenta (BOHOU, 2007).

De fato, em razão de sua posição geográfica e da extensão de sua fachada

marítima, o Brasil ocupa uma posição chave em relação ao Atlântico Sul, um oceano

que borda três grandes áreas continentais: a América, a África e a Antártida.

No plano econômico, o Brasil depende do comércio exterior para consolidar seu

desenvolvimento, tanto em importação como em exportação. É muito dependente do

Atlântico Sul, já que 95% de seu comércio em valor e 98% em volume transitam por

este espaço marítimo. Da mesma maneira, o Brasil retira do oceano perto de 75%

de sua produção nacional de petróleo, porcentagem que tende a aumentar tendo em

vista os investimentos em curso.

No âmbito do cone sul do continente, Brasil e Argentina são países que

sobressaem e para os quais a segurança das rotas marítimas e das vias de

comunicações, tanto para o comércio intra-regional tanto para o extra-continental,

são de extrema importância estratégica, assim como para o controle dos corredores

de exportação. Os aspectos geopolíticos e geoeconômicos destes corredores de

exportação (transoceânicos Pacífico-Atlântico-Índico) ilustram o interesse dos

oceanos na estratégia global dos estados do cone sul e particularmente o Brasil. No

lado africano, apenas a África do Sul e a Nigéria se destacam e têm capacidade de

projeção e interesses políticos no Atlântico.

Durante os anos 60 e 70, diante do crescimento da URSS na África Atlântida,

algumas potências exteriores à região tiveram a idéia de criar em paralelo à OTAN

uma organização do tratado do Atlântico Sul (ou OTAS). Contudo, as divergências

políticas entre as potências regionais e extra-continentais acabaram por enterrar o

projeto. O Brasil, condenando o regime racista de Pretoria, não podia se associar à

política sul-africana. Além do mais, a Guerra das Malvinas em 1982 prejudicou ainda

mais este projeto. Os EUA, sustentando seus parceiros britânicos da OTAN,

acabaram por quebrar sua imagem na América do Sul. Definitivamente, a política do

27

Brasil no Atlântico Sul visava não somente evitar a emergência de conflitos, mas

também estabelecer uma zona de paz e de cooperação livre de influências externas.

Por isso a proposta apresentada em 1986 pelo Brasil à Assembléia Geral da

ONU, apoiado por outros países do Atlântico Sul, no intuito de criar uma zona de paz

e de cooperação na região foi bem oportuna. Esta proposta foi aprovada pela

Assembléia Geral da ONU (resolução 41-11) em 27 de outubro de 1986. Assim, o

Brasil se esforçava para preservar o Atlântico Sul como uma zona de paz, afastado

da corrida armamentista, da presença de armas nucleares e de toda forma de

confrontação vindo de outras regiões.

A Zona de Paz e de Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS), que se

conforma aos princípios da carta das Nações Unidas, não é propriamente falando

um organismo regional, ela se apresenta como uma maneira de promover, de

intensificar e de aumentar os laços de aliança política e de cooperação entre os

países africanos e latinos americanos do Atlântico Sul, com a finalidade de

desenvolvê-los econômica e socialmente, a proteger o meio ambiente, a conservar

os recursos e a preservar a paz e a segurança de toda a região (BOHOU, 2007).

Os reais objetivos do governo brasileiro, no entanto, eram reforçar os laços

com países da África subsaariana e contrabalançar a influência argentina e sul-

africana na região.

Até o acordo ser firmado entre os países, houve várias reuniões, discussões e

tratativas desde o final da década de 70. Em uma delas, o General Vernon Walters,

Embaixador Especial dos EUA para a Argentina, ante a recusa brasileira de

proposta norte-americana afirmou que o interesse brasileiro era transformar o

Atlântico Sul em um “lago brasileiro” (PENHA, 2011). Um lago brasileiro está fora

das pretensões geopolíticas do Brasil, mas um “Mare Nostrum Afro-Brasileiro”

atende perfeitamente à proposta da ZOPACAS e aos interesses de defesa do país.

3.4 História Sucinta das Relações Comerciais e dos Interesses do Brasil na

África Atlântica

Antes de abordar as estratégias brasileiras que presidiram os diálogos nos

anos 70 para a África Atlântica, depois da retomada de uma diplomacia africana em

função dos interesses nacionais brasileiros graças à política pragmática e

28

responsável do General Geisel, convém citar os laços geohistóricos entre as duas

fronteiras do Atlântico Sul (Brasil-África Ocidental).

Na verdade, os laços e os interesses entre Brasil e a África são antigos.

Desde o início do século XVI os portugueses começaram a importar os escravos da

África para servir de mão de obra no Brasil. Em 1888 a escravidão foi oficialmente

abolida, no entanto, mesmo que minoritários, os descendentes de escravos

africanos são uma componente da nação brasileira. Esta mistura da raça branca e

negra criou uma comunidade democrática genuinamente brasileira e esta afinidade

histórica, étnica e cultural entre o Brasil e a África Atlântica ocidental – e

principalmente com os países de língua portuguesa desta região - é o primeiro

fundamento da mútua cooperação entre ambos. Assim, o restabelecimento das

relações cordiais entre a África negra e mediterrânea e o Brasil foi fundada, segundo

Guy Martinière (BOHOU, 2007):

Sobre o enraizamento cultural e histórico do Brasil no continente negro do século XVII ao século XIX, e depois pela nova consciência da proximidade geográfica dos países que bordam o Atlântico ao sul do trópico de Câncer.

Contudo, em 1964 o comércio do Brasil com a África era ainda desprezível

quando comparado com o resto do mundo: o país exportava cerca de 2% do seu

total para o continente africano, e dele importava menos de 1%. Isso se devia a dois

fatores: similaridade entre os produtos de exportação das duas regiões, e o caráter

oligopolista dos mercados africanos, ainda nas mãos de empresas sediadas nas ex-

metrópoles e que mantinham o controle das importações desses países. Visando

reverter este quadro, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil inaugurou em

1968 a Câmara de Comércio Afro-Brasileira, buscando o estreitamento dos laços

comerciais, culturais, científicos e tecnológicos (SARAIVA, 1996).

No início dos anos 70, durante o regime militar, se consolida então a

diplomacia do “pragmatismo responsável”, que se traduzia na busca de mercados

externos para consolidar e sustentar o crescimento do parque industrial brasileiro. O

continente africano se transformou em uma região natural para a expansão das

empresas e dos produtos industrializados brasileiros. Esta expansão do comércio

com a África foi a mais importante mudança ocorrida nas relações econômicas

externas do Brasil no final da década de 60 e início da de 70 (SILVA, 2004).

