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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ARTES LAÍS ROSÁRIO DE OLIVEIRA LEMBRAR PARA ESQUECER PARA LEMBRAR: UM ESTUDO SOBRE AUTORREPRESENTAÇÃO EM ARTES VISUAIS CAMPINAS 2019

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ARTES

LAÍS ROSÁRIO DE OLIVEIRA

LEMBRAR PARA ESQUECER PARA LEMBRAR: UM ESTUDO SOBRE

AUTORREPRESENTAÇÃO EM ARTES VISUAIS

CAMPINAS

2019

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LAÍS ROSÁRIO DE OLIVEIRA

LEMBRAR PARA ESQUECER PARA LEMBRAR: UM ESTUDO SOBRE

AUTORREPRESENTAÇÃO EM ARTES VISUAIS

Dissertação apresentada ao Instituto de Artes da Universidade

Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para

a obtenção do título de Mestra em Artes Visuais.

ORIENTADORA: PROFª. DRª. LÚCIA EUSTACHIO

FONSECA RIBEIRO

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA

DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA LAÍS ROSÁRIO

DE OLIVEIRA, E ORIENTADA PELA PROFª. DRª. LÚCIA

EUSTACHIO FONSECA RIBEIRO.

CAMPINAS

2019

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BANCA EXAMINADORA DA DEFESA DE MESTRADO

LAÍS ROSÁRIO DE OLIVEIRA

ORIENTADORA: LÚCIA EUSTACHIO FONSECA RIBEIRO

MEMBROS:

1. PROFª. DRª. Lúcia Eustachio Fonseca Ribeiro

2. PROF. DR. Edson do Prado Pfutzenreuter

3. PROFª. DRª. Cláudia Maria França da Silva

Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas.

A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros da comissão examinadora encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da Unidade.

DATA DA DEFESA: 31/01/2019

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A você, vovó.

Amar o perdido deixa confundido

este coração.

Nada pode o olvido contra o sem sentido

apelo do Não.

As coisas tangíveis tornam-se insensíveis

à palma da mão.

Mas as coisas findas, muito mais que lindas,

essas ficarão.

Memória (Carlos Drummond de Andrade)

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus amados pais e irmãos pelo apoio incondicional.

Ao meu companheiro, Vinicius pelo olhar sensível e pelas indicações de

leituras. E principalmente a Lúcia Fonseca, pela parceria, atenção e

generosidade durante esses anos.

Sou grata por todos os amigos que, em conversas, contribuíram para

este trabalho. Às queridas amigas e fotógrafas Amália Barrio, Marília Sucena

e Natália Gregorini pelas lindas imagens. E aos funcionários da secretaria

da Pós-Graduação, na figura da Mariângela, pelo atendimento cuidadoso.

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RESUMO

Nesta pesquisa artística revisito dois de meus trabalhos, as instalações Rastros

(2015) e Rio (2016), para apreender e compreender quais são as relações e

conexões entre os elementos formadores da minha poética. Reflito sobre os

aspectos que constituem os conceitos de memória, dádiva e habitar.

Ao aproximar-me da memória coletiva da minha família desenvolvo um processo de

identificação das particularidades que fazem parte da minha individualidade. É

através do conceito de dádiva que construo a reflexão sobre a importância e

influência das memórias familiares nos meus trabalhos e no construir de um

processo criativo auto representacional. A partir do princípio de que dádiva é algo

transferido a alguém, classifico a relação entre avó e neta, bem como os pertences

da minha avó Dorothy, como dádivas que recebi ao longo da vida. Outro caráter

fundamental de toda dádiva é que ela deve ser passada adiante, mantendo seu

sentido. Esse aspecto é respeitado e se desenvolve durante o meu processo criativo

por meio da ação de apropriar e assim habitar as minhas memórias ancestrais

estabelecendo um movimento de reconhecer minhas origens (fora) para conhecer a

mim (dentro). O ciclo se concretiza no momento em que exponho meus trabalhos,

passando dessa forma as dádivas que recebi de minha avó para aqueles que

vivenciam as histórias e memórias representadas em Rastros e Rio.

Palavras-chave: autorrepresentação; instalação; fotografia; arte contemporânea;

dádiva; memória.

.

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ABSTRACT

In this artistic research I review two of my works, the instalations Rastros (2015) and

Rio (2016), in order to apprehend and understand the relationships and connections

among the formative elements of my poetics. I reflect about the aspects that

constitute the concepts of memory, gift and inhabit.

As I approach the collective memory of my family, I develop a process of identifying

the particularities that are part of my individuality. It is through the concept of gift that

I construct a reflection on the importance and influence of family memories in my

work and in the construction of a creative process of self-representation. From the

principle that gift is something transferred to someone, I consider the grandmother

and granddaughter relation as well as the belongings of my grandmother Dorothy as

gifts I have received throughout life. Another fundamental character of every gift is

that it must be passed on keeping its meaning. This aspect is respected and it is

developed during my creative process through the appropriating and thus inhabiting

of my ancestral memories, establishing a movement to recognize my origins (outside)

to know myself (within). The cycle takes shape the moment I expose my works,

passing on the gift that I received from my grandmother for those who experience the

stories and memories represented in Rastros and Rio.

Key-words: self-representation; installation; photography; contemporary art; gift; memory.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Esquema Genealógico I: a partir dos meus tataravôs e tataravós paternos.

Figura 2 - Família Jaldim: Isabel (sentada), Estevan (em pé no fundo), Dorothy (em

pé do lado direito) e Douglas (ao lado de Isabel).

Figura 3 - Dorothy e o filho.

Figura 4 - Manoel e Dorothy.

Figura 5 - Esquema Genealógico II: casamentos de Dorothy e de Douglas.

Figura 6 - Esquema Genealógico III: casamento de Reinaldo.

Figura 7 - Caixas de fotografias, fotografia de minha autoria, 2018.

Figura 8 - Baralho que pertencera a Isabel, fotografia de minha autoria, 2018.

Figura 9 - Renda do vestido de noiva (detalhe), fotografia de minha autoria, 2018.

Figura 10 - Caderno de poemas, agenda, poema de Drummond e carta, fotografia de

minha autoria, 2018.

Figura 11 - Tela Habitada, Helena Almeida, 1976.

Figura 12 - Baralho com 68 cartas, ponta seca e aquarela, 2014.

Figura 13 - Fotocópia da carta escrita para vovó Dorothy.

Figura 14 - O hotel, quarto 30, 24 de março de 1983, Sophie Calle. Impressões em

gelatina e prata, edição 3/4, 2 painéis, 104 x 145 cm cada (emoldurados). Museu

Solomon R. Guggenheim, Nova York.

Figura 15 - Fotografias antigas, digitalizadas do arquivo da vovó Geraldina.

Figura 16 - Fotografias de minha autoria, casa da vovó Geraldina, 2015.

Figura 17 - Fotografias de minha autoria, casa da vovó Geraldina, 2015.

Figura 18 - Fotos digitalizadas do arquivo da vovó Dorothy.

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Figura 19 - Fotos digitalizadas do arquivo da vovó Dorothy.

Figura 20 - Fotos digitalizadas do arquivo da vovó Dorothy.

Figura 21 - Fotos digitalizadas do arquivo da vovó Dorothy.

Figura 22 - Fotos digitalizadas do arquivo da vovó Dorothy.

Figura 23 - Fotografias de minha autoria, casa da vovó Dorothy, 2015.

Figura 24 - Rastros, instalação composta de cianotipia e frotages sobre tecido de

algodão, exposição coletiva na galeria Naday em Campinas - SP, foto de Marília

Sucena, 2015.

Figura 25 - Rastros (detalhe), foto de Marília Sucena, 2015.

Figura 26 - Isso sou eu?, baralho de 360 cartas de 8 x 12 cm, Cláudia França,

2008.

Figura 27 - Puzzles [mulher e homem], provas fotográficas em papel com gelatina e

sais de prata, vidro acrílico, parafusos, eucatex e madeira. 54 x 68 x 2,5 cm cada

quebra-cabeça; Rosângela Rennó, 1991.

Figura 28 - Bastidores, imagem transferida sobre tecido, bastidor e linha de costura,

30 cm de diâmetro; Rosana Paulino, 1997.

Figura 29 - Rio, instalação composta de cianotipia sobre papel jornal (detalhe, obra

em processo), fotografia de minha autoria, 2016.

Figura 30 - Rio, instalação composta de cianotipia sobre papel jornal (detalhe, obra

em processo), fotografia de minha autoria, 2016.

Figura 31 - Rio, instalação composta de cianotipia sobre papel jornal (detalhe, obra

finalizada), fotografia de minha autoria, 2016.

Figura 32 - Rio, instalação de lambe-lambe de cianotipia com viragem de café

(detalhe), fotografia de minha autoria, 2016.

Figura 33 - s/título, cianotipia sobre tecido de algodão e desenho com anil, fotografia

de minha autoria, 2017.

Figura 34 - s/ título, cianotipia sobre tecido de algodão e desenho com anil, fotografia

de minha autoria, 2017.

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SUMÁRIO

Introdução………………………………………………………........................ 12

Capítulo I - Minha avó paterna: in memoriam............................................. 14

Capítulo II – Habitando os objetos-afetivos..................................................18

Capítulo III - Carta........................................................................................30

Capítulo IV - Uma narratividade contada por objetos e recordações..................................................................................32

Capítulo V - Reconhecendo o meu fazer poético.................................................................................................37

Considerações Finais...................................................................................58

Referências Bibliográficas............................................................................63

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INTRODUÇÃO

A minha investigação no mestrado objetiva aprofundar a pesquisa artística

iniciada no meu último ano da graduação em Artes Visuais1, que teve como mote as

memórias da minha família materna e paterna. A fonte de inspiração, o tipo de

lembrança e o grau de influência no meu processo criativo, desses dois polos

familiares é diferente. Geraldina2, minha avó materna, está presente com suas

histórias de família no desenvolvimento dos trabalhos que serão apresentados

nessa dissertação, porém a relação de identificação sempre foi mais forte com a avó

paterna, por diversas razões, como o fato de termos morados juntas e pelos objetos

que recebi dela ao longo da vida, carregados de memórias.

Foram as lembranças da minha avó paterna, Dorothy3, guardadas em caixas

de fotografias que despertaram o meu interesse em investigar como as memórias da

minha família estão presentes no meu processo criativo. Ao longo do ano de 2015,

período de término da graduação, compartilhei parte do processo criativo com essa

avó. Expliquei-lhe como eram as etapas de criação de algumas obras e o que elas

significavam para mim. Ela chegou a ler um trecho do texto que mais tarde comporia

o volume impresso a ser apresentado à banca avaliadora ao final desse ano.

