lana regina cordeiro de oliveira -...

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Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências Sociais e Educação Programa de Pós-Graduação em Educação Linha de Pesquisa: Saberes Culturais e Educação na Amazônia Lana Regina Cordeiro de Oliveira Saberes e processos educativos na comercialização da farinha de mandioca na Feira do Agricultor de Mãe do Rio - Pará Belém PA 2012

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Universidade do Estado do Pará

Centro de Ciências Sociais e Educação

Programa de Pós-Graduação em Educação

Linha de Pesquisa: Saberes Culturais e Educação na Amazônia

Lana Regina Cordeiro de Oliveira

Saberes e processos educativos na comercialização

da farinha de mandioca na Feira do Agricultor de Mãe

do Rio - Pará

Belém – PA

2012

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 1

Lana Regina Cordeiro de Oliveira

Saberes e processos educativos na comercialização

da farinha de mandioca na Feira do Agricultor de Mãe

do Rio - Pará

Belém – PA

2012

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 2

Dados Internacionais de catalogação na publicação

Biblioteca do Centro de Ciências Sociais e Educação da UEPA

Oliveira, Lana Regina Cordeiro de

Saberes e processos educativos na comercialização da farinha de mandioca na

Feira do Agricultor de Mãe do Rio - Pará. / Lana Regina Cordeiro de Oliveira. Belém,

2012.

Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade do Estado do Pará, Belém,

2012.

Orientação de: Denise de Souza Simões Rodrigues.

1.Educação popular 2. Cultura popular 3. Educação comunitária 4. Farinha de

mandioca I. Rodrigues, Denise de Souza Simões (Orientador) II. Título.

CDD: 21 ed.

370.115

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 3

Lana Regina Cordeiro de Oliveira

Saberes e processos educativos na comercialização da farinha de

mandioca na Feira do Agricultor de Mãe do Rio - Pará

Dissertação apresentada como requisito para obtenção do título de Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação, Centro de Ciências Sociais e Educação da Universidade do Estado do Pará. Linha de Pesquisa: Saberes Culturais e Educação na Amazônia. Orientadora: Profª. Drª. Denise de Souza Simões Rodrigues.

Belém – PA

2012

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 4

Lana Regina Cordeiro de Oliveira

Saberes e processos educativos na comercialização da farinha de

mandioca na Feira do Agricultor de Mãe do Rio - Pará

Dissertação apresentada como requisito para obtenção do título de Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação, Centro de Ciências Sociais e Educação da Universidade do Estado do Pará. Linha de Pesquisa: Saberes Culturais e Educação na Amazônia. Orientadora: Profª. Drª. Denise de Souza Simões Rodrigues.

Examinado em 31/08/2012. BANCA EXAMINADORA ____________________________________________________________ Profª. Drª. Denise de Souza Simões Rodrigues – Orientadora - UEPA Doutora em Sociologia _____________________________________________________________ Profª.Drª. Franciane Gama Lacerda – (Examinadora externa) - UFPA Doutora em História Social ____________________________________________________________ Profª. Drª. Nazaré Cristina Carvalho – (Examinadora interna) - UEPA Doutora em Educação Física

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Aos meus pais Julio e Lenita,

representação de Deus em minha vida.

Que Ele nos una e nos abençoe

a todo momento.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, mestre do amor, da caridade, da esperança e da paz, obrigada pela

oportunidade em vivenciar ensinamentos cristãos, que me possibilitaram um

repensar naquilo que idealizo e digo.

A minha família, fiel escudeira, pelo pouco tempo dispensado à vocês

durante a busca pelos saberes contidos nesta pesquisa.

A Ana Cristina Lima da Costa, amiga de fé, pela oportunidade de

aprendermos a todo instante uma com a outra, pois o nosso limite sempre foi o

respeito. Obrigada pelos cuidados para comigo, pois Deus sempre me contempla

com amizades verdadeiras, de “anjos” que representam o equilíbrio em minha vida.

A Cirlene do Socorro Silva da Silva, pela parceria firmada e amizade trilhada

nesses dois anos. Obrigada pelos momentos de orientação, aprendizagem,

descontração, e, principalmente por encontrar em suas atitudes, aquilo que muitas

pessoas têm dificuldade de vivenciar: a humildade. Obrigada amiga e irmã

camarada.

A minha orientadora Profª. Drª. Denise de Souza Simões Rodrigues

agradeço com felicidade não só pelo fato de ser mais uma orientanda, mas porque

tive o privilégio de aprender com quem realmente gosta de ensinar e compreende as

dificuldades das pessoas que a rodeiam, acolhendo-as e orientando-as. Obrigada

por sua parceria!

Aos entrevistados José Tiburcio Vieira, Antonio dos Santos Vieira, Antonia

Borges Sampaio, Maria Raimunda Lopes Vieira, Luiz Gonzaga Moreira, Maria do

Céu dos Santos Lima, Nino Lima da Paixão, João do Carmo Araújo e Francisco das

Chagas Santos, agradeço pela boa vontade em participar da construção dessa

dissertação que servirá de instrumento do conhecimento.

Aos docentes do Mestrado em Educação da Universidade do Estado do

Pará, por me fazerem sentir mais amazônida do que sou.

Pelo investimento financeiro a mim destinado pela CAPES, em forma de

bolsa de estudo.

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A vida cotidiana é, em grande medida, heterogênea; e isso sob

vários aspectos, sobretudo no que refere ao conteúdo e à

significação ou importância de nossos tipos de atividades. São

partes orgânicas da vida cotidiana: a organização do trabalho e

da vida privada, os lazeres e o descanso, a atividade social

sistematizada, o intercâmbio e a purificação.

Agnes Heller, 2008.

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 8

RESUMO

OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização da farinha de mandioca na Feira do Agricultor de Mãe do Rio - Pará. 2012. f. 150. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade do Estado do Pará, Belém, 2012.

Esta pesquisa teve como propósito, investigar a educação num espaço não escolar, pondo em evidencia o conhecimento popular, até então, não reconhecido cientificamente, mas que representa os saberes, os fazeres e os dizeres de homens e mulheres, caracterizando sua inclusão na Linha de Pesquisa Saberes Culturais e Educação na Amazônia, a partir do seguinte problema: Como os saberes e processos educativos são construídos e socializados na comercialização da farinha de mandioca pelos feirantes de Mãe do Rio? A pesquisa teve como objetivo geral analisar como a educação está inserida na construção dos saberes cotidianos dos feirantes vendedores da farinha de mandioca. O lócus da pesquisa foi a Feira do Agricultor, no município de Mãe do Rio – Pará, localizada na mesorregião do nordeste paraense. Os sujeitos da pesquisa foram 09 pessoas assim definidas: 05 agricultores/feirantes, 02 agricultores, 01 professora, 01 comerciante. O percurso metodológico foi caracterizado pela abordagem qualitativa com ênfase na fenomenologia, bem como da utilização da teoria etnometodológica, com levantamento bibliográfico, documental e de campo. As técnicas de pesquisa utilizadas se basearam numa amostragem não probabilística; entrevista semiestruturada e observação sistemática. As técnicas de análise utilizadas foram a de discurso. Foi constatada a existência de saberes e processos educativos construídos ao longo do tempo, no cotidiano dos feirantes e repassados coletivamente pela oralidade, os quais denomino de Educação Matemática, Educação para Comercialização, Educação Ética e Educação Política, estes constituídos por outras formas estruturantes de conhecimento como: o saber coletivo, saber da memória, saber do cuidar, saber moral, saber da compreensão e da interpretação, que por sua vez influenciam a relação entre educação e trabalho e trabalho mental e condicionamento físico. Palavras-chave: Educação. Saberes. Cultura. Feira. Farinha de Mandioca.

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 9

ABSTRACT

OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Knowledge and educational processes in the sale of cassava flour in Farmers’ Market the Mãe do Rio - Pará. 2012. f. 150. Thesis (Master’s in Education) – State University of Pará, Belém, 2012.

The purpose of this study was to investigate education in a non-school space, illuminating an area of popular knowledge hitherto not recognized by science, but which represents the knowledge, actions and sayings of women and men. This places such an area of knowledge within the Line of Research in Cultural Knowledge and Education in the Amazon, through statement of the following problem: How are the knowledge and educational processes constructed and socialized in the commercialization of cassava flour by sellers in Mãe do Rio? The general objective of the research was to analyze how education is inserted in the construction of daily knowledge among sellers of cassava flour at an open-air market. The locus for the research was the Farmer’s Market (Feira do Agricultor), in the municipality of Mãe do Rio – Pará, located in the northeaster meso-region of the State of Pará. The subjects for the study were 09 persons defined as follows: 05 farmers/sellers, 02 farmers, 01 teacher, and 01 merchant. The methodological process followed was characterized by a qualitative approach with an emphasis on phenomenology, as well as use of the ethnomethodological theory, with bibliographical, documentary and field surveys. The research techniques employed were: delimitation by non-probabilistic sampling; collection by means of semi-structured interviews and observation systemic. The techniques employed for analysis were those of discourse. Knowledge and educational processes constructed over time were found, which are present in the daily lives of persons active in the market and passed on collectively through orality. I have called these Mathematical Education, Education for Selling, Ethical Education and Political Education. These are constituted by other forms for structuring knowledge, such as: collective knowledge, knowledge from memory, knowledge for care, moral knowledge, knowledge for understanding and for interpretation, which for their part influence the relation between education and work and mental work and physical conditioning. Keywords: Education. Knowledge. Culture. Open-air Market. Cassava Flour.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Fig. 01 Farinha de mandioca sendo feita em forno de uma casa de farinha............................................................................................

14

Fig. 02 Feira Medieval................................................................................

20

Fig. 03 Ilustração feita sobre Planta da cidade do Pará de 1771.............. 26

Fig. 04 Cassacos trabalhando na abertura da Rodovia Belém – Brasília, no final da década de 50................................................................

29

Fig. 05 Vista parcial feira na vila do km 48, no inicio da década de 60.....

30

Fig. 06 Mapa de localização do município de Mãe do Rio.........................

31

Fig. 07 Vista parcial da cidade de Mãe do Rio.........................................

31

Fig. 08 Vista parcial do Galpão do Agricultor, local de realização da feira................................................................................................

35

Fig. 09 Vista parcial da Feira do Agricultor realizada na rua Bernardo Pereira de Oliveira, na vila do km 48, na década de 80...............

36

Fig. 10 Obra – O selvagem de Couto de Magalhães, representando o nascimento de Mani.......................................................................

38

Fig. 11 Mandioca........................................................................................

39

Fig. 12 Plantação de mandioca na área rural de Mãe do Rio......................

40

Fig. 13 Vista parcial do galpão do agricultor local de realização da feira...............................................................................................

42

Fig. 14 Pontos comerciais em torno da Feira do Agricultor de Mãe do Rio...............................................................................................

43

Fig. 15 Ponto comercial atacadista de farinha de mandioca, próximo a Feira do Agricultor de Mãe do Rio.............................................

44

Fig. 16 Veículos que transportam a farinha para a Feira do Agricultor........................................................................................

44

Fig. 17 Interior do veículo com sacos de farinha para a comercialização na Feira do Agricultor de Mãe do Rio........................................

45

Fig. 18 Feira do Agricultor de Mãe do Rio.............................................

58

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Fig. 19 Maria Raimunda Lopes Vieira.......................................................

59

Fig. 20 Maria do Céu dos Santos Lima...................................................... 61

Fig. 21 José Tibúrcio Vieira........................................................................

63

Fig. 22 Francisco das Chagas Santos.......................................................

65

Fig. 23 Antonio dos Santos Vieira.............................................................

68

Fig. 24 Antonia Borges Sampaio...............................................................

75

Fig. 25 Nino Lima da Paixão......................................................................

76

Fig. 26 Vista parcial do Galpão do Agricultor.............................................

78

Fig. 27 Luiz Gonzaga Moreira.......... .........................................................

81

Fig. 28 João do Carmo Araújo................................................................

82

Fig. 29 Relações de convivência de homens e mulheres na Feira do Agricultor de Mãe do Rio................................................................

98

Fig. 30 Estivadores que trabalham na Feira do Agricultor.........................

103

Fig. 31 Pesagem das sacas de farinha......................................................

106

Fig. 32 Farinha pesada e embalada em sacos de 30 kg...........................

106

Fig. 33 Antonio Soares Vieira e José Tibúrcio Vieira (pai e filho)...............

107

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 Caracterização identitária dos entrevistados como sujeitos da

informação por local de origem..........................................................

54

Gráfico 2 Caracterização identitária dos entrevistados como sujeitos da informação por idade........................................................................

54

Gráfico 3 Caracterização identitária dos entrevistados como sujeitos da informação por sexo.........................................................................

55

Gráfico 4 Caracterização identitária dos entrevistados como sujeitos da informação por profissão..................................................................

55

Gráfico 5 Condições socioeconômicas dos entrevistados – grau de escolaridade.....................................................................................

56

Gráfico 6 Condições socioeconômicas dos entrevistados – renda mensal e religião.....................................................................................

56

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO......................................................................................................... 14

PARTE I................................................................................................................... 20

Seção 1 - Breve panorama histórico sobre a origem e desenvolvimento das

feiras de produtos.................................................................................................

20

1.1. Notícias históricas, sociais e econômicas sobre o município de Mãe do

Rio/PA......................................................................................................................

28

1.2. Breve contextualização sobre as origens da farinha de mandioca................... 37

Seção 2 – Trilhas Metodológicas.......................................................................... 46

PARTE II.................................................................................................................. 58

Capítulo 3 – A vida que pulsa e educa na Feira do Agricultor.......................... 58

3.1. Cultura e Cultura Amazônica: um diálogo necessário...................................... 58

3.2. Identidade e Cultura Amazônica: reconhecimento pela educação................... 73

3.3. Movimentos Sociais e a Formação da Feira do Agricultor: uma educação

coletiva.....................................................................................................................

84

3.4. “A feira é um Instrumento da Educação”.......................................................... 98

3.5. Educação e os Saberes Construídos e Socializados na Comercialização da

Farinha de Mandioca...............................................................................................

108

3.6. “Uma Educação de Berço”: o retorno para a comunidade............................. 126

Considerações Finais............................................................................................ 135

Referências............................................................................................................. 138

Apêndices............................................................................................................... 144

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 14

INTRODUÇÃO

Ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na igreja ou na escola, de um modo ou de muitos, todos nós envolvemos pedaços da vida com ela: para aprender, para ensinar, para aprender-e-ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou para conviver, todos os dias misturamos a vida com a educação (BRANDÃO, 2007, p. 8).

Fig. 01 – A farinha de mandioca sendo feita em forno de uma casa de farinha. Fonte: Arquivo da pesquisadora, 2011.

As motivações que me levaram a escolher este objeto de estudo tiveram

origem durante a realização de uma pesquisa de campo em abril de 2008, com a

finalidade de produzir dados que dessem conta da história do município de Mãe do

Rio. Durante essa pesquisa foi possível constatar que em todas as comunidades

rurais a produção de farinha de mandioca fazia parte do cotidiano do pequeno

agricultor, que retirava dessa produção, o consumo familiar e/ou a comercializava na

Feira do Agricultor. A referida pesquisa proporcionou a escrita da obra: Memórias de

Mãe do Rio: outras histórias, de minha autoria e de Elizanete de Souza Paixão, que

se constituiu em uma das fontes de dados utilizadas nesta dissertação.

A partir de então, passei a acreditar no potencial da farinha de mandioca

(Fig.. 01), não só como base alimentar, mas como um meio econômico que acredito

deva ser valorizado levando em consideração seu valor educativo, passado de

geração a geração, principalmente pelos habitantes da Região Amazônica, pois é

algo que os representa, assim como fazem os habitantes de outras regiões, quando

reconhecem suas produções, sejam elas econômicas e/ou culturais. Enfim, tentam

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 15

manter a tradição de seus costumes, em algo material e simbólico, como afirma

Thompson (1995, p. 41) “o costume como posterior a algo, mas como sui generis:

ambiência, mentalité, um vocabulário completo de discurso, de legitimação e de

expectativa”.

Porém, a realidade dessas comunidades reflete a crescente dificuldade de

se plantar, produzir e comercializar não só os produtos da mandioca, pois de acordo

com alguns trabalhadores rurais, a atividade agrícola vem sofrendo decréscimo, sob

a alegação de terras não férteis e a insuficiente de participação dos jovens na

produção agrícola. Isso vem provocando o êxodo rural, que a princípio pode ser a

solução de um problema local, mas que futuramente poderá comprometer sua

autossuficiência enquanto produtor, tornando-o dependente do mercado externo

(SILVA, 2011, p. 76; PAIXÃO; OLIVEIRA, 2009, p. 107).

Motivada por esses estudos e com a minha inserção no Programa de Pós

Graduação – Mestrado em Educação da Universidade do Estado do Pará (UEPA),

na Linha Saberes Culturais e Educação na Amazônia, percebi a oportunidade de

retomar os trabalhos de pesquisa, propondo-me a investigar o universo da Feira do

Agricultor da cidade de Mãe do Rio/PA, a partir da realidade que trata da educação

na comercialização da farinha de mandioca. Desse modo, comungo das concepções

de Freire (1996, p. 32) ao afirmar que “pesquiso para constatar, constatando,

intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não

conheço e comunicar ou enunciar a novidade”. Nessa perspectiva, tentei construir

uma pesquisa que evidenciasse a educação em espaço não escolar, ambiente a

meu ver que possibilita a troca de ideias e de comunicação, considerando que a

sabedoria popular tem sua importância, e, que pode estar articulada ao

conhecimento científico.

Loureiro (2009, p. 208) informa que “na Amazônia um vasto conhecimento

tradicional sobre a natureza tem sido desvalorizado porque a ciência e a tecnologia

foram eleitas como saberes superiores aos demais”. Porém, a presente pesquisa

defende a ideia de que a feira é um espaço ou cenário, onde são construídos

múltiplos saberes populares, que, se dinamizados, orientam as práticas sociais dos

feirantes vendedores de farinha, podendo ser dessa forma compreendida como

espaço de ordem educativo e cultural.

Como afirma Brandão (2002, p. 141):

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Toda a cultura humana é um fruto direto do trabalho da educação [...]. Pois somos, seres humanos, o que aprendemos na e da cultura de quem somos e de que participamos. Algo que cerca e enreda e vai da língua que falamos ao amor que praticamos, e da comida que comemos à filosofia de vida com que atribuímos sentidos ao mundo, à fala, ao amor, à comida, ao saber, à educação e a nós próprios.

Assim, na perspectiva de construir esta pesquisa, optei por apropriar-me de

alguns estudos que versam sobre a raiz de mandioca e os produtos que dela se

originam para dar um alicerce teórico ao estudo desenvolvido. De forma

diferenciada, a dissertação intitulada: Casas de Farinha: espaço de convivências,

saberes e práticas educativas, de autoria de Cirlene do Socorro Silva da Silva,

defendida em 2011 no Programa de Pós Graduação em Educação/UEPA, identificou

e analisou como os saberes e práticas educativas são construídos e reconstruídos

nas casas de farinha, tendo adotado como área de pesquisa a Comunidade Santo

Antonio do Peripindeua, localizada no município de Mãe do Rio/PA.

Essa pesquisa foi definida como qualitativa, e ancorou-se nas concepções

dialéticas, identificando a produção de farinha de mandioca como um processo de

saber fazer educação e cultura, através da manutenção dos costumes e tradições

vivenciados pelos sujeitos por meio da oralidade, nas casas de farinha que foram

nomeadas a partir das relações dinamizadas de: Familiar Tradicional, Mutirão e

Comunitária. Esses saberes colocados a margem da academia foram cartografados

e analisados, levando em consideração as relações de (con)vivência do coletivo

campesino, reproduzidas nas condições materiais de existência, simbolizando a

relação histórica de homens e mulheres das casas de farinha do espaço amazônico.

Além dessa dissertação, foi consultada a obra Beberagens Indígenas e

Processos Educativos na Amazônia Colonial (2010), que identificou os saberes e

práticas educativas a partir da produção de bebidas fermentadas, com o uso da raiz

de mandioca pelos índios Tupinambá, de autoria da Profª Drª Maria Betânia Barbosa

Albuquerque, que exerce a docência no Programa de Pós-graduação em Educação

– Mestrado – UEPA, bem como a dissertação de Alexandre Vinícius Campos

Damasceno, intitulada A cultura da produção de farinha: um estudo da

matemática nos saberes dessa tradição (2005), defendida no Programa de Pós-

Graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, cuja pesquisa foi

desenvolvida no Estado do Amapá, que discute os saberes matemáticos construídos

durante a produção de farinha de mandioca.

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Os estudos elencados têm como referencial em comum, a matéria prima

mandioca, assim como identificar e analisar os saberes culturalmente produzidos em

diferentes tempos e espaços que se materializam em várias práticas sociais. Ao

consultar esses trabalhos, me apropriei de conhecimentos significativos para

compreensão dos saberes e práticas educativas socializadas na comercialização da

farinha de mandioca. Valorizar a educação nos espaços não formais é acreditar no

potencial daqueles que estão fora da academia e que produzem meios de promover

a educação, seja se apropriando das ideias, da linguagem, dos símbolos criados e

recriados cotidianamente, e como afirma Castoriadis (1982, p. 142) “tudo o que se

nos apresenta, no mundo social-histórico, está indissociavelmente entrelaçado com

o simbólico”.

O reconhecimento da interface entre o conhecimento científico e

conhecimento popular tende a legitimar-se, como propulsor de paradigmas

educativos. Nas análises de Brandão (2007, p. 14), a sociedade está estruturada em

códigos sociais de inter-relação entre seus membros e entre os de outra sociedade.

Estão imersos em costumes, princípios, regras de modos de ser estabelecidos em

leis escritas ou não, de forma a agir sobre a vida e o crescimento da sociedade,

tanto no sentido de suas forças produtivas como no desenvolvimento de seus

valores culturais.

Durante minhas idas à Feira do Agricultor desenvolvi meu “olhar” de

freguesa, mas também de educadora, pois estive atenta às movimentações comuns

de negociação neste espaço de trocas culturais de diferentes formas de

comunicação e de usos de linguagens, uma vez que, de acordo com Castoriadis

(1982, p. 142) “encontramos primeiro o simbólico, é claro, na linguagem”.

Essa relação favorece a comercialização dos produtos na feira, e a

dinamização das práticas educativas, pois para Brandão (2007 p. 10) “a educação

pode existir livre e, entre todos, pode ser uma das maneiras em que as pessoas

criam para tornar comum, como saber, como idéia, como crença aquilo que é

comunitário como bem, como trabalho ou como vida”.

Portanto, conhecer a feira como espaço de múltiplos saberes foi um desafio

diante da diversidade de perguntas e respostas representadas pelos sujeitos no

contexto da feira, que não se encontram todas escritas. Elas estão presentes no

cotidiano, em que a negociação é o objetivo maior, mas implicitamente reúne

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conceitos e práticas educativas por constituírem o imaginário coletivo. Na

perspectiva de Rocha Pitta (2005, p. 15):

O imaginário, [...] pode ser considerado como a essência do espírito, à medida que o ato de criação (tanto artístico, como o de tornar algo significativo), é o impulso oriundo do ser (individual ou coletivo) completo (corpo, alma, sentimentos, sensibilidade, emoções...) é a raiz de tudo aquilo que para o homem existe (PITTA, 2005, p. 15).

O imaginário está ligado ao trabalho, à relação do sonhar, as ações de criar

e cuidar daquilo que faz parte das ações desses sujeitos, assumindo uma função

educativa silenciosa, no entrelaçamento entre comercialização e educação. E, se

ocorre esta junção é sinal de que a cultura emerge a partir das vivências e de

métodos, procedem das relações sociais construídas cotidianamente (LOUREIRO,

1995, p. 53).

Para Brandão (2002, p. 26) “educar é criar cenários, cenas e situações em

que elas e eles, pessoas, símbolos sociais e significados da vida e do destino

possam ser criados, recriados, negociados e transformados”, isso ocorre quando o

homem faz uso da sabedoria, se permite dividir com os demais, se apropria das

relações sociais construídas, das ideias concretizadas, sejam em ambientes formais

de educação ou em feiras, pois,

é no interior da totalidade e da diferença de situações através das quais o trabalho e as trocas de frutos do trabalho garantem a sobrevivência, convivência e a transcendência, que, no interior de uma vida coletiva anterior à escola, mas plena de educação, os homens entre si se ensinam-e-aprendem ( BRANDÃO, 2006, p. 22).

Para uma análise consistente dos saberes e práticas educativas construídas

pelos feirantes vendedores de farinha de mandioca, divido essa dissertação em

duas partes. Na I parte, seção 1, reporto-me a alguns contextos nos quais elas se

desenvolveram: europeu, amazônico e mãeriense, para tanto, descrevo os

momentos históricos que possibilitaram o surgimento desses eventos/espaços

sociais, econômicos, culturais, educativos ou religiosos.

Na seção 2, apresento as trilhas metodológicas desenvolvidas nos diferentes

percursos e etapas da pesquisa com o objetivo de verificar como a educação está

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inserida na construção dos saberes e nos processos que a estruturam seguindo uma

organização definida pelas teorias.

Na II parte, seção 3, analiso a vida que pulsa educa na feira do agricultor,

desde os movimentos que antecedem seu surgimento, como os saberes construídos

e socializados pelos feirantes, bem com a interface entre eles.

Ao final, apresento minhas considerações a respeito dos momentos

históricos identificados no decorrer da realização da pesquisa de campo,

evidenciando os saberes materializados na comercialização da farinha de mandioca,

as dúvidas quanto à continuação da comercialização desse produto, bem como

outras perspectivas de estudo.

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PARTE I

SEÇÃO 1 - Breve panorama histórico sobre a origem e desenvolvimento das

feiras de produtos.

De acordo com Rau (1982, p. 33) com o Renascimento Comercial Europeu,

as feiras passaram a representar um elo de comunicação entre o campo, vilas,

burgos, cidade, de modo a promover a permuta dos produtos, o movimento de

pessoas, os diálogos contínuos de produtores e consumidores. Representavam o

agrupamento comercial necessário para sua existência, esta, dificultada pelo

excesso de correspondências, pela ausência de segurança, bem como a cobrança

de peagens1.

Loyn (1997, p. 349) afirma que na Idade Antiga e Média, as feiras como

mostra a figura 02, a princípio configuravam-se como espaços populares

incorporados tradicionalmente às relações de trabalho, onde os mercadores se

reuniam para trocar, vender e comprar produtos e às práticas religiosas, pois as

feiras eram realizadas em dias santos, caracterizando também uma forma de

passeio, lazer.

Fig. 02 – Feira medieval. Fonte: LOYN, 1997.

1 Imposto cobrado ao atravessar de um lado para o outro da ponte (RAU, 1982).

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Etimologicamente a expressão feira é proveniente do termo latino feriae, que

quer dizer dia santo ou feriado e que por sua vez também deu origem aos termos

feira, feria e fair, que são de origem portuguesa, espanhola e inglesa

respectivamente.

Por atingir status como fenômeno internacional, as feiras foram se

expandindo, o que nos remete à origem das feiras em Portugal, importando afirmar

que estas, não evoluíram da mesma forma como as demais feiras europeias por

questões geográficas (RAU, 1982, pp. 38, 39). Portugal, na condição de nação que

colonizou o espaço brasileiro é a fonte primária do sistema do qual se originaram

nossas feiras de produtos.

Para esse autor, as feiras que mais se sobressaíram foram as localizadas na

costa portuguesa, pois mantinham relações comerciais estreitas com o “hinterland

luso-leonês ou luso-castelhano”. Essas feiras dispunham de pequenas áreas de

domínio territorial para abastecimento, a circulação econômica destas era restrita

pelo fato de representar-se somente como área de consumo e não como área de

produção e de tráfego terrestre. A inserção das feiras em Portugal não aconteceu

como em outros locais, pois o comércio europeu centralizava suas atividades no

Mediterrâneo e no Mar do Norte, dando preferência às rotas marítimas (RAU, 1982,

pp. 38-39).

Portugal evoluiu economicamente a partir do comércio marítimo, passando a

exercer atividade mercantil de grandes proporções, obtendo prestígio internacional,

o que lhe permitiu desenvolver a escala de navegações através do Atlântico.

O que não impediu a multiplicação das feiras nos pontos considerados de

concentração de tráfego terrestre, estas, favorecidas pelas comunicações efetuadas

e pelas condições de segurança. Como algumas vilas ficavam fora dos centros

abastecedores, foram criadas feiras nestes locais para dar acesso às produções de

outras vilas, permitindo a fundação de feiras afastadas (RAU, 1982, p. 39).

Ainda para esse teórico (1982, p. 40), mesmo contribuindo com o

desenvolvimento de vilas ou cidades, as feiras por apresentarem atividades não

contínuas, ocasionaram por facilitar o surgimento do comércio permanente, uma

história econômica mais evoluída, favorecida por relações econômicas

internacionais como o surgimento das bolsas, em função do declínio das feiras.

Assim:

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As feiras não foram só grandes centros de tráfico de mercadorias, foram também os locais onde se desenvolveram e aperfeiçoaram a complicada engrenagem do crédito, quer na sua forma comercial quer na sua forma bancária. Foram elas que lançaram os homens num caminho contínuo que os levou às grandes revoluções e às grandes concepções econômicas do mundo moderno (RAU, 1982, p. 39).

Reporto-me novamente às feiras, porém, dando enfoque a outro aspecto

inerente a elas além do econômico, o jurídico, um de contato periódico e o outro

exigindo uma organização especial que pudesse garantir o crescimento comercial,

através de normas e estatutos que favorecessem sua existência de acordo com a

autoridade pública (RAU, 1982, p. 41).

Por conta dessa jurisdição, toda e qualquer atitude que fosse de encontro ao

que regia o estatuto das feiras, era considerada como violação à “paz da feira”,

estas representadas por símbolos que eram erguidos do início ao fim das reuniões

mercantis, sendo a cruz, a mais utilizada. Todos que delas participavam eram

protegidos desde a viagem de ida e de volta, sob as ordens do senhor territorial, o

“conductus”, bem como da guarda que garantia o policiamento e a fiscalização, os

denominados custodes nundinarum (RAU, 1982, p. 42).

Para Rau (1982), outros símbolos podiam ser utilizados como: “um ramo de

arbusto, um escudo encarnado ou branco, uma bandeira, um chapéu, uma espada”

[...]. Ainda para a autora “a cruz do mercado não tinha nenhum significado religioso,

indicava apenas a jurisdição vigente no local onde se erguia. Inicialmente cruz do

mercado, em seguida, cruz da cidade, <<ela é o símbolo externo da proteção

concedida ao primeiro e logo à cidade>>”.

Proteção concedida, de acordo com Rau (1982, p. 43, 44) a todos os

feirantes durante o período de “paz da feira”, onde não poderia haver prisões e nem

perseguições por delitos ocorridos fora dela, pois “Quer nas mãos dos reis, dos

abades, ou dos grandes senhores, as feiras eram uma fonte de rendimento que

convinha proteger eficazmente”. A legislação de Portugal com relação às feiras era

idêntica a de Leão e Castela, como consta nos escritos encontrados sobre a feira de

Ponte de Lima (1125), considerada a mais antiga, sendo citada em várias

chancelarias reais, chegando a ter no ano de 1379 uma feira real.

Os lucros oriundos das feiras, muitas vezes ultrapassavam a arrecadação

dos impostos dos burgos ou o valor total ou parcial do patrimônio dos senhores, isso

dependendo das estações do ano. As feiras recebiam a denominação de feiras frias,

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realizadas no outono e inverno e as feiras quentes, realizadas na primavera e no

verão (RAU, 1982, p. 44).

A “paz da feira” era proclamada através de cartas portuguesas e aparecem

nos escritos dos séculos XIII e XIV. Esses documentos retratam a importância de se

preservar e proteger as feiras e Rau (1982, p. 44) cita alguns dos termos utilizados:

<<quebrar a feira>>, <<ficar por inimigo del-rei>>, <<pagar os encoutos del-rei>>.

Isto se confirma nas cartas de Brabo de 1315 e de Prado de 1307 e estendiam-se

também aos mercados locais citados por Rau: <<que esse conçelho de borua faça

logo apregoaren en como an a dita feira no dito tempo de guisa que seia sabuda e

pobricada por toda a terra>>, e <<mando a todalas Justiças a que esta minha carta

mostrarem que a ffaçam leer e pobricar en sseos Julgados>>.

As feiras também se apresentavam como via de mão dupla, pois ao mesmo

tempo em que eram dados privilégios para quem delas participassem, também havia

a obrigatoriedade através das cartas em que os moradores só podiam vender seus

produtos na feira local, e, se nada tivessem para vender também teriam que lá

comparecer. Essas medidas favoreciam o poder público “porque as feiras eram

como já vimos uma fonte de receita para o fisco, pelos vários impostos que sobre

elas incidiam” (RAU, 1982, p. 46).

Os privilégios dados não garantiam o não pagamento de portagens ou

outros direitos à coroa, contidos nas cartas régias, muito pelo contrário, os feirantes

também tinham que pagar os impostos referentes ao aluguel de lojas, licença para

aqueles que vendiam seus produtos em bancas ou barracas, efetuarem pagamento

da dízima, que era o imposto sobre a décima parte, bem como o pagamento da sisa,

um tributo temporário que se impunha ao povo, concedido aos reis para arcar com

despesas de guerra. Quanto a esses problemas de cunho econômico, Rau (1982, p.

47) afirma que,

esses entraves fiscais dificultavam grandemente o comércio interno e prejudicavam até o desenvolvimento económico dos concelhos. Por isso vemos a pressão constante exercida por estes através da primeira dinastia, e mesmo depois, para obterem do soberano a franquia da sua feira. Mas esta pressão era dispersa e incoerente porque era ditada por interesses que o particularismo municipal alheava do conjunto da economia nacional (RAU, 1982, p. 47).