A abertura das relações com a África nesse período permitiu ao Brasil se

beneficiar do apoio político de 46 jovens países do continente a sua nova concepção

29

de relações internacionais, diferentes daquelas dos países industrializados e dos

demais países em via de desenvolvimento. Esta concepção mostrou o exemplo de

sua própria experiência nacional de desenvolvimento para os países tropicais

possuintes de características similares. Intermediário entre os países desenvolvidos

e os países em desenvolvimento, o Brasil esperava encontrar (e encontrou) na

África negra os interlocutores compreensivos, suscetíveis em dar a sua economia

bases novas a fim de prolongar seu ímpeto de desenvolvimento. Segundo W.A

Selcher:

O Brasil deseja mostra-se aos africanos como um modelo econômico que eles podem copiar; um processo de industrialização tropical que oferece uma tecnologia intermediária apropriada e técnicas a serem compartilhadas e que estão culturalmente mais próximos da experiência africana. Procura-se tirar proveito dos laços linguísticos e culturais com Angola e Moçambique. O Brasil confirma uma afinidade política, adotando uma postura de Terceiro Mundo, uma disposição para negociar com regimes marxistas e a não interferência em assuntos internos das nações. Contrastando com os poderes industriais do Norte, o Brasil se especializa em produtos mais baratos, mais fortes e simples que se adaptam às necessidades de um mercado menos sofisticado (SELCHER, 1984).

Além do mais, o Brasil se fez o grande impulsionador na África de uma

cooperação sul-sul, mais atraente que a cooperação entre as antigas potências

coloniais e os demais países do sul. Apesar de no plano político, ainda no início da

década de 70, a posição brasileira em relação à África foi menos visível, pois se

afirmou na ótica de um comprometimento nas teses luso-brasileiras e de defesa do

mundo ocidental. Esta em apoio à política portuguesa na África e aquela em apoio à

política da África do Sul (BOHOU, 2007).

A crise econômica da década de 80 acarretou a revisão de paradigmas da

política externa brasileira, retomando a ampliação das relações com os Estados

Unidos e fortalecendo a regionalização através do então recém-criado Mercosul. As

relações com a África pouco evoluíram para além do reforço dos vínculos culturais

com os países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) (SOUZA,

2010).

Ao mesmo tempo, os países africanos não conseguiam a estabilidade

econômica e política, minando os sonhos das lutas de independência nacional. A

maioria dos países africanos dependia da exportação de matérias-primas, pouco

valorizadas nos mercados internacionais. As exportações para a África, que

chegaram a representar 7% do total das exportações brasileiras durante o regime

30

militar, caíram abruptamente para 3,5% do total durante o governo Sarney (1985-

1990) (SARAIVA, 1996).

A partir da década de 90 a abertura econômica reforça a “reprimarização” das

exportações para o resto do mundo, reservando as exportações de manufaturados

quase que apenas para a América Latina. Apesar da simpatia declarada para com

os países africanos nos governos Collor (1990-1992) e Itamar Franco (1992-1995),

as relações bilaterais não prosperaram substancialmente nesta década.

Nos dois governos Fernando Henrique Cardoso (1995-1999 e 1999-2003), a

política externa brasileira para a África se encontrava concentrada para um grupo

seleto de países - Angola, Nigéria e África do Sul - e para a consolidação da CPLP.

O internacionalismo da então diplomacia brasileira buscava alinhamentos com

países em desenvolvimento e com economias centrais, principalmente NAFTA e

União Européia (SOUZA, 2010).

Durante os governos Lula (2003-2007 e 2007-2011), a política externa seguiu

a orientação universalista e o caráter global trader do país, e ao mesmo tempo

incrementou novas parcerias estratégicas com países em desenvolvimento, como é

o caso África do Sul, Índia e da China. A análise realizada dos fluxos de comércio

entre Brasil e a África ainda se destaca a extrema seletividade do mercado: Angola,

África do Sul e Nigéria representam mais de 70% das importações brasileiras e

cerca de 58% das exportações para o continente. Entretanto, os valores da corrente

de comércio bilateral indicam uma volta do interesse pelo continente negro, centrada

fundamentalmente na importação de commodities energéticas africanas: petróleo e

gás. Em 2005, o comércio com a África passou a representar 5% das exportações

brasileiras e 9% das importações, com uma forte tendência de alta (SOUZA, 2010).

Neste sentido, com o aumento do comércio entre as duas regiões, o Brasil

volta a possuir uma visão de mundo genuinamente brasileira, como salientavam o

General Meira Mattos e o General Golbery. Eles chamavam a atenção para a

importância da projeção de poder brasileiro no Atlântico Sul e da cooperação

econômica entre os países em desenvolvimento para o domínio de tecnologias em

condições de tropicalidade, ambos vistos como fatores de aproximação entre o

Brasil e a África. Também pensavam na aproximação com a África através da antiga

metrópole portuguesa, onde o Brasil seria o mediador de uma comunidade “afro-

luso-brasileira” (SARAIVA, 1996). Pela sua pujança econômica e territorial o Brasil

não pode se contentar em ser apenas o mediador, e sim a locomotiva do processo.

31

3.5 Óbices Para o Brasil no Continente Africano e no Atlântico Sul

Entende-se aqui como óbices os obstáculos de toda ordem que dificultam ou

impedem a conquista ou manutenção de objetivos. Os óbices podem ser

classificados em fatores adversos – quando dificultam os esforços da sociedade ou

do governo para alcançar e preservar os Objetivos Nacionais - e antagonismos –

quando impedem o alcance e à preservação dos Objetivos Fundamentais. Podem

ser internos ou externos (ESG, 2009).

A presença militar, as parcerias estratégicas e os acordos de defesa dos

EUA, da China e da União Europeia (notadamente da França) na África

(principalmente na costa ocidental) são intensos, volumosos e devem ser motivo de

preocupação para o Brasil. A costa ocidental da África, como nossas costas opostas,

é de grande interesse estratégico para o país (ANEXO E).

Embora a sede provisória do US AFRICOM esteja localizada em Stuttgart na

Alemanha, os EUA possuem uma grande presença militar em solo africano. Há

cooperação técnica militar com o Marrocos, a Tunísia, a Argélia, Mali, Niger, o

Tchad, a Mauritânia, o Senegal, Gana, a Nigéria, o Gabão, a Guiné Equatorial, a

Tanzânia, o Quênia, o Egito e a Etiópia. Em 2010, os americanos realizaram, como

exercício, a Operação Fintlock em Burkina Faso. Há uma base militar em Djibuti e

sua presença naval no Golfo da Guiné é ativa, inclusive, instalaram uma estação

radar em São Tomé e Príncipe. O Mali (país fronteiriço de Guiné-Bissau) é membro

do Trans-Saharan Counter Terrorism Partnership.

