marlon assis pastana -...

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Universidade Estadual do Pará Pró Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação Centro de Ciências Sociais e Educação Programa de Pós- Graduação em Educação - Mestrado Marlon Assis Pastana CULTURA, SABERES E EDUCAÇÃO: a festividade de São Tiago em Mazagão Velho na voz das crianças no Estado do Amapá Belém 2017

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Universidade Estadual do Pará Pró –Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação

Centro de Ciências Sociais e Educação Programa de Pós- Graduação em Educação - Mestrado

Marlon Assis Pastana

CULTURA, SABERES E EDUCAÇÃO: a festividade de

São Tiago em Mazagão Velho na voz das crianças no

Estado do Amapá

Belém

2017

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Marlon Assis Pastana

Cultura, Saberes e Educação: a festividade de São Tiago em Mazagão

Velho na voz das crianças no Estado do Amapá

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Pará (UEPA), na linha de pesquisa Saberes Culturais e Educação na Amazônia. Para obtenção do Título de Mestre em Educação. Orientado pela Profª. Drª Nazaré Cristina Carvalho.

Belém 2017

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Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP) Biblioteca do CCSE/UEPA, Belém - PA

Pastana, Marlon Assis Cultura, saberes e Educação: a festividade de São Tiago em Mazagão Velho na voz

das crianças no Estado do Amapá /Marlon Assis Pastana; orientação de Nazaré Cristina Carvalho, 2017.

Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade do Estado do Pará, Belém,

2017.

1. Festas religiosas. 2. Crianças – Manifestações religiosaa 3. Cultura. I. Carvalho, Nazaré Cristina. (orient.). II. Título.

22º ed. 394.26

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Marlon Assis Pastana

Cultura, Saberes e Educação: a Festividade de São Tiago em

Mazagão Velho na voz das crianças no Estado do Amapá

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Pará (UEPA), na Linha de pesquisa Saberes Culturais e Educação na Amazônia. Para obtenção do Título de Mestre em Educação. Orientado pela Profª. Drª Nazaré Cristina Carvalho.

Data da Aprovação: / /

Banca Examinadora

Profª Drª. Nazaré Cristina Carvalho – Orientadora/ UEPA

Doutora em Educação Física e cultura pela UGF

Profª. Drª. Laura Maria Silva Alves - Examinadora Externa / UFPA

Doutora em Psicologia da Educação - (PUC/SP) Universidade Federal do Pará

Profª. Drª. Denise de Souza Simões Rodrigues – Examinadora Interna

Doutora em Sociologia - UFC Universidade do Estado do Pará

Profª. Drª. Josebel Akel Fares – Examinadora Interna

Doutora em Comunicação e Semiótica – (PUC/SP) Universidade do Estado do Pará

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À Ana Cleonice, meu alicerce e minha companheira na vida, no trabalho e nos estudos.

Aos meus filhos Andrew, Arthur e Anthony por fazerem parte de minha

existência e pela troca de suas experiências ao brincarem comigo.

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AGRADECIMENTOS

À Deus, Alfa e Ômega, que me concedeu o dom da vida; minha fonte de luz, força e

sabedoria. A razão do meu viver. O agradeço por ter me agraciado com a

companhia de pessoas tão especiais que me ajudaram a vencer cada momento

dessa jornada chamada vida.

Aos meus pais, Francisco e Maria das Graças e, em especial à minha mãe por seu

amor incondicional para comigo e meus irmãos, por seus ensinamentos sobre

valores como respeito, humildade e trabalho.

À minha esposa Ana Cleonice, por seu apoio imprescindível na realização deste

sonho, que não mediu esforços para que eu concretizasse, mesmo estando grávida,

permitiu que eu fosse estudar em outro Estado.

Aos meus amados filhos Andrew Raphael, Arthur Miguel e Anthony Gabriel, por

tornarem meus dias mais alegres e felizes.

Aos meus irmãos Guaracy, Harlan, Irlene e Francilene pelo respeito, carinho e apoio

durante essa jornada, em especial às minhas irmãs por sempre estarem ao meu

lado.

À minha orientadora Professora Nazaré Cristina Carvalho por ter me acolhido em

sua vida acadêmica nesse período. Sem suas orientações, ensinamentos, paciência

e sugestões necessárias não seria possível realizar este trabalho. Obrigado

Professora por respeitar meu ritmo de produção e, mais ainda por sua compreensão

e sensibilidade em entender minha situação de mestrando “retirante”. Espero

sempre contar com seu apoio e amizade.

À Professora Denise de Souza Rodrigues pelos seus ensinamentos durante as aulas

do Mestrado e por suas valiosas contribuições para a realização da pesquisa.

À Professora Laura Maria Silva Alves pelas suas contribuições e sugestões em

minha qualificação, as quais foram de suma importância para a concretização do

trabalho.

À Professora Ivanilde Apoluceno de Oliveira pelos seus ensinamentos e valiosas

contribuições durante as aulas do Mestrado.

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Na pessoa da Professora Josebel Akel Fares, agradeço todos/as os/as

professores/as do Mestrado em Educação da UEPA, pelos ensinamentos que

levarei para toda a minha vida.

Aos amigos e amigas da 11ª turma do Mestrado em Educação, em especial à

Fernanda e Dilma por compartilhar momentos de crescimento intelectual em relação

à pesquisa com crianças, à Monica, Sullivan, Leomax, Maynara e Jaqueline pelo

acolhimento e amizade conquistados durante essa jornada.

As amigas Nazur e Bel pelas tantas vezes que me acolheram em sua casa como se

fosse alguém da família, pelo cuidado e carinho por mim em Belém.

Às amigas Socorro Torres e Cléia Santana, à época minhas gestoras do CAAH/S

(Estado) e NTM (Município) pela liberação para os meus estudos na capital

paraense.

A amiga Simone da Silva Guedes de Souza pela forma ética e competente com que

realizou a revisão da escrita deste texto.

Ao amigo Jefferson Miranda por seu apoio incondicional e sua contribuição na

formatação deste trabalho.

À equipe pedagógica do CAAH/S: Ana Maria Picanço, Benezuete Santos, Eunice

Chagas e Jacy pela compreensão e apoio durante minhas ausências no trabalho.

Ao Srº Josué Videira – verdadeiro “historiador de rua” pelo apoio incondicional na

realização da pesquisa em Mazagão Velho.

Às crianças da Comunidade de Mazagão Velho, em especial ao grupo de crianças

da Associação Infantil “Raízes do Marabaixo”, atores e protagonistas deste estudo.

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Lugar mais bonito de um passarinho ficar é a palavra. Nas minhas palavras ainda vivíamos meninos do mato.

Eu vivia embaraçado nos meus escombros verbais. O menino caminhava incluso em passarinhos

(...) Ali até santos davam flor nas pedras.

Porque estávamos todos abrigados pelas palavras usávamos todos uma linguagem de primavera.

Eu viajava com as palavras ao modo de um dicionário. A gente bem quisera escutar o silêncio do orvalho

sobre as pedras. Tu bem quisera também saber o que os passarinhos

sabem sobre os ventos. A gente só gostava de usar palavras de aves porque

eram palavras abençoadas pela inocência. (...)

Eu sonhava de escrever um livro com a mesma inocência que as crianças fabricam seus navios de papel.

Eu queria pegar com as mãos no corpo da manhã Porque eu achava que a visão fosse um ato poético

de ver (...)

Manoel de Barros

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RESUMO

A presente pesquisa tem como questão central a seguinte problemática: De que forma os saberes culturais estão presentes nas práticas lúdicas das crianças na Festividade de São Tiago? Tendo como objetivo geral identificar quais os saberes culturais manifestados pelas crianças durante a Festividade de São Tiago no Município de Mazagão Velho. Como objetivos específicos: analisar os saberes presentes nas práticas lúdicas das crianças a partir da Festividade e descrever de que forma se manifestam esses saberes durante as manifestações religiosas na festa de São Tiago. Caracteriza-se metodologicamente como uma pesquisa qualitativa, utilizando como abordagem elementos da Etnometodologia, por proporcionar uma investigação mais detalhada e profunda da realidade estudada. Utiliza-se como fonte de coleta de informação a observação direta, o diário de campo, o registro fotográfico, e como técnica de pesquisa oficinas de desenhos e gravação das vozes das crianças. Para a interpretação dos dados desta pesquisa utilizou-se a análise do conteúdo. Este estudo teve como intérpretes 16 (dezesseis) crianças, sendo 07 (sete) meninas e 09 (nove) meninos, com faixa etária entre 07 (sete) e 13 (treze) anos de idade que participam da festa de São Tiago das crianças. Dessa forma, partindo dos conhecimentos construídos durante a festa de São Tiago das crianças, identificaram-se os principais saberes presentes na festa, são eles: saberes religiosos, saberes tradicionais e os saberes lúdicos, os quais são compartilhados e transmitidos entre os sujeitos envolvidos nesse processo educativo e vinculados a uma educação não formal que valoriza aspectos como a religiosidade, a corporeidade, a sensibilidade, a ludicidade, a cooperação, organização e a difusão de valores sociais e culturais.

Palavras-Chave: Saberes. Festas. Criança. Lúdico

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ABSTRACT

The present research has as main question the following problematic: How the culture knowlegde are present in playful practices of children in the Festivity of Saint Tiago? Having as general objective identify which the culture knowledge manifestaded by the children during the Festivity of Saint Tiago in the county of Mazagão Velho. As objectives specifics: analyze the knowledge presents in playful practices of children from the Festivity and describe how it manifested this knowledge during the religion manifestation in Festivity of Saint Tiago. Characterizes itself methodologically as a research qualitative, using as approach elements of ethnomethodologically, for provide a investigation more detailed and deeper of the studied reality. Used as source collect of information the direct observation, the camp dairy, the photography record and as research technical, drawing workshop and recording of children`s voices. For the interpretation of the data of this research used the analyzed of the content. This research has as interpreters 16 (sixteen) kids, 7 (seven) girls and 9 (nine) boys, with the age group between 7 (seven) and 13 (thirteen) years old that participated of Festivity of Saint Tiago for children. In this way, starting from the knowledge build during the Festivity of Saint Tiago for children, was identified the main knowledge present in the festival are: religion knowledge, traditions knowledge, playful knowledge, of the staging, the experience, of sharing and environmental, which are educational and linked to a non-formal education that values aspects like religionsity, corporeity, sensibility, playfulcity, cooperation, organization and the diffusion of social and culture values.

Key-words: Knowledge. Festivity. Children. Playful.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AP Amapá.

ACFST Associação Cultural da Festa de São Tiago.

BDTD Biblioteca Digital Brasileira.

CAAH/S Centro de Atividades de Altas Habilidades/ Superdotação.

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.

GO Goiás

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

NTM Núcleo de Tecnologia Municipal.

PARFOR Plano Nacional de Formação da Educação Básica.

PUC/Goiás Pontifícia Universidade Católica de Goiás.

RN Rio Grande do Norte

SETRAP Secretaria de Transporte do Estado do Amapá.

UEPA Universidade do Estado do Pará.

UFPA Universidade Federal do Pará.

UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

UFU Universidade Federal de Uberlândia.

UFG Universidade Federal de Goiás.

UFBA Universidade Federal da Bahia.

UFMG Universidade Federal de Minas Gerais

UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro

USP Universidade de São Paulo

UNB Universidade de Brasília.

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LISTA DE MAPAS

MAPA 01- Localização do município de Mazagão Velho/Ap.

MAPA 02- Localização geográfica da região de El Jadida

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LISTA DE FOTOS E FIGURAS

Foto 01 Igreja de Nossa Senhora da Assunção Foto 02 Oficina de desenho e escultura sobre a Festa de São Tiago Foto 03 Batalha entre mouros e cristãos Foto 04 Imagem de São Tiago Foto 05 O rio Mutuacá em frente à Igreja Matriz Foto 06 Representação da batalha Foto 07 Personagens de São Jorge e São Tiago Foto 08 Crianças dançando o Vominê Foto 09 Baile das Máscaras adulto/2016 Foto 10 Representação de São Tiago durante a procissão Foto 11 Passagem do “Bobo Velho” Foto 12 Crianças vestidas de São Jorge e de cristão Foto 13 Festeira do ano de 2016 e crianças lanchando após o círio Foto 14 Batalha entre mouros e cristãos Foto 15 Início da Batalha das crianças Foto 16 Criança dramatizando a batalha Foto 17 Criança “cristã” se preparando para a batalha Foto 18 Cavalos de Buriti Foto 19 Meninos com seus cavalos de buriti Foto 20 Círio das crianças 2016 Foto 21 Criança encenando o personagem Atalaia Foto 22 Criança encenando a morte do Atalaia Foto 23 Crianças dançando o Vominê Foto 24 Crianças com seus cavalos de buriti

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Foto 25 Máscaras construídas pelas crianças Foto 26 Mosaico de crianças na Festa de São Tiago .. DESENHO 01 Produção da criança na roda de conversa DESENHO 02 Produção da criança na roda de conversa DESENHO 03 Produção da criança na roda de conversa DESENHO 04 Produção da criança na roda de conversa

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Perfil sócio histórico dos intérpretes da Pesquisa

Quadro 2 Resposta das crianças sobre a importância da Festa de São Tiago

Quadro 3 Atividades realizadas durante a Festa das Crianças

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SUMÁRIO

1 FESTA DE SÃO TIAGO: PRIMEIRAS APROXIMAÇÕES..................................18

2 PERCURSO METODOLÓGICO DA PESQUISA............................................32

2.1 Método e Tipo de Pesquisa...........................................................................33

2.2 Técnicas utilizadas.........................................................................................35

2.3 Tratamento e Análise dos Dados..................................................................37

2.4 Aspectos Éticos da Pesquisa........................................................................38

2.5 Crianças: as intérpretes da Pesquisa...........................................................39

2.5.1 Perfil Sócio Histórico das crianças intérpretes da pesquisa............................40

2.6 Direcionamento para a produção dos dados..............................................44

2.7 O Lócus da Pesquisa: o lugar da História...................................................48

2.7.1 A Comunidade de Mazagão Velho..................................................................48

3 MAZAGÃO VELHO – A CIDADE FLUTUANTE: DE LISBOA A MACAPÁ......52

3.1 Memórias e Identidades de uma comunidade – A Festa de São Tiago........56

3.1.1 A Festa............................................................................................................59

3.1.2 A primeira procissão: o início da festa..............................................................62

3.1.3 A Alvorada e o Vominê.....................................................................................63

3.1.4 O Baile de Máscaras........................................................................................65

3.1.5 A segunda procissão: o Círio...........................................................................68

3.1.6 A passagem do “Bobo Velho”...........................................................................69

3.1.7 A Batalha..........................................................................................................70

3.2 A Festa das crianças......................................................................................72

4 FESTAS, SABERES E CULTURA..................................................................80

4.1 Os saberes e a cultura na Festa de São Tiago das crianças.....................85

5 O LUGAR DO BRINCAR NA FESTIVIDADE DE SÃO TIAGO.......................93

5.1 A Festa através dos olhares e das vozes das crianças..............................98

5.2 Brincadeiras e Brinquedos na Festa de São Tiago...................................103

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5.3 Saberes Vivenciados na Festa de São Tiago das Crianças.....................110

5.3.1 Saber da religiosidade.....................................................................................112

5.2.2 Saber da história e da tradição........................................................................113

5.3.3 O saber lúdico: o teatro, a dança, o brinquedo e a brincadeira......................115

CONSIDERAÇÕES .................................................................................................121

REFERÊNCIAS .......................................................................................................126

APENDICES.............................................................................................................132

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SEÇÃO I FESTA DE SÃO TIAGO: PRIMEIRAS APROXIMAÇÕES

Foto 1: Igreja de Nossa Senhora da Assunção

Fonte: Acervo do Pesquisador/2016

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Meu primeiro contato com o tema escolhido nasceu de minha experiência

como professor do Curso de Pedagogia, na Universidade do Estado do Amapá

(Regular e do PARFOR) nas disciplinas de Fundamentos Teórico- Metodológicos da

Educação Infantil, Ludicidade na Educação Infantil e Anos Iniciais e Práticas

Pedagógicas I, II e III, em especial ao PARFOR1 programa em parceria com o

Governo Estadual que visa proporcionar a formação em nível superior aos

professores que atuam na Educação Básica.

No decorrer das aulas ministradas, durante os módulos, e a partir do relato

das experiências dos alunos-professores, principalmente aqueles oriundos do

interior do Estado, dos municípios vizinhos como Porto Grande, Santana, Bailique2,

Ferreira Gomes, Mazagão Novo e Mazagão Velho, foi juntamente com esses alunos,

em especial, que fui tendo o conhecimento de suas formas de viver, de se relacionar

e de manifestar suas culturas, expressas nas mais variadas formas e muitas vezes

distantes da realidade “urbana”.

Dentre essas experiências descritas por esses educandos – professores3,

uma festa chamou minha atenção de forma mais peculiar – A Festividade de São

Tiago, no município de Mazagão Velho, que, apesar de ser realizada há muitos anos

naquela localidade, sua origem e história são pouco conhecidas pelos moradores

dos outros municípios, bem como da Capital, Macapá.

No contexto das disciplinas como de Fundamentos Teórico-Metodológicos

da Educação Infantil e Fundamentos Teórico-Metodológicos da Geografia, que tinha

como eixo o estudo do sujeito criança e suas diversas maneiras de aprender a ser e

estar no mundo e com o mundo, através da socialização de projetos desenvolvidos

pelos acadêmicos, chamou-nos a atenção que durante a realização da festividade

de São Tiago, no Município de Mazagão Velho, existe um momento, em particular, o

qual as crianças, a maioria filhos e filhas dos participantes e organizadores da Festa,

reconstroem, a partir de seus “olhares” e de sua percepção a encenação da batalha

dos mouros contra os cristãos.

1 Plano Nacional de Formação de professores da Educação Básica, na modalidade presencial é um

programa emergencial instituído para atender o dispositivo no Artigo 11, inciso III do Decreto nº. 6.755, de 29 de janeiro de 2009, implantado em regime de colaboração entre CAPES, os estados, municípios e as instituições de ensino superiores-IES. 2 O Arquipélago do Bailique – é um conjunto de oito ilhas no leste do Estado do Amapá, as quais se

distam cerca de 160 a 180 km de Macapá. O acesso é feito somente por via fluvial pelo Rio Amazônas. 3 São denominados assim pelos professores do Programa pela condição de já atuarem há muitos

anos no magistério, desde da educação infantil até os anos iniciais do Ensino Fundamental.

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A partir das experiências como docente nessas disciplinas, em particular de

minhas vivências e de contatos profissionais com o sujeito criança, o interesse e a

reflexão pelo tema suscitou vários questionamentos: Qual a participação dessas

crianças nesses rituais? Quem são? Por que e como se dão a compreensão e a

construção desses saberes no momento de suas representações? Que possíveis

sentimentos? Quais possíveis restrições ao brincar? A participação das crianças

reflete algum conflito social? Qual o papel, nesse contexto, do brincar? Que valores

sociais estão em jogo?

Sempre em busca de aprofundamento teórico- científico sobre as temáticas

envolvendo a pesquisa com crianças e sua relação com a ludicidade, fiz o processo

seletivo para o Mestrado em Educação, da Universidade do Estado do Pará, na linha

Saberes Culturais e Educação na Amazônia. Sendo assim, minha inserção no

mestrado proporcionou-me estar em contato com várias disciplinas que contribuíram

para o aprofundamento nas questões relacionadas à educação e aos processos

culturais, ideológicos, epistemológicos e filosóficos.

Vale destacar que, neste processo, por meio da disciplina Cultura, Saberes e

Imaginário na Educação Amazônica4, fui apresentado a temáticas e autores com os

quais ainda não havia tido contato em minha trajetória acadêmica, como por

exemplo, Gilbert Durand, Cornélius Castoriadis, Gaston Bachelard e outros. Na

disciplina Seminários Temáticos de História Cultural5, aproximei-me da historiografia

cultural e do estudo das mentalidades e circularidade cultural, através dos teóricos

como Peter Burke, Carlos Ginzburg, E.P. Thompson, Roger Chartier e Laura de

Melo e Souza, em que tive a oportunidade de conhecer sobre o processo de

ideologia da Igreja no Brasil colônia. Pude, neste contexto, ainda, observar e

analisar a importância dos ritos e das festas católicas no processo colonizador

jesuítico e na construção da mentalidade do povo brasileiro.

Na tentativa de obter mais conhecimento sobre o processo de interpretação

de que o homem cria seu mundo a partir de processos culturais que apresentam

diferentes significados, destaco que a cultura, segundo Brandão (2009), estaria no

que dizemos e em como dizemos palavras, ideias, símbolos e sentidos entre nós e

para nós e o que fazemos em nosso mundo para nos organizar socialmente e

4 Disciplina ministrada pelas professoras- doutoras Nazaré Cristina Carvalho, Denise Simões e

Josebel Akel Fares. 5 Disciplina ministrada pela Prof. Dr. Maria Betânia B. Alburqueque.

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transformá-lo. E sobre os quais o homem imprime significado. (GEERTZ, 2015,

p.150).

Dessa forma, busco compreender por meio de uma manifestação popular e

religiosa, realizada no Município de Mazagão Velho, no Estado do Amapá –

popularmente conhecida como a Festa de São Tiago – identificar de que forma os

saberes culturais estão presentes nas práticas lúdicas das crianças participantes

desta festa.

A Festa de São Tiago é uma das maiores manifestações religiosas e

culturais do Amapá, realizada na histórica Vila de Mazagão Velho (hoje município),

quando as famílias de colonos lusos, estabelecidas em Mazagão, criaram a festa

com o objetivo de homenagear o misterioso e destemido soldado São Tiago, que

apareceu nas batalhas, lutando ao lado de São Jorge e dos cristãos numa sangrenta

batalha.