Porém, no final do primeiro semestre, ela adoeceu. A minha vida passou

então a ser dividida entre terminar o trabalho de conclusão de curso e cuidar dela. O

seu estado e o dia a dia de cuidadora que assumi não permitiam que lhe contasse

sobre o que estava fazendo com suas fotografias. No entanto, em 20 de novembro,

um mês e alguns dias antes de falecer, quando parecia estar se recuperando,

mostrei-lhe fragmentos da instalação Rastros, que iria expor no dia 27 daquele mês

1 O curso de Artes Visuais vinculado à Universidade Estadual de Campinas, oferece aos ingressantes as modalidades: bacharelado e/ou licenciatura. Ao longo da graduação, os estudantes experimentam as diferentes linguagens das Artes Visuais, podendo também desenvolver pesquisas como fiz com um projeto de Iniciação Cientifica, no qual comecei a investigar os elementos formadores da minha poética visual. À fim de incentivar a pesquisa acadêmica e criativa, como trabalho final do curso, tem-se o Projeto Experimental. A proposta divide-se em duas disciplinas semestrais, com o mesmo nome, que proporcionam o desenvolvimento e o aprimoramento poético dos alunos da graduação. Durante um ano, baseados nas experiências adquiridas ao longo do curso, os alunos são levados a desenvolver uma investigação individual que encadeia conhecimentos orientados por três linhas: práxis artísticas; teoria de arte; arte/educação. 2 1961. 3 * 1935; ꝉ 2016.

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(nossa data de aniversário)4, no projeto da Galeria Fernandes Naday (Campinas-SP)

5 Tempos.

Desenvolvi com minha avó Dorothy uma relação de amizade e vivência muito

intensa e forte, a ponto de ser motivada a criar trabalhos artísticos e uma poética

relacionada a memórias de família. Nessa mesma linha e buscando analisar as

relações construídas em Rastros e na intervenção Rio (trabalho realizado durante o

Rio das Artes em Piracicaba-SP5 no ateliê de uma amiga), redigi uma carta na qual

lhe conto o que fiz com suas fotografias e alguns de seus objetos. Escrever

diretamente para ela, minha avó, é uma maneira de habitar seus registros, seus

escritos e pertences, vivenciar suas lembranças para, então, poder elaborar novos

processos de narratividade. Com isso, habito para construir histórias visuais, essa

ação se configura como possibilidade de autorrepresentação, buscando em objetos,

pessoas ou simplesmente lembranças, elementos que me representem. Mas, então,

que habitar é este de que procuro falar? Como se configura no meu fazer essa

autorrepresentação?

No Capítulo I - Minha avó paterna: in memoriam, apresento alguns aspectos

que conduziram o meu interesse por investigar as relações entre o meu trabalho e

as memórias de família. Dessa forma apresento a minha avó Dorothy e parte da

família paterna, relatando episódios importantes para a constituição de sua figura.

Destaco a importância de certos pertences ganhados e encontrados, denominados

por mim de objetos-afetivos, na minha poética.

No Capítulo II - Habitando os objetos-afetivos, listo e classifico os pertences

da minha avó sob os critérios: ganhados ou encontrados. A partir do conceito de

dádiva reflito sobre as relações existentes entre o receber e o ato de habitar e

classifico os objetos que considero mais importantes, nos quais essas ideias estão

mais presentes. Comento aspectos fundamentais da produção da artista portuguesa

Helena Almeida para compreender as possibilidades do habitar em uma obra

artística e assim identificá-las em minha poética.

No Capítulo III – Carta, escrevo diretamente para vovó Dorothy para assim

afirmar mais uma vez sua presença. Conto-lhe sobre as descobertas que fiz durante

o mestrado e como nossa relação e tudo que ela me doou, seja material (objetos-

4 Nasci no mesmo dia e mês que minha avó. 5 Evento com regularidade anual constituído por um circuito de ateliês abertos, com intenção de valorizar a produção artística da cidade de Piracicaba. Além de exposições, acontecem oficinas e apresentações de diversas áreas artísticas.

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afetivos) ou imaterial, está presente no processo criativo, transformando-se nos

meus trabalhos finalizados.

No Capítulo IV – Uma narratividade contada por objetos e recordações, apresento

os motivos que me levaram a escrever a carta do capítulo anterior e reflito sobre a

relação entre os conceitos de memória e dádiva na formação da individualidade do

sujeito. A partir do conceito de objeto biográfico estabeleço relações entre meu

trabalho e o trabalho da artista Sophie Calle, destacando o modo como ela constrói

narratividades em suas obras.

No Capítulo V - Reconhecendo o meu fazer poético, reflito sobre como no meu

processo criativo, a partir das instalações Rastros (2015) e Rio (2016), o ciclo da

dádiva se conforma por meio da ação de habitar as memórias dos meus

antepassados, para compreender as relações que constituem a minha memória e

individualidade, desenvolvendo uma poética autorrepresentacional.

CAPÍTULO I – Minha avó paterna: in memoriam

O meu interesse pelas memórias de família, grande parte, tem a ver com o

fato de ter morado com minhas bisavó e avó paternas desde a infância. A

convivência com essas duas figuras contribuiu na minha educação. Sempre gostei

de escutar as histórias de vida das minhas avós; fascinava-me conhecer as minhas

raízes. Me parece que certas atitudes dos meus ancestrais representam a natureza

da nossa família (BOSI, 1998, p. 424).

Quando decidi incorporar essas lembranças em meus trabalhos, iniciei um

processo de reconhecimento do fora (meus ancestrais) para conhecer o dentro (eu).

Pois muitas das recordações que dizemos ser nossas pertencem a um passado

anterior ao nosso nascimento e nos foram contadas diversas vezes até que

incorporamos ao nosso ser (BOSI, 1998, p. 425). Nesse sentido, para compreender

e discutir sobre o processo criativo que desenvolvi durante o mestrado, preciso

apresentar meus ancestrais, em especial minha avó paterna.

Dorothy Jaldim de Oliveira nasceu em 27 de novembro de 1935 em São

Paulo-SP, mas fora registrada apenas no dia seguinte. Filha de Isabel Ruiz

Povedano Jaldim e Estevan José Jaldim e irmã de Douglas Jaldim, morou parte de

sua vida nos bairros paulistanos do Pari e Brás.

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Figura 1 - Esquema Genealógico I: a partir dos meus tataravôs e tataravós paternos.

Durante sua adolescência, mudou-se com a família para Atibaia-SP devido à

doença de seu pai. A estadia nessa cidade foi muito significativa para ela, já que

vivenciou um romance. No entanto, houve um desentendimento entre o casal, na

mesma época em que a família Jaldim resolvera voltar para São Paulo. Um dos

motivos do retorno para o Brás foram os gastos excessivos com a doença de

Estevan.

Figura 2 - Família Jaldim: Isabel (sentada), Estevan (em pé no fundo), Dorothy (em pé do lado direito) e Douglas (ao lado de Isabel).

Tempos depois, ela conhece e se casa com Manoel Antônio de Oliveira,

português naturalizado. Minha avó, mesmo depois de casada, continuou morando

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com os pais. Por algum tempo, a família morou em uma casa que pertencia ao pai

do vovô Manoel. Em 1957 nasce Reinaldo Jaldim de Oliveira, seu único filho.

Figura 3 - Dorothy e o filho Figura 4 - Manoel e Dorothy

Por volta de 1959, eles compram uma casa em São Caetano do Sul-SP com

o dinheiro da venda da fábrica de vidros que Estevan possuía junto com os irmãos.

Nessa época, as relações familiares se tornam mais intensas e difíceis. Estevan teve

problemas com alcoolismo e meu pai contou-me que, com onze para doze anos de

idade, ia buscá-lo nas sarjetas do bairro. Além disso, Douglas, que se casou com

Diva, também foi morar com eles. O casal teve três filhos, mas, depois do

nascimento da última criança, a mulher adoeceu.

A situação ficou ainda mais difícil quando Douglas deixou a família, pois

conhecera outra pessoa. Isabel e Dorothy tiveram que assumir os cuidados com as

crianças e a mulher doente. Minha bisavó dizia que os três netos talvez pudessem

ser um resgate espiritual já que ela abortara três filhos naturalmente, anos atrás.

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Figura 5 - Esquema Genealógico II: casamentos de Dorothy e de Douglas.

Todos esses conflitos e responsabilidades que assumiram fizeram delas

mulheres muito fortes. Para vovó Dorothy, esses laços familiares talvez tenham lhe

parecido, ao longo da vida, verdadeiras amarras acabando por fazerem dela uma

pessoa deprimida e presa ao vício da bebida. Essas questões, de certa forma,

contribuíram para que seu casamento não desse certo, acabando com uma

separação (não oficial) por volta dos anos 90.

Em 1987, meus pais compraram um sítio em Piracicaba-SP para o qual, cinco

anos depois, nos mudamos. Reinaldo convenceu sua mãe e sua avó a se mudarem

para lá. Ainda em 1992 vovó Dorothy foi para o sítio, porém sua mãe só se mudaria

dois anos após; onde viveriam até o final de suas vidas. Das poucas lembranças de

infância que tenho da vovó, a maior parte, é dela sob efeito do álcool, falando alto,

com rosto vermelho e com um humor instável. Mas também me recordo dos

passeios ao centro da cidade, da tartaruga que ela me deu e quando passei a ajudá-

la com a faxina da casa, pois a bisa já estava velhinha.

À medida que fui ficando moça, aproximei-me mais dela e conheci uma

mulher carinhosa, teimosa e forte. Passamos a conversar mais depois que a bisa

faleceu. Ela, assim como sua mãe, contou-me alguns episódios da sua vida. Foi em

um desses momentos que ela me mostrou a caixa com as fotografias e presenteou-

me com um retrato seu. Fiquei espantada, pois aquela jovem com aquele sorriso

fácil não lembrava em nada a pessoa que estava na minha frente. A vida e o tempo

fizeram-lhe uma mulher triste.

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Figura 6 - Esquema Genealógico III: casamento de Reinaldo.

Essa dualidade provocada pelo passar dos anos e as descobertas que tive

com as nossas conversas despertaram o meu interesse em investigar como as

memórias de família estão presentes no meu trabalho. As histórias que escutei ao

longo da minha infância e da adolescência e o contato com uma caixa de fotografias

foram os primeiros elementos a influenciar minha produção. A visita e as revisitas a

esse arquivo resultaram em um grupo de fotos que utilizo em meu trabalho. O

número de “objetos-afetivos”6 foi se expandindo com o passar dos anos e com esse

conjunto de artefatos fundamento esta pesquisa sobre autorrepresentação.

Por essa razão, torna-se importante uma reflexão sobre a importância desses

“objetos-afetivos” a partir das relações existentes entre os atos de ganhar e

encontrar, para assim poder compreender em quais momentos a ação de habitar

acontece no meu processo criativo.

Capítulo II – Habitando objetos-afetivos

Como falar sobre os “objetos-afetivos” sem primeiro apresentá-los? Abaixo

estão duas listas nomeadas de acordo com os verbos: ganhar e encontrar.

Pertences que ganhei dela:

6 São os presentes que ganhei dela quando ainda era viva e os pertences encontrados após sua morte: conjunto de objetos cujo valor financeiro é irrelevante comparado ao sentimental. .

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19

-Porta-joias feito de metal daqueles que toca música, porém sem a bailarina.

