marlon assis pastana -...
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Universidade Estadual do Pará Pró –Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação
Centro de Ciências Sociais e Educação Programa de Pós- Graduação em Educação - Mestrado
Marlon Assis Pastana
CULTURA, SABERES E EDUCAÇÃO: a festividade de
São Tiago em Mazagão Velho na voz das crianças no
Estado do Amapá
Belém
2017
Marlon Assis Pastana
Cultura, Saberes e Educação: a festividade de São Tiago em Mazagão
Velho na voz das crianças no Estado do Amapá
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Pará (UEPA), na linha de pesquisa Saberes Culturais e Educação na Amazônia. Para obtenção do Título de Mestre em Educação. Orientado pela Profª. Drª Nazaré Cristina Carvalho.
Belém 2017
Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP) Biblioteca do CCSE/UEPA, Belém - PA
Pastana, Marlon Assis Cultura, saberes e Educação: a festividade de São Tiago em Mazagão Velho na voz
das crianças no Estado do Amapá /Marlon Assis Pastana; orientação de Nazaré Cristina Carvalho, 2017.
Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade do Estado do Pará, Belém,
2017.
1. Festas religiosas. 2. Crianças – Manifestações religiosaa 3. Cultura. I. Carvalho, Nazaré Cristina. (orient.). II. Título.
22º ed. 394.26
Marlon Assis Pastana
Cultura, Saberes e Educação: a Festividade de São Tiago em
Mazagão Velho na voz das crianças no Estado do Amapá
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Pará (UEPA), na Linha de pesquisa Saberes Culturais e Educação na Amazônia. Para obtenção do Título de Mestre em Educação. Orientado pela Profª. Drª Nazaré Cristina Carvalho.
Data da Aprovação: / /
Banca Examinadora
Profª Drª. Nazaré Cristina Carvalho – Orientadora/ UEPA
Doutora em Educação Física e cultura pela UGF
Profª. Drª. Laura Maria Silva Alves - Examinadora Externa / UFPA
Doutora em Psicologia da Educação - (PUC/SP) Universidade Federal do Pará
Profª. Drª. Denise de Souza Simões Rodrigues – Examinadora Interna
Doutora em Sociologia - UFC Universidade do Estado do Pará
Profª. Drª. Josebel Akel Fares – Examinadora Interna
Doutora em Comunicação e Semiótica – (PUC/SP) Universidade do Estado do Pará
À Ana Cleonice, meu alicerce e minha companheira na vida, no trabalho e nos estudos.
Aos meus filhos Andrew, Arthur e Anthony por fazerem parte de minha
existência e pela troca de suas experiências ao brincarem comigo.
AGRADECIMENTOS
À Deus, Alfa e Ômega, que me concedeu o dom da vida; minha fonte de luz, força e
sabedoria. A razão do meu viver. O agradeço por ter me agraciado com a
companhia de pessoas tão especiais que me ajudaram a vencer cada momento
dessa jornada chamada vida.
Aos meus pais, Francisco e Maria das Graças e, em especial à minha mãe por seu
amor incondicional para comigo e meus irmãos, por seus ensinamentos sobre
valores como respeito, humildade e trabalho.
À minha esposa Ana Cleonice, por seu apoio imprescindível na realização deste
sonho, que não mediu esforços para que eu concretizasse, mesmo estando grávida,
permitiu que eu fosse estudar em outro Estado.
Aos meus amados filhos Andrew Raphael, Arthur Miguel e Anthony Gabriel, por
tornarem meus dias mais alegres e felizes.
Aos meus irmãos Guaracy, Harlan, Irlene e Francilene pelo respeito, carinho e apoio
durante essa jornada, em especial às minhas irmãs por sempre estarem ao meu
lado.
À minha orientadora Professora Nazaré Cristina Carvalho por ter me acolhido em
sua vida acadêmica nesse período. Sem suas orientações, ensinamentos, paciência
e sugestões necessárias não seria possível realizar este trabalho. Obrigado
Professora por respeitar meu ritmo de produção e, mais ainda por sua compreensão
e sensibilidade em entender minha situação de mestrando “retirante”. Espero
sempre contar com seu apoio e amizade.
À Professora Denise de Souza Rodrigues pelos seus ensinamentos durante as aulas
do Mestrado e por suas valiosas contribuições para a realização da pesquisa.
À Professora Laura Maria Silva Alves pelas suas contribuições e sugestões em
minha qualificação, as quais foram de suma importância para a concretização do
trabalho.
À Professora Ivanilde Apoluceno de Oliveira pelos seus ensinamentos e valiosas
contribuições durante as aulas do Mestrado.
Na pessoa da Professora Josebel Akel Fares, agradeço todos/as os/as
professores/as do Mestrado em Educação da UEPA, pelos ensinamentos que
levarei para toda a minha vida.
Aos amigos e amigas da 11ª turma do Mestrado em Educação, em especial à
Fernanda e Dilma por compartilhar momentos de crescimento intelectual em relação
à pesquisa com crianças, à Monica, Sullivan, Leomax, Maynara e Jaqueline pelo
acolhimento e amizade conquistados durante essa jornada.
As amigas Nazur e Bel pelas tantas vezes que me acolheram em sua casa como se
fosse alguém da família, pelo cuidado e carinho por mim em Belém.
Às amigas Socorro Torres e Cléia Santana, à época minhas gestoras do CAAH/S
(Estado) e NTM (Município) pela liberação para os meus estudos na capital
paraense.
A amiga Simone da Silva Guedes de Souza pela forma ética e competente com que
realizou a revisão da escrita deste texto.
Ao amigo Jefferson Miranda por seu apoio incondicional e sua contribuição na
formatação deste trabalho.
À equipe pedagógica do CAAH/S: Ana Maria Picanço, Benezuete Santos, Eunice
Chagas e Jacy pela compreensão e apoio durante minhas ausências no trabalho.
Ao Srº Josué Videira – verdadeiro “historiador de rua” pelo apoio incondicional na
realização da pesquisa em Mazagão Velho.
Às crianças da Comunidade de Mazagão Velho, em especial ao grupo de crianças
da Associação Infantil “Raízes do Marabaixo”, atores e protagonistas deste estudo.
Lugar mais bonito de um passarinho ficar é a palavra. Nas minhas palavras ainda vivíamos meninos do mato.
Eu vivia embaraçado nos meus escombros verbais. O menino caminhava incluso em passarinhos
(...) Ali até santos davam flor nas pedras.
Porque estávamos todos abrigados pelas palavras usávamos todos uma linguagem de primavera.
Eu viajava com as palavras ao modo de um dicionário. A gente bem quisera escutar o silêncio do orvalho
sobre as pedras. Tu bem quisera também saber o que os passarinhos
sabem sobre os ventos. A gente só gostava de usar palavras de aves porque
eram palavras abençoadas pela inocência. (...)
Eu sonhava de escrever um livro com a mesma inocência que as crianças fabricam seus navios de papel.
Eu queria pegar com as mãos no corpo da manhã Porque eu achava que a visão fosse um ato poético
de ver (...)
Manoel de Barros
RESUMO
A presente pesquisa tem como questão central a seguinte problemática: De que forma os saberes culturais estão presentes nas práticas lúdicas das crianças na Festividade de São Tiago? Tendo como objetivo geral identificar quais os saberes culturais manifestados pelas crianças durante a Festividade de São Tiago no Município de Mazagão Velho. Como objetivos específicos: analisar os saberes presentes nas práticas lúdicas das crianças a partir da Festividade e descrever de que forma se manifestam esses saberes durante as manifestações religiosas na festa de São Tiago. Caracteriza-se metodologicamente como uma pesquisa qualitativa, utilizando como abordagem elementos da Etnometodologia, por proporcionar uma investigação mais detalhada e profunda da realidade estudada. Utiliza-se como fonte de coleta de informação a observação direta, o diário de campo, o registro fotográfico, e como técnica de pesquisa oficinas de desenhos e gravação das vozes das crianças. Para a interpretação dos dados desta pesquisa utilizou-se a análise do conteúdo. Este estudo teve como intérpretes 16 (dezesseis) crianças, sendo 07 (sete) meninas e 09 (nove) meninos, com faixa etária entre 07 (sete) e 13 (treze) anos de idade que participam da festa de São Tiago das crianças. Dessa forma, partindo dos conhecimentos construídos durante a festa de São Tiago das crianças, identificaram-se os principais saberes presentes na festa, são eles: saberes religiosos, saberes tradicionais e os saberes lúdicos, os quais são compartilhados e transmitidos entre os sujeitos envolvidos nesse processo educativo e vinculados a uma educação não formal que valoriza aspectos como a religiosidade, a corporeidade, a sensibilidade, a ludicidade, a cooperação, organização e a difusão de valores sociais e culturais.
Palavras-Chave: Saberes. Festas. Criança. Lúdico
ABSTRACT
The present research has as main question the following problematic: How the culture knowlegde are present in playful practices of children in the Festivity of Saint Tiago? Having as general objective identify which the culture knowledge manifestaded by the children during the Festivity of Saint Tiago in the county of Mazagão Velho. As objectives specifics: analyze the knowledge presents in playful practices of children from the Festivity and describe how it manifested this knowledge during the religion manifestation in Festivity of Saint Tiago. Characterizes itself methodologically as a research qualitative, using as approach elements of ethnomethodologically, for provide a investigation more detailed and deeper of the studied reality. Used as source collect of information the direct observation, the camp dairy, the photography record and as research technical, drawing workshop and recording of children`s voices. For the interpretation of the data of this research used the analyzed of the content. This research has as interpreters 16 (sixteen) kids, 7 (seven) girls and 9 (nine) boys, with the age group between 7 (seven) and 13 (thirteen) years old that participated of Festivity of Saint Tiago for children. In this way, starting from the knowledge build during the Festivity of Saint Tiago for children, was identified the main knowledge present in the festival are: religion knowledge, traditions knowledge, playful knowledge, of the staging, the experience, of sharing and environmental, which are educational and linked to a non-formal education that values aspects like religionsity, corporeity, sensibility, playfulcity, cooperation, organization and the diffusion of social and culture values.
Key-words: Knowledge. Festivity. Children. Playful.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AP Amapá.
ACFST Associação Cultural da Festa de São Tiago.
BDTD Biblioteca Digital Brasileira.
CAAH/S Centro de Atividades de Altas Habilidades/ Superdotação.
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.
GO Goiás
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
NTM Núcleo de Tecnologia Municipal.
PARFOR Plano Nacional de Formação da Educação Básica.
PUC/Goiás Pontifícia Universidade Católica de Goiás.
RN Rio Grande do Norte
SETRAP Secretaria de Transporte do Estado do Amapá.
UEPA Universidade do Estado do Pará.
UFPA Universidade Federal do Pará.
UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
UFU Universidade Federal de Uberlândia.
UFG Universidade Federal de Goiás.
UFBA Universidade Federal da Bahia.
UFMG Universidade Federal de Minas Gerais
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
USP Universidade de São Paulo
UNB Universidade de Brasília.
LISTA DE MAPAS
MAPA 01- Localização do município de Mazagão Velho/Ap.
MAPA 02- Localização geográfica da região de El Jadida
LISTA DE FOTOS E FIGURAS
Foto 01 Igreja de Nossa Senhora da Assunção Foto 02 Oficina de desenho e escultura sobre a Festa de São Tiago Foto 03 Batalha entre mouros e cristãos Foto 04 Imagem de São Tiago Foto 05 O rio Mutuacá em frente à Igreja Matriz Foto 06 Representação da batalha Foto 07 Personagens de São Jorge e São Tiago Foto 08 Crianças dançando o Vominê Foto 09 Baile das Máscaras adulto/2016 Foto 10 Representação de São Tiago durante a procissão Foto 11 Passagem do “Bobo Velho” Foto 12 Crianças vestidas de São Jorge e de cristão Foto 13 Festeira do ano de 2016 e crianças lanchando após o círio Foto 14 Batalha entre mouros e cristãos Foto 15 Início da Batalha das crianças Foto 16 Criança dramatizando a batalha Foto 17 Criança “cristã” se preparando para a batalha Foto 18 Cavalos de Buriti Foto 19 Meninos com seus cavalos de buriti Foto 20 Círio das crianças 2016 Foto 21 Criança encenando o personagem Atalaia Foto 22 Criança encenando a morte do Atalaia Foto 23 Crianças dançando o Vominê Foto 24 Crianças com seus cavalos de buriti
Foto 25 Máscaras construídas pelas crianças Foto 26 Mosaico de crianças na Festa de São Tiago .. DESENHO 01 Produção da criança na roda de conversa DESENHO 02 Produção da criança na roda de conversa DESENHO 03 Produção da criança na roda de conversa DESENHO 04 Produção da criança na roda de conversa
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Perfil sócio histórico dos intérpretes da Pesquisa
Quadro 2 Resposta das crianças sobre a importância da Festa de São Tiago
Quadro 3 Atividades realizadas durante a Festa das Crianças
SUMÁRIO
1 FESTA DE SÃO TIAGO: PRIMEIRAS APROXIMAÇÕES..................................18
2 PERCURSO METODOLÓGICO DA PESQUISA............................................32
2.1 Método e Tipo de Pesquisa...........................................................................33
2.2 Técnicas utilizadas.........................................................................................35
2.3 Tratamento e Análise dos Dados..................................................................37
2.4 Aspectos Éticos da Pesquisa........................................................................38
2.5 Crianças: as intérpretes da Pesquisa...........................................................39
2.5.1 Perfil Sócio Histórico das crianças intérpretes da pesquisa............................40
2.6 Direcionamento para a produção dos dados..............................................44
2.7 O Lócus da Pesquisa: o lugar da História...................................................48
2.7.1 A Comunidade de Mazagão Velho..................................................................48
3 MAZAGÃO VELHO – A CIDADE FLUTUANTE: DE LISBOA A MACAPÁ......52
3.1 Memórias e Identidades de uma comunidade – A Festa de São Tiago........56
3.1.1 A Festa............................................................................................................59
3.1.2 A primeira procissão: o início da festa..............................................................62
3.1.3 A Alvorada e o Vominê.....................................................................................63
3.1.4 O Baile de Máscaras........................................................................................65
3.1.5 A segunda procissão: o Círio...........................................................................68
3.1.6 A passagem do “Bobo Velho”...........................................................................69
3.1.7 A Batalha..........................................................................................................70
3.2 A Festa das crianças......................................................................................72
4 FESTAS, SABERES E CULTURA..................................................................80
4.1 Os saberes e a cultura na Festa de São Tiago das crianças.....................85
5 O LUGAR DO BRINCAR NA FESTIVIDADE DE SÃO TIAGO.......................93
5.1 A Festa através dos olhares e das vozes das crianças..............................98
5.2 Brincadeiras e Brinquedos na Festa de São Tiago...................................103
18
32
33
35
37
38
39
40
44
48
48
52
56
59
62
63
65
68
69
70
72
80
85
93
98
103
110
5.3 Saberes Vivenciados na Festa de São Tiago das Crianças.....................110
5.3.1 Saber da religiosidade.....................................................................................112
5.2.2 Saber da história e da tradição........................................................................113
5.3.3 O saber lúdico: o teatro, a dança, o brinquedo e a brincadeira......................115
CONSIDERAÇÕES .................................................................................................121
REFERÊNCIAS .......................................................................................................126
APENDICES.............................................................................................................132
112
113
115
121
126
132
18
SEÇÃO I FESTA DE SÃO TIAGO: PRIMEIRAS APROXIMAÇÕES
Foto 1: Igreja de Nossa Senhora da Assunção
Fonte: Acervo do Pesquisador/2016
19
Meu primeiro contato com o tema escolhido nasceu de minha experiência
como professor do Curso de Pedagogia, na Universidade do Estado do Amapá
(Regular e do PARFOR) nas disciplinas de Fundamentos Teórico- Metodológicos da
Educação Infantil, Ludicidade na Educação Infantil e Anos Iniciais e Práticas
Pedagógicas I, II e III, em especial ao PARFOR1 programa em parceria com o
Governo Estadual que visa proporcionar a formação em nível superior aos
professores que atuam na Educação Básica.
No decorrer das aulas ministradas, durante os módulos, e a partir do relato
das experiências dos alunos-professores, principalmente aqueles oriundos do
interior do Estado, dos municípios vizinhos como Porto Grande, Santana, Bailique2,
Ferreira Gomes, Mazagão Novo e Mazagão Velho, foi juntamente com esses alunos,
em especial, que fui tendo o conhecimento de suas formas de viver, de se relacionar
e de manifestar suas culturas, expressas nas mais variadas formas e muitas vezes
distantes da realidade “urbana”.
Dentre essas experiências descritas por esses educandos – professores3,
uma festa chamou minha atenção de forma mais peculiar – A Festividade de São
Tiago, no município de Mazagão Velho, que, apesar de ser realizada há muitos anos
naquela localidade, sua origem e história são pouco conhecidas pelos moradores
dos outros municípios, bem como da Capital, Macapá.
No contexto das disciplinas como de Fundamentos Teórico-Metodológicos
da Educação Infantil e Fundamentos Teórico-Metodológicos da Geografia, que tinha
como eixo o estudo do sujeito criança e suas diversas maneiras de aprender a ser e
estar no mundo e com o mundo, através da socialização de projetos desenvolvidos
pelos acadêmicos, chamou-nos a atenção que durante a realização da festividade
de São Tiago, no Município de Mazagão Velho, existe um momento, em particular, o
qual as crianças, a maioria filhos e filhas dos participantes e organizadores da Festa,
reconstroem, a partir de seus “olhares” e de sua percepção a encenação da batalha
dos mouros contra os cristãos.
1 Plano Nacional de Formação de professores da Educação Básica, na modalidade presencial é um
programa emergencial instituído para atender o dispositivo no Artigo 11, inciso III do Decreto nº. 6.755, de 29 de janeiro de 2009, implantado em regime de colaboração entre CAPES, os estados, municípios e as instituições de ensino superiores-IES. 2 O Arquipélago do Bailique – é um conjunto de oito ilhas no leste do Estado do Amapá, as quais se
distam cerca de 160 a 180 km de Macapá. O acesso é feito somente por via fluvial pelo Rio Amazônas. 3 São denominados assim pelos professores do Programa pela condição de já atuarem há muitos
anos no magistério, desde da educação infantil até os anos iniciais do Ensino Fundamental.
20
A partir das experiências como docente nessas disciplinas, em particular de
minhas vivências e de contatos profissionais com o sujeito criança, o interesse e a
reflexão pelo tema suscitou vários questionamentos: Qual a participação dessas
crianças nesses rituais? Quem são? Por que e como se dão a compreensão e a
construção desses saberes no momento de suas representações? Que possíveis
sentimentos? Quais possíveis restrições ao brincar? A participação das crianças
reflete algum conflito social? Qual o papel, nesse contexto, do brincar? Que valores
sociais estão em jogo?
Sempre em busca de aprofundamento teórico- científico sobre as temáticas
envolvendo a pesquisa com crianças e sua relação com a ludicidade, fiz o processo
seletivo para o Mestrado em Educação, da Universidade do Estado do Pará, na linha
Saberes Culturais e Educação na Amazônia. Sendo assim, minha inserção no
mestrado proporcionou-me estar em contato com várias disciplinas que contribuíram
para o aprofundamento nas questões relacionadas à educação e aos processos
culturais, ideológicos, epistemológicos e filosóficos.
Vale destacar que, neste processo, por meio da disciplina Cultura, Saberes e
Imaginário na Educação Amazônica4, fui apresentado a temáticas e autores com os
quais ainda não havia tido contato em minha trajetória acadêmica, como por
exemplo, Gilbert Durand, Cornélius Castoriadis, Gaston Bachelard e outros. Na
disciplina Seminários Temáticos de História Cultural5, aproximei-me da historiografia
cultural e do estudo das mentalidades e circularidade cultural, através dos teóricos
como Peter Burke, Carlos Ginzburg, E.P. Thompson, Roger Chartier e Laura de
Melo e Souza, em que tive a oportunidade de conhecer sobre o processo de
ideologia da Igreja no Brasil colônia. Pude, neste contexto, ainda, observar e
analisar a importância dos ritos e das festas católicas no processo colonizador
jesuítico e na construção da mentalidade do povo brasileiro.
Na tentativa de obter mais conhecimento sobre o processo de interpretação
de que o homem cria seu mundo a partir de processos culturais que apresentam
diferentes significados, destaco que a cultura, segundo Brandão (2009), estaria no
que dizemos e em como dizemos palavras, ideias, símbolos e sentidos entre nós e
para nós e o que fazemos em nosso mundo para nos organizar socialmente e
4 Disciplina ministrada pelas professoras- doutoras Nazaré Cristina Carvalho, Denise Simões e
Josebel Akel Fares. 5 Disciplina ministrada pela Prof. Dr. Maria Betânia B. Alburqueque.
21
transformá-lo. E sobre os quais o homem imprime significado. (GEERTZ, 2015,
p.150).
Dessa forma, busco compreender por meio de uma manifestação popular e
religiosa, realizada no Município de Mazagão Velho, no Estado do Amapá –
popularmente conhecida como a Festa de São Tiago – identificar de que forma os
saberes culturais estão presentes nas práticas lúdicas das crianças participantes
desta festa.
A Festa de São Tiago é uma das maiores manifestações religiosas e
culturais do Amapá, realizada na histórica Vila de Mazagão Velho (hoje município),
quando as famílias de colonos lusos, estabelecidas em Mazagão, criaram a festa
com o objetivo de homenagear o misterioso e destemido soldado São Tiago, que
apareceu nas batalhas, lutando ao lado de São Jorge e dos cristãos numa sangrenta
batalha.
As festas podem ser entendidas:
Como uma manifestação de uma identidade coletiva, pois se trata de um meio de organização social e uma forma de concretização da necessidade de convívio grupal para troca de sentimentos e ou experiências. E, portanto, o momento de dinâmica sociocultural em que uma coletividade reafirma, de modo lúdico, as relações culturais e a cultura que lhes são próprias. (DEL PRIORE, 1994, p.10).
Nesse contexto, a Festa de São Tiago expressa características peculiares
de nossa região, da nossa terra e da nossa gente, onde circulam conhecimentos e
saberes culturais e que se perpetuam através da riqueza de seus ritos reveladores
de toda uma religiosidade presente em suas manifestações. De certa forma, o
próprio imaginário manifesta-se a partir das experiências vivenciadas nessas festas
religiosas populares e nesses ritos. Dessa forma, Brandão (2007) afirma que:
Tudo o que é importante para a comunidade, e existe como algum tipo de saber, existe também como um tipo de ensinar (...) cada tipo de grupo humano cria e desenvolve situações, recursos e métodos empregados para ensinar às crianças, aos adolescentes, e também aos jovens e mesmo aos adultos, o saber, a crença e os gestos que os tornarão um dia o modelo de homem ou de mulher que o imaginário de cada sociedade – ou mesmo de cada grupo mais específico – dentro dela idealiza, projeta e procura realizar. (BRANDÃO, 2007b, p.22, 23).
A Festa de São Tiago possui uma grande expressão ritualística, na forma de
manifestação religiosa carregada de fé e comoção, possuidora de práticas
educativas e com grande participação de sujeitos que estão dentro de um processo
de ensino e aprendizagem, sendo que os rituais não estão associados somente à
22
religião, devido percebê-los como linguagem comunicativa (GEERTZ, 2015), ou
seja, o processo do ritual rearticula elementos do mundo social em uma nova
linguagem simbólica. Durante a festa, existe uma participação muito expressiva, de
crianças durante toda a programação da mesma, sendo que existem dois dias
específicos que são dedicados especialmente a elas, momento em que reconstroem
toda a teatralidade respectivamente, encenando os diversos momentos que
compõem a Festa de São Tiago.
Nesse contexto, entendo que as crianças têm no seu mundo cultural uma
autonomia, o que significa que elas não apenas recebem o que lhes é dado como
resultado de uma construção social e cultural dada e significada pelos adultos, mas
são capazes de reconstruir o mundo que as cerca, atribuindo-lhe significado próprio,
sendo que os sentidos que expressam partem de um sistema simbólico partilhado
pelos adultos. Criando assim, um mundo propriamente humano, que é o mundo da
cultura. (BRANDÃO, 2002, p.40).
Pensar a criança como pertencente a um determinado grupo social, quer dizer
de uma escola, de uma rua, crianças de um grupo de brincadeiras, de uma classe,
de diferentes grupos e contextos. (DERMARTINI, 2009).
Assim, reconheço que a infância é entendida como uma construção social,
como um componente estrutural e cultural específico de muitas sociedades. Tendo
uma participação ativa e criativa como sujeitos desses processos. (BELLONI, 2009,
p.130).
No processo de realização deste estudo – o qual está voltado para as
relações entre as festas religiosas e a cultura lúdica das crianças envolvidas nessa
pesquisa – foi necessário fazer um estado da arte a partir do banco de dados da
CAPES6 e no site da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD)7,
no período de 2010 a 2015, no sentido de entender de que maneira essas
produções estavam sendo abordadas, bem como em quais áreas do conhecimento
estavam inseridas. Desta forma, encontrei estudos e pesquisas que me instigaram e
contribuíram para o aprofundamento e conhecimento do objeto de estudo.
Em relação à categoria “festas religiosas”, foram encontradas 16 teses e 15
dissertações acadêmicas, em que se observou uma predominância destes
vinculados à antropologia e à educação sendo a maioria abordando práticas fora do
6 www.capes.gov.br
7 http://bdtd.ibict.br
23
contexto escolar e priorizando o estudo e análises no contexto cultural e religioso
dessas práticas. Ressalto nessas produções seis teses de mestrado e três de
doutoramento.
Diante disto, Carvalho (2011), que traz em sua dissertação de mestrado em
Desenvolvimento Sustentável, intitulada: “A Festa do Santo Preto: tradição e
percepção da Marujada Bragantina” da Universidade de Brasília (UNB), apresenta
como objeto de análise a celebração cultural bicentenária dos rituais da Marujada de
São Benedito de Bragança (Pará), a qual buscou conhecer as identidades culturais
dos rituais que compõem a manifestação e compreender como se dá o diálogo entre
os principais sujeitos sociais que protagonizam a festa.
Silva (2014) em sua dissertação de mestrado em Ciências Sociais da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) com o título: “Festa do Encontro,
Festa Dadivosa: a trezena franciscana na região rural de Tabocas em Abaeté/MG”
também pode ser considerada importante como resultado da etnografia de festas
populares. A festa é um evento vinculado diretamente às famílias que habitaram - e
ainda habitam -as regiões rurais de Abaeté e à devoção franciscana. O objetivo de
entender como são as práticas religiosas dos festeiros que comemoram a eficácia
desse taumaturgo através da trezena.
O trabalho dissertativo de Brito (2011) da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (UFRN), do Mestrado em Educação do Programa em Antropologia
Social, com o tema: “De volta para os braços da Rainha dos céus: Migração,
Memória e Festa em Caicó/RN” tem como objetivo apreender alguns significados da
Festa de SantAna (a santa padroeira de Caicó/RN), buscando perceber como ela
concilia os polos simbólicos, sagrado e profano através dos vínculos sociais ali
atuantes e expressos em redes de sociabilidade e de pertencimento locais. Também
pode ser considerada importante nesse contexto das pesquisas relacionadas aos
estudos das festas religiosas no Brasil.
Oliveira (2014), da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), em seu
trabalho de Mestrado em Ciências Humanas, do Programa de Pós-Graduação em
História, que traz o título: “Lá vem chegando São Sebastião, vem aqui te visitar:
Festas, Andanças e Folias no interior goiano (1960/2013)”, busca a compreensão
das experiências dos sujeitos do interior goiano, na Serra do Facão a partir das
práticas festivas religiosas tendo como santo homenageado São Sebastião. O foco
da análise foram as práticas e saberes rurais perpassando pela religiosidade desses
24
atores como expressão de seus modos de vida para que possamos analisar como
esses fatores fazem emergir as relações de cooperação, vínculos identitários, além
de suas variadas formas de sociabilidades, as que são marcas culturais bastante
significativas e difundidas durante as comemorações.