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Assim como em períodos posteriores, havia o favorecimento aos feirantes,

com o não pagamento de impostos, caracterizando as denominadas Feiras Francas,

criadas no final do século XIII. Estas surgiram devido ao baixo índice populacional,

pela iniciativa em impulsionar o desenvolvimento de vilas em declínio social e

econômico ou de favorecer o crescimento de vilas que prosperavam (RAU, 1982, p.

47). Isso se confirma na carta de D. João I, concedida em 1413 para realização da

Feira Franca no Mosteiro da Batalha:

<<E por que tal cousa como esta nom se paga nas outras feiras francas e por que são franqueadas por que nom ham em ellas de pagar portagem>>[...]<<mandamos uos que nom leuedes nem consentades leuar portagem nenhua aaquelles que e dicta feira forem uender alguas cousas porque nossa mercee e uontade e de a nom pagarem pois as nom pagam em as outras feiras franqueadas>> (RAU,1982, p.48).

Até o final do século XIV as feiras eram realizadas na maioria das vezes em

locais intramuros, ou seja, em praças, em castelos, nas cercas ou num espaço

dentro do povoado. Ao final desse mesmo século, passaram a ser realizadas nos

arredores dos castelos, facilitando a saída da população para além dos muros,

atraídas para esses lugares abertos, provocando providências reais como o não

pagamento da sisa para aqueles que saíssem das cercas, para fora dos castelos

(RAU, 1982, p. 48).

A princípio era prerrogativa dos reis a instituição de feiras e mercados, e,

posteriormente por príncipes e senhores territoriais na Idade Média. Portugal seguia

o modelo adotado por Leão e Castella nos séculos IX e XIII, em que o poder de

concessão cabia aos reis, assim percebe-se nos escritos forais <<que, mesmo em

terras de senhorio, é o monarca que as autoriza>> sem, no entanto, diminuir o status

de “Senhor das Feiras”. Sobre as concessões, Rau (1982, p. 52) pondera que,

em Portugal, a concessão de feiras não foi um elemento de desintegração política ou social, não favoreceu a dissolução progressiva das prerrogativas do poder real. Parece-me, pelo contrário ser um factor que contribuiu para manter intangível a autoridade da coroa.

Além da importância econômica e jurídica, as feiras constituíam-se como

ponto de partida de socialização, em que momentos de vivências eram retratados

nas reuniões de mercadores, fregueses, religiosos, poder real e senhorial. Todos

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envolvidos num processo de troca contínua de informações. A comunicação escrita,

nesses momentos não satisfazia a necessidade de expressar a curiosidade em

tomar conhecimento dos episódios ou eventos de terras distantes. Eram momentos

culturais marcados pela diversidade de pessoas, que de acordo com as afirmativas

de Rau (1982, p. 53) confirmam-se as influências dos mercadores na arte não só de

negociar produtos, pois,

era nelas que o comerciante vindo de longe contava as histórias maravilhosas ou terrificantes das suas aventuras em países longínquos, o que vira e ouvira pelas sete partidas do mundo. Companheiro do peregrino e do jogral, percorrendo com eles as estradas que conduziam a Santiago de Compostela, a Roma, ao Oriente, através dos desfiladeiros dos Pirenéus ou dos Alpes, o mercador levava presos a si farrapos preciosos, de lendas, de idéias e de formas, colhidas nas suas longas deambulações. Com os seus fardos de mercadorias, ele transportava também os cantares da sua terra, o inesgotável manancial da poesia popular, as suas preocupações, as suas misérias e as suas astúcias (RAU,1982, p.53).

A religião também tirava proveito das feiras porque nelas se encontrava os

aromas de incenso, mirra e aloés, utilizados nos ritos da igreja, os tecidos de seda e

pedras preciosas, os tapetes que ornamentavam os templos. Os feirantes

contribuíram para a construção dos mosteiros medievais, bem como para garantir o

luxo dos senhores territoriais. A relação fortemente firmada entre igreja e feira vai

além do consumo de produtos, mas configurava-se também nas articulações

políticas de realizar feiras nos burgos, em dias de comemoração aos santos. Daí a

relação romaria e feira, profano e religioso vistos até hoje, pois mesmo naquela

época era comum “as tabernas, os bailes, as folias, os jogos de azar e outras mais

ou menos lícitas, mas que eram consentidas com a finalidade de atrair feirantes”

(RAU, 1982, p. 55).

Mas, ao mesmo tempo em que tinham uma finalidade econômica explícita,

as feiras garantiam implicitamente que pessoas pudessem se reunir, se

confraternizar, elaborar conceitos de convivências, inventando interesses a serem

partilhados coletivamente, de representar artisticamente suas aptidões. Essa

influência das feiras na história de Portugal, segundo Rau é retratada no jornal O

Liberal (Viseu) em 17 de junho de 1857 que continha o seguinte texto:

<<Francisco Ferreira dos Santos Júnior com loja de livros e encadernador na Rua da Senhora da Piedade tenciona fazer a feira de S. João da cidade da Guarda, assim como a de S. Bartholomeu de Trancozo,

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aonde levará um bello sortimento de Livros, e Musicas para pianno no gosto moderno; pastas, e carteiras; que venderá por preços commodos>> (RAU, 1982, p. 55).

Portanto, graças às movimentações das feiras, que o gosto pelas atividades

artísticas, econômicas e culturais se expandiram, passando a constituir um mosaico

de significados sociais e culturais com o incremento das vilas e construção de

estradas e até mesmo chafarizes (RAU, 1982, p. 55).

Lima (2008, p. 37) citando (MOREIRA, 1989, pp. 13-17) afirma que Portugal,

para expandir seu domínio econômico, agenciou um procedimento inteligente de

ocupação e penetração da Amazônia com a fundação de Belém em 1616, esta,

considerada como a maior conquista nesse período, e que viria a tornar-se o maior

entreposto comercial regional, justamente pela navegação exercida ao longo do rio

Amazonas e seus afluentes e a fundação de núcleos habitacionais e cidades em sua

extensão. As origens da cidade de Belém tem como marco, o Forte do Castelo ou

Forte do Presépio, localizado as margens da Baía do Guajará com embocadura no

Igarapé do Piry, o que ocasionou posteriormente o surgimento das primeiras ruas e

dos primeiros bairros – Cidade Velha e Campina, que podem ser visualizados na

figura 03.

Fig. 03 – Ilustração feita sobre “Planta da cidade do Pará” de 1771 – Original do Capitão Engenheiro Gaspar Gronsfeld, do acervo do IHGB, Rio de Janeiro. Fonte: LIMA, 2008.

Monteiro (2005, p. 31) remonta esse momento ao afirmar que, “dentro da

construção militar foi erguida uma igrejinha [...]. Em torno da fortificação construíram-

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se casas para alojamento das pessoas, formando um pequeno povoado”, onde eram

cultivados produtos como tabaco, cana-de-açúcar, algodão, bem como a coleta de

cacau.

Devido a grande movimentação de pessoas em busca de comprar e vender

produtos, foi criado o entreposto comercial e posto de arrecadação fiscal

denominado Ver-o-Peso, segundo Ernesto Cruz (1999) e Casa de Haver-o-Peso,

segundo Baena (1969). Nesse local eram pesados os produtos embarcados,

classificados pelo peso, bem como o recebimento de impostos pela Câmara de

Belém e destinados à metrópole, no século XVII (LIMA, 2008, p. 37).

Por agregar vários tipos de produtos para venda, o Ver-o-Peso, com toda

sua extensão comercial, dos mercados à feira livre propriamente dita, demonstra a

grande importância desse local para a economia não só da cidade, pois desde sua

criação, guarda indícios que identificam a região amazônica com seus aromas, ervas

medicinais, frutas regionais, cerâmica, canoas, barcos, ribeirinhos, linguagem,

produtos do rio e da floresta, enfim, um mosaico com as cores, sons e sabores com

a fisionomia da Amazônia, assim descreve Loureiro (1995, p. 68) que,

depara-se com um verdadeiro universo povoado de seres, signos, fatos, atitudes que podem indicar múltiplas possibilidades de análise e interpretação. Trata-se de um mundo de pescadores, indígenas, extratores consumidos em longas e pacientes jornadas de trabalho; de uma geografia de léguas de solidão e dispersão entre as casas e as pequenas cidades (LOUREIRO, 1995, p. 68).

Esse motivo faz com que o imaginário local esteja em constante processo de

construção e reconstrução de conversas, de ideias, de valores propagados de forma

a estabelecer a identidade daqueles que convivem nesse espaço livre, seja para

comprar, seja para vender. Em qualquer uma das hipóteses, desde seu surgimento,

a feira do Ver-o-Peso agrega valor comercial e cultural que a identifica como

importante para o desenvolvimento da cidade, assim como acontece em outros

grandes centros urbanos, que dependem de suas feiras para que a economia local

se fortaleça. Isso nos remete às concepções de Lima (2008) ao dizer que:

Extinto como posto fiscal o Ver-o-Peso se tornou um dos principais centros de abastecimento da cidade, além de seus pontos turísticos mais visitados. Localizado na área central e mais antiga de Belém, no centro histórico, tornou-se ícone da cidade e elemento identitário do paraense. Pode ser definido como uma grande feira ou como um grande mercado

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aberto, cujas atividades giram em torno dos vários elementos que o integram. Mas, o Ver-o-Peso é, acima de tudo, um lugar de intensa vida social decorrente das atividades de comércio em torno da qual se verificam práticas cotidianas de trabalho e são tecidas complexas redes de relações sociais (LIMA, 2008, p. 38).

Notadamente ao longo dos séculos, as feiras continuam a existir

acompanhando a evolução social, econômica e cultural do continente, da cidade, do

povo, de modo a promover a comunicação constante de quem delas participa.

1.1. Notícias Históricas, Sociais e Econômicas sobre o município de Mãe

do Rio/PA.

Todo município possui uma origem, e esta, é uma das versões, pois narrar o

desenvolvimento da sociedade mãeriense, é reportar-me à aproximadamente ao ano

de 1957, de acordo com os estudos de Paixão e Oliveira (2009, p. 93) quando

alguns caçadores já visitavam a área que viria ser o município de Mãe do Rio. Com

a divulgação da abertura da Rodovia Belém-Brasília, muitos colonos se deslocaram

dos lugarejos próximos e iniciaram a brocar2 os primeiros roçados. Como pode ser

observado na figura 04, quando se deu a abertura de picos na mata, foi se

constituindo o traçado da rodovia, o que fez com alguns cassacos3, sendo eles

também caçadores fossem observando os espaços descobertos e se apropriando

das áreas de mata virgem. Assim começou o processo de colonização da vila do km

48, pertencente ao município de Irituia naquele período.

2 Segundo Ferreira (2010), o termo brocar significa furar com broca, mas na linguagem dos

agricultores significa cavar a terra (nota da autora). 3 Na obra Migrantes Cearenses no Pará – Faces da sobrevivência (1889-1916) de Franciane Gama

Lacerda, consta que Rocha Moreira, um literato cearense em visita à Quatipurú descreveu não a origem da palavra cassaco, mas descreveu-os como homens rústicos que não tinham “família, nem pouso” certo, fixando nos lugares a partir de seu próprio trabalho e que se defendiam quando ameaçados de “cacete e faca” (LACERDA, 2010, p.367). Outra denominação para cassacos consta no dicionário online de português (2012) que diz que esse é um trabalhador da construção e conservação de estradas de ferro.

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Fig. 04 – Cassacos trabalhando na abertura da Rodovia Belém – Brasília, no final da década de 50. Fonte: DENIT apud PAIXÃO e OLIVEIRA, 2009.

A chegada dos trabalhadores braçais no km 48, de acordo com Paixão e

Oliveira (2009, p. 48), foi determinante para que Olavo Pereira da Silva também

tomasse de fato para si um pedaço de chão, este, devidamente preparado para

servir de roçado. Sabendo que anteriormente, seu sogro, José Soares da Silva

(Belo), caçador e também agricultor, já havia plantado roçado próximo às margens

do rio Mãe do Rio, antes da chegada da rodovia. Outros trabalhadores como Bruno

Antonio Chaves, incentivado por Flaviano Neres da Silva (Favico), também fixou

residência e plantou seu roçado. Tanto Olavo como Belo e Bruno, eram

pertencentes da comunidade de Arauaí (Irituia). Favico era um político, além de ser

um dos responsáveis pelo loteamento de terras e organização da vila.

A partir de então, familiares dos colonizadores chegaram de forma gradativa

para composição dessa nova organização social, advindos dos municípios de Irituia,

São Miguel do Guamá, Castanhal, Santa Maria, Benfica e outros, bem como da

Região Nordeste (PAIXÃO; OLIVEIRA, 2009, p. 101).

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Fig. 05 – Vista parcial da vila do km 48, no início da década de 60. (Tela de Marlon Vera Cruz). Fonte: PAIXÃO; OLIVEIRA, 2009.

No início da década de 60 a pequena vila já contava com aproximadamente

dez residências, umas de palha, outras de barro, cobertas de palha, cavaco ou telha,

parecido ao que retrata a figura 05. Isso já define o poder econômico dessa

sociedade. O trabalho na roça era o sustento da maioria das famílias. Com a estrada

em funcionamento outras pessoas foram chegando e formando a pequena vila.

Assim surgiu o primeiro pau-de-arara, a escola, o campo, a igreja, as modestas

tabernas o padeiro, o primeiro comércio varejista, uma loja de tecidos, o restaurante

e aos poucos surgiu também a feira onde os marreteiros e agricultores dividiam

atenções na tentativa de vender seus produtos (PAIXÃO; OLIVEIRA, 2009, p. 102).

Isto se confirma segundo José Justino de Carvalho para quem a região

agrícola da vila do km 48 foi se desenvolvendo, sendo local onde “os lavradores que

trabalhavam, produziam todas as suas subsistências e aqui traziam para

comercializar e daí tornou-se um centro de produção e exportação de produtos de

origem agrícola” (PAIXÃO; OLIVEIRA, 2009, p. 102).

Com o aumento populacional, o comércio também evoluiu, pois a realização

da feira livre as margens da rodovia impulsionava a economia local. Em 1965, os

produtos, principalmente agrícolas como malva, arroz, milho e mandioca, podiam ser

negociados na própria feira ou nos armazéns que se instalaram na vila e que

posteriormente encaminhavam para Belém (PAIXÃO; OLIVEIRA, 2009, p. 101).

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No início da década de 70, o crescimento econômico, fez com que alguns

comunitários como Pe. Marino Contti, José Monteiro, Francisco Sarmento Sales,

Francisco Martins e outros, idealizassem a emancipação política. Somente no ano

de 1984 se iniciou este processo emancipatório a partir do Projeto de Lei nº 80/84.

Porém, somente no ano de 1988 foi sancionada a Lei nº 5.456/88 que cria como

demonstrado n figura 06 o município de Mãe do Rio, tendo como representante do

poder executivo municipal o médico Silas Freitas de Sousa (PAIXÃO; OLIVEIRA,

2009, pp. 136-149).

Fig. 06 – Mapa de localização do município de Mãe do Rio. Fonte: IBGE, 2012.

Fig. 07 - Vista parcial da cidade de Mãe do Rio. Fonte: PAIXÃO; OLIVEIRA, 2009.

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Essa breve contextualização demonstra aquilo que foi a ocupação do

espaço amazônico, que para Monteiro (2005, p.182) se deu a partir de um processo

de expansão econômica que visava consolidar a implantação da indústria

automobilística, articulado pelo governo federal, através de uma política de

intervenção regional para ocupação da Amazônia, construindo um sistema

rodoviário que permitiu a ligação do Pará com o restante do Brasil, a partir do final

da década de 50.

Tal conjuntura pode ser observada nas considerações de Gonçalves (2008,

p. 107) quando aponta em seus estudos que com o advento migratório para a

Amazônia caracterizou-se duas frentes antagônicas: uma para atender a demanda

de mão de obra voltada para a construção de hidrelétricas e estradas e a outra por

evidenciar claramente a falta de condições para sobrevivência humana em virtude

do desemprego causado ao término das obras, o que gerou uma concentração

populacional local por meio da criação de vilas e de cidades, principalmente aquelas

as margens da BR 364, no estado de Rondônia e a da BR 010 ou rodovia Belém-

Brasília. Fato esse que pode ser comprovado pelas palavras de Joel Monteiro de

Souza a respeito desse momento: “Eu cheguei aqui em 1960, quando isso tudo era

mata [...] encontrei cinco barracos, seis com a minha [...] comecei a lutar,

trabalhando na lavoura com muita dificuldade, nicissidade. Passei fome aqui nesse

lugar”. Por outro lado possibilitou o surgimento das feiras nas localidades em que se

pensou obter garantias de qualidade de vida (PAIXÃO; OLIVEIRA, 2009, p. 58).

Assim, na extensão da rodovia e em suas proximidades, foram surgindo

núcleos habitacionais, que a princípio tinham na agricultura, a base de

sustentabilidade. Posteriormente ao projeto de abertura de estradas, foram

realizadas pesquisas de cunho geoeconômico e social, no período de 16 de julho a

29 de agosto de 1965, nas localidades que eram ou poderiam vir a ser servidas pela

nova estrada. Essa pesquisa apontava as vocações econômicas desses locais,

assim afirma Valverde e Dias (1967, p. 29), quando se referem a produção de fumo

no município de Irituia, pertencente a região do Guamá:

Na cultura do fumo empregam-se, em Irituia, dois sistemas. Num deles faz-se a derrubada, queima-se e, no lugar mais úmido, semeia-se o fumo. Enquanto a planta se desenvolve, faz-se a “desolha”, deixando-se os dois brotos mais altos, para que o pé cresça com força. Quando as folhas estão grandes, vão-se colhendo, à medida que ficam murchas na ponta.

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Terminado o corte das folhas, arrancam-se os pés de tabaco e planta-se “roça” (mandioca).

Para esses autores, o plantio de mandioca só pode ser realizado quando o

arroz já atingiu o crescimento esperado, pois do contrário toma conta da área,

prejudicando a colheita do arroz. O mesmo acontecia com a malva (VALVERDE;

DIAS, 1967, p. 126).

Na vila do km 48 a rodovia ofereceu em seis anos uma feira livre promissora

em suas margens, que era realizada de acordo com um calendário pré-estabelecido,

era a feira itinerante, onde se vendia desde produtos agrícolas até utensílios

domésticos, tecidos, redes, rapadura e outros, disposto em cima de lonas ou em

tabuleiros (PAIXÃO; OLIVEIRA, 2009, p. 101).

Quando os agricultores não conseguiam escoar seus produtos, os donos de

armazéns realizavam a compra da produção nas margens da estrada com a

utilização de caminhões. Quando isso não acontecia, vendiam ou trocavam a

produção, por outros produtos com os donos de taberna existentes na rodovia

(PAIXÃO; OLIVEIRA, 2009, p. 102).

O principal produto agrícola da década de 60 na região do Vale do Guamá

era a malva. Essa zona malveeira da BR-14 estendia-se do km 14 ao km 106 tendo

seu contingente humano formado na maioria por nordestinos (VALVERDE; DIAS,

1967, p. 125). Essa característica agrícola, representada no contexto da feira,

remete à realidade do processo migratório na região em função da abertura da

rodovia, assim afirma Bouhid (1960, p. 15) quanto a nova formação demográfica no

“vazio amazônico”, para quem

Provindas do sul e nordeste há, no momento três frentes pioneiras que se deslocam em direção à Amazônia. Uma delas provém do nordeste e atravessa o Estado do Maranhão [...]. Nessa zona, localizam-se, no momento, mais de 100.000 nordestinos [...]. O apoio a esse movimento demográfico tem alto sentido para a realização da contiguidade entre a Amazônia e o nordeste.

Ainda na década de 60 a extração madeireira embora com algumas

limitações começa a se estabelecer, concorrendo com a extração da malva no

povoado do km 48 (VALVERDE; DIAS, 1967, p. 128). Assim, segundo Paixão e

Oliveira (2009, p. 103) a agricultura “cedeu espaço à exploração madeireira e

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pecuarista, que em poucas décadas transformou a economia da região, tornando-a

extrativista industrial”. Em meio a esses acontecimentos, as comunidades rurais

foram se organizando e por meio do Movimento de Educação de Base (MEB)4, com

apoio da Igreja Católica, realizavam várias atividades de capacitação, com a criação

de entidades como clubes agrícolas e clube de mães, com a finalidade de

proporcionar a alfabetização de jovens e adultos, bem como valorizar a cultura

popular, dentre outros. Essas atividades eram financiadas pelo Ministério da

Educação e Cultura (PAIXÃO; OLIVEIRA, 2009, p. 104).

Dentre os cursos ofertados para as mulheres, havia os de culinária, corte e

costura, aproveitamento de frutas e artes. Para os homens eram ofertados cursos de

rotação de culturas com áreas preservadas. A partir de então, também se começou

a pensar na possibilidade da criação da Feira do Agricultor, haja vista a necessidade

da venda dos produtos diretamente ao consumidor. O que de fato aconteceu, pois

as comunidades já começavam a participar do movimento sindical, com a instalação

do Partido dos Trabalhadores na região. Isso ocorreu em meados de 1983 a 1984

com a participação de algumas comunidades (PAIXÃO; OLIVEIRA, 2009, p. 105).

4 O surgimento do MEB em pleno período de ditadura militar, nos mostra uma dualidade de opiniões

com relação a educação, pois sabe-se que o governo não queria um povo esclarecido e educado, mas permitiu a inserção desse programa via radiofônica, com o objetivo de educar a população rural. Isso nos faz refletir se o período da ditadura foi realmente tão cruel como relata a história brasileira ou se havia intenções escusas nas entrelinhas dessa permissão educativa. Creio ser importante também se pensar sobre as CEB’s (Comunidades Eclesiais de Base) organizadas pela Igreja Católica que mantinham relação estrita, através seus coordenadores, com o MEB, um movimento que tinha como mantenedor financeiro o governo federal. Com o papado de João Paulo II essas comunidades também sofreram declínio, talvez porque estariam assumindo uma função que a igreja acreditava não ser de sua competência. Essa questão me suscita a seguinte indagação: as demandas do Vaticano influenciaram na tomada de decisões com relação aos trabalhos realizados pelo MEB, haja vista sua inserção em comunidades campesinas que sinalizavam além de reuniões de cunho religioso, as de cunho político partidário considerados de esquerda? Talvez a leitura da Bíblia para alguns não passasse de um exercício simples aos saberes divinos e que não proporcionava uma verdadeira interpretação dos acontecimentos da vida dos seres humanos com a realidade da época (nota da autora).

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Fig. 08 – Vista parcial feira na vila do km 48, no final da década de 60. Fonte: PAIXÃO; OLIVEIRA, 2009.

Enquanto isso, no governo Médici (1969 a 1974), foi elaborado o Decreto nº

1.106 de 16 de junho de 1970, tendo por objetivo subsidiar um plano de

infraestrutura econômica e social para desenvolver obras nas regiões Norte e

Nordeste, através da SUDAM (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia)

e SUDENE (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste) de forma a

possibilitar a integração nacional. Para tanto, o Estado do Pará seria novamente o

palco das migrações (MONTEIRO, 2005, p. 163).

Nesse contexto, a vila do km 48, além da realidade agrícola, assistiu a

inserção das serrarias que influenciaram não só quanto aos aspectos econômicos,

mas com relação aos costumes e tradições por conta da imigração não só de

nordestinos, mas de mineiros, catarinenses, gaúchos e capixabas (OLIVEIRA; DIAS,

2009, p. 87). Isso é reforçado por Monteiro (2005, p. 162) citando Loureiro:

Os incentivos fiscais, circunscritos inicialmente ao setor industrial, estendem-se posteriormente aos setores madeireiros, agropecuários e outros, desde que as empresas estejam instituídas sob a forma de S/A, o que exclui, liminarmente, os pequenos produtores (MONTEIRO, 2005, p. 162).

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Porém, em 25 de julho de 1985 a feira do agricultor foi criada com a

realização de missa e festejos. A partir de então, passou a acontecer aos domingos

pela manhã na Rua Bernardo Pereira de Oliveira (fig. 09), depois passou a funcionar

na Avenida Castelo Branco. O terceiro local escolhido foi a Rua Marechal Rondon.

Em seguida passou a funcionar na Praça 7 de Setembro (PAIXÃO; OLIVEIRA, 2009,

p. 106).

Fig. 09 – Vista parcial da feira do agricultor, realizada na Rua Bernardo P. Oliveira, na vila do km 48, na década de 80. Fonte: PAIXÃO; OLIVEIRA, 2009.

Durante a década de 80 a vila do km 48 tinha a possibilidade de tornar-se

independente, o que acabou acontecendo no ano dia 11 de maio de 1988, com sua

emancipação do município de Irituia. Nesse período, o capital madeireiro ditava as

regras da economia local, fazendo com que a arrecadação da vila fosse superior à

sede do município (PAIXÃO; OLIVEIRA, 2009, p. 116).

Nas afirmativas de Figueiredo (2001, p. 110):

A feira de Mãe do Rio é o principal espaço de comercialização para os agricultores da região. Apenas a feira de Mãe do Rio é ativa. Mãe do Rio é também o principal espaço de abastecimento de estabelecimento agrícolas em produtos alimentares e manufaturados. É onde estão instalados os supermercados, os armazéns e a maioria da estrutura comercial e de serviços da região na cultura da mandioca e na pecuária bovina (esta última realizada, principalmente por médios e grandes proprietários rurais).

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Ainda para esse autor, a farinha de mandioca na Região Nordeste Paraense

constitui grande valor na economia familiar, pois é ela que faz com que as

produções agrícolas mantenham comunicação com o comércio, “é o principal

produto dos agricultores familiares dessa região, destinado à comercialização”. Por

representar um “peso potencial”, requer discussão a respeito da tomada de novas

estratégias de desenvolvimento desse modelo de agricultura voltada para as famílias

campesinas (FIGUEIREDO, 2001, p. 104).

Portanto, o colapso dos recursos oriundos da madeira, provocou a migração

do capital madeireiro, acompanhado pelo fim das contribuições por parte do governo

para a exploração da pecuária extensiva, resultando na crise deste setor. Essa

migração ocasionou na elevação dos índices de desemprego na área urbana,

“aliado à melhoria de condições de infra-estrutura a das políticas agrárias recentes,

que permitiu o crescimento da agricultura familiar na região” (FIGUEIREDO, 2001, p.

109).

1.2. Breve contextualização sobre as origens da farinha de mandioca

Por entender a farinha de mandioca como instrumento que promove a

construção de saberes, faço uma breve contextualização sobre a origem dessa raiz

importante, que faz parte do cotidiano amazônico, que para Ribeiro (1995, p. 197)

isso se deve aos ameríndios, a partir de suas contribuições à cultura brasileira,

evidenciadas através da relação educativa entre “vida vegetal, animal e humana”.

Para Ribeiro (1995, pp. 199-214), a mandioca (manihot esculenta),

descoberta, cultivada e empregada na alimentação, representa a principal planta

deixada pelo indígena brasileiro e sua utilização data de aproximadamente quatro ou

cinco mil anos somente na Amazônia, “representando 80 a 85% da ração alimentar

da maioria dos grupos indígenas amazônicos”.

O imaginário amazônico propõe outra explicação para a origem dessa raiz.

Beth Brait (2009, pp. 147-152) cita Couto de Magalhães que registra a lenda de Mani

em 1876, que descreve que numa determinada aldeia de Santarém/PA, a filha do

chefe da tribo engravidou, provocando o descontentamento de seu pai, que passou

a puni-la severamente para que contasse quem a desonrou, porém, a jovem

afirmava veemente que não tinha tido relações com nenhum homem. O pai então

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decidiu matá-la, o que não ocorreu, pois em sonho, um homem branco declarou a

inocência da jovem. A autora faz a seguinte reflexão:

Esse trecho é bastante elucidativo dos discursos que participam do relato e vão construindo os sentidos de mandioca. Ele traz não somente uma espécie de interação entre o branco e o índio, em forma de sonho, mas também se oferece como discurso da anunciação e da concepção sem pecado, temas discursivos marcadamente cristãos. Assim entendido, é possível afirmar que a dualidade pagão/cristão se estabelece e que, nessa versão existe, de fato, uma superioridade do cristão em relação ao pagão, indicando inter-relação entre as duas culturas e a intervenção dos discursos colonizadores no suposto mito indígena (2009, p. 152).

Passados os nove meses, nasce Mani (fig. 10), uma linda menina branca,

fato que causou muita repercussão entre os índios de muitas tribos, pois além dessa

característica, a criança já demonstrava habilidades precoces como andar e falar.

Morreu após completar um ano de vida sem nem mesmo apresentar sintomas de

enfermidades. Foi enterrada no local onde morava e seguindo o ritual indígena

próprio, sua sepultura era descoberta e regada todos os dias. Nesse local nasceu

uma planta desconhecida entre os índios, fato que lhes intrigava muito. Quando a

planta começou a dar frutos, os pássaros passaram a comê-los de modo a ficarem

embriagados. Isso aumentou a superstição em relação à planta e quando a terra

fendeu-se, os índios cavaram e identificaram essa raiz como sendo o corpo de Mani.

Fig. 10 – Obra: O selvagem de Couto de Magalhães, representando o nascimento de Mani. Fonte: BRAIT, 2009.

Segundo Brait (2009, p. 148), mediante as pesquisas de Couto de

Magalhães, essa lenda surgiu de um relato feito não por um indígena, mas por uma

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fonte secundária muito próxima ao cotidiano nativo. Seria a mãe de um certo coronel

Miranda (“Ex-tesoureiro da fazenda do Pará”). Esse registro, apresentado como uma

representação mitológica indígena amazônica paraense, explica a origem da

mandioca e faz parte da obra, O Selvagem, do século XIX, elaborada a pedido de D.

Pedro II, para ser apresentada na Exposição de Filadélfia (USA) em 1876,

representando os saberes e os fazeres indígenas.

Para essa autora, a palavra mandioca “circula na esfera cotidiana

designando, [...] órgão sexual, aipi, aipim, macaxeira, mandioca, mandioca brava,

mandioca mansa, maniva, maniviera, pão de pobre e uaipi”. Desta forma, essa raiz

(fig. 11) é difundida através da memória coletiva por conta de sua construção mítica,

de sua identidade, enquanto planta (fig. 12) e alimento. É “a mãe da comida

brasileira” (BRAIT, 2009, pp. 148-158).

Fig. 11 – Mandioca. Fonte: Arquivo da pesquisadora, 2012.

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Fig. 12 – Plantação de mandioca na área rural de Mãe do Rio. Fonte: Arquivo da pesquisadora, 2012.

Brait (2009, p. 158) destaca como item de sua pesquisa: A verbo-

visualização da mandioca, destacando o livro de receitas culinárias intitulado Mani-

oca. Delícias Brasileiras, que não trata tão somente do potencial nutricional da

mandioca, mas revela a partir dos autores das receitas: “deputado, especialistas de

diferentes áreas – engenharia, agronomia, medicina [...], vendedor de tapioca,

beijuzeira, administrador de empresa, presidentes de fundações, índia terena, [...]”

suas concepções com relação ao potencial econômico, social e cultural desse

alimento, evidenciado nos títulos das receitas: “Mandioca, uma questão de

segurança e soberania alimentar; A mandioca como fator de desenvolvimento local;

[...]; A raiz do Brasil; Meu meio de vida; Mandioca: riqueza brasileira; Papel social da

cultura da mandioca”, entre outros.

Ribeiro (1995, p. 214) sustenta essa afirmação ao citar Luis da Câmara

Cascudo (1973, pp. 90-91) para quem “Três quartas partes do povo do Brasil

consomem diariamente farinha de mandioca. [...] Sem essa farinha não vivem

milhões de sertanejos, resistindo às estiagens e ao trabalho exaustivo”.

Porém, em outros momentos da história do Brasil, a mandioca, segundo

Vainfas (2000, p. 369) não representou somente uma característica alimentar

necessária aos cristãos, mas despertava o interesse dos índios a ingerir as bebidas

fermentadas que os levavam à embriaguês, às práticas de antropofagia e aos

combates. Ainda para esse autor, ao citar o jesuíta João Daniel “a mandioca era

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responsável pelos males da Amazônia” que deveria ser banida, para por fim

“erradicar a escravidão, o atraso da agricultura e a resistência indígena aos

costumes cristãos”.

Essa pesquisa contrapõe-se as atribuições defendidas nos estudos já

referidos por destacar a importância dos saberes e práticas educativas constituídos

nas relações sociais entre os feirantes vendedores da farinha. Conforme Brandão

(2007, p. 67) quanto à importância do saber ensinar e aprender: os “índios e

camponeses realizam, no modo como ensinam o que é importante para alguém

aprender, a consciência de que o saber que se transmite de um ao outro deve servir

de algum modo a todos”.

Ainda para Brandão (2007, p. 18) os momentos de convivência configuram-

se como educação, mesmo quando ocorrem trocas de benefícios materiais ou

serviços, bem como da construção de significações ou simbologias que são

encontradas “na turma da caçada, no barco de pesca, no canto da cozinha de

palhoça, na lavoura familiar ou comunitária de mandioca”. Para esse autor a

educação pode ser construída e aplicada nos vários contextos sociais, implicando

afirmar que a escola não é o único espaço para esse fim. Da mesma forma, os

sujeitos sociais, são também educadores formados na escola da vida, em que os

dizeres e fazeres resulta em saberes.

Busquei novas possibilidades de compreensão acerca do processo

educativo que permeia a comercialização da farinha de mandioca de modo a

contextualizar esses saberes constituídos culturalmente, que para Brandão (2002, p.

118): “A cultura não constitui apenas os objetos materiais produzidos no seu interior,

ou os valores com que os seus participantes os representam na consciência, mas na

significação das ações que tornam possível e dinâmico tal modo de vida”.