Sua tampa tem desenhos alto relevo de rosas e seu interior é revestido de veludo

vermelho;

-Quadrinho de madeira com pintura de Arlequim e Colombina;

- Brincos de cor prata envelhecido pelo tempo com bolinha laranja na sua

base;

- Colar de pérolas (réplicas) tipo gargantilha que foram da minha bisa (sua

mãe);

- Baralho de cartas comum que a bisa usava para praticar a cartomancia, com

desenho de arabescos azuis no seu verso;

- Porta-retrato de madeira e prata com uma foto sua vestida de noiva;

- Furador de couro com cabo de madeira e linha encerada amarelada pela

ação do tempo que foram do seu pai;

- Livro da Seicho-No-Ie pequeno e azul com orações;

- Bolsinha de moeda com fecho de metal e tecido estampado com as cores

marrom, branco e amarelo;

- Broche de sapo da bisa feito de metal pintado e com strass nas patas e

olhos;

- Retrato seu com dezoito anos;

- Estilete de metal preto e amarelo;

Com a sua morte, encontrei outros bens que foram incorporados aos demais.

Alguns deles eram presentes pessoais que havia lhe dado, porém ela nem chegou a

usá-los.

Pertences encontrados:

- Sapatos;

- Agasalho e manta de lã azuis;

- Régua grande de madeira;

- Anéis (um deles pertenceu a sua mãe);

- Colar da Seicho-No-Ie;

- Caderno que fiz para ela;

- Uma carta

- Bolsinha de moedas;

- Envelopes de carta;

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- Alguns papéis de seda;

- Agenda de 1992 com algumas anotações;

- Um caderno de poemas, dos quais alguns foram escritos por amigos e

parentes e outros copiados por ela;

- Um texto daqueles que nos entregam em palestras de centro espírita

- Suas caixas de fotografias.

A maioria desses objetos não é utilizada no meu trabalho de maneira direta,

porém listá-los e classificá-los, de acordo como os adquiri, tornou-se importante para

refletir sobre as relações existentes entre o receber e o habitar.

A ação de receber abrange duas categorias: presentes (objetos que ganhei

dela quando estava viva) e encontrados (os pertences que me apropriei após sua

morte). Quando digo que não faço uso de grande parte desses pertences no meu

processo criativo, de maneira direta, parto da ideia de que ao receber esses objetos

da minha avó, fatores como a ancestralidade e a nossa relação afetiva fazem com

que algo além da materialidade deles seja transferida, absorvida e transformada.

Para ilustrar essa reflexão partirei do conceito desenvolvido no livro A dádiva

como espírito criador transforma o mundo (2010), nele Lewis Hyde afirma existir

diversos significados para a palavra inglesa gift (dom) e que essas definições

convergem para uma noção em comum sobre ela, a de quando não se adquiri algo

por vontade própria, mas, concedido. Por essa razão um dom é uma dádiva, pois é

algo concedido a alguém.

Os objetos-afetivos trazem consigo uma carga de lembranças e isso foi

doado, pois não houve uma negociação entre mim e vovó para que a posse dessas

recordações e dos pertences fosse minha. Ao presentear-me, vovó, apenas

desejava transferir algo importante e compartilhar os seus sentimentos com relação

a eles. A capacidade de movimento de uma dádiva, é uma propriedade essencial, o

dom recebido deve ser passado adiante (HYDE, 2010, p. 30). Alguns dos objetos

que ganhei de Dorothy foram presentes que ela ganhou em diferentes períodos da

sua vida.

Tratar os presentes, as experiências de vida e recordações que vovó

compartilhou comigo como dádivas, pressupõe que devo recebê-las e passá-las

para frente, porém o que se passa adiante não é necessariamente o que se recebe,

sendo esta outra característica importante de uma dádiva. Essas duas ações,

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receber e passar adiante são pontos importantes para compreensão das relações

estabelecidas com minha avó e com seus objetos. No capítulo anterior, contei que

morei com ela desde a infância, assim posso dizer que ela fez parte do labor (HYDE,

2010) da minha criação. Uma vez que labor é uma atividade desempenhada sem um

tempo determinado e possui seu próprio ritmo. Podendo ser remunerada, porém é

difícil quantificá-lo (HYDE, 2010, p. 94).

Vovó ao me dar aqueles objetos e contar episódios de sua vida praticava

tacitamente uma doação. Aqui está outra característica importante da dádiva, ela

acontece silenciosamente, ao contrário do escambo no qual as duas partes discutem

até encontrar um equilíbrio para a troca (HYDE, 2010, p. 39).

Recebi e continuo a receber suas dádivas. Alguns foram guardados afim de

que não se perdessem com o tempo, outros fazem parte do meu dia-a-dia. Mas

existem aqueles que foram transformados e que cumprem o movimento que infere

uma dádiva. Todo presente requer retribuição. E a maneira que encontrei de

demonstrar minha gratidão foi transformar as dádivas recebidas, incorporando esses

objetos no processo criativo, um labor, pois ele vem sendo executado desde a minha

infância. A intuição ou inspiração de um artista podem ser pensados como algo

“doado”, pois durante o processo criativo, existem elementos que lhe são

concedidos, como uma ideia que lhe surge, melodias e etc. (HYDE, 2010, p. 14).

O autor, com o intuito de mostrar o ciclo de uma dádiva e para ilustrar essa

questão do dom recebido, traz o conto O sapateiro e os duendes (HYDE, 2010, p.

91-92). Trata-se da história de um sapateiro que não anda com muita sorte, pois

dispõe de couro suficiente para apenas um par de sapatos. Ele então corta o

material e vai dormir, planejando terminá-los no dia seguinte. Durante a noite, dois

duendes nus aparecem e fazem os sapatos. O sapateiro fica surpreso ao encontrar

os sapatos. Fica impressionado com a perfeição. Os sapatos eram tão bonitos,

obras-primas, que o primeiro freguês a chegar se dispõe e paga um bom preço por

eles. Isso faz com que o sapateiro tenha dinheiro suficiente para comprar couro para

dois pares. Corta o material e vai dormir. Novamente, quando acorda, encontra os

sapatos. A venda deles lhe permite comprar material para fazer mais sapatos. E

assim ele prospera.

Um pouco antes do Natal, o homem sugere a sua esposa que fiquem

acordados para descobrirem quem os estavam ajudando. À meia-noite chegam os

dois duendes que se põem a trabalhar. Na manhã seguinte, a esposa diz ao marido:

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“Aqueles homenzinhos nos fizeram ricos e devemos mostrar a eles nossa gratidão.

Eles andam por aí pelados e podem congelar com o frio que faz! Vou fazer para

cada um deles uma camisa, um casaco, um colete, calças e um par de meias. Por

que você não faz um par de sapatinhos para cada um?” (HYDE, 2010, p. 91) o

sapateiro concorda e quando os presentes ficam prontos o casal coloca tudo na

bancada de trabalho no lugar do couro. E se escondem para esperar a chegada dos

benfeitores.

Os duendes quando veem os presentes ficam surpresos e felizes. Vestem-se,

calçam-se e começam a cantar. E então desapareceram e nunca mais voltaram,

porém, o sapateiro continuou com boa sorte.

Recontando essa história quero evidenciar a relação que estabeleço com os

objetos-afetivos e com os anos que passei com minha avó paterna. Como pode-se

notar, no conto, a dádiva só é recebida por completo quando o sapateiro transforma

o dom recebido em gratidão, presenteando os seus benfeitores com sapatinhos

feitos por ele. Porém, para que isso acontecesse, foram necessários anos de labor,

para que se desenvolvesse, amadurecesse, transformasse e por fim se

manifestasse.

Ao avançar na investigação dos elementos que constituem a minha poética

visual, conscientizei-me que recebi durante os anos que vivi com minha avó paterna,

e continuo recebendo por meio dos objetos que herdei dela, dádivas e estas fazem

parte do meu desenvolvimento como indivíduo e artista.

Dessa forma, compreendi o que me levou a criar um baralho, a realizar

diferentes fotomontagens misturando as fotografias da caixa de vovó e a renda do

seu vestido de noiva e, por fim, a necessidade de escrever-lhe uma carta. Os

objetos que considero mais importantes, pois percebo a sua influência no meu

processo criativo, são: o baralho da minha bisavó Isabel, mãe de vovó Dorothy;

algumas fotos das caixas de fotografias; a renda do vestido de noiva; uma agenda-

diário; um poema de Carlos Drummond de Andrade; um conto espiritualista e uma

carta que enviara para ela anos atrás. Os três primeiros chegaram a mim ainda

quando vovó estava viva, sendo que ela me contou algumas histórias sobre eles. Os

demais encontrei após sua morte.

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As caixas de fotografias da vovó Dorothy

Figura 7 - Caixas de fotografias

Fonte: fotografia da autora, 2018.

A recordação mais concreta do primeiro contato com essas caixas foi quando

vovó Dorothy as mostrou a mim. No entanto, conforme fui me deparando com as

imagens, tive a sensação déjà vu e lembrei que a bisa Isabel, sua mãe, já havia me

revelado a existência daquele acervo.

O encantamento com aquelas fotografias foi mais forte nessa segunda visita,

desdobrando-se em muitas outras. Pedi autorização de vovó para digitalizar as fotos

e perguntei-lhe se ficaria incomodada se usasse algumas das imagens em um

trabalho da faculdade. Foi assim que comecei a utilizar o acervo fotográfico da

minha avó paterna nos meus trabalhos, sempre por meio da reprodução de uma

cópia em diferentes suportes, como madeira, papel e tecido e da manipulação,

através de programas de edição de imagem, acrescentando elementos como o

desenho ou apagando partes da fotografia.

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O baralho

Figura 8 - Baralho que pertencera a Isabel

Fonte: fotografia da autora, 2018.

Minha bisavó Isabel era sensitiva. Praticava a cartomancia e quiromancia

(leitura de cartas e mão, respectivamente). Lembro-me de vovó me dizer que as

pessoas iam até sua casa para se consultarem com sua mãe. Eu sempre me

encantei com esse lado místico e, quando criança, insistia para que a bisa lesse as

cartas e minha mão. E ela fizera isso diversas vezes, mesmo não concordando e

dizendo-me que eu ainda era muito nova e que os caminhos ainda estavam se

formando. Mais tarde, minha avó me presenteou com esse baralho, com desenhos

de arabescos azuis no verso.

A renda

Uma das fotografias que mais me impressionaram quando vovó me mostrou

sua caixa de fotos foi a do seu casamento. Dorothy e Manoel posam com os trajes

do matrimônio. Ela estava linda, parecia uma princesa. Seu vestido era majestoso,

com uma calda que parecia tomar a sala.

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Figura 9 - Renda do vestido de noiva (detalhe).

Fonte: fotografia da autora, 2018.

Perguntei sobre o vestido e ela me disse que a renda era importada. Fiquei

ansiosa para vê-lo, mas vovó disse que um pouco depois do casamento ele fora

desmontado. Quando ela já estava no hospital eu pedi permissão para pegar um

pedaço da renda que seria usada como negativo na cianotipia. Foi quando ela disse

que ele era meu.

Escritos

Depois de sua morte, descobri outros objetos que têm influenciado o meu

processo criativo e o meu texto. Alguns deles foram a agenda que me ajudou a

conhecer e compreender alguns elementos da sua história, pois ela também era um

diário; um poema de Carlos Drummond de Andrade, cujo título é Memórias (este

encontra-se na dedicatória desta dissertação); conto Chegadas e Partidas que

encontrei na gaveta de sua penteadeira, dias após sua morte; a carta que eu lhe

enviara em 2013, com o objetivo de iniciar um diálogo e registrar fatos da sua vida.