Corsino Junior (2014) apresentou no Programa de Pós-graduação em
Comunicação Social da Universidade Federal de Goiás (UFG), com o tema: “Festa
religiosa, Sujeito e Imagem: a construção de um imaginário”. Esse trabalho discorre,
através de um olhar pautado pelos estudos do imaginário bachelardiano, sobre a
elaboração da imagem da festa do Divino Pai Eterno e da Romaria dos Carreiros de
Damolândia por seus atores. A reflexão proposta aqui assume que as imagens
presentes no imaginário dos carreiros (indivíduos que utilizam carros de boi para
fazer a romaria entre Damolândia-GO e Trindade-GO) suplantam as imagens
veiculadas pelos meios de comunicação de massa sobre a festa e que a construção
de imagens significantes por esses indivíduos, assim como a elaboração de sentidos
comportada nessa operação, constitui-se numa prática capital para os atores dessas
manifestações religiosas, difundindo seu olhar sobre a festa, sobre as relações
interpessoais e as relações entre o par sagrado-humano.
Nogueira (2011), cuja dissertação intitulada “A Festa de Folia de Reis em
Quirinópolis: lugar de memória 1918-2010” foi apresentada ao Programa de
Mestrado em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Goiás. (PUC/Goiás),
pode também ser considerado importante por investigar o lugar da memória da
Festa Folia de Reis e objetiva perceber as mudanças ocorridas nas práticas e
representações culturais dessa região em decorrência do seu desenvolvimento
econômico e social, confirmando assim a hipótese de que a festa é um lugar de
memória demarcado a partir das práticas e representações inerentes à cultura
marcada pela religiosidade popular.
Almeida (2011), em sua tese de doutorado vinculada ao Programa de Pós-
Graduação em Geografia da Universidade de Brasília (UNB), “Diversidade e
Identidade religiosa: uma leitura espacial dos padroeiros e seus festejos em
Muquén, Abadiânia e Trindade (GO)”, enfatiza as festas religiosas como uma prática
sociocultural que se especializa no estado de Goiás, revelando em sua organização
uma identidade religiosa expressa no território dos locais estudados.
Cruz (2011) em sua pesquisa de doutorado em Educação, da Universidade
de Brasília (UNB), do Instituto de Ciências Sociais, intitulada: “As Folias de João
25
Pinheiro: performances e identidades sertanejas no noroeste mineiro”, objetiva
investigar como a performance ritual da Folia dos Reis registram as memórias
ligadas à religiosidade dos foliões do município de João Pinheiro.
Oliveira (2011), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), no
Programa de Pós- Graduação em nível de tese de doutorado na categoria sobre
festas populares que aborda a criança como sujeito-pesquisado intitulada: “Cultura
afro-brasileira e Educação: significados de ser criança e congadeira, em Pedro
Leopoldo-MG”, buscou compreender os significados de ser criança negra e
congadeira em seus processos de identidade e de pertencimento étnico e de suas
interações com os adultos através da festa do Congado.
Nas produções e análises das obras citadas, percebo que as pesquisas
relacionadas à categoria festas religiosas populares e de sua relação com a cultura
local, encontradas nos bancos de dados da CAPES e da BDTD, considerando o
período de 2010 a 2015, tem sido prioritariamente no campo da educação e
realizadas em programas de pós- graduação das regiões Centro-Oeste e Nordeste.
Entretanto, o que se observa nas produções científicas é ainda a ausência da
criança como protagonista das mesmas, levando-se em consideração que durante a
realização desses rituais, das procissões e encenações da maioria das festas
encontradas principalmente no interior do Brasil, a presença de crianças é muito
comum e sua participação bastante expressiva nessas festas populares.
Em relação à categoria saberes, foram encontradas 72 dissertações de
mestrado e 17 teses de doutorado abordando através desta categoria diversos
trabalhos em várias áreas do conhecimento, sendo um número significativo de
trabalhos na área da educação, voltadas mais especificamente para a formação, as
práticas e identidades docentes. Analisando os diálogos sobre saberes presentes
nessas produções acadêmicas encontram-se estritamente relacionados ao contexto
escolar ou institucional, mesmo nos trabalhos em que as crianças são os sujeitos
pesquisados. Vale ressaltar que, deste quantitativo de trabalhos pesquisados, foram
encontrados quatro (4) com as temáticas voltadas aos saberes locais e do cotidiano,
os quais não estavam correlacionados com a instituição escolar.
Gomes (2012), em sua dissertação de Mestrado em Dança pela Universidade
Federal da Bahia (UFBA), do Programa de Pós-Graduação em Dança, o qual
apresenta o título: “Capoeira emancipatória no ensino da dança: uma proposta
emergente dos saberes de Mestre na especialidade na cinesfera.”, propõe reflexões
26
sobre as contribuições e atuação dialógica no aprendizado da capoeira na área da
dança.
Pimentel (2012), em sua dissertação de Mestrado do Programa de Pós-
Graduação em Educação, da Universidade do Estado do Pará (UEPA), intitulada:
“Cartografias poéticas narrativas na Amazônia: educação, oralidades, escrituras e
saberes em diálogo,” destaca as novas formas de composição da cultura, através
das narrativas orais e tendo o imaginário como elemento educativo presente nos
saberes.
Tavares (2012), em sua dissertação de Mestrado em Educação pela
Universidade Federal do Pará (UFPA), intitulada: “Saberes Tradicionais como
Patrimônio Imaterial na Amazônia Intercultural: saberes, fazeres, táticas e
resistências dos ceramistas de Icoaraci”, aborda os saberes ancestrais relacionados
à dinâmica da produção da cerâmica dos artesões de Icoaraci, em Belém do Pará.
Oliveira (2012), em sua tese de doutorado em Educação da Universidade de
São Paulo (USP), do Programa em Antropologia Social, intitulada: “Entre plantas e
palavras, modos de constituição de saberes entre os Wayãpi (AP)”, traz os saberes
dos Wayãpi e os modos de conhecer e se relacionar com as plantas e a floresta.
Nesse sentido, podemos constatar após o estado da arte, levando em conta
o período de 2010 até 2015, além de uma ausência nas pesquisas de mestrado e
doutorado nas diversas áreas do conhecimento, uma fragilidade em relação às
temáticas voltadas à relação das festas populares e da participação das crianças
como sujeitos do processo e de seus saberes e vivencias lúdicas.
Dessa forma, o que me instigou ainda mais para a realização desta pesquisa,
é a constatação de poucas teses e artigos relacionados às festas religiosas
populares e sua relação com os saberes e as vivências lúdicas das crianças
envolvidas. Sobre o objeto investigado, a Festa de São Tiago, a partir dos dizeres e
vivências das crianças, quase nada foi produzido em termos de trabalhos científicos,
tornando-se necessário ampliar, estudar e investigar através da academia a temática
ainda tão pouco explorada no campo científico e acadêmico.
Para desenvolver o objeto de estudo desta pesquisa, que é compreendido
como os saberes lúdicos das crianças durante a festa de São Tiago, é necessário
que sejam suscitados os estudos no referencial teórico que tomam a infância como
elemento norteador, e, assim, busquei identificar alguns estudiosos na área de
interesse que este projeto propõe.
27
Para abordar sobre as categorias conceituais de criança e infância, Ariés
(2014) aborda a infância vista sob o prisma do romantismo, como um período de
transição e, muitas vezes, de forma insignificante e passageira, variando de acordo
com o contexto, a classe social e as funções assumidas por elas, afirmando a
ausência de sentimento à infância na Antiguidade e Idade Média.
Gutton (2013), em sua obra, desvela sobre o nascimento e o desenvolvimento
do brincar humano como uma “maneira de ser necessária”, detendo-se nos
processos de estruturação e elaboração que o caracterizam e no simbolismo que o
subjaz, analisa as novas formas assumidas pela infância e, diante delas, a
interrogação sobre o papel do brincar em meio a uma cultura eivada pelo
consumismo e pela juvenilização.
Enquanto Belloni (2009) reforça a importância de uma reflexão e inovação no
campo das ciências sociais e na educação, no sentido de melhor compreender a
infância hoje e as implicações dessas mudanças para os processos de socialização
das novas gerações, contribuindo para o debate a partir da análise de três grandes
eixos: a infância, os sistemas de mídia e a educação. Sendo a criança o cidadão
com direitos, e devendo ser considerada como um ator social, sujeito do seu
processo de socialização.
De acordo com Cruz (2008) e Corsaro (2011) é possível compreender essa
perspectiva em suas obras, ao analisarem sobre o importante papel que a produção
científica pode e deve desempenhar no complexo processo de transformação da
ideia da infância de determinada sociedade. Estes defendem – norteados por ideias
construídas nas últimas décadas – que mesmo crianças ainda bem pequenas
possuem competência para se comunicar em seus contextos culturais. As crianças e
a infância tornam-se categorias de análises independentes de outros grupos e
instituições.
Em seu estudo, Kramer (2013) nos proporciona um debate sobre a história
da infância e os caminhos da educação institucionalizada para crianças no Brasil,
apontando a criança como um ser autônomo e capaz de construir seu
conhecimento. Na visão de Vygotsky (2010) a criança através da linguagem e de
seu grupo social se desenvolve por meio dos significados culturais selecionados
pelo sujeito e por ele apropriados e impregnados de valores e motivos
historicamente determinados.
28
Faria, Dermartini e Prado (2009) propõem uma investigação de criança e
infância por meio de uma abordagem metodológica específica na pesquisa com
crianças, onde relatos e experiências possam ser construídos e socializados pelas
próprias crianças na construção de suas identidades.
A busca por respostas ao que nos propomos investigar nos remete ao campo
teórico de Oliveira (2007) que enfatiza a criança como um ser social e o seu
desenvolvimento acontece na relação com outros seres humanos, em um espaço e
tempo determinados. Ela possui experiência social e historicamente construída.
Nesse processo, a criança internaliza as formas culturais, transformando e intervindo
em seu próprio meio, na relação dialética com o mundo. (VYGOTSKY 2010, p.58).
Sobre o entendimento de cultura lúdica e saberes culturais os estudos de
Brougére (2008); Benjamim (2002); Huizinga (2014); Callois (1990); Kishimoto
(2002) convergem no sentido de situar a criança dentro de sua própria cultura
infantil, tendo como pressupostos teóricos o brinquedo, as brincadeiras e o jogo,
através de um conjunto de significações produzidas para e pelas crianças. Freire
(2015) destaca no processo educativo os saberes da cultura popular expressos pela
oralidade, pelos gestos e pelo corpo em sua inteireza. O saber, segundo Charlot
(2000), é construído por meio de uma história coletiva. Implica a ideia de sujeito, da
relação do sujeito com ele mesmo e da relação do sujeito com os outros.
Dialogando os saberes lúdicos com a temática das festas populares, destaco
as ideias de Brandão (2002; 2010); Duvignaud (1983); Geertz (2015); Tedesco e
Rossetto (2007) e Tinhorão (2000).
Referendo os estudos de Geertz (2015) e de Brandão (2002). Geertz (2015),
afere sobre o estudo da cultura como transformadora da natureza, sendo homens e
mulheres seres incompletos e inacabados que se complementam nos mais diversos
processos culturais. E Brandão (2002) enfatiza que a educação não se dá somente
nas instituições escolares, mas a mesma também acontece em outros ambientes,
em todos os lugares onde há redes sociais que favorecem a transmissão dos
saberes e das experiências que vão de geração a geração, sendo as festas, parte
também desse processo.
Nas palavras de Tedesco e Rossetto (2007, p.27):
As festas possuem correlações com tempos sociais, coletivos, lineares e cíclicos (safras, calendário, relógio), expressam a multiplicidade de experiências do homem com o tempo, com o espaço, com os fatos, com o extraordinário, com a natureza humana (vida e morte), com ideologias e
29
visões de mundo, com a história do homem e sua constituição social, com a vida em sociedade, com saberes, fazeres e afazeres, em última instância com a natureza.
O objeto de estudo desta pesquisa propõe uma análise descritiva e
interpretativa das relações existentes entre a cultura local, aqui sendo evidenciadas
pelo universo das festas religiosas e a representação das crianças nesse contexto, a
partir de suas experiências lúdicas como construção social e cultural.
Partindo do pressuposto de compreender os elementos que permeiam os
saberes presentes nas práticas lúdicas da Festividade de São Tiago em Mazagão
Velho no Estado do Amapá, pela representação ritualística feita pelas crianças, esse
se torna o objeto desta pesquisa no intuito de conhecer, vivenciar e sistematizar os
saberes culturais presentes neste ritual religioso.
Os rituais são repetidos pelas crianças. Elas têm um momento especial
dedicado a elas, mesmo porque há a preocupação dos pais com que elas aprendam
desde cedo a respeitar a imagem de São Tiago, uma vez que também é
responsabilidade delas manter viva a tradição da Festa.
Nesta perspectiva, a festa de São Tiago das crianças é um espaço que
produz saberes e se caracteriza como uma expressão cultural e social, surge a
seguinte problemática de estudo: De que forma os saberes culturais estão presentes
nas práticas lúdicas das crianças na festividade de São Tiago em Mazagão Velho?
Com o propósito de nortear a pesquisa, foram levantadas outras questões: O
que dizem as crianças sobre a festividade de São Tiago? Que elementos culturais
são apresentados pelas crianças durante a Festa de São Tiago? Que compreensões
a criança tem sobre os seus saberes e práticas lúdicas?
De maneira a responder tais questionamentos temos como objetivo geral:
Identificar os saberes culturais vivenciados pelas crianças durante a festividade de
São Tiago no município de Mazagão Velho. E de maneira mais específica,
apresentamos os seguintes objetivos: 1 Analisar os saberes presentes nas práticas
lúdicas das crianças a partir da festividade de São Tiago; 2 Descrever de que forma
se manifesta os saberes das crianças durante a Festa de São Tiago; 3 Verificar de
que forma as crianças vivenciam seus saberes na Festa de São Tiago em Mazagão
Velho.
Portanto, reconheço essa pesquisa como uma necessidade e, principalmente,
a responsabilidade de um referencial teórico sobre a história e origem da Festa de
30
São Tiago, em Mazagão Velho, no Estado do Amapá, como uma de suas maiores
manifestações culturais e religiosas, propondo um novo olhar sobre a ludicidade
vivenciada pelas crianças durante a realização da festa, sendo esses sujeitos os
próprios protagonistas de sua ação e reinvenção de suas práticas históricas, sociais
e culturais.
Assim, a escolha pelas manifestações simbólicas, religiosas e culturais da
comunidade de Mazagão Velho, seus modos de vivenciar, conhecer, transformar,
ressignificar e preservar sua memória, tradição e seus saberes através da
construção desses conhecimentos por meio da Festa de São Tiago das crianças na
possibilidade de dialogar com seus saberes lúdicos e de suas vivências culturais,
ressalto que a pesquisa aborda, parte de uma versão da história da Festa de São
Tiago, contada aqui através do olhar e das vozes das crianças.
Busca-se, ainda, que esta pesquisa produzida contribua no sentido de
aproximar a comunidade acadêmica e fazer tornar conhecimento a Festa de São
Tiago, em Mazagão Velho, e suas possíveis contribuições para o campo científico,
de modo a difundir e desenvolver saberes relacionados às práticas culturais e
religiosas das crianças envolvidas.
É nessa perspectiva que esta pesquisa se insere, reafirmando, dessa forma,
sua relevância acadêmica e social voltada para a cultura lúdica e as crianças. Tal
escolha justifica-se por compreender que ainda há pouca produção acadêmica na
região norte, sendo necessários estudos sobre a temática apresentada para compor
bancos de consulta mais especificamente em nossa região.
A opção pelas crianças foi suscitada principalmente pela sua criatividade e
imaginação, em vivenciar os elementos de sua cultura. Fator que colabora para que
esta pesquisa, também, contribua para a compreensão da importância dos saberes
lúdicos das crianças presentes na religiosidade na Amazônia ribeirinha.
Além da introdução, a organização e sistematização da pesquisa encontra-se
estruturada em quatro seções, a saber: a primeira consiste em narrar a trajetória
histórica e a memória de Mazagão Velho e a origem da Festa de São Tiago trazida
por portugueses e escravos. Na segunda, apresento o percurso metodológico da
pesquisa. Na terceira, inicio as discussões teóricas sobre a compreensão na relação
entre festas, saberes e as tessituras da cultura; na última seção, adentro no universo
lúdico das crianças, destacando os valores culturais e educativos dos brinquedos e
brincadeiras presentes na festividade de São Tiago das crianças, a partir de suas
31
vozes e olhares sobre a festa. Por fim, anuncio algumas considerações relacionadas
às questões inerentes a este estudo.
32
SEÇÃO II
PERCURSO METODOLÓGICO DA PESQUISA
Porque somos nós crianças que devemos participar e continuar com essa grandiosa festa.
FLÁVIO (11 anos de idade)
Desenho 01 Produção da criança na roda de conversa
Fonte: Rondinelle (11 anos de idade) / 2016
33
Nesta seção serão abordadas as questões metodológicas da pesquisa e os
caminhos percorridos para encontrar as respostas aos questionamentos e atingir
aos objetivos propostos pelo estudo.
Para realizar esse percurso investigativo, dialoguei inicialmente com Minayo
(2007), ao abordar que todo pesquisador precisa ser um curioso, um perguntador,
essas qualidades devem ser exercidas o tempo todo no trabalho de campo, na
medida em que o pesquisador for capaz de confrontar suas hipóteses com a
realidade empírica encontrada.
A partir do desenvolvimento das ciências humanas, tendo como base o
método dialético e os pressupostos da fenomenologia, as pesquisas de cunho
qualitativo cada vez mais vêm consolidando no campo científico e como abordagem
em várias áreas do conhecimento.
Como assinala Pádua:
[...] as pesquisas qualitativas têm se preocupado com o significado dos fenômenos e processos sociais, levando em consideração as motivações, crenças, valores e representações, que permeiam a rede de relações
sociais. (Pádua, 1996, p.31)
2.1 MÉTODO E TIPO DE PESQUISA
A pesquisa enfocou uma perspectiva de análise descrita da Festa de São
Tiago, a partir dos dizeres das crianças sobre suas vivências lúdicas durante a festa.
Baseou-se, ainda, em alguns aspectos da Etnografia, pois para Minayo (2009) esse
método se refere,
À análise descritiva das sociedades humanas, primitivas ou ágrafas, rurais ou urbanas, grupos étnicos etc., de pequena escala. Mesmo o estudo descritivo requer alguma generalização e comparação, implícita ou explícita. Diz respeito a aspectos culturais. (MINAYO, 2009, p.94).
Para a realização das análises descritivas, foi feito o levantamento de todos
os dados possíveis sobre o objeto de pesquisa e, dessa maneira, caminhei ao
encontro dos ensinamentos de Minayo (2009) que nos fala da necessidade de
realizar um levantamento geral dos aspectos sociais e culturais da comunidade. Este
pode descrever os dados escolhidos com a finalidade de conhecer melhor o estilo de
vida ou a cultura específica de determinado grupo.
Para analisar as vivências lúdicas das crianças pelo viés de seus saberes
culturais, fez-se necessário compreender as relações culturais, sociais e religiosas,
34
bem como as interrelações que se dão entre cultura lúdica e festas religiosas,
produzidas pelas crianças como sujeitos situados socialmente e historicamente. Foi
importante a entrada no lócus da pesquisa, para que o pesquisador tivesse o
entendimento claro do próprio processo dinâmico e particular que contextualiza o
objeto de estudo.
A problemática e os objetivos apontados nesse estudo encaminharam para
uma pesquisa baseada na abordagem qualitativa, pois necessita de uma imersão no
contexto inserido, situados em um contexto histórico, social, econômico, politico e
cultural que, segundo Severino (2007, p.116), “a pesquisa qualitativa é aquela em
que se estrutura pela subjetividade resgatando outras vivências da vida humana.”
Ludke e André (1986, p.03) mencionam que o pesquisador carrega as marcas
de sua época, de seu tempo, de sua sociedade e de seus grupos culturais, assim a
sua visão do mundo, os pontos de partida, os fundamentos para a compreensão e
explicitação desse mundo irão influenciar a maneira de como ele propõe suas
pesquisas. Da mesma forma que os “pressupostos que orientam seu pensamento
vão também nortear sua abordagem de pesquisa.”(idem).
Nesse sentido, optei pela abordagem descritivo-qualitativa e a pesquisa foi de
campo, com elementos da etnografia compartilhando com os estudos de Bogdan e
Biklen (1994), de que na investigação qualitativa o pesquisador deve ter como
preocupação a imersão no contexto a ser estudado, porque assim as ações podem
ser melhor compreendidas, visto que são observadas no seu ambiente natural de
ocorrência, portanto a preocupação do investigador é com o processo e não o
resultado.
Chizzotti (2009, p.79) fundamenta a abordagem qualitativa ao expor:
[...] há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma independência viva entre sujeito e objeto, um vinculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito. O conhecimento não se reduz a um rol de dados isolados [...] o sujeito observador é parte integrante do processo de conhecimento e interpreta os fenômenos atribuindo-lhes um significado. O objeto não é um dado inerte e neutro, está possuído de
significados e relações que os sujeitos concretos criam em suas relações.
Para Minayo (2009, p.24), o pesquisador que trabalha com estratégia
qualitativa atua com matéria prima das vivências, das experiências, da cotidianidade
e também analisa as estruturas, mas entendem-nas como ação humana objetiva. Ou
seja, para esses pesquisadores, a linguagem, os símbolos, as práticas, as relações
e as coisas são inseparáveis.
35
Assim, nessa investigação optei pela pesquisa de campo com o intuito de
buscar informações sobre os processos de construção e de interação das crianças e
de seus modos de vivenciar e de brincar durante as festividades de São Tiago.
Minayo (2009) entende por campo, na pesquisa qualitativa:
O recorte espacial que diz respeito à abrangência, em termos empíricos do recorte teórico correspondente ao objeto da investigação. [...] os sujeitos/objetos de investigação, primeiramente são construídos teoricamente enquanto componentes do objeto de estudo. No campo, eles fazem parte de uma relação social com o pesquisador, daí resultando um produto compreensivo que não é a realidade concreta e sim uma descoberta construída com todas as disposições em mãos do investigador: suas hipóteses e pressupostos teóricos, seu quadro conceitual e metodológico, suas interações em campo, suas entrevistas, suas observações, suas inter-relações com os pares. (MINAYO, 2009, p.202).
Compreendemos a pesquisa de campo, de acordo com Lakatos e Marconi
(2003, p.186) “como aquela utilizada com o objetivo de conseguir informações ou
conhecimentos acerca de um problema [...] ou ainda, novas formas de descobrir os
fenômenos ou relações entre eles.”
2.2 TÉCNICAS UTILIZADAS
Como instrumentos de elaboração dos dados, apresentamos a observação
participante que ocorreu antes, durante e após a festividade de São Tiago. Lakatos e
Marconi (2003, p.174) dizem que a observação em uma pesquisa é o inicio da
investigação social, em que os processos observacionais obrigam o investigador a
um contato direto com a realidade estudada.
A observação participante foi utilizada na pesquisa, somente em que procurei
registrar os momentos lúdicos vivenciados pelas crianças durante a festividade de
São Tiago, na comunidade de Mazagão Velho, de maneira a direcionar o olhar para
os saberes existentes no brincar das crianças. Dessa forma, justifica-se o uso da
observação participante diante do que apresenta Chizzotti (2009), o qual revela que
o sujeito observador é parte integrante do processo de conhecimento e que tem a
função primordial de interpretar os fenômenos observados para lhes atribuir
significados.
Considerando que a pesquisa teve as crianças como intérpretes e que
através de suas vozes podemos ter acesso ao mundo social que elas partilham,
nesse sentido precisamos conhecer os sujeitos pesquisados, os contextos onde eles
36
se inserem e seus modos de ser, suas formas de se expressar, suas histórias, ideias
e sentimentos, e, sobretudo, como pesquisá-las. O que implica apropriação de
métodos e técnicas favoráveis a esse tipo de pesquisa.
As técnicas utilizadas foram: 1) a realização do levantamento bibliográfico
referente ao estudo proposto, garantindo assim o respaldo teórico e científico
necessário à pesquisa; 2) as visitas exploratórias de aproximação do campo, que
foram realizadas no sentido de esclarecer sobre a proposta investigativa e solicitar
autorização para pesquisa junto às associações, aos grupos folclóricos e às famílias
das crianças da comunidade de Mazagão Velho; 3) o diário de campo foi o principal
instrumento de observação, segundo Minayo (2009, p.71), nada mais é do que um
caderninho, uma caderneta, ou um arquivo eletrônico no qual expressamos todas as
informações pertinentes e que não fazem parte do material formal de entrevistas.
Sendo que esta atividade foi fundamental para que o observador/pesquisador
pudesse interpretar e reinterpretar os fatos, as narrativas ou acontecimentos.
Quinteiro (2009, p.29) apresenta o princípio da “reflexibilidade investigativa”
proposta por Sarmento (2000) que se refere a essa possibilidade de o pesquisador
captar por meio das “falas” das crianças os mundos sociais e culturais da infância,
construindo, desse modo, elementos para as análises das relações entre educação
e infância. “Olhar a infância e não apenas sobre ela exige o descentramento do olhar
do adulto como condição essencial para perceber a criança”. (QUINTEIRO, 2009,
p.29).
Como técnica 4): usou-se a técnica de roda de conversa com as crianças, em
que foi utilizada enfatizando a questão da oralidade no sentido explicativo de ações
específicas, realizadas a partir de desenhos pelas próprias crianças, referentes aos
sentidos que dão à Festa de São Tiago e de suas manifestações lúdicas que
ocorrem durante esse processo.
A técnica 5): foi utilizado o desenho como instrumento, conforme propõe
(GOBBI, 2009), nesta pesquisa, foi utilizada como um recurso de aproximação com
as crianças que participam das festividades em Mazagão Velho, através de oficina
de desenho e modelagem .
O uso do desenho por ser uma linguagem acessível à criança, segundo
Gobbi (2009):
Afirmo os desenhos infantis em conjugação à oralidade como formas privilegiadas de expressão da criança. Quando aproximadas, podem
37
resultar em documentos históricos os quais podemos recorrer ao necessitarmos saber mais e melhor acerca de seu mundo vivido, imaginado, construído, numa atitude investigativa que procure contemplar a necessidade de conhecer parte da História e de suas histórias segundo seus próprios olhares. (GOBBI, 2009, p.73).
A partir das concepções sobre a roda de conversa e a técnica do desenho na
pesquisa com crianças, realizei duas oficinas de desenho e modelagem com as
crianças intérpretes deste estudo.
A técnica 6): foi usado o registro fotográfico como técnica de construção de
dados, com o interesse de registrar os traços e pormenores que fazem parte do
cotidiano da festa. Moreira Leite (1993) apud Gobbi (2009 p.78) trazem referências
importantes ao considerar as fotografias como documentos portadores de
informação, que vão além da documentação histórica.
Ao analisar sobre o uso das imagens e fotografias como técnicas de pesquisa
com crianças, a autora afirma:
Na maioria dos casos, não se consegue estabelecer parâmetros analíticos para essa documentação, que tem caráter diverso da documentação escrita [...] Por sua vez, as fotografias estão a exigir um estudo comparativo de sistemas e significados, das mediações entre a realidade que se quer compreender e a imagem dessa realidade. As fotografias devem ser consideradas pelo historiador da mesma forma que outra prova qualquer – avaliando mensagens que podem ser simples e óbvias ou complexas e pouco claras. Nunca contém toda a verdade [...]. (MOREIRA LEITE apud GOBBI, 2009, p.79).
2.3 TRATAMENTO E ANÁLISE DOS DADOS
Para analisar os dados coletados, optei pela utilização de algumas categorias
da Etnometodologia8 e da análise da conversa, que teve como suporte a gravação
das vozes das crianças para garantir a fidelidade aos relatos. A análise da conversa
é uma técnica de investigação que tem como finalidade a análise do senso comum,
visando produzir não somente frases, mas perguntas, respostas, convites,
saudações (...) essa “análise prática” ocorre durante as conversas entre os
interlocutores. (WATSON, 2015).
8 O termo “Etnometodologia” foi criado por Garfinkel e apresentava em seu livro fundacional Studies
in Ethnmethodology (1967), referindo-se ao estudo (logos) dos métodos usados pelas personagens/gupos (ethnos) em suas vidas cotidianas, entendidas como processos de produção de sentido. Assim, temos etno+ método+ logia. (WATSON, 2015, p.13).
38
Na análise da conversa, os discursos dos sujeitos pesquisados podem ser
obtidos através das diversas formas de comunicação e interlocuções, pois segundo
Watson (2015):
Os verdadeiros dados são as gravações de áudio e/ou vídeo das quais as transcrições funcionam como um apoio ao exame detalhado das gravações: a transcrição é um mecanismo de sensibilização, bem como uma maneira de apresentar resultados de investigação para os leitores de textos impressos (embora alguns periódicos e livros tenham incluídos dados gravados em CD ou em outros formatos). (WATSON, 2015, p. 92).