As festas podem ser entendidas:

Como uma manifestação de uma identidade coletiva, pois se trata de um meio de organização social e uma forma de concretização da necessidade de convívio grupal para troca de sentimentos e ou experiências. E, portanto, o momento de dinâmica sociocultural em que uma coletividade reafirma, de modo lúdico, as relações culturais e a cultura que lhes são próprias. (DEL PRIORE, 1994, p.10).

Nesse contexto, a Festa de São Tiago expressa características peculiares

de nossa região, da nossa terra e da nossa gente, onde circulam conhecimentos e

saberes culturais e que se perpetuam através da riqueza de seus ritos reveladores

de toda uma religiosidade presente em suas manifestações. De certa forma, o

próprio imaginário manifesta-se a partir das experiências vivenciadas nessas festas

religiosas populares e nesses ritos. Dessa forma, Brandão (2007) afirma que:

Tudo o que é importante para a comunidade, e existe como algum tipo de saber, existe também como um tipo de ensinar (...) cada tipo de grupo humano cria e desenvolve situações, recursos e métodos empregados para ensinar às crianças, aos adolescentes, e também aos jovens e mesmo aos adultos, o saber, a crença e os gestos que os tornarão um dia o modelo de homem ou de mulher que o imaginário de cada sociedade – ou mesmo de cada grupo mais específico – dentro dela idealiza, projeta e procura realizar. (BRANDÃO, 2007b, p.22, 23).

A Festa de São Tiago possui uma grande expressão ritualística, na forma de

manifestação religiosa carregada de fé e comoção, possuidora de práticas

educativas e com grande participação de sujeitos que estão dentro de um processo

de ensino e aprendizagem, sendo que os rituais não estão associados somente à

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religião, devido percebê-los como linguagem comunicativa (GEERTZ, 2015), ou

seja, o processo do ritual rearticula elementos do mundo social em uma nova

linguagem simbólica. Durante a festa, existe uma participação muito expressiva, de

crianças durante toda a programação da mesma, sendo que existem dois dias

específicos que são dedicados especialmente a elas, momento em que reconstroem

toda a teatralidade respectivamente, encenando os diversos momentos que

compõem a Festa de São Tiago.

Nesse contexto, entendo que as crianças têm no seu mundo cultural uma

autonomia, o que significa que elas não apenas recebem o que lhes é dado como

resultado de uma construção social e cultural dada e significada pelos adultos, mas

são capazes de reconstruir o mundo que as cerca, atribuindo-lhe significado próprio,

sendo que os sentidos que expressam partem de um sistema simbólico partilhado

pelos adultos. Criando assim, um mundo propriamente humano, que é o mundo da

cultura. (BRANDÃO, 2002, p.40).

Pensar a criança como pertencente a um determinado grupo social, quer dizer

de uma escola, de uma rua, crianças de um grupo de brincadeiras, de uma classe,

de diferentes grupos e contextos. (DERMARTINI, 2009).

Assim, reconheço que a infância é entendida como uma construção social,

como um componente estrutural e cultural específico de muitas sociedades. Tendo

uma participação ativa e criativa como sujeitos desses processos. (BELLONI, 2009,

p.130).

No processo de realização deste estudo – o qual está voltado para as

relações entre as festas religiosas e a cultura lúdica das crianças envolvidas nessa

pesquisa – foi necessário fazer um estado da arte a partir do banco de dados da

CAPES6 e no site da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD)7,

no período de 2010 a 2015, no sentido de entender de que maneira essas

produções estavam sendo abordadas, bem como em quais áreas do conhecimento

estavam inseridas. Desta forma, encontrei estudos e pesquisas que me instigaram e

contribuíram para o aprofundamento e conhecimento do objeto de estudo.

Em relação à categoria “festas religiosas”, foram encontradas 16 teses e 15

dissertações acadêmicas, em que se observou uma predominância destes

vinculados à antropologia e à educação sendo a maioria abordando práticas fora do

6 www.capes.gov.br

7 http://bdtd.ibict.br

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contexto escolar e priorizando o estudo e análises no contexto cultural e religioso

dessas práticas. Ressalto nessas produções seis teses de mestrado e três de

doutoramento.

Diante disto, Carvalho (2011), que traz em sua dissertação de mestrado em

Desenvolvimento Sustentável, intitulada: “A Festa do Santo Preto: tradição e

percepção da Marujada Bragantina” da Universidade de Brasília (UNB), apresenta

como objeto de análise a celebração cultural bicentenária dos rituais da Marujada de

São Benedito de Bragança (Pará), a qual buscou conhecer as identidades culturais

dos rituais que compõem a manifestação e compreender como se dá o diálogo entre

os principais sujeitos sociais que protagonizam a festa.

Silva (2014) em sua dissertação de mestrado em Ciências Sociais da

Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) com o título: “Festa do Encontro,

Festa Dadivosa: a trezena franciscana na região rural de Tabocas em Abaeté/MG”

também pode ser considerada importante como resultado da etnografia de festas

populares. A festa é um evento vinculado diretamente às famílias que habitaram - e

ainda habitam -as regiões rurais de Abaeté e à devoção franciscana. O objetivo de

entender como são as práticas religiosas dos festeiros que comemoram a eficácia

desse taumaturgo através da trezena.

O trabalho dissertativo de Brito (2011) da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte (UFRN), do Mestrado em Educação do Programa em Antropologia

Social, com o tema: “De volta para os braços da Rainha dos céus: Migração,

Memória e Festa em Caicó/RN” tem como objetivo apreender alguns significados da

Festa de SantAna (a santa padroeira de Caicó/RN), buscando perceber como ela

concilia os polos simbólicos, sagrado e profano através dos vínculos sociais ali

atuantes e expressos em redes de sociabilidade e de pertencimento locais. Também

pode ser considerada importante nesse contexto das pesquisas relacionadas aos

estudos das festas religiosas no Brasil.

Oliveira (2014), da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), em seu

trabalho de Mestrado em Ciências Humanas, do Programa de Pós-Graduação em

História, que traz o título: “Lá vem chegando São Sebastião, vem aqui te visitar:

Festas, Andanças e Folias no interior goiano (1960/2013)”, busca a compreensão

das experiências dos sujeitos do interior goiano, na Serra do Facão a partir das

práticas festivas religiosas tendo como santo homenageado São Sebastião. O foco

da análise foram as práticas e saberes rurais perpassando pela religiosidade desses

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atores como expressão de seus modos de vida para que possamos analisar como

esses fatores fazem emergir as relações de cooperação, vínculos identitários, além

de suas variadas formas de sociabilidades, as que são marcas culturais bastante

significativas e difundidas durante as comemorações.

Corsino Junior (2014) apresentou no Programa de Pós-graduação em

Comunicação Social da Universidade Federal de Goiás (UFG), com o tema: “Festa

religiosa, Sujeito e Imagem: a construção de um imaginário”. Esse trabalho discorre,

através de um olhar pautado pelos estudos do imaginário bachelardiano, sobre a

elaboração da imagem da festa do Divino Pai Eterno e da Romaria dos Carreiros de

Damolândia por seus atores. A reflexão proposta aqui assume que as imagens

presentes no imaginário dos carreiros (indivíduos que utilizam carros de boi para

fazer a romaria entre Damolândia-GO e Trindade-GO) suplantam as imagens

veiculadas pelos meios de comunicação de massa sobre a festa e que a construção

de imagens significantes por esses indivíduos, assim como a elaboração de sentidos

comportada nessa operação, constitui-se numa prática capital para os atores dessas

manifestações religiosas, difundindo seu olhar sobre a festa, sobre as relações

interpessoais e as relações entre o par sagrado-humano.

Nogueira (2011), cuja dissertação intitulada “A Festa de Folia de Reis em

Quirinópolis: lugar de memória 1918-2010” foi apresentada ao Programa de

Mestrado em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Goiás. (PUC/Goiás),

pode também ser considerado importante por investigar o lugar da memória da

Festa Folia de Reis e objetiva perceber as mudanças ocorridas nas práticas e

representações culturais dessa região em decorrência do seu desenvolvimento

econômico e social, confirmando assim a hipótese de que a festa é um lugar de

memória demarcado a partir das práticas e representações inerentes à cultura

marcada pela religiosidade popular.

Almeida (2011), em sua tese de doutorado vinculada ao Programa de Pós-

Graduação em Geografia da Universidade de Brasília (UNB), “Diversidade e

Identidade religiosa: uma leitura espacial dos padroeiros e seus festejos em

Muquén, Abadiânia e Trindade (GO)”, enfatiza as festas religiosas como uma prática

sociocultural que se especializa no estado de Goiás, revelando em sua organização

uma identidade religiosa expressa no território dos locais estudados.

Cruz (2011) em sua pesquisa de doutorado em Educação, da Universidade

de Brasília (UNB), do Instituto de Ciências Sociais, intitulada: “As Folias de João

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Pinheiro: performances e identidades sertanejas no noroeste mineiro”, objetiva

investigar como a performance ritual da Folia dos Reis registram as memórias

ligadas à religiosidade dos foliões do município de João Pinheiro.

Oliveira (2011), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), no

Programa de Pós- Graduação em nível de tese de doutorado na categoria sobre

festas populares que aborda a criança como sujeito-pesquisado intitulada: “Cultura

afro-brasileira e Educação: significados de ser criança e congadeira, em Pedro

Leopoldo-MG”, buscou compreender os significados de ser criança negra e

congadeira em seus processos de identidade e de pertencimento étnico e de suas

interações com os adultos através da festa do Congado.

Nas produções e análises das obras citadas, percebo que as pesquisas

relacionadas à categoria festas religiosas populares e de sua relação com a cultura

local, encontradas nos bancos de dados da CAPES e da BDTD, considerando o

período de 2010 a 2015, tem sido prioritariamente no campo da educação e

realizadas em programas de pós- graduação das regiões Centro-Oeste e Nordeste.

Entretanto, o que se observa nas produções científicas é ainda a ausência da

criança como protagonista das mesmas, levando-se em consideração que durante a

realização desses rituais, das procissões e encenações da maioria das festas

encontradas principalmente no interior do Brasil, a presença de crianças é muito

comum e sua participação bastante expressiva nessas festas populares.

Em relação à categoria saberes, foram encontradas 72 dissertações de

mestrado e 17 teses de doutorado abordando através desta categoria diversos

trabalhos em várias áreas do conhecimento, sendo um número significativo de

trabalhos na área da educação, voltadas mais especificamente para a formação, as

práticas e identidades docentes. Analisando os diálogos sobre saberes presentes

nessas produções acadêmicas encontram-se estritamente relacionados ao contexto

escolar ou institucional, mesmo nos trabalhos em que as crianças são os sujeitos

pesquisados. Vale ressaltar que, deste quantitativo de trabalhos pesquisados, foram

encontrados quatro (4) com as temáticas voltadas aos saberes locais e do cotidiano,

os quais não estavam correlacionados com a instituição escolar.

Gomes (2012), em sua dissertação de Mestrado em Dança pela Universidade

Federal da Bahia (UFBA), do Programa de Pós-Graduação em Dança, o qual

apresenta o título: “Capoeira emancipatória no ensino da dança: uma proposta

emergente dos saberes de Mestre na especialidade na cinesfera.”, propõe reflexões

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sobre as contribuições e atuação dialógica no aprendizado da capoeira na área da

dança.

Pimentel (2012), em sua dissertação de Mestrado do Programa de Pós-

Graduação em Educação, da Universidade do Estado do Pará (UEPA), intitulada:

“Cartografias poéticas narrativas na Amazônia: educação, oralidades, escrituras e

saberes em diálogo,” destaca as novas formas de composição da cultura, através

das narrativas orais e tendo o imaginário como elemento educativo presente nos

saberes.

Tavares (2012), em sua dissertação de Mestrado em Educação pela

Universidade Federal do Pará (UFPA), intitulada: “Saberes Tradicionais como

Patrimônio Imaterial na Amazônia Intercultural: saberes, fazeres, táticas e

resistências dos ceramistas de Icoaraci”, aborda os saberes ancestrais relacionados

à dinâmica da produção da cerâmica dos artesões de Icoaraci, em Belém do Pará.

Oliveira (2012), em sua tese de doutorado em Educação da Universidade de

São Paulo (USP), do Programa em Antropologia Social, intitulada: “Entre plantas e

palavras, modos de constituição de saberes entre os Wayãpi (AP)”, traz os saberes

dos Wayãpi e os modos de conhecer e se relacionar com as plantas e a floresta.

Nesse sentido, podemos constatar após o estado da arte, levando em conta

o período de 2010 até 2015, além de uma ausência nas pesquisas de mestrado e

doutorado nas diversas áreas do conhecimento, uma fragilidade em relação às

temáticas voltadas à relação das festas populares e da participação das crianças

como sujeitos do processo e de seus saberes e vivencias lúdicas.

Dessa forma, o que me instigou ainda mais para a realização desta pesquisa,

é a constatação de poucas teses e artigos relacionados às festas religiosas

populares e sua relação com os saberes e as vivências lúdicas das crianças

envolvidas. Sobre o objeto investigado, a Festa de São Tiago, a partir dos dizeres e

vivências das crianças, quase nada foi produzido em termos de trabalhos científicos,

tornando-se necessário ampliar, estudar e investigar através da academia a temática

ainda tão pouco explorada no campo científico e acadêmico.

Para desenvolver o objeto de estudo desta pesquisa, que é compreendido

como os saberes lúdicos das crianças durante a festa de São Tiago, é necessário

que sejam suscitados os estudos no referencial teórico que tomam a infância como

elemento norteador, e, assim, busquei identificar alguns estudiosos na área de

interesse que este projeto propõe.

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Para abordar sobre as categorias conceituais de criança e infância, Ariés

(2014) aborda a infância vista sob o prisma do romantismo, como um período de

transição e, muitas vezes, de forma insignificante e passageira, variando de acordo

com o contexto, a classe social e as funções assumidas por elas, afirmando a

ausência de sentimento à infância na Antiguidade e Idade Média.

Gutton (2013), em sua obra, desvela sobre o nascimento e o desenvolvimento

do brincar humano como uma “maneira de ser necessária”, detendo-se nos

processos de estruturação e elaboração que o caracterizam e no simbolismo que o

subjaz, analisa as novas formas assumidas pela infância e, diante delas, a

interrogação sobre o papel do brincar em meio a uma cultura eivada pelo

consumismo e pela juvenilização.

Enquanto Belloni (2009) reforça a importância de uma reflexão e inovação no

campo das ciências sociais e na educação, no sentido de melhor compreender a

infância hoje e as implicações dessas mudanças para os processos de socialização

das novas gerações, contribuindo para o debate a partir da análise de três grandes

eixos: a infância, os sistemas de mídia e a educação. Sendo a criança o cidadão

com direitos, e devendo ser considerada como um ator social, sujeito do seu

processo de socialização.

De acordo com Cruz (2008) e Corsaro (2011) é possível compreender essa

perspectiva em suas obras, ao analisarem sobre o importante papel que a produção

científica pode e deve desempenhar no complexo processo de transformação da

ideia da infância de determinada sociedade. Estes defendem – norteados por ideias

construídas nas últimas décadas – que mesmo crianças ainda bem pequenas

possuem competência para se comunicar em seus contextos culturais. As crianças e

a infância tornam-se categorias de análises independentes de outros grupos e

instituições.

Em seu estudo, Kramer (2013) nos proporciona um debate sobre a história

da infância e os caminhos da educação institucionalizada para crianças no Brasil,

apontando a criança como um ser autônomo e capaz de construir seu

conhecimento. Na visão de Vygotsky (2010) a criança através da linguagem e de

seu grupo social se desenvolve por meio dos significados culturais selecionados

pelo sujeito e por ele apropriados e impregnados de valores e motivos

historicamente determinados.

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Faria, Dermartini e Prado (2009) propõem uma investigação de criança e

infância por meio de uma abordagem metodológica específica na pesquisa com

crianças, onde relatos e experiências possam ser construídos e socializados pelas

próprias crianças na construção de suas identidades.

A busca por respostas ao que nos propomos investigar nos remete ao campo

teórico de Oliveira (2007) que enfatiza a criança como um ser social e o seu

desenvolvimento acontece na relação com outros seres humanos, em um espaço e

tempo determinados. Ela possui experiência social e historicamente construída.

Nesse processo, a criança internaliza as formas culturais, transformando e intervindo

em seu próprio meio, na relação dialética com o mundo. (VYGOTSKY 2010, p.58).

Sobre o entendimento de cultura lúdica e saberes culturais os estudos de

Brougére (2008); Benjamim (2002); Huizinga (2014); Callois (1990); Kishimoto

(2002) convergem no sentido de situar a criança dentro de sua própria cultura

infantil, tendo como pressupostos teóricos o brinquedo, as brincadeiras e o jogo,

através de um conjunto de significações produzidas para e pelas crianças. Freire

(2015) destaca no processo educativo os saberes da cultura popular expressos pela

oralidade, pelos gestos e pelo corpo em sua inteireza. O saber, segundo Charlot

(2000), é construído por meio de uma história coletiva. Implica a ideia de sujeito, da

relação do sujeito com ele mesmo e da relação do sujeito com os outros.

Dialogando os saberes lúdicos com a temática das festas populares, destaco

as ideias de Brandão (2002; 2010); Duvignaud (1983); Geertz (2015); Tedesco e

Rossetto (2007) e Tinhorão (2000).

Referendo os estudos de Geertz (2015) e de Brandão (2002). Geertz (2015),

afere sobre o estudo da cultura como transformadora da natureza, sendo homens e

mulheres seres incompletos e inacabados que se complementam nos mais diversos

processos culturais. E Brandão (2002) enfatiza que a educação não se dá somente

nas instituições escolares, mas a mesma também acontece em outros ambientes,

em todos os lugares onde há redes sociais que favorecem a transmissão dos

saberes e das experiências que vão de geração a geração, sendo as festas, parte

também desse processo.

Nas palavras de Tedesco e Rossetto (2007, p.27):

As festas possuem correlações com tempos sociais, coletivos, lineares e cíclicos (safras, calendário, relógio), expressam a multiplicidade de experiências do homem com o tempo, com o espaço, com os fatos, com o extraordinário, com a natureza humana (vida e morte), com ideologias e

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visões de mundo, com a história do homem e sua constituição social, com a vida em sociedade, com saberes, fazeres e afazeres, em última instância com a natureza.

O objeto de estudo desta pesquisa propõe uma análise descritiva e

interpretativa das relações existentes entre a cultura local, aqui sendo evidenciadas

pelo universo das festas religiosas e a representação das crianças nesse contexto, a

partir de suas experiências lúdicas como construção social e cultural.

Partindo do pressuposto de compreender os elementos que permeiam os

saberes presentes nas práticas lúdicas da Festividade de São Tiago em Mazagão

Velho no Estado do Amapá, pela representação ritualística feita pelas crianças, esse

se torna o objeto desta pesquisa no intuito de conhecer, vivenciar e sistematizar os

saberes culturais presentes neste ritual religioso.

Os rituais são repetidos pelas crianças. Elas têm um momento especial

dedicado a elas, mesmo porque há a preocupação dos pais com que elas aprendam

desde cedo a respeitar a imagem de São Tiago, uma vez que também é

responsabilidade delas manter viva a tradição da Festa.

Nesta perspectiva, a festa de São Tiago das crianças é um espaço que

produz saberes e se caracteriza como uma expressão cultural e social, surge a

seguinte problemática de estudo: De que forma os saberes culturais estão presentes

nas práticas lúdicas das crianças na festividade de São Tiago em Mazagão Velho?

Com o propósito de nortear a pesquisa, foram levantadas outras questões: O

que dizem as crianças sobre a festividade de São Tiago? Que elementos culturais

são apresentados pelas crianças durante a Festa de São Tiago? Que compreensões

a criança tem sobre os seus saberes e práticas lúdicas?

De maneira a responder tais questionamentos temos como objetivo geral:

Identificar os saberes culturais vivenciados pelas crianças durante a festividade de

São Tiago no município de Mazagão Velho. E de maneira mais específica,

apresentamos os seguintes objetivos: 1 Analisar os saberes presentes nas práticas

lúdicas das crianças a partir da festividade de São Tiago; 2 Descrever de que forma

se manifesta os saberes das crianças durante a Festa de São Tiago; 3 Verificar de

que forma as crianças vivenciam seus saberes na Festa de São Tiago em Mazagão

Velho.

Portanto, reconheço essa pesquisa como uma necessidade e, principalmente,

a responsabilidade de um referencial teórico sobre a história e origem da Festa de

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São Tiago, em Mazagão Velho, no Estado do Amapá, como uma de suas maiores

manifestações culturais e religiosas, propondo um novo olhar sobre a ludicidade

vivenciada pelas crianças durante a realização da festa, sendo esses sujeitos os

próprios protagonistas de sua ação e reinvenção de suas práticas históricas, sociais

e culturais.

Assim, a escolha pelas manifestações simbólicas, religiosas e culturais da

comunidade de Mazagão Velho, seus modos de vivenciar, conhecer, transformar,

ressignificar e preservar sua memória, tradição e seus saberes através da

construção desses conhecimentos por meio da Festa de São Tiago das crianças na

possibilidade de dialogar com seus saberes lúdicos e de suas vivências culturais,

ressalto que a pesquisa aborda, parte de uma versão da história da Festa de São

Tiago, contada aqui através do olhar e das vozes das crianças.

Busca-se, ainda, que esta pesquisa produzida contribua no sentido de

aproximar a comunidade acadêmica e fazer tornar conhecimento a Festa de São

Tiago, em Mazagão Velho, e suas possíveis contribuições para o campo científico,

de modo a difundir e desenvolver saberes relacionados às práticas culturais e

religiosas das crianças envolvidas.

É nessa perspectiva que esta pesquisa se insere, reafirmando, dessa forma,

sua relevância acadêmica e social voltada para a cultura lúdica e as crianças. Tal

escolha justifica-se por compreender que ainda há pouca produção acadêmica na

região norte, sendo necessários estudos sobre a temática apresentada para compor

bancos de consulta mais especificamente em nossa região.