A escolha desse objeto de pesquisa reflete a necessidade de uma melhor

compreensão a respeito das práticas educativas construídas e reconstruídas na

comercialização da farinha de mandioca na Feira do Agricultor de Mãe do Rio/PA, a

partir de uma observação mais apurada das ideias constituídas no imaginário dos

sujeitos, o que instiga uma observação mais aprofundada do seguinte problema:

Como os saberes e processos educativos são construídos e socializados na

comercialização da farinha de mandioca pelos feirantes de Mãe do Rio/PA? Seu

desdobramento se deu a partir das seguintes questões norteadoras: Como os

agricultores se organizaram de modo a formar um movimento que conduziu ao

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espaço de comercialização “Feira do Agricultor”? Que saberes perpassam a

comercialização da farinha de mandioca na Feira do Agricultor de Mãe do Rio/PA?

De que forma são construídos e repassados os saberes dos feirantes na

comercialização da farinha de mandioca? Os saberes na comercialização da farinha

de mandioca dialogam com os saberes da educação escolar?

Após definir o problema, pontuei como objetivo geral, compreender como a

educação está inserida na construção dos saberes cotidianos dos feirantes

vendedores da farinha de mandioca, na Feira do Agricultor de Mãe do Rio/PA.

Elenquei como objetivos específicos: destacar a formação e organização do

movimento de agricultores para constituição da Feira do Agricultor de Mãe do

Rio/PA, considerando a participação política, formas de lideranças e o movimento de

educação de adultos; identificar quais saberes perpassa a comercialização da

farinha de mandioca; compreender de que forma esses saberes são construídos e

socializados e analisar as interfaces entre os saberes presentes na comercialização

da farinha de mandioca e a educação escolar. Para tanto elegi como área de estudo

a Feira do Agricultor (fig. 13), localizada na sede do município de Mãe do Rio. Esta

cidade está situada na mesorregião do nordeste paraense, distante

aproximadamente 200 km da capital do Estado.

Fig. 13 – Vista parcial do galpão do agricultor, local de realização da feira. Fonte: Arquivo da pesquisadora, 2011.

O galpão do agricultor, local para funcionamento da feira, constitui-se de um

espaço físico com cobertura de fibrotex e piso de bloquetes, com 60m de

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comprimento por 20m de largura. Na parte da frente do galpão há um palco medindo

95cm de altura, com 9m de comprimento por 20m de largura, construído com barras

de ferro nas laterias, bem como uma área composta por quatro dependências que

são utilizados na realização de outros eventos. Dentro do galpão são dispostas as

barracas de metalon e alguns poucos tabuleiros em madeira, onde são expostos os

produtos à venda.

Em seu entorno como demonstra as figuras 14 e 15 existem pontos

comerciais atacadistas de farinha de mandioca, pequenos restaurantes, barracas

com vendas de comida, supermercados, farmácias, bancas de camelôs e outros,

estando localizado no centro comercial da cidade. O fluxo mais intenso de pessoas

na feira acontece nos dois primeiros sábados de cada mês. Muitos feirantes

costumam chegar ao galpão na noite anterior de ônibus ou caminhões, figuras 16 e

17, com os sacos de farinhas para serem comercializados na feira do agricultor. Esta

feira acontece em dias de sábado pela manhã, onde os produtos são vendidos, em

especial a farinha de mandioca.

Fig. 14 – Pontos comerciais em torno da Feira do Aagricultor de Mãe do Rio. Fonte: Arquivo da pesquisadora, 2012.

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Fig. 15 – Ponto comercial atacadista de farinha de mandioca próximo a Feira do Agricultor de Mãe do Rio. Fonte: Arquivo da pesquisadora, 2012.

Fig. 16 – Veículos que transportam a farinha para a Feira do Agricultor de Mãe do Rio. Fonte: Arquivo da pesquisadora, 2012.

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Fig. 17 – Interior do veículo com sacos de farinha para comercialização na Feira do Agricultor de Mãe do Rio. Fonte: Arquivo da pesquisadora, 2012.

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SEÇÃO 2 - Trilhas Metodológicas

Objetivando saber como a educação está inserida na construção dos

saberes e nos processos que a estruturam, optei pela aplicação de métodos e

técnicas pertinentes seguindo uma organização definida pelas teorias.

Para Chizotti (1991) a pesquisa procura conhecer o mundo dos seres

humanos e o próprio homem, nessa atividade o pesquisador busca observar e

refletir sobre os problemas que enfrenta, associados às experiências que foram

construídas e que se constroem para poder munir-se dos instrumentos mais

adequados e intervir no seu mundo, edificando-o à sua vida.

Esses questionamentos refletem nas afirmações de Minayo (2008, p. 14)

que entende por metodologia o caminho do pensamento e a prática exercida na

abordagem da realidade. Em suas palavras a metodologia compreende: “a teoria da

abordagem (o método), os instrumentos de operacionalização do conhecimento (as

técnicas) e a criatividade do pesquisador (sua experiência, sua capacidade pessoal

e sua sensibilidade)”.

Minayo (2000, p. 53) define que a coletividade é percebida como uma

composição de organismos com princípios e conhecimentos partilhados e tácitos

que tornam a influência mútua possível e aceita. Para a autora “faz parte da

constituição do mundo, a forma pela qual os homens chegam a um sentido da

realidade objetiva: o senso comum”.

Daí a importância de se estudar a criatividade dos sujeitos escolhidos para

esta pesquisa, por acreditar no potencial não só de criação de mecanismos de

sobrevivência, mas na manutenção destes, como práticas sociais que valorizam

conhecimentos marginalizados, envolvidos no processo de educação fora do

ambiente escolar, mas que se encontram estruturados de forma a garantir a

interação de conhecimentos e práticas dos feirantes vendedores de farinha de

mandioca, pois Melo (2008, p. 4) define “que o fazer é uma forma de dizer e, que o

dizer é também fazer”.

Desta forma, elegi a pesquisa qualitativa, justamente por caracterizar-se

pela busca da essência, do cerne das questões, que segundo Denzin e Lincoln

(2006, p. 23) “a palavra qualitativa implica uma ênfase sobre as qualidades das

entidades e sobre os processos e os significados que não são examinados e

medidos experimentalmente”, considerando que este tipo qualitativo de pesquisar,

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representa aquilo que os sujeitos evidenciam no cotidiano de ideias, onde a

linguagem é carregada de simbologias que edificam e estruturam o contexto social

de forma a garantir relações de convivência.

Minayo (2008, p. 14) concorda ao afirmar que “a realidade social é a cena e

o seio do dinamismo da vida individual e coletiva com toda a riqueza e significados

dela transbordante”. Ainda para essa autora “a pesquisa qualitativa trabalha com o

universo de significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e

das atitudes” (MINAYO, 2008, p. 21).

Assim, na pesquisa social a subjetividade e a intersubjetividade interagem

de forma a contribuir com o crescimento cultural dos sujeitos pesquisados de uma

dada comunidade, o que de certa maneira dinamiza as relações que se estabelecem

no campo, pois nele ocorre um dos momentos mais importantes da pesquisa

qualitativa, a interação entre pesquisador e pesquisado.

Chizzotti (1991, p. 79) concorda que “há uma relação dinâmica entre o

mundo real e o sujeito, uma interdependência viva entre o sujeito e o objeto, um

vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito”, o que

caracteriza a pesquisa de cunho qualitativo, porque o objeto estudado priorizou o

contexto social.

Portanto, a estabilidade e a estrutura fixa dos fenômenos sociais são

contestadas pela pesquisa qualitativa, quando esta se empenha em demonstrar a

complexidade e as contradições desses fenômenos imprevisíveis e ao mesmo

tempo originais. É justamente essa ampla compreensão que faz com que o que foi

posto a margem do conhecimento, agora assuma papel de destaque na

compreensão dos fenômenos sociais, por reconhecer situações de afinidades

subjetivas e intersubjetivas (CHIZZOTTI, 1991, p. 78). Esse teórico considera que:

Partindo de fenômenos aparentemente simples de fatos singulares, essas novas pesquisas valorizam aspectos qualitativos dos fenômenos, expuseram a complexidade da vida humana e evidenciaram significados ignorados da vida social. Os pesquisadores que adotaram essa orientação se subtraíram à verificação das regularidades para se dedicarem à análise dos significados que os indivíduos dão às suas ações, no meio ecológico em que constroem suas vidas e suas relações, à compreensão dos sentidos dos atos e das decisões dos atores sociais, ou, então, dos vínculos indissociáveis das ações particulares com o contexto social em que estas se dão (CHIZZOTTI, 1991, p. 78).

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 48

Esta pesquisa também se apoiou na concepção ou método

fenomenológico se propondo a elucidar alguns aspectos da realidade social

estudada tais como, a produção de valores, regras sociais e culturais compartilhadas

pelos feirantes vendedores de farinha de mandioca, proporcionando investigação

com bases lógicas para quem,

o pesquisador preocupa-se em mostrar e esclarecer o que é dado. Não procurar explicar mediante leis, nem deduzir com base em princípios, mas considera imediatamente o que está presente na consciência dos sujeitos. O que interessa ao pesquisador não é o mundo que existe, nem o conceito subjetivo, nem uma atividade do sujeito, mas sim o modo como o conhecimento do mundo se dá, tem lugar, se realiza para cada pessoa (GIL, 2008, p. 14).

Por outro lado, segundo Gil (2008, p. 18), a pesquisa utilizou elementos

operacionais da etnometodologia que não se define ainda enquanto método para

alguns, mas que se encontra dentro dos conceitos das “grandes teorias”, pois as

práticas educativas e os saberes construídas pelos feirantes constituem uma

singularidade ao se utilizarem da linguagem para estruturar suas convivências e ao

mesmo tempo uma pluralidade ao se utilizarem da intersubjetividade de ideias.

Com base em Brandão (2002) e Heritage (1999) ao se propor aplicabilidade

da etnometodologia, busca-se dar conta do objeto de estudo, como produto da

cultura, intentando desvelar hábitos e padrões culturais dos sujeitos e/ou grupos

envolvidos na pesquisa, sempre enfatizando a sua interface com a educação,

enquanto processo de inclusão do conhecimento do senso comum em produções

científicas. Destaca-se a importância da linguagem, principal aspecto da teoria em

questão na construção de etnométodos que fortalecem os ideais de vida das

pessoas comuns, e, assim, garantir a prática do raciocínio lógico através do

cotidiano.

Por sofrer influências da fenomenologia, a etnometodologia apresenta

análises do comportamento do senso comum, como requisitos necessários para a

compreensão dos fatos reais que identificam uma determinada sociedade, levando

em consideração suas experiências de vida, o que pensam, como apreendem e

operacionalizam conhecimentos (GIL, 2008, p. 23).

Intencionei compreender como os etnométodos criados pelos grupos sociais,

em especial os feirantes vendedores de farinha de mandioca da Feira do Agricultor,

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 49

organizam procedimentos lógicos para resolver problemas cotidianos, através do

raciocínio prático, manipulando mecanismos de construção do próprio mundo social.

Melo (2008, p. 8) aponta ainda alguns princípios básicos que desconsideram

a metodologia tradicional tais como a significabilidade, que evidencia o sentido

interpretativo para o cientista comum e não para o pesquisador; a intersubjetividade,

por ser um produto de todos os sujeitos envolvidos no cotidiano; a indexabilidade,

em que a descrição das práticas do contexto social é indexada, evidenciando a

relação do significado com o contexto sócio-histórico de forma ordenada e a

descritibilidade, em que as práticas são descritas através dos discursos, do construir

relatando.

A pesquisa bibliográfica, segundo Lankshear e Knobel (2008) ofereceu

suporte teórico através de artigos científicos e livros para elaboração de um novo

material de pesquisa, o que me permitiu uma análise dos fenômenos de forma mais

abrangente, com o cuidado de não incorrer em equívocos ao reproduzir informações

não idôneas, pois

Os pesquisadores têm responsabilidade profissional com aqueles que participam da pesquisa, de produzir um estudo que justifique seu tempo, boa vontade, desconforto e confiança. Deve haver leitura suficiente para garantir que a condução do estudo seja coerente e significativa. (LANKSHEAR; KNOBEL, 2008, p. 79).

Ao trabalhar a realidade que constituiu meu objeto necessitei de uma boa

análise documental na tentativa de tornar evidentes escolhas e interpretações que

levaram a certos resultados de alguns fatos que contribuíram para o surgimento não

só do município de Mãe do Rio, mas também do processo de origem e organização

da Feira do Agricultor, bem como da origem da farinha de mandioca e a sua

constituição enquanto produto que agrega valor quantitativo e qualitativo, quando

proporciona o entrelaçamento entre cotidiano e educação (GIL, 2008) define que as

fontes documentais:

São capazes de proporcionar ao pesquisador dados em quantidade e qualidade suficiente para evitar a perda de tempo e o constrangimento que caracterizam muitas das pesquisas em que os dados são obtidos diretamente das pessoas. Sem contar que em muitos casos só se torna possível realizar uma investigação social por meio de documentos. Para fins de pesquisa científica são considerados documentos não apenas os escritos utilizados para esclarecer determinada coisa, mas qualquer objeto

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 50

que possa contribuir para a investigação de determinado fato ou fenômeno (GIL, 2008, p. 147).

Rodrigues e França (2010, p. 55) comungam da ideia de que por décadas

somente as informações registradas eram aceitas como verdades absolutas,

detendo a exclusividade na compreensão da sociedade em seus variados tempos e

espaços, desconsiderando outras formas de registros encontrados nas mais

diversas situações cotidianas a ponto de indagarem que elementos se constituem

como documentos.

Para Chizzotti (1991, p. 19) a utilização de objetos como documentos

oficiais, jornais, livros, dados estatísticos, fotos e outros justificam a necessidade

desse aporte para valorizar a pesquisa, por evidenciar vantagens no uso dessas

fontes que possibilitam não só o conhecimento do passado, mas permite a

investigação dos processos de mudança social e cultural. Dessa maneira a

pesquisa documental é, pois, uma etapa importante para se reunir os conhecimentos produzidos e eleger os instrumentos necessários ao estudo de um problema relevante e atual, sem incidir em questões já resolvidas, ou trilhar percursos já realizados. O interessado deve ter presente para quê servem os documentos que procura, quais documentos precisa, onde encontrá-los e como reuni-los (CHIZZOTTI, 1991, p. 19).

Foi através da pesquisa de campo que os sujeitos da pesquisa

proporcionaram informações diretas sobre o meu objeto. Nesse momento, o

entrelaçamento de informações delineou objeto e sujeitos da pesquisa, coletando-se

informações para posterior análise com o objetivo de enriquecer a pesquisa, o que

pressupõe uma concepção da realidade que poderá trazer à tona informações

relevantes tanto de cunho qualitativo quanto quantitativo, respeitando um programa

de trabalho (CHIZZOTTI, 1991, p.48).

Elegi três instrumentos de pesquisa, a saber: a técnica delimitadora que

corresponde à amostragem não probabilística, esta, não se amparando na

rigorosidade científica, muito menos em normas, pelo contrário, não exige a

utilização de conceitos e práticas matemáticas ou estatísticas (GIL, 2008, p. 91).

Da mesma forma Melo (2007, p. 1) afirma que “é o método que não leva em

consideração as expressões numéricas de dados com exatidão estatística, porque

não define para a determinação da amostra. O mais importante são os ideais de vida

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 51

construídos cotidianamente, considerando as ideias, as motivações, bem como “o

posicionamento político e ideológico das pessoas pesquisadas”. Ressalto que

somente utilizei a referida técnica para conhecer o universo a ser estudado e não

para adquirir respostas da pesquisa

Fiz uso também da entrevista semi-estruturada, que segundo Gil (2008, p.

123) “combina perguntas fechadas (ou estruturadas) e abertas, onde o entrevistado

tem a possibilidade de discorrer o tema proposto, sem respostas ou condições

prefixadas pelo pesquisador”. Estas “tradicionalmente incluem a presença ou

interação entre o pesquisador e os atores sociais” (MINAYO, 2000, p. 121).

Segundo Caputo (2006, pp. 59-65) o pesquisador preocupa-se em construir

um questionário que atenda suas necessidades pela busca de informações,

seguindo um roteiro pré-estabelecido em que se pergunta se pode realizar a

entrevista; procura conhecer o entrevistado; que tipo de tratamento destinar: senhor

ou senhora; saber ouvir e interpretar as informações; lembrar que quem deve

fornecer as informações é o entrevistado; não fazer uso das opiniões ou ideias

alheias; ser consciente das próprias limitações; estar atento às informações da

memória; não imaginar personagens; fazer o trabalho por prazer; possibilitar que

outras exposições sejam realizadas por parte do entrevistado; encaminhar a

pesquisa de modo a atingir o objetivo proposto.

Destaco a importância da realização destas técnicas de pesquisa, que

permitiram embasamento teórico-prático e iluminam o olhar do pesquisador sobre os

sujeitos da pesquisa. As entrevistas foram gravadas para posterior sistematização e

análise, com o objetivo de registrar informações e situações captadas em um

instante de observação (MINAYO, 2008, p. 121). Por outro lado, o material

produzido foi objeto da análise de discurso, que para Orlandi (2005, p. 26) “visa a

compreensão de como um objeto simbólico produz sentidos, como ele está investido

de significância para e por sujeitos”.

É a linguagem como campo de conhecimento que nos coloca em estado de

reflexão, permitindo a interpretação a partir daquilo que lemos, ouvimos,

participamos e significamos, e, se há maneiras de se significar com o mundo, com

os sujeitos, com os sentidos, com a história, percebe-se então a importância da

linguagem e a origem da análise do discurso. É a língua fazendo sentido (ORLANDI,

2005, p. 09).

Na perspectiva de Orlandi (2005, p. 15):

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 52

a Análise do Discurso, como seu próprio nome indica, não trata da língua, não trata da gramática, embora todas essas coisas lhe interessem. Ela trata do discurso. E a palavra discurso, etimologicamente, tem em si a idéia de curso, de percurso, de correr por, de movimento. O discurso é assim palavra em movimento, prática de linguagem: com o estudo do discurso observa-se o homem falando.

Portanto, entendo que a linguagem serve de elo de comunicação entre o

homem e a realidade, entre homem e a coletividade, há um objeto de mediação, e

que o discurso é proveniente das relações de troca, permanência, deslocamento de

ideias e aprendizados contínuos, que transformam não só o homem, mas a própria

realidade.

O uso das fotografias me possibilitou interpretar as minúcias, aquilo que ao

“olho nu” não percebi de imediato. E assim, utilizei as imagens para confirmar aquilo

que ouvi, senti e vi. A imagem é o discurso construído e observado. Ela não é tão

somente ilustração, mas sim interpretação recheada de simbologias criadas num

contexto social. Desse modo em se tratando de imagens Martins (2008, p. 22) afirma

que,

A fotografia não é apenas documento para ilustrar nem apenas para confirmar. Não é nem mesmo e tão somente instrumento para pesquisar. Ela é constitutiva de realidade contemporânea e, nesse sentido, de certo modo, objeto e também sujeito. São amplas e numerosas as situações em que a imagem fotográfica e suas variantes, no filme e no vídeo, antecipam ou substituem a própria pessoa nas relações sociais e até na inovação imaginária (MARTINS, 2008, p. 22).

Orlandi (2005, p. 42) defende que o discurso não se encontra somente em

palavras, as imagens discursam também provocando interpretações, sugerindo

sensações. É a energia da representação, da imagem na composição do falar. As

imagens discursam nos contextos sociais e fazem parte da história. Ao definir esta

técnica Achutti (2006, p. 01) discorre que:

Fotografar é permanentemente fazer escolhas, escolhas que serão fundamentais para a construção do nosso discurso visual – sim, porque fotografias são discursos, e mesmo quando alguns utilizam a fotografia para propor enigmas ou para não propor nada, esta será também uma forma de discursar (ACHUTTI, 2006, p. 01).

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 53

O lócus da pesquisa foi a Feira do Agricultor, localizada no município de

Mãe do Rio que está situado na mesorregião do nordeste paraense e distante

aproximadamente 200 km da cidade de Belém - Pará.

Os sujeitos da pesquisa foram agricultores ou feirantes vendedores de

farinha de mandioca, num total de 09 pessoas, que vendem o produto em pequenas

quantidades (por litro) ou grandes quantidades (por saca). Optei como critério para

definir os sujeitos da pesquisa os que possuem mais experiência na venda da

farinha, dentre esses, uma residente no município de Aurora do Pará.

Esses sujeitos dinamizam o cotidiano da feira por meio das diversas práticas

educativas que se manifestam na oferta e na procura de produtos, através da

oralidade, esta criada a partir das vivências e da relação com o ambiente e imprime

a educação do cuidar que “baseia-se no diálogo, estabelecendo-se por meio da

cultura de conversa, um ensino-aprendizagem cujo conteúdo é o produzido e

refletido no saber-fazer cotidiano de homens e mulheres [...]” (OLIVEIRA, 2003, p.

63).

Acredito ser importante descrever os atores sociais que fazem parte desta

pesquisa, por conta das informações fornecidas, pois a priori foram elencados os

feirantes vendedores de farinha, porém, pelos encaminhamentos realizados em

função de outros momentos marcantes que influenciaram a criação da feira do

agricultor, local de venda da farinha, tornou-se necessário a participação de outros

atores que vivenciaram essa história.

Para compreensão das características dos sujeitos da pesquisa, disponho

informações sobre o perfil sociocultural em forma de gráficos.

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 54

Gráfico 1 – Caracterização identitária dos entrevistados como sujeitos da

informação por local de origem.

Gráfico 1 – Sujeitos da informação por local de origem. FONTE: Pesquisa de Campo – Técnica do questionário aplicado aos feirantes/comerciantes, 2012.

Gráfico 2 – Caracterização identitária dos entrevistados como sujeitos da

informação por faixa etária de idade.

Gráfico 2 – Sujeitos da informação por faixa etária de idade. FONTE: Pesquisa de Campo – Técnica do questionário aplicado aos feirantes/comerciantes, 2012.

11%

45%

33%

11% Várzea Grande -Ceará

Irituia - Pará

Igarapé Açú - Pará

Marapanim - Pará

44%

56%

0% 0%

De 45 a 68 anos

De 64 a 73 anos

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0

5

10

Entrevistados 9

Masculino 6

Feminino 3

Gráfico 3 – Caracterização identitária dos entrevistados como sujeitos da

informação por sexo.

Gráfico 3 – Sujeitos da informação por sexo. FONTE: Pesquisa de Campo – Técnica do questionário aplicado aos feirantes/comerciantes, 2012.

Gráfico 4 – Caracterização identitária dos entrevistados como sujeitos da

informação por profissão.

Gráfico 4 – Sujeitos da informação por profissão. FONTE: Pesquisa de Campo – Técnica do questionário aplicado aos feirantes/comerciantes, 2012.

56%

11%

11%

22% Agricultor/Feirante

Professor

Comerciante

Agricultor

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Gráfico 5 – Condições socioeconômicas dos entrevistados – grau de escolaridade.

Gráfico 6 – Grau de Escolaridade. FONTE: Pesquisa de Campo – Técnica do questionário aplicado aos feirantes/comerciantes, 2012.

Gráfico 6 – Condições socioeconômicas dos entrevistados – renda mensal e

religião.

Gráfico 7 – Sujeitos da informação por renda mensal e religião. FONTE: Pesquisa de Campo – Técnica do questionário aplicado aos feirantes/comerciantes, 2012.

Os dados produzidos sobre a origem dessas pessoas retratam que oito são

paraenses, oriundos principalmente dos municípios de Irituia (45%), Igarapé Açu

(33%) e Marapanim (11%) e um do Estado do Ceará de Várzea Grande (11%). O

nível de escolaridade corresponde a 3ª, 4ª e 5ª séries do ensino fundamental

incompleto (22%), ensino fundamental completo (34%), ensino médio (22%) e

ensino superior (11%). É formado por seis pessoas do sexo masculino e três do

sexo feminino; todos se dizem católicos; a idade observada consta de faixa etária de

0123456789

10

De 1 a 5 saláriosminímos

Católicos

De 1 a 5 saláriosminímos

Católicos

11%

22%

34%

22%

11%

Alfabetização

FundamentalIncompleto

FundamentalCompleto

Ensino Médio(completo)

Ensino Superior

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 57

45 a 60 anos (44%) e de 64 a 73 anos (56%); a profissão exercida é a de agricultor/

feirante (56%), professor (11%); quatro participam efetivamente de movimentos

sociais; a renda mensal dos participantes é representada de um a cinco salários

mínimos; seis pessoas produzem a farinha de mandioca e a comercializa no litro ou

na saca, um só comercializa, um produz para consumo e a outra é professora

aposentada, oito desses residem na área rural e dois na área urbana.

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 58

PARTE II

SEÇÃO 3 – A vida que pulsa e educa na Feira do Agricultor de Mãe do Rio.

3.1. Cultura e Cultura Amazônica: Um diálogo necessário.

A cultura não existe em seres humanos genéricos, em situações abstratas, mas em homens e mulheres concretos, pertencentes a este ou

àquele povo, a esta ou àquela classe, em determinado território, num regime político A ou B, dentro desta ou daquela realidade econômica

(VANNUCCHI, 2006, p. 21).

Fig. 18 – Feira do Agricultor de Mãe do Rio/PA. Fonte: Arquivo da pesquisadora, 2012.

Nesta parte do trabalho, utilizei os dados obtidos nas entrevistas para

descrever, interpretar e propor uma análise consistente do fazer cotidiano dos

sujeitos, na tentativa de compreender as práticas educativas que permeiam suas

atividades. Ressalto que durante as entrevistas, um leque de possibilidades surgiu

no que se refere ao contexto da educação inserida na vida desses sujeitos.

A Feira do Agricultor (fig.18) a meu ver representa além de uma função

mercadológica, um espaço de caráter sócio-educativo-cultural, promotor de diálogos

que favorecem e fortalecem os saberes construídos, interpretados e postos em

práticas nos encontros realizados aos sábados pela manhã, durante a

comercialização, em especial, da farinha de mandioca.

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 59

O trabalho de homens e mulheres dinamizados nesse espaço reflete um

mosaico de informações culturais elaborados e socializados, que permite

compreender sua incorporação no contexto cultural amazônico, além de possibilitar

o diálogo entre os teóricos que discutem cultura e cultura amazônica, tais como

Brandão (2002), Certeau (1995), Loureiro (2001), Vannucchi (2006) entre outros,

bem como os discursos dos sujeitos.

Esse diálogo pode ser compreendido na análise de Rodrigues (2009, p. 5)

sobre cultura, que ao discorrer sobre o comportamento coletivo, levanta a

possibilidade de ideias estruturantes que formalizam padrões culturais a partir das

representações simbólicas, constituídas historicamente e apresentadas nas relações

não somente entre seres humanos, mas entre homem e natureza de modo a

incorporar “normas, regras, imagens, mitos, ritos e discursos (sistemas simbólicos)”.

As representações simbólicas que a autora se refere, podem ser percebidas

nas concepções da senhora Maria Raimunda Lopes Vieira, agricultora e feirante, 49

anos, (fig. 19) ao afirmar que:

[...] quando ela passou para Marechal Rondon já comecei a participar, já no ano de 86. Antes era meu pai que participava da feira. Era farinha, banana, abacate, macaxeira, maxixe. Sempre foi assim, a feira sempre foi assim, a farinha sempre veio, mais o que acrescenta de fruta, verdura

(Entrevista concedida em março de 2012).

Fig. 19 – Maria Raimunda Lopes Vieira. Fonte: arquivo da pesquisadora, 2012.

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 60

Do meu ponto de vista a entrevistada ao fazer a relação entre a feira e a

farinha, demonstra a consciência do aprendizado coletivo, o qual está contido na

tradição de se comercializar na feira, a farinha de mandioca, a partir dos exemplos

vivenciados no cotidiano dos sujeitos que verbalizam seus ideais de vida. Considero

essa comercialização, a construção de saberes culturais que promovem a

continuidades dos fazeres e dizeres de homens e mulheres que se reconhecem no

trabalho agrícola e a visibilidade dada a farinha de modo a elegê-la como produto

que não pode faltar nesse espaço de trocas de aprendizagem, de educação.

Para Rodrigues (2009, p.13), uma das possibilidades de interagir

historicamente no contexto cultural amazônico é estando em constante contato com

um arcabouço literário que caracteriza os aspectos que identificam a sociedade

amazônida, através dos discursos construídos, que para a autora representam-se

“como matéria prima para a demarcação da vigência de determinados hábitos,

costumes e valores capazes de serem sistematizados como padrões culturais”.

Encontro em Vannucchi (2006, p. 28) a compreensão de que os saberes são

produtos de uma cultura, identificado como “sistema simbólico de um grupo humano,

sistema que só poderá ser apreendido por outro grupo por meio da interpretação e

não por mera descrição”, e, em Orlandi (2005, p. 26) que compartilha desse

pensamento ao afirmar que interpretar é encontrar sentido nas coisas, é encontrar

respostas objetivas, advindas de uma interpretação consciente e responsável e que

produza sentido.

Essa produção de saberes, a qual Vanucci e Orlandi se referem, acredito

que pode ser encontrada nas considerações da senhora Maria do Céu dos Santos

Lima, professora, 58 anos, (fig. 20) quando afirma que:

[...] eu fiz um trabalho baseado na lenda da mandioca e que ela surgiu a partir da ideia dos agricultores, principalmente da ideia das mulheres, que elas viram aquela raiz e o homem como sempre, ele sempre teve ideia de testar, de fazer seus testes [...]. Eles começaram a testar e com o tempo foram colocando na água e viram que depois de três dias aquela mandioca, aquela raiz dava pra fazer uma massa e eles iniciaram a fazer tirando a casca, preparando a massa e depois com o tempo eles começaram a fazer, ter novas ideias, achar que se peneirassem, se colocassem ao forno. Eles foram fazendo testes até que surgiu a farinha com a ideia dos trabalhadores e das trabalhadoras da época que trabalhavam no campo. Daí foi se expandindo, acharam a farinha gostosa, comum a todos, a todas as pessoas (Entrevista concedida em março de

2012).

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 61

Fig. 20 – Maria do Céu dos Santos Lima. Fonte: Arquivo da pesquisadora, 2012.

Ao realizar essa analogia com o trabalho indígena, a entrevistada propõe

outras formas de se pensar o trabalho dos campesinos, de modo a não intitula-los

como criadores do fazer farinha de mandioca, mas proporcionar entendimento

acerca das atividades por eles desenvolvidas com a raiz da mandioca e como ela

pode ser aproveitada como alimento. Na medida em que se cria outras

possibilidades de aprendizagem com relação ao conhecimento dos ameríndios,

pode-se ao mesmo tempo mostrar a diferença existente entre determinados grupos

sociais, pois o índio, a princípio produzia de maneira comunitária, enquanto que os

agricultores produzem de forma individual ou coletiva, seja para consumo próprio ou

para a comercialização. Acredito que em ambos os casos, processos educativos são

incorporados culturalmente de modo a formalizar regras de convivência.

Essa compreensão me faz comungar das opiniões de Certeau (1995, p. 141)

que aponta que para melhor compreensão do que seja cultura, é necessário que

significados construídos cotidianamente façam sentido para aqueles que o

construíram, participar e não compreender dá espaço para que conflitos implícitos

fortaleçam a ruptura entre os autores das práticas sociais e a significação das

mesmas. O não reconhecimento de qualquer trabalho humano põe em questão o

que seja cultura.

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 62

Acredito que ao se desvalorizar todo e qualquer trabalho humano,

desvalorizam-se os saberes dos sujeitos como narra a senhora Maria Raimunda

Lopes Vieira:

Eu acho que quando o MEB deixou de acompanhar, melhor dizendo, dando assistência, a igreja católica ou as pessoas que estavam nessa coordenação se afastaram, ela foi perdendo assim o controle e foi enfraquecendo, enfraquecendo e nós ficamos esquecidos (Entrevista

concedida em março de 2012).

Este depoimento ao que parece, se refere ao esquecimento e a não

valorização do trabalho do agricultor, em virtude do encerramento das atividades do

MEB (Movimento de Educação de Base) e da Igreja Católica junto a esses sujeitos.

Percebo nessa análise, que as coordenações desses movimentos proporcionaram o

fortalecimento social, econômico e cultural dos agricultores de modo a promover a

organização dos mesmos e assim tentar garantir o reconhecimento da sociedade

como um todo, a partir de suas produções agrícolas. Para Maria Raimunda Lopes

Vieira é como se o trabalho do homem do campo não tivesse nenhuma

representatividade social. Enfraquecimento, esquecimento, desvalorização, palavras

utilizadas que caracterizam o descontentamento, não quanto ao trabalho

desenvolvido por ela, mas pela falta de reconhecimento desse trabalho.

Aderindo à esse pensamento, o senhor José Tibúrcio Vieira, agricultor e

feirante, (fig. 21), declara que:

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 63

Fig. 21 – José Tibúrcio Vieira. Fonte: Arquivo da pesquisadora, 2012.

A senhora acredita que aquele que interessa pelo trabalho de feirante ele tem uma educação como dizia o finado Silas: “uma educação de berço”? É um prazer e se for necessário dar uma força e também que a senhora leva esse trabalho e eu também tenho na mente que não é atraso pra nossa feira. É um trabalho que vai servir no dia a dia que nós passamos. Todo tempo vai se modificando. Pode acontecer, [...]. Nós temos a necessidade de melhorar como eu já disse. Tenho dito umas quantas vezes pra senhora. Nosso projeto é melhorar a feira e levar Mãe do Rio a crescer e deixar para os jovens do município que alguém fez alguma coisa pelo município [...]. (José Tibúrcio Vieira. Entrevista concedida em março de 2012).

A “educação de berço”, evidenciada pelo entrevistado demonstra que essa

educação é encontrada a partir dos laços afetivos construídos seja em bases

familiares, seja entre amigos ou entre pessoas que se respeitam. Considero “berço”

o local de acolhimento, harmonização e aperfeiçoamento de ideias que propaguem o

bem comum e não espaço de germinação do poder, que marginaliza tanto o trabalho

como o conhecimento produzido por todo e qualquer trabalhador. O entrevistado

acredita que a troca de experiência no exercício de qualquer atividade, dignifica a

historicidade vivida, revivida e a que está por vir. Deixar para as gerações futuras o

conhecimento adquirido no e do trabalho, demonstra a necessidade que os sujeitos

sociais têm em serem reconhecidos como participantes ativos na construção cultural

de uma determinada sociedade a partir dos símbolos que eles aditam

cotidianamente.