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Figura. 10 - Caderno de poemas, agenda, poema Drummond e carta.

Fonte: fotografia da autora, 2018.

***

Ao finalizar o capítulo anterior atesto a importância dos pertences da minha

avó paterna, os objetos-afetivos e aponto a influência de alguns deles no meu

processo criativo. Classifico as relações estabelecidas com esses objetos em duas

esferas, ganhar e encontrar. Mas como elas acontecem? A fim de compreender

quais os pontos de interlocução entre as ações de ganhar e encontrar que

estabeleço com os pertences da minha avó e a ação de habitar, pontuarei os

critérios trazidos por Maria de Fátima Lambert no artigo Habitar em desenhos e

pinturas - Helena Almeida7. Também recorrerei ao pensamento de Gaston Bachelard

na Poética do Espaço (2008) para ampliar a discussão sobre a relação entre os

objetos - afetivos e a ação de habitar.

Habitar, num primeiro momento, nos remete a um espaço definido, a um

tempo, um indivíduo em algum lugar, às condições de existência e à possibilidade

de se apropriar de algo. Essa ação, por outro lado, implica um tempo para

compreensão, para ser e ter o domínio de um espaço onde uma pessoa está e é.

Habitar exige autonomia da identidade única e relacional. O habitar tem mais

significados como lugar das relações intersubjetivas, transversais e aprofundadas

pelos processos da vida. A ideia de ocupação que o termo habitar pressupõe vai

7 Artista portuguesa nascida em Lisboa, em 1934. E faleceu aos 84 anos em setembro de 2018.

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além do campo físico, do material e do pensamento, assumindo o sentido de

duração da pessoa, do espaço e do tempo (LAMBERT, 2009, p. 1).

O corpo declarado e único é o primeiro lugar de habitar. Um habitar capaz de

voltar-se para si e possibilitando o olhar para o entorno. Esse momento permite o

diálogo com o outro, com essa consciência torna-se possível a apropriação de

espaços externos. O trabalho de Helena Almeida traz o seu corpo como ferramenta

para habitar lugares, de certa forma tradicionais nas artes visuais, como a tela. Em

Tela Habitada, Helena combina fotografia e pintura. Ela fotografa um ato

performático e posteriormente interfere sobre essa imagem.

Figura 11- Tela Habita, Helena Almeida, 1975.

Fonte: Museu Calouste Gulbenkian (Home Page). Disponível em: <https://gulbenkian.pt/museu/works_cam/pintura-habitada-156660/>. Acesso em: 18 dez. 2018.

Ao olhar para a minha investigação poética percebo que esse primeiro lugar

de habitar, o corpo, se configura de maneira simbólica quando ressignifico os

objetos-afetivos. A ação de habitar, assim como uma dádiva, necessita de um tempo

para compreensão, de labor para a ocupação desse espaço (LAMBERT, 2009, p. 1).

Ressignificar o baralho que minha bisavó usava para praticar a cartomancia,

levou um tempo, resultando no meu baralho. Nesse trabalho desloco os indivíduos

do seu lugar social, os retratos assumem um papel icônico, uma vez que

apresentam características atemporais, ou seja, essas fotografias deixam de habitar

apenas as memórias da família, adquirindo caráter universal.

O ícone faz parte da classificação criada pelo cientista, matemático,

astrônomo Charles Sandres Pierce (1839-1914). Este americano foi um dos

pioneiros no desenvolvimento da Semiótica, ciência que estuda a linguagem e os

seus signos. Segundo SANTAELLA (2007) de maneira objetiva, o signo é algo que

representa outra coisa. Pierce estudou e explorou diferentes classificações dos

signos, tendo como princípio a relação entre o signo, objeto e o seu interpretante

(aquilo que o signo produz). De acordo com Pierce, o signo que se mostra como

uma qualidade, na sua relação com o objeto, é um ícone. Uma vez que qualidades

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não representam nada, elas se apresentam. Ao não representar efetivamente nada,

o ícone torna sugestivo, sendo capazes de produzir em nossas mentes diferentes

interpretações e comparações, é esse fundamento que exploro em meus trabalhos,

quando despersonalizo os personagens presentes nas imagens, conferindo-lhes um

caráter genérico que muda conforme a interpretação daqueles que apreciarem o

trabalho. No trecho abaixo do O Ato fotográfico, Philippe Dubois (2012) discorre

sobre o papel icônico:

A existência física do referente não está portanto necessariamente implicada pelo signo icônico, que é autônomo, separado, independente. [...] Essa autonomia do signo icônico com relação ao real significa que no ícone contam apenas as “características” que ele possui, na medida em que estas “remetem iconicamente”, ou seja, assemelham-se, a um denotado, seja real ou imaginário. [...]’” (DUBOIS, 2012, p. 63)

Figura 12 - Baralho com 68 cartas, ponta seca e aquarela.

Fonte: fotografia da autora, 2014.

Retornando, Helena também ocupa duas temporalidades: a de sujeito que

realiza algo e a de observador que experimenta o produto dessa ação. O habitar é

ao mesmo tempo realidade natural e abstrata, pressupõe uma falsificação idealizada

do próprio indivíduo diante de si e para os outros (LAMBERT, 2009, p. 12). A ação

de apropriação de dois lugares ao construir narratividades, nos meus trabalhos, com

as dádivas que recebi da minha avó (recordações de família, sua experiência de

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vida e os objetos-afetivos) faz parte de um processo identitário que envolve o

conhecer e reconhecer minhas origens.

Ainda sobre a relação entre a ação de habitar e o movimento de olhar para o

dentro (eu) e para fora (meus ancestrais), o ensaio A gaveta, os cofres e os armários

de Gaston Bachelard (2008) apresenta através de metáforas essa questão. Esses

três objetos fazem parte do nosso ambiente íntimo, neles guardamos itens que são

importantes e que nem sempre possuem valor financeiro, mas, que são dotados de

valor sentimental pois carregam memórias. Simbolicamente esses móveis

representam o interior do indivíduo onde são guardados tudo aquilo que faz parte da

formação daquele sujeito. Por vezes, a densidade dessas informações é tão grande

que o revelar delas não é possível como ressalta Bachelard (2008:91), o espaço

interno de um armário é profundo e que por guardar a intimidade, é um espaço que

não se abre para qualquer um. Por essa razão guardar uma coisa qualquer e de

qualquer maneira em um móvel qualquer demostra uma fraqueza da função do

habitar.

Ao utilizar de elementos da minha intimidade para construir uma poética

autorrepresentacional estou habitando esses espaços profundo que contêm

lembranças importantes e inesquecíveis para mim, quando compartilho essas

memórias através de meus trabalhos partilho dos meus tesouros com o outro.

Bachelard (2008:97) discorre sobre esse movimento: “No cofre estão as coisas

inesquecíveis; inesquecíveis para nós, mas também para aqueles a quem daremos

os nossos tesouros. O passado, o presente e um futuro nele se condensam. E assim

o cofre é a memória do imemorial”.

A maneira que escolhi para acessar esses espaços profundos foi através da

fotografia digital, da cianotipia, recortar, colar e da frotage que realizei

fotomontagens habitando as memórias da minha avó paterna. Usei a fotografia

digital para registrar os objetos, as casas e as minhas avós. A cianotipia é um

processo fotográfico inventado por Sir John Herschel8 em 1842 que consistiu na

descoberta de que dois sais à base de ferro (ferricianeto de potássio e citrato de

8 Sir John Frederick William Herschel (1792-1871) foi matemático, astrônomo, químico e inventor

inglês. Também teve papel importante na história da fotografia. Com suas pesquisas nesse campo,

criou diferentes maneiras de impressão como: a cianotipia, da crisotipia (impressão com sais de ouro)

e da platinotipia (sais de platina).

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ferro amoniacal) eram sensível a luz solar. O cianótipo é o nome dado a superfície

emulsionada com a mistura desses dois sais. A impressão é feita por contato

através da exposição de fotogramas (negativos) ou objetos à luz ultravioleta,

obtendo uma imagem com gradação azul. A frotage é a técnica de copiar a textura e

forma de um objeto colocando uma folha de papel ou qualquer outro suporte por

meio da fricção do lápis ou giz sobre ele.

Capítulo III: CARTA

Figura 13 – fotocópia da carta escrita para vovó Dorothy.

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Fonte: acervo da autora.

Capítulo IV: Uma narratividade contada por objetos e recordações

Para iniciar a escrita desta dissertação foi preciso criar um diálogo com a

pessoa que inspirou esta investigação. Retomando uma ideia que tive em 2013,

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escrevi para minha avó Dorothy que pretendia construir certo discurso visual, cujas

qualidades narrativas ou narratividades9 criadas a partir dos relatos recebidos por

cartas. No entanto, vovó não demonstrou interesse naquela época e deixei esse

projeto de lado.

Agora, porém, o texto epistolar se faz necessário novamente. A distância

imposta pela sua morte foi a motivação para escrever para ela. Escrever para vovó é

uma maneira de afirmar sua presença. Pois a carta é escrita a partir da vontade dos

seus interlocutores de tornar as mensagens um encontro real (LANDOWSKI, 2002,

p. 166-167).

Essa necessidade de escrever para vovó Dorothy fez-se maior quando

percebi a importância dos seus pertences no meu processo criativo. Na carta do

capítulo anterior conto-lhe sobre essa descoberta e como a relação que tínhamos e

alguns objetos estão presentes nos trabalhos que desenvolvo desde 2013. Foi

através do ato de escrever-lhe que encontrei um modo de senti-la mais próxima,

mesmo estando longe e assim pedir licença para apropriar-me da sua memória e de

seus pertences para compor minha investigação poética.

Através das memórias de família procuro, como mencionei antes, reconhecer

minhas raízes (fora) para dessa forma conhecer a mim (dentro), ou seja, busco

compreender as fontes que constituem minha identidade por meio de narratividades

que mesclam realidade e ficção. A memória é um fenômeno construído

coletivamente e individualmente. Pode-se pensar na ideia de memória herdada,

assim é possível relacionar memória e o sentimento de identidade que é o sentido

da imagem de si, para si e para os outros (POLLAK, 1992, p. 5). Portanto a imagem

que uma pessoa adquiri ao longo da sua vida é fruto das relações estabelecidas

entre suas memórias e a dos outros.

Segundo Michael Pollak, a memória individual e coletiva é formada por dois

elementos: os acontecimentos que vivemos pessoalmente e aqueles “vividos por

tabela” (expressão do autor) dos quais não participamos ativamente, porém foram

tão importantes que assumem certo lugar nas nossas lembranças que em alguns

casos fica difícil saber se vivenciamos ou não tal fato (1992, p. 2). Esses conceitos

9 De acordo com o Dicionário de Semiótica, criado por Algirdas Julius Greimas e Joseph Courtés (2008, p.328-330), o conceito de narratividade se apresenta posterior ao de narrativa sendo a base de qualquer discurso narrativo e não narrativo. Para eles o narrativo está circunscrito ao discurso narrativo figurativo que se organiza a partir de ações de personagens. Sendo assim, entendo que a narratividade abre um leque mais amplo de possibilidades na leitura das obras de arte, que por si só podem se dar em narrativas não lineares e transversas, além de sentidos vários e diversos.