Em relação à categorização, Lüdke e André (1986) destacam que “a
categorização por si mesma, não esgota a análise”, demandando que o pesquisador
ultrapasse a mera descrição, buscando estabelecer conexões, relações que
possibilitem novas explicações e interpretações.
Portanto, para Oliveira e Mota Neto (2011, p.165), a categorização na
pesquisa qualitativa viabiliza a organização dos dados, a articulação entre o
referencial teórico e a descrição dos fatos, a interpretação e explicação do fenômeno
estudado e a elaboração de novas categorias.
Para a organização e socialização do corpus e análise, apresentarei cinco
principais categorias analíticas presentes nas falas das crianças e que se fazem
necessárias para a compreensão da pesquisa, são elas:
- Festa e religiosidade: quais os ritos religiosos presentes na festa; por que e
como rezam as crianças.
- Festa – tradições e identidade – a relação da festa com a história e cultura
local.
- Festa e ludicidade – como brincam as crianças durante as festas, como
constroem seus brinquedos e brincadeiras.
- Festa e criança – qual a relação das crianças com a festa; por que e como
participam das festas religiosas.
- Festa e saberes – o que se aprende e como se aprende durante os rituais
das festas.
2.4 ASPECTOS ÉTICOS DA PESQUISA
Torna-se necessário ressaltar que a pesquisa foi encaminhada ao Comitê de
Ética, para que possamos ter respaldo para o andamento do estudo, no intuito de se
39
observar os cuidados éticos e a reponsabilidade na pesquisa com crianças, porém,
até o momento do fechamento da pesquisa, não tive resposta.
Os aspectos éticos da pesquisa foram mantidos, através do conhecimento do
Termo de Consentimento Livre e Esclarecidos do Estudo, considerando os
procedimentos quando os sujeitos são menores de idade envolvidos, requerendo
assim o reconhecimento e a autorização dos pais ou responsáveis pelas crianças no
decorrer da realização da mesma. Porém, pesquisar a infância requer, para além da
formação geral que todo o pesquisador deve ter, um olhar centrado no sujeito
singular que estamos ouvindo, com o qual interagimos e dialogamos, pois é possível
o diálogo com as crianças (CRUZ, 2008). Nessa perspectiva, a partir da autorização
dos pais, os nomes das crianças foram mantidos, por entendê-las como agentes
ativos que constroem suas próprias culturas contribuindo assim para o mundo
adulto.
A dimensão da ética torna-se fundamental nas pesquisas com crianças. A
aceitação no mundo das crianças para Corsaro (1985) representa um desafio
principalmente pelas diferenças entre adultos e crianças em termos de maturidade
cognitiva e comunicativa, poder (tanto real como percebido) e tamanho físico.
(DELGADO & MÜLLER, 2009, p.163).
2.5 CRIANÇAS: AS INTÉRPRETES DA PESQUISA
A pesquisa proposta apresenta como intérpretes as crianças que participam
da festividade de São Tiago, na comunidade de Mazagão Velho, no Estado do
Amapá. O grupo é constituído de 09 (nove) meninos e 07 (sete) meninas, com faixa
etária entre 07 e 13 anos de idade. É valido ressaltar que o parentesco é muito
presente entre as crianças participantes, as quais têm uma relação familiar.
A escolha por essas crianças se deu em função dos seguintes critérios: a)
participação na Festa de São Tiago; b) o consentimento da criança e a autorização
pelos pais; c) pela participação das mesmas nas oficinas de desenho, sob minha
coordenação.
É interessante ressaltar que na tradição da Festa de São Tiago somente os
meninos participam da festa, ficando as meninas de “fora” das atividades
desenvolvidas na programação, porém, para a pesquisa realizada, procurei incluir,
escutar e perceber o “olhar” a partir das meninas que participaram das oficinas.
40
As meninas têm um papel fundamental e uma contribuição muito importante
na festa, pois são responsáveis pela confecção das indumentárias, dos artefatos,
são elas que vestem os personagens. Aprendem com as mães e as avós a tarefa de
preparar as roupas e de enfeitar os cavalinhos de buriti. Outro papel atribuído às
mulheres e as meninas é o de rezadeiras, são elas responsáveis em conduzir as
novenas e procissões durante a festa. Assim, ao trazer a voz das meninas como
participantes deste estudo, contribuímos dando visibilidade como produtoras
também de seus saberes e de suas experiências durante a festa.
Buscamos legitimar as crianças como sujeitos de direito e de voz nesse
estudo. Sendo assim, compreendida como sujeito ativo de seu próprio
desenvolvimento. Portanto, entendemos que a criança é produtora de sua própria
cultura, devendo ser somente desta forma entendida e pesquisada.
2.5.1 – Perfil sócio histórico das crianças intérpretes da pesquisa
Para adentrar no universo cultural da criança que participa da Festa de São
Tiago das crianças no município de Mazagão Velho-AP foi necessário construir um
perfil sócio histórico de cada criança que participou dessa pesquisa para descrever e
ampliar as relações delas com a referida manifestação cultural.
A partir dos cuidados éticos que exige a pesquisa científica, optei em manter
seus respectivos nomes por considerá-las como sujeitos ativos no processo da
pesquisa e de suas contribuições para a obtenção dos dados, levando em conta que
as crianças são constituintes de sua própria realidade social e cultural, sendo que ao
retornar à comunidade com a pesquisa finalizada, o meu intuito é que as crianças
participantes possam se perceber como as verdadeiras protagonistas deste estudo.
O quadro a seguir mostra um breve perfil das crianças entrevistadas e
participantes das rodas de conversa.
Quadro 01 Perfil sócio-histórico dos intérpretes.
NOME IDADE SEXO ANO EM QUE
ESTUDA
ORGANIZAÇÃO
FAMILIAR
Alice 10 anos F 5º ano Padrasto, mãe e irmãos
Bianca 13 anos F 7º ano Pai, mãe e irmãos
Cristian 08 anos M 4º ano Pai, mãe , um irmão e
uma irmã
41
Cairo 10 anos M 3º ano Pai e mãe
Cailane 13 anos F 7º ano Pai, mãe e irmãos
Edgar Davi 10 anos M 4º ano Mãe, irmãos, avós, tios e
primos
Flavio 11 anos M 6º ano Pai e mãe
Guilherme 12 anos M 6º ano Pai e mãe e dois irmãos
José Caio 10 anos M 4º ano Mãe, irmãos, avós, tios e
primos
Jamerson 11 anos M 6º ano Pai e um irmão
Lya 11 anos F 6º ano Pai, mãe e irmãos
Maria Isabel 11 anos F 6º ano Pai ,mãe e irmãos
Mauro Diogo 12 anos M 6º ano Pai, mãe e irmãos
Renata 08 anos F 3º ano Pai, mãe e irmãos
Raissa 07 anos F 1º ano Pai, mãe, irmãos
Rondinelle 11 anos M 5º ano Pai, mãe e dois irmãos
Fonte: Elaboração do pesquisador/2017.
Apresentamos alguns dados sobre o perfil de cada participante da pesquisa:
A intérprete Alice tem 10 anos de idade, nasceu em Mazagão Novo e mora
em Mazagão Velho, cursa o 5º ano do ensino fundamental. Sua mãe é professora e
seu padrasto é agricultor. Alice mora com seus pais e três irmãos. Ela sempre
participa da preparação da festa, através das oficinas de confecção de máscaras e
de cavalinhos. Sua relação com a festa é porque sua avó sempre participou dos
cantos e das novenas e sempre levava as netas para esse momento, pois os
meninos não participam muito nessa parte, ficando nesse momento mais de fora.
Participa também das brincadeiras durante as festividades.
A menina Bianca tem 13 anos de idade e está matriculada no 7º ano do
ensino fundamental, mora com seus pais e seus quatro irmãos. Sendo a profissão
do pai funcionário público e a mãe dona de casa. De família católica, a única menina
na família, segue a tradição em participar da festa para acompanhar seus irmãos e
observá-los na encenação. Como a maioria das meninas, contribui na confecção dos
adereços e das indumentárias dos irmãos. Participa das homenagens aos santos
42
padroeiros por intermédio das novenas, das missas, do círio e de outras
brincadeiras.
De família católica, o intérprete Cristian, tem oito anos de idade e estuda o 4º
ano do ensino fundamental. O pai é funcionário público municipal e sua mãe dona
de casa, mora com os pais, a irmã de 10 anos e o irmão caçula de 03 anos de idade.
Cairo e Cailene são irmãos e de família católica. Cairo tem 10 anos e nasceu
no município de Santana e Cailene 13 anos, nasceu na capital Macapá. Ele cursa o
3º ano e ela o 7º ano do ensino fundamental, na Escola Municipal Antônio Silva dos
Santos. O pai é pedreiro e a mãe servidora municipal, moram com os pais e o irmão
mais velho, Caio de 18 anos.
A relação de Cailane na festa acontece desde seus 11 anos, através de sua
participação como observadora dos atos cênicos como a batalha e no baile de
máscaras (plateia). Sua participação ocorre mesmo no círio infantil, acompanha
cantando e rezando as ladainhas, e no momento do “roubo das crianças”. Participa
também da confecção das máscaras, dos cavalos de buriti e das indumentárias dos
meninos.
Os irmãos Edgar Davi e José Caio, ambos com 10 anos de idade, nasceram
em Mazagão Velho e moram com a mãe, seus avós, tios, tias, primos e primas,
cursam o 4º ano do ensino fundamental. Depois que a mãe soube que estava
grávida, a avó disse que se fossem meninos, assim que completassem 10 anos de
idade representariam os personagens principais na dramatização. Eles sempre
participaram da festa desde quando eram bebês e no ano passado foram escolhidos
para serem os personagens principais: São Tiago e São Jorge. A relação dos irmãos
com a festa, é proveniente do fato da avó ter feito a promessa para o Santo
padroeiro.
Flávio tem 11 anos e cursa o 6º ano do ensino fundamental na Escola
Municipal Antônio Silva Santos, mora com seus pais. Sua mãe é professora e
ministra aulas particulares em casa e seu pai é autônomo. Mora com cinco irmãos.
Sua relação com a festa vem da tradição familiar e por incentivo dos pais em
prepará-lo, juntamente com seus irmãos, das homenagens a São Tiago e São Jorge,
sendo que todos os anos participa das festividades. Compõe também o grupo que
prepara os adereços e os instrumentos para as festas.
O intérprete Guilherme tem 13 anos, seu pai é professor e sua mãe servidora
municipal, cursa o 7º ano do ensino fundamental, de família católica, sua relação
43
com a festa vem da tradição familiar e incentivada principalmente pelo pai. Participa
todos os anos da encenação e das oficinas realizadas no barracão do grupo infantil.
Proveniente de uma família católica, Jamerson, 11 anos, nasceu em Mazagão
Velho e mora com seu pai, autônomo e seu irmão Jarlison de 13 anos, participam da
festa de São Tiago desde quando eram bebês. Segundo o pai, um dos
organizadores do evento, a motivação em participar vem deles, pois se identificam
desde cedo com a festa. Jamerson sempre participa da festa, pois aprendeu desde
cedo a fazer parte das encenações, tanto na festa dos adultos, como na festa das
crianças, enfatiza o aprendizado transmitido pelos mais velhos como “seu” Hamilton,
“Zé Cardino”, Joaquim Jacarandá, Raimundo “Garça” e principalmente de seu pai.
Nascida na capital Macapá, Lya de 11 anos, desde os quatro dias de nascida
mora em Mazagão Velho, é filha de pai cabelereiro e sua mãe, dona de casa, mora
com seus pais e seu irmão Arthur de 06 anos. Sendo todos praticantes da religião
católica. Lya atua na festa como “público”, no momento das encenações. Participa
nas novenas, procissão e no círio, durante as encenações, sua participação só
ocorre no momento do “roubo das crianças” e na decoração dos cavalos e
indumentárias dos meninos.
Maria Isabel tem 11 anos de idade, cursa o 6º ano do ensino fundamental,
filha mais velha, tem um irmão de 04 anos e moram com os pais em Mazagão Velho,
onde o pai trabalha como pedreiro e sua mãe, dona de casa. Maria Isabel participa
na festa, como a maioria das meninas, durante as missas, nas ladainhas e no círio
infantil, também contribui na confecção das máscaras, dos cavalos e das
indumentárias dos meninos. Mas o que mais a menina gosta é de se divertir no
momento do “roubo das crianças” e de participar de outras brincadeiras.
Mauro Diogo, nascido no município de Mazagão Velho, de família católica,
tem 12 anos e cursa o 6º ano do ensino fundamental, seu pai é autônomo e sua
mãe, dona de casa. Todos os anos participa da festa e das encenações,
representando os personagens que compõem o enredo da batalha. Aprendeu com o
pai, os tios e primos o respeito às tradições dos seus antepassados, participa
também das oficinas de instrumentos de percussão, de máscaras e dos cavalinhos
de buriti.
A menina Renata tem 08 anos de idade e está matriculada no terceiro ano do
ensino fundamental. Nasceu em Macapá e mora em Mazagão Velho. Desde os
cinco anos de idade participa das programações da festa das crianças. Filha de pais
44
autônomos, mora com a mãe, o pai e os quatro irmãos. A menina faz questão de
destacar sua participação na festa através das danças do marabaixo, sua
participação nas novenas, no círio e de ir para a igreja para rezar. Enfatiza sobre o
aprendizado sobre a história de Mazagão, da festa e de São Tiago, aprendendo
também sobre seu papel na festa que é aprender as ladainhas e cânticos realizados
nas novenas e procissões.
Os intérpretes Rondinelle Antônio de 11 anos, e sua irmã Raissa de 07 anos,
de família católica, sendo o pai funcionário público e sua mãe costureira, cursam o
5º ano e o 1º ano do ensino fundamental, respectivamente, moram com os pais e
cinco irmãos. Sendo a relação com a festa, uma tradição familiar. Durante a festa, a
participação de Raissa, segundo seu depoimento, acontece somente nas
brincadeiras, na dança do Marabaixo e nas oficinas de construção de máscaras e
cavalos de buriti. Já Rondinelle destacou seu empenho nas encenações durante as
batalhas, porque gosta e é incentivado por seus pais a participar todos os anos.
Gosta de tocar as caixas utilizadas na dança do Vominê e durante a alvorada.
Participa também das brincadeiras e dos torneios esportivos durante as festividades.
Apresentamos o perfil sócio histórico dos participantes desta pesquisa, sendo
possível esclarecer fatores que venham elucidar as questões relacionadas às
crianças com a festa de São Tiago.
2.6 DIRECIONAMENTOS PARA A PRODUÇÃO DOS DADOS
A entrada no campo de pesquisa se deu através de visitas exploratórias com
o intuito de realizar com a comunidade e os sujeitos de pesquisa. Nesse momento
foram realizadas entrevistas com alguns moradores antigos sobre a origem da festa
e a história da Vila de Mazagão, por existir poucos registros sobre a história local,
encontrando esses fatos mememonis das pessoas que ali vivem e que vão
passando através da oralidade de geração a geração.
Posteriormente a essas visitas, busquei apoio para a pesquisa da Associação
da Festa de São Tiago, porém não obtive sucesso, devido ao presidente atual
trabalhar fora do município. Fui indicado a procurar o senhor Josué da Conceição
Videira, presidente do Grupo Infantil “Raízes do Marabaixo, sendo o responsável em
preparar as crianças para a festa de São Tiago”.
45
Ressalto que não encontrei dificuldades em realizar os encontros com as
crianças participantes do estudo, pois havia encontrado a pessoa ideal, a qual
contribuiu bastante para o andamento das atividades programadas para a obtenção
dos dados necessários à pesquisa. Outro fator determinante, foi que, aos sábados e
domingos, as crianças se reuniam no barracão para participar de atividades como:
oficinas, construção de materiais, instrumentos e ensaios para as festas da
comunidade, bem como outras atividades esportivas e sociais.
A partir deste contato e das informações sobre a festa e a história de
Mazagão Velho, obtidas em uma entrevista com o presidente do grupo folclórico
infantil, foi marcado um encontro com as crianças que fazem parte do referido grupo
e da festa de São Tiago.
Primeiro encontro com as crianças: as oficinas de percussão.
O encontro com as crianças da comunidade se deu através de oficinas9 de
percussão com tambores de Marabaixo, objetivando o primeiro contato de
aproximação com as crianças que participam da festa. Sendo essas oficinas
ministradas pelo Sr. Josué da Conceição Videira, inclusive aprendendo com elas a
tocar as caixas utilizadas nas festas de São Tiago e de Nossa Senhora da Piedade
(Marabaixo). Esse momento foi de suma importância para o andamento da
pesquisa, pois esse contato inicial foi marcado por uma relação de confiança e de
aceitação pelas crianças sobre o estudo realizado. Neste momento foi entregue o
Termo de Consentimento para as crianças e seus respectivos responsáveis, bem
como foram explicados os objetivos da pesquisa para as crianças participantes.
Segundo encontro: As rodas de conversa e oficinas de desenho e modelagem.
A segunda aproximação com as crianças se deu no dia 02 de abril de 2016,
para ministrar para as crianças que participam deste projeto cultural e da Festa de
São Tiago a oficina: “Desenhando e pintando sobre a Festa de São Tiago”, tendo
como objetivo, a partir da técnica do desenho infantil, construir dados referentes à
festa sob a ótica das crianças, através do desenho, das esculturas e das gravações
9 Oficinas de construção de instrumentos e oficinas de percussão fazem parte de um projeto social e
cultural que envolve em torno de cinquenta crianças da comunidade e tem o apoio da FUNARTE pelo Ministério da Cultura e apoio do Governo do Estado do Amapá.
46
das vozes dos sujeitos pesquisados. As oficinas aconteceram aos sábados, das 14h
às 16h, no barracão do grupo infantil.
Na oficina, houve a participação tanto dos meninos como das meninas que
também contribuíram bastante com informações para a pesquisa.
Necessário esclarecer que o desenho, neste estudo, constitui-se apenas
como uma metodologia de aproximação e de socialização entre as crianças para a
obtenção das informações inerentes às suas vivências e conhecimentos sobre a
festa de São Tiago.
A dinâmica utilizada inicialmente foi a realização de uma conversa informal
com as crianças sobre a Festa de São Tiago, as quais livremente expressaram seus
conhecimentos através dos desenhos ou de esculturas feitas a partir de massa de
modelar, as crianças menores demonstraram maior interesse.
Na sequência, foram dadas as seguintes orientações: após a conclusão dos
desenhos ou esculturas, as crianças foram convidadas a socializar e responder aos
seguintes questionamentos: por que escolheu esse desenho? Qual o significado do
desenho? Quais os elementos que têm relação com a festa?
À medida que as crianças iam socializando suas produções na roda de
conversa, alguns questionamentos foram feitos para que pudéssemos aprofundar
ainda mais a temática em foco. Dessa forma, outras questões relacionadas à festa
foram surgindo, seguindo um roteiro pré-elaborado pelo pesquisador. Evidencio aqui
as principais perguntas elaboradas para contribuir na roda de conversa com as
crianças, são elas: Por que a Festa de São Tiago é importante para você? Como se
dá a participação de vocês na festa? Existe um convite? Como as crianças são/
estão organizadas para participar da festa e da programação? Como são escolhidas
as crianças para representarem os personagens da festa? Que sentimentos e
sensações são vivenciados durante a festa por vocês? Quais as brincadeiras
realizadas durante a programação e durante os dias destinados às crianças? Como
se divertem na festa? O que aprendem durante a festa?
Participaram deste momento de levantamento de dados trinta (30) crianças
sendo dezoito (18) meninos e doze (12) meninas. Permanecendo somente
dezesseis (16) crianças devido ao critério de idade estabelecido pelo pesquisador.
47
Foto 02 Oficina de desenho e escultura sobre a Festa de São Tiago.
Fonte: Acervo do pesquisador/2016.
O terceiro encontro: A observação – participante durante a festa das crianças Esse momento foi de suma importância para obter mais informações das
crianças durante a festa destinada a elas, proporcionou-me uma aproximação direta
não somente com os intérpretes da pesquisa, mas com os outros sujeitos envolvidos
durante a programação do evento: pais, festeiros, promesseiros, comissão
organizadora e outras crianças de todas as idades e de outras localidades próximas
ao município. Durante a festa, pude observar, acompanhar e registrar os momentos
mais significativos vivenciados pelas crianças, buscando ao mesmo tempo dialogar
e interagir sobre os fatos relacionados à participação delas no contexto da festa.
48
2.7 O LÓCUS DA PESQUISA: O LUGAR DA HISTÓRIA
2.7.1 A comunidade de Mazagão Velho
Mapa 1 Localização do município de Mazagão Velho/AP
Fonte: Elaborado por Miranda (abril/2017)
O município de Mazagão, lócus definido para ser o cenário deste estudo, fica
localizado à margem direita do rio Vila Nova, ao sul do Estado do Amapá, (mapa 2),
sendo sua área de 13.294.776 km2 e de sua população de 17.032 habitantes de
acordo com dados do IBGE (2010), sendo constituído por três distritos: Mazagão
Novo, Carvão e Mazagão Velho (divisão territorial datada de 2009), sendo este,
historicamente, o segundo município criado no antigo Território Federal do Amapá e
que a partir da Constituição de 1988, tornou-se Estado. O município é conhecido por
sua importância histórica e por seu calendário cultural de inúmeras festas religiosas.
As principais festas religiosas realizadas no Município de Mazagão são: Festa
de São Gonçalo; Festa de São Sebastião; Festa de São José; Semana Santa;
Sagrado Coração de Maria; Festas Juninas, Festa de Nossa Senhora da Piedade;
Festa de São Tiago; Festa de Nossa Senhora da Assunção; Festa do Divino Espírito
Santo; Festa de Nossa Senhora da Luz; Festa de Nossa Senhora do Rosário; Festa
de Nossa Senhora de Nazaré; Festival da Mandioca; Festa de Nossa Senhora da
Conceição e Festa de São Tomé. Entretanto, podemos evidenciar duas festas mais
importantes para essa comunidade: a Festa de São Tiago, que ocorre no mês de
49
julho, e a Festa de Nossa Senhora da Piedade, que acontece no mês de agosto na
comunidade do Ajudante.
Percebemos assim a importância das festas religiosas no contexto social,
econômico e cultural dos moradores de Mazagão, pois segundo dados do IBGE
(2010), a religião católica apostólica romana é predominante no município, pois
12.524 pessoas adotam o catolicismo como religião, sendo que 3.756 de religiões
evangélicas e apenas 20 pessoas de religião espírita.
O acesso à comunidade de Mazagão Velho é demarcado pela travessia do rio
Vila Nova, pois como parte da Amazônia, segundo Loureiro (2011), o rio está
presente em tudo não somente nas travessias das pessoas, mas também como um
elemento simbólico e cultural. “É sempre visto como caminho, quer dizer, lugar por
onde as pessoas, de certa maneira, andam (...) o rio é a rua.” (LOUREIRO, 2011, p.
126). Para chegar ao destino, é preciso atravessar de balsa com capacidade de seis
veículos pequenos, que dá acesso ao município de Mazagão Novo e em seguida
percorrer um longo caminho pela AP 010, até a chegada em Mazagão Velho.
Existe a construção de uma ponte sobre o rio Vila Nova, iniciada em
dezembro de 2013, que ligará os municípios de Santana e Mazagão, na rodovia AP
010. De acordo com a Secretaria de Estado de Transporte (SETRAP), atualmente, a
obra está em execução de terraplanagem em ambas as margens do rio. A
pavimentação e a sinalização ficarão, segundo o governo, prontas até dezembro de
2016. Enquanto isso, o percurso até o município de Mazagão continua sendo
através das balsas e de pequenas embarcações.
A estrada é marcada por muitas curvas sinuosas ainda em construção, com
seu asfalto novo e com uma paisagem tipicamente amazônica convidativa para um
olhar investigativo sobre o lugar. Atravessando ainda três pontes (uma de madeira e
duas de concreto) sobre o rio Vila Nova, o caminho ainda atravessa as comunidades
do Carvão, São Tomé e do Ajudante e igarapés como Tambaqui, Pedreira e
Ajudante.
Após trinta quilômetros de Mazagão Novo (distrito sede), chega-se à
comunidade de Mazagão Velho, atravessando um portal de entrada nele escrito, no
período da festa: “Bem vindo a Mazagão Velho, terra de São Tiago”.
A população, cerca de quinhentos habitantes que moram na cidade à margem
do rio Mazagão (antigo Mutuacá), vive de forma tranquila e muito sossegada. A
pequena cidade histórica tem “ar de interior”, principalmente no período chuvoso,
50
onde não se vê quase as pessoas nas ruas e nas passarelas feitas de
paralelepípedos, o que nos remete a um tempo passado; ou até mesmo por algumas
casas que resistem com seu estilo colonial, nos reportando a uma certa nostalgia.
A maioria dos moradores da cidade, cerca de 48,62% (IBGE,2010) da
população, é de funcionários públicos, alguns trabalham em Mazagão Novo e outros
em Macapá, (a capital), em vários setores e tipos de serviços: administrativos, da
saúde, da educação, do legislativo e outras áreas. Considerando que mesmo após
sua emancipação política, o progresso de urbanização no município é pequeno, não
existindo sinais de mudanças ao longo dos tempos, um exemplo disso é a
inexistência de agências bancárias, supermercados e outros serviços públicos.
Outros munícipes enfrentam e tentam driblar o desemprego, buscando novas
formas de incrementar suas rendas com pequenas vendas em um comércio não
desenvolvido, através da produção de pequenos produtos alimentícios, criação de
animais de pequeno porte ou por meio de benefícios do Governo Federal.
Nas áreas rurais, em média, 51, 38% dos moradores (IBGE, 2010), destacam-
se pela criação de gado bovino, bubalino, suíno, caprino e eqüino; avicultura e
pesca. São relevantes também as culturas de feijão, milho, batata-doce, banana,
arroz, café, cana-de-açúcar, cacau, côco-da-baía, laranja, fumo, abacaxi, mandioca
e pimenta do reino. No setor extrativista, são importantes a cultura de castanha-do-
Pará, a extração de madeira para a fabricação do carvão e de móveis e, ainda, a
extração do látex da seringueira.
Em relação ao setor primário, está representada pela criação de gado bovino,
bubalino, suíno, caprino e equino e avicultura. São relevantes também as culturas de
feijão, milho, batata doce, banana, arroz , café, cana-de-açúcar, côco-da-baía,
laranja, fumo, abacaxi, acerola, mandioca e pimenta do reino.
Quanto ao setor secundário, a extração e fabricação de palmitos de açaí,
algumas serrarias e as fábricas de tijolos também merecem registro. Mas o
município de Mazagão possui outras riquezas: ferro, ouro, cromita, cassiterita,
diamante e columbita. A borracha-do-Brasil, as sementes oleaginosas, a madeira de
lei e os animais silvestres fazem o diferencial do lugar.
Em relação às aguas, o município se destaca por sua riqueza hidrográfica,
cercada de rios como Rio Vila Nova, Rio Preto, Maracapucu, Cajari e mais de vinte
igarapés dando destaque ao Tambaqui, Pedreira e Ajudante. A pesca é uma das
51
principais atividades econômicas, sendo a pesca do tucunaré e do pirarucu bastante
praticada.
Em relação à mata, em Mazagão Velho, o principal produto extraído é o açaí,
que serve tanto para comercializar dentro e até mesmo fora do município, como
também para saciar a fome dos ribeirinhos. Na colheita do fruto amazônico, muitos
pais levam seus filhos para ajudá-los, tanto para apanhar como para debulhar o
produto. Muitas crianças fazem essa atividade sozinhas, sem o auxílio dos adultos.
O açaí é um produto consumido todos os dias pelos moradores da região,
sendo consumido, de preferência, com farinha de mandioca acompanhada por um
bom peixe, camarão ou charque frito. Podemos afirmar que o açaí é um elemento
simbólico da cultura amazônica, faz parte do cardápio nortista, principalmente nas
regiões ribeirinhas, é um símbolo de identidade cultural, presente na mesa da
maioria da população que vive na região norte.