Brandão (2002, p. 16) define esse sistema simbólico, resultado do trabalho

humano como,

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 64

[...] uma palavra universal, mas um conceito científico nem sempre aceito por todos que tentam decifrar o que os seus processos e conteúdos querem significar, e que misteriosamente existe fora de nós, em qualquer dia de nosso cotidiano, quanto dentro de nós, seres obrigados a aprender, desde criança e pela vida afora, a compreender as suas várias gramáticas e a “falar” as suas várias linguagens.

A meu ver os ensinamentos de Vannucchi (2006, p. 21-28) estão

relacionados com as concepções de Brandão (2002) quando aquele aponta algumas

dificuldades dos antropólogos em definirem o que é cultura, pois há aqueles que a

veem como um organismo de comportamento, ancorado num aparelhamento

econômico e político, em que os diferentes grupos sociais se adaptam

constantemente às novas tecnologias. Outros caracterizam cultura como instruções

cognitivas do grupo, e não, como um acontecimento material ou um sistema de

informações de fatos, ou ainda a definem como um sistema estruturado na

manutenção do campo que se privilegia o imaginário social, este, com todo seu

arcabouço mitológico; toda representação artística que identifica os grupos, bem

como a utilização da linguagem como fator de socialização das várias ideias,

evidenciando a relação entre cultura e natureza.

Essa afirmativa em relação a socialização de ideias com a cultura e com a

natureza se coaduna com o entendimento do senhor Francisco das Chagas Santos,

agricultor e participante de movimentos sociais, 64 anos, (fig. 22) quando pondera

sobre a educação.

E se eu tivesse estudado? Será que eu estava aqui ou estava lá fora sendo uma pessoa melhor? Maior, porque melhor não podia ser. Maior, com cargo de trabalho. Então eu vejo isso o que eu aprendi, foi a natureza que me ensinou. Todo jeito da natureza, tanto que eu maltrato ela, mas aprendi muita coisa, aprendi até saber que eu maltrato a natureza sem ninguém me dizer (Entrevista concedida em março de 2012).

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 65

Fig. 22 – Francisco das Chagas Santos. Fonte: Arquivo da pesquisadora, 2012.

Ao refletir sobre educação, o senhor Francisco coloca que poderia estar em

uma melhor situação educacional e profissional, podendo ter se tornado uma pessoa

maior. Mas, será que se ele tivesse tido toda instrução formal por ele imaginada,

poderia ter a mesma concepção sobre a preservação da natureza? A meu ver, a

própria história do homem com a natureza nos revela que o capitalismo suplanta o

lado mais humano do indivíduo, levando por vezes a destruição do seu próprio

ambiente natural. Portanto, essa reflexão humilde desse agricultor representa na

minha concepção uma análise do potencial de uma educação pautada nas relações

travadas entre homem e natureza, pois ao compreender sua importância, percebe-

se integrante dela também, e, que ao maltratá-la está maltratando a si próprio, por

isso, não necessita obter maior ou melhor titulação profissional. O que vale é a arte

de se educar a partir de uma personalidade instituída em bases solidificadas no

respeito, na preservação da natureza, no imaginário social, no trabalho coletivo

dentre outros.

Aproximando-se dessa concepção, Loureiro (2001, p. 52) descreve a cultura

como um agrupamento de formas e expressões artísticas mentalmente elaboradas

que promovem concepções de cunho moral de um determinado grupo, construídas

historicamente ao longo dos tempos e que Brandão define como aquilo que nós

fizemos e fazemos ser. Para este autor,

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 66

[...] somos o que criamos para efemeramente nos perpetuarmos e transformarmos a cada instante. Tudo aquilo que criamos a partir do que nos é dado, quando tomamos as coisas da natureza e as recriamos como os objetos e os utensílios da vida, representa uma das múltiplas dimensões daquilo que, em uma outra, chamamos de: cultura. O que fazemos quando inventamos os mundos em que vivemos: a família, o parentesco, o poder de estado, a religião, a arte, a educação e a ciência, pode ser pensado e vivido como uma outra dimensão (BRANDÃO, 2002, p. 22).

Portanto, as relações sociais que se estabelecem, encontram-se

impregnadas de culturas, de saberes que se relacionam entre si, de modo a

promover relações de convivência, construídas em bases definidas como educativas

e que impulsionam o desabrochar de vários conhecimentos, seja de natureza

econômica, religiosa e/ou política, pois a cultura representa a mais profunda

significação do que somos. Ainda para esse teórico, “tal como a natureza onde

vivemos e de quem somos parte, também a cultura não é exterior a nós. A diferença

está em que o “mundo da natureza” nos antecede, enquanto o “mundo da cultura”

necessita de nós para ser criado” (BRANDÃO 2002, p. 22).

Outra compreensão a respeito da relação entre homem e natureza encontro

em Geertz (1989, p. 61) que acrescenta que “sem os homens certamente não

haveria cultura, mas, de forma semelhante e muito significativamente, sem cultura

não haveria homens”. Isto nos remete à compreensão da relação intrínseca entre

homem e cultura ou vice versa, pois “somando tudo isso, nós somos animais

incompletos e inacabados que nos completamos e acabamos – não através da

cultura em geral, mas de formas altamente particulares de cultura: [...] de classe alta

e classe baixa, acadêmica e comercial”.

A cultura não é tão somente um agrupamento de valores que precisam ser

protegidos e promovidos, ela é a extensão das possibilidades de vida social e

política. Ela é o acervo das ações que devem ser preservadas, é a compreensão do

mundo, é a criação de um aparelho de comunicação, é um sistema de ideias,

instituições, procedimentos e tradições que fazem parte de referências que

caracterizam uma determinada sociedade e que a torna distinta das demais

(CERTEAU, 1995, p. 194).

Pois a convivência em sociedade representa para Thompson (1995, p. 165)

a forma como o sujeito expressa o que produziu cotidianamente, bem como concebe

o que foi produzido pelos demais, seja através de símbolos ou verbalizando. Para

esse autor, o simples reconhecimento de objetos e fatos de fenômenos de um

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 67

mundo natural ou sua propagação sem o peso de uma profunda interpretação não é

suficiente para sua compreensão.

Para Brandão (2002, p. 13) isso acontece através daquilo com que as

pessoas negociam harmoniosamente ou não, interpretando os símbolos criados a

partir de uma leitura de mundo de uma ou várias sociedades, percorrendo caminhos

complexos da história da humanidade.

Thompson (1995, pp. 181-193) vai mais além ao repensar a cultura a partir

de uma “concepção estruturante” enfatizando a importância do estilo característico

dos fenômenos culturais inseridos em contextos ou processos sociais estruturados.

Para o autor, em se tratando das formas simbólicas de se compreender a cultura, se

faz necessária a discussão de alguns aspectos que a constituí: o intencional, em que

o sujeito a partir daquilo que edifica símbolos, tenta alcançar os próprios objetivos,

divulgando suas criações, e, o convencional, que após a produção, construção das

formas simbólicas, faz uso da interpretação dessas formas a partir daquilo que o

autor intitula como,

[...] aplicação de regras, códigos ou convenções que variam desde as “regras de gramática e convenções de estilo e expressão, desde códigos que relacionam sinais específicos a letras, palavras ou situações concretas específicas,[...] até as convenções que governam a ação e interação de indivíduos que tentam expressar-se ou interpretar as expressões de outros [...] (THOMPSON, 1995, p. 185).

Essas convenções encontram-se implícitas e em estado de criação de

expressões que têm significado e ao mesmo tempo contribuem para que criações

externas também façam sentido. Isto é percebido nas concepções do senhor

Antonio dos Santos Vieira, agricultor e feirante, 45 anos (fig. 23), ao afirmar que “a

gente aprende a matemática na feira, chego aí as vezes tem um monte de freguês

que querem fazer graça com a pessoa, bota outros tipos de conta. Mas isso é pra

gente poder usar o que a gente sabe né?” (Entrevista concedida em março de

2011).

Essa narrativa, a meu ver, representa a importância da atenção que o

entrevistado desenvolve mediante situações cotidianas e diversificadas que lhe

estimulam o repensar a cada momento, pois cada freguês como ele bem frisa, traz

outros aprendizados ou outras operações matemáticas que não são do seu

conhecimento, mas que deve estar preparado para resolver usando aquilo que sabe,

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 68

e, principalmente aquelas em que alguns clientes demonstram, segundo ele, certa

astúcia no trato com os feirantes. Suponho que o fato de perceber quais atitudes

deve tomar, se dá mediante a prática de atitudes éticas que lhe possibilitou

desenvolver perspicácia para resolver não só problemas matemáticos, mas também

analisar o caráter de outras pessoas.

Fig. 23 – Antonio dos Santos Vieira. Fonte: Arquivo da pesquisadora, 2012.

Para Thompson (1995, pp. 187-192) há outras características importantes na

estruturação das formas simbólicas: a estrutural que significa “que as formas

simbólicas são construções que exibem uma estrutura articulada”, em que os

elementos colocam-se em relação com outros; a referencial, em que as formas

simbólicas também podem ser compreendidas como construções que detém certa

representatividade de algo, “referem-se à algo, dizem algo sobre alguma coisa”. A

característica contextual abarca todas as outras, justamente pelo fato de que as

formas simbólicas encontram-se inseridas não em um, mas em vários contextos que

representam a historicidade vivenciada através daquilo que é produzido, transmitido

e recebido.

No universo teórico de Brandão (2002, p. 230) cabe à cultura enquanto

processo social a realização da ação, a representação do simbólico, pois “antes de

ser memória, a cultura fala, classifica, estabelece pautas de legitimidade, orienta a

conduta e significa a ação realizada”, o que de outra forma se encontra na

conceituação de cultura formulada por Thompson (1995, p. 165) ao afirmar que essa

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 69

é um “conceito que possui uma longa história, e o sentido que ele tem hoje é, em

certa medida, um produto dessa história”.

Para aproximar-me do conceito amplo de cultura e compreender como se dá

o processo de construção de saberes culturais, acredito ser providencial a tomada

do conhecimento no que diz respeito a cultura amazônica, não em sua plenitude,

mas naquilo que é essencial para a valorização das ideias amazônidas, ancoradas

naquilo que seu povo pensa, fala e faz.

Cultura amazônica na concepção de Loureiro (2001, p. 74) é o resultado das

produções construídas no inconsciente coletivo regional, resultante das relações que

se estabelecem na sociedade amazônica, seja em situações de harmonia ou em

conflitos, entre os homens e mulheres, entre os seres que habitam a floresta, dos

pensamentos, das ideias produzidas e introduzidas na subjetividade e que refletem

os diversos saberes constituídos historicamente.

Para esse autor dois aspectos importantes marcam a existência da cultura

amazônica, o isolamento, configurado pelas dimensões geográficas, políticas e

sociais e a identidade, gerada no interior dos costumes e saberes dos amazônidas

(2001, p. 29). Porém, esses aspectos foram sendo modificados, ou melhor,

favoreceram o surgimento do processo de aculturação, que de acordo com

Vannucchi (2006, p. 46) é um dos “conceitos-chave da antropologia cultural

contemporânea”, que representa o movimento das transformações conflituosas,

vivenciadas por uma ou mais pessoas em decorrência do contato contínuo com

outras culturas e que para Martinic (1981, p. 82) significa que,

[...] los procesos de aculturación, por ejemplo, resultan ser trágicos no solo por la violência física que suponen, sino que, además, por aquella de orden simbólico que establece uma nueva definición de realidad, de lo sagrado, el universo y que funda, sobre bases desconocidas, um cosmos em el cual se está obligado a participar (MARTINIC, 1981, p. 82).

Loureiro (2001, p. 21) assevera que compreender a cultura amazônica é

avaliar seu desempenho poético e ao mesmo tempo “estabelecer uma relação entre

o conhecimento e a realidade conhecida, uma relação de sensibilidade com a

aparência formal e significante do que está sendo conhecido”. Em sua análise é

errôneo colocar à margem, a cultura contemporânea regional, por conta da relação

entre os homens e a natureza, que perdura numa teia harmoniosa de perigos e que

mantém no coração dos amazônidas o sentimento de pertencimento, no que diz

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 70

respeito às suas origens. Por outro lado, esse sentimento não impediu que a cultura

amazônica ficasse historicamente a mercê da ambição, por conta de suas riquezas,

que resultam em conflitos sociais, travados a partir das “incursões

desenvolvimentistas desestruturadoras de sua sociedade, agravadas a partir dos

anos 60” (op. cit., p. 27).

Outro fator que põe em evidência a região amazônica se deve à sua

formação étnica, constituída desde os tempos do Brasil Colônia, pelo caboclo ou

mestiço, resultado da miscigenação entre índios, brancos e negros. Este fator não

descaracterizou as raízes indígenas, pois o caboclo continua extraindo do habitat

natural o sustento necessário para sobrevivência, e, ao mesmo tempo construindo

ao longo dos anos uma sabedoria popular baseada na natureza (LOUREIRO, 2001,

p. 36).

Isto se encontra refletido nos estudos de Loureiro (2001) ao comentar um

trabalho de Angélica Maués sobre o homem e o clima amazônico, que diz que a

autora se utilizou de autores diversos para referendar uma concepção a respeito

desse povo, tais como: “raças mais escuras ou climas tropicais nunca seriam

capazes de produzir civilizações comparativamente evoluídas” (Thomas Skidmore);

“Ora, entre as magias daqueles cenários vivos, há um ator agonizante, o homem”

(Euclides da Cunha); “A vastidão da planície diminui a força do homem que a prova”

(Raimundo Moraes); “Esmagá-los (essas raças cruciais) sob a pressão enorme de

uma grande imigração, de uma raça vigorosa [...] as aniquile, assimilando-a, parece-

nos a única coisa capaz de ser útil a esta província” (José Veríssimo) (LOUREIRO,

2001, p. 43).

Thompson (1995, p. 167) descreve sua concepção a respeito de cultura

maior e cultura menor, enfatizando que a partir do século XIX a expressão cultura

significava o sinônimo da expressão civilização em alguns casos, enquanto que no

século XVIII, na França e Inglaterra, a palavra civilização significava um

procedimento em constante evolução, caracterizado pela organização e

desenvolvimento das pessoas com relação às suas atitudes refinadas, contrapondo

qualquer pensamento com predisposição violenta.

Na contramão desse processo, Vannucchi (2006, p. 30) baseado na obra A

decadência do Ocidente, de Spengler, conceitua que “cultura seria a totalidade

criadora, enquanto que civilização, a fase desagregadora, a própria decadência”. Da

mesma forma, se apropria do humorismo de Millôr Fernandes, que caracterizou a

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 71

expressão civilização como “o esforço conjunto da humanidade durante milhões de

anos até se autodestruir estupidamente”.

Loureiro (2001, pp. 59-60) contrapondo-se aos aspectos que reduzem os

caboclos como primitivos e os espaços como improdutivos, defende que a cultura

amazônica deve ser compreendida a partir daquilo que a difere das demais, o seu

poder de dominação através de seus encantos naturais, em seus costumes,

representados também na linguagem, contida no imaginário social. Essa linguagem

encontra-se imersa em poesias, nas emoções, num devaneio estetizante que o autor

compara ao poema de Homero, em especial a história de Orfeu, que traz à vida sua

amada Eurídice pela capacidade de devanear, de pensar livremente.

Partindo dessa premissa, considero importante registrar um dos textos

construídos pelos professores Maria Lecy Chaves Lopes, Celina Sousa Lopes e

José Laurindo Nunes da Cunha5, que valoriza os utensílios necessários para o

processo de beneficiamento da raiz até a fabricação da farinha de mandioca. Assim,

elejo-o como prática social que põe em evidencia a historicidade dos saberes

construídos cotidianamente pelos agricultores e corporeificados na constituição e

manutenção do espaço Feira do Agricultor denominado de:

Farinhada

Tô, tô que tô/ na casa do forno/ preparando a farinhada/preparando a farinhada (Refrão). Sou famoso cortador/corto lenha com cuidado/tô no mato, tô falando/tô em casa tô calado/quem quiser saber meu nome/eu me chamo de machado. Limpando a casa do forno/sou baixinha e duradoura/quem quiser saber meu nome/eu me chamo de vassoura/sou alerta e muito forte/no trabalho da lavoura. Sou redondo de seis pernas/pra sua costa apoiar/ pra levar a mandioca/pra no poço jogar/ quem quiser saber meu nome/ eu me chamo aturá. Sou comprida e bem funda /pra mandioca receber/esperar mão de pilão/que é uma ajuda muito boa/ quem quiser saber meu nome/ eu me chamo de canoa. Toque-toque bem ligeiro/na mandioca de montão/esperando a ajuda de sua bendita mão/ quem quiser saber meu nome/eu sou a mão-de-pilão. Sou famoso vai e vem/chamado de tipiti/ sou eu quem espreme a massa/ pra sair o tucupi/pra fazer a farinhada/e tomar com açaí.

5 Professores da Comunidade do km 33, no município de Mãe do Rio (nota da autora).

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Sou quadrada e bem ligeira/separo a massa fina pra ficar só a crueira/ quem quiser saber meu nome/eu me chamo de peneira. Sou a lenha assanhada/faço fogo mesmo assim/caprichando muito bem/pra não queimar o cuí/pra fazer a farinhada e tomar com açaí. Sou o forno muito forte/bem ligeiro e resistente/botando fogo debaixo/o meu fundo fica quente/tornando a massa fina em farinha excelente. Sou larguinho e rabudo/quem quiser saber meu nome eu me chamo mestre rodo/preparando a farinha pra comer com quase tudo. Já estou pronta e bem feitinha/muito linda e amarelinha/quem quiser saber meu nome/eu me chamo de farinha/o alimento preferido no seu caldo de galinha. Fonte: (PAIXÃO; OLIVEIRA, 2009, p. 66).

Este texto em forma de canção representa a integração entre escola e os

saberes produzidos pela comunidade, pois ao ser elaborado, foi divulgado com a

participação das mães agricultoras, estas, integrantes do Clube de Mães da referida

comunidade e posteriormente introduzido no cotidiano escolar mãeriense. Essa

integração, a meu ver, transcende o universo da escola ao destacar a importância

do trabalho agrícola, com a utilização de objetos de origem indígena para a

fabricação da farinha de mandioca, alimento que segundo a canção, revela a função

do trabalho, enquanto prática de integração da vida rotineira e da cultura local.

Por mais que esta pesquisa procure demonstrar os saberes constituídos na

comercialização da farinha de mandioca, ressalto que realizo referência à essa

produção, por acreditar na importância dessa atividade agrícola que representa

simbolicamente os fazeres de homens e mulheres, através dos dizeres por eles

produzidos. Valorizar tão somente os saberes construídos na comercialização dessa

farinha na Feira do Agricultor e não tornar público o que antecede a esse processo,

do meu ponto de vista descaracteriza a função pedagógica que ora tento

estabelecer nesta pesquisa. Acredito, portanto, no conjunto da obra e não na

particularização do conhecimento amazônico.

Encontro reforço para esse entendimento em (RODRIGUES et al. apud

OLIVEIRA e SANTOS, 2007, p. 22) ao considerar que:

Uma parcela dessas informações deve resgatar os elementos que estão presentes na base do seu sistema social de representações culturais e que não podem permanecer relegados ao silêncio, uma vez que são o componente essencial de sua identidade amazônica, constituindo aquilo que designamos como saberes e que reúne suas manifestações artísticas,

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as poéticas e o processo de sua criação e transmissão (RODRIGUES et al. apud OLIVEIRA e SANTOS, 2007, p. 22).

Ao defender a união de diversas informações sobre a cultura amazônica, não

estou me propondo a contar histórias, mas perceber nelas os saberes produzidos e

incorporados pelos sujeitos que edificam suas vidas e que na maioria das vezes não

se reconhecem como produtores de conhecimento e nem que suas produções

demandaram de aprendizados e concepções de vidas passadas. Tão pouco percebo

nas falas dos agricultores opiniões voltadas para a cultura amazônica, talvez pela

adolescência do município que conta apenas com 24 anos e pela miscigenação de

seu povo que possui seu contingente humano formado por pessoas oriundas das

diversas regiões do Brasil. Portanto, percebo que a concepção de cultura amazônica

se torna difícil de conceituar, observei durante a pesquisa que muitos não sabem

falar da cultura regional, mas demonstram um grande leque de conhecimentos em

relação a cultura a qual são oriundos como a nordestina, porém, apesar dos nativos

não serem nordestinos, a adotam como se fossem, negando sua raiz amazônida.

3.2. Identidade e Cultura Amazônica: reconhecimento pela educação.

A cultura amazônica onde predomina a motivação de origem rural-ribeirinha é aquela na qual melhor se expressam, mais vivas se mantém as manifestações decorrentes de um imaginário unificador refletido nos mitos, na expressão artística propriamente dita e na visualidade que caracteriza suas produções de caráter utilitário – casas, barcos etc. O interior – expressão que designa o mundo rural, embora inclua vilas e povoados - é o lugar das tensões próprias dessa sociedade onde os grupos humanos estão dispersos ao longo de extensos espaços e onde se acham mergulhados numa ideia vaga de infinitude, propiciadora da livre expansão do imaginário. (LOUREIRO, 2001, p. 56).

Essa representação de cultura amazônica encontra-se distante ou invisível

do contexto cultural mãeriense na atualidade, tanto em suas temporalidades quanto

espacialidades. O que me fez chegar a essa compreensão se deve ao fato de que a

principal via de acesso não é mais o rio que propiciou a chegada dos estrangeiros, e

que por conta disso, dispõe de todo um arcabouço literário que ampara a

transmissão do conhecimento. A constituição de Mãe do Rio se deu por meio da

abertura da rodovia Belém-Brasília, na década de 50, que possibilitou o

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 74

deslocamento de migrantes, principalmente de nordestinos, portanto, sua identidade

cultural encontra-se ainda em processo de consolidação de hábitos e fazeres

culturais, haja vista constar com apenas vinte e quatro anos de emancipação

política. Esse espaço de tempo ainda não é suficiente para a consolidação identitária

da população, pois esse processo se apoia em características visíveis e

compartilhadas em um número expressivo de habitantes do espaço.

Mas ao mesmo tempo em que se pensa não haver relação, Loureiro (2001)

justifica que:

Não obstante ser umas das regiões mais definidas e individualizadas dentro dos quadros continentais, a Amazônia não é, contudo, uma região fácil de definir e delimitar, a começar pela plurivalência de sentido do termo que a nomeia, que tanto pode significar uma bacia hidrográfica como uma província botânica, um conjunto político ou como espaço econômico (LOUREIRO, 2001, p. 60).

Cuche (2002, p. 182) pondera que “a identidade é uma construção que se

elabora em uma relação que se opõe um grupo aos outros grupos com os quais está

em contato”. Considera que a constituição da identidade surge dentro de contextos

sociais que definem o estilo dos agentes, orientando quanto as formas de

representar, bem como suas escolhas, ocasionando a produção de efeitos sociais

reais.

Isto se percebe nas falas da senhora Maria Raimunda Lopes Vieira ao ser

indagado sobre seu local de nascimento: “Antes era município de Irituia,

Comunidade Menino Deus” (Entrevista concedida em março de 2012). O início da

narrativa aponta que a comunidade pertencia ao município de Irituia, mas ao mesmo

tempo, percebe-se implicitamente a vontade de se autodenominar mãeriense, talvez

por conta dos laços afetivos construídos ao longo do tempo no espaço por ela

ocupado e que a faz instituir lentamente uma identidade cultural que a possibilita

pensar e agir como tal.

Outro fator que podemos relacionar com as afirmativas acima de Cuche

(2002) é a produção e a comercialização da farinha de mandioca na Feira do

Agricultor, que pode vir a ser reconhecida como elemento de construção da

identidade cultural mãeriense, uma vez que, por meio dela é percebido que práticas

educativas garantem sua reprodução social, como pode ser observado nas falas da

senhora Antonia Borges Sampaio, agricultora e feirante, 57 anos, (fig. 24): “Todos

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nós na produção, que nós produzimos na colônia é a farinha, todo tempo”. Para a

entrevistada:

O que eu conheço no meu alcance é que a mandioca é um produto

pra nós agricultores de muita serventia. A origem dela pra nós é tirar a goma dela. É tirar o tucupi, da casca dela a gente conserva e faz adubo pras plantas, para o plantio. Da massa a gente faz a farinha, da folha, pra quem sabe, a gente faz a maniçoba, que é uma comida típica daqui do Pará (Entrevista concedida em março de 2012).

A intérprete ao narrar seus conhecimentos a respeito da mandioca, inicia

falando dos processos que a torna comestível, desde a raiz até as folhas. A

serventia a que se refere não se trata de uma complementação da renda, mas a

certeza dessa renda, pois todos os produtos advindos da raiz da mandioca podem

ser comercializados. A serventia para ela pode ser compreendida como algo que

identifica os agricultores.

Fig. 24 – Antonia Borges Sampaio. Fonte: arquivo da pesquisadora, 2012.

Outra forma que podemos perceber sobre identidade é observada nas falas

do senhor Nino Lima da Paixão, agricultor, sindicalista, um dos fundadores da

pastoral familiar e participante da pastoral missionária da Igreja Católica, 70 anos,

(Fig. 25), quando expressa: “Eu acredito Lana que o objetivo de Mãe do Rio é ter

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 76

este prazer de receber outros municípios com os produtos da farinha” (Entrevista

concedida em março de 2012).

Ao verbalizar “este prazer”, o intérprete afirma que a farinha é elemento da

identidade cultural, pois agrega pessoas, forma valores, a diferencia e a identifica na

relação com outros municípios. Compreendo que a farinha de mandioca possa ser

apontada como elemento social, econômico e cultural, garantindo o sustento de

muitos agricultores e feirantes e ao mesmo tempo servindo como base alimentar.

Fig. 25 – Nino Lima da Paixão. Fonte: Arquivo da pesquisadora, 2012.

Para o estudioso Cuche (2002, p. 198), a identidade “está sem cessar em

movimento, cada mudança social leva-a a reformular de forma diferente”, portanto,

ela é ativa e se constrói, se desconstrói e se reconstrói.

Para contrapor a essa a essa argumentação, o senhor José Tibúrcio Vieira

nos declara que:

Nasci no Ceará, no município de Várzea Grande. Eu sou um migrante da seca. Aí eu cheguei aqui em 1953 no dia 14 de julho [...]. Chegamos no município de Castanhal. Ficamos sete anos lá e em 60 viemos pra Mãe do Rio [...]. Aprendi aqui e com as obras da minha natureza mesmo. Porque os meus parentes e os meus primos, que eu vim trabalhar, eu já ensinei eles fazer farinha. Eu mesmo tendo vindo de lá sem nem mesmo conhecer o que

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 77

era farinha. Conheci e comecei a comer [...] e a gente troca aquela instrução [...]. Como eu falei pra senhora que o mundo ensina a gente e eu aprendi me corrigindo pelos outros (Entrevista concedida em março de 2012).

A reformulação de identidade por qual passou o entrevistado reforça a

concepção de que ela não é estática e acabada, pelo contrário, encontra-se em

constante construção, seja por motivos econômicos ao afirmar sua participação no

processo migratório naquele período, seja aprendendo com a cultura local a comer e

a fazer farinha. Talvez isso não tenha ocorrido de maneira prazerosa, mas constitui

profundo aprendizado quando afirma que tudo que sabe se deve ao fato de conviver

com os outros, com os exemplos de vida por ele vivenciado e incorporado em seu

cotidiano. Essa característica, a meu ver, representa que culturas diferentes

constituem nova identidade a partir da educação expressada nos saberes, fazeres e

dizeres de um ou vários grupos sociais.

Por conta da relação entrelaçada entre cultura e identidade, Santos (1994, p.

31) define que as identidades culturais: “são resultados sempre transitórios e

fugazes de processos de identificação [...], escondem negociações de sentido, jogos

de polissemia, choques de temporalidades em constante processo de

transformação”. Para contrapor essa afirmativa, a senhora Maria Raimunda Lopes

Vieira narra que: “Pouca, mas a gente vende, só que a gente tá fazendo mais para o

consumo. A gente tá mexendo com verdura agora, aí a farinha tá mais pra gente se

manter, coisa pouca mesmo, que a gente vende quatro ou cinco sacos por semana”

(Entrevista concedida em março de 2012).

Do meu ponto de vista, por mais que a produção de farinha de mandioca

tenha diminuído, o entrelaçamento entre produto e produtor parece estar distante de

uma separação definitiva. A entrevistada busca outros meios de obter renda como o

cultivo de hortaliças, mas a farinha de mandioca seja para o consumo ou

comercialização representa algo até então constante.

Em outra narrativa podemos observar a questão levantada por Santos (1994,

p. 31) sobre a definição de identidade cultural:

Olha, ela não deixa de ser, mas pra mim a feira tem uma falha muito grande, porque diz a feira dos agricultores. E nem os agricultores se organizaram para a feira ser só deles. Hoje tem mais atravessador no galpão do que agricultor. Então, de qualquer maneira, sobre a educação ela tem uma falha (Nino Lima da Paixão. Entrevista concedida em março de

2012).

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Fig. 26 – Vista parcial do Galpão do Agricultor. Fonte: arquivo da pesquisadora.

Essa “falha” que o intérprete afirma, se refere a ausência de um processo

que considera o fortalecimento da identidade dos agricultores. Em suas concepções,

boa parte das pessoas que integram a Feira do Agricultor, melhor dizendo, Galpão

do Agricultor atualmente são identificados como feirantes e não como agricultores

(fig.). Para ele, o conceito de educação está intrinsecamente relacionado com o

termo organização. Porém, acredito ser pertinente considerar o processo de

organização para a constituição do espaço Galpão do Agricultor, que segundo o

senhor Francisco das Chagas Santos se deu quando,

[...] chegou na hora de montar, fazer o que era preciso, aconteceu o seguinte. Aconteceu duas perguntas. O prefeito procurou saber se nós queria o galpão por nossa conta ou deixasse por conta da prefeitura. E eu fiz a pergunta pra ele se o galpão ficar por nossa conta. O que pode acontecer? Aí ele disse que toda goteira que tiver, toda telha que quebrar, todo piso que arrebentar, é vocês que tem que fazer. E se for por conta da prefeitura, é a prefeitura que faz. Aí eu disse então que fique por conta da prefeitura. Depois ele fez outra pergunta. Se era o galpão do produtor, dos feirantes de Mãe do Rio ou era um Galpão do Agricultor de Mãe do Rio. E eu tornei a fazer, perguntar pra ele o significado, o que é. Por que se fosse o Galpão do Agricultor de Mãe do Rio, só poderia vender era o pessoal de Mãe do Rio. Como ficou só o Galpão do Agricultor, não teve mais outra diferença, é todo o grupo. Qualquer agricultor chegando. Vai depender hoje da associação que tem (Entrevista concedida em março de

2012).

Segundo Francisco Santos a organização dos agricultores se deu para a

aquisição de um espaço para a comercialização de seus produtos, em outras

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palavras, um espaço para a realização da Feira do Agricultor. Portanto, acredito que

o local possui característica identitária, mas encontra-se em processo de

transformações culturais por agregar outros profissionais que a partir da

comercialização de outros produtos também contribuem para que processos

educativos aconteçam, possibilitando o surgimento de diversos saberes inerentes ao

cotidiano da feira. A questão identidade percebida nos momentos de negociação

para se saber qual a denominação a ser dada, demandou momentos de reflexões,

por conta das responsabilidades que os agricultores poderiam vir assumir

futuramente. Identificar para eles custaria um preço, uma responsabilidade que

talvez não pudessem assumir.

Mediante essas afirmativas, penso ser importante destacar as ideias de

Stuart Hall (1997) que considera que mudanças ocorrem nos quadros de referência

social porque as “velhas identidades” por se encontrarem em declínio, acabam por

provocar o aparecimento de outras identidades que vão fragmentar o indivíduo

moderno que até então era visto como um “sujeito unificado”.

Olha, pelo o que a gente tá vendo, vai acontecer no Pará assim, se Deus não colocar outro jeito. O paraense vai comer farinha, mas de longe! Porque nós tamo numa situação difícil porque a farinha tá sendo um produto que muita gente tá dizendo assim: - Olha, a farinha não vale nada. E quando a gente diz que as coisas não vale, ela vai deixar de valer. O paraense pode ser que faltando a farinha ele passe. Não sei. O futuro dá um jeito (José Tibúrcio Vieira. Entrevista concedida em março de 2012).

Na minha concepção, quando o intérprete afirma que “as coisas não vale,

ela vai deixar de valer”, refere-se não somente ao produto, mercadoria, sua

desvalorização comercial, mas evidencia que esse fenômeno atinge dimensões

subjetivas de invisibilidade, pois seguindo esse raciocínio, desaparecem tanto o

produto como a identidade do agricultor e do feirante.

Assim, a chamada “crise de identidade” é vista como parte de um processo mais amplo de mudança, que está deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social (HALL, 1997, p. 7).

A princípio, na modernidade, o homem constituía uma identidade sólida

social e cultural. Porém, a movimentação estrutural provocaria crises de identidade,

de forma extensiva, em que as culturas dos vários segmentos sociais já não

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compreendem mais o papel a que se propõem e onde atuar (HALL, 1997, p. 7) e isto

se observa nas considerações do senhor Francisco das Chagas Santos ao afirmar

que:

Olhe, a Feira do Agricultor não teve dificuldade, não teve dificuldade porque todo mundo precisava. Você vê hoje que todo mundo precisava. A Feira do Agricultor você sabe, entra até o comerciante, até o comerciante quer, porque é para vender e pegar seu dinheiro. E no momento que nós começamos, que nem o prefeito falou, você vai vender dia de sábado e vai aparecer um lugar pra você guardar seu produto (Entrevista concedida em março de 2012).

