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Le Corbusier, visionário mas tambémfascista sem reservas?JOANA AMARAL CARDOSO 30/04/2015 - 17:35
Exposição no Pompidou ensombrada por três novos livros que recuperam os laços
políticos e ideologia do arquitecto. “Descobri que ele era simplesmente um fascista
sem reservas.”
Le Corbusier era, além de moderno e um visionário, um fascista - esta é a controvérsia
que está a ensombrar a grande exposição dedicada ao arquitecto-referência no Centro
Pompidou, em Paris, alimentada por livros e por muita tinta na imprensa francesa.
Elogios a Hitler, menções à “limpeza” dos judeus e maçons são algumas das frases do
arquitecto no centro da polémica.
Cinquenta anos depois da morte do pioneiro da arquitectura moderna e do planeamento
urbanístico, a exposição fala do arquitecto como um humanista. Anti-semita,
totalitarista, fascista e colaboracionista com os nazis. É este o retrato traçado por Le
Corbusier, un fascisme français, Un Corbusier e por Le Corbusier, une froide vision du
monde, três novos livros lançados em França.
A mostra no Centre Pompidou centra-se no arquitecto como humanista BENOIT TESSIER/REUTERS
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Le Corbusier - Mesures de l'homme
(https://www.centrepompidou.fr/cpv/ressource.action?param.id=FR_R-
8f8d423bac2b3aa1d3d51c882cb768c7¶m.idSource=FR_E-
4db6946e85e36d2f59263e519c45e65) abriu ao público em Paris na quarta-feira e os
seus curadores Olivier Cinqualbre e Frédéric Migayrou negam ter obliterado a faceta
política de Corbusier nesta exposição que, até 3 de Agosto, visa então focar o lado
humanista do arquitecto com o corpo humano como prisma através do qual se olha a sua
obra – “Ao desenhar os seus edifícios, incluía sempre um homenzinho, que recordava
que o conjunto devia responder às proporções humanas”, explica Cinqualbre, citado pelo
diário espanhol El País. Dela fazem parte mais de 300 obras entre pintura, escultura,
fotografia, mobiliário, cartas e escritos de Corbusier, mas os comissários frisam que a
mostra “não aborda toda a obra do arquitecto”.
Confrontados com as perguntas e com os textos que se escrevem nos jornais franceses,
os comissários argumentam que na mostra anterior dedicada ao profissional no
Pompidou o seu lado político e simpatias totalitárias tinham sido já focados. Em 1987. O
Pompidou anunciou entretanto a realização de uma conferência em 2016 que se
dedicará ao pensamento de Le Corbusier no seu contexto histórico de trabalho na
década de 1930 em colaboração com a Fundação Le Corbusier. Um dos peritos da
fundação, Jean-Louis Cohen, reconhece que a pesquisa feita nos livros agora editados
em França é exaustiva, mas é citado pelo diário britânico Telegraph dizendo-se
“chocado por esta controvérsia” e classificando-a como “manipuladora”.
Le Corbusier, un fascisme français, do jornalista Xavier de Jarcy, recorda que o
arquitecto se movia nos círculos nacionalistas em França e que os seus escritos na
revista Plans, que fundou com o líder do Partido Revolucionário Fascista Francês Pierre
Winter, bem como a sua correspondência particular, mostravam que apoiava o nazismo
anti-semita. Numa carta enviada à sua mãe, o arquitecto nascido Charles-Édouard
Jeanneret-Gris na Suíça escreveu em 1940 sobre a “limpeza” iminente, de como “o
dinheiro, os maçons e os judeus” iriam “sentir a lei justa”. “Estamos nas mãos de um
vencedor”, diz - “Hitler pode coroar a sua vida com uma grande obra: o planeamento da
Europa”. Xavier de Jarcy foi taxativo à AFP: “Descobri que ele era simplesmente um
fascista sem reservas”.
Le Corbusier, une froide vision du monde
(http://marcperelman.com/ouvrages/ouvrage.php?id_ouvrage=18), do arquitecto e
professor universitário Marc Perelman, defende que o homem nascido em 1887 tinha
uma visão “totalitária” que, exemplifica, fez com que os centros históricos das cidades se
esvaziassem e se criassem comunidades suburbanas, segregadas e frias. A sua influência
na política de planeamento urbano em França durou décadas, e a associação entre a sua
ideologia e o seu traço autoral tem de ser feita, defende Perelman.
“O culto do ângulo recto, o ódio à curva e à desordem, o gosto pelo fabrico em série e
pela standardização” que o distinguiam, junta-se o filósofo Roger-Pol Droit, ou as
referências constantes à necessidade de “higiene social”, recorda Mark Antliff, autor de
Avant-Garde Fascism: The Mobilization of Myth, Art and Culture in France (2007),
na France 24.