A presença militar francesa na África é tão ou mais intensa que a americana e

é visivelmente baseada e referenciada nos países francófonos. O Senegal, a Costa

do Marfim, a República dos Camarões, a República Centro-Africana, o Gabão e as

Ilhas Comores (localizadas no Canal de Moçambique) possuem acordos de defesa

assinados com a França. As bases militares francesas de acantonamento de

efetivos e de meios permanentes estão localizadas nestes mesmos países e

também nas Ilhas Reunião, perto de Madagascar. Acordos de cooperação técnico-

militar foram feitos com vários outras países: Marrocos, Argélia, Niger, Tchad, Mali,

Mauritânia, Guiné-Bissau, Benin, Togo, Congo, Tanzânia, Madagascar, Ilhas

Seycheles e África do Sul. Sua presença naval está concentrada no Golfo da Guiné

e na costa oriental do continente, entre Madagascar e o Chifre da África. Verifica-se

32

facilmente que os países africanos de língua portuguesa são geograficamente

engolfados pelos francófonos.

A China também está presente no continente negro e sua participação é

crescente. Os chineses firmaram acordos de cooperação técnico-militar com a

Tunísia, o Marrocos, a Argélia, o Egito, o Sudão, a Eritréia, a Etiópia, o Quênia e

com países da costa ocidental africana de interesse direto do Brasil: África do Sul,

Namíbia, Angola, Gabão, República dos Camarões e Nigéria. Contatos militares

oficiais estão sendo realizados com Uganda, Ruanda, Burundi, Tanzânia, Malawi,

Zâmbia, Moçambique, Togo, Gana e Costa do Marfim. Há projeto de construção de

uma base naval nas Ilhas Seychelles.

A União Europeia tem acordo de cooperação militar nos setores de formação

e de assistência com Guiné-Bissau e com a República Democrática do Congo. Há a

presença de uma força tarefa europeia (EUNAVFOR) na costa oriental africana

desde 2008.

A presença da Grã-Bretanha no Atlântico Sul é marcante graças à posse das

ilhas de Tristão da Cunha, Ascensão, Santa Helena, Shetlands, Geórgia, Gough e

Sandwich (estas últimas quatro já na região peri-antártica). A definição da questão

da posse das Malvinas com a Argentina decidirá em grande parte uma variável

estratégica importante para o quadro geopolítico da região (ANEXO F). Em qualquer

conflito que ocorra nessa região, tais ilhas terão grande importância estratégica.

Um grave problema que ocorre nas costas ocidentais da África é a ativa pirataria

localizada no Golfo da Guiné. Seus alvos são navios ligados à atividades petroleiras.

Há uma dificuldade em distinguir as ações de piratas e as de movimentos rebeldes

dissidentes causados pela instabilidade política na região (ORTOLLAND, 2010).

33

4 O OCEANO ÍNDICO E A INSERÇÃO DO BRASIL

4.1 Oceano Índico: Limites e Características Gerais

O Oceano Índico é limitado a leste, a norte e a oeste por 3 continentes que o

circundam (África, Ásia e Oceania) e ao sul pela convergência antártica. Ele possui

5300 milhas no sentido leste-oeste e 3700 milhas no sentido norte-sul. No âmbito da

lusofonia, pode-se dizer que ele começa em Moçambique e termina no Timor Leste

(ANEXO G).

Não se trata de um oceano que cobre os dois hemisférios como o Pacífico e o

Atlântico, mas um espaço marítimo essencialmente austral ligado a outros mares e

oceanos por estreitos e passagens de grande importância estratégica. Apenas pelo

estreito de Ormuz, que permite o acesso ao Golfo Pérsico, transita 40% do comércio

mundial de petróleo (ORTOLLAND, 2010).

Há 7 vias de acesso marítimo ao Oceano Índico: pela Rota do Cabo ao largo

da África do Sul, pelo Canal de Suez e Mar Vermelho através do estreito de Bab-el-

Mandeb, pelo estreito de Malaca entre a Indonésia e a Malásia, pelo estreito de

Sunda entre as ilhas de Java e Sumatra, pelo estreito de Lombok entre as ilhas de

Bali e Lombok, pelo estreito de Torres entre a Austrália e a Nova Guiné e pelo Mar

da Tasmânia ao sul da Austrália.

O estreito de Malaca, acesso ao nordeste da Ásia, é vital para os países

tributários de suas importações de energia tais como China, Japão e Coréia do Sul,

apesar de sua estreiteza e pouca profundidade para grandes navios e submarinos. A

ligação com os países ocidentais é realizada pelo estreito de Bab-el-Mandeb

(entrada do Suez) e pela Rota do Cabo ao largo da África do Sul. Quem controlar as

“três chaves” (Malaca, Bab-el-Mandeb e Ormuz) controlará todo o oceano

(DELCORDE, 1993).

O Índico apresenta grandes margens continentais (superior a 200 milhas) ao

largo das costas africanas, no Mar da Arábia, no Golfo de Bengala, ao largo da parte

ocidental da Austrália, ao sul de Madagascar e em torno da maioria das ilhas autrais.

O processo aberto pela Comissão de Limites da ONU para a determinação da

margem continental dos Estados ribeirinhos pode multiplicar os contenciosos entre

países já que são motivos de antigas reivindicações: é o caso da zona situada entre

34

Seychelles e a costa africana (Quênia e Tanzânia), o Mar da Arábia e a região do

Golfo de Bengala (ORTOLLAND, 2010).

A parte ocidental do Oceano Índico é desprovida de petróleo e gaz. Pesquisas

já começaram na África oriental (on shore e off shore) mas a geologia da região é

pouco favorável. Em compensação, as zonas sob jurisdição da Austrália abrigam

importantes jazidas, principalmente no Mar do Timor, nas bacias de Browse e

Canning e ao largo do nordeste do país. Várias jazidas de gaz foram descobertas no

Golfo de Martaban ao largo da Birmânia (ORTOLLAND, 2010).

4.2 Considerações Estratégicas e Geopolíticas. A Importância do Oceano

Índico

Segundo o geopolítico norte americano Saul Cohen (COHEN, 1964), há uma

clara distinção entre regiões estratégicas e regiões geopolíticas. A região estratégica

deve ser muito grande para possuir características de maneira a influenciar o

planeta inteiro, visto que a estatégia contemporânea é necessariamente global. De

acordo com suas próprias palavras:

A região geoestratégica é a expressão de interrelação de uma grande porção do mundo em termos de localização, orientação comercial e ligações culturais ou ideológicas. O controle das vias de comunicação marítimas e terrestres é crucial para a unidade das regiões geoestratégicas. A região geopolítica é uma subdivisão desta. Ela se caracteriza pela contiguidade das unidades geográficas que a compõem e pela complementariedade dos recursos.