A opção pelas crianças foi suscitada principalmente pela sua criatividade e

imaginação, em vivenciar os elementos de sua cultura. Fator que colabora para que

esta pesquisa, também, contribua para a compreensão da importância dos saberes

lúdicos das crianças presentes na religiosidade na Amazônia ribeirinha.

Além da introdução, a organização e sistematização da pesquisa encontra-se

estruturada em quatro seções, a saber: a primeira consiste em narrar a trajetória

histórica e a memória de Mazagão Velho e a origem da Festa de São Tiago trazida

por portugueses e escravos. Na segunda, apresento o percurso metodológico da

pesquisa. Na terceira, inicio as discussões teóricas sobre a compreensão na relação

entre festas, saberes e as tessituras da cultura; na última seção, adentro no universo

lúdico das crianças, destacando os valores culturais e educativos dos brinquedos e

brincadeiras presentes na festividade de São Tiago das crianças, a partir de suas

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vozes e olhares sobre a festa. Por fim, anuncio algumas considerações relacionadas

às questões inerentes a este estudo.

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SEÇÃO II

PERCURSO METODOLÓGICO DA PESQUISA

Porque somos nós crianças que devemos participar e continuar com essa grandiosa festa.

FLÁVIO (11 anos de idade)

Desenho 01 Produção da criança na roda de conversa

Fonte: Rondinelle (11 anos de idade) / 2016

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Nesta seção serão abordadas as questões metodológicas da pesquisa e os

caminhos percorridos para encontrar as respostas aos questionamentos e atingir

aos objetivos propostos pelo estudo.

Para realizar esse percurso investigativo, dialoguei inicialmente com Minayo

(2007), ao abordar que todo pesquisador precisa ser um curioso, um perguntador,

essas qualidades devem ser exercidas o tempo todo no trabalho de campo, na

medida em que o pesquisador for capaz de confrontar suas hipóteses com a

realidade empírica encontrada.

A partir do desenvolvimento das ciências humanas, tendo como base o

método dialético e os pressupostos da fenomenologia, as pesquisas de cunho

qualitativo cada vez mais vêm consolidando no campo científico e como abordagem

em várias áreas do conhecimento.

Como assinala Pádua:

[...] as pesquisas qualitativas têm se preocupado com o significado dos fenômenos e processos sociais, levando em consideração as motivações, crenças, valores e representações, que permeiam a rede de relações

sociais. (Pádua, 1996, p.31)

2.1 MÉTODO E TIPO DE PESQUISA

A pesquisa enfocou uma perspectiva de análise descrita da Festa de São

Tiago, a partir dos dizeres das crianças sobre suas vivências lúdicas durante a festa.

Baseou-se, ainda, em alguns aspectos da Etnografia, pois para Minayo (2009) esse

método se refere,

À análise descritiva das sociedades humanas, primitivas ou ágrafas, rurais ou urbanas, grupos étnicos etc., de pequena escala. Mesmo o estudo descritivo requer alguma generalização e comparação, implícita ou explícita. Diz respeito a aspectos culturais. (MINAYO, 2009, p.94).

Para a realização das análises descritivas, foi feito o levantamento de todos

os dados possíveis sobre o objeto de pesquisa e, dessa maneira, caminhei ao

encontro dos ensinamentos de Minayo (2009) que nos fala da necessidade de

realizar um levantamento geral dos aspectos sociais e culturais da comunidade. Este

pode descrever os dados escolhidos com a finalidade de conhecer melhor o estilo de

vida ou a cultura específica de determinado grupo.

Para analisar as vivências lúdicas das crianças pelo viés de seus saberes

culturais, fez-se necessário compreender as relações culturais, sociais e religiosas,

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bem como as interrelações que se dão entre cultura lúdica e festas religiosas,

produzidas pelas crianças como sujeitos situados socialmente e historicamente. Foi

importante a entrada no lócus da pesquisa, para que o pesquisador tivesse o

entendimento claro do próprio processo dinâmico e particular que contextualiza o

objeto de estudo.

A problemática e os objetivos apontados nesse estudo encaminharam para

uma pesquisa baseada na abordagem qualitativa, pois necessita de uma imersão no

contexto inserido, situados em um contexto histórico, social, econômico, politico e

cultural que, segundo Severino (2007, p.116), “a pesquisa qualitativa é aquela em

que se estrutura pela subjetividade resgatando outras vivências da vida humana.”

Ludke e André (1986, p.03) mencionam que o pesquisador carrega as marcas

de sua época, de seu tempo, de sua sociedade e de seus grupos culturais, assim a

sua visão do mundo, os pontos de partida, os fundamentos para a compreensão e

explicitação desse mundo irão influenciar a maneira de como ele propõe suas

pesquisas. Da mesma forma que os “pressupostos que orientam seu pensamento

vão também nortear sua abordagem de pesquisa.”(idem).

Nesse sentido, optei pela abordagem descritivo-qualitativa e a pesquisa foi de

campo, com elementos da etnografia compartilhando com os estudos de Bogdan e

Biklen (1994), de que na investigação qualitativa o pesquisador deve ter como

preocupação a imersão no contexto a ser estudado, porque assim as ações podem

ser melhor compreendidas, visto que são observadas no seu ambiente natural de

ocorrência, portanto a preocupação do investigador é com o processo e não o

resultado.

Chizzotti (2009, p.79) fundamenta a abordagem qualitativa ao expor:

[...] há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma independência viva entre sujeito e objeto, um vinculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito. O conhecimento não se reduz a um rol de dados isolados [...] o sujeito observador é parte integrante do processo de conhecimento e interpreta os fenômenos atribuindo-lhes um significado. O objeto não é um dado inerte e neutro, está possuído de

significados e relações que os sujeitos concretos criam em suas relações.

Para Minayo (2009, p.24), o pesquisador que trabalha com estratégia

qualitativa atua com matéria prima das vivências, das experiências, da cotidianidade

e também analisa as estruturas, mas entendem-nas como ação humana objetiva. Ou

seja, para esses pesquisadores, a linguagem, os símbolos, as práticas, as relações

e as coisas são inseparáveis.

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Assim, nessa investigação optei pela pesquisa de campo com o intuito de

buscar informações sobre os processos de construção e de interação das crianças e

de seus modos de vivenciar e de brincar durante as festividades de São Tiago.

Minayo (2009) entende por campo, na pesquisa qualitativa:

O recorte espacial que diz respeito à abrangência, em termos empíricos do recorte teórico correspondente ao objeto da investigação. [...] os sujeitos/objetos de investigação, primeiramente são construídos teoricamente enquanto componentes do objeto de estudo. No campo, eles fazem parte de uma relação social com o pesquisador, daí resultando um produto compreensivo que não é a realidade concreta e sim uma descoberta construída com todas as disposições em mãos do investigador: suas hipóteses e pressupostos teóricos, seu quadro conceitual e metodológico, suas interações em campo, suas entrevistas, suas observações, suas inter-relações com os pares. (MINAYO, 2009, p.202).

Compreendemos a pesquisa de campo, de acordo com Lakatos e Marconi

(2003, p.186) “como aquela utilizada com o objetivo de conseguir informações ou

conhecimentos acerca de um problema [...] ou ainda, novas formas de descobrir os

fenômenos ou relações entre eles.”

2.2 TÉCNICAS UTILIZADAS

Como instrumentos de elaboração dos dados, apresentamos a observação

participante que ocorreu antes, durante e após a festividade de São Tiago. Lakatos e

Marconi (2003, p.174) dizem que a observação em uma pesquisa é o inicio da

investigação social, em que os processos observacionais obrigam o investigador a

um contato direto com a realidade estudada.

A observação participante foi utilizada na pesquisa, somente em que procurei

registrar os momentos lúdicos vivenciados pelas crianças durante a festividade de

São Tiago, na comunidade de Mazagão Velho, de maneira a direcionar o olhar para

os saberes existentes no brincar das crianças. Dessa forma, justifica-se o uso da

observação participante diante do que apresenta Chizzotti (2009), o qual revela que

o sujeito observador é parte integrante do processo de conhecimento e que tem a

função primordial de interpretar os fenômenos observados para lhes atribuir

significados.

Considerando que a pesquisa teve as crianças como intérpretes e que

através de suas vozes podemos ter acesso ao mundo social que elas partilham,

nesse sentido precisamos conhecer os sujeitos pesquisados, os contextos onde eles

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se inserem e seus modos de ser, suas formas de se expressar, suas histórias, ideias

e sentimentos, e, sobretudo, como pesquisá-las. O que implica apropriação de

métodos e técnicas favoráveis a esse tipo de pesquisa.

As técnicas utilizadas foram: 1) a realização do levantamento bibliográfico

referente ao estudo proposto, garantindo assim o respaldo teórico e científico

necessário à pesquisa; 2) as visitas exploratórias de aproximação do campo, que

foram realizadas no sentido de esclarecer sobre a proposta investigativa e solicitar

autorização para pesquisa junto às associações, aos grupos folclóricos e às famílias

das crianças da comunidade de Mazagão Velho; 3) o diário de campo foi o principal

instrumento de observação, segundo Minayo (2009, p.71), nada mais é do que um

caderninho, uma caderneta, ou um arquivo eletrônico no qual expressamos todas as

informações pertinentes e que não fazem parte do material formal de entrevistas.

Sendo que esta atividade foi fundamental para que o observador/pesquisador

pudesse interpretar e reinterpretar os fatos, as narrativas ou acontecimentos.

Quinteiro (2009, p.29) apresenta o princípio da “reflexibilidade investigativa”

proposta por Sarmento (2000) que se refere a essa possibilidade de o pesquisador

captar por meio das “falas” das crianças os mundos sociais e culturais da infância,

construindo, desse modo, elementos para as análises das relações entre educação

e infância. “Olhar a infância e não apenas sobre ela exige o descentramento do olhar

do adulto como condição essencial para perceber a criança”. (QUINTEIRO, 2009,

p.29).

Como técnica 4): usou-se a técnica de roda de conversa com as crianças, em

que foi utilizada enfatizando a questão da oralidade no sentido explicativo de ações

específicas, realizadas a partir de desenhos pelas próprias crianças, referentes aos

sentidos que dão à Festa de São Tiago e de suas manifestações lúdicas que

ocorrem durante esse processo.

A técnica 5): foi utilizado o desenho como instrumento, conforme propõe

(GOBBI, 2009), nesta pesquisa, foi utilizada como um recurso de aproximação com

as crianças que participam das festividades em Mazagão Velho, através de oficina

de desenho e modelagem .

O uso do desenho por ser uma linguagem acessível à criança, segundo

Gobbi (2009):

Afirmo os desenhos infantis em conjugação à oralidade como formas privilegiadas de expressão da criança. Quando aproximadas, podem

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resultar em documentos históricos os quais podemos recorrer ao necessitarmos saber mais e melhor acerca de seu mundo vivido, imaginado, construído, numa atitude investigativa que procure contemplar a necessidade de conhecer parte da História e de suas histórias segundo seus próprios olhares. (GOBBI, 2009, p.73).

A partir das concepções sobre a roda de conversa e a técnica do desenho na

pesquisa com crianças, realizei duas oficinas de desenho e modelagem com as

crianças intérpretes deste estudo.

A técnica 6): foi usado o registro fotográfico como técnica de construção de

dados, com o interesse de registrar os traços e pormenores que fazem parte do

cotidiano da festa. Moreira Leite (1993) apud Gobbi (2009 p.78) trazem referências

importantes ao considerar as fotografias como documentos portadores de

informação, que vão além da documentação histórica.

Ao analisar sobre o uso das imagens e fotografias como técnicas de pesquisa

com crianças, a autora afirma:

Na maioria dos casos, não se consegue estabelecer parâmetros analíticos para essa documentação, que tem caráter diverso da documentação escrita [...] Por sua vez, as fotografias estão a exigir um estudo comparativo de sistemas e significados, das mediações entre a realidade que se quer compreender e a imagem dessa realidade. As fotografias devem ser consideradas pelo historiador da mesma forma que outra prova qualquer – avaliando mensagens que podem ser simples e óbvias ou complexas e pouco claras. Nunca contém toda a verdade [...]. (MOREIRA LEITE apud GOBBI, 2009, p.79).

2.3 TRATAMENTO E ANÁLISE DOS DADOS

Para analisar os dados coletados, optei pela utilização de algumas categorias

da Etnometodologia8 e da análise da conversa, que teve como suporte a gravação

das vozes das crianças para garantir a fidelidade aos relatos. A análise da conversa

é uma técnica de investigação que tem como finalidade a análise do senso comum,

visando produzir não somente frases, mas perguntas, respostas, convites,

saudações (...) essa “análise prática” ocorre durante as conversas entre os

interlocutores. (WATSON, 2015).

8 O termo “Etnometodologia” foi criado por Garfinkel e apresentava em seu livro fundacional Studies

in Ethnmethodology (1967), referindo-se ao estudo (logos) dos métodos usados pelas personagens/gupos (ethnos) em suas vidas cotidianas, entendidas como processos de produção de sentido. Assim, temos etno+ método+ logia. (WATSON, 2015, p.13).

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Na análise da conversa, os discursos dos sujeitos pesquisados podem ser

obtidos através das diversas formas de comunicação e interlocuções, pois segundo

Watson (2015):

Os verdadeiros dados são as gravações de áudio e/ou vídeo das quais as transcrições funcionam como um apoio ao exame detalhado das gravações: a transcrição é um mecanismo de sensibilização, bem como uma maneira de apresentar resultados de investigação para os leitores de textos impressos (embora alguns periódicos e livros tenham incluídos dados gravados em CD ou em outros formatos). (WATSON, 2015, p. 92).

Em relação à categorização, Lüdke e André (1986) destacam que “a

categorização por si mesma, não esgota a análise”, demandando que o pesquisador

ultrapasse a mera descrição, buscando estabelecer conexões, relações que

possibilitem novas explicações e interpretações.

Portanto, para Oliveira e Mota Neto (2011, p.165), a categorização na

pesquisa qualitativa viabiliza a organização dos dados, a articulação entre o

referencial teórico e a descrição dos fatos, a interpretação e explicação do fenômeno

estudado e a elaboração de novas categorias.

Para a organização e socialização do corpus e análise, apresentarei cinco

principais categorias analíticas presentes nas falas das crianças e que se fazem

necessárias para a compreensão da pesquisa, são elas:

- Festa e religiosidade: quais os ritos religiosos presentes na festa; por que e

como rezam as crianças.

- Festa – tradições e identidade – a relação da festa com a história e cultura

local.

- Festa e ludicidade – como brincam as crianças durante as festas, como

constroem seus brinquedos e brincadeiras.

- Festa e criança – qual a relação das crianças com a festa; por que e como

participam das festas religiosas.

- Festa e saberes – o que se aprende e como se aprende durante os rituais

das festas.

2.4 ASPECTOS ÉTICOS DA PESQUISA

Torna-se necessário ressaltar que a pesquisa foi encaminhada ao Comitê de

Ética, para que possamos ter respaldo para o andamento do estudo, no intuito de se

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observar os cuidados éticos e a reponsabilidade na pesquisa com crianças, porém,

até o momento do fechamento da pesquisa, não tive resposta.

Os aspectos éticos da pesquisa foram mantidos, através do conhecimento do

Termo de Consentimento Livre e Esclarecidos do Estudo, considerando os

procedimentos quando os sujeitos são menores de idade envolvidos, requerendo

assim o reconhecimento e a autorização dos pais ou responsáveis pelas crianças no

decorrer da realização da mesma. Porém, pesquisar a infância requer, para além da

formação geral que todo o pesquisador deve ter, um olhar centrado no sujeito

singular que estamos ouvindo, com o qual interagimos e dialogamos, pois é possível

o diálogo com as crianças (CRUZ, 2008). Nessa perspectiva, a partir da autorização

dos pais, os nomes das crianças foram mantidos, por entendê-las como agentes

ativos que constroem suas próprias culturas contribuindo assim para o mundo

adulto.

A dimensão da ética torna-se fundamental nas pesquisas com crianças. A

aceitação no mundo das crianças para Corsaro (1985) representa um desafio

principalmente pelas diferenças entre adultos e crianças em termos de maturidade

cognitiva e comunicativa, poder (tanto real como percebido) e tamanho físico.

(DELGADO & MÜLLER, 2009, p.163).

2.5 CRIANÇAS: AS INTÉRPRETES DA PESQUISA

A pesquisa proposta apresenta como intérpretes as crianças que participam

da festividade de São Tiago, na comunidade de Mazagão Velho, no Estado do

Amapá. O grupo é constituído de 09 (nove) meninos e 07 (sete) meninas, com faixa

etária entre 07 e 13 anos de idade. É valido ressaltar que o parentesco é muito

presente entre as crianças participantes, as quais têm uma relação familiar.

A escolha por essas crianças se deu em função dos seguintes critérios: a)

participação na Festa de São Tiago; b) o consentimento da criança e a autorização

pelos pais; c) pela participação das mesmas nas oficinas de desenho, sob minha

coordenação.

É interessante ressaltar que na tradição da Festa de São Tiago somente os

meninos participam da festa, ficando as meninas de “fora” das atividades

desenvolvidas na programação, porém, para a pesquisa realizada, procurei incluir,

escutar e perceber o “olhar” a partir das meninas que participaram das oficinas.

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As meninas têm um papel fundamental e uma contribuição muito importante

na festa, pois são responsáveis pela confecção das indumentárias, dos artefatos,

são elas que vestem os personagens. Aprendem com as mães e as avós a tarefa de

preparar as roupas e de enfeitar os cavalinhos de buriti. Outro papel atribuído às

mulheres e as meninas é o de rezadeiras, são elas responsáveis em conduzir as

novenas e procissões durante a festa. Assim, ao trazer a voz das meninas como

participantes deste estudo, contribuímos dando visibilidade como produtoras

também de seus saberes e de suas experiências durante a festa.

Buscamos legitimar as crianças como sujeitos de direito e de voz nesse

estudo. Sendo assim, compreendida como sujeito ativo de seu próprio

desenvolvimento. Portanto, entendemos que a criança é produtora de sua própria

cultura, devendo ser somente desta forma entendida e pesquisada.

2.5.1 – Perfil sócio histórico das crianças intérpretes da pesquisa

Para adentrar no universo cultural da criança que participa da Festa de São

Tiago das crianças no município de Mazagão Velho-AP foi necessário construir um

perfil sócio histórico de cada criança que participou dessa pesquisa para descrever e

ampliar as relações delas com a referida manifestação cultural.

A partir dos cuidados éticos que exige a pesquisa científica, optei em manter

seus respectivos nomes por considerá-las como sujeitos ativos no processo da

pesquisa e de suas contribuições para a obtenção dos dados, levando em conta que

as crianças são constituintes de sua própria realidade social e cultural, sendo que ao

retornar à comunidade com a pesquisa finalizada, o meu intuito é que as crianças

participantes possam se perceber como as verdadeiras protagonistas deste estudo.

O quadro a seguir mostra um breve perfil das crianças entrevistadas e

participantes das rodas de conversa.

Quadro 01 Perfil sócio-histórico dos intérpretes.

NOME IDADE SEXO ANO EM QUE

ESTUDA

ORGANIZAÇÃO

FAMILIAR

Alice 10 anos F 5º ano Padrasto, mãe e irmãos

Bianca 13 anos F 7º ano Pai, mãe e irmãos

Cristian 08 anos M 4º ano Pai, mãe , um irmão e

uma irmã

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Cairo 10 anos M 3º ano Pai e mãe

Cailane 13 anos F 7º ano Pai, mãe e irmãos

Edgar Davi 10 anos M 4º ano Mãe, irmãos, avós, tios e

primos

Flavio 11 anos M 6º ano Pai e mãe

Guilherme 12 anos M 6º ano Pai e mãe e dois irmãos

José Caio 10 anos M 4º ano Mãe, irmãos, avós, tios e

primos

Jamerson 11 anos M 6º ano Pai e um irmão

Lya 11 anos F 6º ano Pai, mãe e irmãos

Maria Isabel 11 anos F 6º ano Pai ,mãe e irmãos

Mauro Diogo 12 anos M 6º ano Pai, mãe e irmãos

Renata 08 anos F 3º ano Pai, mãe e irmãos

Raissa 07 anos F 1º ano Pai, mãe, irmãos

Rondinelle 11 anos M 5º ano Pai, mãe e dois irmãos

Fonte: Elaboração do pesquisador/2017.

Apresentamos alguns dados sobre o perfil de cada participante da pesquisa:

A intérprete Alice tem 10 anos de idade, nasceu em Mazagão Novo e mora

em Mazagão Velho, cursa o 5º ano do ensino fundamental. Sua mãe é professora e

seu padrasto é agricultor. Alice mora com seus pais e três irmãos. Ela sempre

participa da preparação da festa, através das oficinas de confecção de máscaras e

de cavalinhos. Sua relação com a festa é porque sua avó sempre participou dos

cantos e das novenas e sempre levava as netas para esse momento, pois os

meninos não participam muito nessa parte, ficando nesse momento mais de fora.

Participa também das brincadeiras durante as festividades.

A menina Bianca tem 13 anos de idade e está matriculada no 7º ano do

ensino fundamental, mora com seus pais e seus quatro irmãos. Sendo a profissão

do pai funcionário público e a mãe dona de casa. De família católica, a única menina

na família, segue a tradição em participar da festa para acompanhar seus irmãos e

observá-los na encenação. Como a maioria das meninas, contribui na confecção dos

adereços e das indumentárias dos irmãos. Participa das homenagens aos santos

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padroeiros por intermédio das novenas, das missas, do círio e de outras

brincadeiras.

De família católica, o intérprete Cristian, tem oito anos de idade e estuda o 4º

ano do ensino fundamental. O pai é funcionário público municipal e sua mãe dona

de casa, mora com os pais, a irmã de 10 anos e o irmão caçula de 03 anos de idade.