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se aplicam a pessoas, lugares e objetos. Então nossa memória pode ser construída

a partir da projeção ou da transferência das lembranças de outro indivíduo, seja ele

próximo ou não. Contudo, para Maurice Halbwachs, a memória se caracteriza pela

seletividade e negociação, logo para que a nossa memória possa incorporar a dos

outros é necessário que exista pontos de concordância entre as memórias individual

e coletiva (apud POLLAK, 1989, p. 1).

Essa ideia da formação da individualidade do sujeito faz parte da reflexão que

Ecléa Bosi traz no seu livro Memória e Sociedade: lembranças de velhos (1998).

Segundo a autora é durante a infância que recebemos do passado, representado

pelas figuras mais velhas, as informações que serão importantes na nossa

formação, como mostra o trecho abaixo:

A criança recebe do passado não só os dados da história escrita; mergulha suas raízes na história vivida, ou melhor, sobrevivida, das pessoas de idade que tomaram parte na sua socialização. Sem estas haveria apenas uma competência abstrata para lidar com os dados do passado, mas não a memória. (BOSI, 1998, p. 73)

Em certo sentido, no excerto acima, o conceito de dádiva está presente, de

maneira implícita, associado a transmissão de valores, experiência de vida e do

passado da família transferidos para a criança através daqueles que acompanham o

seu desenvolvimento. É possível, então, segundo a autora, partir do princípio de que

parte das lembranças que contamos não são nossas: “Muitas das lembranças, que

relatamos como nossas, mergulham num passado anterior a nosso nascimento e

nos foram contadas tantas vezes que as incorporamos ao nosso cabedal”. (BOSI,

1998, p. 425)

Ao refletir sobre a minha relação com familiares mais velhos que fizeram e

fazem parte da minha vida percebo como a minha personalidade traz as marcas

desse convívio e isso inevitavelmente é transferido para meu trabalho. Porém

sempre há aquelas pessoas com as quais essa conexão é mais intensa. No meu

caso posso dizer que essa relação foi mais forte com minha bisavó Isabel e sua filha

Dorothy mais do que com minha avó materna, certamente porque morei com elas

desde criança. As histórias que ouvia das minhas avós paternas mostravam-me a

essência desse lado da família e, com o passar dos anos, fui enxergando essas

características em mim. Bosi diz que alguns episódios são tão marcantes que

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sentimos prazer em recontá-los: “Há episódios antigos que todos gostam de repetir,

pois a atuação de um parente parece definir a natureza interna da família, fica sendo

uma atitude símbolo” (BOSI, 1998, p. 424).

Ainda em Memória e Sociedade, a autora apresenta o conceito de objeto

biográfico, incorporado do artigo O objeto biográfico de Violette Morin10, que faz

parte da constituição da memória e dessa forma também é um elemento que

confirma nossa identidade. Porém o objeto biográfico não é qualquer objeto, mas

aquele que envelhece junto com seu dono e que dessa forma é incorporado à vida

desse indivíduo. A importância desses pertences está além da sua utilidade:

Se a mobilidade e a contingência acompanham nosso viver e nossas interações, há algo que desejamos que permaneça imóvel, ao menos na velhice: o conjunto dos objetos que nos rodeiam. Nesse conjunto amamos a quietude, a disposição tácita, mas expressiva. Mais que um sentimento estético ou de utilidade, os objetos nos dão um assentimento à nossa posição no mundo, à nossa identidade. (BOSI, 1998, p. 441)

Os pertences que ganhei e encontrei da minha avó são objetos biográficos,

pois carregam com eles experiências de vida, trazem consigo rastros do seu

possuidor anterior. E isso também se aplica aos espaços onde ela viveu por tantos

anos, eles são capazes de nos contar algo sobre quem foi Dorothy. Porque as

coisas que modelamos durante anos resistiram a nós com sua alteridade e tomaram

algo do que fomos (BOSI, 1998, p. 443).

A partir desse conceito reflito sobre a obra da artista e fotógrafa francesa

Sophie Calle11, que possui uma produção artística onde sua própria vida assume o

lugar de objeto da arte. Sua poética é construída através da associação entre

narrativa verbal e imagem fotográfica, em que ambas funcionam como complemento

uma da outra. Calle constantemente, em seus trabalhos, apresenta tensionamentos

entre realidade e ficção, íntimo e público, ausência e presença, identidade e

aparência. Em seu trabalho Hôtels (1983), por exemplo, Sophie Calle passa a

ocupar a função de camareira em um hotel em Veneza. Ela fotografa os objetos

deixados pelos hóspedes nos quartos, enquanto estão ausentes, tentando através

desses objetos recriar seus hábitos e personalidades.

10 Extraído do periódico Comunications 13, 1969. 11 Nascida em Paris no dia 9 de outubro de 1953.

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Figura 14 - O hotel, quarto 30, 24 mar. 1983, Sophie Calle. Impressões em gelatina e prata, edição 3/4, 2 painéis, 104 x 145 cm cada (emoldurados). Museu Solomon R. Guggenheim, Nova York.

Fonte: Guggenheim (Home Page). Disponível em: <https://www.guggenheim.org/artwork/10438>. Acesso em: 18 dez. 2018.

No quarto 30 (imagem acima), Sophie Calle narra a história de um homem

que reserva esse quarto para apenas uma noite. A camisola de seda disposta na

cadeira sem indicações de uso, apenas uma cama fora usada, fotografias de uma

mulher loira sozinha e com esse homem, um comprovante de reserva do mesmo

quarto na mesma data anos antes, são alguns dos elementos que conduzem a

construção da personagem de tal forma que o leitor consegue imaginar esse sujeito

e até certo ponto identificar seus hábitos e sua personalidade. Os objetos

fotografados pela artista, que motivam sua escrita, são objetos biográficos, pois

carregam mensagens sobre o seu possuidor. A maneira como os hóspedes ocupam

os quartos do hotel também é um aspecto revelador sobre eles. O caráter biográfico

dos objetos, assim como o modo que foram deixados fomentam o imaginário. Calle

descreve as pessoas e seus hábitos através do real e do imaginado. A fotografia

possui caráter documental e é capaz de representar épocas diferentes, no entanto

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as fotos feitas por ela extrapolam essa característica típica, pois os objetos

fotografados trazem consigo atributos dos seus donos. No trecho do artigo Entre a

memória e o esquecimento: o realismo da obra de Sophie Calle, Ronaldo Entler

discorre sobre essa questão mostrando como isso é importante para a obra da

artista francesa:

O interesse que podemos ter por essas imagens distantes é diferente daquele que move um cientista, que tentará entender, geralmente através de modelos que sobrevivem na imagem, o modo de vida de uma época, o vestuário, o gesto, a família, o trabalho, a hierarquia das relações etc. Falamos de um interesse particular pela realidade, não diretamente a nossa, mas a do outro. Sendo inapreensível, suas faltas transformam-se facilmente em abertura para que o imaginário complete e dê sentido aos fragmentos deixados pela realidade. (ENTLER, 2005, p. 1)

Portanto, é essa maneira de construir narratividades, presente na obra de

Calle que me interessa. No capítulo seguinte relato como esse processo acontece

na produção em dois de meus trabalhos.

Capítulo V - Reconhecendo o meu fazer poético

Como afirmei anteriormente, esta investigação foi motivada pela relação com

minha avó paterna e seus pertences. Lembranças, fotografias e alguns objetos de

família são elementos que constituem minha poética.

O primeiro contato com a caixa de fotografias da vovó Dorothy foi o que

despertou o interesse em compreender como as memórias de família se faziam

presentes na minha produção. Ver aquelas fotografias antigas foi como me

transportar para o passado, elas me encantaram pois emanavam a essência da

minha família que herdei através das memórias. Ao aprofundar as leituras sobre os

fatores que constituem e influenciam a nossa memória percebi o quão importante foi

crescer com as minhas avós paternas (bisa Isabel e avó Dorothy) e como as dádivas

recebidas nesses anos de convivência estão presentes no meu processo criativo

desde a escolha das imagens, as interferências, as diferentes montagens até a obra

pronta. Ecléa Bosi descreve o significado das relações e da convivência com os

velhos para o indivíduo:

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Há dimensões da aculturação que, sem os velhos, a educação dos adultos não alcança plenamente: o reviver do que se perdeu, de histórias, tradições, o reviver dos que já partiram e participaram então de nossas conversas e esperanças; enfim, o poder que os velhos têm de tornar presentes na família os que se ausentaram, pois deles ainda, ficou alguma coisa em nosso hábito de sorrir, de andar. Não se deixam para trás essas coisas, como desnecessárias. Essa força, essa vontade de revivescência, arranca do que passou seu caráter transitório, faz com que entre de modo constitutivo no presente. (BOSI, 1998, p. 74)

Ao reviver as memórias que antes pensava ser apenas das pessoas

presentes nas imagens ou daqueles a quem os objetos pertenceram realizo um

movimento que mistura passado e presente, realidade e imaginação e, assim como

no excerto acima, transformo aquilo que passou em elemento revivido no presente.

A doença e a morte da minha avó paterna contribuíram para ampliar o meu olhar

para as questões existentes em meu trabalho, ficando claro que as memórias

presentes nas fotos, objetos e nas conversas eram herdadas (POLLAK, 1992) da

minha avó que herdou dos seus pais, avós e assim por diante. Sendo assim, as

narratividades construídas com essas recordações contam a história da minha

família e, por conseguinte, a minha.

***

Durante o desenvolvimento da minha pesquisa, desde o Projeto Experimental

I e II (disciplinas de conclusão da graduação) até o mestrado, Rastros e Rio são dois

trabalhos nos quais as questões expostas acima se fazem presentes. No decorrer

desta investigação, a tese de doutorado da artista Cláudia França12 contribuiu para

um olhar mais atento às relações que compõem o meu processo criativo. Em seu

texto França traz reflexões sobre as possibilidades de autorrepresentação, foi dessa

maneira que me atentei para as diferentes formas de autorreferências existentes em

meus trabalhos. Conhecer o significado etimológico da palavra autorretrato

possibilitou a expansão do campo desse gênero da representação. O prefixo auto a

define, logo pode-se dizer que o termo se refere a uma imagem do seu próprio autor,

uma leitura duplicada de si. Cláudia, em sua tese, afirma que muitos artistas usam

12 GOZZER, Cláudia Maria França Silva. Deslizamentos e desnudamentos do sujeito, ao ritmo de sístoles e diástoles do tempo: análise processual de objetos autorrepresentacionais. 2010. 362 p. Tese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes, Campinas- SP.

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esse prefixo nos títulos das suas obras como uma afirmação da sua individualidade.

Em meus trabalhos não uso esse prefixo nos títulos, é através das memórias de

família presentes nas fotografias e objetos, do coletivo (família) que afirmo o sujeito

(eu).

Rastros (2015) é uma instalação composta de fragmentos de tecido de

algodão cru sobre os quais foram impressas imagens usando frotage e cianotipia. O

processo criativo teve início com as visitas às caixas de fotografias da vovó Dorothy.