Segundo o entrevistado, questões econômicas influenciam para que outros

profissionais participem da feira, reconhecendo implicitamente que todos precisam

trabalhar para suprir as próprias necessidades, porém, segundo o entrevistado, os

agricultores obtiveram do governo local naquele período a garantia de um espaço

para que os mesmos guardassem seus produtos. Acredito, portanto, que haja uma

crise de identidade no Galpão do Agricultor, fator este que contribui talvez para o

afastamento de alguns campesinos nesse local de comercialização dos produtos

agrícolas.

Para reforçar minhas interpretações, reporto-me a Silva (2009, p. 20) que

descreve que os termos “identidade” e “crise de identidade” parecem ser

considerados por alguns teóricos na atualidade como palavras que expressam

características sociais contemporâneas, porém, só fazem sentido quando analisadas

no contexto das transformações globais. Ao citar Kevin Robins (1991), Silva a meu

ver coaduna suas ideias com os pensamentos de Robins, apesar de que o

desenvolvimento do capitalismo não represente algo novo, ele o é recentemente

caracterizado pela convergência de culturas e modos de vida impactantes das

sociedades.

Nesse sentido o senhor Luiz Gonzaga Moreira, agricultor e feirante, 71 anos,

(Fig. 27) afirma que “porque é eu que produzo a farinha. No próprio instante que eu

deixar de produzir aí talvez seja melhor, mas enquanto não”, ou ainda “nós ia vender

em grosso do jeito que a gente vendia antigamente” (Entrevista concedida em março

de 2012).

Para o entrevistado, a farinha de mandioca representa algo que garante o

sustento, pois ao mesmo tempo em que sugere uma possível descontinuação do

trabalho produtivo, também sinaliza que há outras possibilidades de sobrevivência,

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 81

na esperança de permanecer fazendo aquilo que aprendeu a fazer: produzir e

vender farinha.

Fig. 27 – Luiz Gonzaga Moreira. Fonte: Arquivo da pesquisadora, 2012.

O senhor João do Carmo Araújo, comerciante, 64 anos, (Fig. 28), apesar de

não ser produtor de farinha de mandioca, também encontra nela, ou melhor, em sua

comercialização, alternativa de sobrevivência, pois para ele:

Comercio. Ai depois abandonei o comercio e fiquei só na farinha mesmo, farinha e milho, cerealista, feijão, mas a coisa que mais nós vendemos, o principal mesmo é farinha [...] por que eu mesmo me acostumei e é uma coisa que eu gosto de comprar e vender a farinha [...] o especial é a margem de lucro que gente luta pra conseguir e no final sobrar uma margem de lucro pra gente. Quanto mais a gente compra, mais lucra porque a margem de lucro é pouco e pra ganhar alguma coisa tem que vender muito, tem que vender pelo menos na faixa de trezentos, quatrocentos sacos por semana (Entrevista concedida em março de 2012).

.

A meu ver, essa narrativa demonstra dois aspectos importantes: ter a farinha

de mandioca como principal produto; ter o prazer de fazer o que se gosta, pois ela

lhe dá um lucro e esse valor por ele atingido, se dá mediante seu esforço em

comprar e vender, evidenciando que somente um comércio ao final do mês

consegue comercializar mil e seiscentos sacos de farinha, o que me leva a acreditar

haver certa afinidade entre entrevistado e o produto farinha de mandioca.

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Fig. 28 – João do Carmo Araújo. Fonte: Arquivo da pesquisadora, 2012.

Nas concepções de Hall (2006) percebe-se a existência de três possíveis

consequências que dizem respeito à globalização, em que a primeira menciona a

desintegração da identidade cultural, decorrente do desenvolvimento da

homogeneização da cultura; a segunda acena para as identidades privadas e

nacionais que resistem ao processo de globalização forçosamente e a terceira

concretiza que os espaços reservados às identidades nacionais estão sendo

tomados pelas identidades híbridas. Um exemplo de uma identidade híbrida pode

ser encontrado no depoimento de Maria Raimunda Lopes Vieira, ao dizer na minha

concepção que mesmo ela possuindo uma característica que a identifica e a

representa, a mesma acredita que a sociedade que a cerca não a visualiza de tal

forma, o que provoca no seu íntimo a ideia de desvalorização do seu eu.

Acredito que nós ficamos esquecidos, ninguém valorizou. A verdade que acho é que não teve valor, porque se tivesse valorizado o produto da agricultura até hoje, a festa seria melhor ainda, mas eu acho que nós ficamos foi esquecidos. Apesar de que tudo que vem pra mesa do rico é da agricultura. Nós não somos valorizados, nós não somos vistos por todos. Existem pessoas sim que nos valorizam, mas eu acho que ficou esquecido por isso aí (Maria Raimunda Lopes Vieira. Entrevista concedida em março de 2012).

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Tenho a concepção que o reconhecimento do outro para a entrevistada,

representa a importância do trabalho do agricultor para a formação das demais

camadas sociais. Suponho que os pontos ressaltados por Maria Raimunda Lopes

Vieira não demonstram a busca pela exaltação, pelo contrário, permitem perceber

que existe uma relação de trocas, em que o agricultor/feirante necessita de clientes

para efetuar sua venda, da mesma maneira que o restante da sociedade depende

dessa atividade comercial para exercer suas tarefas cotidianas. O discurso

evidenciado pela entrevistada mostra, do meu ponto de vista, que os sujeitos

parecem desconhecer que seus afazeres se configuram como um movimento de

resistência cultural, e que os mesmos fortalecem essa identidade.

Nessa perspectiva, os ensinamentos de Silva (2009, p. 28) se coadunam

com Hall (2006), no que concerne a afirmativa existencial de duas identidades

culturais, uma que busca renovar alguns conceitos históricos, buscando recuperar a

“verdade”, seja de um passado, seja de uma cultura compartilhada. A outra tem por

finalidade reivindicar e reconstruir o passado, tendo em vista o entendimento dos

conceitos de “tornar-se” e “ser”.

Para Brandão (2002, p. 116), povo sem cultura e sem identidade é povo

desprovido de autonomia, flagelado nas emoções temporárias de liberdade, por

imposição do capitalismo. Portanto, entendo que ao realizarmos reflexões acerca

dos saberes e das vivências daqueles que integram o espaço amazônico,

fortalecemos a identidade cultural que se encontra em processo de construção. Mas,

ao mesmo tempo que constrói, também fomenta a interrupção de práticas que

identificam um determinado grupo de pessoas como se percebe nas considerações

da senhora Maria Raimunda Lopes Vieira:

Eu tive mais oportunidade de ver o crescimento dessa feira que tinha muita importância, inclusive já vi nessa época meu pai participando quando eles faziam a festa do dia 25 de julho. Aí vinham para uma celebração. Tinha a missa, o padre celebrava a missa em homenagem aos agricultores e no momento da oferta eram doados produtos da agricultura. Uns davam penca de banana, laranja, um cacho de côco, enfim, era uma coisa muito bonita. Ficavam ali. Ainda cheguei a participar ali perto do altar, ficava aquele monte de produtos dos agricultores (Entrevista concedida em março

de 2012).

Nesse processo de construção e reconstrução de identidades e em meio a

essa diversidade cultural amazônica, percebe-se que nas relações de convivência

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 84

no espaço da feira ocorrem disputas silenciosas entre os sujeitos agricultores,

feirantes, comerciantes, que podem gerar exclusão de tradições, pessoas,

costumes, pelo fato de evidenciarem diferentes maneiras de pensar, falar e agir.

3.3. Movimentos Sociais e a Formação da Feira do Agricultor: uma

educação coletiva.

O processo de formação parte da experiência real vivida pelos sujeitos, num espaço de vivências no qual os participantes são chamados a refletirem

sobre seus problemas e situações de vida, a fim de construírem juntos uma percepção mais aprofundada e politizada da realidade. E para isso ocorrer,

é importante estabelecer um clima acolhedor, em que os participantes sintam-se integrados em um espaço de aprendizado coletivo. É preciso

desenvolver relacionamentos carregados de sentidos, reconhecimentos, descobertas, vínculos e estranhamento (FREIRE, 2009, p. 120).

Por conta da organização coletiva evidenciada pelos entrevistados com

relação a feira e a farinha, julgo ser importante reconhecer nessa prática social de

envolvimento político e também promotora de aprendizados diversos, a integração

das ideias dos campesinos de modo a lhes possibilitar crescimento social,

econômico e religioso a partir de suas vivências, de suas necessidades diárias de

sobrevivência. O ajuntamento desses sujeitos, a meu ver, demonstra a educação

inserida pela busca do bem coletivo apropriando-se da subjetividade para assim

interferir subjetivamente, considerando a oralidade como elemento de integração e

divulgação dos saberes campesinos.

Por conta dessa organização, os processos educativos e os saberes

encontrados na Feira do Agricultor refletem fortes contribuições dos Movimentos

Sociais através do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, bem como da Igreja Católica

com as atividades do Movimento de Educação de Base, que influenciaram desde a

formação do espaço Feira do Agricultor, bem como nas atividades desenvolvidas de

comercialização do produto: farinha de mandioca. Isto é percebido segundo o relato

de Maria do Céu dos Santos Lima, ao afirmar que a origem da feira,

[...] se deu a partir da organização dos trabalhadores rurais [...] através do sindicato. Inclusive na época tinha o MEB que era o Movimento de Educação de Base que iniciou. Os trabalhadores já vinham se organizando, na verdade eles já vinham se organizando através da igreja,

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através da Teologia da Libertação6 e os trabalhadores e trabalhadoras já

estavam se organizando nessa parte, faziam reunião, os encontros de formação e quando surgiu o MEB, aí melhorou (Entrevista concedida em março de 2012).

Percebo que essa busca pela criação de um espaço que represente o

produtor e o seu produto não se deu de maneira imediata, pelo contrário, demandou

tempo para que os sujeitos se percebessem como integrantes de uma sociedade de

classes. Essa concepção foi construída através das questões relacionadas com os

anseios de homens e mulheres em busca de viver a realidade social, ancorados nos

ensinamentos de Jesus Cristo, que por sua vez pregava o amor e a justiça.

A participação da Igreja Católica permitiu o entendimento acerca do

Evangelho, comparando suas escrituras com a realidade vivenciada, enquanto que

os Movimentos Sociais possibilitaram entendimento no que se refere à garantia dos

direitos civis e políticos, o que me permite afirmar que para que houvesse toda essa

organização social, foi necessária o uso da educação. Uma educação pautada num

cotidiano imerso em saberes, constituindo todo aprendizado necessário no seio dos

Movimentos Sociais e que promoveu a afirmação histórica desses atores sociais,

através de suas ações coletivas embasadas numa linguagem popular que

proclamava a liberdade.

Diante disso, reporto-me à Touraine (2002) para dizer que o movimento

social explicita formas de saberes, de culturas, de educação, da vida cotidiana das

classes trabalhadoras, em que os atores sociais percebem que condutas coletivas

possibilitam o domínio de princípio de atuação histórica. É a luta dos atores sociais

no estabelecimento de sua historicidade, de sua cultura e do desenvolvimento de

formas concretas de defesa de seus interesses.

Para esse autor, os movimentos sociais “pertencem aos processos pelos

quais uma sociedade produz sua organização [...] através dos conflitos de classes e

das transações políticas” (op. cit., 2002, p. 283). Isto se confirma no relato do senhor

Nino Lima da Paixão, quanto a criação da Feira do Agricultor:

6 A Teologia da Libertação representa o discurso sobre Deus e sobre todos os ensinamentos por ele

instituídos através da justiça e da caridade. É um modo diferente de fazer teologia a partir da realidade dos excluídos pelo poder econômico e que por esse motivo não é compreendida civil e religiosamente, pois o modelo de evangelização expressado por esse movimento, além de pregar profundamente os ensinamentos de Jesus Cristo, representa a boa nova para os pobres por meio de

um aprendizado político que promova a liberdade social (BOFF, 2012).

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É fruto do primeiro prefeito que o povo de Mãe do Rio elegeu. Foi umas das preocupações que o Dr. Silas teve como primeiro prefeito foi com a colônia. Inclusive ele foi criticado por várias pessoas aqui da cidade quando ele fez o mutirão entre Irituia, Capitão Poço, Ourém, Santa Maria. Qual foi a preocupação dele? Coordenou esses municípios e vamos cuidar das estradas, dos nossos agricultores (Entrevista concedida em março de 2012).

Percebe-se nesse relato que o entrevistado reconhece o trabalho

desenvolvido pelo representante maior do município no período de (1989-1992),

considerando positiva sua articulação no trato com as necessidades dos produtores

rurais em adquirir meios para escoar os produtos e consequentemente incentivar o

aumento das produções agrícolas, em especial, a farinha de mandioca.

As críticas mencionadas pelo senhor Nino Lima da Paixão, podem até ter

sido feitas por pessoas muito próximas ao representante municipal, mas

desconectadas da realidade em que se encontravam os trabalhadores. Portanto,

acredito que essa ação primou por atender a todos sem distinção de classe ou

partido político. Ela pode até representar uma maneira de educar sem discriminar,

pois a educação deve estar pautada em bons exemplos de cidadania. Do meu ponto

de vista, ocorreu também uma ação política inerente aos governantes e aos partidos

políticos.

Para Warren (1993, pp. 52-56), com o surgimento das representações

sociais, surge também a figura de mediadores dos conflitos e com eles os NMS

(Novos Movimentos Sociais) remanescentes de grupos com força política, como

exemplo as CEB’s (Comunidades Eclesiais de Base) constituídas através da Igreja

Católica, que em pleno período de ditadura militar (1964-1985) conseguiu se

organizar num momento de restrições ideológicas, políticas, culturais e econômicas

no Brasil, pregando a Teologia da Libertação.

Nesse sentido, cabe destacar o motivo pelo qual essas comunidades

surgiram, que para o estudioso Beto (1981, p. 5) se deu a partir do desafio histórico

lançado à Igreja Católica pela América Latina com o objetivo de promover a

libertação dos povos latino-americanos “através de suas comunidades de base, e

seus agentes pastorais, descobrir o modo mais evangélico de tornar esta esperança

a práxis eficaz de transformação da história e a busca do mundo de justiça e de

amor” (1981, p. 5). A senhora Maria do Céu dos Santos Lima remonta alguns

desses momentos:

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Bom, na época que a igreja iniciou esse trabalho através da Teologia da Libertação, as comunidades elas não eram divididas, as comunidades elas trabalhavam em perfeita união, umas ajudavam as outras. Depois que fracassou esse trabalho, porque todo trabalho tem que ter um limite, não digo que chegou o fim, mas é claro que tem uma queda, então esse trabalho também teve essa queda, e depois da queda foi que as comunidades ficaram divididas (Entrevista concedida em março de 2012).

As concepções da entrevistada informam a divisão das comunidades não no

sentido de divisão espacial, mas quanto ao enfraquecimento das bases populares e

da não continuação da formação de lideranças, ocasionando a dispersão do

pensamento de unidade educativa voltada para os mais pobres.

Apesar de não explicitar os motivos desse enfraquecimento, encontro

respostas na retração que se deu a partir do pontificado de João Paulo II ao

determinar a consolidação de uma nova identidade à Igreja Católica, um moderno

equilíbrio eclesial, momento em que a Teologia da Libertação sofreu duras críticas

por parte do Vaticano, censurando alguns teólogos como Clodovis Boff e Gustavo

Gutierrez. Essa censura recaiu também aos bispos que seguiam essa linha de

libertação (SOARES, 2010, p. 74).

Se considerarmos o conceito de comunidade, segundo Nascentes (1988, p.

155) representa a “qualidade do comum [...], sociedade de pessoas que vivem em

comum e seguem a mesma regra, com fim religioso”. Portanto, a divisão que ocorreu

segundo a senhora Maria do Céu dos Santos Lima, de acordo com minha

interpretação, não justifica a aplicação desse conceito, justamente por enfraquecer

um trabalho construído coletivamente. Considero essa afirmativa importante, pelo

fato de pôr em evidência a educação não para manutenção do aprendizado coletivo

dessas comunidades, mas para fomentar implicitamente a concorrência entre as

pessoas que dela fazem parte.

Mas outro entrevistado nos dá uma diferente versão a respeito:

Olha, quando começou o trabalho de comunidade, a equipe que primeiro a ser formada, que não existe mais, o pessoal esqueceu. Era a equipe pastoral. Quem era que fazia parte da equipe pastoral? A maioria eram aquelas pessoas que não sabiam nem ler, eram os analfabetos. “Ah! Eu não posso participar da comunidade porque eu não sei ler”! (Nino Lima da Paixão. Entrevista concedida em março de 2012).

Essa afirmativa reconstrói a ideia de unidade por apresentar o relevante

trabalho das equipes pastorais, ao proporcionarem o acesso à educação e o

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trabalho comunitário aos sujeitos considerados analfabetos pelo fato de não

saberem ler nem escrever códigos e sinais, porém letrados na arte de educar e se

educar na vida cotidiana.

Para o senhor Nino Lima da Paixão “as pessoas se educaram assim. Não

tinham tempo de, por exemplo, ficar criticando, porque o tempo da comunidade era

preenchido desse jeito, mas de maneira educativa. E também o maior cuidado com

as crianças que já era uma pra ter aquele sistema” (Entrevista concedida em março

de 2012). Essa narrativa representa com veemência a importância do trabalho na

vida das pessoas, de modo a não possibilitar a inserção de atitudes que em nada

contribuem para a convivência coletiva. Nesse sentido, a crítica deve ser entendida

como crescimento subjetivo e intersubjetivo na medida em que ela passa a ser

instrumento da educação.

Essa concepção de preencher o tempo das crianças com trabalho educativo

revela a intrínseca relação entre três instituições que considero essenciais no trato

com educação: a família, a igreja e a escola, cabendo a cada uma delas desenvolver

atividades educativas naquilo que lhe compete. Acredito que dentre as três, a

família, detém a maior responsabilidade, pois é ela quem deve encaminhar as

crianças para a vida escolar e para a igreja. Estando essas instituições entrelaçadas,

o trabalho pastoral é fortalecido, pois de acordo com senhor Nino Lima da Paixão,

[...] tinha que ter a catequista também pra cuidar das crianças. Então a comunidade surgiu assim. Pra mim eu elogio bastante o trabalho de Dom Miguel porque ele se preocupou com o todo, não foi só com a parte de ler e escrever e não só de rezar não. Com as partes todas das comunidades (Entrevista concedida em março de 2012).

Do meu ponto de vista, essa maneira de pensar no todo, elogiada pelo

senhor Nino Paixão, demonstra a visão de uma educação como projeto político

pedagógico ou como educação para a vida, pois acredito que não se pode pensar a

educação desenvolvida em comunidades, negando a realidade dos sujeitos que dela

fazem parte. De nada adianta ler e escrever se ambas não proporcionam a

interpretação da e para a vida cotidiana e muito menos rezar e não compreender o

evangelho em sua plenitude no que concerne a justiça e a caridade para si e para

com o próximo.

Com relação a Teologia da Libertação, esse mesmo entrevistado aponta

uma diferente concepção a respeito desse movimento ao discorrer que: “foi uma

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 89

coisa que ela sacudiu o povo, mas é que eu acredito que eles vieram, como diz o

ditado, „com muita sede ao pote’” (Nino Lima da Paixão. Entrevista concedida em

março de 2012).

Compreendo que a visão do entrevistado refere-se a uma educação que

transforma, mas essa transformação demanda tempo e requer cuidados quanto aos

meios para sua aplicação e a quem se destina, pois a mudança de um paradigma de

comportamentos implica numa reestruturação cultural que poderá abalar as bases

tradicionais de uma sociedade. O entrevistado ainda argumenta que:

O grupo, inclusive alguns dos padres da Teologia da Libertação. Então eles quiseram chegar talvez mais rápido aonde deviam. Então as coisas não são bem assim. Eu fico preocupado quando vejo uma pessoa da igreja, as vezes tá afastada e de repente num encontro, ele se entusiasma e quer transformar o mundo. Eu fico preocupado demais que aquilo não é [...], então foi o que aconteceu com a Teologia da Libertação. Ela foi boa, sabe? Uma coisa que o pessoal estranhava e eu tenho uma apostila dessa época. Porque qual era o nosso trabalho? Qual era a nossa preocupação dessa época? Preocupação do Dom Miguel, levar a educação e depois sobre o trabalho. Porque fundar a comunidade? Porque igreja? Pra se reunir aos domingos e agradecer a Deus e depois no trabalho. Então por exemplo, fazia uma procissão, era a imagem que ía na frente, era aquela coisa toda. Depois a concentração era coisa mais bonita. Com a Teologia da Libertação o que foi que aconteceu? O que foi que surgiu? O próprio pessoal na comunidade estranhava. [...]. Se veem aquela procissão, a irmã parece que Delaide, parece que é o nome da freira, que estava na comunidade à frente da comunidade. Na hora da procissão não ia o santo. O que era que o povo levava? Era machado, era foice, era enxada. Aí o pessoal estranhava aquilo. Uma revolução rápida sem uma educação. Entendeu? Então a Teologia da Libertação, ela foi boa, mas ela quis avançar rapidamente sem aquela educação, que o povo precisava. Como eu te falava da cooperativa. Porque que ela foi à falência (Nino Lima da Paixão. Entrevista concedida

em março de 2012).

Teoricamente esse aprendizado parece de fácil apreensão, mas ao se

deparar com a interpretação da realidade, como exemplo, a utilização das

ferramentas do trabalho no campo, configurou como algo agressivo aos olhos

daqueles que necessitavam de um tempo maior para relacionar teoria e prática,

educar-se ainda mais. Mas educar-se também, requer respeito com a tradição

incorporada seja em atividades religiosas, no exercício do trabalho, dentre outras. A

simbologia construída no imaginário social, constitui-se de saberes que incorporados

cotidianamente revelam os anseios, as crenças, o posicionamento ideológico das

pessoas e isso necessita ser considerado.

Há de se pensar também, se com a utilização dos instrumentos de trabalho,

houve retração ou enfraquecimento do movimento, pois uma coisa é exercer uma

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 90

determinada atividade, em especial a agrícola, que necessita de determinadas

ferramentas para sua efetivação. Outra coisa é perceber nesses mesmos objetos,

como exemplo a enxada, sendo utilizada em outros momentos e espaços de

socialização prioritariamente destinados à pregação do Evangelho. Talvez essa

compreensão possa estar relacionada com a aquilo com que as pessoas se

identificam ou não.

Segundo a narrativa do senhor Nino Lima da Paixão, no que diz respeito a

divisão das comunidades, considero essa articulação como política-educativa,

porque contribuiu de maneira indireta na divisão geográfica do município, com a

denominação de algumas das comunidades; com a edificação de pequenas igrejas

ou capelas, e principalmente, por proporcionar o engajamento dos trabalhadores nos

momentos de reflexão acerca dos trabalhos campesinos.

Soares (2010, p. 73), complementa que as CEB’s atuavam na legalidade,

mesmo constituindo-se como movimento social que formava lideranças para assim

contestar os direitos civis e políticos, de posse de uma articulação dialética entre fé e

vida. A meu ver, Beto (1981) coaduna com esse pensamento ao afirmar que as

Comunidades Eclesiais de Base surgiram como um desafio lançado à América

Latina no sentido de “anunciar a boa nova aos pobres; aos cativos, a libertação; aos

cegos, a restauração da vista; dar liberdade aos oprimidos e proclamar o tempo de

justiça do senhor” (Lc4, 18-19 apud BETO, 1981, p. 5). Para esse autor a igreja

deveria romper com a classe dominante, comprovando sua participação efetiva no

processo de fuga do povo da opressão vivenciada, através da comunhão com Deus,

pois,

[...] a igreja não pode servir ao mesmo tempo ao Deus que faz justiça aos oprimidos e aos senhores do capital, que mantém a opressão. Pretender reconciliar estes dois polos antagônicos é ignorar a natureza e o caráter do conflito que travam. [...] Por outro lado, a opção radical pelos marginalizados e explorados, que caracterizou o engajamento de Jesus de Nazaré, não supõe ódio aos ricos e poderosos. É dever da igreja amá-los, e amá-los com todas as forças, isto é, buscar o bem deles de tal maneira que se consiga libertá-los da opressão em que se encontram, sem disto terem consciência. Amar os que mantém a dominação sem libertá-los desse egoísmo e dessa ofensa ao povo de Deus é um falso amor, que nem faz justiça ao dominado e nem cura a cegueira do dominador (BETO, 1981, p. 5).

A busca por um posicionamento crítico com relação aos direitos e deveres

dos cidadãos, em especial os agricultores, torna-se necessário através de uma

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educação como instrumento da evolução da consciência política e desenvolvimento

de valores éticos e morais a partir da leitura do Evangelho, que para Beto (1981, p.

5) seria a expressão da fé representada por Jesus Cristo através de um “sistema de

atitudes” ao assumir sua condição de filho de Deus e propagando um “sistema de

ideias” o que ele considerava um mundo de honestidade e amor, propondo a

desarticulação do antagonismo de classes e contrapondo-se à ideologia capitalista

que dilacera, explora e aliena a pessoa humana e isto se confere na entrevista do

senhor Francisco das Chagas Santos:

Na época a igreja pensava no agricultor viver bem, viver melhor, porque na época nós plantamos cana-de-açúcar, só que não funcionou direito, plantamos cana e perdemos. Nós plantamos pimenta através da função da igreja e através desse programa da igreja fomos para a rotação de cultura. [...] que é preparar a terra, plantar para mais na frente cultivar novamente. Assim foi o programa do MEB. Também educar tanto na parte religiosa como na parte financeira (Entrevista concedida em março de 2012).

É perceptível a importância da atuação religiosa no que diz respeito a

propiciar ao agricultor outras possibilidades econômicas que suprissem suas

necessidades básicas de sobrevivência, através de uma educação pautada na

realidade rural. Destaco ainda as contribuições da Igreja Católica para a formação

econômica do município, através da agricultura, fosse utilizando a cultura da pimenta

do reino ou da farinha de mandioca. Demonstrar os saberes campesinos é por em

evidencia a “educação vinda de baixo”, do campo para a cidade, estruturados

coletivamente, tendo com base a fé e a política, vivenciadas nas Comunidades

Eclesiais de Base, através da Escola Radiofônica e que Nino Lima da Paixão

defende que:

Essa pergunta muito ótima e eu sei dar a resposta porque eu comecei junto. Quando eu te falava da Escola Radiofônica, a maneira que ela se estendeu em todo município. Toda Região Bragantina. Isso foi o primeiro ano, no ano 70. O Pe. Miguel naquela época se preocupou com esta educação para que o povo se desenvolvesse. Povo esse que não tinha a idade. Qualquer um que quisesse se matricular e se educar. No mês seguinte, em 71, qual foi a preocupação do Dom Miguel: ter um povo esclarecido e ele vê a situação das bases sobre a agricultura, sobre a maneira como eles conviviam (Entrevista concedida em março de 2012).

Julgo que essa ideia de educação, concretizada pela igreja, via Rádio

Educadora de Bragança, primou por não deixar à margem do conhecimento essa

parcela da sociedade excluída pela classe dominante. Pontuo também, a inclusão

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 92

das pessoas de qualquer idade nos momentos de aprendizado, demonstrando que o

acesso ao ensino proposto, poderia ser continuado, fortalecido para os tempos

posteriores, partindo de uma educação inclusiva, explicitada nas relações de

convivência.

Isso remete à narrativa de Nino Lima da Paixão ao enfatizar que:

Faziam reunião, os encontros de formação e quando surgiu o MEB, aí melhorou. Os encontros foram incrementados e nós tínhamos encontros frequentes aqui no município. Então foram selecionadas várias comunidades pra fazer esse trabalho [...]. A igreja contribuiu muito nessa parte porque os textos do Evangelho eram lidos naquele método ver, julgar e agir, não só ir pra igreja só orar, só rezar, mas tinha que ver, tinha que olhar, tinha que refletir e depois agir (Entrevista concedida em março de 2012).

Encontro nessa narrativa a compreensão da importância dos trabalhadores

estarem em constante troca de ideias, informações, aprendizagens, pois o simples

fato de se reunirem já demonstra isso, mas com a forte presença das atividades da

Igreja Católica, conjuntamente com o MEB, essa organização ganhou força por

incluir a palavra de Deus na vida cotidiana e assim contribuir para que as pessoas

pudessem refletir coletivamente suas vidas, o que fazer para si e para os outros.

Partindo desse pressuposto, considero que toda organização coletiva está

recheada de ideias de seus participantes, o que me permite dizer que essas

mesmas ideias em vários momentos, entraram em colapso, provocando o

surgimento de diferentes conceitos quanto a atuação da igreja e quanto a atuação

do sindicato. Diferenciar essas atuações no campo das comunidades rurais sugeriu

e sugere a interpretação profunda dos anseios dessa sociedade, o que buscam

intersubjetivamente. Ver, julgar e agir que segundo Wanderley (2010, p. 61) está

diretamente relacionado com o “aprender a fazer”: “um método educativo que fez

história e alimentou as práticas de inúmeros movimentos, como exemplo, ONGs

(Organizações Não Governamentais), Pastorais Sociais e as CEB’s”.

Reporto-me ainda à narrativa acima do senhor Nino Lima da Paixão e

considero que essas atitudes que se bem executadas demonstram a presença da

educação no cotidiano das pessoas a não permitir que injustiças sejam praticadas,

pois ao se buscar a libertação e o respeito da classe dominante, pressupõe-se que

essa busca deve ser uma constante na vida dos trabalhadores, pois do contrário

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 93

acontecerá a repetição daquilo que deve ser extirpado da sociedade, o preconceito,

a injustiça e a mentira.

O estudioso Beto (1981, p. 13) aponta duas anormalidades, que precisam

ser erradicadas da prática pastoral: o populismo eclesial que propaga que o povo

pode atingir a liberdade pelo fato de que sua consciência encontra-se em estado de

pureza, não sofrendo influências da classe dominante, pois “não questiona e nem

analisa” a situação concreta em que o povo se encontra e o vanguardismo eclesial

que acredita na incapacidade do povo, resultando na formação de uma elite

detentora, que acredita “na validade de uma coordenação pastoral capaz de

“pensar” pela cabeça do povo e de estabelecer o que é melhor para ele”.

Essa interpretação me leva a considerar também as concepções de Warren

(1993, p. 57) ao se reportar ao campo de atuação dos mediadores “vanguardistas”,

quanto a não participação destes nos momentos de decisão, das lutas travadas e

que em outros momentos participavam e geravam conflitos internos.

Parece que o senhor Nino Lima da Paixão em suas práticas religiosas

católicas, não demonstra em suas narrativas qualquer indício de submissão,

percebidas nas considerações de Warren (1993) acima. Talvez isso se dê mediante

a leitura profunda do evangelho e sua participação política sindical. Para ele, esses

acontecimentos fortaleceram sua prática cristã ao destacar a educação nesse

contexto ao afirmar que,

Você falou por exemplo, do MEB, da Escola Radiofônica. Através da Escola Radiofônica que eu cheguei até aqui porque foi em maio de 70 que eu fui convidado pelo Pe. Geovani pra fazer encontro em Bragança. Não sabia qual era a finalidade e foi uma coisa que foi um chamado de Deus [...] (Entrevista concedida em março de 2012).

Portanto, mesmo que ocorram diversidades de ideias, o importante é

apreender aquilo que é bom para todos, pois também não se pode deixar de

considerar seu relato, citando Dom Miguel, na época Bispo de Bragança, quanto a

importância de um aprendizado crítico e necessário para se “ter um povo esclarecido

e ele vê a situação das bases sobre a agricultura, sobre a maneira como eles

conviviam” (Nino Lima da Paixão. Entrevista concedida em março de 2012).

De outra maneira o senhor Francisco das Chagas Santos revela que,

Exatamente, porque a Diocese de Bragança, no tempo que ela era pela via, ela educou nós aqui, porque nós formamos uma comunidade através do Pe. Marino Contt que foi quem trouxe primeiramente esse rádio

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para formar uma escola. Esse rádio veio de Bragança mesmo, só pegava a rádio de Bragança, mesmo era porque a Liberal, a Marajoara tinha umas músicas boas, bonita e nós não podia ouvir, só escutava Bragança. O rádio era diretamente pra lá, era uma chiadeira danada e eu ficava sem ouvir nada mais, só era Bragança [...]. Foi nessa aula que eu comecei. Minha mãe que era monitora, minha mãe não tinha escolaridade muita, mas ela tinha estudado aqueles livros paleógrafos (Entrevista concedida em março

de 2012).

Encontro implícito nas duas narrativas acima as seguintes indagações: Será

que se não tivesse existido o MEB e a Escola Radiofônica teriam aprendido tudo que

sabem? Teriam compreendido o chamado de Deus? Estariam aqui para contribuir

com muitas histórias e reconhecer o papel de um cristão?

Essas dúvidas por mim elencadas convergem na busca pela autonomia,

uma questão debatida nos movimentos sociais para a construção das identidades

(WARREN, 1993, pp. 59, 60) e que Castoriadis (1982) fortalece esse pensamento

enfatizando que o sentido do termo requer compreensão do que seja autonomia e a

quem ela se destina, pois é um objetivo a ser atingido coletivamente para

interpretação de problemas políticos e sociais. Para esse autor a autonomia não é,

[...] eliminação pura e simples do discurso do outro, e sim elaboração desse discurso, onde o outro não é matéria indiferente, porém conta para o conteúdo do que ele diz, que uma ação intersubjetiva é possível e que não está fadada a permanecer inútil ou a violar por sua simples existência o que estabelece com o seu princípio. É por isso que pode existir uma política da liberdade e que não ficamos reduzidos a escolher entre o silêncio e a manipulação, nem mesmo à simples consolação: afinal, o outro fará o que quiser. É por isso que sou finalmente responsável pelo que digo (e pelo que calo) (CASTORIADIS,1982, p.129).