Cairo e Cailene são irmãos e de família católica. Cairo tem 10 anos e nasceu

no município de Santana e Cailene 13 anos, nasceu na capital Macapá. Ele cursa o

3º ano e ela o 7º ano do ensino fundamental, na Escola Municipal Antônio Silva dos

Santos. O pai é pedreiro e a mãe servidora municipal, moram com os pais e o irmão

mais velho, Caio de 18 anos.

A relação de Cailane na festa acontece desde seus 11 anos, através de sua

participação como observadora dos atos cênicos como a batalha e no baile de

máscaras (plateia). Sua participação ocorre mesmo no círio infantil, acompanha

cantando e rezando as ladainhas, e no momento do “roubo das crianças”. Participa

também da confecção das máscaras, dos cavalos de buriti e das indumentárias dos

meninos.

Os irmãos Edgar Davi e José Caio, ambos com 10 anos de idade, nasceram

em Mazagão Velho e moram com a mãe, seus avós, tios, tias, primos e primas,

cursam o 4º ano do ensino fundamental. Depois que a mãe soube que estava

grávida, a avó disse que se fossem meninos, assim que completassem 10 anos de

idade representariam os personagens principais na dramatização. Eles sempre

participaram da festa desde quando eram bebês e no ano passado foram escolhidos

para serem os personagens principais: São Tiago e São Jorge. A relação dos irmãos

com a festa, é proveniente do fato da avó ter feito a promessa para o Santo

padroeiro.

Flávio tem 11 anos e cursa o 6º ano do ensino fundamental na Escola

Municipal Antônio Silva Santos, mora com seus pais. Sua mãe é professora e

ministra aulas particulares em casa e seu pai é autônomo. Mora com cinco irmãos.

Sua relação com a festa vem da tradição familiar e por incentivo dos pais em

prepará-lo, juntamente com seus irmãos, das homenagens a São Tiago e São Jorge,

sendo que todos os anos participa das festividades. Compõe também o grupo que

prepara os adereços e os instrumentos para as festas.

O intérprete Guilherme tem 13 anos, seu pai é professor e sua mãe servidora

municipal, cursa o 7º ano do ensino fundamental, de família católica, sua relação

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com a festa vem da tradição familiar e incentivada principalmente pelo pai. Participa

todos os anos da encenação e das oficinas realizadas no barracão do grupo infantil.

Proveniente de uma família católica, Jamerson, 11 anos, nasceu em Mazagão

Velho e mora com seu pai, autônomo e seu irmão Jarlison de 13 anos, participam da

festa de São Tiago desde quando eram bebês. Segundo o pai, um dos

organizadores do evento, a motivação em participar vem deles, pois se identificam

desde cedo com a festa. Jamerson sempre participa da festa, pois aprendeu desde

cedo a fazer parte das encenações, tanto na festa dos adultos, como na festa das

crianças, enfatiza o aprendizado transmitido pelos mais velhos como “seu” Hamilton,

“Zé Cardino”, Joaquim Jacarandá, Raimundo “Garça” e principalmente de seu pai.

Nascida na capital Macapá, Lya de 11 anos, desde os quatro dias de nascida

mora em Mazagão Velho, é filha de pai cabelereiro e sua mãe, dona de casa, mora

com seus pais e seu irmão Arthur de 06 anos. Sendo todos praticantes da religião

católica. Lya atua na festa como “público”, no momento das encenações. Participa

nas novenas, procissão e no círio, durante as encenações, sua participação só

ocorre no momento do “roubo das crianças” e na decoração dos cavalos e

indumentárias dos meninos.

Maria Isabel tem 11 anos de idade, cursa o 6º ano do ensino fundamental,

filha mais velha, tem um irmão de 04 anos e moram com os pais em Mazagão Velho,

onde o pai trabalha como pedreiro e sua mãe, dona de casa. Maria Isabel participa

na festa, como a maioria das meninas, durante as missas, nas ladainhas e no círio

infantil, também contribui na confecção das máscaras, dos cavalos e das

indumentárias dos meninos. Mas o que mais a menina gosta é de se divertir no

momento do “roubo das crianças” e de participar de outras brincadeiras.

Mauro Diogo, nascido no município de Mazagão Velho, de família católica,

tem 12 anos e cursa o 6º ano do ensino fundamental, seu pai é autônomo e sua

mãe, dona de casa. Todos os anos participa da festa e das encenações,

representando os personagens que compõem o enredo da batalha. Aprendeu com o

pai, os tios e primos o respeito às tradições dos seus antepassados, participa

também das oficinas de instrumentos de percussão, de máscaras e dos cavalinhos

de buriti.

A menina Renata tem 08 anos de idade e está matriculada no terceiro ano do

ensino fundamental. Nasceu em Macapá e mora em Mazagão Velho. Desde os

cinco anos de idade participa das programações da festa das crianças. Filha de pais

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autônomos, mora com a mãe, o pai e os quatro irmãos. A menina faz questão de

destacar sua participação na festa através das danças do marabaixo, sua

participação nas novenas, no círio e de ir para a igreja para rezar. Enfatiza sobre o

aprendizado sobre a história de Mazagão, da festa e de São Tiago, aprendendo

também sobre seu papel na festa que é aprender as ladainhas e cânticos realizados

nas novenas e procissões.

Os intérpretes Rondinelle Antônio de 11 anos, e sua irmã Raissa de 07 anos,

de família católica, sendo o pai funcionário público e sua mãe costureira, cursam o

5º ano e o 1º ano do ensino fundamental, respectivamente, moram com os pais e

cinco irmãos. Sendo a relação com a festa, uma tradição familiar. Durante a festa, a

participação de Raissa, segundo seu depoimento, acontece somente nas

brincadeiras, na dança do Marabaixo e nas oficinas de construção de máscaras e

cavalos de buriti. Já Rondinelle destacou seu empenho nas encenações durante as

batalhas, porque gosta e é incentivado por seus pais a participar todos os anos.

Gosta de tocar as caixas utilizadas na dança do Vominê e durante a alvorada.

Participa também das brincadeiras e dos torneios esportivos durante as festividades.

Apresentamos o perfil sócio histórico dos participantes desta pesquisa, sendo

possível esclarecer fatores que venham elucidar as questões relacionadas às

crianças com a festa de São Tiago.

2.6 DIRECIONAMENTOS PARA A PRODUÇÃO DOS DADOS

A entrada no campo de pesquisa se deu através de visitas exploratórias com

o intuito de realizar com a comunidade e os sujeitos de pesquisa. Nesse momento

foram realizadas entrevistas com alguns moradores antigos sobre a origem da festa

e a história da Vila de Mazagão, por existir poucos registros sobre a história local,

encontrando esses fatos mememonis das pessoas que ali vivem e que vão

passando através da oralidade de geração a geração.

Posteriormente a essas visitas, busquei apoio para a pesquisa da Associação

da Festa de São Tiago, porém não obtive sucesso, devido ao presidente atual

trabalhar fora do município. Fui indicado a procurar o senhor Josué da Conceição

Videira, presidente do Grupo Infantil “Raízes do Marabaixo, sendo o responsável em

preparar as crianças para a festa de São Tiago”.

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Ressalto que não encontrei dificuldades em realizar os encontros com as

crianças participantes do estudo, pois havia encontrado a pessoa ideal, a qual

contribuiu bastante para o andamento das atividades programadas para a obtenção

dos dados necessários à pesquisa. Outro fator determinante, foi que, aos sábados e

domingos, as crianças se reuniam no barracão para participar de atividades como:

oficinas, construção de materiais, instrumentos e ensaios para as festas da

comunidade, bem como outras atividades esportivas e sociais.

A partir deste contato e das informações sobre a festa e a história de

Mazagão Velho, obtidas em uma entrevista com o presidente do grupo folclórico

infantil, foi marcado um encontro com as crianças que fazem parte do referido grupo

e da festa de São Tiago.

Primeiro encontro com as crianças: as oficinas de percussão.

O encontro com as crianças da comunidade se deu através de oficinas9 de

percussão com tambores de Marabaixo, objetivando o primeiro contato de

aproximação com as crianças que participam da festa. Sendo essas oficinas

ministradas pelo Sr. Josué da Conceição Videira, inclusive aprendendo com elas a

tocar as caixas utilizadas nas festas de São Tiago e de Nossa Senhora da Piedade

(Marabaixo). Esse momento foi de suma importância para o andamento da

pesquisa, pois esse contato inicial foi marcado por uma relação de confiança e de

aceitação pelas crianças sobre o estudo realizado. Neste momento foi entregue o

Termo de Consentimento para as crianças e seus respectivos responsáveis, bem

como foram explicados os objetivos da pesquisa para as crianças participantes.

Segundo encontro: As rodas de conversa e oficinas de desenho e modelagem.

A segunda aproximação com as crianças se deu no dia 02 de abril de 2016,

para ministrar para as crianças que participam deste projeto cultural e da Festa de

São Tiago a oficina: “Desenhando e pintando sobre a Festa de São Tiago”, tendo

como objetivo, a partir da técnica do desenho infantil, construir dados referentes à

festa sob a ótica das crianças, através do desenho, das esculturas e das gravações

9 Oficinas de construção de instrumentos e oficinas de percussão fazem parte de um projeto social e

cultural que envolve em torno de cinquenta crianças da comunidade e tem o apoio da FUNARTE pelo Ministério da Cultura e apoio do Governo do Estado do Amapá.

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das vozes dos sujeitos pesquisados. As oficinas aconteceram aos sábados, das 14h

às 16h, no barracão do grupo infantil.

Na oficina, houve a participação tanto dos meninos como das meninas que

também contribuíram bastante com informações para a pesquisa.

Necessário esclarecer que o desenho, neste estudo, constitui-se apenas

como uma metodologia de aproximação e de socialização entre as crianças para a

obtenção das informações inerentes às suas vivências e conhecimentos sobre a

festa de São Tiago.

A dinâmica utilizada inicialmente foi a realização de uma conversa informal

com as crianças sobre a Festa de São Tiago, as quais livremente expressaram seus

conhecimentos através dos desenhos ou de esculturas feitas a partir de massa de

modelar, as crianças menores demonstraram maior interesse.

Na sequência, foram dadas as seguintes orientações: após a conclusão dos

desenhos ou esculturas, as crianças foram convidadas a socializar e responder aos

seguintes questionamentos: por que escolheu esse desenho? Qual o significado do

desenho? Quais os elementos que têm relação com a festa?

À medida que as crianças iam socializando suas produções na roda de

conversa, alguns questionamentos foram feitos para que pudéssemos aprofundar

ainda mais a temática em foco. Dessa forma, outras questões relacionadas à festa

foram surgindo, seguindo um roteiro pré-elaborado pelo pesquisador. Evidencio aqui

as principais perguntas elaboradas para contribuir na roda de conversa com as

crianças, são elas: Por que a Festa de São Tiago é importante para você? Como se

dá a participação de vocês na festa? Existe um convite? Como as crianças são/

estão organizadas para participar da festa e da programação? Como são escolhidas

as crianças para representarem os personagens da festa? Que sentimentos e

sensações são vivenciados durante a festa por vocês? Quais as brincadeiras

realizadas durante a programação e durante os dias destinados às crianças? Como

se divertem na festa? O que aprendem durante a festa?

Participaram deste momento de levantamento de dados trinta (30) crianças

sendo dezoito (18) meninos e doze (12) meninas. Permanecendo somente

dezesseis (16) crianças devido ao critério de idade estabelecido pelo pesquisador.

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Foto 02 Oficina de desenho e escultura sobre a Festa de São Tiago.

Fonte: Acervo do pesquisador/2016.

O terceiro encontro: A observação – participante durante a festa das crianças Esse momento foi de suma importância para obter mais informações das

crianças durante a festa destinada a elas, proporcionou-me uma aproximação direta

não somente com os intérpretes da pesquisa, mas com os outros sujeitos envolvidos

durante a programação do evento: pais, festeiros, promesseiros, comissão

organizadora e outras crianças de todas as idades e de outras localidades próximas

ao município. Durante a festa, pude observar, acompanhar e registrar os momentos

mais significativos vivenciados pelas crianças, buscando ao mesmo tempo dialogar

e interagir sobre os fatos relacionados à participação delas no contexto da festa.

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2.7 O LÓCUS DA PESQUISA: O LUGAR DA HISTÓRIA

2.7.1 A comunidade de Mazagão Velho

Mapa 1 Localização do município de Mazagão Velho/AP

Fonte: Elaborado por Miranda (abril/2017)

O município de Mazagão, lócus definido para ser o cenário deste estudo, fica

localizado à margem direita do rio Vila Nova, ao sul do Estado do Amapá, (mapa 2),

sendo sua área de 13.294.776 km2 e de sua população de 17.032 habitantes de

acordo com dados do IBGE (2010), sendo constituído por três distritos: Mazagão

Novo, Carvão e Mazagão Velho (divisão territorial datada de 2009), sendo este,

historicamente, o segundo município criado no antigo Território Federal do Amapá e

que a partir da Constituição de 1988, tornou-se Estado. O município é conhecido por

sua importância histórica e por seu calendário cultural de inúmeras festas religiosas.

As principais festas religiosas realizadas no Município de Mazagão são: Festa

de São Gonçalo; Festa de São Sebastião; Festa de São José; Semana Santa;

Sagrado Coração de Maria; Festas Juninas, Festa de Nossa Senhora da Piedade;

Festa de São Tiago; Festa de Nossa Senhora da Assunção; Festa do Divino Espírito

Santo; Festa de Nossa Senhora da Luz; Festa de Nossa Senhora do Rosário; Festa

de Nossa Senhora de Nazaré; Festival da Mandioca; Festa de Nossa Senhora da

Conceição e Festa de São Tomé. Entretanto, podemos evidenciar duas festas mais

importantes para essa comunidade: a Festa de São Tiago, que ocorre no mês de

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julho, e a Festa de Nossa Senhora da Piedade, que acontece no mês de agosto na

comunidade do Ajudante.

Percebemos assim a importância das festas religiosas no contexto social,

econômico e cultural dos moradores de Mazagão, pois segundo dados do IBGE

(2010), a religião católica apostólica romana é predominante no município, pois

12.524 pessoas adotam o catolicismo como religião, sendo que 3.756 de religiões

evangélicas e apenas 20 pessoas de religião espírita.

O acesso à comunidade de Mazagão Velho é demarcado pela travessia do rio

Vila Nova, pois como parte da Amazônia, segundo Loureiro (2011), o rio está

presente em tudo não somente nas travessias das pessoas, mas também como um

elemento simbólico e cultural. “É sempre visto como caminho, quer dizer, lugar por

onde as pessoas, de certa maneira, andam (...) o rio é a rua.” (LOUREIRO, 2011, p.

126). Para chegar ao destino, é preciso atravessar de balsa com capacidade de seis

veículos pequenos, que dá acesso ao município de Mazagão Novo e em seguida

percorrer um longo caminho pela AP 010, até a chegada em Mazagão Velho.

Existe a construção de uma ponte sobre o rio Vila Nova, iniciada em

dezembro de 2013, que ligará os municípios de Santana e Mazagão, na rodovia AP

010. De acordo com a Secretaria de Estado de Transporte (SETRAP), atualmente, a

obra está em execução de terraplanagem em ambas as margens do rio. A

pavimentação e a sinalização ficarão, segundo o governo, prontas até dezembro de

2016. Enquanto isso, o percurso até o município de Mazagão continua sendo

através das balsas e de pequenas embarcações.

A estrada é marcada por muitas curvas sinuosas ainda em construção, com

seu asfalto novo e com uma paisagem tipicamente amazônica convidativa para um

olhar investigativo sobre o lugar. Atravessando ainda três pontes (uma de madeira e

duas de concreto) sobre o rio Vila Nova, o caminho ainda atravessa as comunidades

do Carvão, São Tomé e do Ajudante e igarapés como Tambaqui, Pedreira e

Ajudante.

Após trinta quilômetros de Mazagão Novo (distrito sede), chega-se à

comunidade de Mazagão Velho, atravessando um portal de entrada nele escrito, no

período da festa: “Bem vindo a Mazagão Velho, terra de São Tiago”.

A população, cerca de quinhentos habitantes que moram na cidade à margem

do rio Mazagão (antigo Mutuacá), vive de forma tranquila e muito sossegada. A

pequena cidade histórica tem “ar de interior”, principalmente no período chuvoso,

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onde não se vê quase as pessoas nas ruas e nas passarelas feitas de

paralelepípedos, o que nos remete a um tempo passado; ou até mesmo por algumas

casas que resistem com seu estilo colonial, nos reportando a uma certa nostalgia.

A maioria dos moradores da cidade, cerca de 48,62% (IBGE,2010) da

população, é de funcionários públicos, alguns trabalham em Mazagão Novo e outros

em Macapá, (a capital), em vários setores e tipos de serviços: administrativos, da

saúde, da educação, do legislativo e outras áreas. Considerando que mesmo após

sua emancipação política, o progresso de urbanização no município é pequeno, não

existindo sinais de mudanças ao longo dos tempos, um exemplo disso é a

inexistência de agências bancárias, supermercados e outros serviços públicos.

Outros munícipes enfrentam e tentam driblar o desemprego, buscando novas

formas de incrementar suas rendas com pequenas vendas em um comércio não

desenvolvido, através da produção de pequenos produtos alimentícios, criação de

animais de pequeno porte ou por meio de benefícios do Governo Federal.

Nas áreas rurais, em média, 51, 38% dos moradores (IBGE, 2010), destacam-

se pela criação de gado bovino, bubalino, suíno, caprino e eqüino; avicultura e

pesca. São relevantes também as culturas de feijão, milho, batata-doce, banana,

arroz, café, cana-de-açúcar, cacau, côco-da-baía, laranja, fumo, abacaxi, mandioca

e pimenta do reino. No setor extrativista, são importantes a cultura de castanha-do-

Pará, a extração de madeira para a fabricação do carvão e de móveis e, ainda, a

extração do látex da seringueira.

Em relação ao setor primário, está representada pela criação de gado bovino,

bubalino, suíno, caprino e equino e avicultura. São relevantes também as culturas de

feijão, milho, batata doce, banana, arroz , café, cana-de-açúcar, côco-da-baía,

laranja, fumo, abacaxi, acerola, mandioca e pimenta do reino.

Quanto ao setor secundário, a extração e fabricação de palmitos de açaí,

algumas serrarias e as fábricas de tijolos também merecem registro. Mas o

município de Mazagão possui outras riquezas: ferro, ouro, cromita, cassiterita,

diamante e columbita. A borracha-do-Brasil, as sementes oleaginosas, a madeira de

lei e os animais silvestres fazem o diferencial do lugar.

Em relação às aguas, o município se destaca por sua riqueza hidrográfica,

cercada de rios como Rio Vila Nova, Rio Preto, Maracapucu, Cajari e mais de vinte

igarapés dando destaque ao Tambaqui, Pedreira e Ajudante. A pesca é uma das

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principais atividades econômicas, sendo a pesca do tucunaré e do pirarucu bastante

praticada.

Em relação à mata, em Mazagão Velho, o principal produto extraído é o açaí,

que serve tanto para comercializar dentro e até mesmo fora do município, como

também para saciar a fome dos ribeirinhos. Na colheita do fruto amazônico, muitos

pais levam seus filhos para ajudá-los, tanto para apanhar como para debulhar o

produto. Muitas crianças fazem essa atividade sozinhas, sem o auxílio dos adultos.

O açaí é um produto consumido todos os dias pelos moradores da região,

sendo consumido, de preferência, com farinha de mandioca acompanhada por um

bom peixe, camarão ou charque frito. Podemos afirmar que o açaí é um elemento

simbólico da cultura amazônica, faz parte do cardápio nortista, principalmente nas

regiões ribeirinhas, é um símbolo de identidade cultural, presente na mesa da

maioria da população que vive na região norte.

Dessa maneira, consideramos a comunidade de Mazagão Velho no Estado

do Amapá como lócus do estudo desta pesquisa e como demarcação de um espaço

dentro da comunidade, o qual tive maior possibilidade de acesso e de convivência

com os intérpretes da pesquisa, no espaço da Associação do Grupo Infantil “Raízes

do Marabaixo”, onde todos os finais de semana as crianças se concentram para

participar de eventos promovidos para elas como oficinas de percussão, ensaios

para o Marabaixo, confecção de instrumentos musicais, reuniões sobre as festas,

oficinas de máscaras e outras atividades.

Pois, segundo Rodrigues et. al. (2008), a cultura popular amazônica refere-se:

A história do lugar está diretamente ligada à prática social cotidiana, que são repassados de geração à geração, estando imbricados na cultura destes atores e grupos sociais. Por isso, cada vez mais o lugar vai tomando características peculiares e, mais do que isso, reproduz-se em uma dimensão individual, tendo o sentido que cada sujeito, através de suas relações, dá a ele. (RODRIGUES, 2008, p.31).

Portanto, ao chegar ao município de Mazagão Velho, pude perceber o valor

histórico, social, cultural, político e religioso que a Festa de São Tiago representa

para essa comunidade, pois motivada pela sua fé e pelo respeito às suas tradições e

memórias que buscam através da realização desse espetáculo religioso

impregnado por saberes e práticas sociais, registrar sua história de luta, cultura e de

devoção que resiste ao tempo e ao espaço.

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SEÇÃO III

MAZAGÃO VELHO – A CIDADE FLUTUANTE: DE MARROCOS A MACAPÁ

Porque é uma história viva de nossos antepassados. (JAMERSON, 11 anos de idade)

Foto 03 Batalha entre mouros e cristãos

Fonte: Acervo do Pesquisador/2016.

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Nesta seção, apresento a história de Mazagão Velho, marcada por narrativas

orais contadas por seus moradores e historiadores, resíduos de uma memória que

resiste ao tempo e no espaço por meio de suas práticas religiosas e culturais, se

reconstruindo em uma multiplicidade de versões e acontecimentos.