Dessa maneira, consideramos a comunidade de Mazagão Velho no Estado
do Amapá como lócus do estudo desta pesquisa e como demarcação de um espaço
dentro da comunidade, o qual tive maior possibilidade de acesso e de convivência
com os intérpretes da pesquisa, no espaço da Associação do Grupo Infantil “Raízes
do Marabaixo”, onde todos os finais de semana as crianças se concentram para
participar de eventos promovidos para elas como oficinas de percussão, ensaios
para o Marabaixo, confecção de instrumentos musicais, reuniões sobre as festas,
oficinas de máscaras e outras atividades.
Pois, segundo Rodrigues et. al. (2008), a cultura popular amazônica refere-se:
A história do lugar está diretamente ligada à prática social cotidiana, que são repassados de geração à geração, estando imbricados na cultura destes atores e grupos sociais. Por isso, cada vez mais o lugar vai tomando características peculiares e, mais do que isso, reproduz-se em uma dimensão individual, tendo o sentido que cada sujeito, através de suas relações, dá a ele. (RODRIGUES, 2008, p.31).
Portanto, ao chegar ao município de Mazagão Velho, pude perceber o valor
histórico, social, cultural, político e religioso que a Festa de São Tiago representa
para essa comunidade, pois motivada pela sua fé e pelo respeito às suas tradições e
memórias que buscam através da realização desse espetáculo religioso
impregnado por saberes e práticas sociais, registrar sua história de luta, cultura e de
devoção que resiste ao tempo e ao espaço.
52
SEÇÃO III
MAZAGÃO VELHO – A CIDADE FLUTUANTE: DE MARROCOS A MACAPÁ
Porque é uma história viva de nossos antepassados. (JAMERSON, 11 anos de idade)
Foto 03 Batalha entre mouros e cristãos
Fonte: Acervo do Pesquisador/2016.
53
Nesta seção, apresento a história de Mazagão Velho, marcada por narrativas
orais contadas por seus moradores e historiadores, resíduos de uma memória que
resiste ao tempo e no espaço por meio de suas práticas religiosas e culturais, se
reconstruindo em uma multiplicidade de versões e acontecimentos.
Entender uma comunidade passa, necessariamente, pelas manifestações
culturais que ela apresenta, mesmo que esse entendimento seja apenas parcial,
visto que a visão da totalidade é impossível. (ALMEIDA, 2011). Nesse sentido,
contar ou recontar a trajetória histórica ou imaginária de Mazagão Velho no Estado
do Amapá, região compreendida como Baixo Amazonas, torna-se uma tarefa
provocadora e, ao mesmo tempo, o estudo aqui representa um desafio – em poucas
e esmiuçadas linhas – trazer à tona uma parte dessa história não factual ocultada
nos livros escolares. Por muito tempo sem registros escritos, mas permanecendo na
memória e nas manifestações culturais e religiosas do povo mazaganense.
Na visão de Zumthor :
O uso que se faz da memória, neste ou aquele contexto social ou tecnológico, o gênero de funcionamento que nesse caso o caracteriza, a ideia que disso formam os indivíduos, determinam em grande parte o tipo de cultura em questão. Mas esses fatores não modificam nada, nem no objetivo último da energia memorial, nem no papel fundamental que ela assume em nosso proveito. (ZUMTHOR, 1997, p.14).
Assim, sabemos que não é possível recriar o passado, a memória para
entender Mazagão Velho, sendo apenas possível perceber o que o passado foi
capaz de deixar nos arquivos mnemônicos daqueles que habitam Mazagão Velho.
(ALMEIDA, 2011, p.30). Sendo assim, ainda na perspectiva desse autor, a memória
oral e a memória cultural é que garantem a preservação e a eternização das
manifestações ocorridas em Mazagão Velho e a disjunção da política de memória
oficial e o imaginário popular. (ibid. p. 46).
A história do lugar marca um capítulo pouco explorado e conhecido do Brasil
Colônia, quando uma colônia portuguesa, localizada na África, mais precisamente
no Marrocos, foi desativada e transferida para a Amazônia brasileira. Os primeiros
habitantes, aproximadamente 160 famílias, chegaram na região, após uma longa
jornada de navio e aportarem alguns dias em Belém. A Vila de Nova Mazagão, hoje
Mazagão Velho, que fica aproximadamente 70 km da capital Macapá, foi fundada
em 23 de janeiro de 1770, pelo Rei de Portugal, D. José I.
54
De acordo com a análise de Vidal:
Em 11 de março de 1769, na baia de Mazagão, uma cidade inteira se prepara para bater em retirada. Não se trata simplesmente de um exército que deixa o campo de batalha, mas de uma cidade que abandona seu espaço vital, uma sociedade urbana que se separa de seu invólucro de pedra. O exemplo é suficientemente raro para despertar nosso maior interesse, quatorze embarcações foram enviadas de Lisboa para esse fim impressionante: organizar uma retirada urbana. Uma cidade sem muralhas, provisoriamente distribuídas em 14 bairros flutuantes, faz vela rumo à Lisboa. (VIDAL, 2008, p.51).
Para o império português, o Brasil é, naquele momento, o espaço estratégico
para a transferência da cidade de Mazagão. Depois de Minas Gerais, região
cobiçada pela abundante exploração de minérios, como o ouro e o diamante, a
coroa portuguesa recruta a população de novos colonos10 para regiões de fronteira
como a Amazônia. Assim, o translado cria expectativas e ansiedades no povo que
vai trazer na bagagem memórias culturais para uma reconstrução identitária.
O destino dos mazaganenses foi fixado antes mesmo da chegada ao Tejo11,
em carta datada de 16 de março, Francisco Xavier de Mendonça Furtado previne o
governador do estado do Grão-Pará e Maranhão, seu sobrinho, Fernando da Costa
de Ataíde e Teive, da resolução régia de transportar essa população para Belém,
capital do estado. (VIDAL, 2008, p.53).
O historiador Vidal cita trechos da carta12:
Devendo aproveitar se todas estas famílias e fazelos: Resolveo Sua Majestade que fossem transportadas para esse continente e mandar expedir este avizo a V. Senhoria ao fim de fazer todas as disposiçoens que julgar precisas para ahi receber duas mil, até duas mil e duzentas pessoas, a cujo deve V. Exca ter prevenido mantimentos, e os cômodos necessários. Com essas famílias ordena El Rey Nosso Senhor que se estabeleça huma nova povoação na costa septentrional das Amazônas para darem as maons com o Macapá e com Villa Vistoza. (VIDAL, 2008, p.54).
Uma área às margens do rio Mutuacá, hoje no Estado do Amapá, no ano de
1770, foi escolhida para receber uma população da então possessão portuguesa de
Mazagão, em Marrocos, abandonada por ordem do Marquês de Pombal. Segundo
10
Para a administração pombalina, o novo colono deve ser um colonus, no sentido romano do termo, ou seja ao mesmo tempo um agricultor, que participa da valorização do território em caso de ameaça interna (os índios) ou externa (os europeus). (VIDAL, 2008, p.62). 11
Depois de 11 dias de travessia, a cidade flutuante entra no Tejo. Os barcos são amarrados ao cais de Belém. Situada à margem direita do Tejo, a cinco quilômetros de Lisboa. (VIDAL,2008). 12
Citação do original pelo autor.
55
os registros históricos cerca de 340 famílias13, alguns vindos como escravos
chegaram à cidade de Belém (PA), em 1770, e, em 1773, foram para o sul de
Macapá e fundaram a Nova Mazagão, hoje Mazagão Velho. O povoado serviu de
apoio militar à Vila de Macapá, que surgiu ao redor da Fortaleza de São José de
Macapá e a Vila Vistosa de Madre de Deus.
O historiador francês Vidal descreve essa trajetória:
Observamos aqui que, em três anos e meio (entre julho de 1773 e janeiro de 1777), cerca de mil mazaganenses deixam Belém e vão para Vila Nova de Mazagão, a qual, por sua vez, tem crescimento de mais de 1.200 pessoas. Mas o principal testemunho dado por esses censos é a ampliação do tempo de espera para a maioria das famílias: em 1775, mais de cinco anos depois de sua chegada, 146 ainda esperam para serem transferidas; em 1777, 68 famílias continuam aguardando. (VIDAL, 2008, p.124).
Nessa trajetória histórica, a cidade de Mazagão divide-se em três momentos
de temporalidades: a cidade da memória (a praça-forte marroquina), a cidade vivida
(Belém) a cidade de oportunidades abertas e a cidade do futuro (a Nova Mazagão)
ainda em construção pelos indígenas e soldados da região.
A fundação da Nova Mazagão surge assim como um processo complexo, cujo
conjunto de implicações precisa tentar medir, retirando uma a uma as camadas com
quem se enfeita a cidade remanescente. (VIDAL, 2008, p.138).
A Vila conhecida hoje pelo seu calendário anual festivo, tanto tradicional e
religioso através de festas religiosas como a de Nossa Senhora da Piedade, a Festa
do Ciclo do Marabaixo14 sendo a maior delas, a Festa de São Tiago realizada há 239
anos, misturando cavalhada, sincretismo religioso e teatro no período de 16 a 28 de
julho.
13
Esse modo de classificação logra, de algum modo, neutralizar o espaço social: nada permite distinguir o estatuto dessa ou daquela família, nem os vínculos que elas podem ter umas com as outras. Não há tamanho demográfico fixo para esse grupo, que pode aumentar indefinidamente pela simples adição de famílias suplementares. (VIDAL, 2008, p.59). 14
Dança típica do Estado do Amapá traída pelos negros da África no período da construção da Fortaleza de São José de Macapá.
56
Foto 04 Imagem de São Tiago.
Fonte: Acervo do pesquisador/2016.
Sendo assim, a Festa de São Tiago apresenta em seu contexto religioso e
cultural aspectos presentes em relação a outros rituais e ritos espalhados pelo
Brasil, em que se muda de acordo com a regionalidade, a cultura e as influências
colonizadoras. Podemos citar as cavalhadas que acontecem em Goiás, a festa do
Divino de Parati, no estado do Rio de Janeiro, a Folia dos Santos Reis em Caldas,
cidade de Minas Gerais. Porém, segundo os historiadores e os relatos dos
moradores, a festa de São Tiago foi trazida pelos primeiros habitantes vindos da
antiga Mazagão em Portugal, sendo mantida através do tempo e do espaço por um
processo de narrativas orais muito presentes nesses ritos e festas populares.
Essa semelhança entre os ritos religiosos é descrita por Brandão:
Mais curioso é o que ocorre com as cavalhadas (...). No Centro-Sul do país, elas são jogadas de tal modo que, primeiro, os 24 cavaleiros, divididos em dois lados de guerreiros rivais – cristãos e mouros, quase sempre -, lutam uma guerra de várias batalhas, que são as “carreiras” do rito, até quando os mouros, vencidos, são convertidos e incorporados ao lado dos vencedores, os cristãos. (...) simplificadas, as cavalhadas no Nordeste fazem apenas a parte do jogo, e ele é toda a sua festa. (BRANDÃO, 2010, p.23).
3.1 MEMÓRIAS E IDENTIDADE DE UM POVO: A FESTA DE SÃO TIAGO.
Mazagão Velho, no sul do Estado do Amapá, guarda uma parte da história da
colonização brasileira pouco conhecida: uma cidade foi “transplantada” do
continente africano para a Amazônia.
57
A cidade foi, entre o início do século XV e meados do século XVIII, uma
região que pertencia aos portugueses em Marrocos, situada no norte da África,
tendo dado origem à atual cidade de El Jadida, situada a 90 km a sudoeste de
Casablanca. O nome provavelmente provém de uma expressão em língua árabe
que significa “águas quentes”.
O mapa abaixo mostra exatamente onde se localiza a primeira Mazagão em
Marrocos.
Mapa 02 – Localização geográfica da região de El Jadida
Fonte: Wikipédia – 2017
Por volta de 1769, cerca de 340 famílias15 – aproximadamente 1.200 pessoas
entre brancos e seus escravos - vieram do Marrocos numa longa jornada de barco,
descendo rio acima, até chegarem às margens do rio Mutuacá, (antes navegável) na
região sul do Amapá, depois de uma breve passagem por Belém do Pará. A
imigração forçada se deu pela guerra entre mouros e cristãos, durante a implantação
do cristianismo português no continente africano.
A transferência dessas famílias para a Amazônia foi uma verdadeira odisseia
devido ao abandono por parte do rei. Medo e sofrimentos como dores físicas e
psicológicas em todos os sentidos, a cidade está vazia e as péssimas condições que
enfrentaram os mazaganenzes desde a saída para Lisboa, até a chegada ao Novo
Mundo. Dessa forma, a encenação foi uma maneira de manter viva a tradição dos
ancestrais que ficaram do outro lado do Oceano Atlântico e que também cultivavam
15
Esse modo de classificação logra, de algum modo, neutralizar o espaço social: nada permite distinguir o estatuto dessa ou daquela família, nem os vínculos que elas podem ter umas com as outras. Não há tamanho demográfico fixo para esse grupo, que pode aumentar indefinidamente pela simples adição de famílias suplementares (VIDAL, 2008, p.59).
58
a devoção ao guerreiro Tiago em países como Portugal, Marrocos e Mauritânia,
reproduzindo através de um palco a céu aberto a representação de batalhas
ocorridas no século XVII.
Foto 05 O rio Mutuacá em frente à Igreja Matriz.
Fonte: Acervo do pesquisador/2016
Na foto 03, percebe-se o rio Mutuacá na atualidade nos dias de festejos na
comunidade de Mazagão Velho, tomado por pequenas embarcações utilizadas pelos
ribeirinhos da região que descem para participar das homenagens ao padroeiro do
município.
Nas palavras de Almeida:
(...) Mazagão do Marrocos resistiu à soberania dos mouros à custa de grande esforço e investimento da Coroa portuguesa, para servir aos navegadores que faziam a rota do Cabo. A prova de sua inexpugnabilidade foi a resistência a um forte cerco dos mouros em mil quinhentos e sessenta e dois. Em mil setecentos e sessenta e nove, o Marques de Pombal, estrategista durante o reinado de D. José, decidiu que toda a cidade seria transferida para a Amazônia, no Brasil, outra região sob o controle português que necessitava de garantia de soberania. Assim, a fortificação foi abandonada e destruída, tendo os seus habitantes partido para o Brasil, onde fundaram a Vila de Mazagão Novo. (ALMEIDA, 2011, p.44).
59
3.1.1. A Festa
Amigos cheguem aqui Quero mostrar pra vocês Esse é Mazagão Velho E tem festa todo mês (...) Tem batuque e tem batalha Tem festa o mês inteiro (...) (DUARTE, Manoel, s/d)
A Festa de São Tiago foi criada pelos colonos lusos, estabelecidos em
Mazagão Velho, tendo como objetivo principal homenagear o misterioso soldado
anônimo, São Tiago, que aparecia durante as batalhas no continente africano, em
companhia de São Jorge lutando ao lado dos cristãos contra os mouros e
favorecendo assim, a vitória dos seguidores de Jesus Cristo.
Desde a conquista das terras africanas, os lusitanos, fervorosos católicos,
tentaram converter os mulçumanos ao cristianismo e aceitar a fé em Cristo e o
batismo de sua religião. Fato esse que despertou o descontentamento nos
seguidores de Maomé, que declararam guerra aos cristãos, sendo estes liderados
por Jorge e Tiago.
Conta a história que as batalhas duraram muitos dias, com grande vantagem
para os lusitanos, que resistiram heroicamente aos ataques dos mouros, chefiados
pelo Rei Caldeira. Tudo isso é contado e protagonizado pelos habitantes de
Mazagão Velho, culminando com a vitória dos cristãos sobre os mouros, em um
teatro acompanhado pelas procissões, romarias, novenas e missas em homenagem
aos santos padroeiros São Jorge e São Tiago.
A primeira festa ocorreu em 177716, desde então, ela se mantém numa
periodicidade anual. Pode-se observar na foto abaixo, a representação da batalha
entre mouros e cristãos, realizada na Festa de São Tiago, em julho de 2016.
16
Se a data é 1777 é fácil de confirmar – constatamos a realização de uma festa em honra da rainha, na qual se organizou uma batalha naval entre cristãos e mouros, nada autoriza afirmar que esta festa foi reproduzida no ano seguinte. Tudo leva a crer, por sua vez que essa festa só ressurgiu depois da criação de Mazaganopólis em 1915. (VIDAL, 2008, p.272).
60
Foto 06 Representação da batalha
Fonte: Acervo do pesquisador/2016.
Essa festa também tem lugar especial em um calendário festivo. Em Mazagão
Velho, ela tem um papel social essencial: faz parte do cotidiano dos moradores.
Sendo que os rituais e a história da festividade passam de geração à geração
através de um processo de oralidade, presente mesmo nos dias atuais. Como afirma
Tedesco e Rosseto:
Não é demais lembrar que uma função essencial da memória é conservar, através das lembranças e dos esquecimentos, o passado do indivíduo da forma mais apropriada e mais fiel. Ao conservar certas informações na memória, guarda-se também um conjunto de funções psíquicas através das quais conservamos e atualizamos informações passadas. (TEDESCO E ROSSETO, 2007, p.25).
A Festa, como a maioria das manifestações populares no Brasil, é composta
por um lado religioso presente nas procissões, novenas e nas encenações teatrais
sobre a guerra entre mouros e cristãos e por outro lado, o profano também se faz
presente nos bailes, nas beberagens, nas músicas techno, no brega, nas músicas
religiosas, sendo que o sagrado e o profano se misturam formando muitas vezes
um único elo presente nas mais variadas manifestações pagãs e cristãs.
Na visão de Duvignaud:
A festa foi incorporada ao sagrado e, daí, às regulamentações coletivas. Ninguém reparou que o conhecimento da vida social implicava o conhecimento do não-social e do anti-social. A festa é tudo isto, quer utilizando provisoriamente os signos coletivos ou as classificações consagradas e, aproximando-se das cerimonias rituais, quer colocando-se, de passagem, ao serviço de um poder, quer atingindo o transe, o êxtase,
61
quer tornando-se a festa privada dos corpos e das volúpias. ( DUVIGNAUD, 1983,p.69).
Tedesco e Rosseto (200, p.24) afirmam que nos primeiros tempos da Colônia,
a festa religiosa reconciliava as relações dos homens, suas atividades, suas vidas
pessoais, os problemas do cotidiano com o sobrenatural, com o sagrado e a tradição
comunitária, mas, acima de tudo, com os aspectos religiosos.
Nesse contexto, a partir da origem das festas religiosas ainda no Brasil
Colonial, percebemos a influência desse tipo de manifestação por parte da Igreja
para inculcar nos índios e colonos a ideologia cristã através de instrumentos como
procissões, ladainhas, rezas, teatros a céu aberto, confirmando a mesclagem entre
as festas profanas e religiosas, perdurando nos séculos subsequentes o calendário
de festas religiosas pelo país no intuito de preservar nas populações a aliança entre
o Estado e a Igreja.
Assim, a mesma festa criava brechas de resistências, transculturalidades e
utopias. Sendo ela, espaço de múltiplos olhares, de tantas leituras e de tantas
funções políticas e religiosas, a festa, e seu carregado calendário festivo,
transformou-se desde o Período Colonial, na ponte simbólica entre o mundo profano
e o mundo sagrado. (DEL PRIORI, 1994).
Para Caillois (1990), a festa é uma manifestação do “mana” e corresponde à
“categoria do sagrado”, que se opõe aos suores e incertezas da “vida profana”.
Caillois faz da festa uma manifestação social, um modo de expressão da substância
coletiva integrando a vida ardente do não-social à vida comum.
As festas, neste sentido contribuem para amenizar, alegrar ou transformar o
cotidiano penoso e laboroso das pessoas de determinados grupos explorados
historicamente e socialmente, mas, por outro lado, as festas são formas de
demonstrar a solidariedade, a organização comunitária, a difusão de saberes e de
experiências e o principal elemento: a demonstração da fé depositada em seus
santos protetores e padroeiros.
A Festa de São Tiago apresenta a mesma estrutura, logo o mesmo
significado religioso e festivo, a mesma solenidade e o mesmo simbolismo. Isso
equivale afirmar que, mesmo invadida por turistas e da presença de forças
inovadoras, a festa não perdeu, ou perde pouco, de sua antiga qualidade e de seus
aspectos mais tradicionais.
62
Esta festa é organizada pela Associação Cultural da Festa de São Tiago
(ACFST), em parceria com a Diocese de Macapá, tendo apoio da Prefeitura
Municipal de Mazagão e do Governo do Estado do Amapá, sendo este um dos
principais patrocinadores do evento. As festividades são marcadas, inicialmente,
pela celebração da novena, como uma preparação espiritual para a festa,
coordenada sempre por pessoas importantes da comunidade e organizada por
grupos ligados à igreja Católica. A festa anualmente acontece seguindo os rituais
descritos a seguir.
3.1.2 A primeira procissão: o início da festa
A procissão em homenagem a São Tiago inicia a programação com dois
rapazes vestidos de túnicas brancas, os quais entram a cavalo na capela do lugar
(fundada em 1935), para buscar as imagens de São Tiago e de São Jorge. Sendo
que as famílias dos jovens protagonistas pagam a promessa à comissão de
organização17 da festa, para que assim os dois possam encarnar as figuras desses
dois santos.
O cortejo e a procissão se formam cercados por crianças que levam
luminárias azuis, verdes e vermelhas, pulam, gritam e manifestam em alto e bom
som a felicidade de ali estar. O intérprete José Caio (de 10 anos de idade)
complementa essa descrição dizendo: “é um sentimento de muita felicidade de estar
participando da festa”.
Os cavaleiros vestidos de branco e vermelho tomam seus lugares. Para
Tinhorão (2000), no Brasil, esse deslocamento da teatralização ritual dos episódios
da história sagrada, das igrejas para as ruas, podia ser comprovado já no primeiro
século da colonização.
Os preparativos para a Festa de São Tiago consomem algumas semanas e
essa preparação envolve todos os moradores, os quais são os protagonistas da
festa.
Podemos conceituar as festas, segundo Duvignaud (1983, p. 31), como um
ato surpreendente, imprevisível, que se declara tanto durante as cerimônias rituais
com as quais não se confunde, quanto ao longo de toda manifestação pública. As
17
Essa comissão funciona como uma associação e reúne cerca de cinquenta membros efetivos que participam diretamente da organização da festa, negociam com os poderes públicos (município e estado) dividem as diversas tarefas: preparação dos figurinos, das máscaras, dos bailes... (VIDAL, 2008, p.271).
63
festas podem celebrar a vida, o nascimento, podem homenagear aos deuses e
santos, mas também, às vezes, são sombrias, tristes ou até mesmo se apresentam
de forma erotizada, buscando muitas vezes o êxtase, o delírio, o trágico.
A Festa é um acontecimento que reúne vários rituais que prestam
homenagem coletiva a um santo padroeiro, sendo assim uma efetivação
propiciadora de relações simbólicas, através de ritos como as alvoradas, procissões,
círios, tornando-se uma sucessão de momentos historicizados.
Durante a festa, a figura de São Tiago é a principal protagonista como
elemento simbólico e de grande veneração, pois é sob a invocação de São Tiago
que os soldados ibéricos saíam em combate contra os infiéis, sendo que o
personagem de São Jorge aparece como elemento presente nos rituais de cavalaria,
levando sempre com ele o estandarte dos cruzados, (uma cruz vermelha em um
fundo branco). Como aparecem representados na foto (05).
Foto 07 Personagens de São Jorge e São Tiago
. Fonte: Penha/2015.
3.1.3 A alvorada e o Vominê
O primeiro dia de festa é marcado pela alvorada festiva. Ela se inicia por volta
das três horas da manhã, com muitos fogos de artifício, para anunciar a comunidade
o início das festividades. O arauto carregando a imagem de São Tiago e precedido
pelos tambores percorre as ruas da vila, anunciando aos participantes o início das
festividades e indo despertar todos os que representarão os personagens. A
64
primeira casa visitada é a dos jovens que representarão São Tiago e São Jorge. Os
tambores entram casa a dentro, sem parar de tocar, cantar e de dançar. “Vomi nê !
Vomi nê! Ê! Ê!. Os homens formam um círculo e saltitam de um lado para o outro:
Vomi nê! Vomi nê! Ê! Ê!. Esse Vomi nê dura vários minutos18.”
Na dança do Vominê, conforme a tradição local, São Tiago e São Jorge
devem participar dos cantos e danças, para desta forma se integrarem ao grupo.
Enquanto dançam e cantam os participantes da dança e as pessoas que
acompanham, saboreiam comidas e bebidas preparadas pelos donos da casa.
Depois os tambores voltam a bater, levando o cortejo em direção a outra casa, até
concluírem a casa do último personagem.
Nas palavras de José Caio (10 anos de idade), essa tradição representa um
momento significativo, de muita devoção, de respeito, mas também de puro
divertimento, pois “brincamos, dançamos e pulamos o Vominê.” E Guilherme (13
anos de idade) acrescenta ainda que: “ dançamos o Vominê durante a programação
da festa.”
Na foto abaixo, pode-se observar a dança do Vominê sendo realizada durante
a programação da Festa de São Tiago das crianças em Mazagão Velho como parte
do ritual.
Foto 08 Crianças dançando o Vominê.
Fonte: Acervo do pesquisador/2016.
18
O termo “vomi nê” viria da contração da expressão “vamos nele”. (PENHA, 2016, p.17).
65
Após a inserção de todos os participantes da festa, os quais são chamados a
participar após a dança do Vominê, a procissão tem início, para em seguida ser
celebrada a missa em louvor aos santos homenageados.
De acordo com o enredo histórico, os mouros eram liderados pelo Rei
Caldeira e queriam conquistar Mazagão, e a guerra se estendia com vantagens para
os portugueses. Outra parte do ritual da Festa de São Tiago é a “entrega dos
presentes” que, de acordo com a tradição, os mouros, sob a justificativa de trégua,
ofereceram de presente aos cristãos, comida envenenada. Na tradição, a entrega
dos presentes, (pratos com iguarias), são entregues na tarde do dia 24 de julho às
famílias tradicionais. Durante os dias de festa são realizadas alvoradas, com
músicas e fogos.
Os intérpretes José Caio (10 anos de idade) e Cristian (08 anos de idade) ao
serem perguntados sobre os rituais da festa de São Tiago complementam que:
José Caio: temos a batalha, a entrega dos presentes e o Vominê. Cristian: Bom, temos a entrega dos presentes, visita a algumas casas dos festeiros que temos como dançar o Vominê.
3.1.4 O Baile de Máscaras
Segundo contam as narrativas orais, os cristãos, desconfiados da atitude dos
inimigos deram parte da comida aos animais os quais amanheceram mortos. Para
comemorar a suposta vitória pelo extermínio dos soldados cristãos, os mouros
ofereceram um baile de máscaras, no qual os cristãos remanescentes poderiam
passar para o outro lado, sem medo de serem reconhecidos por seus oficiais.
Consta que os cristãos compareceram ao baile, usando máscaras para não serem
reconhecidos por seus superiores. Mascarados, os cristãos distribuíram a comida
envenenada para os mouros. O Rei Caldeira também morreu como resultado de sua
fracassada estratégia, enfraquecendo assim, o exército inimigo.
Essa comemoração é representada na noite de 24 de julho, marcando o fim
do primeiro dia de encenação. É quando populares mascarados e fantasiados se
reúnem no barracão erigido a São Tiago. Com muita música, danças e bebidas, os
“máscaras”, como são chamados os participantes da festa, dançam e se divertem
até o amanhecer.
66
Acerca disso, Caillois (1990, p 40) expõe que através da Mimicry19 se joga
com o corpo, a fantasia, a imaginação, o disfarce, a invenção e a máscara. O uso
das máscaras faz com ele passe a ser parte do corpo do jogador. E o jogo passa a
ser uma grande representação podendo surgir diversos personagens, pois a
máscara revela e desvela, ela não só esconde, mas mostra como somos, como
pensamos. Ela impõe sobre nós ao mesmo tempo em que nos expõe. Com a
máscara, não somos nós, mas podemos ser ao mesmo tempo o outro.
No baile de máscaras, devido a tradição local, somente homens mascarados
é que podem entrar no barracão de São Tiago, o público em geral composto pela
maioria por mulheres e crianças, acompanham tudo, porém do lado de fora.
Foto 09 Baile de Máscaras adulto /2016.
Fonte: Penha/2016.