Já em Un Corbusier do arquitecto François Chaslin passa-se em revista o período em
que França esteve ocupada pelos nazis e o autor recorda que Corbusier trabalhou com o
governo de Vichy – que lhe deu um escritório no Hotel Carlton - durante grande parte
da II Guerra, algo que era já conhecido pela sua ligação ao marechal Philippe Pétain,
chefe de Estado entre 1940 e 44. Mas Chaslin diz ainda ter descoberto “desenhos anti-
semitas” da autoria do arquitecto. E o Libération cita ainda a sua proximidade com o
médico e Prémio Nobel Alexis Carrel, para cuja fundação Le Corbusier trabalha entre
1942 e 44, e que era um defensor e aplicador da eugenia. Mas Corbusier demite-se em
Abril de 1944 – “o espírito ali reinante não me cai bem”.
Em 2012, numa entrevista ao Le Temps, Jean-Louis Cohen lembrava que Corbusier
cresceu “num meio conservador onde um certo anti-semitismo de classe era banal” e
que o arquitecto era uma mistura de “cinismo e ingenuidade, grande versatilidade,
umas vezes do lado soviético [tentou trabalhar para a Rússia], outras do lado da Itália
fascista [onde também não conseguiu ter obra], o que sinaliza que se identificava com
poderes fortes”. “Mas fazer dele um antisemita consciente” com base em citações sem
contexto era algo que considerava “leitura mal intencionada e muita ignorância”. Para o
perito, podemos sim dizer que “Le Corbusier era um oportunista”.
Também Mark Antliff, da Universidade de Duke, nos EUA, admite à France 24 que a
polémica não é nova. “As ligações de Le Corbusier a grupos sindicais com orientações
fascistas é há muito tema de discussão no campo da história da arquitectura. Mas muita
desta literatura tem sido anglo-americana, o que pode explicar por que é que não
chegou ao grande público em França.” A sua associação a grupos fascistas não se reduz
ao colaboracionismo com o governo de fachada em França nem à relação com Pierre
Winter. Apoiou grupos reaccionários nas décadas anteriores à II Guerra como o
movimento Faisceau, não tinha simpatia por povos nómadas e referia-se muitas vezes à
necessidade de “higiene social”, recorda Mark Antliff, autor de Avant-Garde Fascism:
The Mobilization of Myth, Art and Culture in France (2007).
“Nada disto é novo” reitera o presidente da Fundação Le Corbusier, Antoine Picon,
citado também pelo El País. “A sua correspondência”, fonte da análise dos livros agora
editados, “está disponível há mais de 20 anos. Durante algum tempo admirou Mussolini
e viajou até Itália na expectativa de ter encomendas [de trabalho], mas também repetiu
várias vezes que não era fascista e que nunca foi tentado pelo nazismo”.
Voltemos a 1944. O Libération lembra, a partir dos novos livros, que com a vitória dos
Aliados, Le Corbusier escreve que “a página virou” e tentará diluir o seu percurso
durante a guerra, alegando que foi sim vítima de Pétain. Conseguiria concretizar muitos
dos seus projectos mais célebres e os seus tratados tornam-se referência. No Verão de
1965, morria afogado no Mediterrâneo e seria sepultado com honras de velório no
Louvre e exéquias por André Malraux, então ministro da Cultura.
COMENTÁRIOS
02/05/2015 19:11
Pessimista em fuga
Basta pensar um pouco - não é preciso muito - toda a carga ideológica que sustenta o
discurso do Corbusier urbanista, para encontrar intersecções com os totalitarismos da
primeira metade do séc XX. O admirável homem-novo só poderia ser concretizado com
uma ajuda humana para acelerar a selecção natural. Agora, de doutrinar os que não
prestavam a acabar com eles vai um longo caminho. Mas o mais curioso é que esta
matriz totalitária e segregadora está ainda profundamente enraizada no paradigma do
urbanismo actual entre nós. Veja-se a orientação segrgadora e de zonamento que
caracteriza a própria ideia de PDM.
01/05/2015 21:21
incorporeo
Portugal
Seria interessante efectuar um estudo comparado entre as convicções de Corbusier sobre
o "Homem Novo", e idêntica matriz ideológica subjacente aos conceitos soviéticos de
planeamento urbano, importado também da Alemanha de Weimar (e do próprio Corbusier).
Para quem se der ao trabalho de investigar, sugiro "Soviet urban planning ideologies of the
1920s". Pois que, efectivamente, falamos de uma e a mesma coisa: Idealismo socialista.
Os rumos que a História seguiu são outra questão.