Entender uma comunidade passa, necessariamente, pelas manifestações

culturais que ela apresenta, mesmo que esse entendimento seja apenas parcial,

visto que a visão da totalidade é impossível. (ALMEIDA, 2011). Nesse sentido,

contar ou recontar a trajetória histórica ou imaginária de Mazagão Velho no Estado

do Amapá, região compreendida como Baixo Amazonas, torna-se uma tarefa

provocadora e, ao mesmo tempo, o estudo aqui representa um desafio – em poucas

e esmiuçadas linhas – trazer à tona uma parte dessa história não factual ocultada

nos livros escolares. Por muito tempo sem registros escritos, mas permanecendo na

memória e nas manifestações culturais e religiosas do povo mazaganense.

Na visão de Zumthor :

O uso que se faz da memória, neste ou aquele contexto social ou tecnológico, o gênero de funcionamento que nesse caso o caracteriza, a ideia que disso formam os indivíduos, determinam em grande parte o tipo de cultura em questão. Mas esses fatores não modificam nada, nem no objetivo último da energia memorial, nem no papel fundamental que ela assume em nosso proveito. (ZUMTHOR, 1997, p.14).

Assim, sabemos que não é possível recriar o passado, a memória para

entender Mazagão Velho, sendo apenas possível perceber o que o passado foi

capaz de deixar nos arquivos mnemônicos daqueles que habitam Mazagão Velho.

(ALMEIDA, 2011, p.30). Sendo assim, ainda na perspectiva desse autor, a memória

oral e a memória cultural é que garantem a preservação e a eternização das

manifestações ocorridas em Mazagão Velho e a disjunção da política de memória

oficial e o imaginário popular. (ibid. p. 46).

A história do lugar marca um capítulo pouco explorado e conhecido do Brasil

Colônia, quando uma colônia portuguesa, localizada na África, mais precisamente

no Marrocos, foi desativada e transferida para a Amazônia brasileira. Os primeiros

habitantes, aproximadamente 160 famílias, chegaram na região, após uma longa

jornada de navio e aportarem alguns dias em Belém. A Vila de Nova Mazagão, hoje

Mazagão Velho, que fica aproximadamente 70 km da capital Macapá, foi fundada

em 23 de janeiro de 1770, pelo Rei de Portugal, D. José I.

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De acordo com a análise de Vidal:

Em 11 de março de 1769, na baia de Mazagão, uma cidade inteira se prepara para bater em retirada. Não se trata simplesmente de um exército que deixa o campo de batalha, mas de uma cidade que abandona seu espaço vital, uma sociedade urbana que se separa de seu invólucro de pedra. O exemplo é suficientemente raro para despertar nosso maior interesse, quatorze embarcações foram enviadas de Lisboa para esse fim impressionante: organizar uma retirada urbana. Uma cidade sem muralhas, provisoriamente distribuídas em 14 bairros flutuantes, faz vela rumo à Lisboa. (VIDAL, 2008, p.51).

Para o império português, o Brasil é, naquele momento, o espaço estratégico

para a transferência da cidade de Mazagão. Depois de Minas Gerais, região

cobiçada pela abundante exploração de minérios, como o ouro e o diamante, a

coroa portuguesa recruta a população de novos colonos10 para regiões de fronteira

como a Amazônia. Assim, o translado cria expectativas e ansiedades no povo que

vai trazer na bagagem memórias culturais para uma reconstrução identitária.

O destino dos mazaganenses foi fixado antes mesmo da chegada ao Tejo11,

em carta datada de 16 de março, Francisco Xavier de Mendonça Furtado previne o

governador do estado do Grão-Pará e Maranhão, seu sobrinho, Fernando da Costa

de Ataíde e Teive, da resolução régia de transportar essa população para Belém,

capital do estado. (VIDAL, 2008, p.53).

O historiador Vidal cita trechos da carta12:

Devendo aproveitar se todas estas famílias e fazelos: Resolveo Sua Majestade que fossem transportadas para esse continente e mandar expedir este avizo a V. Senhoria ao fim de fazer todas as disposiçoens que julgar precisas para ahi receber duas mil, até duas mil e duzentas pessoas, a cujo deve V. Exca ter prevenido mantimentos, e os cômodos necessários. Com essas famílias ordena El Rey Nosso Senhor que se estabeleça huma nova povoação na costa septentrional das Amazônas para darem as maons com o Macapá e com Villa Vistoza. (VIDAL, 2008, p.54).

Uma área às margens do rio Mutuacá, hoje no Estado do Amapá, no ano de

1770, foi escolhida para receber uma população da então possessão portuguesa de

Mazagão, em Marrocos, abandonada por ordem do Marquês de Pombal. Segundo

10

Para a administração pombalina, o novo colono deve ser um colonus, no sentido romano do termo, ou seja ao mesmo tempo um agricultor, que participa da valorização do território em caso de ameaça interna (os índios) ou externa (os europeus). (VIDAL, 2008, p.62). 11

Depois de 11 dias de travessia, a cidade flutuante entra no Tejo. Os barcos são amarrados ao cais de Belém. Situada à margem direita do Tejo, a cinco quilômetros de Lisboa. (VIDAL,2008). 12

Citação do original pelo autor.

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os registros históricos cerca de 340 famílias13, alguns vindos como escravos

chegaram à cidade de Belém (PA), em 1770, e, em 1773, foram para o sul de

Macapá e fundaram a Nova Mazagão, hoje Mazagão Velho. O povoado serviu de

apoio militar à Vila de Macapá, que surgiu ao redor da Fortaleza de São José de

Macapá e a Vila Vistosa de Madre de Deus.

O historiador francês Vidal descreve essa trajetória:

Observamos aqui que, em três anos e meio (entre julho de 1773 e janeiro de 1777), cerca de mil mazaganenses deixam Belém e vão para Vila Nova de Mazagão, a qual, por sua vez, tem crescimento de mais de 1.200 pessoas. Mas o principal testemunho dado por esses censos é a ampliação do tempo de espera para a maioria das famílias: em 1775, mais de cinco anos depois de sua chegada, 146 ainda esperam para serem transferidas; em 1777, 68 famílias continuam aguardando. (VIDAL, 2008, p.124).

Nessa trajetória histórica, a cidade de Mazagão divide-se em três momentos

de temporalidades: a cidade da memória (a praça-forte marroquina), a cidade vivida

(Belém) a cidade de oportunidades abertas e a cidade do futuro (a Nova Mazagão)

ainda em construção pelos indígenas e soldados da região.

A fundação da Nova Mazagão surge assim como um processo complexo, cujo

conjunto de implicações precisa tentar medir, retirando uma a uma as camadas com

quem se enfeita a cidade remanescente. (VIDAL, 2008, p.138).

A Vila conhecida hoje pelo seu calendário anual festivo, tanto tradicional e

religioso através de festas religiosas como a de Nossa Senhora da Piedade, a Festa

do Ciclo do Marabaixo14 sendo a maior delas, a Festa de São Tiago realizada há 239

anos, misturando cavalhada, sincretismo religioso e teatro no período de 16 a 28 de

julho.

13

Esse modo de classificação logra, de algum modo, neutralizar o espaço social: nada permite distinguir o estatuto dessa ou daquela família, nem os vínculos que elas podem ter umas com as outras. Não há tamanho demográfico fixo para esse grupo, que pode aumentar indefinidamente pela simples adição de famílias suplementares. (VIDAL, 2008, p.59). 14

Dança típica do Estado do Amapá traída pelos negros da África no período da construção da Fortaleza de São José de Macapá.

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Foto 04 Imagem de São Tiago.

Fonte: Acervo do pesquisador/2016.

Sendo assim, a Festa de São Tiago apresenta em seu contexto religioso e

cultural aspectos presentes em relação a outros rituais e ritos espalhados pelo

Brasil, em que se muda de acordo com a regionalidade, a cultura e as influências

colonizadoras. Podemos citar as cavalhadas que acontecem em Goiás, a festa do

Divino de Parati, no estado do Rio de Janeiro, a Folia dos Santos Reis em Caldas,

cidade de Minas Gerais. Porém, segundo os historiadores e os relatos dos

moradores, a festa de São Tiago foi trazida pelos primeiros habitantes vindos da

antiga Mazagão em Portugal, sendo mantida através do tempo e do espaço por um

processo de narrativas orais muito presentes nesses ritos e festas populares.

Essa semelhança entre os ritos religiosos é descrita por Brandão:

Mais curioso é o que ocorre com as cavalhadas (...). No Centro-Sul do país, elas são jogadas de tal modo que, primeiro, os 24 cavaleiros, divididos em dois lados de guerreiros rivais – cristãos e mouros, quase sempre -, lutam uma guerra de várias batalhas, que são as “carreiras” do rito, até quando os mouros, vencidos, são convertidos e incorporados ao lado dos vencedores, os cristãos. (...) simplificadas, as cavalhadas no Nordeste fazem apenas a parte do jogo, e ele é toda a sua festa. (BRANDÃO, 2010, p.23).

3.1 MEMÓRIAS E IDENTIDADE DE UM POVO: A FESTA DE SÃO TIAGO.

Mazagão Velho, no sul do Estado do Amapá, guarda uma parte da história da

colonização brasileira pouco conhecida: uma cidade foi “transplantada” do

continente africano para a Amazônia.

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A cidade foi, entre o início do século XV e meados do século XVIII, uma

região que pertencia aos portugueses em Marrocos, situada no norte da África,

tendo dado origem à atual cidade de El Jadida, situada a 90 km a sudoeste de

Casablanca. O nome provavelmente provém de uma expressão em língua árabe

que significa “águas quentes”.

O mapa abaixo mostra exatamente onde se localiza a primeira Mazagão em

Marrocos.

Mapa 02 – Localização geográfica da região de El Jadida

Fonte: Wikipédia – 2017

Por volta de 1769, cerca de 340 famílias15 – aproximadamente 1.200 pessoas

entre brancos e seus escravos - vieram do Marrocos numa longa jornada de barco,

descendo rio acima, até chegarem às margens do rio Mutuacá, (antes navegável) na

região sul do Amapá, depois de uma breve passagem por Belém do Pará. A

imigração forçada se deu pela guerra entre mouros e cristãos, durante a implantação

do cristianismo português no continente africano.

A transferência dessas famílias para a Amazônia foi uma verdadeira odisseia

devido ao abandono por parte do rei. Medo e sofrimentos como dores físicas e

psicológicas em todos os sentidos, a cidade está vazia e as péssimas condições que

enfrentaram os mazaganenzes desde a saída para Lisboa, até a chegada ao Novo

Mundo. Dessa forma, a encenação foi uma maneira de manter viva a tradição dos

ancestrais que ficaram do outro lado do Oceano Atlântico e que também cultivavam

15

Esse modo de classificação logra, de algum modo, neutralizar o espaço social: nada permite distinguir o estatuto dessa ou daquela família, nem os vínculos que elas podem ter umas com as outras. Não há tamanho demográfico fixo para esse grupo, que pode aumentar indefinidamente pela simples adição de famílias suplementares (VIDAL, 2008, p.59).

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a devoção ao guerreiro Tiago em países como Portugal, Marrocos e Mauritânia,

reproduzindo através de um palco a céu aberto a representação de batalhas

ocorridas no século XVII.

Foto 05 O rio Mutuacá em frente à Igreja Matriz.

Fonte: Acervo do pesquisador/2016

Na foto 03, percebe-se o rio Mutuacá na atualidade nos dias de festejos na

comunidade de Mazagão Velho, tomado por pequenas embarcações utilizadas pelos

ribeirinhos da região que descem para participar das homenagens ao padroeiro do

município.

Nas palavras de Almeida:

(...) Mazagão do Marrocos resistiu à soberania dos mouros à custa de grande esforço e investimento da Coroa portuguesa, para servir aos navegadores que faziam a rota do Cabo. A prova de sua inexpugnabilidade foi a resistência a um forte cerco dos mouros em mil quinhentos e sessenta e dois. Em mil setecentos e sessenta e nove, o Marques de Pombal, estrategista durante o reinado de D. José, decidiu que toda a cidade seria transferida para a Amazônia, no Brasil, outra região sob o controle português que necessitava de garantia de soberania. Assim, a fortificação foi abandonada e destruída, tendo os seus habitantes partido para o Brasil, onde fundaram a Vila de Mazagão Novo. (ALMEIDA, 2011, p.44).

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3.1.1. A Festa

Amigos cheguem aqui Quero mostrar pra vocês Esse é Mazagão Velho E tem festa todo mês (...) Tem batuque e tem batalha Tem festa o mês inteiro (...) (DUARTE, Manoel, s/d)

A Festa de São Tiago foi criada pelos colonos lusos, estabelecidos em

Mazagão Velho, tendo como objetivo principal homenagear o misterioso soldado

anônimo, São Tiago, que aparecia durante as batalhas no continente africano, em

companhia de São Jorge lutando ao lado dos cristãos contra os mouros e

favorecendo assim, a vitória dos seguidores de Jesus Cristo.

Desde a conquista das terras africanas, os lusitanos, fervorosos católicos,

tentaram converter os mulçumanos ao cristianismo e aceitar a fé em Cristo e o

batismo de sua religião. Fato esse que despertou o descontentamento nos

seguidores de Maomé, que declararam guerra aos cristãos, sendo estes liderados

por Jorge e Tiago.

Conta a história que as batalhas duraram muitos dias, com grande vantagem

para os lusitanos, que resistiram heroicamente aos ataques dos mouros, chefiados

pelo Rei Caldeira. Tudo isso é contado e protagonizado pelos habitantes de

Mazagão Velho, culminando com a vitória dos cristãos sobre os mouros, em um

teatro acompanhado pelas procissões, romarias, novenas e missas em homenagem

aos santos padroeiros São Jorge e São Tiago.

A primeira festa ocorreu em 177716, desde então, ela se mantém numa

periodicidade anual. Pode-se observar na foto abaixo, a representação da batalha

entre mouros e cristãos, realizada na Festa de São Tiago, em julho de 2016.

16

Se a data é 1777 é fácil de confirmar – constatamos a realização de uma festa em honra da rainha, na qual se organizou uma batalha naval entre cristãos e mouros, nada autoriza afirmar que esta festa foi reproduzida no ano seguinte. Tudo leva a crer, por sua vez que essa festa só ressurgiu depois da criação de Mazaganopólis em 1915. (VIDAL, 2008, p.272).

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Foto 06 Representação da batalha

Fonte: Acervo do pesquisador/2016.

Essa festa também tem lugar especial em um calendário festivo. Em Mazagão

Velho, ela tem um papel social essencial: faz parte do cotidiano dos moradores.

Sendo que os rituais e a história da festividade passam de geração à geração

através de um processo de oralidade, presente mesmo nos dias atuais. Como afirma

Tedesco e Rosseto:

Não é demais lembrar que uma função essencial da memória é conservar, através das lembranças e dos esquecimentos, o passado do indivíduo da forma mais apropriada e mais fiel. Ao conservar certas informações na memória, guarda-se também um conjunto de funções psíquicas através das quais conservamos e atualizamos informações passadas. (TEDESCO E ROSSETO, 2007, p.25).

A Festa, como a maioria das manifestações populares no Brasil, é composta

por um lado religioso presente nas procissões, novenas e nas encenações teatrais

sobre a guerra entre mouros e cristãos e por outro lado, o profano também se faz

presente nos bailes, nas beberagens, nas músicas techno, no brega, nas músicas

religiosas, sendo que o sagrado e o profano se misturam formando muitas vezes

um único elo presente nas mais variadas manifestações pagãs e cristãs.

Na visão de Duvignaud:

A festa foi incorporada ao sagrado e, daí, às regulamentações coletivas. Ninguém reparou que o conhecimento da vida social implicava o conhecimento do não-social e do anti-social. A festa é tudo isto, quer utilizando provisoriamente os signos coletivos ou as classificações consagradas e, aproximando-se das cerimonias rituais, quer colocando-se, de passagem, ao serviço de um poder, quer atingindo o transe, o êxtase,

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quer tornando-se a festa privada dos corpos e das volúpias. ( DUVIGNAUD, 1983,p.69).

Tedesco e Rosseto (200, p.24) afirmam que nos primeiros tempos da Colônia,

a festa religiosa reconciliava as relações dos homens, suas atividades, suas vidas

pessoais, os problemas do cotidiano com o sobrenatural, com o sagrado e a tradição

comunitária, mas, acima de tudo, com os aspectos religiosos.

Nesse contexto, a partir da origem das festas religiosas ainda no Brasil

Colonial, percebemos a influência desse tipo de manifestação por parte da Igreja

para inculcar nos índios e colonos a ideologia cristã através de instrumentos como

procissões, ladainhas, rezas, teatros a céu aberto, confirmando a mesclagem entre

as festas profanas e religiosas, perdurando nos séculos subsequentes o calendário

de festas religiosas pelo país no intuito de preservar nas populações a aliança entre

o Estado e a Igreja.

Assim, a mesma festa criava brechas de resistências, transculturalidades e

utopias. Sendo ela, espaço de múltiplos olhares, de tantas leituras e de tantas

funções políticas e religiosas, a festa, e seu carregado calendário festivo,

transformou-se desde o Período Colonial, na ponte simbólica entre o mundo profano

e o mundo sagrado. (DEL PRIORI, 1994).

Para Caillois (1990), a festa é uma manifestação do “mana” e corresponde à

“categoria do sagrado”, que se opõe aos suores e incertezas da “vida profana”.

Caillois faz da festa uma manifestação social, um modo de expressão da substância

coletiva integrando a vida ardente do não-social à vida comum.

As festas, neste sentido contribuem para amenizar, alegrar ou transformar o

cotidiano penoso e laboroso das pessoas de determinados grupos explorados

historicamente e socialmente, mas, por outro lado, as festas são formas de

demonstrar a solidariedade, a organização comunitária, a difusão de saberes e de

experiências e o principal elemento: a demonstração da fé depositada em seus

santos protetores e padroeiros.

A Festa de São Tiago apresenta a mesma estrutura, logo o mesmo

significado religioso e festivo, a mesma solenidade e o mesmo simbolismo. Isso

equivale afirmar que, mesmo invadida por turistas e da presença de forças

inovadoras, a festa não perdeu, ou perde pouco, de sua antiga qualidade e de seus

aspectos mais tradicionais.

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Esta festa é organizada pela Associação Cultural da Festa de São Tiago

(ACFST), em parceria com a Diocese de Macapá, tendo apoio da Prefeitura

Municipal de Mazagão e do Governo do Estado do Amapá, sendo este um dos

principais patrocinadores do evento. As festividades são marcadas, inicialmente,

pela celebração da novena, como uma preparação espiritual para a festa,

coordenada sempre por pessoas importantes da comunidade e organizada por

grupos ligados à igreja Católica. A festa anualmente acontece seguindo os rituais

descritos a seguir.

3.1.2 A primeira procissão: o início da festa

A procissão em homenagem a São Tiago inicia a programação com dois

rapazes vestidos de túnicas brancas, os quais entram a cavalo na capela do lugar

(fundada em 1935), para buscar as imagens de São Tiago e de São Jorge. Sendo

que as famílias dos jovens protagonistas pagam a promessa à comissão de

organização17 da festa, para que assim os dois possam encarnar as figuras desses

dois santos.

O cortejo e a procissão se formam cercados por crianças que levam

luminárias azuis, verdes e vermelhas, pulam, gritam e manifestam em alto e bom

som a felicidade de ali estar. O intérprete José Caio (de 10 anos de idade)

complementa essa descrição dizendo: “é um sentimento de muita felicidade de estar

participando da festa”.

Os cavaleiros vestidos de branco e vermelho tomam seus lugares. Para

Tinhorão (2000), no Brasil, esse deslocamento da teatralização ritual dos episódios

da história sagrada, das igrejas para as ruas, podia ser comprovado já no primeiro

século da colonização.

Os preparativos para a Festa de São Tiago consomem algumas semanas e

essa preparação envolve todos os moradores, os quais são os protagonistas da

festa.

Podemos conceituar as festas, segundo Duvignaud (1983, p. 31), como um

ato surpreendente, imprevisível, que se declara tanto durante as cerimônias rituais

com as quais não se confunde, quanto ao longo de toda manifestação pública. As

17

Essa comissão funciona como uma associação e reúne cerca de cinquenta membros efetivos que participam diretamente da organização da festa, negociam com os poderes públicos (município e estado) dividem as diversas tarefas: preparação dos figurinos, das máscaras, dos bailes... (VIDAL, 2008, p.271).

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festas podem celebrar a vida, o nascimento, podem homenagear aos deuses e

santos, mas também, às vezes, são sombrias, tristes ou até mesmo se apresentam

de forma erotizada, buscando muitas vezes o êxtase, o delírio, o trágico.

A Festa é um acontecimento que reúne vários rituais que prestam

homenagem coletiva a um santo padroeiro, sendo assim uma efetivação

propiciadora de relações simbólicas, através de ritos como as alvoradas, procissões,

círios, tornando-se uma sucessão de momentos historicizados.

Durante a festa, a figura de São Tiago é a principal protagonista como

elemento simbólico e de grande veneração, pois é sob a invocação de São Tiago

que os soldados ibéricos saíam em combate contra os infiéis, sendo que o

personagem de São Jorge aparece como elemento presente nos rituais de cavalaria,

levando sempre com ele o estandarte dos cruzados, (uma cruz vermelha em um

fundo branco). Como aparecem representados na foto (05).

Foto 07 Personagens de São Jorge e São Tiago

. Fonte: Penha/2015.

3.1.3 A alvorada e o Vominê

O primeiro dia de festa é marcado pela alvorada festiva. Ela se inicia por volta

das três horas da manhã, com muitos fogos de artifício, para anunciar a comunidade

o início das festividades. O arauto carregando a imagem de São Tiago e precedido

pelos tambores percorre as ruas da vila, anunciando aos participantes o início das

festividades e indo despertar todos os que representarão os personagens. A

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primeira casa visitada é a dos jovens que representarão São Tiago e São Jorge. Os

tambores entram casa a dentro, sem parar de tocar, cantar e de dançar. “Vomi nê !