Dentro desta visão, a formação dos impérios coloniais (espanhol, francês,

britânico, português e etc) e a formação das zonas de influência têm conotações

geoestratégicas. O alargamento das fronteiras dos EUA e da Rússia ou ainda o

controle de uma zona marítima com o objetivo de levar a uma unidade política no

interior de uma região geográfica dada denotaria, em compensação, considerações

geopolíticas. Cohen considera, rigorosamente falando, que há apenas duas regiões

geoestratéticas: o mundo marítimo e o mundo continental euroasiático. Ele sugere,

no entanto, a formação de uma terceira região geoestratégica, que seria o Oceano

Índico, porém com um status inferior aos dois precedentes.

As regiões geoestratégicas podem ser divididas em diferentes regiões

geopolíticas. O mundo marítimo compreenderia assim, segundo o geopolítico

americano, as seguintes entidades geográficas: o mundo americano-britânico e o

35

Caribe, a América do Sul, a Europa marítima e o Maghreb, a Ásia marítima e a

Oceania. O mundo eurosiático, por sua parte, incluiria o heartland russo, a Europa

oriental e a parte terrestre da Ásia.

Entre estas duas grandes regiões estratégicas se encontram as zonas de

fratura que seriam o Oriente Médio e o sudeste asiático. As duas regiões são

banhadas pelo Oceano Índico ou por suas franjas (DELCORDE, 1993).

Não há duvidas que estas duas zonas de fratura cumprem um papel

particularmente importante no equilíbrio internacional. Elas possuem importantes

estreitos marítimos e dispõem de importantes recursos minerais e agrícolas. Seus

destinos econômicos são de vital importância para os EUA e demais potências.

Dentro desta perspectiva, pode-se dizer que o acesso marítimo a estas zonas de

fratura constitui a disputa geoestratégica central. Daí a relevante importância do

Oceano Índico.

Importância esta que cresce à medida que as economias dos países da região

se robustecem, principalmente a China e a Índia, deslocando, dessa maneira, o foco

das atenções para este oceano. Segundo o Almirante Henri Labrousse, o Oceano

Índico é o “novo coração do mundo e também o lugar geométrico das potências

médias em via de desenvolvimento”. E continua o ex-Presidente da Académie des

Sciences d’Outre-Mer da França: “...não é uma zona de paz como desejavam

alguns dos seus países ribeirinhos, mais uma zona de paz violenta suscetível a

conflitos limitados e até mesmo uma guerra” (DELCORDE, 1993).

4.3 O Crescente Interesse do Brasil no Oceano Índico

Se na década de 90 o Almirante Labrousse afirmava que o Oceano Índico

seria o novo coração do mundo, os números atuais comprovam e chancelam este

deslocamento de poder diante do forte crescimento econômico não apenas da China

e da Índia, mas também dos países que compõem o ASEAN (Associação de Nações

do Sudeste Asiático): Indonésia, Malásia, Filipinas, Cingapura, Tailândia, Brunei,

Vietnã, Mianmar e Camboja. Nem todos banhados pelo Índico, porém com grandes

interesses comerciais e estratégicos neste oceano.

O crescimento da China é o mais evidenciado. O país apresentou uma

elevada taxa de crescimento médio do Produto Interno Bruto (10% entre 1980 e

2010) e um crescimento significativo do PIB per capita que saltou de US$ 205,1 em

36

1980 para US$ 4.282,9 em 2010. Esse dinamismo alimentou a ascensão chinesa

para, cada vez mais, ocupar posições centrais na economia mundial, tornando-se a

segunda economia do mundo (ACIOLY, 2011).

A Índia, após décadas de combate a baixos níveis de crescimento econômico

e ao status de país de terceiro mundo, está também em forte ascensão. Cada vez

mais ela participa como convidada especial de organizações exclusivas como o G-8

(grupo dos 8 países mais desenvolvidos) e é vista como membro especial de

instituições como a Organização Mundial do Comércio (OMC). (NARLIKAR, 2009).

O Brasil está inserido neste crescimento econômico, notadamente com a

China que se tornou a partir de 2010 o nosso maior parceiro comercial (ACIOLY,

2011). O comércio com a Índia ainda não tem o mesmo peso, mas apresenta um

grande potencial de crescimento com a criação do Fórum de Diálogo Índia, Brasil e

África do Sul (IBAS) em 2003. Em relação aos países do ASEAN, a situação não é

diferente; apenas com a Tailândia, as nossas transações comerciais já são maiores

que com a Colômbia, Peru e Paraguai. As perspectivas são que o mesmo ocorrerá

com a Indonésia, Malásia e Cingapura. Em decorrência disso, um intenso fluxo

marítimo ocorre entre o Brasil e o sudeste asiático (ANEXO H).

O IBAS foi criado com o objetivo de construir um entorno regional seguro e

estável no sul de cada um dos continentes (América do Sul, África e Ásia) diante da

nova realidade que o século XXI apresenta: projeção da economia brasileira para a

África e Ásia e a projeção, principalmente, da China e da Índia para a África e

América do Sul (VISENTINI, 2010).

Para isso foi necessário articular uma cooperação militar, em especial uma

cooperação naval, entre os países do IBAS. Iniciaram-se, então, as operações

navais conjuntas entre as marinhas do Brasil, da Índia e da África do Sul, as

chamadas Operação IBSAMAR. A IBSAMAR I foi realizada nas costas da África do

Sul em 2008, assim como a IBSAMAR II em 2010. A IBSAMAR III será realizada no

Brasil em 2012, e a intenção é que a IBSAMAR IV seja realizada nas costas da Índia

em 2014.

Estas operações navais reafirmam a soberania destes países sobre suas

respectivas águas territoriais, a manutenção da segurança dos dois oceanos para a

livre navegação e o bloqueio de qualquer iniciativa de militarização desses espaços

marítimos por potências extrarregionais (VISENTINI, 2010).

37

Segundo as previsões da Goldman Sachs, até o ano de 2040 o Brasil se

consolidará como a quarta potência econômica mundial; a China será a maior

economia do mundo seguida dos USA e da Índia (HOLANDA, 2011). Não seria

racional imaginar que um país com a quarta economia do mundo não tivesse reais

interesses nas vias de comunicação marítimas de acesso aos países detentores da

primeira e da terceira economia. Tanto quanto o Atlântico, o Índico desempenhará

um papel importante na geopolítica do Brasil nas próximas décadas.

4.4 A Presença Militar no Oceano Índico

Por sua extrema importância estratégica, o Oceano Índico viu ocorrer em

suas águas uma verdadeira “caça às ilhas”, onde potências do leste e do oeste

procuraram e procuram se estabelecer na região com o objetivo de resguardar seus

interesses estratégicos (ORAISON, 2010) (ANEXO I).