O critério usado para a escolha das imagens a princípio foi a afinidade com as

cenas. As expressões dos rostos daquelas pessoas, das quais muitas não conheci;

as roupas de época; uma viagem para praia; a cor esmaecida e o apagamento da

imagem por conta do tempo são alguns exemplos de elementos que influenciaram a

predileção por certas fotos. Também existem determinados detalhes desses retratos

que podemos chamar de punctum (BARTHES, 1984), objetos, vestimentas, a

postura das pessoas, suas feições, trazem certa carga de acaso no momento do

disparo. Para ilustrar esse conceito destaco a fotografia do meu avô materno (figura

15), ocupando o centro da imagem, está Álvaro com uma postura elegante sobre o

cavalo, olhando firmemente para frente. Já fotografia dos meus avós paternos (figura

19), o punctum se faz presente na majestosa renda do vestido de noiva da vovó

Dorothy que parece tomar a sala onde o casal posou para a foto.

Além das imagens retiradas das caixas da vovó Dorothy usei algumas

fotografias antigas da minha avó materna e realizei registros gráficos (frotages) e

fotográficos das minhas avós e de suas casas e pertences. Essa decisão foi tomada

antes de Dorothy adoecer, com a evolução da sua doença passei a fazer mais

imagens da vovó Geraldina e sua casa.

Ao todo usei, em Rastros, 66 fotografias que foram manipuladas em um

software para edição de imagens. Alguns ajustes de contraste para produzir os

fotogramas (negativos) foram necessários para obter bons resultados na cianotipia.

Devido à presença de cianeto na composição química do cianotipo (emulsão) a cor

das imagens é azul. Uma das razões pela qual optei por esse processo foi a

possibilidade de realizar fotomontagens no momento da impressão. Além disso,

outro aspecto que está relacionado a ele é o efeito visual único de cada imagem

criada, em uma mesma fotografia é possível criar áreas de maior e menor nitidez,

isso acontece por dois motivos: primeiro, por conta da sobreposição dos fotogramas

no ato da impressão e segundo, pelos diferentes tons de azul, resultantes do acaso

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proporcionado por um processo manual. Abaixo seguem algumas das imagens

usadas no processo criativo:

Figura 15 - Fotografias antigas, digitalizadas do arquivo da vovó Geraldina.

Fonte: acervo da autora.

Figura 16 - Fotografias da casa da vovó Geraldina.

Fonte: fotografias da autora, 2015.

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Figura 17 - Fotografias da casa da vovó Geraldina.

Fonte: fotografias da autora, 2015.

Figura 18 - Fotos digitalizadas do arquivo da vovó Dorothy.

Fonte: acervo da autora.

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Figura 19 - Fotos digitalizadas do arquivo da vovó Dorothy.

Fonte: acervo da autora.

Figura 20 – Fotos digitalizadas do arquivo da vovó Dorothy.

Fonte: acervo da autora.

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Figura 21 – Fotos digitalizadas do arquivo da vovó Dorothy.

Fonte: acervo da autora.

Figura 22 – Fotos digitalizadas do arquivo da vovó Dorothy.

Fonte: acervo da autora.

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Figura 23 - Fotografias da casa da vovó Dorothy.

Fonte: fotografias da autora, 2015.

A outra parte dessa instalação é composta de desenhos de azulejos e pisos,

coletados através da frotage com o giz de cera azul. A ideia de recolher as marcas

das casas das minhas avós surgiu durante uma dessas reuniões de família na casa

da vovó Geraldina. Estava na sala de sua casa quando uma prima mais nova sentou

no chão com um papel e um giz de cera e começou a fazer frotage do piso. Naquele

instante compreendi a relação e as aproximações entre a cianotipia e a frotage:

ambas produzem imagens por meia de uma marca.

O tecido de algodão cru foi escolhido como suporte para a cianotipia e frotage

depois de experimentar diferentes possibilidades. E foi a maneira como a

materialidade desse material interage com as imagens, o amarrotado que reforça,

em algumas impressões, o caráter de vestígio, importante para essa escolha. O

formato do pano é subordinado ao acaso no ato de rasgá-lo, assim são criados

fragmentos que possuem uma individualidade por serem produzidos manualmente.

As partes de tecido são unidas com alfinetes.

Rastros então é uma instalação composta de cianotipia e frotage sobre

fragmentos de tecido de algodão cru unidos com alfinetes. Ela possui quatro faixas

principais que delimitam a montagem das outras, sobrepondo-se. A largura e o

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comprimento do trabalho também são aspectos que podem variar de acordo com o

espaço ocupado para exposição. A relação estabelecida entre os diferentes tons de

azul e branco, o tamanho dos pedaços de tecido, a escolha do alfinete para unir as

imagens e o espaço para a instalação são elementos que compõem a poética nesse

trabalho e contribuem para a construção de uma narratividade.

Figura 24 - Rastros, instalação composta de cianotipias e frotages sobre tecido de algodão cru; exposição coletiva Galeria Naday, Campinas-SP, 2015.

Fonte: fotografia de Marília Sucena.

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Após apresentar Rastros podemos refletir sobre como as memórias de família

e a autorrepresentação constituem a narratividade dessa obra. As relações

cromáticas existentes entre o azul e o branco fazem parte da constituição da

linguagem visual e para compreendê-las foi importante conhecer como a cultura

ocidental, de maneira geral, caracteriza simbolicamente essas duas cores. Sendo

assim, autores como Luciano Guimarães, Eva Heller, Michel Pastoureau e

Kandinsky ajudaram nesta reflexão.

No livro A cor como informação: a construção biofísica, linguística e cultural

da simbologia das cores (2004) Luciano Guimarães trata justamente dos aspectos

que fazem das cores elementos constitutivos da sintaxe da linguagem visual e como

a cultura influencia nisso. Segundo o autor uma definição da ideia de cor, que

abrange todas as áreas de sua aplicação, trata-a como uma sensação percebida

pelos nossos olhos e decodificada pelo nosso cérebro. Ele discorre sobre as funções

expressiva, de significar e de informação que a cor assume, todas influenciadas por

aspectos culturais.

Ao se pensar no poder de expressão da cor, Guimarães cita o livro Do

espiritual na arte de Wassily Kandinsky (2000), nesse livro o pintor fala da cor e suas

aplicações na arte e especificamente na pintura. Kandinksy afirma que as

percepções que temos das cores são construídas por meio das experiências

adquiridas ao longo de nossas vidas, logo elas podem sofrer mudanças e variações

por conta do tempo e/ou aspectos culturais:

Quanto mais cultivado é o espirito sobre o qual ela se exerce, mais profunda é a emoção que essa ação elementar provoca na alma. Ela é reforçada, nesse caso, por uma segunda ação psíquica. A cor provoca, portanto, uma vibração psíquica. E seu efeito físico superficial é apenas, em suma, o caminho que lhe serve para atingir a alma. Se essa segunda ação é realmente uma ação direta, conforme é licito supor pelo que se acaba de expor, ou se, pelo contrário, só é obtida por associação, é difícil definir. Estando a alma estritamente ligado ao corpo, uma emoção qualquer sempre pode, por associação, provocar nele outra que lhe corresponda. Por exemplo, como a chama é vermelha, o vermelho pode desencadear uma vibração interior semelhante à da chama. (KANDINSKSY, 2000, p. 66-67)

No entanto o pintor exprime que essa concepção da cor nem sempre pode

ser definida pela associação pois existem outros aspectos que a influenciam. Ele se

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refere aos outros sentidos, uma vez que os olhos estão estritamente ligados a eles e

reforça a influência e a importância das experiências de cada indivíduo.

A fim de somar essas ideias do que seja a cor, apresentadas acima, com as

definições simbólicas do azul e branco fundamento-me nos livros Psicologia das

cores (2007) de Eva Heller e Azul: história de uma cor (2016) de Michel Pastoureu.

Os dados apresentados por Eva Heller foram coletados na Alemanha, sendo

assim não podemos tomá-los como universais. No entanto, considerando que se

trata de um país europeu e que esse continente foi por muito tempo referência

cultural para muitos outros povos, por conta do seu caráter colonizador, esse

levantamento pode representar uma das leituras simbólicas que Ocidente faz das

cores.

De acordo com os dados apresentados pela autora, o azul é a cor que mais

tem adeptos. E os sentimentos geralmente associados a essa cor são o de

fidelidade, harmonia, simpatia, frio, distante, infinito e espiritual. Porém

historicamente o azul foi uma cor que durante muito tempo não teve um papel de

destaque. No entanto esse cenário muda, como Pastoureu relata em seu livro:

Depois do ano 1000 e sobretudo a partir do século XII, o azul deixa de ser no ocidente a cor de segundo plano ou pouco valorizada que havia sido durante a Antiguidade Romana e a Alta Idade Média. Bem pelo contrário, torna-se rapidamente uma cor da moda, uma cor aristocrática e mesmo já, segundo alguns autores, a mais bela das cores. Em apenas algumas décadas, o seu estatuto muda e o seu valor econômico decuplica, a sua popularidade no vestuário acentua-se e ele acaba por ganhar um lugar preponderante na produção artística. Esta surpreendente e súbita promoção resulta de uma reorganização total da hierarquia das cores nos códigos sociais, nos sistemas de pensamento e nos modos de sentir. (PASTOUREU, 2016, p. 53)

A associação do azul com o espiritual e com o feminino foi construída pela

Igreja Católica, ao usá-la na representação da Virgem Maria. Por também ser a cor

do céu, o azul representa o divino, o eterno como afirma Heller. A ideia do azul

como cor do distante, do infinito, se dá por uma ilusão da percepção do espaço.

Segundo Heller por convenção, uma cor parecerá mais próxima quanto mais quente

ela for e mais distante quanto mais fria. No entanto, muito mais do que um

simbolismo determinado por uma norma, essa sensação está diretamente

relacionada a maneira como percebemos o mundo. Um exemplo disso é a maneira

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como nos referimos ao planeta Terra, o Planeta Azul, isso porque visto do espaço,

por causa da quantidade de água, a sensação percebida pela visão do homem é a

cor azul, o que determina outra associação simbólica dessa cor.

Já a cor branca, de maneira geral, é relacionada a sentimentos como começo,

ressureição, luto e o feminino. A associação dessa cor com as ideias de começo e

ressureição também estão diretamente ligadas ao cristianismo, na história da

criação do mundo, segunda a Bíblia, o inicio de tudo era branco. Ao criar o mundo a

primeira coisa que Deus ordenou foi que se fizesse a luz. Um mito cristão que

representa muito bem essa simbologia de começo e ressureição relacionadas a cor

branca é a Páscoa (Cristo vestindo uma túnica branca ressuscita).

Na cultura oriental o branco como cor de luto é uma alegoria da morte, da

ausência de um ente querido. O uso de roupas brancas durante um período de luto

também se relaciona com a ideia religiosa de reencarnação, uma vez que essa não

vê a morte como o fim da vida, mas como o final de um ciclo e início de outro.

A partir dessas simbologias do azul e do branco retorno ao meu trabalho com

um olhar carregado dessas leituras. As associações da cor azul ao infinito, espiritual

e divino e da cor branca ao começo, ressureição e luto, são pertinentes para

interpretar os elementos que formam a poética nesses trabalhos.

Como disse no início desta dissertação, o interesse por questões como a

memória, por exemplo, e a instalação Rastros, surgiu depois das visitas recorrentes

às caixas de fotografias que pertenceram a minha avó paterna. Além disso, aspectos

referentes à relação que tive com ela devem ser retomados para refletir sobre a cor,

o formato do suporte, os alfinetes e a maneira como ocupo o espaço expositivo com

essa instalação.