Vomi nê! Ê! Ê!. Os homens formam um círculo e saltitam de um lado para o outro:

Vomi nê! Vomi nê! Ê! Ê!. Esse Vomi nê dura vários minutos18.”

Na dança do Vominê, conforme a tradição local, São Tiago e São Jorge

devem participar dos cantos e danças, para desta forma se integrarem ao grupo.

Enquanto dançam e cantam os participantes da dança e as pessoas que

acompanham, saboreiam comidas e bebidas preparadas pelos donos da casa.

Depois os tambores voltam a bater, levando o cortejo em direção a outra casa, até

concluírem a casa do último personagem.

Nas palavras de José Caio (10 anos de idade), essa tradição representa um

momento significativo, de muita devoção, de respeito, mas também de puro

divertimento, pois “brincamos, dançamos e pulamos o Vominê.” E Guilherme (13

anos de idade) acrescenta ainda que: “ dançamos o Vominê durante a programação

da festa.”

Na foto abaixo, pode-se observar a dança do Vominê sendo realizada durante

a programação da Festa de São Tiago das crianças em Mazagão Velho como parte

do ritual.

Foto 08 Crianças dançando o Vominê.

Fonte: Acervo do pesquisador/2016.

18

O termo “vomi nê” viria da contração da expressão “vamos nele”. (PENHA, 2016, p.17).

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Após a inserção de todos os participantes da festa, os quais são chamados a

participar após a dança do Vominê, a procissão tem início, para em seguida ser

celebrada a missa em louvor aos santos homenageados.

De acordo com o enredo histórico, os mouros eram liderados pelo Rei

Caldeira e queriam conquistar Mazagão, e a guerra se estendia com vantagens para

os portugueses. Outra parte do ritual da Festa de São Tiago é a “entrega dos

presentes” que, de acordo com a tradição, os mouros, sob a justificativa de trégua,

ofereceram de presente aos cristãos, comida envenenada. Na tradição, a entrega

dos presentes, (pratos com iguarias), são entregues na tarde do dia 24 de julho às

famílias tradicionais. Durante os dias de festa são realizadas alvoradas, com

músicas e fogos.

Os intérpretes José Caio (10 anos de idade) e Cristian (08 anos de idade) ao

serem perguntados sobre os rituais da festa de São Tiago complementam que:

José Caio: temos a batalha, a entrega dos presentes e o Vominê. Cristian: Bom, temos a entrega dos presentes, visita a algumas casas dos festeiros que temos como dançar o Vominê.

3.1.4 O Baile de Máscaras

Segundo contam as narrativas orais, os cristãos, desconfiados da atitude dos

inimigos deram parte da comida aos animais os quais amanheceram mortos. Para

comemorar a suposta vitória pelo extermínio dos soldados cristãos, os mouros

ofereceram um baile de máscaras, no qual os cristãos remanescentes poderiam

passar para o outro lado, sem medo de serem reconhecidos por seus oficiais.

Consta que os cristãos compareceram ao baile, usando máscaras para não serem

reconhecidos por seus superiores. Mascarados, os cristãos distribuíram a comida

envenenada para os mouros. O Rei Caldeira também morreu como resultado de sua

fracassada estratégia, enfraquecendo assim, o exército inimigo.

Essa comemoração é representada na noite de 24 de julho, marcando o fim

do primeiro dia de encenação. É quando populares mascarados e fantasiados se

reúnem no barracão erigido a São Tiago. Com muita música, danças e bebidas, os

“máscaras”, como são chamados os participantes da festa, dançam e se divertem

até o amanhecer.

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66

Acerca disso, Caillois (1990, p 40) expõe que através da Mimicry19 se joga

com o corpo, a fantasia, a imaginação, o disfarce, a invenção e a máscara. O uso

das máscaras faz com ele passe a ser parte do corpo do jogador. E o jogo passa a

ser uma grande representação podendo surgir diversos personagens, pois a

máscara revela e desvela, ela não só esconde, mas mostra como somos, como

pensamos. Ela impõe sobre nós ao mesmo tempo em que nos expõe. Com a

máscara, não somos nós, mas podemos ser ao mesmo tempo o outro.

No baile de máscaras, devido a tradição local, somente homens mascarados

é que podem entrar no barracão de São Tiago, o público em geral composto pela

maioria por mulheres e crianças, acompanham tudo, porém do lado de fora.

Foto 09 Baile de Máscaras adulto /2016.

Fonte: Penha/2016.

A senhora Josefa Pereira Lau20, conhecida na comunidade como D. Zezinha,

com mais de 80 anos, apresenta uma explicação para a proibição de mulheres no

Baile das Máscaras. Ela explica que naquela época, quando os oficiais cristãos

cismaram que os mouros prepararam uma cilada com a comida envenenada,

fizeram espalhar a ordem: “não levem esposas e nem filhas! Ao invés disso, vistam-

se com as roupas delas, para eles (os mouros) pensarem que são mulheres”.

19

Mimecry – provêm do latim que significa “mimetismo”. (CARVALHO, 2008). 20

D. Zezinha, natural de Mazagão. In: DIAS, Ronni Frankilin Carvalho. Mazagão Velho: Imagem-Mundo de uma festa, um baile e suas máscaras. (2009).

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Mas o que se percebe na atualidade é que muitas mudanças já ocorreram em

relação ao Baile de Máscaras, pois a presença de mulheres já pode ser vista, não

somente no barracão, mas também mascaradas. Nessa ruptura secular, a tradição

ainda se impõe, pois considerando que as mulheres não podem dançar no baile, ou

seja, a mulher mesmo mascarada não pode dançar o Vominê, somente os homens.

Segundo o jornalista Penha (2016):

Para o visitante desavisado na tradição pode haver impressão de que o Baile de Máscaras seja um apartheid de gêneros, pois as mulheres não podem dançar, ficando limitada a assistir do lado de fora, mas isso nada mais é do que parte de uma tradição bissecular. Á época as mulheres não iam à guerra. (PENHA, 2016, p.20).

Em relação ao uso das máscaras, uns usam máscaras tradicionais feitas de

papel machê, especialmente confeccionadas pelos próprios moradores para a

ocasião, outros, os mais jovens, utilizam máscaras modernas de plástico ou de

borracha, trazidas da capital Macapá e vendidas na Vila, que imitam personagens ou

filmes de cinema como “o grito”, caveiras e outros personagens famosos. Nesta linha

de discussão, Vidal afirma: “a festa se alimenta de todas as contribuições externas;

o moderno vem reforçar o tradicional, a atualidade vem resgatar a história lendária.”

(VIDAL, 2008, p.263).

Nesse contexto, Duvignaud (1983) argumenta:

Quando dizemos que a festa é uma forma de “transgressão” das normas estabelecidas, referimo-nos ao mecanismo que, com efeito, abala essas normas e, muitas vezes, desagrega-as. (...). A festa importa em distúrbios provindos de fora do sistema, uma descoberta de apelos atuantes sobre o homem por vias externas ao poder das instituições que o conservam dentro de um conjunto estruturado. A transgressão, por ser estranha às normas e regras e, não explicitando a intenção de violá-las, é, por isso, mais forte. O poder do “Ego” se faz conhecer com seu próprio teor de indiferença. (DUVIGNAUD, 1983, p. 223).

O uso de máscaras pode atribuir vários significados, no contexto de cada

cultura, apresentando um papel fundamental nas celebrações sagradas ou profanas,

a exemplo do carnaval. Mas, em uma perspectiva ampla, o uso das máscaras tem

um caráter mais lúdico e representativo tanto para adultos como para as crianças. “A

máscara, objeto sagrado universalmente disseminado e cuja passagem ao estado

de brinquedo talvez assinale uma modificação única na história da civilização

fornece-nos o principal e, sem dúvida, o mais notável”. (CAILLOIS, 1990, p.81).

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Diante disso, o espetáculo continua: o falecido Rei Caldeira fora substituído

pelo filho Caldeirinha, sagrado líder dos mouros, apesar de ser ainda criança. A

história conta que antes de crescer e começar de fato a comandar os mouros, o Rei

Caldeirinha ordenou que seus soldados roubassem crianças cristãs, que curiosas

foram facilmente capturadas. Depois, do êxito do plano, as crianças foram vendidas

e com o dinheiro os mouros compraram armas e munições, aumentando assim seu

poder bélico.

Durante o espetáculo, as crianças que assistem são apanhadas

simbolicamente pelos mascarados, como parte de uma brincadeira para não

assustá-las, já que os pais podem “resgatá-las” das mãos dos homens fantasiados

com um pedaço de papel, simbolizando a compra que consta na lenda. Ao perguntar

como elas se divertem durante a programação da festa, Cairo (10 anos de idade) e

José Caio (10 anos de idade) responderam que se divertiam participando das

dramatizações na festa, brincando e fugindo dos “mascarados” no momento do

“rapto das crianças.”

3.1.5 A segunda procissão – o Círio

No dia 25 de julho, por volta das oito horas da manhã, as imagens de São

Tiago e São Jorge são tiradas da capela e transportadas em procissão (círio), de

acordo com a foto 06, até a igreja de Nossa Senhora da Assunção. Seguido por uma

multidão de fiéis e abrindo a marcha, os personagens dos santos homenageados

avançam a cavalo, vestidos com seus trajes e adornos: São Tiago com roupa nas

cores verde e branco, com detalhes em dourado e vermelho e São Jorge com um

uniforme amarelo e branco. A ele, cabe a honra de levar o estandarte cristão – um

fundo branco com uma cruz vermelha. Terminada a procissão é realizada uma missa

no átrio da igreja matriz.

A festa deve ser um evento festivo e de comemoração, de agradecimentos e

de gratidão por graças alcançadas e dedicadas ao Santo padroeiro, carregados de

rituais religiosos e que carregam em si uma eficácia simbólica. Assim, as práticas

festivas religiosas devem ser compreendidas como manifestações culturais e

artísticas a partir das experiências e do cotidiano dos sujeitos envolvidos nos rituais

e nas celebrações. E em especial, nos momentos de organização e de realização da

festa em homenagem ao santo padroeiro.

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69

Foto 10 Representação de São Tiago durante a procissão.

Fonte: Penha/2016.

3.1.6 A passagem do “Bobo Velho” Após o almoço do Círio, a epopeia continua. O barulho de um galope

interrompe a breve calmaria do vilarejo, é a passagem do Bobo Velho. Trata-se de

um personagem que representa um espião mouro, que tenta infiltrar-se no

acampamento cristão para convencer os convertidos a irem a seu verdadeiro

acampamento. Porém é desmascarado, vaiado, sendo que a população presente o

“apedreja” com bagaços de laranja. Este é um momento de interação com o público,

em que o infiltrado tenta passar três vezes, mas é apedrejado e expulso pelo

público.

Diante disso, estabelecemos uma relação com a teoria de Caillois (1990), ao

afirmar que o Ilinx21 encontra-se nas práticas dos participantes na dança do Vominê

ao som das caixas de Cabanas, as corridas de um lado para o outro, na velocidade

e aceleração dos movimentos durante as batalhas entre os mouros e cristãos, a

corrida com bagaços de laranja atrás do “Bobo Velho”. (Foto 09). Logo, “a

perturbação provocada pela vertigem é procurada como fim em si mesma.”

21

Ilinx – palavra de origem grega que significa “turbilhão de águas”, deriva de “ilingos” que quer dizer “vertigem”. (CALLOIS, 1990, p.45).

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70

Foto 11 Passagem do “Bobo Velho”.

Fonte: Acervo do Pesquisador/2016.

3.1.7 A Batalha

À tarde, precisamente às 15 horas, inicia-se a grande batalha, anunciada por

um arauto e com a ajuda de fortes batidas de tambor, sete atos são encenados,

numa espécie de teatro ao ar livre e aberto ao público que acompanha atentamente

o desenrolar das cenas descritas pelos historiadores da cidade22, que se revezam e

através de seus discursos e de uma “sinopse”23 das batalhas, contribuem para um

melhor entendimento das dramatizações feitas pelos moradores, os quais estão

dispostos no palco principal.

Vidal (2008) descreve as sete cenas da batalha:

Um arauto anuncia, com ajuda de fortes batidas de tambor. Um Atalaia cristão se infiltra no campo dos mouros e rouba seu estandarte. Mas é descoberto. Desencadeia-se uma perseguição. Ao se aproximar do acampamento cristão crivado de balas, ele dá o alerta, joga o estandarte para os seus e cai do cavalo. (cena 01).Os soldados mouros o capturam, decapitam e brandem sua cabeça diante das tropas cristãs. (cena 02). Os cristãos decidem se vingar e armam uma emboscada que dizima uma patrulha moura. (cena 03). Soldados mouros mascarados correm e se

22

É um fenômeno social bastante difundido no Brasil. Cada povoação, aldeia ou pequena vila tem “seu” historiador. Trata-se de um homem bastante idoso, cuja função profissional é objeto de um grande respeito. Esses papeis sociais frequentemente são transmitidos de pai para filho. (VIDAL, 2008, p. 226). 23

Uma sinopse da festa, tem um valor de um texto sagrado, porque se considera que elas garantem a coesão da sociedade. Mas ninguém consegue explicar quem redigiu o texto, quem transcreveu sob forma escrita a evolução das batalhas. (VIDAL, 2008, p.271). Sendo que todos os anos se repetem as mesmas sinopses durante a festa.

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apoderam dos espectadores mais novos, é o rapto das crianças (cena 04) elas são vendidas a uma caravana de nômades. (...) um mensageiro mouro vem propor uma troca aos cristãos: o estandarte mouro pelo corpo decapitado do atalaia cristã (cena 05). A troca é aceita. Os cristãos recuperam o corpo, mas no último instante, recusam-se a devolver o estandarte, os mouros se retiram para preparar o assalto final (cena 06). Eles enviam seus soldados, com os rostos cobertos por uma máscara grotesca. E são expulsos três vezes. Vem em seguida o assalto dos cavaleiros. A galope eles enfrentam os cavaleiros cristãos que vão a seu encalço, espada em punho, seguidos por São Tiago e São Jorge, que cruzam suas espadas. As tropas infiéis vêm enfrentar as tropas cristãs. As trombetas soam então a vitória: “é a vitória dos cristãos; é a vitória do cristianismo”. (VIDAL, 2008, p.266).

Após a representação das sete cenas, O guerreiro São Tiago jurou a Deus

que venceria a guerra, para que a palavra do Senhor fosse obedecida: “Juro pela

cruz da minha espada, que se não vencer esta batalha, serei morto e degolado”, são

as palavras proferidas pelo personagem que representa São Tiago, para dar vida ao

juramento, destacando assim, o herói protagonista desta saga cristã.

Desta forma, percebemos na representação cênica em Mazagão Velho,

subsídios nos estudos de Caillois (1990, p.41) ao enfatizar que o prazer é de ser um

outro ou de fazer passar por outro. No entanto, uma vez que se trata de um jogo, a

questão essencial não é de ludibriar o espectador. A Mimicry é invenção incessante.

A regra do jogo é uma só: para o ator consiste em fascinar o espectador, evitando

que um erro o conduza à recusa da ilusão; para o espectador consiste em prestar-se

à ilusão sem recusar a priori o cenário, a máscara e o artifício em que convidam a

acreditar, durante um dado tempo, como um real mais real do que o real.

Após o término da encenação de número sete têm início a última procissão,

(o recírio), em que toda a comunidade é convidada a retornar à capela do lugar. Os

santos protagonistas: São Tiago e São Jorge entram na igreja de Nossa Senhora da

Assunção a cavalo e apoderam-se das imagens, acompanhados pelos soldados

mouros e com suas máscaras levantadas, todos se dirigem à capela, quando as

imagens são transladadas. Após a missa, é organizado um baile e todos dançam o

Vominê, simbolizando a vitória alcançada pelos cristãos. Assim encerra-se a Festa

de São Tiago.

Almeida (2011) descreve as cenas que compõe a batalha final:

A batalha recomeçou com essa atitude. Ao anoitecer, os cristãos pediram a Deus que prolongasse o dia afim de que pudessem vencer tão desesperada luta. Assim, parecia que o dia estava se prolongando e os cristãos foram vencendo as batalhas que se sucederam até que o jovem rei foi aprisionado, enquanto seus soldados fugiam. Mortos muitos infiéis mouros,

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os cristãos rejubilaram-se pela vitória agradecendo a Deus. Em passeata, levaram o rei mouro vencido. (ALMEIDA, 2011, p.77).

Neste sentido, retomo as palavras de Brandão (2010) para enfatizar que:

Melhor, portanto, procurar saber o que a festa faz, não seria compreender o que ela diz? Dito de outro modo; as pessoas fazem a festa porque ela responde a alguma necessidade individual ou coletiva, ou cumpre alguma função social que a torna, por outros caminhos necessária? Ou as pessoas vivem a festa porque ela é um entre outros elementos simbólicos através dos quais os significados da vida social são ditos com dança e canto, mito e memória, entre seus praticantes? (BRANDÃO, 2010, p.24).

Diante disso, abordar a festa religiosa como um lugar de memória, como um

lugar do simbólico e do imaginário, rememorando o passado, a história e o cotidiano

desses sujeitos – atores é notório lembrar que a origem dessas celebrações e

festejos encontra-se em um movimento de resistência e de diásporas24 sofridas por

esses povos de origem afro-descendentes.

Assim, é importante salientar a presença e a herança africana nas festas

religiosas, sendo a memória o espaço de construção desse processo, como algo

dinâmico, um esforço de significação e de reinterpretação de um passado que para

os descentes desses povos, não tão distante assim.

A historiografia sobre a negritude no Brasil permite localizar uma série de

injunções sociais que possibilitam entender o sistema escravista marcado por formas

de resistência e dominação.

Acerca disso, buscamos reafirmar que as celebrações e as festividades são

momentos em que os grupos humanos marcam na consciência dos sujeitos, as

dimensões da localidade, de pertencimento, da construção dos espaços para trocas

simbólicas dentre outras experiências e possibilidades que esses momentos

favorecem aos grupos neles envolvidos.

3.2 A FESTA DAS CRIANÇAS

Muita emoção, alegria e honra em fazer parte dessa festa.

(FLÁVIO, 11 anos de idade)

No decorrer da festa, a presença de crianças e adolescentes é uma constante

nas celebrações em homenagem a São Tiago e São Jorge. Elas ocupam o espaço

não apenas como espectadoras, mas também como protagonistas. E estão

24

Dispersão dos povos por razões políticas e religiosas.

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presentes em todos os momentos e rituais da festa. Essa presença de herança

jesuítica, que vestia os órfãos portugueses de anjinhos e os punha “a tanger”

instrumentos em procissão “sertão adentro” a fim de atrair os “indiosicos” para a

seara celestial. (DEL PRIORI, 1994, p.73).

A origem da Festa de São Tiago das crianças é relatada pelos historiadores

da seguinte forma: no dia 25 de julho, dia de São Tiago há 200 anos, no momento

da passagem do círio, um senhor por nome de Domingos, veio à frente de sua casa

e fez uma promessa a São Tiago, pois seu filho pequeno estava com a saúde

fragilizada, sem esperança de vida e fez seu pedido, caso a criança recuperasse a

saúde, no ano seguinte ele faria a festa de São Tiago das crianças. E para surpresa

de todos o menino recuperou a saúde e foi curado, então a promessa foi cumprida.

Depois do dia 25 de julho, quando encerra a Festa de São Tiago feita pelos

adultos, repetem-se as encenações e os rituais, tendo agora como protagonistas as

crianças, vestidas, também elas, de vermelho e branco conforme representam

mouros ou cristãos. Durante os dias 27 e 28 de julho, respectivamente, elas também

encenam vários atos como a entrega dos presentes, participam do baile de

máscaras infantil e encenam a batalha entre mouros e cristãos, “montadas” em

cavalinhos enfeitados com papel de seda e feitos de buriti25.

Questionados sobre a preferência de encenar as figuras de mouro ou de

cristão os intérpretes Guilherme (13 anos) e Mauro Diogo (12 anos) complementam

afirmando que: “preferem ir de cristão para não serem perseguidos pelo rei dos

mouros, pois ele durante o combate é muito violento.”

É realizada a alvorada festiva e a dança do Vominê, enfim, as crianças

constroem exatamente o desenvolvimento da cerimônia com a mesma cenografia,

tudo o que os adultos fazem. A “Festa de São Tiago das crianças” também tem

direito aos personagens de São Tiago, São Jorge, o Atalaia e os uniformes brancos

e vermelhos dos mouros e cristãos. Os rituais vivenciados pelas crianças nos leva a

refletir sobre o pensamento de Zumthor (1997, p.13), ao dizer que a memória

implica em um saber coletivo, ligado à preservação de laços sociais atualizados

através de rituais para assegurar as tradições, sobretudo às de fatos ligados à

cultura oral.

25

Palmeira comum na região ribeirinha amazônica, utilizada na fabricação de brinquedos e artesanatos.

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É a tradição levada a sério pelas crianças da comunidade, sendo que há uma

preocupação dos pais e mães, com que elas aprendam desde cedo a respeitar a

tradição de São Tiago, garantindo assim que a festa nunca acabe.

Esse processo tradicional de crianças participando e garantindo as tradições

religiosas e culturais ocorrem no Brasil desde a Colônia e é descrito por Del Priori:

(...) A participação em festas com música atraía crianças de todos os grupos sociais. Alegrando procissões, enfeitados com carapuças cobertas de pedrarias e flores, animavam coreografias e cantos em homenagem a determinado santo da igreja católica ou em homenagem aos governadores recém-chegados de Portugal. Na famosa festa mineira, o Triunfo Eucarístico, realizada em 1734 em Vila Rica “onze mulatinhos” vestidos como indígenas enfeitados com saiotes de penas e cocares, levando nas pernas, fitas e guizos, cantaram ao som de tamboris, flautas e pífaros, bailando uma dança dos carijós. (DEL PRIORI, 2000, p.99).