Ainda para esse autor, a inter-subjetividade representa a materialidade

social histórica numa grandeza inominada e ao mesmo tempo grupal, que promove

a inserção de ideias de várias sociedades de modo a promover a continuidade

daquilo que foi pensado e verbalizado, seja por quem já deu suas contribuições

sociais, por quem ainda participa dessa ou daquela sociedade e por aqueles que

estão por vir, configurando em “estruturas dadas, instituições e obras

“materializadas” [...], o que estrutura, institui, materializa. [...] é a união e a tensão da

sociedade instituinte e da sociedade instituída, da história feita, da história se

fazendo” (CASTORIADIS,1982, pp. 130-131).

Portanto, a tarefa dos mediadores “intelectuais, agentes de pastorais,

religiosos, educadores, líderes políticos” é justamente incorporar seus discursos com

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 95

os discursos de líderes populares na tentativa de atingir a revolução cultural, de

solucionar lentamente as diferenças existentes entre discurso ideológico e prática

efetiva, executados nos movimentos de base popular (WARREN, 1993, p. 62).

Essa tarefa é observada nas considerações do senhor Nino Lima da Paixão

ao avaliar que essa revolução:

Teve inclusive na organização do sindicato, na década de 70, em fevereiro de 70 teve bastante ajuda do Pe. Marino que incentivou para que criasse o sindicato. Os movimentos sociais. Eu cito assim o sindicato, que no caso que nós já temos dois ou três, mas o primeiro que surgiu foi o Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Tinha o objetivo de se organizar melhor, de defender a sua classe entendeu? O sindicato não é do governo, o sindicato existe pra defender seus associados nos seus problemas (Entrevista concedida em março de 2012).

Isso não configura uma tarefa fácil, haja vista a negação da maioria dos

partidos políticos em contribuírem efetivamente para que mudanças sociais

aconteçam, talvez por conta da maneira de se manter e fazer política, que vai de

encontro aos anseios dos populares que tem por objetivo conquistar a

transformação e hegemonia cultural. Nesse sentido, Warren (1993, p. 63) destaca a

participação do Partido dos Trabalhadores e alguns pensadores de esquerda em

estabelecer relações de convívio com esses movimentos.

O senhor Francisco das Chagas Santos descreve esses momentos de

organização comunitária, na busca pela autonomia econômica, social e política dos

agricultores, considerando que muitos ainda não tinham conhecimento do próprio

potencial educativo, implícito em suas práticas cotidianas, a de trabalhadores e

seres humanos merecedores de respeito. Para ele:

Essa organização desses movimentos sociais começou com o sindicato. O MEB foi que começou a fase nessa época, ele estava na região de Capanema. Bragança foi quem deu início ao movimento social e nós aqui abraçamos o movimento junto com o MEB, reunido escondido porque muita gente não podia saber. Na época, o movimento social para o povo era comunista, comunista era terrorista, era coisa que ninguém podia ver, falar. Onde existiu aquele deputado Benedicto Monteiro que andou aqui em Mãe do Rio falando sobre Reforma Agrária, só que ele dizia reforma agrária, mas só falava na lei ou na marra, até que ainda pegaram ele, prenderam. Não sei pra onde ele tá! Acho que ainda tá vivo. Aí apareceu João Batista, trabalhava no movimento social também, o Paulo Fonteles. De lá pra cá começou a situação, as manifestações, o Direito da Terra Popular do Pará. Foi muitos gritos que nós participamos, dessas atividades juntos com a CUT, os sindicatos, FETAGRE, a CONTAG e os grupos grandes (Entrevista concedida em março de 2012).

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Essa narrativa evidencia o sindicato ou movimento social, não somente

como instituição que visa conquistar e garantir os direitos civis prescritos em leis,

mas como agente educativo que promove a socialização desses direitos aos

agricultores. Essa função educativa encontra-se permeada por uma vontade de

mudança social. Mudar simplesmente por mudar, a meu ver, pode não representar

construção do conhecimento, mas mudar em função de atingir o objetivo comum à

todos, configura-se como uma ação educativa, mesmo ela sendo praticada de

maneira camuflada.

Nesse sentido, Beto (1981, p. 29) aponta para a relação entre prática

pastoral e prática partidária, pois a Igreja Católica historicamente sempre manteve

relação dialética com práticas partidárias, desde que elas atendessem algumas

reivindicações consideradas profanas como a criação e manutenção de escolas

particulares, bem como a preservação de leis que fossem condizentes com a

doutrina católica.

Uma dessas reivindicações encontro destacada na fala do senhor Nino Lima

da Paixão, ao expor o exercício da prática do diálogo, com fins de atingir um objetivo

em especial, o financiamento para implantação da Escola Radiofônica.

Dom Miguel pra reorganizar as escolas radiofônicas dos anos 70 tinha como ministro da educação, naquela época, o senador Passarinho e foi com quem ele conseguiu dinheiro, sabia? Foi com quem ele conseguiu dinheiro. Então Dom Miguel, ele tinha, quer dizer, a maneira (Entrevista concedida em março de 2012).

Nesse sentido, enfatizo a importância dessa implantação, enquanto aspecto

político, que por sua abrangência possibilitou a inserção de uma educação voltada

para os campesinos, priorizando suas potencialidades a partir de uma ação

articuladora. Compreendo também a efetivação de uma ação política partidária

necessária, tendo como beneficiados os agricultores, com a participação de um

político que representou o Estado do Pará no cenário nacional naquele período.

Talvez os grupos envolvidos com o sindicato, como o MEB, tivessem traços

conservadores, que permitiram a reorganização da escola radiofônica, sugerindo

que o conteúdo dessa nova estruturação incorporasse interesses da ditadura.

Portanto, as “forças populares não se apoderam do aparelho do Estado

senão através de um conduto político”, e este, “não deve ser a soma dos

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movimentos de base, mas a consequência politicamente estruturada da prática

desempenhada por esses movimentos” (BETO, 1981, p. 29).

Na tentativa de consolidar a hegemonia cultural, as organizações ou

movimentos encontram-se constantemente num campo conflituoso, que ora

necessitam se desorganizar para reivindicar direitos e ao mesmo tempo, se

reorganizar para continuar a lutar pelos interesses dirigidos às autoridades, ao poder

(TOURAINE, 2002, p. 284). Na minha concepção, baseada nos ensinamentos de

Warren (1993, pp. 60-61) o referido fato sinaliza que mesmo os movimentos sociais,

buscando através de suas ideologias e projetos encontrar possibilidades de se fazer

política e assim alcançar qualidade de vida, esbarram nas diversidades de objetivos

e valores desses movimentos. A conscientização de um ponto em comum de luta

possibilitaria a inserção de um novo modelo hegemônico cultural que consideraria a

ineficácia do Estado em assegurar a cidadania como causa maior.

Isto é percebido por Leher e Setúbal (2005, pp. 323-234) quando afirmam

que a aplicação de conceitos como “privado”, “estatal”, “sociedade civil”, “direitos

humanos”, “cidadania” se mostraram contraditórios, ambíguos, o que dificultou o

entendimento acerca desses conceitos. Esses autores ao citarem Carlos Nelson

Coutinho, enfatizam a aplicação do termo “sociedade civil” como algo que se

contrapunha ao poder ditatorial do estado; fato recorrente no Brasil, pois neste país

“civil” seria antônimo de “militar”, representando a justiça.

Para Paixão e Oliveira (2009, p. 105) isso retrata a ação política dos

agricultores de Mãe do Rio, em se organizar enquanto classe para obtenção de um

espaço para a comercialização de seus produtos a partir de um conflito inerente à

coletividade camponesa: a prática comercial de “atravessadores”.

Isto se confirma nas considerações de uma das entrevistadas, ao enfatizar

que “a gente não tinha o direito de pegar o nosso produto de qualidade pra vender

pro consumidor por causa do atravessador. A gente sempre teve alguém que

intermediava nosso produto” (Maria Raimunda Lopes Vieira. Entrevista concedida

em março de 2012).

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3.4. “A Feira é um Instrumento da Educação”

Una primera aprocimación alal saber popular puede ser situada em elambito de La vida cotidiana de los sujeitos. Se trataasí de lós conocimientos,

maneras de comprender y de interpretar que cotidianamente resultan ser necesarios para um adecuado desenvolvimiento social. Esel acervo de

conocimientos que, entre lós sectores populares, garantiza La reproducción y produción Del mundo social al cual se pertenece (MARTINIC, 1981, p. 72).

A educação não escolar segundo Rodrigues (2008, p. 3) está relacionado ao

“olhar do pesquisador que se direciona para os diferentes espaços educativos

existentes nas comunidades, prioritariamente destinados ao lazer, à religião, à

política, ao trabalho, ao cuidar da saúde”.

Os assuntos construídos e socializados pelo senso comum, não buscam

comprovação científica, pelo contrário, o que importa são as relações de convivência

caracterizadas pelo fazer e pelo dizer de homens e mulheres na Feira do Agricultor

(fig. 29), nos momentos de comercialização da farinha de mandioca, demonstrados

nas falas da senhora Antonia Borges Sampaio:

Aprendi a conviver com as pessoas. É o mesmo do que você vai à igreja. Você vai pra um balneário, todo mundo é amigo, então lá no galpão é assim, todo mundo é amigo, não tem que ter inimizade sabe? A gente aprende muito lá. Conheci muitas pessoas lá. Nunca imaginei conhecer! Hoje são meus amigos, como essa senhora que parece que nós somos irmãs até mesmo de sangue. Então a gente aprende assim, aprende muita coisa, muita coisa boa! (Entrevista concedida em março de 2012).

Fig. 29 – Relações de convivência de homens e mulheres na Feira do Agricultor de Mãe do Rio. Fonte: Arquivo da pesquisadora, 2012.

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 99

Percebo nesse relato os extraordinários encontros amigáveis que

ultrapassam o desejo da obtenção do lucro, pois a educação encontra-se nos laços

de amizade que superam qualquer expectativa financeira, mas que acontecem a

partir dela, que consolida a convivência entre pessoas, no espaço destinado ao

comércio.

Ao concordar com essa afirmativa a senhora Antonia Borges Sampaio

defende que:

Pra mim é um prazer, fazer que nem o homem. No tempo que o meu marido era empregado e ganhava um salário mínimo, eu pensava como ia findar a semana sem tá devendo pros outros do comercio, sabe? [...]. Um salário mínimo não dá pra nada, sabe? Aonde que pela minha farinha, graças a Deus, quando eu faço pra levar mesmo as vezes, eu faço quinhentos reais por semana, até oitocentos reais por semana eu já fiz lá.[...] (Entrevista concedida em março de 2012).

Segundo a entrevistada, a comercialização da farinha de mandioca dá

garantias de uma renda semanal superior ao salário mínimo. Isso é percebido a

partir daquilo que os sujeitos vivenciam nos momentos de reflexão acerca de seu

poder em estabelecer meios de aprendizagem real, pois a farinha dá uma margem

de lucro a partir daquilo que é pensado e organizado. Outro aspecto observado é a

igualdade de gênero, pois apesar de exercer uma atividade em que a presença

masculina é constante e predominante, isso não a faz inferior, pelo contrário,

demonstra sua perspicácia no desempenho de suas funções, que a meu ver chega a

superar a remuneração recebida por muitos homens que não trabalham com a

farinha.

Outro ponto a ser ressaltado está vinculado nas concepções do senhor

Antonio dos Santos Vieira ao relacionar a comercialização da farinha como um

processo de ensino e aprendizagem que para ele se dá na hora da venda: “na hora

da gente trabalhar na feira a gente ensina o freguês, porque é vender. O cara vende

pra ele e aprende através dele alguma informação, porque o freguês as vezes traz

um bom plano pra gente também” (Entrevista concedida em março de 2012).

O entrevistado enfatiza que a troca de informações se constitui como um

exercício contínuo de ensinamento e demonstra habilidades comerciais para

desenvolver seu trabalho em sociedade, considerando as propostas que surgirem.

Nesse sentido, cabe ressaltar a importância da ação inovadora da educação

como prática e projeto social, bem como teoria articuladora que possibilita não só

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aprendizagem em ambientes escolares, mas que abarque o cotidiano dos sujeitos

em torno de suas vivências (FREIRE, 2004, p. 36).

Sobre esse processo de ensino e aprendizagem o senhor José Tibúrcio

Vieira discorre,

[...] pelo menos o cliente vem, compra farinha, compra o que a gente tem pra vender e na hora não carece a gente fazer aquele [...], pegava um lápis, uma caneta. Já tá colocado na cabeça aquele [...] me instruiu muito. Então assim, eu peguei quatro, as quatro operações de conta que eu falei pra senhora que eu estudei um mês, mas eu tenho um pouquinho das quatro operações. E a feira me instruiu mais. É por isso que eu permaneço dizendo que a feira é um instrumento da educação também (Entrevista concedida em março de 2012).

A possibilidade de por em prática o que aprendeu em tempo reduzido,

demonstra a habilidade conquistada para resolver problemas matemáticos, úteis

para o dia a dia da feira. Poderia dizer que o conhecimento foi marginalizado

plenamente, mas a experiência nos mostra o contrário, pois o intérprete chamou

para si o aprendizado e com ele vem construindo a própria história ao considerar

que a feira “é um instrumento da educação”. E isso é percebido nas considerações

de Cendales e Marinõr (2006, p.12) ao sinalizarem que a educação não escolar

exerce uma função que compensa a exclusão vivenciada por aqueles que não

tiveram acesso ao mínimo de escolaridade formal.

Essas práticas educativas dos feirantes vendedores de farinha de mandioca

põem em evidencia os conhecimentos adquiridos por todo um período de vida,

ajudam na estruturação das relações de convivência, pois julgo que configura-se

como um processo contínuo de criação e recriação que necessitam ser observados,

analisados e acolhidos como legítimos no contexto acadêmico.

Dessa maneira, considero as concepções de Oliveira (2003, pp. 61- 63) para

relacionar a “educação como cuidar” como sustentáculo dos saberes da feira e a

“educação como estudo”, a partir dos registros orais e escritos. Para a autora:

A educação como cuidar está associada à “cultura de conversa”, isto é, ao saber experiencial apreendido no cotidiano social, através da oralidade. [...]. A educação como estudo é compreendida importante para os indivíduos porque possibilita a comunicação escrita e oral com o outro, melhorando as suas relações sociais. A comunicação é vista também como meio pelo qual se processa o ensino-aprendizagem (OLIVEIRA, 2003, pp. 61-63).

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Essa cultura de conversa expressada pela educadora Oliveira (2003) é

encontrada nas considerações do feirante Antonio dos Santos Vieira ao informar:

Rapaz! Eu pelo menos, no meu trabalho, no meu modo de pensar eu acho que quando a gente trabalha na feira a gente tem que ter um bom jeito. Isso com a pessoa que vem comprar, saber tratar a pessoa até no estatuto de falar, a gente tem que saber falar com a pessoa porque tem muita gente que já vem informado (Entrevista concedida em março de 2012).

Ao verbalizar sua experiência no trato com os fregueses, potencializa a

importância do ato de se comunicar considerando as informações que recebe, pois o

estatuto a que se refere não se encontra escrito em livros ou atas, mas está contido

naquilo que ele considera como realidade, como aprendizado de vida. A maneira de

se expressar contribui para que o respeito mútuo faça parte da “cultura de conversa”

e que ao mesmo tempo passe a ser concretizado com as contribuições de pessoas

que possuam a “educação como estudo” ao considerar o regulamento por ele

instituído.

Segundo Cendales e Mariñor (2006, p. 63) essa sugestão de conversação

tendo como orientação o campo da educação, tem por objetivo potencializar as

habilidades individuais e coletivas, de modo a subsidiar e criar categorias que

possibilitem a compreensão de situações de vivencia e convivência, em que se

percebe a existência de relacionamentos democráticos e solidários em espaços de

participação “para propor alternativas, reclamar, questionar, denunciar e impugnar,

dependendo das condições”.

A senhora Antonia Borges Sampaio pondera que o ser humano deve

adquirir:

Vontade própria pra correr atrás. Isso eu acho que é em todo o serviço. Não é só na agricultura não, e depois é você ir pegando a amizade com as pessoas, experiência, tomando atitudes por si mesmo pra correr atrás, pra chegar lá, que a experiência melhor é essa. Meu pai e minha mãe, desde nascimento, que foi no roçado, sabe? Meu pai lá na Vila Conceição onde morou, município de Irituia, ele era um agricultor, que ele nunca vendeu assim na feira, ele vendia em grosso, mas só que o produto dele era muito bom, tinha, como se diz, tinha os patrões certos dele de Belém, sabe? Do Porto do Sal de Belém. A vida dele era assim, vender e comprar, fazer e vender e comprar a nossa feira pra dentro de casa. [...] devo ao meu pai e minha mãe (Entrevista concedida em março de 2012).

A tomada de decisão, a experiência, os laços afetivos, impulsionam o

aprendizado na feira, principalmente quando se faz relação com o passado e isso

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 102

representa um momento único ao demonstrar a responsabilidade com a casa, com o

alimento da família, em procurar manter a credibilidade no meio comercial e assim

dar bons exemplos às pessoas. A feira então passa a ser a conexão entre passado

e presente ao instituir valores éticos capazes de promover a socialização das

pessoas por meio da oralidade.

Os saberes e práticas sociais são fundamentais para que ações

pedagógicas sejam criadas e recriadas socialmente, para que um grupo ou uma

sociedade as institucionalizem como real. Esses saberes produzidos no cotidiano

social estão no centro das atenções, evidenciando a formação e a prática da

educação fora do contexto escolar (OLIVEIRA, 2003, p. 34).

Para Oliveira (op. cit., p. 64), o conhecimento popular ligado ao senso

comum, constitui-se da memória oral, observado nas declarações dos sujeitos,

daquilo que é real, vivido e revivido concretamente nas relações de convivência

cotidianas. Isso é percebido na narrativa do senhor João do Carmo Araújo:

Olha, hoje mesmo veio o cara conversando, discutindo dois caras que carregam sacos, que são chapas. Aí o cara disse: - Olha, o outro dizendo que vive dessa feira aqui, que trabalha nessa feira, não pode discutir com ninguém e nem procurar confusão com ninguém, porque se ele passar uma semana ou duas sem trabalhar aqui, ele passa fome, porque a renda que tem é só essa farinha aqui. Aqui o cara chega, vê o pessoal de fora, quer um trabalhador. Ele contrata o cara, pagou, vai embora (Entrevista concedida em março de 2012).

Essa narrativa demonstra que se deve obter compreensão a respeito da

manutenção das relações de sociabilidade, tendo em vista a garantia do trabalho.

Essa maneira de educar pela necessidade de sobrevivência pode até parecer

submissão em determinados momentos, porém, não deixa de ter seu valor de

ensino e aprendizagem, principalmente para aqueles que por algum motivo ficaram

à margem da educação formal. O trabalho que o entrevistado narra é o exercido

pelos trabalhadores conhecidos como estivadores (fig. 30), homens que trabalham

carregando sacas de farinha e que tiram seu sustento quando contratados para a

função. Suponho que suas contratações dependem da maneira como demonstram a

educação no tratamento com as demais pessoas.

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Fig. 30 – Estivadores que trabalham na Feira do Agricultor. Fonte: Arquivo da pesquisadora, 2012.

Nas falas do senhor Luiz Gonzaga Moreira, observo que:

Ah! Educação é saber tratar as pessoas, justamente como ele é. Porque pra mim a pessoa que não tem educação é aquele que não ouve ninguém e trata as pessoas mal. Se a pessoa tratar bem, pra mim é educação. A gente aprende negociar, fazer negócio, comprar e vender a gente vai aprendendo cada vez mais. Saber receber as pessoas, vamos dizer, com delicadeza! (Entrevista concedida em março de 2012).

Nesse aspecto, considero que a singularidade da narrativa acima contempla

perspectivas indissociáveis no que refere a construção do conhecimento coletivo,

em que se percebe a importância do ato de ouvir o outro, caracterizando o respeito

estabelecido, dando a cada um direito a vez e voz. Essa compreensão da existência

do outro, possibilita o desenvolvimento do poder de negociação estabelecido nas

relações comerciais, por meio da educação.

Esses sujeitos, que edificam suas ideias, seus projetos de vida, e tecem

suas representações sobre suas vivências, pensam a realidade social a partir da

lógica de sua relação dialética com o mundo das práticas diárias de resistência

(OLIVEIRA, 2003, pp. 60-62). Pois, os saberes de um grupo social necessitam ser

compreendidos como resultados de interações cognitivas que potencializam suas

formas de produção, bem como identificar como estes saberes são socializados

culturalmente nos ambientes, sejam eles escolares ou não (RODRIGUES et. al. In

OLIVEIRA e SANTOS, 2007, p. 22).

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Essas informações para José Tibúrcio Vieira são absorvidas também nos

momentos de trabalho para quem,

[...] a feira pra mim tem sido o meu ponto de renda porque o comércio sempre tinha aquele [...] nós tinha a terça parte. Nós temos a terça parte, muitas vezes até a metade, [...]. A feira deixa um lucro melhor como a senhora que hoje a gente vende um litro de farinha por R$1,00, que eles vende a R$1,70. Que vende no grosso [...]. Quanto é que sai? E o litro de farinha como a gente mede 15 kg de farinha em 20 litros, fica uma base assim que o consumidor tem lucro e nós também fica com lucro. Pouco mas fica (Entrevista concedida em março, 2012).

A narrativa demonstra benefício para o consumidor e o feirante, mesmo

sabendo que o esforço físico na produção de farinha de mandioca não compense o

valor estipulado para sua comercialização. Por conta disso, atrevo-me a elogiar o

trabalho daqueles que produzem de sol a sol e depois vendem seus produtos. Essa

luta diária a favor da sobrevivência demonstra ainda, a explicitação de termos

contidos na educação formal e executados por alguém que adentrou a escola por

apenas um mês. Considero também como uma capacidade ou competência em

perceber o próprio ganho, e que da mesma maneira pode representar uma

dimensão ética, quando percebe os ganhos que o consumidor poderá obter ao

realizar a compra.

Na Feira do Agricultor, os atores sociais por meio da oralidade e de atitudes

de sociabilidade, convergem para a construção de um conhecimento diferenciado e

não menos importante. Por conta disso, acredito ser pertinente citar o trecho da

entrevista da senhora Maria Raimunda Lopes Vieira a respeito:

Eu acredito que sim porque, olha! Dentro, por exemplo, depois que eu comecei a participar diretamente da feira, inclusive eu queria que a feira fosse melhor, gostaria que fosse mais higiênica. Então a gente pode ver que tem sim um aprendizado. Aprender a usar os alimentos, saber qual é a importância do alimento, das frutas e verduras na nossa saúde, a forma de higiene e até mesmo trabalhar com matérias [...] (Entrevista concedida em março de 2012).

O importante nessas poucas linhas é a objetividade em se afirmar que a

educação depende de todo um contexto social, das representações simbólicas

criadas e que sustentam a multiplicação dos saberes aprendidos e apreendidos. A

intenção não é demonstrar a melhor educação, mas sim perceber que todo e

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qualquer processo educativo deve ser compreendido e aceito como importante, seja

no contexto da feira ou da academia.

A partir desse ponto de vista, Brandão (2007, p. 17) argumenta que existem

vários locais e formas de aprendizagem constituídas historicamente, permitindo

afirmar que os saberes vivenciados por uma determinada sociedade, não se

configura como “dá aulas” e os alunos, que são todos que aprendem, “não

aprendem na escola”. “Tudo o que se sabe, aos poucos se adquire por viver muitas

e diferentes situações de trocas entre pessoas, com o corpo, com a consciência,

com o corpo-e-consciência”, como se percebe na entrevista do senhor José Tibúrcio

Vieira:

A educação pra mim foi uma criação que os meus pais me criaram. Não como eu disse, com grau escolar que eles não tinham condição, mas que naquela época que eu nasci, a estrutura era difícil dos estudos e os pais não tinham muito interesse que os filhos [...]. Porque não tinha esse desenvolvimento que tem hoje né? Cada um que ser estudado, mais estudado. Porque de primeiro era só pelo trabalho. O meu filho trabalhou, me ajudou, era isso (Entrevista concedida em março de 2012).

Acredito que quando o entrevistado comenta a falta de interesse dos pais,

não se deu a princípio, por um descrédito à educação, mas pela falta de

oportunidade, pelas condições de sobrevivência que por vezes força os sujeitos a

optarem pelo estudo ou pelo trabalho, sabendo que muitos não têm ou não tiveram

qualquer opção pela escolaridade. Por outro lado, a vida possibilitou o aprendizado

através de processos educativos experienciados nas relações cotidianas nos

diversos espaços.

Considerando essa afirmativa, o senhor José Tibúrcio Vieira acrescenta que

[...] existe muita disciplina das pessoas que querem. Tem pessoas que sabe dar disciplina mesmo como uma escolaridade da feira e é muito bom isso. Trabalhar onde tem gente, pode levar, pode também deixar porque a escolaridade não é só lá no grupo, no colégio, mas na praça também a gente encontra pessoas que ensina. Não tem aquele ditado: “o

mundo ensina” (Entrevista concedida em março de 2012).

Ao referendar o termo disciplina, o entrevistado faz relação com a

escolaridade constituída na informalidade. Isso não quer dizer que não tenha valor,

pelo contrário, edifica a vida humana ao possibilitar aos sujeitos sociais,

oportunidades de crescimento pessoal e profissional, para que os compromissos

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 106

firmados entre esses atores sejam assumidos nos espaços onde se encontram, seja

aprendendo ou ensinando.

Essa disciplina é instituída conforme as necessidades que se apresentam e

podem relacionar-se com os momentos em que se retira as sacas dos veículos ou

na hora de organizá-las na calçada para serem novamente pesadas e ensacadas

(figuras 30 e 31). Os contratos disciplinares são estabelecidos através da oralidade.

Fig. 31 – Pesagem das sacas de farinha. Fonte: Arquivo da pesquisadora, 2012.

Fig. 32 – Farinha pesada e embalada em sacos de 30 quilos. Fonte: Arquivo da pesquisadora, 2012.

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Na ideia de Freire (2004, p. 181) aprender e ensinar são dois aspectos

indissociáveis, inerentes aos seres humanos, que são orientados tanto para

apreender as informações e tomá-las como aprendizagem, como torná-las

instrumento de ensino. A meu ver, o que antecede à vida escolar está impregnado

de conhecimentos historicamente construídos, pois práticas cotidianas elegem os

sujeitos sociais como profissionais particularizados no exercício de ensinar e

aprender, como ilustra a figura 33.

Fig. 33 – Antonio dos Santos Vieira e José Tibúrcio Vieira (filho e pai). Fonte: Arquivo da pesquisadora, 2012.

Essa concepção também pode ser contemplada nesta narrativa que segue,

pois, “A gente mesmo analfabeto, os pais quando queriam respeito [...]. A melhor

escolaridade é a vida que eu aprendi católico. Nosso pai incentivou por mais que

ele não sabia ler [...], a gente a conhecer a vida de um cristão” (José Tiburcio Vieira.

Entrevista concedida em março de 2012).

Portanto, a narrativa revela a importância da religiosidade na vida daqueles

que educam os seus para vida, de posse de um arcabouço valorativo que sustenta a

base familiar, que por sua vez influencia no trabalho. Esse talento providencial que

torna as relações de convivência possíveis de realização faz parte do cotidiano da

feira, das ideias dos sujeitos por mim eleitos para esta pesquisa.

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3.5. Educação e Saberes construídos e socializados na comercialização

da farinha de mandioca.

A utilização do cotidiano das compras para ensinar matemática revela práticas apreendidas fora do ambiente escolar, uma verdadeira etnomatemática do comércio. Um importante componente da etnomatemática é possibilitar uma visão crítica da realidade, utilizando instrumentos de natureza matemática. Análise comparativa de preços, de contas, de orçamento, proporcionam excelente material pedagógico (D'AMBRÓSIO, 2002, p. 23).

É notório que a feira oferece vários aprendizados, dentre eles a Educação

Matemática, estando ela vinculada ao aprendizado adquirido na escola. Os sujeitos

da pesquisa demonstram essa particularidade através de exercícios práticos,

aplicando as quatro operações matemáticas fundamentais: somar, diminuir,

multiplicar e dividir, relacionando-os com a realidade da feira, evidenciando que o

principal mecanismo utilizado é o cálculo mental.

Por conta disso, tomo por base a etnomatemática, uma vertente da

educação matemática que tem por finalidade tentar entender e explicar as diversas

maneiras do uso dos saberes e fazeres matemáticos desenvolvidos culturalmente,

de modo a evidenciar os dizeres articulados pelos atores sociais (D’AMBRÓSIO,

2002, p. 17). Para esse teórico:

[...] etno se refere a grupos culturais identificáveis, como por exemplo sociedades nacionais-tribais, grupos sindicais e profissionais, crianças de uma certa faixa etária, etc, e inclui memória cultural, códigos, símbolos, mitos, e até maneiras específicas de raciocinar e inferir. Do mesmo modo a Matemática também é encarada de forma mais ampla que inclui contar, medir, fazer contas, classificar, ordenar, inferir e modelar (D’AMBRÓSIO, 2002, p.17).

Partindo dessa afirmativa, de que a etnomatemática procura abordar o

aprendizado matemático dos diferentes grupos sociais, considerando os sujeitos que

elaboram saberes sem desvinculá-los da vida cotidiana, destaco alguns desses

momentos em que os entrevistados desenvolvem mecanismos de aprendizagem,

como o senhor Luiz Gonzaga Moreira: “a gente vai na inteligência. Eu chamo conta

de cabeça. A gente pensa alí, aí soma e dá o resultado. É pra dar certo!” (Entrevista

concedida em março de 2012).

Essa afirmativa caracteriza que a possibilidade de erro ao se realizar

cálculos mentais deve ser nenhuma para não incorrer em prejuízo. Portanto, a

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agilidade é fator inerente à comercialização da farinha de mandioca e não só à ela,

considerando a circulação de consumidores na feira a procura de produtos. A

senhora Maria Raimunda Lopes Vieira também comunga dessa lógica, pois para ela

deve-se saber,

[...] usar até a matemática dentro da própria feira porque se você não souber a matemática no escrito, podemos dizer, mas de cabeça você vai ter que aprender, porque você tem que saber o preço de um litro de farinha. Aqui a gente é por litro e por quilo. O litro de farinha quanto é que custa? Pra vender dois litros, três, quatro, cinco. Aí a pessoa chega, eu quero, por exemplo, se o litro de farinha custa R$ 1,50 (um real e cinquenta centavos) ai um cara chega e diz eu quero R$ 10,00 (dez reais) de farinha, ele vai ter que saber que quantidade de farinha ele tem que pôr pra dar aquele valor. Então eu acho que tem um aprendizado muito grande. Dentro da feira a gente aprende, não é só dentro da sala de aula não, também na feira a gente aprende (Entrevista concedida em março de 2012).

O saber matemático que a intérprete demonstra claramente conhecer

reforça a obrigatoriedade que a atividade de feirante requer, de maneira que não há

explicação para que não se desenvolva habilidades matemáticas no espaço Feira do

Agricultor, seja utilizando-se a escrita, calculadora ou cálculos mentais.

A Feira do Agricultor de Mãe do Rio também exige habilidade, lógica,

atitudes respeitosas tanto de quem compra como de quem vende, para se manter e

construir conhecimento. É uma obrigação perceptivelmente sadia, demonstrada em

todas as narrativas. O interessante é reconhecer que a informalidade desse tipo de

educação aprimora a vida cotidiana, envolta aos mais diversos saberes socializados.

Ressalto que não estou realizando apologia a qualquer tipo de imposição,

simplesmente considero que determinados momentos devem eleger a tomada de

consciência como fator de integração para que a educação aconteça tanto na feira

como na escola e que o termo obrigação possa ser entendido como compromisso e

aprendizado, considerando os mais diversos contextos, pois como bem frisa a

senhora Maria Raimunda Lopes Vieira: “porque se você não souber a matemática no

escrito, podemos dizer, mas de cabeça você vai ter que aprender, porque você tem

que saber o preço de um litro de farinha”. (Entrevista concedida em março de 2012).

Em outro momento o senhor Nino Lima da Paixão defende que,

Eu sei que a máquina é rápida, é mais fácil, mais avançada, mas eu nunca confiei na máquina. Sempre confiei principalmente na caneta porque as quatro operações eu aprendi na segunda série e guardo até hoje comigo.

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 110

Não confio na máquina não. Confio em mim fazendo a conta e tirando a

prova ainda (Entrevista concedida março de 2012).

O entrevistado demonstra a relação que teve com a escola e como em

pouco espaço de tempo assimilou aquilo que utiliza diariamente, a matemática,

demonstrando a importância de realizar cálculos sem a utilização de tecnologia, não

por medo, mas pela certeza do conhecimento aprendido e a confiança em si

adquirida durante todo um período de vida.

Outra entrevistada confirma que:

Com certeza. Quando eu estou lá no galpão, muitas pessoas me

perguntavam pra fazer a conta, sabe? Porque não sabe, então se soubesse né? Isso aí é ponto, um ponto positivo pra ir vender, saber as quatro operações de conta. (Antônia Borges Sampaio. Entrevista concedida março de 2012).

Para a entrevistada, o fato de poder contribuir com os demais sujeitos

quando solicitada, a faz pensar quanto a importância do aprendizado adquirido na

escola, esse, por vezes apreendido de maneira abstrata e que posteriormente é

socializado na feira considerando as representações reais concretas vivenciadas.

Poder dividir o conhecimento com outras pessoas, reflete seu instinto de

companheirismo, mas percebo que ao contribuir com os demais, evidencia também

outro aspecto relevante e recorrente em espaços coletivos, o saber da liderança,

exercida de maneira inconsciente, porém necessária e que põe em evidencia aquilo

que conhecemos por educação.