A senhora Josefa Pereira Lau20, conhecida na comunidade como D. Zezinha,
com mais de 80 anos, apresenta uma explicação para a proibição de mulheres no
Baile das Máscaras. Ela explica que naquela época, quando os oficiais cristãos
cismaram que os mouros prepararam uma cilada com a comida envenenada,
fizeram espalhar a ordem: “não levem esposas e nem filhas! Ao invés disso, vistam-
se com as roupas delas, para eles (os mouros) pensarem que são mulheres”.
19
Mimecry – provêm do latim que significa “mimetismo”. (CARVALHO, 2008). 20
D. Zezinha, natural de Mazagão. In: DIAS, Ronni Frankilin Carvalho. Mazagão Velho: Imagem-Mundo de uma festa, um baile e suas máscaras. (2009).
67
Mas o que se percebe na atualidade é que muitas mudanças já ocorreram em
relação ao Baile de Máscaras, pois a presença de mulheres já pode ser vista, não
somente no barracão, mas também mascaradas. Nessa ruptura secular, a tradição
ainda se impõe, pois considerando que as mulheres não podem dançar no baile, ou
seja, a mulher mesmo mascarada não pode dançar o Vominê, somente os homens.
Segundo o jornalista Penha (2016):
Para o visitante desavisado na tradição pode haver impressão de que o Baile de Máscaras seja um apartheid de gêneros, pois as mulheres não podem dançar, ficando limitada a assistir do lado de fora, mas isso nada mais é do que parte de uma tradição bissecular. Á época as mulheres não iam à guerra. (PENHA, 2016, p.20).
Em relação ao uso das máscaras, uns usam máscaras tradicionais feitas de
papel machê, especialmente confeccionadas pelos próprios moradores para a
ocasião, outros, os mais jovens, utilizam máscaras modernas de plástico ou de
borracha, trazidas da capital Macapá e vendidas na Vila, que imitam personagens ou
filmes de cinema como “o grito”, caveiras e outros personagens famosos. Nesta linha
de discussão, Vidal afirma: “a festa se alimenta de todas as contribuições externas;
o moderno vem reforçar o tradicional, a atualidade vem resgatar a história lendária.”
(VIDAL, 2008, p.263).
Nesse contexto, Duvignaud (1983) argumenta:
Quando dizemos que a festa é uma forma de “transgressão” das normas estabelecidas, referimo-nos ao mecanismo que, com efeito, abala essas normas e, muitas vezes, desagrega-as. (...). A festa importa em distúrbios provindos de fora do sistema, uma descoberta de apelos atuantes sobre o homem por vias externas ao poder das instituições que o conservam dentro de um conjunto estruturado. A transgressão, por ser estranha às normas e regras e, não explicitando a intenção de violá-las, é, por isso, mais forte. O poder do “Ego” se faz conhecer com seu próprio teor de indiferença. (DUVIGNAUD, 1983, p. 223).
O uso de máscaras pode atribuir vários significados, no contexto de cada
cultura, apresentando um papel fundamental nas celebrações sagradas ou profanas,
a exemplo do carnaval. Mas, em uma perspectiva ampla, o uso das máscaras tem
um caráter mais lúdico e representativo tanto para adultos como para as crianças. “A
máscara, objeto sagrado universalmente disseminado e cuja passagem ao estado
de brinquedo talvez assinale uma modificação única na história da civilização
fornece-nos o principal e, sem dúvida, o mais notável”. (CAILLOIS, 1990, p.81).
68
Diante disso, o espetáculo continua: o falecido Rei Caldeira fora substituído
pelo filho Caldeirinha, sagrado líder dos mouros, apesar de ser ainda criança. A
história conta que antes de crescer e começar de fato a comandar os mouros, o Rei
Caldeirinha ordenou que seus soldados roubassem crianças cristãs, que curiosas
foram facilmente capturadas. Depois, do êxito do plano, as crianças foram vendidas
e com o dinheiro os mouros compraram armas e munições, aumentando assim seu
poder bélico.
Durante o espetáculo, as crianças que assistem são apanhadas
simbolicamente pelos mascarados, como parte de uma brincadeira para não
assustá-las, já que os pais podem “resgatá-las” das mãos dos homens fantasiados
com um pedaço de papel, simbolizando a compra que consta na lenda. Ao perguntar
como elas se divertem durante a programação da festa, Cairo (10 anos de idade) e
José Caio (10 anos de idade) responderam que se divertiam participando das
dramatizações na festa, brincando e fugindo dos “mascarados” no momento do
“rapto das crianças.”
3.1.5 A segunda procissão – o Círio
No dia 25 de julho, por volta das oito horas da manhã, as imagens de São
Tiago e São Jorge são tiradas da capela e transportadas em procissão (círio), de
acordo com a foto 06, até a igreja de Nossa Senhora da Assunção. Seguido por uma
multidão de fiéis e abrindo a marcha, os personagens dos santos homenageados
avançam a cavalo, vestidos com seus trajes e adornos: São Tiago com roupa nas
cores verde e branco, com detalhes em dourado e vermelho e São Jorge com um
uniforme amarelo e branco. A ele, cabe a honra de levar o estandarte cristão – um
fundo branco com uma cruz vermelha. Terminada a procissão é realizada uma missa
no átrio da igreja matriz.
A festa deve ser um evento festivo e de comemoração, de agradecimentos e
de gratidão por graças alcançadas e dedicadas ao Santo padroeiro, carregados de
rituais religiosos e que carregam em si uma eficácia simbólica. Assim, as práticas
festivas religiosas devem ser compreendidas como manifestações culturais e
artísticas a partir das experiências e do cotidiano dos sujeitos envolvidos nos rituais
e nas celebrações. E em especial, nos momentos de organização e de realização da
festa em homenagem ao santo padroeiro.
69
Foto 10 Representação de São Tiago durante a procissão.
Fonte: Penha/2016.
3.1.6 A passagem do “Bobo Velho” Após o almoço do Círio, a epopeia continua. O barulho de um galope
interrompe a breve calmaria do vilarejo, é a passagem do Bobo Velho. Trata-se de
um personagem que representa um espião mouro, que tenta infiltrar-se no
acampamento cristão para convencer os convertidos a irem a seu verdadeiro
acampamento. Porém é desmascarado, vaiado, sendo que a população presente o
“apedreja” com bagaços de laranja. Este é um momento de interação com o público,
em que o infiltrado tenta passar três vezes, mas é apedrejado e expulso pelo
público.
Diante disso, estabelecemos uma relação com a teoria de Caillois (1990), ao
afirmar que o Ilinx21 encontra-se nas práticas dos participantes na dança do Vominê
ao som das caixas de Cabanas, as corridas de um lado para o outro, na velocidade
e aceleração dos movimentos durante as batalhas entre os mouros e cristãos, a
corrida com bagaços de laranja atrás do “Bobo Velho”. (Foto 09). Logo, “a
perturbação provocada pela vertigem é procurada como fim em si mesma.”
21
Ilinx – palavra de origem grega que significa “turbilhão de águas”, deriva de “ilingos” que quer dizer “vertigem”. (CALLOIS, 1990, p.45).
70
Foto 11 Passagem do “Bobo Velho”.
Fonte: Acervo do Pesquisador/2016.
3.1.7 A Batalha
À tarde, precisamente às 15 horas, inicia-se a grande batalha, anunciada por
um arauto e com a ajuda de fortes batidas de tambor, sete atos são encenados,
numa espécie de teatro ao ar livre e aberto ao público que acompanha atentamente
o desenrolar das cenas descritas pelos historiadores da cidade22, que se revezam e
através de seus discursos e de uma “sinopse”23 das batalhas, contribuem para um
melhor entendimento das dramatizações feitas pelos moradores, os quais estão
dispostos no palco principal.
Vidal (2008) descreve as sete cenas da batalha:
Um arauto anuncia, com ajuda de fortes batidas de tambor. Um Atalaia cristão se infiltra no campo dos mouros e rouba seu estandarte. Mas é descoberto. Desencadeia-se uma perseguição. Ao se aproximar do acampamento cristão crivado de balas, ele dá o alerta, joga o estandarte para os seus e cai do cavalo. (cena 01).Os soldados mouros o capturam, decapitam e brandem sua cabeça diante das tropas cristãs. (cena 02). Os cristãos decidem se vingar e armam uma emboscada que dizima uma patrulha moura. (cena 03). Soldados mouros mascarados correm e se
22
É um fenômeno social bastante difundido no Brasil. Cada povoação, aldeia ou pequena vila tem “seu” historiador. Trata-se de um homem bastante idoso, cuja função profissional é objeto de um grande respeito. Esses papeis sociais frequentemente são transmitidos de pai para filho. (VIDAL, 2008, p. 226). 23
Uma sinopse da festa, tem um valor de um texto sagrado, porque se considera que elas garantem a coesão da sociedade. Mas ninguém consegue explicar quem redigiu o texto, quem transcreveu sob forma escrita a evolução das batalhas. (VIDAL, 2008, p.271). Sendo que todos os anos se repetem as mesmas sinopses durante a festa.
71
apoderam dos espectadores mais novos, é o rapto das crianças (cena 04) elas são vendidas a uma caravana de nômades. (...) um mensageiro mouro vem propor uma troca aos cristãos: o estandarte mouro pelo corpo decapitado do atalaia cristã (cena 05). A troca é aceita. Os cristãos recuperam o corpo, mas no último instante, recusam-se a devolver o estandarte, os mouros se retiram para preparar o assalto final (cena 06). Eles enviam seus soldados, com os rostos cobertos por uma máscara grotesca. E são expulsos três vezes. Vem em seguida o assalto dos cavaleiros. A galope eles enfrentam os cavaleiros cristãos que vão a seu encalço, espada em punho, seguidos por São Tiago e São Jorge, que cruzam suas espadas. As tropas infiéis vêm enfrentar as tropas cristãs. As trombetas soam então a vitória: “é a vitória dos cristãos; é a vitória do cristianismo”. (VIDAL, 2008, p.266).
Após a representação das sete cenas, O guerreiro São Tiago jurou a Deus
que venceria a guerra, para que a palavra do Senhor fosse obedecida: “Juro pela
cruz da minha espada, que se não vencer esta batalha, serei morto e degolado”, são
as palavras proferidas pelo personagem que representa São Tiago, para dar vida ao
juramento, destacando assim, o herói protagonista desta saga cristã.
Desta forma, percebemos na representação cênica em Mazagão Velho,
subsídios nos estudos de Caillois (1990, p.41) ao enfatizar que o prazer é de ser um
outro ou de fazer passar por outro. No entanto, uma vez que se trata de um jogo, a
questão essencial não é de ludibriar o espectador. A Mimicry é invenção incessante.
A regra do jogo é uma só: para o ator consiste em fascinar o espectador, evitando
que um erro o conduza à recusa da ilusão; para o espectador consiste em prestar-se
à ilusão sem recusar a priori o cenário, a máscara e o artifício em que convidam a
acreditar, durante um dado tempo, como um real mais real do que o real.
Após o término da encenação de número sete têm início a última procissão,
(o recírio), em que toda a comunidade é convidada a retornar à capela do lugar. Os
santos protagonistas: São Tiago e São Jorge entram na igreja de Nossa Senhora da
Assunção a cavalo e apoderam-se das imagens, acompanhados pelos soldados
mouros e com suas máscaras levantadas, todos se dirigem à capela, quando as
imagens são transladadas. Após a missa, é organizado um baile e todos dançam o
Vominê, simbolizando a vitória alcançada pelos cristãos. Assim encerra-se a Festa
de São Tiago.
Almeida (2011) descreve as cenas que compõe a batalha final:
A batalha recomeçou com essa atitude. Ao anoitecer, os cristãos pediram a Deus que prolongasse o dia afim de que pudessem vencer tão desesperada luta. Assim, parecia que o dia estava se prolongando e os cristãos foram vencendo as batalhas que se sucederam até que o jovem rei foi aprisionado, enquanto seus soldados fugiam. Mortos muitos infiéis mouros,
72
os cristãos rejubilaram-se pela vitória agradecendo a Deus. Em passeata, levaram o rei mouro vencido. (ALMEIDA, 2011, p.77).
Neste sentido, retomo as palavras de Brandão (2010) para enfatizar que:
Melhor, portanto, procurar saber o que a festa faz, não seria compreender o que ela diz? Dito de outro modo; as pessoas fazem a festa porque ela responde a alguma necessidade individual ou coletiva, ou cumpre alguma função social que a torna, por outros caminhos necessária? Ou as pessoas vivem a festa porque ela é um entre outros elementos simbólicos através dos quais os significados da vida social são ditos com dança e canto, mito e memória, entre seus praticantes? (BRANDÃO, 2010, p.24).
Diante disso, abordar a festa religiosa como um lugar de memória, como um
lugar do simbólico e do imaginário, rememorando o passado, a história e o cotidiano
desses sujeitos – atores é notório lembrar que a origem dessas celebrações e
festejos encontra-se em um movimento de resistência e de diásporas24 sofridas por
esses povos de origem afro-descendentes.
Assim, é importante salientar a presença e a herança africana nas festas
religiosas, sendo a memória o espaço de construção desse processo, como algo
dinâmico, um esforço de significação e de reinterpretação de um passado que para
os descentes desses povos, não tão distante assim.
A historiografia sobre a negritude no Brasil permite localizar uma série de
injunções sociais que possibilitam entender o sistema escravista marcado por formas
de resistência e dominação.
Acerca disso, buscamos reafirmar que as celebrações e as festividades são
momentos em que os grupos humanos marcam na consciência dos sujeitos, as
dimensões da localidade, de pertencimento, da construção dos espaços para trocas
simbólicas dentre outras experiências e possibilidades que esses momentos
favorecem aos grupos neles envolvidos.
3.2 A FESTA DAS CRIANÇAS
Muita emoção, alegria e honra em fazer parte dessa festa.
(FLÁVIO, 11 anos de idade)
No decorrer da festa, a presença de crianças e adolescentes é uma constante
nas celebrações em homenagem a São Tiago e São Jorge. Elas ocupam o espaço
não apenas como espectadoras, mas também como protagonistas. E estão
24
Dispersão dos povos por razões políticas e religiosas.
73
presentes em todos os momentos e rituais da festa. Essa presença de herança
jesuítica, que vestia os órfãos portugueses de anjinhos e os punha “a tanger”
instrumentos em procissão “sertão adentro” a fim de atrair os “indiosicos” para a
seara celestial. (DEL PRIORI, 1994, p.73).
A origem da Festa de São Tiago das crianças é relatada pelos historiadores
da seguinte forma: no dia 25 de julho, dia de São Tiago há 200 anos, no momento
da passagem do círio, um senhor por nome de Domingos, veio à frente de sua casa
e fez uma promessa a São Tiago, pois seu filho pequeno estava com a saúde
fragilizada, sem esperança de vida e fez seu pedido, caso a criança recuperasse a
saúde, no ano seguinte ele faria a festa de São Tiago das crianças. E para surpresa
de todos o menino recuperou a saúde e foi curado, então a promessa foi cumprida.
Depois do dia 25 de julho, quando encerra a Festa de São Tiago feita pelos
adultos, repetem-se as encenações e os rituais, tendo agora como protagonistas as
crianças, vestidas, também elas, de vermelho e branco conforme representam
mouros ou cristãos. Durante os dias 27 e 28 de julho, respectivamente, elas também
encenam vários atos como a entrega dos presentes, participam do baile de
máscaras infantil e encenam a batalha entre mouros e cristãos, “montadas” em
cavalinhos enfeitados com papel de seda e feitos de buriti25.
Questionados sobre a preferência de encenar as figuras de mouro ou de
cristão os intérpretes Guilherme (13 anos) e Mauro Diogo (12 anos) complementam
afirmando que: “preferem ir de cristão para não serem perseguidos pelo rei dos
mouros, pois ele durante o combate é muito violento.”
É realizada a alvorada festiva e a dança do Vominê, enfim, as crianças
constroem exatamente o desenvolvimento da cerimônia com a mesma cenografia,
tudo o que os adultos fazem. A “Festa de São Tiago das crianças” também tem
direito aos personagens de São Tiago, São Jorge, o Atalaia e os uniformes brancos
e vermelhos dos mouros e cristãos. Os rituais vivenciados pelas crianças nos leva a
refletir sobre o pensamento de Zumthor (1997, p.13), ao dizer que a memória
implica em um saber coletivo, ligado à preservação de laços sociais atualizados
através de rituais para assegurar as tradições, sobretudo às de fatos ligados à
cultura oral.
25
Palmeira comum na região ribeirinha amazônica, utilizada na fabricação de brinquedos e artesanatos.
74
É a tradição levada a sério pelas crianças da comunidade, sendo que há uma
preocupação dos pais e mães, com que elas aprendam desde cedo a respeitar a
tradição de São Tiago, garantindo assim que a festa nunca acabe.
Esse processo tradicional de crianças participando e garantindo as tradições
religiosas e culturais ocorrem no Brasil desde a Colônia e é descrito por Del Priori:
(...) A participação em festas com música atraía crianças de todos os grupos sociais. Alegrando procissões, enfeitados com carapuças cobertas de pedrarias e flores, animavam coreografias e cantos em homenagem a determinado santo da igreja católica ou em homenagem aos governadores recém-chegados de Portugal. Na famosa festa mineira, o Triunfo Eucarístico, realizada em 1734 em Vila Rica “onze mulatinhos” vestidos como indígenas enfeitados com saiotes de penas e cocares, levando nas pernas, fitas e guizos, cantaram ao som de tamboris, flautas e pífaros, bailando uma dança dos carijós. (DEL PRIORI, 2000, p.99).
A Festa das crianças para os moradores de Mazagão Velho tem uma
visibilidade maior, no sentido de se entender e compreender melhor a Festa de São
Tiago, devido ao fluxo de turistas e visitantes de outras localidades serem menor e
somente a comunidade participar deste momento. Assim, podem-se compreender
melhor os rituais e as cenas dramatizadas pelas crianças.
Por não ter apoio dos órgãos oficiais, a própria comunidade se responsabiliza
e realiza a festa, colocando seus filhos para representarem os personagens da festa,
sendo que as crianças aproveitam esse momento e acabam brincando, se
divertindo. Isso pode ser observado na fala da intérprete Bianca (13 anos de idade)
ao ressaltar que: “durante a festa brincamos empinando pipas e brincadeiras
esportivas, nos divertimos com o Vominê todos os dias e o baile de máscaras”.
Percebemos que essa participação das crianças no cotidiano da festa,
vivenciando com os adultos e com outras crianças possibilita o compartilhamento, a
interpretação e a criação de novos elementos simbólicos, tendo uma maior
compreensão da importância cultural e histórica da Festa de São Tiago, através da
constituição de seus saberes. Pois, segundo Josué Videira26 (2016), “As crianças
trabalham com mais vontade e isso acaba levando a uma perfeição.”
26
VIDEIRA, Josué da Conceição. Presidente do Grupo Folclórico “Raizes do Marabaixo”. Entrevista em 28/02/16.
75
Foto 12 Crianças vestidas de São Jorge e de cristão.
Fonte: Acervo do pesquisador/2016 .
A Festa das crianças é feita por uma família que a cada ano se oferece para
realizá-la, (os festeiros ou promesseiros), e é desse grupo familiar que sai os
personagens principais (São Tiago e São Jorge) que vão representá-los durante a
encenação mirim. Segundo relato da festeira de 2016, as famílias levam mais de
dois anos de preparação para a realização da festa das crianças e se
responsabilizando por toda a organização da mesma.
Para Brandão (2010), o rito é a unidade móvel que noticia e antecede uma
festa religiosa. A própria festa é um grande mutirão. Inúmeras pessoas de um
povoado ou mesmo de vários deles, participam dos preparativos da festa. Tanto a
casa do festeiro quanto a casa dos “pousos27”, são decoradas para a passagem da
Folia ou a realização da festa. Familiares encarregam-se das inúmeras tarefas de
preparar o local e fazer a comida.
27
Pouso – Lugar onde os viajantes ou turistas se recolhem.
76
Foto 13 Festeira do ano de 2016 e crianças lanchando após o círio.
Fonte: Acervo do pesquisador/ 2016.
Dentro desse processo ritualístico, é realizado o círio mirim e a missa é
direcionada para as crianças. Há também o leilão. Assim como na festa dos adultos,
as famílias oferecem comidas e bebidas aos participantes, para as crianças as
famílias oferecem o chocolate, os quais saem de casa em casa dançando o Vominê.
Assim, a festa se torna uma manifestação social, um modo de expressão da
substância coletiva, integrando a vida ardente do não-social à vida comum.
(DUVIGNAUD, 1983, p.72).
As crianças que participam da festa são filhos e filhas dos moradores não
somente do município de Mazagão Velho, mas também das comunidades ribeirinhas
próximas da região. Sendo que as crianças sem nenhuma técnica de interpretação
conseguem emocionar turistas, nativos e os adultos que ali estão, com suas
coreografias, cores, indumentárias, seus gestos, suas danças e toda a teatralidade
inserida no contexto.
As crianças que motivadas pela fé e tradição no padroeiro do lugar, imprimem
seu simbolismo e imaginário nas cenas de confronto. Mantendo viva a festa, a
tradição, o ritual, o mito e o percurso de seus vários personagens revividos a cada
ano (entre eles São Jorge, São Tiago, o Atalaia, o Bobo Velho e o Menino
Caldeirinha), garantindo assim a secularidade desta festa religiosa e cultural.
77
Foto 14 Batalha entre mouros e cristãos.
Fonte: Acervo do pesquisador/2016.
Loureiro (2001), ao se referir à festa, nos diz que:
A festa favorece a identificação, a congregação e a objetivação do sensível. O instante vibra e se liga a um sentimento de perenidade. São relações fortalecidas pela aparência, que estabelecem os liames de uma comunidade ritual, um modo de particularizar universalizando um momento no tempo, conferindo ao momento da festa um caráter coletivo de signo. (...) O acontecimento assume os contornos objetivos de um signo em torno do qual as sensibilidades se congregam. Uma densa carga de significados se concentra num determinado espaço social, num momento de contemplação emocionada. A festa plurivalente do olhar. (LOUREIRO, 2001, p.167).
A participação das crianças durante a festividade de São Tiago não acontece
somente nos dois dias destinados a elas, mas ocorre durante toda a programação
desde a abertura com o grupo infantil “Raízes do Marabaixo”28, na figura do Rei
Caldeirinha, no ato do “roubo das crianças” e durante os outros dias através de
atividades esportivas, recreativas e artísticas.
Depois da última encenação protagonizada pelas crianças de Mazagão Velho,
é realizada a novena em louvor a São Tiago e São Jorge, sendo que neste momento
é lida a carta de agradecimento, em que passa a festa para a família de festeiros ou
28
Grupo Folclórico que mantem as tradições do lugar como o Marabaixo, sendo composto por crianças entre cinco a doze anos de idade sob a coordenação do Sr. Josué Videira, figura ilustre do lugar.
78
promesseiros do ano seguinte. Na oportunidade, é oferecido às crianças um jantar,
sendo também entregue à nova família as “caixas de Cabanas”.29
Após a novena e o jantar, todos saem dançando e cantando o Vominê, até a
casa dos festeiros e da nova família que se responsabilizará pela festa no ano
seguinte, encerrando-se assim, a Festa de São Tiago das crianças. Esses fatos
ficam evidentes na voz do intérprete Flávio (11 anos) ao afirmar que:
A família que quiser aceitar a festa de São Tiago das crianças, tem que fazer um comunicado antecipado, ou seja, uma carta e no último dia da novena das crianças. Porque é grande a procura das famílias que querem aceitar a festa. Daí em agosto quando acontece o sorteio dos adultos, a festa das crianças já terão os seus representantes, (...) lembrando que só serão meninos. (FLÁVIO, 11 anos, Roda de Conversa, 2016).
Assim, pretende-se compreender a grandiosidade, a integração e a
importância da festa no seio da comunidade de Mazagão Velho e de seu lugar na
cultura regional local, bem como os saberes presentes no fazer-brincar das crianças
através de suas experiências e dos dizeres sobre a ludicidade presente na
festividade de São Tiago.
Os rituais realizados pelas crianças promovem um sentimento de identidade e
pertencimento, uma vez que a festa religiosa, do ponto de vista histórico, era um
ritual público que servia para reforçar tanto os laços de solidariedade quanto para
refletir os valores sociais que pautam a vida social.
Ritos e festas nos dizem algo, são falas e meios pelos quais as pessoas se
comunicam, vivem as celebrações coletivas da cultura e o aprendizado do seu
próprio modo de ser. Nesse sentido, a festa é sempre uma ruptura com o cotidiano e
com a semelhança, ela é a ordem da simulação, da invenção, do sonho e do delírio.
29
O nome refere-se a primeira caixa encontrada pelos moradores antigos, deixadas pelos cabanos que moraram nessa região. Trata-se de um instrumento percussivo, confeccionado de madeira, com
cobertura de pele de animais, tendo sua afinação com cordas, tocada com baquete tipo bastão.
79
Foto 15 Inicio da batalha das crianças.
Fonte: Acervo do pesquisador/2016.
80
SEÇÃO IV
FESTAS, CULTURA E SABERES
A festa a gente aceita, é promessa dos nossos avós e tios (...) foi promessa de minha avó, ela estava doente e conseguiu vida.
(Caio, 10 anos de idade) 2016.
Desenho 02 - Produção da criança na roda de conversa
Fonte: José Caio (10 anos) 2016
81
Nesta seção, serão apresentados os sentidos da cultura e dos saberes
presentes nas manifestações da Festa de São Tiago tendo como pressupostos os
estudos de Brandão (2010) e de Charlot (2000), sendo considerados e analisados os
processos educativos em vários contextos sociais e culturais, pois, de acordo com
Brandão (2010, p. 124), o saber se transmite em meio a gestos e falas, o saber flui
sem o ensino e, às vezes, parece que quanto menos é evidente, tanto mais é
efetivo.
Brandão (2010, p.28) nos faz compreender o que a festa nos diz, o autor
assevera que as pessoas fazem a festa porque ela responde a alguma necessidade
individual e coletiva, ou cumpre alguma função social, que a torna por outros
caminhos como algo necessário. Em outra análise, as pessoas vivem as festas
porque elas são um entre outros meios simbólicos através dos quais os significados
da vida social são ditos com danças e cantos, mito e memória entre seus
praticantes.
Perguntados sobre que sentimentos são vivenciados durante a festa, Edgard
Davi (10 anos de idade) respondeu: É um sentimento muito forte, nós esperamos
por esta festa de um ano para outro.
Os intérpretes Cristian Riquelme (08 anos de idade) e Bianca (13 anos de
idade) complementam suas falas, lembrando que:
Edgard Davi: o sentimento que eles levam é de relembrar os nossos antepassados e de como eram as guerras entre os mouros e cristãos. Bianca: de muita emoção, alegria e honra de fazer parte dessa festa.
Esses depoimentos demonstram que, para as crianças, a festa de São Tiago
tem uma importância e um significado simbólico bastante expressivo. É um
acontecimento que além de marcar profundamente e provocar sentimentos
expressivos como alegria, emoção, pertencimento, trata-se de uma manifestação
onde a própria memória é revisitada.
Nesse sentido, Del Priori (1994, p.10) afirma ser a festa a expressão teatral
de uma organização social, também é um fato político, religioso ou simbólico. Nesse
contexto as danças, os jogos e as músicas que a compõem não só significam prazer
e alegria durante sua realização, como têm simultaneamente função social,
permitem às crianças, jovens, aos expectadores e atores da festa introjetar valores e
conhecimentos comunitários.
Na perspectiva de Brandão, a festa pode ser considerada:
82
Um ritual ou uma configuração de rituais, cujo acontecimento se opõe a rotina e coloca as pessoas, as instituições e a própria vida social diante do espelho fiel ou invertido do que são, quando não são a festa, parece ocorrer com uma o que tem acontecido com o outro. Passa-se do mais restrito para o mais abrangente, e a nova maneira de compreender incorpora elementos e significados excluídos da antecedente. Assim, há uma tendência mais remota na Antropologia em considerar como ritual apenas solenização cerimonial de comportamentos coletivos, cujos propósitos e símbolos, concentrados em ritos e mitos, tem algo a ver com a expressão do sagrado, seja ele mágico ou religioso. (...). (BRANDÃO, 2010, p.20).
Na Festa de São Tiago, em Mazagão Velho, através de seus rituais e de seus
elementos culturais e dramáticos, observamos o que Brandão (2010, p.29) nos
alerta, que existem nas festas elementos de conflitos e discórdia. Eles são
conduzidos da sociedade para a festa ou são criados a partir da festa e, assim,
esses antagonismos entre os sujeitos culturais são traduzidos e trazidos para os
ritos, as danças e simulações de lutas que ao mesmo tempo são expostos e
resolvidos.