A Festa das crianças para os moradores de Mazagão Velho tem uma

visibilidade maior, no sentido de se entender e compreender melhor a Festa de São

Tiago, devido ao fluxo de turistas e visitantes de outras localidades serem menor e

somente a comunidade participar deste momento. Assim, podem-se compreender

melhor os rituais e as cenas dramatizadas pelas crianças.

Por não ter apoio dos órgãos oficiais, a própria comunidade se responsabiliza

e realiza a festa, colocando seus filhos para representarem os personagens da festa,

sendo que as crianças aproveitam esse momento e acabam brincando, se

divertindo. Isso pode ser observado na fala da intérprete Bianca (13 anos de idade)

ao ressaltar que: “durante a festa brincamos empinando pipas e brincadeiras

esportivas, nos divertimos com o Vominê todos os dias e o baile de máscaras”.

Percebemos que essa participação das crianças no cotidiano da festa,

vivenciando com os adultos e com outras crianças possibilita o compartilhamento, a

interpretação e a criação de novos elementos simbólicos, tendo uma maior

compreensão da importância cultural e histórica da Festa de São Tiago, através da

constituição de seus saberes. Pois, segundo Josué Videira26 (2016), “As crianças

trabalham com mais vontade e isso acaba levando a uma perfeição.”

26

VIDEIRA, Josué da Conceição. Presidente do Grupo Folclórico “Raizes do Marabaixo”. Entrevista em 28/02/16.

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Foto 12 Crianças vestidas de São Jorge e de cristão.

Fonte: Acervo do pesquisador/2016 .

A Festa das crianças é feita por uma família que a cada ano se oferece para

realizá-la, (os festeiros ou promesseiros), e é desse grupo familiar que sai os

personagens principais (São Tiago e São Jorge) que vão representá-los durante a

encenação mirim. Segundo relato da festeira de 2016, as famílias levam mais de

dois anos de preparação para a realização da festa das crianças e se

responsabilizando por toda a organização da mesma.

Para Brandão (2010), o rito é a unidade móvel que noticia e antecede uma

festa religiosa. A própria festa é um grande mutirão. Inúmeras pessoas de um

povoado ou mesmo de vários deles, participam dos preparativos da festa. Tanto a

casa do festeiro quanto a casa dos “pousos27”, são decoradas para a passagem da

Folia ou a realização da festa. Familiares encarregam-se das inúmeras tarefas de

preparar o local e fazer a comida.

27

Pouso – Lugar onde os viajantes ou turistas se recolhem.

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Foto 13 Festeira do ano de 2016 e crianças lanchando após o círio.

Fonte: Acervo do pesquisador/ 2016.

Dentro desse processo ritualístico, é realizado o círio mirim e a missa é

direcionada para as crianças. Há também o leilão. Assim como na festa dos adultos,

as famílias oferecem comidas e bebidas aos participantes, para as crianças as

famílias oferecem o chocolate, os quais saem de casa em casa dançando o Vominê.

Assim, a festa se torna uma manifestação social, um modo de expressão da

substância coletiva, integrando a vida ardente do não-social à vida comum.

(DUVIGNAUD, 1983, p.72).

As crianças que participam da festa são filhos e filhas dos moradores não

somente do município de Mazagão Velho, mas também das comunidades ribeirinhas

próximas da região. Sendo que as crianças sem nenhuma técnica de interpretação

conseguem emocionar turistas, nativos e os adultos que ali estão, com suas

coreografias, cores, indumentárias, seus gestos, suas danças e toda a teatralidade

inserida no contexto.

As crianças que motivadas pela fé e tradição no padroeiro do lugar, imprimem

seu simbolismo e imaginário nas cenas de confronto. Mantendo viva a festa, a

tradição, o ritual, o mito e o percurso de seus vários personagens revividos a cada

ano (entre eles São Jorge, São Tiago, o Atalaia, o Bobo Velho e o Menino

Caldeirinha), garantindo assim a secularidade desta festa religiosa e cultural.

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Foto 14 Batalha entre mouros e cristãos.

Fonte: Acervo do pesquisador/2016.

Loureiro (2001), ao se referir à festa, nos diz que:

A festa favorece a identificação, a congregação e a objetivação do sensível. O instante vibra e se liga a um sentimento de perenidade. São relações fortalecidas pela aparência, que estabelecem os liames de uma comunidade ritual, um modo de particularizar universalizando um momento no tempo, conferindo ao momento da festa um caráter coletivo de signo. (...) O acontecimento assume os contornos objetivos de um signo em torno do qual as sensibilidades se congregam. Uma densa carga de significados se concentra num determinado espaço social, num momento de contemplação emocionada. A festa plurivalente do olhar. (LOUREIRO, 2001, p.167).

A participação das crianças durante a festividade de São Tiago não acontece

somente nos dois dias destinados a elas, mas ocorre durante toda a programação

desde a abertura com o grupo infantil “Raízes do Marabaixo”28, na figura do Rei

Caldeirinha, no ato do “roubo das crianças” e durante os outros dias através de

atividades esportivas, recreativas e artísticas.

Depois da última encenação protagonizada pelas crianças de Mazagão Velho,

é realizada a novena em louvor a São Tiago e São Jorge, sendo que neste momento

é lida a carta de agradecimento, em que passa a festa para a família de festeiros ou

28

Grupo Folclórico que mantem as tradições do lugar como o Marabaixo, sendo composto por crianças entre cinco a doze anos de idade sob a coordenação do Sr. Josué Videira, figura ilustre do lugar.

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promesseiros do ano seguinte. Na oportunidade, é oferecido às crianças um jantar,

sendo também entregue à nova família as “caixas de Cabanas”.29

Após a novena e o jantar, todos saem dançando e cantando o Vominê, até a

casa dos festeiros e da nova família que se responsabilizará pela festa no ano

seguinte, encerrando-se assim, a Festa de São Tiago das crianças. Esses fatos

ficam evidentes na voz do intérprete Flávio (11 anos) ao afirmar que:

A família que quiser aceitar a festa de São Tiago das crianças, tem que fazer um comunicado antecipado, ou seja, uma carta e no último dia da novena das crianças. Porque é grande a procura das famílias que querem aceitar a festa. Daí em agosto quando acontece o sorteio dos adultos, a festa das crianças já terão os seus representantes, (...) lembrando que só serão meninos. (FLÁVIO, 11 anos, Roda de Conversa, 2016).

Assim, pretende-se compreender a grandiosidade, a integração e a

importância da festa no seio da comunidade de Mazagão Velho e de seu lugar na

cultura regional local, bem como os saberes presentes no fazer-brincar das crianças

através de suas experiências e dos dizeres sobre a ludicidade presente na

festividade de São Tiago.

Os rituais realizados pelas crianças promovem um sentimento de identidade e

pertencimento, uma vez que a festa religiosa, do ponto de vista histórico, era um

ritual público que servia para reforçar tanto os laços de solidariedade quanto para

refletir os valores sociais que pautam a vida social.

Ritos e festas nos dizem algo, são falas e meios pelos quais as pessoas se

comunicam, vivem as celebrações coletivas da cultura e o aprendizado do seu

próprio modo de ser. Nesse sentido, a festa é sempre uma ruptura com o cotidiano e

com a semelhança, ela é a ordem da simulação, da invenção, do sonho e do delírio.

29

O nome refere-se a primeira caixa encontrada pelos moradores antigos, deixadas pelos cabanos que moraram nessa região. Trata-se de um instrumento percussivo, confeccionado de madeira, com

cobertura de pele de animais, tendo sua afinação com cordas, tocada com baquete tipo bastão.

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Foto 15 Inicio da batalha das crianças.

Fonte: Acervo do pesquisador/2016.

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SEÇÃO IV

FESTAS, CULTURA E SABERES

A festa a gente aceita, é promessa dos nossos avós e tios (...) foi promessa de minha avó, ela estava doente e conseguiu vida.

(Caio, 10 anos de idade) 2016.

Desenho 02 - Produção da criança na roda de conversa

Fonte: José Caio (10 anos) 2016

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Nesta seção, serão apresentados os sentidos da cultura e dos saberes

presentes nas manifestações da Festa de São Tiago tendo como pressupostos os

estudos de Brandão (2010) e de Charlot (2000), sendo considerados e analisados os

processos educativos em vários contextos sociais e culturais, pois, de acordo com

Brandão (2010, p. 124), o saber se transmite em meio a gestos e falas, o saber flui

sem o ensino e, às vezes, parece que quanto menos é evidente, tanto mais é

efetivo.

Brandão (2010, p.28) nos faz compreender o que a festa nos diz, o autor

assevera que as pessoas fazem a festa porque ela responde a alguma necessidade

individual e coletiva, ou cumpre alguma função social, que a torna por outros

caminhos como algo necessário. Em outra análise, as pessoas vivem as festas

porque elas são um entre outros meios simbólicos através dos quais os significados

da vida social são ditos com danças e cantos, mito e memória entre seus

praticantes.

Perguntados sobre que sentimentos são vivenciados durante a festa, Edgard

Davi (10 anos de idade) respondeu: É um sentimento muito forte, nós esperamos

por esta festa de um ano para outro.

Os intérpretes Cristian Riquelme (08 anos de idade) e Bianca (13 anos de

idade) complementam suas falas, lembrando que:

Edgard Davi: o sentimento que eles levam é de relembrar os nossos antepassados e de como eram as guerras entre os mouros e cristãos. Bianca: de muita emoção, alegria e honra de fazer parte dessa festa.

Esses depoimentos demonstram que, para as crianças, a festa de São Tiago

tem uma importância e um significado simbólico bastante expressivo. É um

acontecimento que além de marcar profundamente e provocar sentimentos

expressivos como alegria, emoção, pertencimento, trata-se de uma manifestação

onde a própria memória é revisitada.

Nesse sentido, Del Priori (1994, p.10) afirma ser a festa a expressão teatral

de uma organização social, também é um fato político, religioso ou simbólico. Nesse

contexto as danças, os jogos e as músicas que a compõem não só significam prazer

e alegria durante sua realização, como têm simultaneamente função social,

permitem às crianças, jovens, aos expectadores e atores da festa introjetar valores e

conhecimentos comunitários.

Na perspectiva de Brandão, a festa pode ser considerada:

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Um ritual ou uma configuração de rituais, cujo acontecimento se opõe a rotina e coloca as pessoas, as instituições e a própria vida social diante do espelho fiel ou invertido do que são, quando não são a festa, parece ocorrer com uma o que tem acontecido com o outro. Passa-se do mais restrito para o mais abrangente, e a nova maneira de compreender incorpora elementos e significados excluídos da antecedente. Assim, há uma tendência mais remota na Antropologia em considerar como ritual apenas solenização cerimonial de comportamentos coletivos, cujos propósitos e símbolos, concentrados em ritos e mitos, tem algo a ver com a expressão do sagrado, seja ele mágico ou religioso. (...). (BRANDÃO, 2010, p.20).

Na Festa de São Tiago, em Mazagão Velho, através de seus rituais e de seus

elementos culturais e dramáticos, observamos o que Brandão (2010, p.29) nos

alerta, que existem nas festas elementos de conflitos e discórdia. Eles são

conduzidos da sociedade para a festa ou são criados a partir da festa e, assim,

esses antagonismos entre os sujeitos culturais são traduzidos e trazidos para os

ritos, as danças e simulações de lutas que ao mesmo tempo são expostos e

resolvidos.

Deve-se atentar que a Festa de São Tiago, em Mazagão Velho, tem sua

ascendência cultural afro-brasileira e como movimento de resistência e

rememoração dos seus antepassados, vindos do Marrocos, na África. Possuindo

assim, os conhecimentos sobre a festa, os saberes nela contido, sendo os rituais

passados pela oralidade e, assim, mantendo a tradição. Isso fica evidente na fala da

menina Renata de 08 anos de idade, ao enfatizar: na festa eu danço o Marabaixo,

participo das novenas, do círio, eu aprendo a história do município, do São Jorge e

aprendo a fazer as ladainhas com minha avó.

Assim, a festa de São Tiago reúne gerações, histórias de vida e possibilidade

de aprendizado. Sendo um momento de reencontro e sociabilidade, incluindo

crianças, jovens, adultos e idosos, os quais se encarregam de transmitir e assim,

perpetuar suas crenças e tradições. Ela também demarca lugares, territórios onde

muitas vezes o nome das localidades passa a ser o nome dos santos

homenageados.

Podemos evidenciar isso, na voz do menino Cristian Riquelme de 08 anos de

idade, ao afirmar:

Ela (a festa) é muito importante para nós, é uma das maiores festas culturais do nosso Estado. (...) e atrai muitos turistas e tem também que mostrar como ela é festejada e atrai muitos turistas para o nosso município de São Tiago.( Roda de conversa, 2016).

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As festas articulam diferentes sentimentos, significados, símbolos, agentes.

Conseguem agregar e mobilizar grandes contingentes de público de todas as

idades, classes sociais e gêneros. O festejar agrega muitas pessoas, entre sua

produção e a sua fruição, em torno de diferentes motivações: celebrar, comemorar,

lembrar, homenagear ou simplesmente reunir.

Ainda nesse contexto, a festa de São Tiago das crianças instaura uma

transformação, não só na rotina da vida do grupo social local, como os festejos

redefinem-se, uns para com os outros, ao se incorporarem a um sistema de

posições – relações que, mesmo derivando de sistemas correlatos que operam em

outras áreas da sociedade local, somente possuem valor dentro da situação da festa

e de seus rituais.

Nesse sentido, a celebração cumpre, então, a função de disseminar e

resguardar os valores comunitários tradicionais que se misturam com os valores e

ideias da igreja oficial romana, caracterizando, assim, uma espécie de ação religiosa

híbrida. Nela há uma coexistência e um imbricamento da moral religiosa popular e

da moral religiosa oficial, o que se reflete na forma de organização da vida religiosa

dessas populações. (OLIVEIRA; MOTA, 2004).

E é nessa concepção que Brandão afirma que:

A festa é uma fala, uma memória e uma mensagem. O lugar simbólico onde cerimonialmente separam-se o que deve ser esquecido e, por isso mesmo, em silêncio não – festejado, e aquilo que deve ser resgatado da coisa ao símbolo, posto em evidência de tempos em tempos, comemorado, celebrado (...), eis que a cultura de que somos ator-parte interrompe a sequência do correr dos dias da vida cotidiana e demarca os momentos do festejar.(BRANDÃO, 1989, p.08).

Em relação à historiografia das festas em Mazagão Velho, Almeida comenta:

A memória oral e a memória cultural é que garantem a preservação e a eternização das manifestações ocorridas em Mazagão Velho e apresentam outro foco, que é a disjunção entre a política de memória oficial e o imaginário popular, outro aspecto que parece relacionado aos temas em questão. (...) Esse processo, ao meu ver, se deu de outra forma, através da oralidade e da performance desenvolvidas, repassadas e cultivadas no seio da comunidade. Percebi nele uma espécie de força interna, automotivação para os princípios da resistência. (ALMEIDA, 2011, p.46).

É oportuno frisar que o processo de imigração dos negros para Mazagão

Velho, não foi constituído somente por um viés escravatório, e sim, de transferência

por questões políticas e de povoamento e desbravamento do território amazônico

pela Colônia Portuguesa, no século XVIII. Nesse contexto, trouxeram como

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elementos de sua religiosidade e cultura manifestações como o Batuque e o

Marabaixo, encontrando-se presentes até hoje nas solenidades religiosas. Como

Jamerson de 11 anos deixa evidente em sua fala quando nos diz: (...) os mais

velhos que me ensinaram a tocar as caixas de Marabaixo, até hoje existe,

encontrada pelos antigos cabanos que moravam aqui.

É notório que faz parte desse processo uma aproximação com os dogmas da

igreja católica, para manter a memória e a ancestralidade africana nos rituais e nas

cerimônias praticadas durante as festividades em homenagens aos santos católicos.

Brandão (1989, p.37) explica que apesar dos esforços da Igreja separar uma

parte propriamente religiosa das práticas profanas, para o devoto popular o sentido

da festa não é outra coisa senão a sucessão cerimonial de todos esses ciclos,

dentro e fora do âmbito restrito dos ritos da Igreja.

Na festa de São Tiago, o elemento estruturante principal é a luta entre

cristãos e mouros, elemento ao qual se vai buscar a profundidade histórica da

comunidade. No entanto, nesta oposição entre seus figurantes, não importa ir de

mouro ou de cristão durante a festa, o mais importante nesse caso é a encenação

da oposição em si, e a possibilidade de incorporação, neste caso, de elementos

locais que, ao serem integrados na recriação deste momento cultural historicizado,

ganham a legitimidade de todos os participantes.

Essa representação e simbolização da festa de São Tiago, fica evidente na

voz de Cristian Riquelme de 08 anos ao afirmar: Bom, na festa das crianças, temos

os festeiros que são as pessoas que fazem a promessa e colocam a gente vestido

de mouro ou cristão para representar na festa.

Del Priori (1994) relaciona as festas à História, busca compreender essa

relação à luz da abordagem das mentalidades, a partir de um recorte temporal de

suas pesquisas que vai do Brasil Colonial ao Século XX. Diante disso, a autora

comenta:

(...) o termo festus, de origem latina, aplicava a celebração e ao culto de “falsos deuses”. Para ilustrar o que está se falando cita festas religiosas “maometanas” e dos “judeus” sublinhando, porém, que “as festas dos cristãos na Igreja Católica são sabidas de todo o fiel cristão”: as dos patronos, as dos mártires “como São Policarpo e outros”, as da Epifania. Ressalva, contudo, a existência de festas profanas: “(...) públicas como os jogos e torneios, canas e fogos (...).” (DEL PRIORI, 1994, p.18).

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4.1 OS SABERES E A CULTURA NA FESTA DE SÃO TIAGO DAS CRIANÇAS

Brandão (1989) afirma que a cultura é e está nos atos e nos fatos através dos

quais nos apropriamos do mundo natural e o transformamos em um mundo humano,

assim, como nos gestos e nos feitos com que nos criamos ao passarmos de

organismos biológicos a sujeitos sociais, ao criarmos socialmente nossos próprios

mundos e dotá-los de sentidos.

Assim, a cultura estaria mais no que dizemos e como dizemos palavras,

ideias, símbolos e sentidos entre nós, para nós e a nosso respeito do que

propriamente no que fazemos em nosso mundo ao nos organizarmos socialmente

para viver e desta forma transformá-lo através dos sentidos e significados que os

sujeitos culturais criam e recriam em seus contextos sociais. (BRANDÃO, 2009).

A Festa de São Tiago das crianças, do início até sua culminância, caracteriza-

se por várias etapas e manifestações que articulam diferentes significações e

problematizam os sentidos advindos do festejar, quer sejam através de papéis

representados pelos brincantes, envolvendo-se ou articulando pessoas e

estabelecendo modos de representação e assim, provocando experiências pessoais,

culturais e históricas. Pois, segundo Brandão (2009), “A cultura é todo o mundo

transformado da natureza, em nós e para nós”.

As crianças partem do universo da natureza, da sua imitação para criar,

recriar com seus próprios corpos, seus gestos, seus movimentos, modos de brincar

e de inventar em uma produção cultural própria, através de sua imaginação utiliza de

vários elementos que estão ao seu dispor: os igarapés, a mata, a floresta, suas

crenças, mitos e religiosidades.

Na visão de Bacherlard (1994, p.09), a relação com a natureza é mesmo a

grande matéria da imaginação infantil: “o devaneio da criança é um devaneio

materialista. A criança é um materialista nato. Seus primeiros sonhos são os sonhos

das substâncias orgânicas”, remetendo aos elementos: fogo, ar, água e a terra que,

para ele, são “os hormônios da imaginação”.

Nessa perspectiva, as interações entre as crianças e seus pares durante as

suas representações e brincadeiras na Festa de São Tiago implicam através dessas

vivências culturais no aprender em que, ao participar de tais eventos e atividades,

essas crianças têm a possibilidade de recriar e reinventar a si mesmos e aos outros,

estabelecendo desta forma sensações, sentidos e saberes.

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A imaginação infantil, no exercício de criar, é capaz de transformar, de recriar,

de ressignificar a partir do que há de real. Todavia, as crianças nas interações com

seus pares são férteis e transformam tudo ao seu redor em brinquedos e

brincadeiras, de uma maneira expressiva elas criam a cultura que lhes é

apresentada pela sociedade. Verificamos esse processo de imaginação na atuação

das meninas, pois como não podem participar das encenações, elas se divertem em

atividades religiosas como nas procissões e novenas, e no momento do “roubo das

crianças” que segundo Lya (11 anos) e Alice (10 anos) são as meninas que se

escondem dos mascarados.

Esses processos culturais são construídos coletivamente em um contexto

histórico, em que a relação do saber e do fazer está alicerçada, validada e

transmitida a partir das vivências, experiências e interações com outros sujeitos

culturais.

Na relação com a linguagem e com o tempo, os sujeitos se constroem,

ressignificam-se, constituem seus modos e suas representações culturais. Nesse

aspecto compreendendo a cultura e as manifestações religiosas, como parte

integrante deste processo, como um sistema de símbolos, de significados, de regras

sobre relações e modos de comportamentos.

Nesse contexto, cultura e saberes são processos dinâmicos resultantes da

própria dinâmica dos sistemas culturais e sociais de forma dialética e ininterrupta,

em que o sujeito inacabado e ausente de si mesmo busca se constituir como ser

humano social, cultural, através de relações de troca entre seus pares e o mundo

cultural que o cerca.

Charlot (2000) analisa essa relação entre saber e cultura como um processo

que se desenvolve no tempo e implica uma ação. Para haver esta ação, a criança

precisa mobilizar-se e, para isso, a situação deve apresentar um significado para

ela. Assim, o autor menciona: “toda educação supõe o desejo, como força

propulsora que alimenta o processo. O desejo sempre é “desejo de”; a criança só

pode constituir-se porque o outro e o mundo são humanos”. (CHARLOT, 2000:54).