Em outro momento podemos perceber essa liderança anunciada pela

entrevistada ao explicar que:

Por exemplo, o meu neto aqui que mora em Belém. Ele tem nove anos, ele chega lá, ele pega um litro e me ajuda, ele tá se animando ali. Então eu acabei de dizer, você vai aprender na sua faculdade, mas você vai saber vender uma farinha no litro, porque se você precisar um dia, você não vai se apertar com nada, está por dentro. Então pra mim é uma educação boa (Antonia Borges Sampaio. Entrevista concedida em março de 2012).

Isso chama atenção para a valorização das diversas formas de

aprendizagem referendadas pela entrevistada, a que é praticada na feira e a que é

desenvolvida pela academia, levantando a questão que não se deve minimizar o

aprendizado nos espaços não escolares em função da supervalorização do

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 111

conhecimento científico, pois acredito que esses modelos de educação devem

caminhar paralelamente.

Em mais,

A matemática era na ponta da língua, se preocupavam muito em mexer com seu intelectual, manusear seu intelectual pra aprender [...]. Se é pra testar sozinho na caneta, era melhor a mente. Já vi várias pessoas falando: “se é de me sacrificar na caneta, eu manejo, vou mexer com minha mente que é mais fácil. A mente já está comigo, já está alojada na minha cabeça (Maria do Céu dos Santos Lima. Entrevista concedida março de 2012).

Esse processo de memorização observado na narrativa acima demonstra a

eficácia e ao mesmo tempo a concepção de que a utilização de objetos para

realização de operações matemáticas implicaria um trabalho desnecessário. A

mente segundo a entrevistada é parceira para a realização da tarefa, por não negar-

lhe a qualquer instante as informações de que necessita.

Já o senhor João do Carmo Araújo discorre que:

[...] estudei até a 2º série só, mas eu tenho muita experiência, eu tenho mais experiência de quem tem o 2º grau [...]. Tem deles do 2º grau que chega lá na minha banca para atender o freguês e não tem experiência, não sabe nem como vai fazer. Eu tento tanto, que ensino até meu pessoal desse meio a trabalhar, como é faz e como é que não faz. E são mais sabidos do que eu (Entrevista concedida em março de 2012).

A experiência que o entrevistado remonta, está relacionada ao trabalho

executado cotidianamente e que o faz afirmar que não troca o conhecimento

adquirido em tempos passados, pois ao compará-lo com a educação formal na

atualidade, revela certa fragilidade no aprendizado escolar. Porém, essa afirmativa

não corresponde a uma totalidade experienciada por outras pessoas.

Outros saberes construídos na feira se encontra relacionado com a

Educação Ética, representados pelas experiências familiares que tornam a venda

da farinha não só uma função mercadológica, mas papel determinante na apreensão

e consolidação de valores morais.

A esse respeito, o senhor Antonio Soares Vieira defende que as informações

apreendidas durante a comercialização da farinha na feira “tá influenciado na

formação da minha família porque eu trabalho pra casa e aplico nas coisas que eu

necessito no meu trabalho” (Entrevista concedida em março de 2012).

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Percebo a preocupação do intérprete, ao encaminhar para junto da família o

aprendizado da feira. Talvez isso se dê na tentativa de manter suas tradições e ao

mesmo tempo proporcionar reflexões acerca dos momentos vivenciados e a partir

daí, desvelar os caminhos a se percorrer e viver com dignidade independente da

condição econômica.

Outras informações a respeito quanto a influencia familiar nos revelam que,

[...] mostrando a vantagem que tem, o valor que tem conseguir o seu próprio negócio. [...], você sabendo administrar, que dê para você tirar seu próprio sustendo, [...], e isso sempre mostrei pra eles, eu o pai deles [...], mostrando e incentivando qual é a vantagem que tem trabalhar na feira e conseguir o sustento (Maria Raimunda Lopes Vieira. Entrevista concedida

em março de 2012).

A entrevistada relata sua concepção do trabalho na feira, mostrando sua

visão empreendedora a não permitir a desvalorização de todo e qualquer trabalho

desenvolvido. Sua capacidade de influência é uma realidade que a torna não a

melhor feirante, nem a melhor mãe, mas uma pessoa extremamente preocupada

com a educação voltada para a família. O sustento como ela mesma relata lhe dá

possibilidades de crescimento social e econômico.

O relato interessante da senhora Maria do Céu dos Santos Lima revela os

anseios de algumas pessoas com relação à Feira do Agricultor para quem,

[...] foi uma influencia para os agricultores em geral. Também influenciou pra que eles pudessem plantar mais, pra eles valorizar mais a produção. Eu acredito que influenciou nessa forma. E influenciou pela parte política porque os políticos sempre querem ter o aval da feira. Eu acredito que teve uma pessoa que foi a peça fundamental porque acreditou na proposta nas ideias dos trabalhadores que foi o Dr. Silas. Mas sempre tem pessoas que querem aparecer e querem também se projetar com a Feira do Agricultor de Mãe do Rio (Entrevista concedida em março de 2012).

Quando cita o primeiro prefeito de Mãe do Rio, destaca a vontade política

em beneficiar os agricultores com a criação do Galpão do Agricultor e ao mesmo

tempo revela as incursões políticas partidárias voltadas para a feira, com o intuito de

promover a ascensão daqueles que não compreendem esse espaço como fruto

conquistado através da educação desenvolvida pelos campesinos. Suponho que

essa prática somente é concretizada por aqueles que põem em exercício a

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 113

educação a partir de atitudes que contemplem o aprendizado de muitos e que

merecem o reconhecimento da sociedade.

Logo, esse entendimento quanto à Educação Ética permite encontrar outra

concepção de educação a qual intitulo de Educação Política, presente na

organização de homens e mulheres agricultores e feirantes que buscam promover o

bem comum.

Desta forma, faço uso do conceito de Ferreira (2001, p. 251), que defende

que educação nada mais é do que “ato ou efeito de educar-se”. Procedimento pelo

qual o ser humano desenvolve habilidades físicas, intelectuais e morais, com o

intuito de atingir a civilidade, e das concepções de Freire (2004, p. 34) que concebe

que a educação é um ato político. Para esse teórico “não há porque falar de um

caráter ou de um aspecto político da educação, como se ela tivesse apenas um

aspecto político [...]”. Pois a política é ação, composição, aplicação de valores assim

definidos:

É, eu entendo como uma ação política porque assim como tudo que se faz pelo povo, toda ação que se faz é uma ação política. E o MEB (Movimento de Educação de Base) na época, ele já mantinha, já tinha essa ação política pra preparar o homem do campo, para que ele pudesse valorizar a sua moradia no campo, valorizar a produção e que embora ele fosse pra cidade, mas que ele não deixasse de valorizar o campo. Também nessa época o MEB preparava os trabalhadores e as trabalhadoras rurais pra luta sindical [...]. (Maria do Céu dos Santos Lima. Entrevista concedida em março de 2012).

A narrativa ao pontuar a conscientização política adquirida, perfaz o caminho

percorrido em busca da autonomia dos sujeitos, partindo da realidade que considero

educativa por elencar fatos, cenas, interpretações, narrações que retratam os

saberes produzidos e reconhecidos nos dizeres do cotidiano campesino. Para a

entrevistada a luta por dignidade cultural foi determinante para,

[...] eles terem não só pra vida no campo, mas pra eles terem ideia de valorizar os saberes do campo e valorizar pra que pudessem sair pra cidade, porque eles valorizando a agricultura familiar, que na época não era agricultura familiar, eles se preparavam pra valorizar o campo realmente, mas com o intuito de produzir, pra ter o produtor melhor, pra que as pessoas que estivessem na cidade tivessem como se alimentar melhor (Maria do Céu dos Santos Lima. Entrevista concedida em março de 2012).

Para ela, o saberes campesinos precisam ser valorizados de forma

consciente por quem deles se utiliza. Portanto, a educação como política de ação se

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 114

fez necessária, contemplando a relação entre campo e cidade. Nesse sentido, Maar

(1994, p. 81) nos mostra sua versão a respeito deste saber, ao comparar cultura

popular e política, pois ambas, enquanto manifestações populares devem vislumbrar

os interesses do povo, aquilo que ele toma como valor e que o representa, nos

diversos ambientes de que faça parte. Portanto, os objetivos políticos apresentam-se

como valores culturais, justamente por fazerem parte do cotidiano social.

A Educação Matemática, Educação Ética e a Educação Política, tornam

possível a realização da Educação para Comercialização, que no meu

entendimento agrega todas as outras, justamente por atingir status qualitativo a

partir de um meio quantitativo.

Paralela a essa afirmativa encontra-se implícita a troca de saberes,

prevalecendo a construção de conhecimentos reconhecidos como fundantes de

conceitos e regras de sobrevivência, que se encontram em constante mutação e

garantem que a tradição coletiva mantenha-se presente no cotidiano da feira.

Para Zumthor (1997, p. 13), considerando as concepções de Ortega y

Gasset, compreende que tradição representa o auxílio que solicitamos para os

tempos passados na tentativa de solucionar questões contemporâneas, apreendidas

a partir de exemplos, princípios, padrões difundidos pela reminiscência e costumes

coletivos. No meu entendimento Le Goff (1992, p. 472) comunga desse pensamento,

ao apontar que a,

[...] memória coletiva faz parte das grandes questões das sociedades desenvolvidas e das sociedades em vias de desenvolvimento, das classes dominantes e das classes dominadas, lutando todas pelo poder ou pela vida, pela sobrevivência e pela promoção [...]. A memória é um elemento essencial do que se costuma chamar identidade.

Isso chama atenção para aquilo que conhecemos por imitação, que segundo

Heller (2008, p. 116) “a imitação manifesta-se sobretudo como imitação dos usos”. O

homem desde seu nascimento encontra-se numa estrutura consuetudinária vivida e

revivida durante os estágios de convivência coletiva, proporcionando a compreensão

de que “o homem já nasce num mundo já feito”. Esse aprendizado cotidiano deve

ser assimilado da mesma forma como se assimila as experiências do trabalho. O

que lhe possibilita tomar posse da história humana, adentrar na história, “e esse é o

marco em que o homem consegue se orientar”. Assim:

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A farinha de mandioca. Nós começamos desde criança, a partir dos seis anos de idade que eu via meu pai fazendo farinha e se eu tenho hoje 58 anos, há 52 anos eu vejo as pessoas trabalhar com farinha. E tem muita gente que sobrevive a custa da farinha. Farinha é um produto que não só serve pra alimentação, mas ela também serve pra comercialização e na zona rural muita gente sobrevive da venda da farinha (Maria do Céu dos

Santos Lima. Entrevista concedida em março de 2012).

Encontro na subjetividade da narrativa algo que identifica os sujeitos sociais

em questão, o processo que envolve a farinha de mandioca, desde a produção à

comercialização. Essa identidade é marcada historicamente pela tradição familiar

que ao instituir a farinha como meio de sobrevivência, automaticamente a elegi

como representante comercial e como mecanismo que possibilita o diálogo de

saberes.

Mediante as transformações econômicas, sociais e culturais, a humanidade

constrói cotidianamente saberes, que para Charlot (2000, p. 51) está relacionado

com o nascer do homem para dentro de formas estruturais de sociedade e que as

ferramentas utilizadas para promover esse nascimento provêm de relações de

convivência, de palavras e conceitos construídos ao longo dos tempos.

Nesse sentido, nascer é penetrar em um sistema de relações e

procedimentos que constituem um conjunto de significações, “onde se diz quem eu

sou, quem é o mundo, quem são os outros”. Para esse teórico, “esse sistema se

elabora no próprio movimento através do qual eu me construo e sou construído

pelos outros, esse movimento longo, complexo, nunca completamente acabado, que

é chamado educação” (op. cit., 2000, p. 52).

Em outros dois momentos percebi que o estabelecimento da feira

demonstrava a necessidade dos agricultores em se localizarem em definitivo num

local apropriado. Para tanto, a união de forças evidenciou o entrelaçamento de

saberes coletivos necessários para a organização dos agricultores, pois a senhora

Maria Raimunda Lopes Vieira, nos revela a compreensão que tem sobre o termo

comunitário, expressando a importância do envolvimento da família na constituição

de situações e cenas:

Porque já bem acabamos de falar que em 1965 já existia. A gente tem relato dessa luta porque eu tenho envolvimento tanto social como comunitário. A gente já numa época, eu lembro que meus pais eles vieram junto com Sindicato dos Trabalhadores Rurais, eles vieram tentar organizar

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uma feira já lá dentro do sindicato, no quintal (Entrevista concedida em março de 2012).

Já o senhor José Tibúrcio Vieira, dá detalhes de outros momentos

posteriores fazendo uso dos saberes da memória, ao argumentar “nós começamos

a feira lá de frente do Jorge Chicó [...], depois passamos ali pro canto da igreja onde

era a [...], depois aqui pra Praça 7 de Setembro e apanhando chuva e sol e aquele

sofrimento (Entrevista concedida em março de 2012). Essa narrativa demonstra a

insistência dos agricultores em adquirirem um espaço para comercializar seus

produtos e amenizar suas frustrações, seja na perda do produto, seja pelo valor

comercializado.

Para Bosi (1994, p. 413) o importante é a possibilidade de se observar,

interpretar e analisar um único fato de forma diferenciada, pois ao contrário do que

se pensa, o importante não são as interpretações comuns à todos, mas como todos

de forma individualizada criam conceitos que representam a historicidade

vivenciada.

Nesse sentido, a memória está carregada de representações que

evidenciam tempo, espaço, sentimentos que podem estar ancoradas nas análises

de Jovchelovitch (2008, p. 41) ao afirmar que o saber tem como objeto substancial a

representação, esta, como composição subjacente aos demais conjuntos de

saberes, o elemento essencial que permite a compreensão de todo saber possível

que se possui de si e dos outros, dos saberes existentes mundo afora. Seguindo a

lógica dessa afirmação, a autora “define o saber como uma cópia acurada do mundo

exterior e como um provedor de certezas. Contudo, todos os saberes são feitos de

representação e expressam um desejo de representar” (op.cit., p. 42).

E essa representação está contida na entrevista que segue evidenciando

que,

[...] a preocupação dele foi essa, de proteger os agricultores. Se ele fez as estradas para que tivesse os produtos, os produtos tinham que ser cuidados. O MEB já estava implantado. Eles fizeram um trabalho, como eu falei, no início eles não sabiam falar sobre os agricultores, então eles tiveram que [...], a gente fez uma parceria com o sindicato. E eles então baseado nisso também, preveniram um futuro crescimento da vila e os agricultores foram se educando com as orientações do MEB (Nino Lima da Paixão. Entrevista concedida em março de 2012).

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 117

Embasada nessa narrativa, evidencio o saber proteger das pessoas que

reflete o respeito direcionado pelo governo local para com aqueles que produzem no

campo para alimentar a cidade, numa análise que vai além da realidade vivenciada.

O agricultor precisava escoar os produtos, ganhar tempo por conta da distância

entre as comunidades e a sede do município e aumentar sua produção. A meu ver,

proteger os agricultores é fomentar uma ação política, agindo no presente com a

conexão das atividades do Movimento de Educação de Base e do Sindicato dos

Trabalhadores Rurais, com a finalidade de atingir objetivos futuros, o crescimento da

Vila do km 48, atualmente cidade de Mãe do Rio.

Essa articulação política previu o desenvolvimento econômico da vila, a

partir da organização dos agricultores, da valorização de suas produções,

demonstrando a importância do saber cuidar dos produtos do campo, em especial a

farinha de mandioca, a partir das contribuições desses movimentos sociais.

Partindo dessa lógica, a senhora Antonia Borges Sampaio, discorre que:

Dentro da feira, tanto a gente ensina como aprende. Primeiro, quando você vende na feira, quando bate na sexta feira você tem que tirar uma horazinha pra se assear todinha, porque a gente trabalhando com a terra sempre tem sujo no meio. Você tem que limpar as unhas todas, ariar os pezinhos, vestir a sua farda, porque agora a gente tem a farda. Vestir a sua farda na hora de vender a sua farinha [...] (Entrevista concedida em março de 2012).

Esse saber cuidar reflete também a necessidade dos agricultores

demonstrarem uma aparência saudável, principalmente no momento da

comercialização da farinha de mandioca, ao utilizarem roupas adequadas, ou como

diz a entrevistada, a farda, para esse momento específico que demonstra sinal não

só de organização no trabalho, mas higiene. É o ensinar e o aprender expressos nas

atitudes cotidianas que considero importantes, por estimularem o cliente a participar

desse aprendizado, através de um saber previamente executado, o saber da

preparação. A senhora Maria Raimunda Lopes Vieira concorda com essa ideia e

acrescenta que:

A gente sempre tem alguém que intermediava nosso produto. A partir que a gente passou a tomar iniciativa de que essa feira é de grande importância, porque nós tiramos o nosso produto, fabricamos a farinha e procuramos fazer da melhor maneira possível, mais higiênica e melhor qualidade e trazer quentinha e saudável para o consumidor (Entrevista concedida em março de 2012).

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A tomada de consciência por parte dos agricultores em criar um espaço de

comercialização, foi fundamental para incentivar processos educativos desde a

plantação, fabricação e venda da farinha, pois a apresentação do produto reflete

também as características dos sujeitos em questão; se os produtos são de boa

aceitação; se são produzidos de maneira confiável. Ambos os processos delegam

formas de saberes, cabendo ao sujeito social aplicá-los de maneira conveniente. A

partir do momento que a entrevistada toma consciência do potencial de seu produto

e o espaço por ele ocupado, do meu ponto de vista, confirma o a aprendizado

adquirido em dimensões coletivas.

Atrevo-me a afirmar que a construção da personalidade do indivíduo está

atrelada aos conhecimentos constituídos dentro de um contexto de saberes, sejam

eles encontrados na religião, na ciência, na arte, na cultura e como dizem os

entrevistados, o saber está relacionado com a educação e o trabalho. Brandão

(2006, p. 21) coaduna com essa afirmativa enfatizando que as pessoas se educam

pela necessidade de se conviver coletivamente e essa convivência é estabelecida

pela existência do trabalho como combustível que alimenta a circulação do saber.

Isto é percebido na narrativa do senhor Antonio dos Santos Vieira: “porque

na venda de farinha se você num tiver educação, você num vende”! (Entrevista

concedida em março e 2012) ou ainda “É porque enquanto eu tô vendendo eu não

tô tirando de quem tem né?” (Antonia Borges Sampaio. Entrevista concedida em

março de 2012).

O primeiro relato demonstra a aplicação da educação nos momentos da

comercialização da farinha de mandioca, pois a venda do produto requer tratamento

respeitoso entre feirante e cliente; enquanto que o segundo reflete a importância do

trabalho para a vida do ser humano, negando a possibilidade de praticar atos

pejorativos que põem em risco a imagem de mulheres e homens que trabalham e

que de uma forma ou de outra buscam viver condignamente.

Pressuponho que emerge dessa relação entre educação e trabalho, a

cultura, essa assumindo uma dimensão interpretativa da vida cotidiana, do pensar

sobre algo ou alguém. Essas construções coletivas que envolvem a aplicação de

conceito sobre o certo e errado são elaborados nas relações de convivência quando

os sujeitos verbalizam o que pensam e sabem de si e dos outros.

Para Henriques e Torres (2009, p. 121) por cultura entende-se como produto

de um procedimento que institui o diálogo como forma de transformação da natureza

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 119

através do trabalho dos seres humanos, trabalho consciente e significativo em que

não se configura como artefato das relações humanas, justamente por constituir-se

como produção e reprodução a partir da historicidade construída pelos povos. Dessa

maneira, Antunes (2004, p. 59) contribui ao fazer a seguinte indagação:

Qual é a substância social comum a todas as mercadorias? É o trabalho”. Para esse autor para produzir uma mercadoria, deve-se investir nela ou a ela incorporar uma determinada quantidade de trabalho. E não simplesmente trabalho, mas trabalho social. Aquele que produz um objeto para seu uso pessoal e direto, para seu consumo, produz um produto, mas não mercadoria (op.cit., p. 59).

Compreendo que as relações que se estabelecem entre trabalho e produto

diferem de trabalho e mercadoria, em que a primeira está vinculada a um contexto

fechado a não permitir a troca de saberes intersubjetivamente, enquanto que a

segunda, parte de um contexto fechado para atingir expansão gradativa dos saberes

instituídos numa conjuntura de trocas em que as mercadorias, objetos sociais,

promovem o diálogo nas relações de convivências.

Antunes (2004, p. 29) define trabalho como um diálogo estabelecido entre o

homem e a natureza, processo em que o primeiro por sua própria atuação, “media,

regula e controla seu metabolismo com a natureza. Ele mesmo se defronta com a

matéria natural”.

A entrevistada narra essa relação entre trabalho e natureza ponderando que,

[...] pra mim é produzir e vender porque se eu produzo pouco, só pro meu consumo eu não posso vender mais. Se eu produzo em grande quantidade eu tenho minha renda, então eu vendo direto em vez de procurar um atravessador ou então já posso vender diretamente no mercado (Maria Raimunda Lopes Vieira. Entrevista concedida em março de 2012).

Essa relação evidencia a importância de saber extrair da natureza o sustento

através do trabalho, produção de farinha de mandioca, e, posteriormente concluir

que o esforço físico compensou a renda almejada pela venda do produto. É a

educação criando situações de aprendizados contínuos.

Percebo que a preocupação da intérprete, encontra-se vinculada na

necessidade de expansão de sua capacidade de transformar o produto em

mercadoria. Esse conhecimento faz parte da demanda que a atividade requer,

portanto, sente-se capaz e com autonomia de decidir como e para quem o objeto

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 120

social por ela construído será direcionado. Do meu ponto de vista, configura-se

numa organização educativa fundada nas relações de trabalho, que promove a

compreensão de seu potencial produtivo a partir da força física.

O ser humano então coloca em movimento as atividades de sua natureza

corporal, utilizando-se das partes do corpo com o intuito de tomar para si a própria

vida, o que permite afirmar que o homem modifica sua própria natureza por conta de

sua atuação sobre a natureza externa que ele mesmo modifica (ANTUNES, 2004, p.

29).

Utilizando-se de alguns fragmentos de Marx e Engels, Antunes (2004, p. 11)

define que o trabalho é o início de toda riqueza. Porém, essa riqueza está atrelada à

natureza, sendo que esta tem a incumbência de abastecer com os materiais que o

trabalho transforma em riqueza. É a qualidade fundante de toda a vida humana e

que se pode afirmar que até certo ponto, que o trabalho criou o próprio homem.

Para o senhor Antonio dos Santos Vieira, seu trabalho está diretamente

relacionado não só com a farinha de mandioca, enquanto mercadoria, mas com as

relações sociais que desenvolve ao afirmar:

Pra mim seja o melhor produto que eu tô achando, representa na minha vida. Porque quando a gente trabalha com a farinha, a gente já tem aquela certeza quando a gente traz naquela porcentagem que o cara já vai pagar. Tá sendo um dos produtos que tá sendo bem apresentado na vida da gente (Entrevista concedida em março de 2012).

Compreendo que o objeto social, farinha de mandioca, representa seu fazer

cotidiano dando-lhe a certeza de comercialização. Sua confecção pode não justificar

o valor de comercialização, mas de qualquer maneira garante o sustento familiar.

Essa garantia de sustento é evidenciada pelo senhor Nino Lima da Paixão ao

apontar que “foi com o próprio comércio, a gente fazia. O comerciante era meu

amigo. Aí ele sabia que eu produzia farinha e ele me encomendou. Me

encomendava farinha e eu trazia” (Entrevista concedida em março de 2012).

A comercialização da farinha é a “liga” quando por meio dos laços de

amizade consegue estruturar relações de convivência recíprocas que contribuem

para que o trabalho de um sujeito contemple a necessidade de outro, num ambiente

favorável de saberes, fazeres e dizeres.

Para Antunes (2004, p. 11), o ambiente de afazeres é algo ou representa um

complexo de coisas que servem de condutor para o trabalhador, evidenciando a

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 121

divisão entre ele e o objeto de trabalho, e ao mesmo tempo, impondo-se sobre esse

objeto. “Ele utiliza as propriedades mecânicas, físicas, químicas das coisas para

fazê-las atuar como meios de poder sobre outras coisas, conforme o seu objetivo”

(2004, p. 31).

Essa afirmativa depara-se com a compreensão que a senhora Maria do Céu

dos Santos Lima possui ao evidenciar que os saberes que envolvem a

comercialização da farinha de mandioca educam pelo trabalho mental e pelo

condicionamento físico:

Porque a farinha é uma forma de educar? Ela tem o peso, ela tem um preço, ela tem um custo, então se ela tem um custo, as pessoas precisam se educar. Qual o preço da farinha? Aí vai ter que sentar e dizer quanto foi que eu gastei energia para torrar, ou então paguei fulano para torrar. Uma diária agora são trinta reais (R$ 30,00), para passar um dia torrando farinha são trinta reais, se passa três dias torrando vai ter que pagar noventa reais (R$ 90,00). Então é por isso que é uma forma de educar (Entrevista concedida em março e 2012).

A entrevistada relaciona a partir dos aspectos contidos na comercialização

da farinha, o trabalho prévio que envolveu um custo especificado e que a partir dele,

possibilitou dar valor ao produto. Ressalto que esse pagamento de diária, pode estar

relacionado ao condicionamento físico que muitos dos feirantes apresentam, pois a

fabricação da farinha requer força física. Nessa perspectiva, Appadurai (2008, p. 15)

assevera que as mercadorias possuem existência social, porque a permuta

econômica dá origem ao valor, este, por sua vez é materializado nos produtos que

são trocados. Essa argumentação é fortalecida através de uma política que abarque

a ideia de que a troca dialoga com o valor de forma indissociável.

O intérprete Antonio dos Santos Vieira afirma:

Então a farinha tem seu valor porque por mais que ela seja barato ou caro ela é o produto do agricultor, se ela tá boa de preço é melhor porque você vai ganhar um pouquinho mais, mas se ela tiver ruim de preço, mesmo que você traga, então é o pão nosso de cada dia de qualquer forma. Você vende cara ou barata, bonita ou feia você vende e tira o sustendo da sobrevivência (Entrevista concedida em março e 2012).

A firmeza na fala retrata os saberes do senso comum, como eles dialogam

com a cientificidade expressada pelo autor. Da mesma maneira em que os valores

estabelecidos para a comercialização perpassam por diálogos contínuos e

necessários para realização de trocas comerciais. A comercialização da farinha de

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 122

mandioca pode ser compreendida também como objeto de valor social por Francisco

das Chagas Santos:

É o respeito que as pessoas têm com os clientes, na medida de oferecer o produto, e, porque no momento que eu vendia na feira fui educado assim. Se você chega pra comprar a farinha, pergunta o preço e eu já tô com o litro aqui na tua mão, pra tu provar. Eu não deixo colocar a mão dentro do saco. Mas hoje isso aí não tem mais. A pessoa chega, pega, pega, vai embora. Aí outro chega pega, pega e vai embora e quando eu vendia ninguém fazia isso. Era chegar e eu já estava com a farinha na tua mão, tu provava direitinho (Entrevista concedida em março de 2010).

Percebo que a questão da temporalidade demarca o tipo de aprendizagem

evidenciada pelos atores sociais. Parece que a sociedade não respeita o trabalhador

e seu produto e ao mesmo tempo não se respeita por apresentar atitudes

consideradas anti-higiênicas com relação à manipulação dos alimentos.

Analiso a atitude do entrevistado como inteligente, por não permitir a

desvalorização de seu produto sem constrangimento para as partes, constituindo

como uma ação cultural construída e que do meu ponto de vista, necessita ser

disseminada entre todos aqueles que participam da Feira do Agricultor.

Na concepção de Mota Neto (2008, p. 69) práticas sociais indicam a

construção de um acervo cultural que tem como unidades constituintes a

composição de valores, normas de condutas, códigos linguísticos, dentre outros, que

favorecem o ensino e a aprendizagem, que processualmente aditados resultam na

formação de conteúdos do cotidiano, ou ainda, do produto social que é a educação.

Nesse sentido, cabe destacar as considerações do senhor Nino Lima da

Paixão quanto algumas condutas heterogêneas, que para ele, permeiam o processo

de comercialização da farinha:

É mais ou menos. Não é assim totalmente educativo porque pra gente educar o nosso povo é difícil. Vê por exemplo que nos anos 60, quando pertencia à Irituia, o antigo 48, foi fundada a cooperativa. Só que a cooperativa ela foi fundada de uma maneira que ela não foi educada, os agricultores não foram educados para que vivessem ligados à cooperativa. Conclusão, a cooperativa fornecia os produtos, os materiais, de alimentação, de ferramentas e dava para o agricultor. Aí, eles botavam o roçado. [...]. Então o agricultor levava e vendia para o atravessador e não levava o produto pra cooperativa (Entrevista concedida em março e 2012).

Percebo na entrevista a dificuldade de uma organização coletiva para

obtenção do lucro desejado, pois os interesses individuais sobrepõem-se aos

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 123

interesses coletivos, dificultando o engajamento nesse tipo de trabalho. Essa

afirmativa por certo contradiz àquelas que expressam a vontade daqueles que

também gostariam de participar diretamente do processo de comercialização da

farinha de mandioca, sem a participação dos “atravessadores”.

É interessante pôr em evidencia duas características inerentes ao comércio

da farinha: uma que enfatiza a educação voltada para o agricultor e suas

necessidades imediatas para a formação do espaço Feira do Agricultor e a outra que

não atingiu certa representatividade entre os participantes da cooperativa.

Dessa maneira considero que subjetivamente todos constroem saberes, mas

nem todos os saberes significam a construção do conhecimento coletivo, pois o que

é importante para alguns, para outros não possui a mesma representatividade,

ocasionando descontentamento por parte daqueles que buscam melhorias na

comercialização, pautada na educação enquanto categoria que promove a inter-

relação dos saberes construídos e socializados nos diversos espaços de

convivência.

Martinic (1995, p. 77) observa que a vida cotidiana resulta em saber popular,

pela possibilidade de constatar conhecimentos que repousam num processo de

elaboração que é superior ao que é dito suficientemente para a vida prática,

considerando que tudo que se acredita como certeza absoluta deva ser revisto. Para

esse autor:

Hayasí cuerpos de saber que tienem uma autonomia com respecto a la prática y a lãs cosas que refiere. Existe una elaboración que, por encima del conocimiento cotidiano, reconstruye y ordena la experiência de acuerdo a ciertas reglas y princípios de pensamiento.[...]. Existen complicados sistemas a través de loscuales La siciedad controla y legitima las relaciones y procesos de produción de saber. Lo que puede ser conocido y el modo a través Del cual um conocimiento adquiere validez no escapa de la administracióny discplinamiento que impone La version hegemônica sobre el modo de conocerlo que se constituye como real (Martinic, 1995, p. 77).

Essa reconstrução e ordenação da experiência é verificada na opinião de

Maria Raimunda Lopes Vieira, ao evidenciar que “todos os meus filhos não vem

diretamente pra feira, mas todos eles percorrem a feira. Todos eles sabem. Agora eu

tenho filhos que trabalham aqui dentro, já são cadastrados, hoje já são associados.

Aliás, eu criei esses filhos todinhos na feira [...]” (Entrevista concedida em março de

2012).

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 124

Para entrevistada o saber encontra-se no contexto social que lhe possibilita

abrir espaço para educação. Ao mesmo tempo, controla e torna válidas suas

relações de convivências, bem como quanto aos procedimentos aditados para a

construção do saber que envolvem a comercialização da farinha de mandioca,

ancorados numa relação que prioriza os exemplos executados no seio familiar, o

trabalho e os valores culturais adquiridos ao longo dos tempos.

Os filhos para ela representam o esforço de desenvolver o trabalho de toda

uma vida, o que lhe concede a titularidade de mãe e profissional na arte de educar,

evidenciando quão grande é a importância do trabalho nas ideias daqueles que

almejam educar-se e educar por meio dele.

Charlot (2000, p. 68) afirma que epistemologicamente incidem diversos

discursos que apontam que aprender é um exercício de assimilação de um saber

que não se tem, mas cuja essência é colocada em elementos, lugares, sujeitos. Os

que já percorreram as trilhas a serem seguidas, podem servir na orientação desse

aprender, desempenhando papel de acompanhamento, de intermédio. “Aprender é

passar da não posse à posse, da identificação de um saber visual à sua apropriação

real”.

Para Charlot (op. cit., p. 59) o sujeito para “tornar-se”, deve ter por convicção

que somente de posse do aprender, poderá adquirir concepções de vida, quando

toma para si as múltiplas informações do mundo, pois aprender pode ser adquirir um

saber intelectual sobre história, arte, ter o domínio de determinada atividade, ou

ainda, saber criar e manter relações práticas como o simples gesto de cumprimentar

pessoas. Isto nos remete aos saberes morais apontados pela senhora Maria do

Céu dos Santos Lima ao observar que:

Eu aprendi, a primeira coisa que eu aprendi foi a ser humilde, a respeitar os valores de cada um, a trabalhar em coletividade, saber respeitar as pessoas e saber compreende-las também, saber que eu tenho uma visão. O meu mundo, da outra pessoa é um mundo diferente (Entrevista concedida em março de 2012).

Suponho que o saber respeitar e o saber da compreensão demonstram

claramente a conexão existente entre ambos ao promoverem a socialização das

várias ideias construídas rotineiramente, na troca constante de experiências, pois o

que representa a verdade para uma determinada pessoa, para outra pode não valer

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 125

nada. O aprendizado ocorre nesse momento, na contradição e na interpretação

daquilo que é verbalizado ou transmitido através de atitudes.

A representação atrelada à edificação de todos os princípios de saber atinge

o formato e os desempenhos dos saberes, da sua referencialidade, “quem e o que o

saber representa [...], como o saber representa [...], por que o saber representa [...],

para que o saber representa [...], quem e o que o saber representa”

(JOVCHELOVITCH, 2008, p. 41).

Esses enunciados que fazem referências aos saberes representantes e

representados, encontram-se nas falas do entrevistado quando, por exemplo, um

deles assevera que “no momento dessa comercialização eu aprendi a vender um

bocado de produtos, porque a farinha foi quem deu a entrada para mim aprender a

negociar alguma coisa que eu produzia” (Francisco das Chagas Santos. Entrevista

concedida em março de 2012).