Além de possuir a sede de sua V Frota em Bahrein no Golfo Pérsico, os EUA

estão presentes em vários países no contorno do Índico com bases militares ou

facilidades para suas forças armadas: Katar, Kuwait, Emirados Árabes Unidos, Omã,

Djibuti, Paquistão e Tailândia. A presença de navios de sua marinha é intensa e

marcante na costa oriental da África e na região dos estreitos indonésios (Malaca,

Sonde e Lombock).

Porém, em termos estratégicos nada se compara com a base aeronaval norte

americana localizada no Atol de Diego Garcia (descoberto pelo navegador português

com o mesmo nome) pertencente ao Arquipélago de Chagos no coração do Oceano

Índico e cedida pelos ingleses até 2016. Deste ponto, os EUA estão quase à mesma

distância das principais rotas marítimas. Mais precisamente, eles estão a meio

caminho do Canal de Moçambique e do Estreito de Ormuz, na entrada do Golfo

Pérsico, e a meio caminho do Estreito de Bab-El-Mandeb e os estratégicos estreitos

indonésios. Resumindo, todas as vias de comunicação marítimas estão ao alcance

de seus bombardeios (ORTOLLAND, 2010).

A França tenta se impor na região mantendo suas bases navais em seus

territórios “outre mer”: Moyotte e Reunion, nas proximidades de Madagascar. Possui

ainda bases de apoio em Djibuti, no Chifre da África, e nos Emirados Árabes. Sua

presença naval é sentida também operando junto às marinhas de outros países da

38

União Européia nas costas da Somália e do Quênia, a fim de proteger seus navios

mercantes das ações de piratas (ORAISON, 2010).

A China, cuja principal preocupação no Índico é a segurança do transporte

das suas importações de hidrocarbonetos, tem como política a consolidação de sua

presença ao longo das rotas de fornecimento energético, que os chineses alcunham

de “cordão de pérolas”, uma sequência de bases navais que vai do Mar da China até

a entrada do Golfo Pérsico. As principais pérolas são: Ilhas Hainan e Ilhas Woody,

estas ainda no Mar da China, porto de Chittagong em Bangladesh, o porto de Sittwe

em Miamar (Birmânia), o porto de Hambatota no Sri Lanka e o porto de Gwadar no

Paquistão (KUMAR, 2009).

Os chineses ainda possuem facilidades portuárias em ilhas no Mar de

Andaman e na Tailândia – mais próximo dos estreitos indonésios de Malaca, Sonde

e Lombok - e projetos de construção de bases navais em Seychelles e nas Ilhas

Maldivas, cujo posicionamento geográfico rivaliza com a base americana de Diego

Garcia. Sua presença naval também é vista na costa oriental da África contra as

ações da pirataria local.

A Estratégia Marítima Militar da Índia define a principal área de interesse

indiano a região que se estende do Mar da Arábia até a Baía de Bengala e os

pontos de estrangulamento que ligam o Oceano Índico ao Golfo Pérsico, que são a

sua principal via de comunicação marítima no Índico (ÍNDIA, 2007). Há bases navais

indianas e postos de escuta e observação em ilhas no Mar de Andeman e em

Madagascar, além de projeto de construção de uma base nas Ilhas Maldivas, a

exemplo da China (ORAISON, 2010).

Um dos grandes problemas e um grande desafio para os países que têm

interesses no Oceano Índico é a intensa pirataria que ocorre principalmente nas

costas orientais da África, no Golfo de Bengala e na região dos estratégicos estreitos

indonésios (ANEXO J). Negócio globalizado e bilionário, controlado por máfias do

crime organizado e gangues locais (SEKULICH, 2009), é uma das razões da forte

presença naval de vários países no Índico.

A região onde a pirataria é mais ativa é nas costas orientais da África – nas

águas da Somália, do Quênia e na entrada do Mar Vermelho. Somente entre os

anos de 2007 e 2008 houve um aumento nos casos de sequestro de navios de

160% - mais de 200 navios atacados em 2008 e em 2009. Mais de 20 navios foram

desviados de suas rotas e suas tripulações foram feitas reféns e liberadas após

39

pagamento de resgate (na ordem de 2 milhões de euros para cada tripulação). O

problema preocupa governos e autoridades navais das potências com interesses na

região (ORTOLLAND, 2010).

Como vimos nos parágrafos anteriores, as atuais e as futuras potências, os

grandes países que prezam o seu comércio exterior e têm grandes

responsabilidades com seus povos, estão presentes no Oceano Índico protegendo

suas vias de comunicação marítimas. Certamente, em um futuro não muito distante,

esta mesma responsabilidade chamará o Brasil a ordem e exigirá ações de seus

governantes.

40

5 OS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA E SUAS LOCALIZAÇÕES

GEOGRÁFICAS ESTRATÉGICAS

5.1 O Gargalo do Atlântico Sul e o Eixo Natal-Bissau e Natal-Cabo Verde

Denomina-se gargalo do Atlântico a região equatorial aproximadamente entre

as latitudes de 6ºS e 12ºN, onde o continente sul americano (com o saliente ou

protuberância nordestina na altura de Natal-RN) mais se aproxima ao continente

africano, ocasionando um afunilamento do oceano (ANEXO K).

Os navegadores portugueses no início das viagens ao Brasil e às Índias, no

século XVI, já sabiam que deviam ter especial cuidado ao fazerem suas derrotas a

partir das Ilhas de Cabo Verde, especialmente se a viagem ocorresse no inverno

austral, porque iriam encontrar os ventos alísios de sudeste bem aquém da linha do

Equador, obrigando os navios a aproximarem-se da costa brasileira. O saliente

nordestino (caracterizado pelo Cabo de Santo Agostinho-PE) constituia-se assim um

obstáculo natural às navegações, devido a sua curta distância de Cabo Verde,

obrigando os nautas a corretamente posicioná-lo (GUEDES, 1978).

A importância estratégica do saliente nordestino e do afunilamento do

Atlântico foi ressaltada durante a Segunda Guerra. O estratégico norte da África

servia de trampolim para a invasão da Itália, e nesta conjuntura se evidenciava ainda

mais o valor da rota Natal-Dacar (no Senegal) para o apoio das operações dos

aliados. Nesta época, a região era considerada como uma das quatro de maior

importância geoestratégica do mundo, juntamente com o Canal de Suez, o Estreito

de Bósforo e o Estreito de Gibraltar. Começava então o Brasil a ser considerado

mais em termos marítimos globais do que terrestres.