Deve-se atentar que a Festa de São Tiago, em Mazagão Velho, tem sua
ascendência cultural afro-brasileira e como movimento de resistência e
rememoração dos seus antepassados, vindos do Marrocos, na África. Possuindo
assim, os conhecimentos sobre a festa, os saberes nela contido, sendo os rituais
passados pela oralidade e, assim, mantendo a tradição. Isso fica evidente na fala da
menina Renata de 08 anos de idade, ao enfatizar: na festa eu danço o Marabaixo,
participo das novenas, do círio, eu aprendo a história do município, do São Jorge e
aprendo a fazer as ladainhas com minha avó.
Assim, a festa de São Tiago reúne gerações, histórias de vida e possibilidade
de aprendizado. Sendo um momento de reencontro e sociabilidade, incluindo
crianças, jovens, adultos e idosos, os quais se encarregam de transmitir e assim,
perpetuar suas crenças e tradições. Ela também demarca lugares, territórios onde
muitas vezes o nome das localidades passa a ser o nome dos santos
homenageados.
Podemos evidenciar isso, na voz do menino Cristian Riquelme de 08 anos de
idade, ao afirmar:
Ela (a festa) é muito importante para nós, é uma das maiores festas culturais do nosso Estado. (...) e atrai muitos turistas e tem também que mostrar como ela é festejada e atrai muitos turistas para o nosso município de São Tiago.( Roda de conversa, 2016).
83
As festas articulam diferentes sentimentos, significados, símbolos, agentes.
Conseguem agregar e mobilizar grandes contingentes de público de todas as
idades, classes sociais e gêneros. O festejar agrega muitas pessoas, entre sua
produção e a sua fruição, em torno de diferentes motivações: celebrar, comemorar,
lembrar, homenagear ou simplesmente reunir.
Ainda nesse contexto, a festa de São Tiago das crianças instaura uma
transformação, não só na rotina da vida do grupo social local, como os festejos
redefinem-se, uns para com os outros, ao se incorporarem a um sistema de
posições – relações que, mesmo derivando de sistemas correlatos que operam em
outras áreas da sociedade local, somente possuem valor dentro da situação da festa
e de seus rituais.
Nesse sentido, a celebração cumpre, então, a função de disseminar e
resguardar os valores comunitários tradicionais que se misturam com os valores e
ideias da igreja oficial romana, caracterizando, assim, uma espécie de ação religiosa
híbrida. Nela há uma coexistência e um imbricamento da moral religiosa popular e
da moral religiosa oficial, o que se reflete na forma de organização da vida religiosa
dessas populações. (OLIVEIRA; MOTA, 2004).
E é nessa concepção que Brandão afirma que:
A festa é uma fala, uma memória e uma mensagem. O lugar simbólico onde cerimonialmente separam-se o que deve ser esquecido e, por isso mesmo, em silêncio não – festejado, e aquilo que deve ser resgatado da coisa ao símbolo, posto em evidência de tempos em tempos, comemorado, celebrado (...), eis que a cultura de que somos ator-parte interrompe a sequência do correr dos dias da vida cotidiana e demarca os momentos do festejar.(BRANDÃO, 1989, p.08).
Em relação à historiografia das festas em Mazagão Velho, Almeida comenta:
A memória oral e a memória cultural é que garantem a preservação e a eternização das manifestações ocorridas em Mazagão Velho e apresentam outro foco, que é a disjunção entre a política de memória oficial e o imaginário popular, outro aspecto que parece relacionado aos temas em questão. (...) Esse processo, ao meu ver, se deu de outra forma, através da oralidade e da performance desenvolvidas, repassadas e cultivadas no seio da comunidade. Percebi nele uma espécie de força interna, automotivação para os princípios da resistência. (ALMEIDA, 2011, p.46).
É oportuno frisar que o processo de imigração dos negros para Mazagão
Velho, não foi constituído somente por um viés escravatório, e sim, de transferência
por questões políticas e de povoamento e desbravamento do território amazônico
pela Colônia Portuguesa, no século XVIII. Nesse contexto, trouxeram como
84
elementos de sua religiosidade e cultura manifestações como o Batuque e o
Marabaixo, encontrando-se presentes até hoje nas solenidades religiosas. Como
Jamerson de 11 anos deixa evidente em sua fala quando nos diz: (...) os mais
velhos que me ensinaram a tocar as caixas de Marabaixo, até hoje existe,
encontrada pelos antigos cabanos que moravam aqui.
É notório que faz parte desse processo uma aproximação com os dogmas da
igreja católica, para manter a memória e a ancestralidade africana nos rituais e nas
cerimônias praticadas durante as festividades em homenagens aos santos católicos.
Brandão (1989, p.37) explica que apesar dos esforços da Igreja separar uma
parte propriamente religiosa das práticas profanas, para o devoto popular o sentido
da festa não é outra coisa senão a sucessão cerimonial de todos esses ciclos,
dentro e fora do âmbito restrito dos ritos da Igreja.
Na festa de São Tiago, o elemento estruturante principal é a luta entre
cristãos e mouros, elemento ao qual se vai buscar a profundidade histórica da
comunidade. No entanto, nesta oposição entre seus figurantes, não importa ir de
mouro ou de cristão durante a festa, o mais importante nesse caso é a encenação
da oposição em si, e a possibilidade de incorporação, neste caso, de elementos
locais que, ao serem integrados na recriação deste momento cultural historicizado,
ganham a legitimidade de todos os participantes.
Essa representação e simbolização da festa de São Tiago, fica evidente na
voz de Cristian Riquelme de 08 anos ao afirmar: Bom, na festa das crianças, temos
os festeiros que são as pessoas que fazem a promessa e colocam a gente vestido
de mouro ou cristão para representar na festa.
Del Priori (1994) relaciona as festas à História, busca compreender essa
relação à luz da abordagem das mentalidades, a partir de um recorte temporal de
suas pesquisas que vai do Brasil Colonial ao Século XX. Diante disso, a autora
comenta:
(...) o termo festus, de origem latina, aplicava a celebração e ao culto de “falsos deuses”. Para ilustrar o que está se falando cita festas religiosas “maometanas” e dos “judeus” sublinhando, porém, que “as festas dos cristãos na Igreja Católica são sabidas de todo o fiel cristão”: as dos patronos, as dos mártires “como São Policarpo e outros”, as da Epifania. Ressalva, contudo, a existência de festas profanas: “(...) públicas como os jogos e torneios, canas e fogos (...).” (DEL PRIORI, 1994, p.18).
85
4.1 OS SABERES E A CULTURA NA FESTA DE SÃO TIAGO DAS CRIANÇAS
Brandão (1989) afirma que a cultura é e está nos atos e nos fatos através dos
quais nos apropriamos do mundo natural e o transformamos em um mundo humano,
assim, como nos gestos e nos feitos com que nos criamos ao passarmos de
organismos biológicos a sujeitos sociais, ao criarmos socialmente nossos próprios
mundos e dotá-los de sentidos.
Assim, a cultura estaria mais no que dizemos e como dizemos palavras,
ideias, símbolos e sentidos entre nós, para nós e a nosso respeito do que
propriamente no que fazemos em nosso mundo ao nos organizarmos socialmente
para viver e desta forma transformá-lo através dos sentidos e significados que os
sujeitos culturais criam e recriam em seus contextos sociais. (BRANDÃO, 2009).
A Festa de São Tiago das crianças, do início até sua culminância, caracteriza-
se por várias etapas e manifestações que articulam diferentes significações e
problematizam os sentidos advindos do festejar, quer sejam através de papéis
representados pelos brincantes, envolvendo-se ou articulando pessoas e
estabelecendo modos de representação e assim, provocando experiências pessoais,
culturais e históricas. Pois, segundo Brandão (2009), “A cultura é todo o mundo
transformado da natureza, em nós e para nós”.
As crianças partem do universo da natureza, da sua imitação para criar,
recriar com seus próprios corpos, seus gestos, seus movimentos, modos de brincar
e de inventar em uma produção cultural própria, através de sua imaginação utiliza de
vários elementos que estão ao seu dispor: os igarapés, a mata, a floresta, suas
crenças, mitos e religiosidades.
Na visão de Bacherlard (1994, p.09), a relação com a natureza é mesmo a
grande matéria da imaginação infantil: “o devaneio da criança é um devaneio
materialista. A criança é um materialista nato. Seus primeiros sonhos são os sonhos
das substâncias orgânicas”, remetendo aos elementos: fogo, ar, água e a terra que,
para ele, são “os hormônios da imaginação”.
Nessa perspectiva, as interações entre as crianças e seus pares durante as
suas representações e brincadeiras na Festa de São Tiago implicam através dessas
vivências culturais no aprender em que, ao participar de tais eventos e atividades,
essas crianças têm a possibilidade de recriar e reinventar a si mesmos e aos outros,
estabelecendo desta forma sensações, sentidos e saberes.
86
A imaginação infantil, no exercício de criar, é capaz de transformar, de recriar,
de ressignificar a partir do que há de real. Todavia, as crianças nas interações com
seus pares são férteis e transformam tudo ao seu redor em brinquedos e
brincadeiras, de uma maneira expressiva elas criam a cultura que lhes é
apresentada pela sociedade. Verificamos esse processo de imaginação na atuação
das meninas, pois como não podem participar das encenações, elas se divertem em
atividades religiosas como nas procissões e novenas, e no momento do “roubo das
crianças” que segundo Lya (11 anos) e Alice (10 anos) são as meninas que se
escondem dos mascarados.
Esses processos culturais são construídos coletivamente em um contexto
histórico, em que a relação do saber e do fazer está alicerçada, validada e
transmitida a partir das vivências, experiências e interações com outros sujeitos
culturais.
Na relação com a linguagem e com o tempo, os sujeitos se constroem,
ressignificam-se, constituem seus modos e suas representações culturais. Nesse
aspecto compreendendo a cultura e as manifestações religiosas, como parte
integrante deste processo, como um sistema de símbolos, de significados, de regras
sobre relações e modos de comportamentos.
Nesse contexto, cultura e saberes são processos dinâmicos resultantes da
própria dinâmica dos sistemas culturais e sociais de forma dialética e ininterrupta,
em que o sujeito inacabado e ausente de si mesmo busca se constituir como ser
humano social, cultural, através de relações de troca entre seus pares e o mundo
cultural que o cerca.
Charlot (2000) analisa essa relação entre saber e cultura como um processo
que se desenvolve no tempo e implica uma ação. Para haver esta ação, a criança
precisa mobilizar-se e, para isso, a situação deve apresentar um significado para
ela. Assim, o autor menciona: “toda educação supõe o desejo, como força
propulsora que alimenta o processo. O desejo sempre é “desejo de”; a criança só
pode constituir-se porque o outro e o mundo são humanos”. (CHARLOT, 2000:54).
Assim, podemos afirmar que as crianças do Município de Mazagão Velho, ao
vivenciar as festividades de São Tiago através de seus processos lúdicos, de suas
brincadeiras e produções de brinquedos utilizando os elementos da natureza, estão
atuando como sujeitos históricos e ativos motivados pelos seus desejos na interação
87
com seus pares e com o mundo, interagindo seus saberes e suas culturas que são
conscientizados a partir de suas ações.
Acrescenta-se a este contexto, as ideias de Geertz (2015) em relação aos
processos culturais como conjuntos de sistemas que poderiam se chamar de teias
de significados, e nestas teias passam os mais diferentes tipos de produção cultural.
A partir das ideias do autor sobre a cultura como sistema de símbolos e de
sentidos partilhados pelos membros de um grupo humano, percebemos que nos
processos de construção dos rituais, dos ritos, da celebração da festa das crianças
em Mazagão Velho, não somente uma transmissão de saberes por parte dos mais
velhos ou uma preocupação por parte dos pais com que as crianças aprendam
desde cedo a respeitar a tradição, o que ocorre de fato é uma vivência plena, de um
momento e de uma história atual, protagonizada através das representações e do
brincar pelas crianças de Mazagão Velho.
Diante das questões abordadas sobre os estudos culturais, é possível
compreender que tanto Geertz (2015), quanto Brandão (2010) trazem considerações
inevitavelmente relevantes para discussão que busco neste estudo. De tal forma, a
Festa de São Tiago das crianças pode ser reconhecida como forma simbólica, tecida
pelos próprios sujeitos, os quais produzem e recebem tais expressões a partir das
interpretações atribuídas.
Brandão (2010) evidencia, dessa forma, que não há transmissão de saberes
no aprendizado, e sim trocas simbólicas e sociais intensas entre os participantes e
familiares e esse aprendizado do repertório, do ritual, da doutrina e dos costumes
circulam nas próprias convivências, as trocas de saberes são orais. Nesse sentido, a
cultura está sempre em transformação e mudança. O contexto cultural é esse
sistema simbólico, imprescindível para entender o lugar das crianças.
Esses espaços de representação da construção de vivências através dos
movimentos de resistência, das oralidades, das danças, do canto, de suas
indumentárias, dos objetos ornamentais e lúdicos, dos objetos simbólicos acontecem
também como comunicação da compreensão de mundo que cercam os grupos
sociais envolvidos, como espaços especiais de socialização.
Ainda nesta vertente, Brandão nos apresenta o domínio do saber através das
festas por duas vertentes:
(...) um saber necessário ao desempenho cotidiano, fundado em objetivações que permitem a definição do real, e uma interpretação comum
88
das experiências, e um saber que transcende os acontecimentos práticos, construído principalmente de pensamentos mais elaborados e mais abstratos. (BRANDÃO, 1981, p.204).
Neste cotidiano está uma intensa subjetividade e representação do mundo
mesclando o sagrado e o profano, num ambiente onde a difusão dos sentidos, dos
saberes, conceitos e categorias possibilita erigir elementos portadores de sentidos
que se entrelaçam firmemente com a memória e a história.
Podemos evidenciar essa relação nas palavras de Cailane de 14 anos:
Na festa, eu fico observando a batalha de São Tiago e no baile de máscaras, como platéia, eu participo mesmo é do círio, acompanho cantando e rezando as ladainhas com a minha avó, que me ensinou a dançar também o Marabaixo.( Roda de conversa, 2016).
Assim, Brandão (2010) nos relata que antes do aparecimento de locais
especializados para o ensino e mesmo depois que isso ocorreu, até mesmo em
nossos dias, destaca o ritual como uma situação em que se verifica a concomitância
entre o celebrar e o ensinar. O autor evidencia que as festas religiosas, chamadas
de “festas de santos”, são igualmente momentos celebrativos nos quais os universos
simbólicos dos grupos são aprendidos, reaprendidos e reconhecidos por eles.
O autor nos relata ainda sobre a importância e a função destas práticas ao
afirmar que:
Todos os “do lugar” compartilham crenças e conhecimentos comuns. Pouca coisa pode ser improvisada, e é porque desigualmente se sabe o que vai acontecer e desigualmente se sabe como proceder que o rito recria o conhecido e, assim, renova a tradição; aquilo que se deve repetir todos os anos como conhecimento para se consagrar como valor comum. Renova um saber cuja força é ser o mesmo para ser aceito. Repetir-se até vir a ser, mais do que apenas um saber sobre o sagrado, um saber socialmente consagrado. (BRANDÃO, 2010, p. 58).
O saber e os processos culturais são entendidos como formas e momentos
de celebração, ao mesmo tempo constituem-se também como produção,
socialização e experiências coletivas de um saber, que é essencialmente popular. É
no interior das festas que a transmissão dos saberes ocorre e se manifesta, através
das mais variadas formas como a construção de artefatos, tambores, bandeiras e da
organização e participação nas novenas, do círio infantil, das procissões e das
representações e brincadeiras que fazem parte dos rituais simbólicos vividos e
transmitidos de geração a geração.
Charlot (2000, p.63) evidencia, nesse contexto, que esta relação com o
mundo é também relação consigo mesmo e relação com os outros. Implica uma
89
forma de atividade e acrescenta a relação com a linguagem e o tempo. “Não há
saber sem uma relação do sujeito com esse saber.”
Perguntado como aprende as encenações e sobre os rituais da festa de São
Tiago das crianças, o intérprete Jamerson, de 11 anos de idade, afirma:
“Aprendemos desde cedo a fazer parte da festa, aprendemos sempre com as
pessoas mais velhas, nossos pais, tios e primos”.
A fala do intérprete Jamerson (11 anos de idade) fica evidente que o saber
construído sobre os rituais da festa das crianças acontece através de um processo
de socialização e de transmissão por parte de outros sujeitos mais experientes e que
este conhecimento tornar-se significativo desde cedo para eles.
Diante dessas questões, Charlot (2000 p.64) afirma que o “saber só tem
sentido e valor por referências às relações que supõe e produz com o mundo,
consigo e com os outros”. Sendo que este deverá ter “um sentido e um valor como
tal”.
Como podemos observar na foto 15, as crianças dramatizando um dos
momentos da festa das crianças: a cena do ataque dos mouros aos cristãos.
Foto 16 Crianças dramatizando a batalha.
Fonte: Acervo do pesquisador/2016.
Neste cenário de dramatização, vemos ao mesmo tempo, a demonstração de
fé e a tradição das crianças de Mazagão Velho e de suas vivências lúdicas,
retratadas em sua cultura e na assimilação dos seus saberes e a importância neste
processo do ato de brincar. As crianças, em conjunto, mesmo tendo a
responsabilidade de representar as cenas históricas e simbólicas da Festa de São
90
Tiago, não perdem o sentido e a vontade de fazer deste lugar um espaço de
brincadeiras.
Assim, Vygotsky comenta a respeito desta perspectiva, ao afirmar que:
A brincadeira da criança não é uma simples recordação do que vivenciou, mas uma reelaboração criativa de impressões vivenciadas. È uma combinação dessas impressões e, baseados nelas, a construção de uma realidade nova que responde às aspirações e aos anseios da criança. Assim como na brincadeira, o ímpeto da criança para criar é a imaginação em atividade. (VIGOTSKI, 2009, p.17).
Podemos evidenciar que as crianças através de suas manifestações culturais,
religiosas, artísticas em um universo lúdico através de seus atos atribuem sentidos
em seu cotidiano, transformados pelas diversas culturas, para que, desta forma,
adquiram significados. Enfim, nada para o ser humano passa despercebido ou torna-
se insignificante, e dar sentido a tudo isso, implica entrar em um universo de
dimensões simbólicas.
No entanto, ao pesquisar o saber presente na cultura construída pelas
crianças na festividade de Mazagão Velho percebi que estas agem através de um
protagonismo infantil. A partir de seus espaços de vivências, de resistências
conseguem produzir sua própria cultura, mesmo sobre a influência dos adultos.
A diferença da cultura da infância decorre do modo específico, como as
crianças com suas características próprias, simbolizam o mundo, notadamente pela
conjunção que fazem de processos e dimensões com o jogo, a fantasia, a referência
face aos outros e a circularidade temporal.
Como sujeitos sociais, as crianças são capazes de produzir mudanças nos
sistemas nos quais estão inseridas, ou seja, as forças políticas, sociais e
econômicas influenciam suas vidas ao mesmo tempo em que as crianças
influenciam o cenário social, político e cultural. Nesse sentido, a infância é formada
por sujeitos ativos e competentes, com características diferentes dos adultos.
91
Fotos 17 Crianças “cristãs” se preparando para a batalha.
Fonte: Acervo do pesquisador/2016.
Na imagem acima (foto 16) percebemos os sentidos atribuídos pelas crianças
durante as festividades religiosas em Mazagão Velho, através de seus ritos, de suas
dramatizações, de suas indumentárias, de seu imaginário e de seus artefatos, ao
mesmo tempo em que participam dos rituais e das celebrações, vão construindo
seus saberes. Aprendem suas crenças que codificam suas vidas cotidianas,
oscilando muitas vezes entre demonstrações de “respeito” e afeição em sua fé, e a
possibilidade sempre presente de se romper essas barreiras e tornar seus ritos em
diversão, mas sem se esquecer das regras e dos valores religiosos impregnados em
toda esta manifestação.
A relação entre cultura, educação e os saberes transmitidos e construídos
nestes contextos é evidenciada quando os sujeitos envolvidos nas interações são
transformadores de sentidos e significados. “Esse sistema se elabora no próprio
movimento através do qual eu me construo e sou construído pelos outros, esse
movimento longo e complexo, nunca completamente acabado, que é chamado
educação”. (CHARLOT, 2000, p.53).
A constituição dos saberes se dá a partir das vivências culturais em que, as
crianças, ao participarem de tais eventos, vão de certa forma reinventando-se
através de suas sensações, de sentidos e de seus conhecimentos acerca de sua
realidade e de seus significados múltiplos.
92
Nesse sentido, a relação com o saber estabelece-se na relação do sujeito
com o mundo e com ele mesmo e com os outros sujeitos em um conjunto de
significações e valores em um processo de aprendizagem.
Acerca disso, Charlot evidencia que:
O mundo é dado ao homem somente através do que ele percebe, imagina, pensa desse mundo, através do que ele deseja, do que ele sente: o mundo se oferece a ele como um conjunto de significados, partilhados com outros homens. O homem só tem um mundo porque tem acesso ao universo dos significados, ao “simbólico”; e nesse universo simbólico é que se estabelecem as relações entre os sujeitos e os outros, entre os sujeitos e ele mesmo. (...) é uma relação com sentidos simbólicos, notadamente, com a linguagem. (CHARLOT, 2000, p.78).
93
SEÇÃO V
O LUGAR DO BRINCAR NA FESTIVIDADE DE SÃO TIAGO
As brincadeiras são a dança do vominê nas casas dos festeiros, temos os cavalinhos feitos de buriti.
(EDGAR DAVI, 10 anos de idade)
Desenho 04: Produção da criança na roda de conversa
Fonte: Bianca (13 anos de idade) 2016.
94
Adentrar no universo simbólico do brincar na Festa de São Tiago das crianças
é ser convidado a descobrir sua própria história e seus modos peculiares de um
processo de reconhecimento de suas crenças, origens, seus mitos, ritos. É também
mergulhar em suas brincadeiras, brinquedos e artefatos criados e ou reinventados
por elas e, acima de tudo, é descobrir quem são essas crianças e o que elas nos
dizem por intermédio de suas vozes sobre sua cultura lúdica que permeiam a Festa
de São Tiago.
As crianças já nascem inseridas em um determinado contexto social e
cultural, no qual são submetidas a processos educativos formais ou não formais,
para aprenderem e assim internalizarem os saberes culturais historicamente
transmitidos pelos agentes sociais mais velhos como a família, a igreja ou a
sociedade da qual fazem parte. No entanto, compreende-se que nestes processos
educativos as crianças são vistas, muitas vezes, na contramão, já que é preciso
considerá-las através de sua criatividade e imaginação, recriam e reinventam seu
próprio modo de vivenciar a cultura lúdica.
Para os habitantes de Mazagão Velho a festa de São Tiago é compreendida
não somente como uma obrigação em manter a tradição, mas como uma
necessidade de manter sua própria condição de existência coletiva e isso se
estende as crianças. Pois a dimensão lúdica da festa de São Tiago gera um
verdadeiro encantamento nas crianças participantes. Nas palavras dos intérpretes,
Bianca (13 anos) e Guilherme (13 anos) ao serem perguntados sobre seus
sentimentos em relação à festa, responderam:
Bianca (13 anos de idade): sentimos muito orgulho, alegria e valorização da nossa cultura.
Guilherme (13 anos de idade): sentimentos inexplicáveis, pois é a maior festa cultural aqui realizada.
Este mesmo sentimento de encantamento foi possível verificar nas falas dos
outros intérpretes: Lya (11 anos) primeiro respeito, depois alegria e muita diversão;
José Caio (10 anos) sentimento de muita felicidade de estar participando da festa;
Cairo (10 anos) sentimento de fé, de amor, de devoção e esperança; Edgard Davi
(10 anos) é um sentimento muito forte, nós esperamos por essa festa de um ano
para o outro. Essas falas nos remetem a vários sentimentos demonstrados pelas
crianças ao participarem da festa de São Tiago.
95
Podemos evidenciar nas falas das crianças que os sentimentos de caráter
religioso foram os mais evidenciados por elas, como: fé, devoção, amor e
esperança. Outros sentimentos demonstrados pelos participantes da festa foram:
alegria, felicidade e emoção por fazerem parte da festa. Isso significa que as
crianças, mesmo sendo conduzidas por seus pais, tios ou avós, e tendo uma
responsabilidade de manter a tradição, demonstram sua interação e
comprometimento com os rituais por se sentirem parte deste processo,
demonstrando com isto sentimentos positivos em relação à festa local.
Outro aspecto que fica evidente em relação aos sentimentos durante a festa,
está relacionado à ludicidade, nos momentos em que estão inseridas nesta
festividade como diversão, mesmo nos rituais religiosos como o círio infantil, as
crianças também se divertem. Isso pode ser comprovado na voz do intérprete
Cristian de 08 anos: muita emoção e diversão, principalmente no círio.
A cultura na qual a criança está imersa, mais do que o real, é composta de
tais representações. Sendo que o lúdico encontra-se na cultura na qual a criança
pertence. Para Brougère (2010, p.56), a criança retira elementos do repertório de
imagens que representam a sociedade e seu conjunto, destacando desta forma, a
importância da imitação e dos processos criativos no universo das brincadeiras.
Nesse aspecto, o autor enfatiza que a brincadeira é uma associação entre
uma ação e uma ficção, ou seja, o sentido dado a uma ação lúdica não pode estar
limitado ao agir: o que a criança faz tem sentido, é a lógica do fazer de conta e de
tudo o que Piaget chama de brincadeira simbólica. (BROUGÉRE, 2010, p. 14).
Não se pode negar a relação com a memória e a historiografia presente nas
brincadeiras e nos brinquedos construídos pelas crianças, não somente durante as
festividades em louvor ao santo padroeiro do lugar, mas pela forte influência africana
e portuguesa vinda dos antepassados que, ao atravessarem o Atlântico (vindos da
África), trouxeram para a Vila de Mazagão Velho elementos simbólicos presentes
nos processos de produção do imaginário encontrados nas narrativas orais, e nas
manifestações artísticas e lúdicas na comunidade, por intermédio de um sincretismo
religioso e cultural. Isso fica evidente na fala de Rondinelle (11 anos): Na festa eu
brinco mesmo é na batalha de São Tiago e no baile de máscaras, participo também
do círio, acompanho as ladainhas e no momento do roubo das crianças. A
brincadeira é assim a entrada na cultura particular, tal como ela existe num dado
momento, mas com todo o seu peso histórico. (BROUGÉRE, 2010).
96
Caillois (1990, p.84) apresenta em seus estudos que em países católicos, as
crianças brincam frequentemente às missas, à crisma, ao casamento e aos funerais.
Os pais permitem tais brincadeiras, desde que a imitação seja respeitosa. Na África
Negra, as crianças também constroem máscaras e rombos30. O autor comenta
ainda, que a fabricação de instrumentos, símbolos e rituais da vida religiosa, atitudes
e gestos da vida militar, são normalmente objetos de imitação por parte das
crianças.
Del Priori (2000, p.98) também descreve esse processo de construção de
brinquedos pelas crianças ainda no Brasil colonial: “Piões, papagaios de papel e
animais, gente e mobiliários reduzidos, confeccionados com pano, madeira ou barro,
eram os brinquedos preferidos”.
Tudo isso que nos diz Caillois, pode ser observado durante os preparativos da
Festa de São Tiago em Mazagão Velho, durante a participação das crianças,
quando são construídos nas oficinas os brinquedos que são utilizados por elas
durante o período da festividade, principalmente para o baile de máscaras e a
encenação da batalha entre mouros e cristãos.
Ao perguntar às crianças quais os brinquedos que são construídos,
socializados ou vivenciados por elas durante a realização da festa de São Tiago, as
respostas foram: as máscaras, que são usadas durante o baile; os cavalinhos de
buriti, para a encenação da batalha entre mouros e cristãos; os chapéus; as lanças e
as espadas.
30
Instrumento musical ritual e mágico usado na América e na Nova Guiné, geralmente construído por duas peças de madeira de extremidades afiadas que ressoam fazendo-os girar com um cordel em torno de seu eixo maior. (CAILLOIS, 1990, p.84).
97
Foto 18 Cavalos de buriti
Fonte: Acervo do pesquisador/2016.