Encontro na narrativa a referencialidade, a representação que deu suporte

para o entrevistado reconhecer que a farinha de mandioca o representa no meio

comercial, para suprir suas necessidades enquanto produtor e vendedor. Essa

referência também pode ser encontrada naqueles que consomem o produto, por ele

fazer parte da base alimentar a partir dos costumes e tradições amazônidas.

A senhora Maria Raimunda Lopes Vieira completa essa ideia ao argumentar

que “podemos dizer, a feira é minha empresa, porque assim, a feira antigamente

[...], posso falar do surgimento e da vantagem dessa feira. Porque antigamente, na

época que eu me entendi e vivia com meus pais não se tinha uma venda definitiva”

(Entrevista concedida em março de 2012). A feira para ela representa a certeza de

rendimento, através do trabalho coletivo, pois sua venda depende dos demais

feirantes, implicando dizer que o aglomerado de pessoas e produtos é um convite à

peregrinação no espaço denominado Feira do Agricultor.

Distinguir cada momento vivenciado na feira representa o saber

interpretativo, adquirido com o passar dos tempos e que possibilita a comparação e

o diálogo de saberes e a certeza da venda garantida e do valor estipulado.

O saber representa sua identidade ou referencial, seu caráter intersubjetivo

e interativo, sua grandeza expressiva, suas extensões propositais, o que possibilita

dizer que o conhecimento é uma configuração de aspectos diversos e heterogêneos

na composição dos saberes (JOVCHELOVITCH, 2008, p. 42). Para a autora a

conjectura dos aspectos sociais é uma

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[...] teoria sobre os saberes sociais. Ela se dirige à construção e transformação dos saberes sociais em relação a diferentes contextos sociais [...], que compreende os saberes produzidos na, e pela, vida cotidiana. Neste sentido, a teoria das representações sociais pertence a uma tradição que chamo de fenomenologia da vida cotidiana, preocupada em compreender como pessoas comuns, comunidades e instituições produzem saberes sobre si mesmas, sobre os outros e sobre a multidão de objetos sociais que lhes são relevantes. [...], ela partilha o interesse em trazer à luz a estrutura das visões de mundo, das crenças e formas de vida que produzem teorias sobre a vida cotidiana e os saberes que ela contém. [...] demarcando seus referenciais de pensamento, ação e relacionamento (op.cit., p. 42).

A farinha de mandioca enquanto objeto social constrói e transforma saberes

que são partilhados coletivamente na vida cotidiana, representando o referencial

daqueles que agregam valores de convivência na edificação das estruturas de

relacionamento e que paralelamente se encontram imbrincadas nas relações

comerciais.

3.6 “Uma Educação de Berço”: o retorno para a comunidade

Cada vez que eu me sento na minha bibliotequinha para escrever um novo livro é um risco, ou são vários riscos, que eu assumo, inclusive o de errar. O

risco, então, é a responsabilidade que eu tenho quando estou escrevendo, que eu assumo, porque eu não posso sugerir a você, amanhã, uma

maluquice. Eu me sinto responsável diante da leitura [...]. Eu não posso dizer que basta querer para mudar, pois não é verdade. Sem querer não há mudança, mas só o querer também não muda. O que eu tenho que fazer é

mostrar no que eu escrevo, tão claro quanto eu possa, que é preciso arriscar. Mas até para arriscar é preciso pensar, é preciso ter medo.

Contudo, para ter medo é preciso ter coragem e a coragem não existe distante do medo. A coragem é o medo educado (FREIRE, 2004, p.154).

O retorno para a comunidade por mim destacado pode ser encontrado nas

considerações de Marques (2011, p. 69) ao apontar que a educação tem a

possibilidade de transformar a sociedade, mediante a disposição dos diversos

conhecimentos coletivos aos espaços formais de educação, para assim, tentar

resgatar as identidades culturais locais, garantindo a valorização da historicidade

social. Dessa maneira, “restituindo a esses grupos a crença nos desejos e nas

possibilidades que possuem, de superação dos determinantes histórico-sociais a

que estão submetidos”.

Acredito que o retorno dos saberes construídos pelos sujeitos

cotidianamente e narrados nesta pesquisa poderão possibilitar à sociedade a

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 127

oportunidade de vivenciar a satisfação dos entrevistados em participar de algo que

trata da educação e que poderá servir para o conhecimento, principalmente da

sociedade mãeriense. Assim, destaco esses momentos:

Eu agradeço primeiramente a você porque veio me procurar para que eu pudesse dar essas informações. Eu acredito que eu tenha repassado algo que me veio na memória. Agora eu acredito também que esse trabalho que você está desenvolvendo está prestes a terminar. E o que você pretende fazer? Eu acredito que você possa disseminar esse trabalho para que não fique como acontece com outras monografias, tcc, tantas coisas bonitas, mas estão engavetados. [...]. Tudo que se faz e for bom precisa ser disseminado para que outras pessoas possam saber. Então que esses saberes possam ser divulgados, que outras pessoas possam também aprender e que possam também estar disseminando e quem sabe um dia a gente possa ter uma disciplina voltada pra essa educação [...] (Maria do Céu dos Santos Lima. Entrevista concedida em março de 2012).

Essas considerações refletem a expectativa da entrevistada em ver o

trabalho por ela edificado fazendo parte do conhecimento da comunidade em geral,

pois segundo ela, de que adianta organizar e sistematizar as ideias e não divulgá-

las? Essa afirmativa revela que a busca por uma titulação por vezes miniminiza o

potencial educativo encontrado nos mais variados relatos e pesquisas.

A senhora Antonia Borges Sampaio acrescenta que:

Que essa entrevista seja pra nós daqui da Comunidade São Pedro, seja uma entrevista que sirva de alguma coisa pros nossos, nossa agricultura, pro nosso avanço na feira, e também quero lhe dizer que tô aqui a vinte anos nessa comunidade, e trabalho na agricultura (Entrevista concedida em março de 2012)

Essa narrativa demonstra a esperança neste instrumento de pesquisa como

forma de valorização das pessoas que trabalham na agricultura, bem como,

contribuir com o desenvolvimento cultural na e da Feira do Agricultor, seja através

das relações comerciais, seja pelos laços afetivos apreendidos através da educação.

Para o senhor Antonio dos Santos Vieira, “eu achei muito importante eles

procurar fazer essa matéria das pessoas que são da agricultura, como eu falei ainda

agora, pouco a gente houve falar dos agricultores” (Entrevista concedida em março

de 2012).

O termo “matéria”, utilizado pelo entrevistado torna-se interessante, do meu

ponto de vista, porque nomeia esta pesquisa como conteúdo o qual faz parte.

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 128

Subjetivamente concebe que possui conhecimento e que pode ser transmitido as

outras pessoas. Esse sentimento de pertencimento caracteriza que a valorização do

trabalho e das pessoas, eleva a autoestima daqueles que percebem que por vezes

não são lembrados como uma classe importante para o desenvolvimento do país.

Por conta da escrita acadêmica, talvez esta pesquisa não seja reconhecida

como fácil e compreensível por boa parte dos sujeitos sociais que dela participaram

e para outros que dela farão uso. Para contemplá-los, acredito ser pertinente a

introdução de um texto, produzido pela professora Maria Lecy Chaves Lopes, este,

desenvolvido no ambiente escolar, na comunidade do km 33, no município de Mãe

do Rio, retratando a vida na Feira do Agricultor, através das pessoas que dela fazem

parte ou contribuíram para sua constituição enquanto espaço de comercialização da

farinha de mandioca. Acompanhe essa leitura:

A feira e a farinha O município de Mãe do Rio, Tem um imenso valor, Logo que foi emancipado, Ganhou a Feira do Agricultor. A feira foi criada, Nas ruas da cidade, No intuito de suprir, Algumas necessidades. Silas Freitas elegeu-se, Como primeiro prefeito, Falou aos agricultores: - Nesse problema eu dou jeito! Logo com carinho, Trabalhando com fervor, Construiu com perfeição, O Galpão do Agricultor. Os pequenos agricultores, Que trabalham com união, Só fizeram aumentar, A valorosa produção. Na feira se vende de tudo, Coisa que antigamente não tinha, Mas o que se vende muito, É a gostosa farinha. Tem farinha d’água, Farinha seca e tapioca, Todas elas são feitas, Da formosa mandioca!

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Essa venda agrega valores, Que dá até pra admirar, Tanto pra quem vende, Como pra quem vai comprar. Os agricultores de hoje, São privilegiados, Com esse trabalho bem feito, A feira só tem aumentado. A organização do povo, Foi um marco importante, Só fez com que crescesse, Esse trabalho brilhante. Muitas famílias até hoje, Trabalham com precisão, Passando de pai para filho, E até para os irmãos. Muitos não chegaram a sentar, Num banco de escola, Na cabeça faz a conta, Que dá o resultado na hora. Outros estudaram um pouco, Com bastante confiança, Através da Rádio, Educadora de Bragança. Do pouco que aprenderam, Souberam aproveitar, Fazem conta só na mente, Que não precisa rabiscar. Dentro de suas necessidades, Eles vivem a trabalhar, Para vender a farinha, E com isso lucrar. Essa venda de farinha, Não fica só no lugar, Entra em vários municípios, Do Estado do Pará. Também já se expande, Pro Nordeste e aqui no Norte, Assim podemos ver, Como a farinha é forte. Os valores agregados, São de muita importância, Serve à população, E o município só avança. Vendedor e comprador, Trabalham em parceria, Aprendem e ensinam, No passar do dia-a-dia.

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Tem valores importantes, Nessa troca de negócios, Podendo valorizar, Tudo aquilo que é nosso. A educação é feita, Dentro da realidade, Todos juntos trabalhando, Para o bem da sociedade. O vendedor da farinha, Com isso vem aprender, A socializar com o povo, Que enriquece seu viver. A farinha é vendida, Na saca, lata e litro, Quem vai à feira e não compra, Se torna até esquisito. Através dessa cultura, Todos se tornam sábios e educados, Trabalhando juntamente, Para obter um só resultado. Eles seguem o Evangelho, Suas religiosidades, Trabalhando todos juntos, Formam uma só comunidade. O respeito e os valores, Que cada um conduz, Vem dos ensinamentos cristãos, Que aprenderam com Jesus. Essa cultura é rica, Tem progresso e tem valor, Quem quiser comprar farinha, Vá no Galpão do Agricultor!

Fonte: Arquivo da pesquisadora, 2012.

Essa narrativa em forma de poesia aponta a importância da oralidade na

vida cotidiana, pois as contribuições da referida professora são inomináveis, haja

vista sua percepção enquanto educadora ao proporcionar à sociedade o acesso ao

conhecimento de maneira lúdica e poética. Isso nos faz adentrar no universo da feira

por outro ângulo, permitindo a compreensão dos fatos, acerca da vida das pessoas

envolvidas com a comercialização da farinha de mandioca.

Outra maneira que poderei utilizar para retornar as informações contidas

nesta pesquisa para a comunidade, se dará por meio da entrega de exemplares na

Biblioteca Pública Municipal de Mãe do Rio e na Biblioteca da Escola Estadual de

Ensino Médio Pe. Marino Contti.

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Portanto, a partir das contribuições dos sujeitos sociais escolhidos para a

realização desta pesquisa, passo a responder às minhas inquietações com relação

ao problema sugerido: Como os saberes e processos educativos são construídos e

socializados na comercialização da farinha de mandioca pelos feirantes de Mãe do

Rio?

Como a comercialização da farinha acontece na Feira do Agricultor, se fez

necessária a contextualização dos fatos que antecederam a constituição desse

espaço. Isso me levou a compreender que foi imprescindível a organização dos

agricultores no sentido de transformar a própria realidade, no que se refere à

comercialização. Essa organização contou com a participação maciça dos

Movimentos Sociais, bem como da Igreja Católica, que fomentaram a inserção da

educação pelas vias de comunicação que cada instituição dispunha, seja através

das atividades desenvolvidas pela Rádio Educadora de Bragança com a

participação do Movimento de Educação de Base e as Comunidades Eclesiais de

Base, seja por meio do Sindicato dos Trabalhadores Rurais ou ainda com as

inserções políticas partidárias inerentes à todo e qualquer processo de

transformação social.

Identifiquei implicitamente nas falas dos entrevistados, relações de

convivência, pautadas numa educação apresentada em forma dos seguintes

saberes: saber proteger, saber da memória, saber cuidar, saberes morais e saber da

compreensão. Todos esses saberes integram outros aspectos educativos edificados

na comercialização da farinha: educação e trabalho, trabalho mental e

condicionamento físico. Esses saberes encontram-se num âmbito mais amplo

dividido em Educação Matemática, Educação Ética, Educação Política e

Educação para Comercialização.

Quanto aos saberes aditados e socializados por meio da Educação

Matemática, desenvolvidos pelos entrevistados, Knijnik (1996, p. 89) nos oferece

outras informações a respeito:

[...] quando a Etnomatemática fala de culturas diferentes [...], é

preciso dizer que todas não são, em termos de poder, “igualmente” diferentes. Os grupos socialmente subordinados que o digam! Eles expressam sua necessidade de dominar a Matemática acadêmica frente aos desafios cotidianos que têm no conforto com a lógica e os processos que constituem e são constituídos pelos saberes oficiais dos grupos dominantes. Não se trata, portanto, de glorificar a Matemática popular,

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celebrando-a em conferências internacionais, como uma preciosidade a ser preservada a qualquer custo. [...]. Enquanto intelectuais, precisamos estar atentos para não pô-la em execução, exclusivamente na busca de ganhos simbólicos no campo científico ao qual pertencemos. No entanto, também não se trata de negar à Matemática popular sua dimensão de autonomia [...] (KNIJNIK, 1996, p. 89).

Ao longo da pesquisa constatei que a matemática aplicada pelos sujeitos

sociais, na realidade, representa a continuação da educação escolar, desenvolvida a

partir daquilo que cada um dispõe para efetuar implicitamente a etnomatemática. A

autonomia que autora refere-se se dá pela particularidade encontrada nos mais

variados momentos de comercialização, portanto, essa preocupação em

supervalorizar o conhecimento popular, segundo a autora, me parece pertinente por

acreditar que um determinado conhecimento complementa o outro.

A Educação Ética observada na comercialização da farinha, demanda de

informações construídas de maneira subjetiva e intersubjetiva, dando a possibilidade

aos atores sociais de criarem situações de aprendizagem contínuas, importando

afirmar que não é o espaço que determina os valores morais assimilados, mas sim

as pessoas que dele fazem parte, de modo a torná-lo receptível aplicando regras de

convivência que dizem respeito aos princípios de boa conduta social.

Considero que os sujeitos sociais estão impregnados de Educação Política,

quando definem suas ações com autonomia, promovendo o diálogo na tentativa de

compreender a si e o outro, e ao mesmo tempo concordar ou discordar das ideias

coletivas, pois acredito na construção do conhecimento ao aditar-se à ele as

contradições da vida em sociedade.

A Educação para Comercialização é contemplada pelas demais

concepções de educação acima elencadas, pois práticas de compra e venda

sugerem o uso dos valores morais que fortalecem as relações sociais, a partir de

atitudes políticas que estruturam essas relações de modo a promover o uso

consciente da educação matemática.

Ao analisar a interface entre os saberes da educação escolar e os saberes

produzidos na comercialização da farinha de mandioca, entendo-os como

indissociáveis, pois um complementa o outro a partir daquilo que os sujeitos sociais

buscam como conhecimento.

Nesse sentido, reporto-me tanto às operações matemáticas desenvolvidas

na feira, como o texto em forma de canção, denominado Farinhada, produzido no

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ambiente escolar, enfatizando a vida dos agricultores quanto ao modo de se fazer

farinha, evidenciando os utensílios utilizados para esse fim, e, o texto em forma de

poesia denominado Feira e farinha, que retrata a constituição da Feira do Agricultor,

enquanto espaço que representa luta social.

Acerca desses saberes culturais entrelaçados com a educação, Bosi (1936,

p. 16) faz a seguinte reflexão ao afirmar que cultura é o conjunto de procedimentos,

simbologias e de valores que necessitam ser divulgados às gerações futuras para

assim garantir a condição de coexistência da sociedade mediante a reprodução da

educação institucionalizada no processo de ensinar e aprender.

Sob o olhar minucioso de Silva (2011) encontro reforço para minhas

considerações no que concerne a educação, a partir daquilo que autora considera

como “processo formativo dos sujeitos” vivenciado nas casas de farinha. Para ela:

Nos espaços das casas de farinha, por meio de um olhar atento e escuta poética, é possível perceber que a educação e o fazer farinha configuram-se em dois elementos constitutivos de uma mesma realidade, mediados por relações de (con)vivências familiares e de cooperação, subjacentes a um processo de produção de fazer farinha, materializam-se em práticas educativas, incorporando o processo formativo dos sujeitos (SILVA, 2012, p. 143).

As práticas educativas materializadas nas casas de farinha podem ser

percebidas sob outra roupagem nesta pesquisa, não priorizando este ou aquele

estudo, mas compreendendo que ambos se correspondem pelo fato de

evidenciaram a elaboração dos fazeres e dizeres, constituindo um emaranhado de

saberes apreendidos por meio da oralidade e do trabalho que desenvolvem

empiricamente.

Isso pode ser percebido em Costa (2012) que reforça a importância da

oralidade para a constituição dos diversos saberes, nos diversos espaços de

educação que se apresentam ou são apresentados aos sujeitos sociais

culturalmente. Para ela:

Uma nova cultura ou um novo homem não são criados somente por meio de critérios científicos, mas surge ao longo de processos coletivos de classes sociais que se educam por meio de suas próprias práticas e consolidam o seu saber com o aporte da educação popular ou do senso comum. Na educação não formal, o imaginário e o simbolismo e a cultura local têm papel fundamental na formação de uma sociedade transformada e identitária (2012, p. 152).

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 134

A meu ver os processos coletivos citados por Costa (2012) coadunam com

os processos formativos citados por Silva (2011) ao defenderem que a educação

pode ser encontrada em vários espaços de produção do conhecimento, mudando

por vezes a denominação da ação coletiva, mas ao destacarem em seus estudos a

valorização da família, do trabalho e dos valores éticos e morais, automaticamente

percebo a integração desses estudos com esta pesquisa que visou a obtenção do

conhecimento e sua socialização com a comunidade.

É perceptível que práticas sociais de resistência sejam vivenciadas pela

Feira do Agricultor, numa tentativa de manter suas tradições, e, é justamente esse

movimento provocado por estes processos educativos imbricados na

comercialização da farinha de mandioca, que tornou possível a efetivação de um

estudo.

Assim como na obra “O queijo e os vermes, de Carlo Ginzburg (2006), este

estudo direciona-se à todos os leitores, e que eles possam encontrar outros saberes

a partir das informações aqui contidas, seja em algum fragmento incorporado aos

fazeres cotidianos, seja na essência de uma palavra ou na profundidade do

imaginário social que fazem parte da educação na comercialização da farinha de

mandioca, na Feira do Agricultor de Mãe do Rio/PA.

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 135

Considerações Finais

Para dar visibilidade aos saberes e processos educativos na

comercialização da farinha de mandioca na Feira do Agricultor de Mãe do Rio,

descortinei juntamente com os atores da pesquisa, o passado, analisando-o com o

presente de modo a permitir entendimento a cerca da comercialização da farinha no

espaço feira e entendê-la e nomea-la como objeto de estudo.

Por conta de questões estruturantes com relação a pesquisa, elenquei

estudos que me permitissem encontrar conhecimentos que justificassem a busca

pelos saberes construídos cotidianamente nas relações de convivência daqueles

que tem relação com a farinha ou que participaram de momentos históricos de modo

a evidenciar o potencial desse alimento que movimenta a Feira do Agricultor e

contribui para o desenvolvimento do comércio local.

Por uma questão didática e pedagógica, optei por realizar um breve

panorama histórico sobre a origem das feiras, a começar pelas feiras medievais,

com o Renascimento Comercial, apoiadas pela Igreja Católica; as feiras na

Amazônia no período de colonização e que posteriormente fomentou a implantação

da feira do Ver-o-Peso e a feira de Mãe do Rio, que também teve incursões da Igreja

Católica e dos movimentos sociais para sua concretização. Em seguida informo

sobre as notícias históricas, sociais e econômicas do município de Mãe,

contextualizando sobre a origem da mandioca e sua utilização pelos agricultores.

A vida que pulsa educa na Feira do Agricultor, parte principal desta

pesquisa foi dividida de modo a permitir compreensão acerca de como se dão os

processos educativos que favorecem a comercialização da farinha de mandioca. No

primeiro momento destaco Cultura e Cultura Amazônica: um diálogo necessário,

que permite compreender que o homem é produto de uma cultura e por ele viver em

sociedade cria símbolos e formas de expressões que lhe possibilita por em prática

aprendizagens, frutos de seu trabalho, de sua educação.

No segundo momento trago para o debate Identidade e Cultura

Amazônica: reconhecimento pela educação, para tentar demonstrar a diferença

que emerge no espaço mãeriense por conta do processo migratório ocorrido a partir

da década de 50, contribuindo para a formação identitária desse espaço e que

consequentemente reflete também na comercialização da farinha de mandioca,

justamente por encontrar-se em vias de consolidação de hábitos e costumes.

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 136

No terceiro momento lanço mão dos Movimentos Sociais e a Formação da

Feira do Agricultor: uma educação coletiva, em que destaco a organização dos

agricultores tendo em vista a obtenção de um espaço onde pudessem comercializar

seus produtos, com as contribuições das Comunidades Eclesiais de Base; do

Movimento de Educação de Base, estes, organizados pela Igreja Católica; do

Sindicato dos Trabalhadores Rurais e das incursões políticas partidárias que

fomentaram esse processo de formação social a ponto de despertar posicionamento

crítico no que diz respeito aos direitos e deveres dos agricultores, por meio da

educação percebida nos fazeres e dizeres de homens e mulheres, sujeitos sociais.

A educação nesse momento era entendida como um sistema agregador de

saberes tendo como suporte a leitura do Evangelho, o que de certa maneira

fortaleceu as famílias e proporcionou a formação das comunidades com seus Clubes

Agrícolas e Clubes de Mães.

Nesse contexto, destaco a participação da Rádio Educadora de Bragança,

conhecida por muitos como Escola Radiofônica que proporcionou uma educação

formal, voltada para o desenvolvimento das comunidades, de modo a promover

formação educacional, cultural, política, social e econômica, seguindo os exemplos e

ensinamentos de Jesus Cristo, tendo como ferramenta de poder, a oralidade para

vencer a opressão.

No quarto momento denominado A Feira é um instrumento da Educação,

evidencio como os saberes são edificados e socializados na comercialização da

farinha de mandioca, de modo a permitir a interconexão com a educação escolar,

em que se percebe a aplicação das operações matemáticas fundamentais: adição,

subtração, multiplicação e divisão, com o uso de exercícios de memorização

diversos e as produções escolares que retratam o cotidiano camponês.

No quinto momento destaco Educação e os Saberes Construídos e

Socializados na Comercialização da Farinha de Mandioca; que se encontram

entrelaçados em aprendizados construídos, vividos e revividos nas relações

coletivas, de posse da memória que traz à tona as produções culturais dos

agricultores/feirantes, trabalhadores que se educam e educam por meio da

comercialização, que por sua vez influencia na concepção do saber cuidar de si e

dos familiares de forma a manter a tradição da negociação da farinha de mandioca;

do saber moral evidenciado nas atitudes e nas falas; do saber da compreensão e da

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 137

interpretação, dentre outros, que demandam momentos de reflexão para a resolução

de problemas cotidianos.

Todos esses saberes encontram-se disseminados através da educação e

trabalho, trabalho mental e condicionamento físico, todos vinculados e

alicerçados nos contextos da Educação Matemática, Educação Ética, Educação

Política e Educação para Comercialização, esta última, reconhecida como a mais

importante nesta pesquisa pelo fato de, a princípio, representar a quantidade, mas

quando analisada, evidencia valores qualitativos necessários para a construção do

conhecimento.

No último momento optei por “Uma Educação de Berço”: o retorno para a

comunidade, em que proponho que esta pesquisa possa fazer parte do cotidiano

mãeriense, principalmente nos espaços escolares, no sentido de divulgar os saberes

construídos por aqueles que visitam e trabalham na Feira do Agricultor, bem como

valorizar suas produções, em destaque, a comercialização da farinha de mandioca.

A reunião dessas práticas sociais são sustentáculos dos saberes dos

sujeitos, estando envolvidas num diálogo educativo constante, pois o

reconhecimento e a valorização da(s) cultura(s) construída nos diversos cenários

amazônicos passam pelo estudo da educação. Mesmo que historicamente, os

saberes não tenham sido reconhecidos ou legitimados pelo conhecimento

acadêmico, eles precisam ser analisados, pois outras realidades de produção do

saber podem ser reveladas, possibilitando o traçar de novas fronteiras que se

contraponham aos domínios homogeneizantes.

Concluo que o cotidiano expressa o aprendizado empírico, da mesma

maneira que o conhecimento científico revelou-me possibilidades de encontrar a

educação nos processos educativos construídos diariamente, por meio dos saberes

coletivos dos atores que fazem parte deste estudo qualitativo. A junção das várias

teorias proporcionou-me também escolher diversos autores que versam sobre

Educação e cultura, especialmente Brandão e Freire, para justificar o tema por mim

proposto, pelo fato de que seus escritos representam aquilo que penso e digo sobre

liberdade, justiça e educação.

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APÊNDICES

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APÊNDICE A – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Saberes e processos educativos na comercialização da farinha de mandioca na Feira do Agricultor

Esta pesquisa tem por objetivo compreender como a educação está inserida

na construção dos saberes cotidianos dos feirantes vendedores da farinha de mandioca, na Feira do Agricultor no município de Mãe do Rio, vinculada ao programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Pará, sob a orientação da Profª. Denise de Souza Simões Rodrigues.

Portanto, considero sua participação importante nesta entrevista que dará suporte neste estudo no sentido de valorizar as falas, as idéias das pessoas em torno de suas vivências. Desta forma, utilizarei como instrumentos para realização da pesquisa: gravador marca Panasonic para registro da voz e posterior transcrição, máquina fotográfica para registro de imagem, filmadora marca Sony para capturar tanto a voz, quanto a imagem.

Informamos que ao participar da entrevista, isto não implicará em pagamento de ônus para o entrevistado e que todas as despesas são de responsabilidade do pesquisador. Caso o senhor (a) se dispor a conceder entrevista e posteriormente não concordar mais em colaborar, a qualquer momento poderá retirar seu consentimento sem incorrer em qualquer penalidade, recebendo de volta todo material contendo seus relatos e imagens.

Caso participe da pesquisa e for de seu consentimento, a entrevista será divulgada. Em caso de não divulgação será utilizada somente para fins científicos e que todo material contendo suas informações serão guardados de acordo com os princípios éticos da preservação do indivíduo, no caso da publicação da pesquisa em meios científicos e de comunicação.

_____________________________ ______________________________ Pesquisadora Orientadora Lana Regina Cordeiro de Oliveira Denise de Souza Simões Rodrigues (91) 99449898 (91) 99893505

CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Eu, _______________________________________, declaro para os devidos fins que sou de acordo com o que consta neste termo após leitura de seu conteúdo e que concordo em participar da pesquisa, bem como autorizo a utilização de minha imagem e voz. Mãe do Rio, ____/____/______. ________________________________________ Assinatura do sujeito da pesquisa

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OLIVEIRA, Lana Regina Cordeiro de. Saberes e processos educativos na comercialização............ 146

APÊNDICE B – DECLARAÇÃO DE ACEITE DA ORIENTADORA

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO – MESTRADO

LINHA DE PESQUISA: SABERES CULTURAIS E EDUCAÇÃO NA AMAZÔNIA DECLARAÇÃO Eu, Denise de Souza Simões Rodrigues, aceito orientar a dissertação intitulada

“Saberes e processos educativos na comercialização da farinha de mandioca

na Feira do Agricultor de Mãe do Rio”, de autoria da mestranda Lana Regina

Cordeiro de Oliveira, declaro ter total conhecimento das normas de realização de

Trabalhos Científicos vigentes, estando inclusive ciente da necessidade de minha

participação na banca examinadora por ocasião da defesa da dissertação. Declaro

ainda ter conhecimento do conteúdo da pesquisa ora entregue para o qual dou meu

aceite pela rubrica das páginas.

Belém – Pará, 10 de agosto de 2010.

Assinatura e carimbo Telefone: (91) 99893505

________________________________________

Denise de Souza Simões Rodrigues

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APÊNDICE C – ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI - ESTRUTURADA

Identificação

a) Nome:

b) Idade: declarada ( ) estimada ( )

Entre 50 – 60 ( ) 60 – 70 ( ) a partir de 70 ( )

c) Sexo: Masc. ( ) Fem. ( )

d) Naturalidade:

e) Nacionalidade:

f) Estado Civil: solteiro ( ) casado ( ) separado ( ) união estável ( )

g) Grupo étnico: branco ( ) negro ( ) pardo ( ) mestiço ( ) outros ( )

h) Religião:

i) Profissão:

Condição social

a) Estrutura familiar (nº de membros):

b) Renda familiar: 1 a 5 salários mínimos ( ) 5 a 10 salários mínimos ( )

Mais de 10 salários mínimos ( )

c) Nível de escolaridade:

d) Padrão habitacional: ruim ( ) regular ( ) bom ( ) excelente ( )

e) Localização: área urbana ( ) área rural ( ) – Endereço:

f) Classe social: pobre ( ) classe média inferior ( ) classe média ( ) classe média

superior ( )

g) Situação legal da terra: arrendado ( ) próprio ( ) alugado ( ) cedido ( )

tamanho do lote: ____________ implementos agrícolas______________

A mandioca

a) Você conhece a origem da mandioca?

b) Você sabe quais foram as primeiras pessoas a produzirem farinha?

Saberes históricos na comercialização da farinha de mandioca

a) Há quanto tempo você comercializa a farinha? Como começou?

b) Quais os tipos de farinha que você comercializa?

c) Com quem aprendeu a comercializar?

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d) O que é necessário para se aprender a comercializar?

e) É necessário saber as quatro operações matemáticas (somar, diminuir, multiplicar

dividir) ensinadas na escola para vender produtos?

f) Como aprendeu a desenvolver as operações matemáticas nos momentos de

comercialização da farinha?

g) A venda de farinha dá o lucro esperado?

h) Você se vê algum dia não comercializando a farinha? Explique.

i) Qual dos produtos você considera mais importante?

j) É melhor produzir ou vender ou produzir e vender?

l) A venda da farinha é uma forma de educar?

Representatividade da feira do agricultor enquanto espaço de comercialização

a) Você conhece a origem da feira do agricultor?

b) Existe alguma festividade que represente o agricultor/feirantes ou a farinha de

mandioca no município?

c) O que é para você vender farinha na feira?

d) Você participa da feira desde o início?

e) O que a feira representa para você?

f) As informações da feira influenciaram na formação familiar?

g) Durante sua vida de feirante você aprendeu o quê, além de comercializar?

c) Como são as relações que se estabelecem entre os feirantes?

d) A comercialização da farinha de mandioca é a única forma de sustento familiar?

e) Você aprende e ensina nos momentos de comercialização da farinha na feira?

Como?

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APÊNDICE D – MATRIZES ANÁLITICAS DAS ENTREVISTAS.

MATRIZ ANÁLITICA – 1: Caracterização identitária dos entrevistados

por idade, sexo, profissão e origem.

Nome Idade Sexo Profissão Localidade Naturalidade

José Tibúrcio

Vieira

73

anos

M Agricultor/Feirante Várzea

Grande

Ceará

Antonio dos

Santos Vieira

45

anos

M Agricultor/Feirante Comunidade

Jauára

Irituia

Antonia Borges

Sampaio

57

anos

F Agricultora/Feirante Irituia Irituia

Maria Raimunda

Lopes Vieira

49

anos

F Agricultora/Feirante Comunidade

Menino

Deus

Irituia

Luiz Gonzaga

Moreira

71

anos

M Agricultor/Feirante Jeju Igarapé Açú

Maria do Céu

dos Santos Lima

58

anos

F Professora Comunidade

43

Igarapé Açú

João do Carmo

Araújo

64

anos

M Comerciante Comunidade

Arauaí

Irituia

Nino Lima da

Paixão

70

anos

M Agricultor Marapanim Marapanim

Francisco das

Chagas Santos

64

anos

M Agricultor Comunidade

43

Igarapé Açú

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MATRIZ ANÁLITICA – 2: Caracterização identitária dos entrevistados

Nível de Renda e Escolaridade.

Nome Nível de Renda Escolaridade Religião

José Tibúrcio Vieira 1 a 5 salários

mínimos

Alfabetizado Católica

Antonio dos Santos

Vieira

1 a 5 salários

mínimos

5ª série fund.

(completo)

Católica

Antonia Borges

Sampaio

1 a 5 salários

mínimos

5ª série fund.

(incompleto)

Católica

Maria Raimunda Lopes

Vieira

1 a 5 salários

mínimos

Ensino Médio

(completo)

Católica

Luiz Gonzaga Moreira 1 a 5 salários

mínimos

3ª série fund.

(completo)

Católica

Maria do Céu dos

Santos Lima

1 a 5 salários

mínimos

Ensino Superior Católica

João do Carmo Araújo 1 a 5 salários

mínimos

2ª série fund.

(incompleto)

Católica

Nino Lima da Paixão 1 a 5 salários

mínimos

Ensino Médio

(completo)

Católica

Francisco das Chagas

Santos

1 a 5 salários

mínimos

5ª série fund.

(completo)

Católica

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Centro de Ciências Sociais e Educação

Programa de Pós-Graduação em Educação - Mestrado Linha de pesquisa: Saberes Culturais e Educação na Amazônia.

Rua Djalma Dutra, s/n – Telégrafo 66113-200 – Belém – PA – Brasil

www.uepa.br