Segundo Therezinha de Castro, o extenso litoral brasileiro, avançando

consideravelmente para o Atlântico, no “entorce continental”, nos lança, tanto sob o

ponto de vista geohistórico como geopolítico, em direção ao defrontante continente

africano. Essa aproximação pode ser ainda melhor caracterizada observando-se que

a Cidade do Recife-PE se encontra a quase 4000 Km de Buenos Aires e a menos de

3000 Km da África Ocidental. Assim também, a distância da zona de

estrangulamento do Atlântico entre o Brasil e Guiné-Bissau é bem menor que a de

nosso litoral na altura do saliente nordestino até a fronteira Brasil-Peru (CASTRO,

1981).

41

Natal dista 2900 Km de Bissau, capital da Guiné. Mais próximo ainda é a

Cidade de Praia, capital de Cabo Verde, a 2600 Km. Um navio desenvolvendo uma

velocidade de apenas 12 nós completa estes percursos em aproximadamente 5

dias. Um avião em poucas horas. A distância entre Natal e a cidade de Tabatinga,

fronteira Brasil-Peru no Rio Amazonas, é muito maior, 3840 Km. As distâncias entre

as zonas econômicas exclusivas do Arquipélago de São Pedro e São Paulo e de

Cabo Verde e da Guiné são apenas 900 Km e 1000 Km respectivamente.

Uma base naval brasileira – ou então facilidades portuárias e aeroportuárias –

permanente ou temporária, de acordo com a intensidade de um provável conflito ou

crise, na Guiné ou em Cabo Verde propiciaria ao país o controle da área marítima de

toda a entrada do Atlântico Sul.

5.2 São Tomé e Príncipe e Angola, o Acesso à África Ocidental e ao Golfo da

Guiné

A delimitação das costas do Golfo da Guiné se torna problemática devido a sua

configuração. A direção da costa da África Ocidental desde a Costa do Marfim até a

República dos Camarões e a orientação da África Central desde Camarões até o

Cabo Lopez no Gabão, formam praticamente um ângulo reto. O golfo apresenta

dessa maneira uma concavidade bem marcada ao fundo do qual se encontra os

Camarões que sofre o efeito de enclavemento de seus espaços marítimos. A

presença de ilhas de tamanho variáveis ao largo das costas complica ainda mais a

delimitação, assim como as contestações de soberania sobre certas ilhas na Baía de

Corisco reivindicadas pelo Gabão e pela Guiné Equatorial. São Tomé e Príncipe se

situa ao largo das costas do Gabão e a distância da Ilha do Príncipe (uma das duas

que formam o país) ao litoral é sempre inferior a 200 milhas (ORTOLLAND, 2010).

Desde o início do século XXI, a região do Golfo da Guiné se tornou um teatro

importante na luta pelo controle dos recursos energéticos. A produção registrou uma

grande alta em apenas 8 anos, passando de 180 milhões de toneladas a 250

milhões de toneladas(Mt) e as perspectivas de crescimento são bem otimistas. A

Nigéria e Angola são os principais produtores da região (ANEXO L).

Embora, na verdade, a produção de petróleo no golfo seja ainda 4,5% das

reservas mundias, o interesse internacional pela região é muito grande em razão de

três fatores:

42

1 – a exceção da Nigéria, a produção tem lugar exclusivamente na região off

shore, o que garante a explotação sem os problemas e riscos políticos dos

países.

2 – a região é relativamente perto de grandes centros de consumo (EUA e

Europa), e além disso, os navios petroleiros não necessitam transitar em

estreitos.

3 – os países do golfo são institucionalmente frágeis e lhes faltam recursos

financeiros e humanos. Assim, os campos petrolíferos estão abertos para os

investidores estrangeiros de todas as dimensões, e isso explica em parte a

atração que exerce a região.

A maior parte do petróleo do Golfo da Guiné é exportada para os EUA,

Europa, China e Índia. O potencial de crescimento da região interessa aos

americanos que a vêem como uma alternativa para limitar a dependência frente ao

Golfo Pérsico. O Golfo da Guiné também desempenha um papel importante na

estratégia de diversificação dos aprovisionamentos dos hidrocarbonetos da China,

que desenvolve atualmente uma forte presença econômica e política na região, e

futuramente militar também.

O Brasil, por intermédio da PETROBRAS, está presente intensamente no

Golfo da Guiné com acordos de exploração de hidrocarbonetos com Angola,

Namíbia, Benin, Nigéria, Gabão e São Tomé e Príncipe. Dessa maneira, surgiu nos

últimos anos um fluxo de transporte marítimo de petróleo entre o Brasil e o golfo

bem destacado no cenário mundial (ANEXO M).

Porém, a questão não se resume apenas na grande produção de

hidrocarbonetos da região. A África Atlântica, e principalmente o Golfo da Guiné, se

beneficia de uma posição geoestratégica privilegiada e dispõe de um potencial

enorme. Seu subsolo transborda de riquezas e o potencial agrícola da região

continental em volta do golfo é notadamente importante, suscitando a cobiça

estrangeira: milhões de hectares cultiváveis já foram cedidos a países do Oriente

Médio, da Ásia e às empresas de agro-alimentação (ATANGANE, 2010).

Além dos recursos minerais e das terras aráveis, o controle da África

ocidental – e não apenas do Golfo da Guiné – confere uma vantagem comparativa

na definição e na implementação das normas planetárias em relação à ecologia e à

segurança. A Bacia do Congo, dentro do Golfo da Guiné é, após a Amazônia, a

segunda maior zona de florestas tropicais úmidas. A riqueza desta sub-região em

43

termos de variedade de essências e de biodiversidade é de valor inestimável. Sua

capacidade potencial de pesquisa biológica e farmacêutica, de proteção e regulação

da biosfera, do clima mundial e do meio ambiente em geral foi amplamente

destacada na Conferência Rio 92 (ATANGANE, 2010).

Tem-se a impressão que a história se repete. Da mesma forma que as

potências marítimas vieram para a região à procura de recursos humanos (escravos)

no século XV, as potências imperiais chegaram durante o século XIX em busca de

matérias primas e de recursos estratégicos necessários ao desenvolvimento das

indústrias que então nasciam. Atualmente, vários países se inserem na região para

explorá-la em função de suas considerações geoestratégicas.

O Brasil tem grandes interesses econômicos e estratégicos na região, que

indubitavelmente crescerão ainda mais de importância com o crescimento de nossa

economia e consequentemente com a nossa elevação ao status de global player e

potência. Há a necessidade de garantir a segurança desses interesses, e para isso,

o apoio e parcerias com Angola e São Tomé e Príncipe são fundamentais. Bases

navais localizadas nesses países – principalmente em São Tomé e Príncipe,

verdadeiro porta-aviões fundeado diante do Golfo da Guiné – ou então facilidades

portuárias e aeroportuárias, permitiriam a segurança de nossos interesses na parte

continental e de nossas vias de comunicação marítimas na área do golfo.