Moramos juntas desde que eu tinha quatro anos de idade, ela era minha

madrinha de batismo e, também, fazíamos aniversário no mesmo dia e mês. No

entanto nossa relação era mais profunda, dos três netos sempre fui a mais próxima

dela. Outro ponto relevante para essa análise é o ano de criação desse trabalho,

Rastros foi feita no ano de 2015, no segundo semestre desse mesmo ano vovó

adoeceu e a minha vida se dividiu em dois: ateliê e hospital. Por mais que as

imagens que compõem esse trabalho não sejam apenas da minha avó paterna, a

grande maioria veio das suas caixas de fotografias. O passado dela foi a inspiração,

o ponto de partida para que eu pudesse construir a minha versão da história. Por

essa razão aspectos como infinito, divino, espiritual, começo e luto são significados

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simbólicos associados às cores presentes nesta obra e que se relacionam com a

poética.

Retomando algumas características visuais, destaco que a oscilação entre um

tom de azul muito saturado e outro mais luminoso é recorrente na instalação

Rastros. Pelo fato de a técnica fotográfica ser manual, o acaso interfere no

resultado. Às vezes, em um mesmo fragmento, o azul é bem intenso e aos poucos

se dissolve ficando claro, transformando-se em matiz de branco que se confunde

com a cor do tecido. 13

Figura 25 – Rastros (detalhe)

Fonte: fotografia de Marília Sucena, 2015.

Essas nuances do azul também estão presentes nas frotages. Ao coletar as

marcas das paredes e pisos precisei exercer uma força com o giz sobre o tecido e

essa variação na pressão, no momento de fricção, produziu diferentes tons de azul

que trazem junto essa sensação de relevo proporcionada pela técnica. As variações

tonais do azul intenso que vai clareando até chegar no branco é uma associação

alegórica ao ciclo da vida segundo a crença da reencarnação.

13 Na produção de Rastros fiz a maioria das impressões com a luz do sol, portanto os diferentes tons de azul e branco devem-se ao tempo de exposição e ao horário do dia.

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O branco que na cianotipia representa as partes de mais luz da imagem/foto

ou também a emulsão que não foi sensibilizada o suficiente e que sai quase toda

durante o processo de lavagem para fixação da imagem no suporte, e que na

frotage é a cor do tecido, de um âmbito mais amplo a maneira como ele aparece

entre os tons de azul, um respiro visual, na montagem da instalação no discurso que

surge o branco que se assemelha a uma pausa, mas não a ideia de interrupção, de

um movimento.

Para pensar melhor sobre esse conceito, recorri a um elemento da cultura

japonesa que se refere ao tempo, espaço e ao tempo-espaço denominado ma. Foi

na dissertação de mestrado de Rafael Tadashi Miyashiro (2009) sobre caligrafia

japonesa que encontrei algumas informações sobre esse tema. Segundo o autor,

uma das definições de ma refere-se a ele como um espaço ou tempo que se localiza

entre um movimento e outro, mas, não se trata simplesmente de um espaço vazio e

sim de um tempo-espaço que pode ser usado nas artes. Essa ideia se relaciona

muito bem com o espaço-tempo que existe entre um ciclo e outro e do vai e vem da

vida, da existência de algo além do que aqui vivenciamos. Logo, o branco pode

representar uma transição de uma vida para outra e que também pode ser uma

associação ao luto que não deixa de fazer parte do processo de mudança (o

acostumar-se com a ausência).

Sendo assim como essa dualidade entre o azul e o branco contribui para a

construção de uma narratividade em Rastros? Essa instalação é formada pelas

relações entre o passado, representado pelas fotografias de época, e o presente,

pelo meu olhar através das frotages e fotografias. Nela resgato as memórias

coletivas da minha família que me são transferidas ao longo da vida, como dádivas,

compondo dessa forma a minha memória. Portanto depois de conhecer alguns dos

significados do azul e do branco e compreender quais são os elementos que fazem

parte do desenvolvimento de um processo criativo autorreferente, essas cores

simbolizam a vida e sua estrita relação com a ideia de ciclo. O azul é a cor do infinito

e eterno; o branco está associado ao conceito de fim, começo e pausa. Essas

relações acontecem nas fotomontagens, por meio de características como a nitidez

e os vestígios presentes muitas vezes em uma mesma imagem. Nessas

composições mesclo as cenas e as figuras de épocas diferentes representadas nas

fotografias, subvertendo a distância física e o tempo, juntando fragmentos de vidas e

construindo uma nova história. O formato do suporte e a maneira como a instalação

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é montada fortalece essa questão. Ao escolher alfinetes para unir os fragmentos de

tecido, que simbolizam pedaços da linha da vida, eles fazem referência ao destino

que de certa forma determina os acontecimentos e relações que estabeleceremos

durante nossa existência, no entanto a possibilidade de criar diferentes composições

simboliza as diversas escolhas que fazemos durante a vida.

Além disso a imagem etérea obtida por meio da fotomontagem dos

fotogramas, durante a impressão por meio da cianotipia também é um elemento

reforçado por essa relação entre o azul e o branco conferindo a algumas fotos um

caráter espiritual.

O conceito de habitar estabelece relações entre a maneira como esse

trabalho ocupa o espaço e a cor azul. A autorreferência em Rastros acontece

através da apropriação das recordações que tenho das minhas avós por meio das

imagens antigas e das fotografias de suas casas e objetos. Ao ocupar esse

tempo/espaço na minha memória ancestral, a ação de habitar possibilita o

movimento de voltar-se para si. Direciono-me para o outro quando ocupo o espaço

expositivo com a instalação Rastros, verticalmente, do teto ao chão, habito

novamente. Esse habitar também possui uma mobilidade assim como os pedaços

de tecido, pois a obra se adapta ao lugar onde será instalada. Ao comparar a

primeira vez que Rastros foi montada, figura 23, e a última composição realizada na

exposição coletiva Como habitar o desenho14, na galeria da Universidade Federal

Fluminense em Niterói-RJ (2018), conformam-se resultados visuais diferentes.

Variando entre uma linha vertical mais delgada e comprida e outra mais larga e

curta, os fragmentos de tecido parecem formar o despencar de uma queda d’água,

de memórias, e os diferentes tons de azul e branco contribuem para essa

associação com a água.

***

O levantamento de referências artísticas foi importante para avançar na

compreensão do meu processo criativo. Aos buscar por artistas visuais brasileiros

14 Exposição coletiva realizada pelo grupo de pesquisas Estratégias Expositivas do Desenho em Arte Contemporânea, vinculado ao Instituto de Artes da UNICAMP (Campinas-SP) e coordenado pela prof.ª dr.ª Lúcia Fonseca. A coletiva ocorreu de 10 de maio a 10 de junho de 2018, com curadoria da

prof.ª e dr.ª Cláudia França.

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com uma produção artística que trabalhasse conceitos como: memória,

autorreferência e autorrepresentação me deparei com Cláudia França, Rosângela

Rennó e Rosana Paulino.

A autorreferência nas obras de Cláudia é trabalhada de maneira subjetiva, ou

seja, o espectador não identifica de imediato as relações entre obra e sua autora.

Para ilustrar essa questão, selecionei um de seus trabalhos, que me faz lembrar da

minha bisavó Isabel, pois trata-se de um baralho.

Figura 26 - Isso sou eu?, baralho de 360 cartas de 8 x 12 cm, Cláudia França 2008.

Fonte: foto de autoria de Alessandro Toloszcko. Instituto de Artes/Galeria. Disponível em: <https://www.iar.unicamp.br/galeria/claudiafranca/index.htm>. Acesso em: 18 dez. 2018.

Cada carta possui escrita uma frase que tem relação direta com a artista.

França conta, em sua tese, que pediu a pessoas conhecidas que escrevessem

sobre alguma recordação que tivessem dela. Em Isso sou eu? ela utilizou frases que

foram coletadas para um outro trabalho que ainda está em processo, denominado

Atributo. As frases não foram elaboradas por ela, mas fornecidas por pessoas que a

conhecem, que tem algum vínculo com a artista. Segundo a artista o critério usado

para selecionar essas pessoas foi a facilidade de comunicação. Com

aproximadamente duzentas pessoas, ela enviou o convite, com um pedido que

consistia em:

Você se lembra de mim? Ao lembrar-se de mim, como é essa imagem que lhe vem à mente? Poderia lembrar-se, nesta imagem, se porto algum objeto? Ou então, se há algum hábito ou

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característica física relacionada diretamente a minha imagem? Ou ainda: o que a (o) faria lembrar-se de mim? (GOZZER, 2010, p. 293)

Os participantes deveriam enviar-lhe um texto de cinco linhas, que

constituísse uma imagem/lembrança. Porém Cláudia relata que as respostas

recebidas excederam a proposta, dessa forma surgiu a ideia de usá-las em outro

trabalho. O caráter impessoal se faz presente em Isso sou eu?, pois a artista editou

as frases, trocando todos os sujeitos pelo vocábulo “eu”, dessa maneira ela omite

qualquer informação que possa informar quem são as pessoas envolvidas naquela

sentença. Ao universalizar o sujeito ela possibilita que haja uma identificação entre o

eu/espectador e o eu das frases. As orações descrevem ações cotidianas e o

formato escolhido, o baralho, gera uma leitura mais diversificada, sendo estes

também aspectos que possibilitam o reconhecimento do espectador com as

ações/situações descritas.

Reconheço esse modo não convencional de autorrepresentação, presente

neste trabalho de Cláudia França, na minha poética. Mesmo usando fotografias de

família procuro meios de conferir certo caráter universal aos retratos e às cenas

representadas. Exemplo disso é um baralho com 68 cartas (figura 12, p. 27) no qual

utilizei retratos de família de meio corpo. Assim como França escolhi esse formato,

um jogo de cartas, pois possibilita a construção de diferentes narratividades e

potencializa a impessoalidade que é proporcionada pelos papéis assumidos (rei,

rainha e valete) pelas pessoas das fotos. Em um jogo de cartomancia eles são a

representação da pessoa que procura a cartomante. Mesmo escolhendo trabalhar

com retratos de familiares, não deixo de construir uma imagem autorreferente. No

entanto essa imagem não é claramente uma referência a mim, o que viabiliza a

relação de identificação entre o espectador com o trabalho.

Rosângela Rennó e Rosana Paulino também utilizam a fotografia como

linguagem poética. As imagens usadas pelas artistas trazem figuras de estranhos ou

não, mas a maneira como são trabalhadas confere-lhes caráter coletivo,

representando situações que qualquer pessoa pode ter vivido, o que inclui elas

próprias.

Num primeiro momento de sua produção, Rennó trabalha com a diluição de

retratos de família, semelhantes àqueles das caixas de fotografia da vovó Dorothy.