Nessa perspectiva, as crianças atuam como sujeitos do mundo da cultura,
tornam-se agentes culturais e atores de seus próprios contextos, convivendo em
cenários de cultura, criam a partir das coisas da natureza e recriam como objetos da
vida social e cultural.
A partir do convívio e das interpretações com a cultura que lhes são
proporcionadas, as crianças criam outras formas de expressões, próprias da
infância, incluindo elementos novos a esta cultura, ou seja, agindo como agentes
ativos e seres completos no processo de produção cultural. Dessa forma, as
mediações dos adultos são fundamentais tanto para organizar e intervir nesse
espaço, como para ampliar o repertório vivencial e cultural das crianças.
Esta reflexão constitui-se no sentido de perceber a criança com potencial
criativo, numa abordagem na qual seu mundo imaginário passa a ocupar um lugar
de destaque no processo de criação de sua cultura. Assim, as crianças precisam ser
compreendidas em suas fantasias, em sua imaginação, em seus devaneios e em
suas múltiplas linguagens e seus constantes movimentos, em suas várias
expressões, em suas manifestações espontâneas e criações lúdicas.
Nesta linha de pensamento, Vygotsky contribui com importantes
argumentações em relação aos processos criativos das crianças:
O desenvolvimento da criança encontra-se, assim, intrinsecamente relacionado à apropriação da cultura. Essa apropriação implica uma
98
participação ativa da criança na cultura, tornando própria dela mesma os modos sociais de perceber, sentir, falar, pensar e se relacionar com os outros. (VYGOTSKY, 2009, p. 08).
Na foto abaixo, meninos encenando os atos na Festa de São Tiago,
montados em seus “cavalos” de buriti, vivenciando um momento de descontração e
de brincadeira presente na festa das crianças.
Foto 19 Meninos com seus cavalos de buriti.
Fonte: Acervo do Pesquisador/2016.
5.1 A FESTA ATRAVÉS DOS OLHARES E DAS VOZES DAS CRIANÇAS
A Festa de São Tiago das crianças apresenta a infância como sua principal
protagonista. Sendo estas as interlocutoras e principais responsáveis pela
preservação, difusão e ressignificação de seus processos culturais e religiosos.
Na Festa de São Tiago das crianças, que ocorre nos dias 27 e 28 de julho
anualmente, seus personagens principais são escolhidos um ano antes por uma
família de festeiros ou de promesseiros. Para as crianças da comunidade de
Mazagão Velho, a festa além do caráter festivo e lúdico, tem uma importância e uma
significação em suas vidas.
Durante a roda de conversa realizada com as crianças, foi perguntado a elas
sobre a importância da Festa de São Tiago em suas vidas, as quais responderam de
acordo com o quadro abaixo:
99
Quadro 2 – Resposta das crianças sobre a importância da Festa de São Tiago em suas vidas.
INTÉRPRETES “VOZES DOS INTÉRPRETES”
José Caio (10 anos) Ela é importante desde que quando nossos antepassados deixaram.
Edgard Davi (10 anos) Porque é uma festa de gerações, nós que moramos aqui, já crescemos e vivenciamos
desde pequenos.
Cristian (08 anos) Ela é muito importante para nós é uma das maiores festas culturais que nosso estado
tem ( ).
Cairo (10 anos) Porque eu faço parte da Festa de São Tiago.
Alice (10 anos) Porque é uma tradição que nossos antepassados deixaram para nós.
Flávio (11 anos) Porque somos nós crianças que devemos continuar com essa grandiosa festa.
Mauro Diogo (12 anos) Porque temos que preservar nossa cultura e garantir que ela não se acabe.
Jamerson (11 anos) Porque é uma história viva dos nossos antepassados.
Guilherme (13 anos) Porque através dela damos segmento à história de nossos antepassados.
Rondinelle (11 anos) Porque é identidade cultural de nossas raízes e antepassados.
Fonte: Elaboração do pesquisador/2017.
Nas falas das crianças, percebo que a Festa de São Tiago se apresenta como
algo de extrema importância em suas vidas, é impregnada de sentidos e significados
de acordo com a vivência de cada criança. Nas falas das crianças, percebe-se que
esta manifestação religiosa, apresenta uma relação intrínseca com a tradição e a
história dos seus antepassados, constituindo-se como parte da identidade cultural
das crianças; além de um sentido de pertencimento que as mesmas demonstram ao
falar da festa, como por exemplo, na fala do menino Cairo (10 anos de idade) ao
afirmar que a importância da festa está em sua participação como um dos
personagens que compõe o cenário da festa.
Ainda sobre a importância da festa de São Tiago na vida de cada criança,
Cristian de 08 anos de idade enfatiza que é a maior festa do Estado do Amapá,
demonstra conhecer a importância político e cultural que a festa tem, não apenas
para os moradores do município, mas para todos que participam da festa. O
reconhecimento da festa como algo herdado de seus antepassados e vivenciado por
várias gerações desde o seu nascimento, está explícito na voz de Edgar Davi de 10
anos de idade. Guilherme, de 13 anos de idade, também relaciona a importância da
festa com seus antepassados e sua continuidade. De maneira geral, as crianças
percebem a festa por um viés mais histórico, no sentido de preservar suas raízes e
sua cultura, através da participação em todos os momentos da festa
100
Diante das questões abordadas, Geertz (2015) ajuda a compreender melhor
ao trazer considerações relevantes para a discussão que realizo neste estudo. De tal
forma que a festa de São Tiago pode ser reconhecida como forma simbólica tecida,
pelos próprios sujeitos, os quais produzem e recebem tais expressões a partir das
interpretações atribuídas e dos sentidos e valores construídos durante a festa em
seu contexto sócio – histórico e cultural.
A participação das crianças na festa de São Tiago dramatizando as cenas
épicas da batalha entre cristãos e mouros, participando do círio das crianças, das
novenas, das missas e das danças, de certa forma brincam, constroem, transformam
e compartilham momentos de aprendizagens, visto que é um processo criativo e
imaginativo, como salienta Vygotsky (2009):
Na verdade, a imaginação, base de toda atividade criadora, manifesta-se sem dúvida, em todos os campos da vida cultural, tornando-se também possível a criação artística, a científica e a técnica. Neste sentido, necessariamente, tudo o que nos cerca e foi pelas mãos do homem, todo o mundo da cultura, diferentemente do mundo da natureza, tudo isso é produto da imaginação e da criação humana que nela se baseia. (VYGOTSKY, 2009, p.14).
Foto 20 Círio das Crianças/2016
Fonte: Acervo do pesquisador/2016.
Ainda nesta reflexão, recorro às ideias de Brandão (2002), ao abordar a
cultura não somente em uma dimensão abstrata que “significa” a natureza. Ao
contrário, ela é o sistema concreto que torna humanamente possível a natureza a
ser aprendida com valor e transformada, através de processos sociais, em produtos
101
de cultura. Assim, as crianças de Mazagão Velho vivenciam suas recriações
culturais e lúdicas, articuladas em torno de suas experiências e práticas sociais que
atuam diretamente no processo de subjetivação e representação desses sujeitos.
Nessa perspectiva, a participação das crianças na Festa de São Tiago
demonstra um sentimento de reconhecimento e de pertencimento, preocupadas com
a preservação do seu passado, de sua história com a fé que trazem desde suas
tenras idades. Para os adultos elas são as responsáveis em manter a tradição, pois
a partir do rito, elas praticam seus rituais. Dessa forma, o ritual reaviva o mito,
mantem ele vivo, a festa de São Tiago é sempre rememoração dos antepassados
que vieram transferidos da África para o Brasil e da chegada e permanência de seus
ancestrais em Mazagão Velho, assim, as crianças através da festa de São Tiago,
rememoram e atualizam o mito para que a história não fique no esquecimento.
Foto 21 Criança (ao centro) encenando o personagem Atalaia na Festa Mirim.
Fonte: Acervo do pesquisador/2016.
As vozes das crianças trazem algumas reflexões e questionamentos a
respeito do que elas estão vivenciando, experimentando, processando e
socializando durante as festividades em homenagem a São Tiago. Neste aspecto,
vale mencionar Charlot (2000) quando enfatiza que o sujeito é o foco em que as
relações se entrelaçam, é um complexo que não consegue garantir as dimensões
variadas e enriquecedoras do que entendemos como um saber.
Ao perguntar às crianças como é feita a escolha para representar os
personagens da Festa, elas responderam: Lya (11 anos) por um sorteio que
102
acontece em agosto; Edgard Davi (10 anos) as crianças são escolhidas por
promessas dos familiares; Cristian (08 anos) (...) na festa das crianças, já temos uns
festeiros de um ano para o outro que são pessoas que fazem promessas e colocam
as crianças para representarem na festa; Cailane (14 anos) fica por parte da
organização, a família que quer, leva uma carta e se a mesma for escolhida realiza a
festa e Mauro Diogo (12 anos) sintetiza: depois de anunciar que aceitou a festa
através de um comunicado feito no último dia da novena das crianças, quando
anunciará quem representará as figuras de São Tiago, São Jorge, Atalaia das
crianças. E para representar os mouros e os cristãos podem ser qualquer criança
desde que sejam meninos.
Nas respostas dadas pelas crianças, podemos perceber que elas têm pleno
conhecimento de que a festa possui uma organização, normas e regras
estabelecidas pelos organizadores, no caso, as famílias que durante um ano antes
se propõem a organizar, preparar e realizar a festa para os menores. No caso
específico, somente os meninos (cristãos ou mouros) é que podem participar da
encenação, ficando as meninas somente para prestigiar “de longe” ou de participar
de outros ritos, como a novena, o círio, a alvorada, como enfatiza Alice (10 anos): “a
gente se diverte olhando, tá lá, dando força para nossos primos, irmãos, , a gente
também se sente com missão cumprida, porque a gente frequenta a novena, o círio,
nos divertimos assim”.
As crianças, em suas falas, remetem a um conhecimento aprofundado em
relação as suas práticas sociais e ao papel que cada pessoa desempenha na
organização e participação durante as festividades em homenagem ao seu
padroeiro, demonstrando assim, sujeitos capazes e ativos em seus processos
culturais.
Isso fica claro, ao se dar voz às crianças, rompendo com a visão
adultocêntrica, pois a autonomia que hoje elas demonstram ter, através da
capacidade de pensar por si mesma, de expressar seu pensamento e o que pensam
a respeito do mundo.
Ao considerar as contribuições de Alves (2014), buscando fazer uma relação
com a compreensão das crianças sobre seus processos constitutivos como sujeitos
ativos, afirma:
O conceito de culturas de infância que orienta este estudo contribui para a ultrapassagem de um discurso adultocêntrico, isto é, rompendo com as
103
concepções tradicionais de pensamento, as quais vêem a criança como um vir- a- ser, pois, ao dar voz à criança como ser que age sobre o mundo, desenvolvendo coletivamente práticas sociais e culturais próprias, poderemos desvendar os mundos sociais e culturais da infância. (ALVES, 2014, p.41).
5.2 Brincadeiras e Brinquedos na Festa de São Tiago das Crianças
Apresento, aqui neste tópico, o brincar das crianças durante a festividade de
São Tiago em Mazagão Velho, trazendo suas manifestações e interpretações sobre
o brincar e suas construções e vivências lúdicas.
Segundo Brougére (2010), a brincadeira é, antes de tudo, uma confrontação
com a cultura, pois no brincar a criança se relaciona com elementos da cultura que
ela produz, reproduz, apropria-se, transforma e lhes dá significado.
Durante a festa de São Tiago, registrei os diversos momentos que integram
oficialmente a festividade, nos quais a criança tem participação efetiva. São
momentos marcados pela dança, música, teatralização da batalha entre mouros e
cristãos, torneios esportivos, muitas atividades recreativas, além da participação de
todas as crianças nos momentos marcados pela religiosidade, como é o caso do
círio.
Abaixo apresento um quadro com as diversas atividades que compõem a
festa de São Tiago Mirim, em que as crianças são protagonistas.
Quadro 3 – Atividades realizadas durante a programação da Festa de São Tiago.
ATIVIDADE OBSERVAÇÕES
Vominê Dança tradicional nos bailes e festividades religiosas em Mazagão Velho.
A Batalha Teatralização das situações ocorridas na batalha entre mouros e cristãos.
Entrega dos Presentes Teatralização das situações ocorridas na Festa de São Tiago.
Baile das Máscaras Brincadeira tradicional frequente desde a origem do município, na qual só homens e meninos participam.
Morte do Atalaia Ocorre tal qual a encenação tradicional feita pelos adultos
Bobo Velho Brincadeira comum entre os moradores na festividade de São Tiago.
Círio Atividade festiva religiosa, tida por muitas crianças como diversão.
104
Fonte: Elaboração do pesquisador/2017
No quadro acima, percebe-se que alguns momentos religiosos como a
batalha entre mouros e cristãos, a entrega dos presentes e o círio mirim são
considerados como atividades lúdicas. No diálogo com as crianças, ao serem
perguntadas sobre quais as brincadeiras realizadas durante a programação da festa,
responderam:
Maria Isabel (11 anos de idade): Vominê e a batalha.
Edgar Davi (10 anos): As brincadeiras são a dança do Vominê nas casas dos festeiros que temos (...), o Bobo Velho e montar nos cavalos de buriti.
Cristian (08 anos): Bom, temos a entrega dos presentes, visitas a algumas casas dos festeiros, temos o círio, a batalha entre cristãos e mouros e a famosa dança do Vominê.
Cairo (10 anos): Temos o Vominê, o baile das máscaras, a batalha das crianças e a morte do Atalaia.
Bianca (13 anos): Durante a festa brincamos empinando pipas e brincadeiras esportivas e no dia da festa nos divertimos com o Vominê e o baile das máscaras.
Fica claro, nas vozes das crianças, que todos os elementos que compõem a
Festa de São Tiago são vivenciados por elas de forma lúdica. Mesmo a festa de São
Tiago tendo o aspecto religioso em seu contexto, para as crianças a festa do santo
está permeada de brincadeiras. Como pode ser percebido nas suas falas sobre
brincadeira realizados no período da festa, ao mencionarem o Vominê, a batalha
entre mouros e cristãos, a morte do Atalaia, o baile de máscaras, as danças e até o
círio mirim. Pois sob o olhar da criança, a festa é vivida por elas como um momento
de vivências lúdicas, onde as brincadeiras acontecem.
Isso nos remete à Brougère sobre a relação entre a cultura e as brincadeiras
quando nos fala:
A brincadeira é, antes de tudo, uma confrontação com a cultura. Na brincadeira, a criança se relaciona com conteúdos culturais que ela reproduz e transforma, dos quais ela se apropria e lhes dá significação. A brincadeira é a entrada na cultura, numa cultura particular, tal como ela existe num dado momento, mas com todo o seu peso histórico. A criança se apodera de um universo que a rodeia para harmonizá-lo com sua própria dinâmica. (...) A apropriação do mundo exterior passa por transformações, por modificações, por adaptações, para se transformar em uma brincadeira:
Atividades recreativas esportiva livres
Brincadeiras tradicionais como cabo de guerra, corrida de saco, corrida do ovo, tamanco chinês, pintura, boliche adaptado, pipa, torneio de futebol, corrida, queimada,
canoagem, montaria e natação.
105
é a liberdade de iniciativa e de desdobramento daquele que brinca, sem qual não existe a verdadeira brincadeira. (BROUGÉRE, 2010, p.82).
Outro ponto importante a ser ressaltado, em relação às brincadeiras durante a
festa pelas crianças, é a participação das meninas em determinadas atividades,
como observa-se na fala de Bianca (13 anos) ao ressaltar que se diverte empinando
pipas e nas brincadeiras esportivas, atividades que são ofertadas as crianças no
período da festa, e participam tanto os meninos, como as meninas. Bianca também
se refere ao Vominê e ao baile de máscaras como momentos de brincadeira,
embora aqui a participação direta seja dos meninos, ficando as meninas apenas
como espectadoras. Entretanto as meninas encontram uma forma de romper com a
tradição, mesmo não podendo participar elas se divertem apenas acompanhando os
meninos nesses momentos.
Foto 22 Meninas acompanhando as cenas da batalha.
Fonte: Acervo do pesquisador/2016.
A presença das brincadeiras foi observada em todos os momentos que
sucederam a festa das crianças, desde os rituais religiosos como a alvorada, a
missa celebrada especialmente a elas, o círio mirim, onde são distribuídos apitos de
brinquedos e principalmente durante as encenações das batalhas, mesmo o círio
mirim sendo feito para as crianças, observa-se a participação de alguns adultos, no
caso da maioria dos mascarados, o espetáculo todo é das crianças, e a cada
encenação vivenciam de forma plena sua ludicidade. Pois,
106
O divertimento é inerente ao jogo, às brincadeiras, as atividades lúdicas em si, resiste às interpretações e análises lógicas, pois a ludicidade é fruição. Por mais que se tente, é muito difícil conceituar ou definir a ludicidade pois acreditamos que só podemos compreender o lúdico vivenciando-o através de suas diversas manifestações. (CARVALHO, 2013, p.217).
Assim, considera-se que as crianças de Mazagão Velho, ao brincarem ou
jogarem durante a Festa de São Tiago de forma plena e espontânea, tornam-se os
sujeitos de um processo dinâmico que ao mesmo tempo em que exercem sua
ludicidade e imaginação, preservam e renovam sua história. A criança, assume em
suas brincadeiras os papéis e posições daqueles com quem interage em seu grupo
social, aprendendo costumes e valores dessa cultura.
O saber, nesse sentido, está implícito em suas manifestações religiosas e
culturais na relação entre seus pares e os adultos através das brincadeiras e dos
jogos, que compartilham e produzem sentidos e significados, por meio de suas
vivências culturais.
Na imagem (foto 22), percebem-se essas relações do fazer-brincar das
crianças de Mazagão Velho com suas manifestações religiosas.
Foto 23 Crianças dançando o Vominê
Fonte: Acervo do pesquisador/2016.
O brincar está presente nas atividades realizadas pelas crianças que
participam da festa de São Tiago. Isso ficou evidenciado a partir da observação das
crianças durante as oficinas de construção de brinquedos, utilizados para dar
suporte à teatralização das cenas da batalha.
107
Nesse contexto da festa, percebe-se todo o processo de criação e de
imaginação das crianças na confecção dos seus brinquedos, pois elas produzem e
confeccionam seu próprio material. Ficou evidenciado que através das oficinas, as
crianças têm mais foco, quando elas constroem um cavalo, uma máscara, isso tudo
tem um significado, terá uma continuidade porque automaticamente elas vão ensinar
outros.
Pois o brinquedo, segundo Brougère:
É aquilo que é utilizado como suporte em uma brincadeira; pode ser um objeto manufaturado, um objeto fabricado por aquele que brinca, uma sucata, efêmera que só tem valor para o tempo da brincadeira, um objeto adaptado. Tudo, nesse sentido, pode se tornar um brinquedo e o sentido lúdico de objeto lúdico só lhe é dado por aquele que brinca enquanto a brincadeira perdura. (BROUGÈRE, 2010, p.67).
Diante disso, retomo as conversas realizadas com as crianças, intérpretes
deste estudo. Quando perguntei que brinquedos são construídos ou vivenciados
durante a programação da festa. Elas responderam o seguinte: Lya (11 anos):
espadas, lanças e cavalos de buriti; Jamerson (11 anos): são construídos cavalos de
buriti, máscaras, espadas e lanças; Cristian (08 anos): temos o cavalo de miriti;
espadas de madeira e lanças para a encenação da festa.
Nos diálogos desses intérpretes, percebe-s que as crianças da comunidade
de Mazagão Velho durante as festividades, além de interagirem através das mais
variadas formas de brincadeiras e de jogos, constroem também seus significados
em relação às festas religiosas locais, a partir da construção e socialização de seus
brinquedos, oriundos de seu imaginário religioso, cultural e histórico.
Assim, convergem para a seguinte reflexão:
(...) a atividade de fazer brinquedos com as próprias mãos tem raízes em sociedades pretéritas. Assim, quando um artesão hoje faz um brinquedo, tanto como forma de trabalho como em regime de curtição lúdica, ele o faz não com base na sua experiência prática individual. Além dela, há uma sabedoria acumulada da atividade artesanal, que é fruto do trabalho e do conhecimento prático, deixado pelas gerações que nos precederam. (OLIVEIRA, 1989, p.14).
Nesse sentido, as brincadeiras e os brinquedos criados pelas crianças, são
frutos de seu imaginário e de seus processos criativos, criando, reinventando e
transformando seus saberes e experiências em relação à construção de seus
artefatos.
108
Segundo Videira (2016)31, ainda sobre as oficinas de brinquedos para as
crianças, além dos cavalinhos e das máscaras, são confeccionados as lanças,
espadas e escudos feitos de madeira que as crianças vão criando pela própria
imaginação e criatividade, os adultos só gerenciam, pois “ensinar não precisa, elas
sabem, só coordenamos para que não fujam do foco e devido ao uso de ferramentas
utilizadas na elaboração dos brinquedos. Você dá um pedaço de barro, um pedaço
de buriti para a criança, ela já sabe o que fazer, já vem com aquela imagem, que ela
cria, não tem jeito, tá no sangue”.
Isso nos remete aos estudos de Vygotsky (2009), ao afirmar que a relação
entre imaginação e realidade constitui-se no fato de que toda a obra da imaginação
constrói-se de elementos tomadas da realidade e presentes na experiência anterior
da criança.
Nessa relação o brinquedo é, com suas especificidades, uma dessas fontes.
Se ele traz para a criança um suporte de ação, de manipulação, de conduta lúdica,
traz-lhe também, formas e imagens, símbolos para serem manipulados.
(BROUGÈRE, 2010, p.42).
O que se evidencia nas vozes das crianças é que a maioria dos brinquedos
construídos tem como finalidade, não somente criar acessórios, instrumentos ou
adereços para seus personagens durante os dias da Festa ou para implementar a
grande batalha entre os mouros e cristãos, mas serve, além de tudo, para sua
diversão.
Nas palavras de Brougère:
Os brinquedos podem ser defendidos de duas maneiras: seja em relação à brincadeira, seja em relação a uma representação social. No primeiro caso, o brinquedo é aquilo que é utilizado como suporte numa brincadeira; pode ser um objeto manufaturado, um objeto fabricado por aquele que brinca, uma sucata, efêmera, que só tem valor para o tempo da brincadeira, um objeto adaptado. (BROUGÈRE, 2010, p.67).
31
VIDEIRA, Josué. Presidente do Grupo Folclórico Infantil “Raízes do Marabaixo”. Entrevista em 28/01/17.
109
Foto 24 Crianças com o seu cavalo de buriti.
Fonte: Acervo do Pesquisador/2016.
Para subsidiar esta compreensão, recorro às palavras de Charlot (2000, p.82)
ao evidenciar que “um objeto, ou uma atividade, uma situação, ligados ao saber têm
um sentido, que têm uma significação, é dizer também que ele possa provocar um
desejo, mobilizar, pôr em movimento um sujeito que lhe confere um valor.” Neste
sentido, o brinquedo é dotado de significações culturais, se definirmos a cultura
como um conjunto de significações.
Outra forma de manifestação lúdica, vivenciada durante algumas festas
religiosas no Brasil, são a fabricação e o uso de máscaras. Em Mazagão Velho, o
uso de máscaras também é evidenciado no período da Festa de São Tiago,
presente no ritual dos adultos e na programação das crianças. As máscaras, neste
sentido, como representações de uma bricolagem simbólica e material que
possibilite a construção de significados nos diferentes aspectos da cultura daquele
lugar.
O uso de máscaras pode atribuir vários significados, no contexto de cada
cultura, apresenta um papel fundamental nas celebrações sagradas ou profanas, a
exemplo do carnaval. Mas, em uma perspectiva ampla, o uso das máscaras tem um
caráter mais lúdico e representativo, tanto para adultos como para crianças, pois
conforme diz Caillois (1990, p. 81), “a máscara, objeto sagrado universalmente
disseminado e cuja passagem ao estado do brinquedo talvez assinale uma
modificação única na história da civilização fornece-nos o principal e sem dúvida o
mais notável”.
110
Portanto, a confecção de máscaras pelas crianças da comunidade de
Mazagão Velho deve ser compreendida como parte de sua cultura, de seus saberes,
dos traços culturais e um processo de difusão de conhecimentos construídos em
uma coletividade promovendo desta forma suas manifestações religiosas, históricas
e culturais. Conforme mostram as fotos a seguir:
Foto 25 Máscaras construídas pelas crianças
. Fonte: Acervo do pesquisador/2016.
Nesse contexto, podemos evidenciar a importância do brinquedo e das
brincadeiras presentes na festividade de São Tiago, compreendendo o brinquedo
como ato criativo das crianças, a partir dos aspectos sociais e culturais existentes na
relação onde estão inseridas, onde produzem, recebem e transmitem aquilo que
vivenciam nesta festa, podemos afirmar, que a partir da construção e socialização
dos brinquedos, a ludicidade se faz presente na relação da criança com a festa,
durante os vários momentos vividos. Conforme diz Lya (11 anos) ao se referir como
se diverte na festa: Brincando, dançando e pulando durante a festa e Edgar Davi (10
anos): É um momento maravilhoso para quem brinca, e fica guardado em nossos
corações e levado para o resto das nossas vidas.
5.3 SABERES VIVENCIADOS NA FESTA DE SÃO TIAGO DAS CRIANÇAS
Durante a Festa de São Tiago das crianças percebemos as circularidades de
várias formas de conhecimento como resultado da imaginação das crianças, sendo
também produto da ação humana, historicamente localizado no tempo e no espaço.
111
Desta forma, encontramos uma forma de conhecimento não formal, construído a
partir das experiências, dos símbolos presentes nos traços culturais vivenciados
durante a festa. Transformam-se no que Brandão (2010, p.87) afirma: “são
conhecimentos da cultura do lugar, do saber, que a tradição, ao fazê-lo seu, tornou-
se a norma que o uso do coletivo aceita e aprende”. Esse aspecto do saber
relacionado à tradição pode ser entendido pela intérprete Alice (10 anos) ao afirmar:
“porque a festa é uma tradição que nossos antepassados deixaram para nós”.
Nesse sentido os saberes culturalmente construídos são evidentes quando há
a participação das crianças na confecção de seus brinquedos, na criação e
socialização de suas brincadeiras, conhecimento esse pouco valorizado e
trabalhado nas instituições escolares do município. Isso fica evidente na fala do
menino Jamerson (11 anos) ao ser perguntado se é realizado algum estudo na
escola sobre a festa, a resposta foi a seguinte: “infelizmente não, nenhuma iniciativa
é tomada por parte da escola”.
A partir da fala do intérprete Jamerson, podemos perceber que a escola exclui
os conhecimentos produzidos e socializados nas manifestações culturais como a
Festa de São Tiago. Isso nos remete à teoria de Santos (2010) ao abordar sobre o
pensamento pós-abissal que toma como pressuposto o fato de que a exclusão social
é gerada pela maneira de pensar abissal. O autor propõe através da ecologia dos
saberes uma epistemologia pós-abissal, a qual busca referendar os conhecimentos
não científicos, promovendo a interação e a interdependência entre esses saberes,
vistos como locais, plurais, alternativos e interdisciplinares. Sendo assim, designa a
esse tipo de saber como “Epistemologias do Sul”.
Dessa forma, compreendemos a existência dos saberes presentes nas
manifestações religiosas e culturais na festividade de São Tiago das crianças, que
perpassam as relações entre os sujeitos envolvidos através de processos de
transmissão de conhecimentos e de construção de aprendizagens sendo possível,
assim, relacionar ao pensamento defendido por Santos (2010).
Neste contexto, podemos evidenciar que a Festa de São Tiago das crianças
ao trazer elementos em que é possível perceber não somente a socialização, mas a
circulação de saberes presentes na forma de seus rituais tornando assim, uma
manifestação em que os processos educativos não-formais estão presentes e
relacionados à forma como se manifestam pelos sujeitos.
112
Assim, com base nessas reflexões, destacamos os saberes presentes na
festividade de São Tiago das crianças:
5.3.1 Saber da religiosidade
Neste aspecto podemos considerar que a participação e o envolvimento das
crianças, desde pequenas, com a festa, ocorre devido suas famílias pertencerem a
religião católica e tendo a figura de São Tiago e de São Jorge como santos de
devoção, os quais atribuem uma relação de proteção através de sistemas de
promessas e na organização dos eventos em prol dos santos homenageados.