5.3 Angola, Moçambique e a Rota do Cabo

A Rota do Cabo é historicamente a primeira grande via de penetração no

Oceano Índico: Vasco da Gama foi o primeiro europeu a contornar o Cabo da

Esperança e alcançar assim as Índias pela via marítima. Foi pelo Cabo, ainda, que

as grandes expedições coloniais holandesas, francesas e britânicas (mais que um

século depois dos portugueses) penetraram no Índico. Era até então a única rota

marítima que ligava o ocidente ao oriente (ANEXO G).

A construção do Canal do Suez, em 1869, acarretou uma séria diminuição da

importância da Rota do Cabo. Com fechamento do canal pelo Egito, entre 1967 e

1975, a Rota voltou a ter a importância estratégica de antes. O aumento das

dimensões dos navios petroleiros (incapazes de navegarem no Suez) contribuiu

para manter um considerável tráfico marítimo na região, mesmo depois da

reabertura do canal (DELCORDE, 1993).

44

Muito embora a Rota do Cabo seja um caminho mais longo em comparação

ao Canal de Suez, sua utilização é cada vez maior. Prova disso é que cerca de 30%

do petróleo do Golfo Pérsico destinado à Europa e à América passam pelo Cabo da

Boa Esperança. Enquanto o número de petroleiros que passavam pela região por

mês variava entre 30 e 50 no início deste século, hoje o número encontra-se entre

90 e 100. As ações de piratas na costa da Somália e na entrada do Mar Vermelho

transformaram a rota do Suez muito perigosa (VISENTINI, 2010).

A passagem pela Rota do Cabo deve ser realizada o mais perto da costa da

África do Sul (cerca de 200 a 300 milhas) para evitar a zona de fortes ventos – os

roaring forties e os screeching fifties - que rondam o norte da Antártida. Apesar da

existência desses ventos, existe suficiente espaço entre o Cabo da Boa Esperança e

a Antártida para permitir uma grande flexibilidade de trânsito de navios em caso de

um eventual bloqueio (DELCORDE, 1993).

Para o Brasil, a Rota do Cabo apresenta uma grande importância, pois é a

nossa via marítima de acesso ao Índico e consequentemente aos mercados do

Oriente Médio, da Ásia e da Oceania. É coerente afirmar que com o crescimento da

nossa economia e com o incremento do comércio principalmente com a China e a

Índia, este fluxo marítimo (chamado de corredor sul-sul) também será incrementado,

aumentando sobremaneira as nossas preocupações e responsabilidades em relação

à segurança de nossos navios.

Angola e Moçambique encontram-se em posições estratégicas em relação à

Rota, principalmente Moçambique devido à menor distância: de Luanda (Angola) até

o sul do continente ainda são aproximadamente 1500 milhas (cerca de 2800 Km) e

de Mobuto (Moçambique) são 500 milhas (aproximadamente 900 Km).

Bases navais – ou facilidades portuárias e aeroportuárias – nestes dois

países, geoestrategicamente posicionados um em cada costa da África, propiciaria

ao Brasil, em caso de necessidade, um eficiente controle sobre a Rota do Cabo sem

recorrer a interveniência da África do Sul, se assim fosse desejado.

5.4 Moçambique, o Acesso ao Oriente Médio e a Entrada do Oceano Índico

Entre a ilha de Madagascar e a costa oriental da África encontra-se o Canal de

Moçambique, que possui uma largura mínima na sua metade norte de

aproximadamente 250Km (ANEXO G). Vindo da Rota do Cabo, o Canal de

45

Moçambique é o caminho mais curto para alcançar o Oriente Médio (Golfo Pérsico)

ou então o Mar Vermelho. Porém, ele não é uma artéria vital para entrar ou sair do

sudoeste do Oceano Índico: basta desviar a rota dos navios para leste de

Madagascar e alongar, dessa maneira, a viagem de aproximadamente um ou dois

dias (DELCORDE, 2010).

No entanto, como visto no capítulo anterior, há uma intensa atividade de

pirataria ao norte de Madagascar, mas precisamente nas costas da Somália, que se

tornou um problema de âmbito internacional com a presença de navios de guerra de

marinhas de vários países do mundo no intuito de proteger os seus respectivos

comércios.

Como as ações dos piratas chegam até 500 milhas da costa africana (ANEXO

J), os navios procedentes da Rota do Cabo com destino ao Oriente Médio são

praticamente obrigados a efetuarem grandes desvios em suas rotas, encarecendo

dessa maneira o transporte. Segundo o atual Presidente da PETROBRAS, além do

aumento dos custos ainda há mais inconvenientes:

O grande problema que enfrentamos está na costa leste da África. Essa é a nossa rota tradicional para ir ao Oriente Médio. Com a expansão da atividade de pirataria, na Somália e na região do Quênia, deslocamos a frota mais para leste. Isso exige mais tempo e mais dificuldade para utilizar os mecanismos de acompanhamento de nossos navios. O grande problema, hoje, em termos de segurança de nossa frota, envolve portanto os navios em direção ao Golfo Pérsico. (GABRIELLI, 2010)

Uma base naval em Moçambique – ou facilidades portuárias e aeroportuárias

– seria não só um grande apoio à Marinha do Brasil na proteção das vias de

comunicações marítimas de nosso interesse, como seria também um marco de

nossa presença na entrada do Índico.

5.5 Timor Leste, os Estreitos e o Limite do Oceano Índico

Os estreitos de Malaca e de Singapura, que se localizam entre a ilha

indonésia de Sumatra e a costa ocidental da Malásia e Singapura, têm uma grande

importância estratégica (ANEXO N). Eles têm 800 Km de comprimento e ligam o

Oceano Índico ao sul do Mar da China. Suas larguras variam de 250Km a 13Km

(entre Singapura e a ilha indonésia de Riau). A profundidade no estreito de Malaca é

46

de aproximadamente 20 metros, o que inviabiliza a navegação de grandes navios

(DELCORDE, 1993).

Malaca sempre foi o ponto central do fluxo marítimo na região.

Aproximadamente 40% dos negócios mundiais passam por ele (KUMAR, 2009) e

com o Estreito de Singapura formam um núcleo estratégico vulnerável devido aos

seus aspectos físicos: muito longos e estreitos. Com este fator facilitador a pirataria

grassa na região, como exposto no capítulo anterior.

Dois outros estreitos vizinhos dão acesso ao Oceano Índico: o Estreito de

Sonde (entre as ilhas de Sumatra e Java) e o Estreito de Lombok (entre as ilhas de

Bali e Lombok), ambos em águas sob jurisdição da Indonésia. O Estreito de Sonde

na sua parte mais estreita tem apenas 3,7 Km de largura e é salpicado de rochedos

e de bancos o que tornam a sua navegação relativamente difícil. O Estreito de

Lombok oferece águas bastante profundas e permite a navegação de submarinos

mesmo mergulhados. Em relação ao Estreito de Malaca, a passagem por Lombok

representa um aumento de viagem de 5 dias, daí a importância comercial do

primeiro (DELCORDE, 1993).