As poses tradicionais sofrem interferências técnicas de maneira que perdem a

nitidez, isso descaracteriza as imagens, de modo que não conseguimos identificar

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as pessoas ali representadas. Essa dificuldade de reconhecer mostra-nos que

Rosângela transforma as pessoas daqueles retratos em símbolos, tipos de

indivíduos e é esse elemento do seu trabalho que relaciono com o meu processo

criativo, o retrato de um indivíduo que representa qualquer pessoa. Em Puzzles

[mulher e homem] (1991), a artista utiliza fotografias 3x4 usadas em documentos de

identidade e as amplia, transformando-as em um quebra-cabeça. Ao propor um jogo

no qual as peças que formam a fotografia possuem mobilidade, o caráter universal

se faz presente nas diversas possibilidades de montagem. Essa fragmentação do

todo para construir diferentes imagens está na instalação Rastros, em que os

pedaços de tecido são unidos com alfinetes, material que viabiliza o movimento e

composições diversas.

Figura 27 - Puzzles [mulher e homem], Rosângela Rennó, 1991; provas fotográficas em papel com gelatina e sais de prata, vidro acrílico, parafusos, eucatex e madeira. 54 x 68 x 2,5 cm cada quebra-cabeça.

Fonte: Rosângela Rennó (Home Page). Disponível em: <http://rosangelarenno.com.br/>. Acesso em: 18 dez 2018.

O trabalho de Rosana Paulino caminha nesse mesmo sentido, explorando

essa característica universal da imagem. Em Bastidores (PAULINO, 1997 apud

2011), a artista transfere retratos de mulheres negras para o tecido e borda/costura

seus olhos e bocas. Paulino representa com estas imagens as mulheres negras ou

não que sofrem ou sofreram qualquer tipo de violência.

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Figura 28 - Batisdores, Rosana Paulino, 1997; imagem transferida sobre tecido, bastidor e linha de costura; 30 cm de diâmetro.

Fonte: Extraído da tese de doutorado Imagens de Sombras (2011).

Depois de conhecer os trabalhos dessas artistas brasileiras e das artistas

portuguesa e francesa, Helena Almeida e Sophie Calle, avanço na investigação.

Explorando a universalidade da imagem, da fotografia, busco outras possibilidades

autorreferentes. A convite de uma amiga realizei uma intervenção de lambe-lambes

chamada Rio15, em parte de seu ateliê em Piracicaba, o espaço passava por

reforma, não tinha teto e algumas paredes estavam sem tinta, com o tijolo aparente.

Nesse trabalho deixei de lado o arquivo de família e usei fotos de minha autoria do

rio Piracicaba durante a seca severa do ano de 2014. Também me apropriei de um

arquivo de fotos antigas do rio Piracicaba e das imediações da Rua do Porto,

disponível para download no site do Instituto Geográfico e Histórico da cidade.

Construí um arquivo de aproximadamente 40 fotografias, tratei-as em um

software de edição de imagens, ajustando o contraste e transformando-as em

fotogramas (negativos), para posteriormente fazer cianotipia. Como em Rastros,

produzi fotomontagens, porém nesse trabalho usei o papel jornal A3 como suporte e

em parte das impressões realizei o que chamamos de viragem que consiste em

clarear o azul (desbotar) usando água sanitária e depois tingir com café.

15 Não foi possível fazer uma imagem geral do trabalho devido às condições do espaço.

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Figura 29 - Rio, instalação composta de cianotipia sobre papel jornal (detalhe, obra em processo).

Fonte: fotografia da autora, 2016.

Figura 30 - Rio, instalação composta de cianotipia sobre papel jornal (detalhe, obra em processo).

Fonte: fotografia da autora, 2016.

Figura 31 - Rio, instalação composta de cianotipia sobre papel jornal (detalhe, obra finalizada).

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Fonte: fotografia da autora, 2016.

Em Rio as cores também carregam significados simbólicos, as nuances de

azul, branco e marrom juntamente com as imagens do rio Piracicaba e a montagem

linear caracterizam e compõem a narratividade. O habitar é outro elemento que,

junto com os citados acima, constrói essa história que acontece quando aproprio-me

das memórias desse rio e ocupo o ateliê próximo de suas margens com uma

intervenção, respirando os seus odores que se misturam com os da cidade, cuja

proposta é perecer com o tempo e ocupar o espaço/memória daquele lugar e das

pessoas que vivenciam a instalação. Refletindo sobre as cores, os tons de marrom

representam o rio em dias de chuva, quando sua terra emerge das profundezas e o

tinge. O branco é uma alusão à espuma em épocas de cheia. O azul pode-se referir

a imensidão de suas águas que engole as ruas que o circundam nos períodos

chuvosos; os matizes de azul que se aproximam do preto remetem as suas rochas

que se mostram nas secas.

Considero que houve um avanço na compreensão dos elementos que

constituem uma poética autorreferencial com esse trabalho. Nessa intervenção o

caráter universal da imagem e sua impessoalidade são mais explorados. Em Rastros

já existe uma reflexão sobre essas questões, contudo a autorreferência assume

caráter mais explícito pelo fato de a grande maioria das imagens usadas

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pertencerem ao arquivo de família, aspecto que começa a ser tensionado quando

incorporo a esse grupo de imagens registros gráficos e fotográficos feitos por mim.

Já na intervenção Rio, além das fotografias do arquivo do Instituto Geográfico e

Histórico, também usei fotografias que eu mesma havia feito. As cenas

representadas nas imagens não são do ambiente ou cotidiano familiar, esse aspecto

as torna mais impessoal, porém elas carregam a memória coletiva da cidade ligada

ao rio Piracicaba e a região da Rua do Porto, lugar que visitei muitas vezes quando

criança com minhas avós.

Figura 32 - Rio, instalação de lambe-lambe de cianotipia com viragem de café (detalhe).

Fonte: fotografia da autora, 2016.

Considerações Finais

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A partir da reflexão sobre as instalações, Rastros e Rio, ao longo desta

pesquisa acadêmica, chego a compreensão dos elementos fundamentais que

compõem a minha poética.

Os aspectos constituintes da memória individual, a relação entre avó e neta e

a importância dos pertences da vovó Dorothy, conduziram o caminho percorrido

durante essa investigação. Um dos guias nesse percurso foi o conceito de dádiva

que fundamentou a reflexão sobre o papel, na minha poética visual, dos objetos

ganhados e encontrados. Ao tomar como parâmetro que toda dádiva deve ser

passada para frente, preservando assim o seu sentido, posso dizer que sua

experiência de vida, suas lembranças e alguns de seus pertences me foram doados,

ao longo dos anos que passamos juntas. E a partir do momento em que passei a

enxergar os presentes que vovó me deixou, como dádivas, entendi a maneira como

o habitar acontece no meu processo criativo. Habito nossa ancestralidade por meio

das memórias da vovó Dorothy.

Portanto são nas minúcias da produção artística que o habitar realiza-se: na

seleção e edição das fotografias e na busca da minha versão dessas recordações,

lugares e objetos através dos registros gráficos e fotográficos. Já o amadurecimento

destas dádivas ocorre nas fotomontagens e montagem dos fragmentos de tecido

com alfinetes que possibilita a criação de diferentes narratividades. A transformação

e o habitar se completam com a primeira montagem de Rastros, na exposição

coletiva na galeria Naday, quando as nuances de azul e branco agregam seus

significados simbólicos à instalação e assim completam a história contada por

aquelas imagens. E na intervenção Rio, em Piracicaba, com os lambe-lambes nas

paredes expostas ao tempo e aos ares do rio.

A identificação dos objetos-afetivos como objetos biográficos (MORIN, 1969),

pois eles envelheceram com ela, carregam vestígios de sua vida e são capazes de

contar quem foi Dorothy. Ao adquirir essa percepção foi possível construir a reflexão

sobre Rastros e o ato de escrever sobre esses objetos e a carta. Assim como a

artista Sophie Calle, o tensionamento entre real e ficcional, presente e ausente, me

interessam. Ao revisitar as recordações que tenho dos objetos-afetivos acesso um

campo de informações sobre os meus ancestrais que se mistura com as lembranças

das histórias que ouvia quando mais nova. Tudo isso fez parte da formação da

minha memória e individualidade. No entanto existe um fator da memória que

ampara a fantasia no meu processo criativo, nem sempre guardamos tudo aquilo

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que nos é transferido, pois a memória também é seletiva, por razões diversas

podemos não memorizar certos acontecimentos. E é nesse espaço que não foi

preenchido com fatos que a minha imaginação ocupa.

É através dessa dualidade que escrevo para vovó Dorothy, não fantasio ao

lhe contar sobre a influência da nossa relação na minha investigação, porém

imagino sua presença durante o ato da escrita. Eric Landowski expõe como a

distância entre remetente e destinatário é importante:

Em particular, a partir do momento em que a distância real entre correspondentes se encontra sentida afetivamente como uma ausência, nada exclui que ela venha logo a fazer as vezes, por si só, de conteúdo tópico principal das mensagens que vão ser trocadas: como se, enunciando-a e tematizando-a, a escrita pudesse preencher esse vazio que a motiva. (LANDOWSKI, 2002, p. 168)

Essa apropriação da separação entre nós como fundamento do texto epistolar

só é possível por que existiu uma relação real anteriormente, sem essa intimidade

seria impossível criar essa copresença.

Ao longo dos estudos deparei-me com o termo autorreferente, que abarca o

conceito de autorrepresentação de maneira mais ampla e universal, percebendo

assim que a autorreferência em meus trabalhos acontece através das relações

afetivas com objetos e imagens que por meio da memória coletiva/ancestral

carregam informações sobre mim.

Na intervenção Rio, esse conceito é explorado por meio da impessoalidade

das imagens. Compreendi que a memória coletiva e individual são aspectos

importantes na construção de um trabalho autorreferente e que os elementos

usados nele não precisam pertencer a categoria da intimidade familiar.

A reflexão realizada em torno dessas duas obras foi significativa para

compreensão da minha poética visual. Considero que o despertar para os elementos

formadores do meu fazer artístico, a partir de Rastros e Rio, fecha um ciclo, porém

faz com que outro comece a despontar no horizonte. Como a dádiva é recíproca,

sempre retornando ao seu ponto inicial, o retorno à caixa de fotografias da vovó

Dorothy inicia um novo ciclo.

A princípio posso dizer que os tensionamentos entre realidade e imaginação,

presença e ausência são aspectos que conduzem com mais força essa nova fase.

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Nesses trabalhos realizo diversas experimentações com a goma bicromatada16 e a

cianotipia para reprodução das imagens; os suportes escolhidos foram o papel e o

tecido. A fotomontagem também é a técnica para criar as imagens em alguns

momentos, porém aqui exploro outras maneiras de interferências nessas fotografias,

através do recorte e cola, do desenho com o bordado e com a pedra de anil. Nas

imagens abaixo apresento algumas dessas experiências.

Figura 33 - s/título, cianotipia sobre tecido de algodão e desenho com anil.

Fonte: fotografia da autora, 2017.

16 Os papéis de goma bicromatada, que deviam ser artesanalmente produzidos pelo próprio fotógrafo, eram recobertos por uma camada de goma bicromatada - composta pela mistura de goma arábica e de dicromato de potássio - na qual podiam ser adicionados pigmentos de qualquer cor a escolha do fotógrafo. (GOMA Bicromatada. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2018. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo3872/goma-bicromatada>. Acesso em: 29 nov. 2018. Verbete da Enciclopédia.

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Figura 34 - s/ título, cianotipia sobre tecido de algodão e desenho com anil.

Fonte: fotografia da autora, 2017.

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