Assim, os saberes religiosos inseridos no cotidiano da festa, aparecem nos rituais
religiosos, como nas procissões nas ruas, nas ladainhas realizadas nas casas dos
festeiros, nos círios e na missa direcionadas especialmente para elas, sendo essas
manifestações transmitidas através da oralidade, principalmente pelos pais ou avós
para as crianças.
Na relação desses saberes, ressalto o papel das meninas nos rituais
religiosos, pois é de responsabilidade delas conhecer e de proferir durante as
cerimônias as rezas, as ladainhas e os cânticos ensinados por sua mãe ou avós, os
meninos não têm essa responsabilidade, porém o que se percebeu durante a festa,
é que muitos meninos também participam desses rituais, rezando e cantando
durante as ladainhas, colocando em prática o aprendizado do repertório e da
doutrina cristã.
Entre os saberes religiosos, encontramos a prática das promessas, na maioria
dos casos, são feitas pelas avós, para alcançar uma graça, a cura de uma
determinada doença, ou pelo simples fato da criança ao nascer, pertencer ao sexo
masculino, em que, muitas vezes, a família já escolhe se vai ser um “mouro” ou um
“cristão” durante as festividades. Para melhor compreendermos essa prática,
retomamos o discurso das crianças:
As crianças são escolhidas por promessa dos familiares.
(EDGAR DAVI, 10 anos de idade, roda de conversa, 2016). Bom, nas festas das crianças, já temos alguns festeiros de um ano para o outro que são pessoas que fazem promessas e colocam as crianças para representar na festa.
(CRISTIAN, 08 anos de idade, roda de conversa, 2016). Através da promessa, uma família se responsabiliza pela festa das crianças.
(JAMERSON, 11anos de idade, roda de conversa, 2016).
113
A partir das falas das crianças, percebe-se que a promessa é uma prática
que encontra-se inerente ao cotidiano das festas religiosas, presentes também na
comunidade de Mazagão Velho. As rezas e os cânticos são formas de saber da
oralidade, transmitidos sempre pelos mais velhos, em um processo de escuta e
repetição pelas crianças. Assim, o saber religioso se constitui através de uma
educação que privilegia os processos de oralidade, de escuta, de repetição dos ritos
e dos rituais que circulam na festividade de São Tiago.
Retomo aqui as ideias de Charlot (2000 p.63), ao evidenciar que o saber é
construído em uma história coletiva, que é a da mente humana e das atividades do
homem, e está submetido a processos coletivos de validação, capitalização e
transmissão.
5.2.2 Saber da história e da tradição
Visualizamos nas falas das crianças sobre a festa, os saberes relacionados à
história do lugar, ligados à tradição herdada de seus antepassados, onde através da
festa, comemoram e relembram os fatos históricos da transferência da cidade de
Mazagão Velho de Portugal à Amazônia e da luta entre mouros e cristãos. Retomo
algumas falas das crianças sobre a importância da festa na vida delas:
Porque é a identidade cultural de nossas raízes e de nossos antepassados. (BIANCA, 13 anos de idade, roda de conversa, 2016).
Porque através dela damos seguimento a história de nossos antepassados. GUILHERME, 13 anos, roda de conversa, 2016).
Porque temos que preservar nossa cultura e garantir que ela não se acabe. (MAURO DIOGO, 12 anos, roda de conversa, 2016).
É neste sentido e por essa visão que as crianças de Mazagão Velho
compartilham esses saberes aprendendo desde cedo sobre a relevância histórica e
a importância cultural que a Festa de São Tiago representa para elas, pois esse
conhecimento, que não está instituído na matriz curricular nas escolas do município,
mas que são aprendidos por elas, através da circularidade desses saberes por seus
familiares ou por meio das associações culturais que organizam a festa durante todo
o ano.
Essa aprendizagem sobre suas tradições e sobre a história de seus
antepassados ocorre também através de um processo de oralidade, repassadas e
cultivadas no seio da comunidade e muito presente na educação que esses meninos
e meninas recebem de seus familiares ou de outras pessoas da comunidade que
114
trazem em sua “bagagem cultural” elementos dessa historicidade local, os
“historiadores da cidade” como exemplo disso, nomes como: “Seu Vavá”, Josué
Videira, Antônio Videira; “Seu Garça” e outras figuras ilustres de Mazagão Velho.
Outro aspecto que aparece relacionado à preservação desses saberes e das
manifestações que ocorrem em Mazagão Velho é a memória oral e a memória
cultural, sendo que há uma disjunção entre a memória oficial e o imaginário popular
construído principalmente pelo relato dos moradores do município.
Deste modo entendemos que tais saberes estão relacionados a uma
educação que prioriza os aspectos da oralidade, da memorização, do imaginário,
visto que a aprendizagem ocorre em espaços e momentos fora do contexto das
instituições oficiais como a escola ou a igreja e tendo a festa de São Tiago como
instrumento para trabalhar as questões históricas e culturais de Mazagão Velho.
Isso nos leva a compreensão que é na cultura que se dá a formação do
sujeito, da subjetividade e do próprio homem, pois Vygotsky (2007) defende que a
ação humana está orientada para um objeto, de tal modo que a atividade tem
sempre um caráter objetal. Assim, o ensino é uma forma social de organização e de
apropriação da cultura material e espiritual. É nas relações objetivas e concretas que
o sujeito se constitui e estrutura-se como um todo racional. A própria subjetividade
adquire significações a partir da cultura e suas representações.
É neste sentido que as crianças de Mazagão Velho constroem seus
conhecimentos históricos e culturais, internalizando esses saberes aprendendo a
importância da origem de sua história local, de sua subjetivação e valorizando seus
contextos culturais e religiosos, a partir da Festa de São Tiago.
5.3.3 O saber lúdico: o teatro, a dança, o brinquedo e a brincadeira
O momento mais esperado da festa de São Tiago das crianças é a
encenação da batalha entre mouros e cristãos na qual são preparadas para
dramatizarem vestidas com os personagens que dão vida à história da vitória do
cristianismo, representados por São Tiago e São Jorge contra os mulçumanos,
liderados pelo Rei Caldeira. Encontra-se o saber da encenação ou da
representação, pois as crianças ao interpretarem seus personagens, internalizam
diferentes papéis misturando imaginação e realidade Os saberes oriundos dessa
performance teatral perfazem todo um aprendizado, através de suas falas, de seus
gestos e de seus movimentos corporais.
115
Os saberes oriundos dessa performance teatral perfazem todo um
aprendizado, mesmo sem a técnica necessária, através de suas falas, de seus
gestos e de seus movimentos corporais.
Caillois (1990 p.12) nos ajuda na compreensão de que o jogo significa,
portanto, liberdade que deve permanecer no seio do próprio rigor, para que esse
último adquira ou conserve sua eficácia.
Essa encenação da batalha entre mouros e cristãos, na perspectiva das
crianças, torna-se um dos momentos mais esperados por se tratar de um momento
lúdico e de pura diversão, de acordo com as falas dos seguintes intérpretes:
Eu me divirto na batalha (...) (JOSÉ CAIO, 10 anos de idade, roda de conversa, 2016).
Participando e fazendo as encenações da batalha e entrega dos presentes. (FLÁVIO, 11 anos de idade, roda de conversa, 2016).
Eu brinco fazendo parte da encenação da guerra entre mouros e cristãos. (MAURO DIOGO, 12 anos de idade, roda de conversa, 2016).
A participação é voluntária, desde que exista o interesse na brincadeira. Na maioria das vezes, os pais acompanham.
(RONDINELLE, 11 anos de idade, roda de conversa, 2016).
Percebe-se nessas falas que o teatro realizado pelas crianças faz parte dos
rituais presentes na festividade, pois trata-se de um recurso para contar e dramatizar
os principais acontecimentos ocorridos na história de Mazagão Velho, sendo que na
tradição, somente os meninos é que participam da encenação, as meninas só
acompanham ou vão prestigiar como plateia.
É notório observar nas falas dessas crianças que na visão delas, esse
momento de encenação da batalha torna-se um momento de diversão e considerado
por muitos como uma brincadeira, um faz-de-conta sendo, às vezes, nem levado a
sério por alguns integrantes.
Assim, considera-se essa prática teatral como um espaço de criação coletiva,
envolvendo com frequência sessões de improvisação e possibilita que todos os
participantes manifestem sua criatividade e imaginação, tendo um protagonismo no
processo de conhecimento. Além disso, essa forma de trabalhar com as crianças vai
ao encontro do que Sarmento (2011, p.50) aponta como “um dos aspectos mais
significativos das culturas da infância: a interatividade e a comunicação entre os
pares”.
Podemos perceber assim que as crianças, quando inseridas nesses rituais de
encenações durante a festa de São Tiago, vivenciam um processo de socialização e
116
integração que estabelecem laços de respeito e de amizade e consequentemente
também estimula sua aprendizagem sobre fatos de sua história.
Na perspectiva de Brandão:
(...) Aprender é participar de vivências culturais em que, ao participar de tais eventos fundadores, cada um de nós se reinventa a si mesmo. (...) de e entre afetos, sensações, sentidos e saberes, algo mais e mais desafiado raramente disso e profundo destes mesmos atributos. (BRANDÃO, 2002, p.26).
A dança também é uma prática observada e desenvolvida no contexto das
festividades religiosas em Mazagão Velho, como fica evidente nas falas das
crianças:
Na festa das crianças, dançamos o Vominê durante a programação. (JAMERSON, 11 anos de idade, roda de conversa, 2016).
Eu me divirto na batalha e depois vamos dançar o Vominê. (JOSÉ CAIO, 10anos de idade, roda de conversa, 2016).
(...) as crianças se divertem com a dança do Vominê todos os dias e o baile das máscaras.
(RONDINELLE, 11anos de idade, roda de conversa, 2016). A festa é organizada pelos festeiros, na programação, só os meninos participam e dançam o Vominê.
(CAIRO, 10 anos de idade, roda de conversa, 2016).
Percebemos nos discursos dos intérpretes que toda a programação da festa é
acompanhada por uma dança típica: o Vominê, dançada e praticada somente pelos
meninos, sendo um ritual inerente à tradição mazaganense. Durante os 12 dias de
festividade, são dançados nas residências das famílias tradicionais do município, por
volta das 5 horas da manhã, sempre acompanhada por salvas de tiros e seguida
pelo som dos tambores.
A dança, o ritmo, o som, as músicas feitas através das rimas de improviso,
com refrãos que, na maioria das vezes, fazem referência aos donos das residências,
são saberes presentes nos rituais realizados pelas crianças, que devem aprender os
ritmos, as letras e a dança praticados durante a festa. No caso específico, os
meninos devem observar e imitar os mais velhos, para depois desenvolverem suas
habilidades corporais e musicais. Isso fica perceptível na conversa com algumas
crianças: “qualquer criança dança, canta e bate” (tambor) (RONDINELLE, 11 anos
de idade); “É espontâneo, a gente chega lá, olha, observa e depois sai dançando
igual os adultos.” (GUILHERME, 13 anos de idade).
Nota-se, nessas falas das crianças, que a dança do Vominê não necessita de
tanto tempo para que possa ser praticado, é necessário somente observar os mais
117
velhos. Essa forma de saber passa a ser algo espontâneo, constrói-se a partir da
observação, da escuta, do treino e aos poucos colocando-se em prática.
O Vominê é uma dança circular na qual a integração dos gestos, da dança,
dos versos improvisados, do corpo e do som dos tambores. Este som demarca o
ritmo do movimento para os corpos executarem seus gestos. Os versos podem ser
de amor, de agravos, de agradecimentos, de pedidos, homenagens e todos os
demais sentimentos que habitam a natureza humana. Não tem condição social, nem
imposição de idade, o único critério que tem que ser do gênero masculino (homens,
crianças, velhos ou jovens). Seus movimentos vão de acordo com o som dos
tambores, num ritmo que se arrasta e depois vai ganhando movimentos mais
rápidos. A dança aqui pode ser comparada a um jogo, que envolve concentração,
atenção e ritmos de acordo com a melodia.
Sobre a relação entre a dança e o jogo, Huizinga afirma:
São tão íntimas as relações entre o jogo e a dança que mal se torna necessário exemplificá-las. Não é que a dança tenha alguma coisa do jogo, mas, sim, que ela é uma parte integrante do jogo: há uma relação de participação direta, quase de identidade essencial. A dança é uma forma especial e especialmente perfeita do próprio jogo. (HUIZINGA, 2014, p.184).
Com isso, dialogamos com Charlot (2000, p.64), quando este afirma que o
saber se constrói e se tem sentido nas relações sociais a qual o mesmo está
submetido “o saber é relação, valor e o sentido do saber nascem das relações
induzidas e por sua apropriação e só tem sentido e valor por referência às relações
que supõe e produz com o mundo e com os outros”.
A brincadeira e o brinquedo são atividades presentes na festividade de São
Tiago das crianças, neste sentido, também configuram-se saberes construídos por
seus participantes, pois na visão das crianças, a própria festa é o divertimento,
nesse contexto lúdico, estão incluídos seus brinquedos, que são construídos
especialmente para o desenvolvimento da festa infantil, como seus cavalos, seus
escudos, espadas e suas máscaras para o baile infantil.
118
Foto 26 Festa de São Tiago das crianças.
Fonte: Arquivo do Pesquisador/2016.
Por meio da brincadeira, a criança não só reconstrói sua realidade, como
também incorpora elementos de sua cultura local, transmite e assimila
conhecimentos e situações de seu cotidiano. Na festa das crianças, o brincar é
dinâmico e diversificado, é rico de significações e tecido, em cada momento, pelos
sujeitos que nele estão inseridos. Isso pode ser observado na voz dos seguintes
intérpretes:
Nos divertimos nos parques, passeando pela praça, participando de torneios e brincadeiras no balneário e indo para a igreja.
(BIANCA, 13 anos, roda de conversa, 2016). A gente brinca assim ... fica na fila do círio, na batalha a gente corre, o importante é correr, jogando bola e nadando lá no balneário.
(JAMERSON, 11 anos, roda de conversa, 2016). Brincamos de jogar bagaços de laranja no “Bobo Velho”, durante o círio, na entrega dos presentes e na batalha.
(GUILHERME, 13 anos, roda de conversa, 2016).
Imersos nos rituais religiosos praticados durante a Festa de São Tiago, as
crianças constroem suas relações com a ludicidade, pois as brincadeiras e o
brinquedo encontram-se como subsídios para as práticas religiosas como para as de
caráter lúdico. Dessa forma, existe uma linha tênue entre os rituais religiosos
considerados como algo sério com o que as crianças consideram como diversão e
lazer. Assim, festa e brincadeira ganham um único sentido e significado.
Isso nos remete às considerações de Huizinga (2014, p.25), ao enfatizar que
“a festa é uma entidade autônoma, impossível de se assimilar a qualquer outra coisa
que exista no mundo”. Completamos com Carvalho (2013, p.217), ao ressaltar que a
119
forma descompromissada com que a criança se entrega à brincadeira é o que gera
questionamentos em relação a sua seriedade, para a autora a criança tem
consciência de sua brincadeira, ela sabe que na brincadeira está desempenhando
apenas um papel e que a qualquer momento pode modificá-lo, ou mesmo acabar
com a brincadeira.
As brincadeiras e os brinquedos presentes nas festividades em Mazagão
Velho podem ser reconhecidos como formas simbólicas tecidas pelos próprios
sujeitos, pois o simbólico faz parte do brincar, por meio da criatividade e da
capacidade imaginadora que a criança possui. Assim, os saberes presentes no
brincar são reveladores de uma educação voltada para o lúdico e suas
manifestações presentes nos rituais religiosos da festa.
Saberes reveladores de uma realidade em que as crianças, a partir de suas
experiências e conhecimento, são construtoras e transformadoras de suas práticas,
sendo as protagonistas de sua ação lúdica, produzindo assim novos significados.
Considerando o que Carvalho (2016, p.177) ressalta, a ludicidade possui um valor
como forma de saber, ela pode gerar conhecimento, acompanhando as
transformações da realidade vivenciada pelo homem.
Partindo desta premissa consideramos três principais saberes vivenciados
pelas crianças durante a festa de São Tiago: saberes religiosos; saberes tradicionais
e os saberes lúdicos que permeiam toda a relação de ensino-aprendizagem pelos
sujeitos inseridos nessas práticas educativas.
Brandão em suas análises sobre educação afirma que:
(...) o que importa é a nossa capacidade e também a nossa facilidade de atribuirmos significados múltiplos e transformáveis ao que fazemos ao que criamos, aos modos sociais pelos quais fazemos, criamos e, finalmente, a nós mesmos significado. (BRANDÃO, 2002, p.23).
No entanto, podemos observar outros saberes que se materializam nesses
rituais presentes na festa das crianças, os saberes da experiência, pois, ao
observar, imitar e ouvir as orientações dos mais velhos durante os rituais e a
encenação, as crianças a todo instante estão aprendendo. Uma educação que
valoriza a oralidade e a experiência daqueles que ensinam.
Outro saber identificado nas relações dos participantes da festa é a
capacidade de compartilhar, uma vez que vivenciam de maneira coletiva seus
espaços lúdicos, seus aprendizados, suas experiências e nos momentos dedicados
120
às refeições, como no lanche após o círio e no jantar comunitário oferecido a elas no
encerramento das festividades.
Percebe-se ainda o saber ambiental ou ecológico, pois as crianças, no
processo de elaboração de seus brinquedos, apropriam-se de elementos da
natureza como a extração da palmeira do buriti para a confecção dos seus
cavalinhos e de outros artefatos, da busca pela argila ou do barro para a feitura das
máscaras, dando a esses objetos novos significados no contexto da festa.
Nesse sentido, a partir destes processos educativos, que são saberes
transmitidos de geração a geração através da oralidade, da memorização, da
observação, do olhar e imitar o outro, do saber-fazer, podemos considerar como
uma educação não formal, presente nas vivências e experiências das crianças
envolvidas.
121
CONSIDERAÇÕES
Na festa de São Tiago, temos a fé, a busca pela vida e a sensação de dever cumprido.
(JAMERSON, 11 anos de idade) 2016.
Desenho 04: Produção da criança na roda de conversa
Fonte: Edgar Davi (10 anos de idade) 2016
122
Diante das questões abordadas durante o percurso metodológico desta
pesquisa sobre os processos e os saberes presentes nas festividades de São Tiago
das crianças em Mazagão Velho, há considerações relevantes para a discussão no
campo da pesquisa com crianças, que busquei realizar neste estudo.
Entendo ainda que é preciso aprofundar e ampliar as pesquisas que
envolvem a infância e a criança, articulando diferentes enfoques metodológicos para
investigar sobre as culturas lúdicas, principalmente em contextos não-formais,
aspectos como eu debrucei meus estudos – a criança e as manifestações religiosas,
dialogando com outras áreas do conhecimento de forma interdisciplinar como a
Sociologia, a Antropologia e a Pedagogia.
Ao finalizar este estudo, dialogando com diversos autores, posso evidenciar
que no campo da pesquisa em educação em infância ainda existem muitas
possibilidades de investigação, tendo as crianças como verdadeiras protagonistas e
sujeitos de sua própria ação. Dessa forma, optei por não calar e nem esconder meus
interlocutores, além de dar a voz aos pequenos, procurei dar-lhes significação e
representação no decorrer da pesquisa.
Assim, retomo a problemática do estudo, à qual se refere: De que forma os
saberes culturais estão presentes nas práticas lúdicas das crianças na festividade de
São Tiago?
A partir dos pressupostos teóricos e metodológicos evidenciados durante a
pesquisa de campo, pude perceber que o saber encontra-se presente nas
manifestações das crianças da comunidade de Mazagão Velho, através de suas
práticas e vivências lúdicas durante as festividades religiosas pela representação
ritualística realizada por esses sujeitos mirins, sendo que tais práticas estão
inseridas em seus próprios cotidianos e em seus imaginários social e religioso.
Tendo como base algumas análises sobre as vivências lúdicas pelo viés de
seus saberes culturais requer uma compreensão das relações culturais, sociais e
religiosas, bem como das inter-relações que se dão entre cultura lúdica e festas
religiosas produzidas pelas crianças como sujeitos situados socialmente e
historicamente, sendo assim, os verdadeiros protagonistas de sua ação e atuação
nos processos de constituição de seus saberes, bem como a preservação através
dessas vivências de suas memórias e de sua tradição secular.
Neste contexto, as brincadeiras e os brinquedos produzidos pelas crianças da
comunidade de Mazagão Velho trazem os sentidos e significados do próprio
123
contexto em que se realiza a festa e do momento lúdico vivido pelas crianças.
Mesmo às vezes sendo coordenadas pelos adultos, que a todo tempo estão
direcionando as cenas, é possível perceber que as crianças conseguem criar e
recriar o tempo e o espaço para brincarem, a partir dos seus desejos de transformar
o momento “sério” em diversão e brincadeira.
As crianças que participavam de toda a programação alusiva à festa de São
Tiago, tanto os momentos de caráter religioso (missas, ladainhas, círios) e os
momentos mais profanos como as danças, as brincadeiras ou a representação
teatral, a todo instante demostravam sua autonomia sobre as suas vivências lúdicas,
assim como uma relação bem próxima com seus contextos, podemos afirmar que a
festa, desta maneira, faz parte de suas vidas e com ela suas representações
pessoais, sociais e culturais.
De modo geral, os diálogos realizados revelam que as crianças a partir de
suas brincadeiras, seus jogos dramáticos e a confecção de seus brinquedos
artesanais constroem seus significados e suas relações com seus pares e com os
adultos em um processo de coletividade, tendo como elo a Festa de São Tiago.
Dessa forma, os saberes lúdicos vivenciados pelas crianças de Mazagão
Velho, em que a educação faz parte desse processo, sendo que há transmissão de
conhecimentos por parte dos adultos (pais, mães, oficineiros, artesãos) através do
ensinar e do aprender, presente também na relação entre as próprias crianças, em
que uma ensina a outra, numa dinâmica de reciprocidade.
Neste estudo, encontra-se um esforço teórico, no sentido da valorização dos
saberes vivenciados pelas crianças durante a manifestação da própria essência
lúdica e suas vozes, procurando assegurar as interpretações dos seus próprios
criadores. Assim, compreendo que a relação com o saber pressupõe um processo
dinâmico que pertence aqueles que lhes confere um determinado valor. Dessa
forma, os saberes lúdicos se concretizam quando as crianças através de suas
encenações e de seus rituais religiosos conseguem interagir e se mobilizar através
de sua ludicidade.
A investigação mostrou ainda, o quanto é diversificado o universo lúdico das
crianças, já que os brinquedos, jogos e brincadeiras entrelaçam-se com as
atividades de dramatização e dos rituais religiosos representados e recriados pelas
crianças na festividade de São Tiago.
124
A criança, portanto, reelabora seus espaços de brincar, reinventando seu
mundo, ressignificando o que já está estabelecido pela cultura, permitindo que novos
significados sejam gradualmente construídos através das redes de interação entre
as crianças e suas manifestações simbólicas como frutos de seus modos de viver e
de sentir.
Nesta direção, existe a perspectiva de se fazer novas descobertas e desvelar
novos caminhos. Algumas sugestões importantes apontam para a continuidade da
investigação do fenômeno do brincar na festividade de São Tiago das crianças,
entre elas podemos citar: um aprofundamento no campo das mentalidades infantis,
do qual o referido estudo encontra-se ao demonstrar como as crianças pensam,
elaboram, demonstram e respeitam seus modos de sentir e de viverem, a partir de
suas manifestações culturais.
Outro aspecto relevante que a pesquisa demonstrou foi o campo das artes,
especificamente a dramatização das cenas históricas realizadas pelas crianças
durante a festa, sendo a arte o caminho para a internalização de suas religiosidades,
de todo o ritual e do próprio mito de origem da festa.
Assim, meu olhar curioso, defrontou-se não somente com as crianças com
uma responsabilidade imposta pelos adultos de preservar a história local e o seu
maior legado, a Festa de São Tiago, aprendendo a tradição que um dia será de
responsabilidade delas, mas, ao contrário, encontrei crianças que verdadeiramente
sabiam de seu papel no momento presente e demonstravam sentimentos de
respeito e admiração por sua cultura, como sujeitos autônomos, criativos,
participativos e inseridos em toda a ação cultural.
Diante dessas considerações, percebo, portanto através do meu olhar
enquanto pesquisador, que as crianças são as verdadeiras protagonistas de suas
ações, um ser ativo, dotado de sentido e competência na sociedade em que vive,
construindo um novo sentido de valorização da experiência da infância, longe da
visão idealizadora do adulto.
Sendo assim, ao chegar a este ponto da pesquisa, trago como não conclusivo
este estudo, pois o mesmo aborda apenas um fragmento, parte de uma versão da
história da Festa de São Tiago, registrada aqui através do olhar das crianças, já que
a história de Mazagão Velho se reconstrói e se ressignifica em uma multiplicidade de
versões, resíduos de uma memória que resiste ao tempo através de suas narrativas
125
orais contadas por seus moradores, preservando-a no tempo e no espaço por meio
se suas práticas religiosas e culturais.
126
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132
APÊNDICES
133
APÊNDICE - A
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
(Modificado com autorização do Prof. Dr. João Batista Garcia e do Prof. Ms.
Ferdinand Edson de Castro da Universidade Federal do Maranhão).
“TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO”
O Projeto intitulado Cultura e Saberes na Festividade de São Tiago: o lugar do
brincar nos dizeres das crianças necessitará realizar entrevistas com os sujeitos a
serem investigados, que são crianças de 06 a 12 anos. No entanto, é preciso que os
pais ou responsáveis autorizem a participação das crianças neste estudo. A
qualquer momento todos poderão ter acesso aos pesquisadores para
esclarecimentos de dúvidas ou até mesmo por algum motivo cancelar a autorização
consentida e retirar-se do processo. Além disso, quando acharem necessário os
responsáveis poderão solicitar explicações e esclarecimentos sobre a construção da
pesquisa em contato direto com o pesquisador por meio dos seguintes contatos:
telefone (96) 991408200; email [email protected] e end. Av Tamoios, 380,
bairro Beirol, Macapá – Amapá CEP 68902-180 ou Orientadora pelo contato (91)
991884231; End. Trav. Benjamim Cosntant, nº. 854, Ap.901 – Reduto CEP:
66053040.Belém- Pará.
Assim como responsável pela criança autorizo a mesma a participar da pesquisa
estando ciente de todas as informações sobre o projeto. Além de autorizar o uso de
imagem e as publicações de áudio, fotos, bancos de dados e outros desde que
sejam para fins acadêmicos.
Em __________/_______________/________________
_________________________ _______________________________
Criança Responsável da Criança
__________________________ ___ _______
Pesquisador Orientadora
134
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PARÁ
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E DA EDUCAÇÃO NUCLEO DE PESQUISAS E PÓS-GRADUAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO – LINHA DE PESQUISA: SABERES CULTURAIS E EDUCAÇÃO NA AMAZÔNIA
PROJETO DE PESQUISA: CULTURA E SABERES NA FESTIVIDADE DE SÃO
TIAGO: O LUGAR DO BRINCAR NOS DIZERES DAS CRIANÇAS
ROTEIRO DE PESQUISA:
1 – Por que a Festa de São Tiago é importante na vida de vocês??
2- Como se dá a participação de vocês na Festa? Existe um convite ? Uma
autorização dos pais?
3 – Como as crianças são/ estão organizadas para participar da Festa e da
Programação?
4- Como são escolhidas as crianças para representarem os personagens da Festa?
5 – Que sentimentos e sensações são vivenciados durante a Festa por vocês?
6- Quais são as brincadeiras realizadas durante a programação da Festa e durante
os dias destinados ás crianças ??
7 – Que brinquedos são construídos, socializados ou vivenciados durante a
programação da Festa ??
8 – Como vocês (crianças) se divertem durante a Festa ?
9 – Existe algum critério para participar da Festa e das brincadeiras? Quais são
esses critérios?
10 – É realizado algum estudo na escola sobre a Festa de São Tiago ?
135
APÊNCICE – C
PERFIL SÓCIOHISTÓRICO DA CRIANÇA
Qual seu nome?
Qual sua idade?
Com quem você mora?
Qual sua religião?
Onde estuda? Em que ano está ?
Qual a profissão dos seus pais?
136
Universidade do Estado do Pará
Entro de Ciência Sociais e Educação Programa de Pós-Graduação em Eucação
Travessa Djama Dutra, s/n – Telégrafo 66.113-200 – Belém-PA
www.uepa.br/mestradoeducaca