Mesmo nos dias atuais, a Estratégia Marítima Militar da Índia ressalta o

pensamento do governador português do Vice-Reino das Índias, Dom Afonso de

Albuquerque, no início do século XVI que dizia que o controle dos principais pontos

de estrangulamento e do Estreito de Malaca era essencial para prevenir um poder

hostil de adentrar o Oceano Índico (KUMAR, 2009).

A posição geográfica do Timor Leste pode ser estratégica para o Brasil em

caso de defesa de seus interesses comerciais nos estreitos indonésios. A distância

entre Dili (capital do Timor) e o estreito de Lombok é de apenas 600 milhas e do

Estreito de Sonda é de 1200 milhas. Distâncias compatíveis com as distâncias entre

as bases chinesas na Tailândia e estes estreitos. Um navio com velocidade de

apenas 12 nós completa estas distâncias em 2 e 4 dias de viagem respectivamente.

Além deste fato, Moçambique e Timor Leste representam os limites do

Oceano Índico, a entrada e a saída do Índico para o Mar da China e o Oceano

Pacífico. Uma base naval no Timor Leste – ou facilidades portuárias e

aeroportuárias – daria ao Brasil, país extrarregional, grande vantagens estratégicas

não só na defesa de seu comércio diante da pirataria ou terrorismo da região, mas

também o controle sobre suas vias de comunicação em todo o Índico.

47

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Brasil e os demais países de língua portuguesa da África e da Ásia são

frutos de uma grande e fantástica epopeia: as grandes navegações portuguesas.

Não seria nenhum exagero afirmar que nossas origens, como nação e Estado

organizado, advêm da maior aventura de toda a história de nossa civilização.

Com Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe,

Timor Leste e o próprio Portugal formamos um grupo de países de características

únicas em todo o mundo. Mesmo dispersos em quatro continentes, comungamos a

mesma língua e em proporções distintas e variáveis as mesmas crenças, costumes

e outros aspectos culturais. Diferentemente das colonizações efetuadas por outros

países europeus, onde não houve a miscigenação étnica.

A criação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), em

1996, veio a oficializar e a sistematizar os estreitos e históricos relacionamentos

entre os oito países; relacionamentos estes que sempre existiram de forma latente.

O Brasil surge entre todos os membros da CPLP como o país de maior poder

econômico, maior população e de maior dimensão territorial.

Além deste fato, diferentemente de Portugal, França, Inglaterra, Espanha e

Holanda, o Brasil não foi a metrópole colonizadora e consequentemente não há

clivagens históricas entre brasileiros e africanos e nem com timorenses. O Brasil é o

líder natural, por todas as razões, dos países da comunidade. Esta liderança, aliada

a solidificação da comunidade e a um relacionamento mais intenso entre seus

membros, poderá trazer grandes benefícios e vantagens estratégicas para o Brasil.

O inexorável crescimento econômico do Brasil, aliado as suas gigantescas

dimensões físicas e a sua grande população, o levará indubitavelmente, em um

futuro não muito distante, a ocupar espaços estratégicos e a interferir em interesses

de outras nações, tanto no Atlântico Sul como no Índico.

Além do mais, o Atlântico Sul, com o Golfo da Guiné e as recentes

descobertas petróleo na camada do pré-sal nas costas brasileiras, se tornará uma

fonte importante de hidrocarbonetos e vai suprir os mercados consumidores com o

dobro que fornece hoje; visualiza-se que um possível conflito, inerente à própria

estrutura deste mercado, se deslocará fortemente para esta região. E ainda é

preciso considerar que fortes pressões internacionais sobre a Antártida devem

crescer enormemente num futuro próximo.

48

Os países da CPLP oferecem posições geográficas de capital importância

para a dimensão estratégica que o Brasil terá no futuro: Cabo Verde e Guiné Bissau

e o gargalo do Atlântico Sul, Angola e São Tomé e Príncipe e o domínio do Golfo da

Guiné e de toda a África Ocidental, Angola e Moçambique como acesso à Rota do

Cabo e Moçambique e o Timor Leste com o controle do acesso ao Oceano Índico e

aos estreitos indonésios.

Para tal, torna-se imperiosa a necessidade de intensificar as relações no

âmbito dos países da CPLP, criando mecanismos de apoio mútuo nos mais diversos

setores de suas sociedades e de suas economias, fazendo-os inseridos nos seus

respectivos espaços regionais, mas também inserindo o Brasil dentro de sua

afirmação continental e planetária.

Não se trata de conquista e nem de neocolonialismo. O Brasil possui

excelentes relações diplomáticas no seio da CPLP e é de nosso interesse que assim

continuemos. Mas sim consequência inevitável de nosso gigantismo e grandeza.

Chegará o dia que o Brasil terá que assumir responsabilidades perante seu povo

inerentes a este gigantismo.

Concluímos, e ao mesmo tempo sendo concordes, com as palavras

proferidas pelo Dr. Luis Fontoura em palestra sobre a importância do Brasil no

espaço lusófono na Academia Internacional de Cultura Portuguesa:

Grande potência política e econômica de todo o espaço em referência, país multirracial, país lusófono, líder natural do mundo que teve a colonização portuguesa como traço comum – o Brasil, tal como foi o único articulador aceitável da fundação da CPLP parece estar, pela sua grandeza, pelos seus méritos e por exigência iniludível dos seus próprios interesses de Estado, vocacionado para ser o garante do êxito futuro da instituição. Esta liderança, anteviu Adriano Moreira, é o destino manifesto do Brasil.

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52

Anexo A - PRIMEIRA ILUSTRAÇÃO

53

ANEXO B – SEGUNDA ILUSTRAÇÃO

54

ANEXO C – TERCEIRA ILUSTRAÇÃO

55

ANEXO D – QUARTA ILUSTRAÇÃO

56

ANEXO E – QUINTA ILUSTRAÇÃO

57

ANEXO F – SEXTA ILUSTRAÇÃO

58

ANEXO G – SÉTIMA ILUSTRAÇÃO

59

ANEXO H – OITAVA ILUSTRAÇÃO

60

ANEXO I – NONA ILUSTRAÇÃO

61

ANEXO J – DÉCIMA ILUSTRAÇÃO

62

ANEXO K – DÉCIMA PRIMEIRA ILUSTRAÇÃO

63

ANEXO L – DÉCIMA SEGUNDA ILUSTRAÇÃO

64

ANEXO M – DÉCIMA TERCEIRA ILUSTRAÇÃO

65

ANEXO N – DÉCIMA QUARTA ILUSTRAÇÃO