Assim, podemos afirmar que as crianças do Município de Mazagão Velho, ao

vivenciar as festividades de São Tiago através de seus processos lúdicos, de suas

brincadeiras e produções de brinquedos utilizando os elementos da natureza, estão

atuando como sujeitos históricos e ativos motivados pelos seus desejos na interação

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com seus pares e com o mundo, interagindo seus saberes e suas culturas que são

conscientizados a partir de suas ações.

Acrescenta-se a este contexto, as ideias de Geertz (2015) em relação aos

processos culturais como conjuntos de sistemas que poderiam se chamar de teias

de significados, e nestas teias passam os mais diferentes tipos de produção cultural.

A partir das ideias do autor sobre a cultura como sistema de símbolos e de

sentidos partilhados pelos membros de um grupo humano, percebemos que nos

processos de construção dos rituais, dos ritos, da celebração da festa das crianças

em Mazagão Velho, não somente uma transmissão de saberes por parte dos mais

velhos ou uma preocupação por parte dos pais com que as crianças aprendam

desde cedo a respeitar a tradição, o que ocorre de fato é uma vivência plena, de um

momento e de uma história atual, protagonizada através das representações e do

brincar pelas crianças de Mazagão Velho.

Diante das questões abordadas sobre os estudos culturais, é possível

compreender que tanto Geertz (2015), quanto Brandão (2010) trazem considerações

inevitavelmente relevantes para discussão que busco neste estudo. De tal forma, a

Festa de São Tiago das crianças pode ser reconhecida como forma simbólica, tecida

pelos próprios sujeitos, os quais produzem e recebem tais expressões a partir das

interpretações atribuídas.

Brandão (2010) evidencia, dessa forma, que não há transmissão de saberes

no aprendizado, e sim trocas simbólicas e sociais intensas entre os participantes e

familiares e esse aprendizado do repertório, do ritual, da doutrina e dos costumes

circulam nas próprias convivências, as trocas de saberes são orais. Nesse sentido, a

cultura está sempre em transformação e mudança. O contexto cultural é esse

sistema simbólico, imprescindível para entender o lugar das crianças.

Esses espaços de representação da construção de vivências através dos

movimentos de resistência, das oralidades, das danças, do canto, de suas

indumentárias, dos objetos ornamentais e lúdicos, dos objetos simbólicos acontecem

também como comunicação da compreensão de mundo que cercam os grupos

sociais envolvidos, como espaços especiais de socialização.

Ainda nesta vertente, Brandão nos apresenta o domínio do saber através das

festas por duas vertentes:

(...) um saber necessário ao desempenho cotidiano, fundado em objetivações que permitem a definição do real, e uma interpretação comum

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das experiências, e um saber que transcende os acontecimentos práticos, construído principalmente de pensamentos mais elaborados e mais abstratos. (BRANDÃO, 1981, p.204).

Neste cotidiano está uma intensa subjetividade e representação do mundo

mesclando o sagrado e o profano, num ambiente onde a difusão dos sentidos, dos

saberes, conceitos e categorias possibilita erigir elementos portadores de sentidos

que se entrelaçam firmemente com a memória e a história.

Podemos evidenciar essa relação nas palavras de Cailane de 14 anos:

Na festa, eu fico observando a batalha de São Tiago e no baile de máscaras, como platéia, eu participo mesmo é do círio, acompanho cantando e rezando as ladainhas com a minha avó, que me ensinou a dançar também o Marabaixo.( Roda de conversa, 2016).

Assim, Brandão (2010) nos relata que antes do aparecimento de locais

especializados para o ensino e mesmo depois que isso ocorreu, até mesmo em

nossos dias, destaca o ritual como uma situação em que se verifica a concomitância

entre o celebrar e o ensinar. O autor evidencia que as festas religiosas, chamadas

de “festas de santos”, são igualmente momentos celebrativos nos quais os universos

simbólicos dos grupos são aprendidos, reaprendidos e reconhecidos por eles.

O autor nos relata ainda sobre a importância e a função destas práticas ao

afirmar que:

Todos os “do lugar” compartilham crenças e conhecimentos comuns. Pouca coisa pode ser improvisada, e é porque desigualmente se sabe o que vai acontecer e desigualmente se sabe como proceder que o rito recria o conhecido e, assim, renova a tradição; aquilo que se deve repetir todos os anos como conhecimento para se consagrar como valor comum. Renova um saber cuja força é ser o mesmo para ser aceito. Repetir-se até vir a ser, mais do que apenas um saber sobre o sagrado, um saber socialmente consagrado. (BRANDÃO, 2010, p. 58).

O saber e os processos culturais são entendidos como formas e momentos

de celebração, ao mesmo tempo constituem-se também como produção,

socialização e experiências coletivas de um saber, que é essencialmente popular. É

no interior das festas que a transmissão dos saberes ocorre e se manifesta, através

das mais variadas formas como a construção de artefatos, tambores, bandeiras e da

organização e participação nas novenas, do círio infantil, das procissões e das

representações e brincadeiras que fazem parte dos rituais simbólicos vividos e

transmitidos de geração a geração.

Charlot (2000, p.63) evidencia, nesse contexto, que esta relação com o

mundo é também relação consigo mesmo e relação com os outros. Implica uma

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forma de atividade e acrescenta a relação com a linguagem e o tempo. “Não há

saber sem uma relação do sujeito com esse saber.”

Perguntado como aprende as encenações e sobre os rituais da festa de São

Tiago das crianças, o intérprete Jamerson, de 11 anos de idade, afirma:

“Aprendemos desde cedo a fazer parte da festa, aprendemos sempre com as

pessoas mais velhas, nossos pais, tios e primos”.

A fala do intérprete Jamerson (11 anos de idade) fica evidente que o saber

construído sobre os rituais da festa das crianças acontece através de um processo

de socialização e de transmissão por parte de outros sujeitos mais experientes e que

este conhecimento tornar-se significativo desde cedo para eles.

Diante dessas questões, Charlot (2000 p.64) afirma que o “saber só tem

sentido e valor por referências às relações que supõe e produz com o mundo,

consigo e com os outros”. Sendo que este deverá ter “um sentido e um valor como

tal”.

Como podemos observar na foto 15, as crianças dramatizando um dos

momentos da festa das crianças: a cena do ataque dos mouros aos cristãos.

Foto 16 Crianças dramatizando a batalha.

Fonte: Acervo do pesquisador/2016.

Neste cenário de dramatização, vemos ao mesmo tempo, a demonstração de

fé e a tradição das crianças de Mazagão Velho e de suas vivências lúdicas,

retratadas em sua cultura e na assimilação dos seus saberes e a importância neste

processo do ato de brincar. As crianças, em conjunto, mesmo tendo a

responsabilidade de representar as cenas históricas e simbólicas da Festa de São

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Tiago, não perdem o sentido e a vontade de fazer deste lugar um espaço de

brincadeiras.

Assim, Vygotsky comenta a respeito desta perspectiva, ao afirmar que:

A brincadeira da criança não é uma simples recordação do que vivenciou, mas uma reelaboração criativa de impressões vivenciadas. È uma combinação dessas impressões e, baseados nelas, a construção de uma realidade nova que responde às aspirações e aos anseios da criança. Assim como na brincadeira, o ímpeto da criança para criar é a imaginação em atividade. (VIGOTSKI, 2009, p.17).

Podemos evidenciar que as crianças através de suas manifestações culturais,

religiosas, artísticas em um universo lúdico através de seus atos atribuem sentidos

em seu cotidiano, transformados pelas diversas culturas, para que, desta forma,

adquiram significados. Enfim, nada para o ser humano passa despercebido ou torna-

se insignificante, e dar sentido a tudo isso, implica entrar em um universo de

dimensões simbólicas.

No entanto, ao pesquisar o saber presente na cultura construída pelas

crianças na festividade de Mazagão Velho percebi que estas agem através de um

protagonismo infantil. A partir de seus espaços de vivências, de resistências

conseguem produzir sua própria cultura, mesmo sobre a influência dos adultos.

A diferença da cultura da infância decorre do modo específico, como as

crianças com suas características próprias, simbolizam o mundo, notadamente pela

conjunção que fazem de processos e dimensões com o jogo, a fantasia, a referência

face aos outros e a circularidade temporal.

Como sujeitos sociais, as crianças são capazes de produzir mudanças nos

sistemas nos quais estão inseridas, ou seja, as forças políticas, sociais e

econômicas influenciam suas vidas ao mesmo tempo em que as crianças

influenciam o cenário social, político e cultural. Nesse sentido, a infância é formada

por sujeitos ativos e competentes, com características diferentes dos adultos.

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Fotos 17 Crianças “cristãs” se preparando para a batalha.

Fonte: Acervo do pesquisador/2016.

Na imagem acima (foto 16) percebemos os sentidos atribuídos pelas crianças

durante as festividades religiosas em Mazagão Velho, através de seus ritos, de suas

dramatizações, de suas indumentárias, de seu imaginário e de seus artefatos, ao

mesmo tempo em que participam dos rituais e das celebrações, vão construindo

seus saberes. Aprendem suas crenças que codificam suas vidas cotidianas,

oscilando muitas vezes entre demonstrações de “respeito” e afeição em sua fé, e a

possibilidade sempre presente de se romper essas barreiras e tornar seus ritos em

diversão, mas sem se esquecer das regras e dos valores religiosos impregnados em

toda esta manifestação.

A relação entre cultura, educação e os saberes transmitidos e construídos

nestes contextos é evidenciada quando os sujeitos envolvidos nas interações são

transformadores de sentidos e significados. “Esse sistema se elabora no próprio

movimento através do qual eu me construo e sou construído pelos outros, esse

movimento longo e complexo, nunca completamente acabado, que é chamado

educação”. (CHARLOT, 2000, p.53).

A constituição dos saberes se dá a partir das vivências culturais em que, as

crianças, ao participarem de tais eventos, vão de certa forma reinventando-se

através de suas sensações, de sentidos e de seus conhecimentos acerca de sua

realidade e de seus significados múltiplos.

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Nesse sentido, a relação com o saber estabelece-se na relação do sujeito

com o mundo e com ele mesmo e com os outros sujeitos em um conjunto de

significações e valores em um processo de aprendizagem.

Acerca disso, Charlot evidencia que:

O mundo é dado ao homem somente através do que ele percebe, imagina, pensa desse mundo, através do que ele deseja, do que ele sente: o mundo se oferece a ele como um conjunto de significados, partilhados com outros homens. O homem só tem um mundo porque tem acesso ao universo dos significados, ao “simbólico”; e nesse universo simbólico é que se estabelecem as relações entre os sujeitos e os outros, entre os sujeitos e ele mesmo. (...) é uma relação com sentidos simbólicos, notadamente, com a linguagem. (CHARLOT, 2000, p.78).

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SEÇÃO V

O LUGAR DO BRINCAR NA FESTIVIDADE DE SÃO TIAGO

As brincadeiras são a dança do vominê nas casas dos festeiros, temos os cavalinhos feitos de buriti.

(EDGAR DAVI, 10 anos de idade)

Desenho 04: Produção da criança na roda de conversa

Fonte: Bianca (13 anos de idade) 2016.

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Adentrar no universo simbólico do brincar na Festa de São Tiago das crianças

é ser convidado a descobrir sua própria história e seus modos peculiares de um

processo de reconhecimento de suas crenças, origens, seus mitos, ritos. É também

mergulhar em suas brincadeiras, brinquedos e artefatos criados e ou reinventados

por elas e, acima de tudo, é descobrir quem são essas crianças e o que elas nos

dizem por intermédio de suas vozes sobre sua cultura lúdica que permeiam a Festa

de São Tiago.

As crianças já nascem inseridas em um determinado contexto social e

cultural, no qual são submetidas a processos educativos formais ou não formais,

para aprenderem e assim internalizarem os saberes culturais historicamente

transmitidos pelos agentes sociais mais velhos como a família, a igreja ou a

sociedade da qual fazem parte. No entanto, compreende-se que nestes processos

educativos as crianças são vistas, muitas vezes, na contramão, já que é preciso

considerá-las através de sua criatividade e imaginação, recriam e reinventam seu

próprio modo de vivenciar a cultura lúdica.

Para os habitantes de Mazagão Velho a festa de São Tiago é compreendida

não somente como uma obrigação em manter a tradição, mas como uma

necessidade de manter sua própria condição de existência coletiva e isso se

estende as crianças. Pois a dimensão lúdica da festa de São Tiago gera um

verdadeiro encantamento nas crianças participantes. Nas palavras dos intérpretes,

Bianca (13 anos) e Guilherme (13 anos) ao serem perguntados sobre seus

sentimentos em relação à festa, responderam:

Bianca (13 anos de idade): sentimos muito orgulho, alegria e valorização da nossa cultura.

Guilherme (13 anos de idade): sentimentos inexplicáveis, pois é a maior festa cultural aqui realizada.

Este mesmo sentimento de encantamento foi possível verificar nas falas dos

outros intérpretes: Lya (11 anos) primeiro respeito, depois alegria e muita diversão;

José Caio (10 anos) sentimento de muita felicidade de estar participando da festa;

Cairo (10 anos) sentimento de fé, de amor, de devoção e esperança; Edgard Davi

(10 anos) é um sentimento muito forte, nós esperamos por essa festa de um ano

para o outro. Essas falas nos remetem a vários sentimentos demonstrados pelas

crianças ao participarem da festa de São Tiago.

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Podemos evidenciar nas falas das crianças que os sentimentos de caráter

religioso foram os mais evidenciados por elas, como: fé, devoção, amor e

esperança. Outros sentimentos demonstrados pelos participantes da festa foram:

alegria, felicidade e emoção por fazerem parte da festa. Isso significa que as

crianças, mesmo sendo conduzidas por seus pais, tios ou avós, e tendo uma

responsabilidade de manter a tradição, demonstram sua interação e

comprometimento com os rituais por se sentirem parte deste processo,

demonstrando com isto sentimentos positivos em relação à festa local.

Outro aspecto que fica evidente em relação aos sentimentos durante a festa,

está relacionado à ludicidade, nos momentos em que estão inseridas nesta

festividade como diversão, mesmo nos rituais religiosos como o círio infantil, as

crianças também se divertem. Isso pode ser comprovado na voz do intérprete

Cristian de 08 anos: muita emoção e diversão, principalmente no círio.

A cultura na qual a criança está imersa, mais do que o real, é composta de

tais representações. Sendo que o lúdico encontra-se na cultura na qual a criança

pertence. Para Brougère (2010, p.56), a criança retira elementos do repertório de

imagens que representam a sociedade e seu conjunto, destacando desta forma, a

importância da imitação e dos processos criativos no universo das brincadeiras.

Nesse aspecto, o autor enfatiza que a brincadeira é uma associação entre

uma ação e uma ficção, ou seja, o sentido dado a uma ação lúdica não pode estar

limitado ao agir: o que a criança faz tem sentido, é a lógica do fazer de conta e de

tudo o que Piaget chama de brincadeira simbólica. (BROUGÉRE, 2010, p. 14).

Não se pode negar a relação com a memória e a historiografia presente nas

brincadeiras e nos brinquedos construídos pelas crianças, não somente durante as

festividades em louvor ao santo padroeiro do lugar, mas pela forte influência africana

e portuguesa vinda dos antepassados que, ao atravessarem o Atlântico (vindos da

África), trouxeram para a Vila de Mazagão Velho elementos simbólicos presentes

nos processos de produção do imaginário encontrados nas narrativas orais, e nas

manifestações artísticas e lúdicas na comunidade, por intermédio de um sincretismo

religioso e cultural. Isso fica evidente na fala de Rondinelle (11 anos): Na festa eu

brinco mesmo é na batalha de São Tiago e no baile de máscaras, participo também

do círio, acompanho as ladainhas e no momento do roubo das crianças. A

brincadeira é assim a entrada na cultura particular, tal como ela existe num dado

momento, mas com todo o seu peso histórico. (BROUGÉRE, 2010).

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Caillois (1990, p.84) apresenta em seus estudos que em países católicos, as

crianças brincam frequentemente às missas, à crisma, ao casamento e aos funerais.

Os pais permitem tais brincadeiras, desde que a imitação seja respeitosa. Na África

Negra, as crianças também constroem máscaras e rombos30. O autor comenta

ainda, que a fabricação de instrumentos, símbolos e rituais da vida religiosa, atitudes

e gestos da vida militar, são normalmente objetos de imitação por parte das

crianças.

Del Priori (2000, p.98) também descreve esse processo de construção de

brinquedos pelas crianças ainda no Brasil colonial: “Piões, papagaios de papel e

animais, gente e mobiliários reduzidos, confeccionados com pano, madeira ou barro,

eram os brinquedos preferidos”.

Tudo isso que nos diz Caillois, pode ser observado durante os preparativos da

Festa de São Tiago em Mazagão Velho, durante a participação das crianças,

quando são construídos nas oficinas os brinquedos que são utilizados por elas

durante o período da festividade, principalmente para o baile de máscaras e a

encenação da batalha entre mouros e cristãos.

Ao perguntar às crianças quais os brinquedos que são construídos,

socializados ou vivenciados por elas durante a realização da festa de São Tiago, as

respostas foram: as máscaras, que são usadas durante o baile; os cavalinhos de

buriti, para a encenação da batalha entre mouros e cristãos; os chapéus; as lanças e

as espadas.

30

Instrumento musical ritual e mágico usado na América e na Nova Guiné, geralmente construído por duas peças de madeira de extremidades afiadas que ressoam fazendo-os girar com um cordel em torno de seu eixo maior. (CAILLOIS, 1990, p.84).

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Foto 18 Cavalos de buriti

Fonte: Acervo do pesquisador/2016.

Nessa perspectiva, as crianças atuam como sujeitos do mundo da cultura,

tornam-se agentes culturais e atores de seus próprios contextos, convivendo em

cenários de cultura, criam a partir das coisas da natureza e recriam como objetos da

vida social e cultural.

A partir do convívio e das interpretações com a cultura que lhes são

proporcionadas, as crianças criam outras formas de expressões, próprias da

infância, incluindo elementos novos a esta cultura, ou seja, agindo como agentes

ativos e seres completos no processo de produção cultural. Dessa forma, as

mediações dos adultos são fundamentais tanto para organizar e intervir nesse

espaço, como para ampliar o repertório vivencial e cultural das crianças.

Esta reflexão constitui-se no sentido de perceber a criança com potencial

criativo, numa abordagem na qual seu mundo imaginário passa a ocupar um lugar

de destaque no processo de criação de sua cultura. Assim, as crianças precisam ser

compreendidas em suas fantasias, em sua imaginação, em seus devaneios e em

suas múltiplas linguagens e seus constantes movimentos, em suas várias

expressões, em suas manifestações espontâneas e criações lúdicas.

Nesta linha de pensamento, Vygotsky contribui com importantes

argumentações em relação aos processos criativos das crianças:

O desenvolvimento da criança encontra-se, assim, intrinsecamente relacionado à apropriação da cultura. Essa apropriação implica uma

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participação ativa da criança na cultura, tornando própria dela mesma os modos sociais de perceber, sentir, falar, pensar e se relacionar com os outros. (VYGOTSKY, 2009, p. 08).

Na foto abaixo, meninos encenando os atos na Festa de São Tiago,

montados em seus “cavalos” de buriti, vivenciando um momento de descontração e

de brincadeira presente na festa das crianças.

Foto 19 Meninos com seus cavalos de buriti.

Fonte: Acervo do Pesquisador/2016.

5.1 A FESTA ATRAVÉS DOS OLHARES E DAS VOZES DAS CRIANÇAS

A Festa de São Tiago das crianças apresenta a infância como sua principal

protagonista. Sendo estas as interlocutoras e principais responsáveis pela

preservação, difusão e ressignificação de seus processos culturais e religiosos.

Na Festa de São Tiago das crianças, que ocorre nos dias 27 e 28 de julho

anualmente, seus personagens principais são escolhidos um ano antes por uma

família de festeiros ou de promesseiros. Para as crianças da comunidade de

Mazagão Velho, a festa além do caráter festivo e lúdico, tem uma importância e uma

significação em suas vidas.

Durante a roda de conversa realizada com as crianças, foi perguntado a elas

sobre a importância da Festa de São Tiago em suas vidas, as quais responderam de

acordo com o quadro abaixo:

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Quadro 2 – Resposta das crianças sobre a importância da Festa de São Tiago em suas vidas.

INTÉRPRETES “VOZES DOS INTÉRPRETES”

José Caio (10 anos) Ela é importante desde que quando nossos antepassados deixaram.

Edgard Davi (10 anos) Porque é uma festa de gerações, nós que moramos aqui, já crescemos e vivenciamos

desde pequenos.

Cristian (08 anos) Ela é muito importante para nós é uma das maiores festas culturais que nosso estado

tem ( ).

Cairo (10 anos) Porque eu faço parte da Festa de São Tiago.

Alice (10 anos) Porque é uma tradição que nossos antepassados deixaram para nós.

Flávio (11 anos) Porque somos nós crianças que devemos continuar com essa grandiosa festa.

Mauro Diogo (12 anos) Porque temos que preservar nossa cultura e garantir que ela não se acabe.

Jamerson (11 anos) Porque é uma história viva dos nossos antepassados.

Guilherme (13 anos) Porque através dela damos segmento à história de nossos antepassados.

Rondinelle (11 anos) Porque é identidade cultural de nossas raízes e antepassados.

Fonte: Elaboração do pesquisador/2017.

Nas falas das crianças, percebo que a Festa de São Tiago se apresenta como

algo de extrema importância em suas vidas, é impregnada de sentidos e significados

de acordo com a vivência de cada criança. Nas falas das crianças, percebe-se que

esta manifestação religiosa, apresenta uma relação intrínseca com a tradição e a

história dos seus antepassados, constituindo-se como parte da identidade cultural

das crianças; além de um sentido de pertencimento que as mesmas demonstram ao

falar da festa, como por exemplo, na fala do menino Cairo (10 anos de idade) ao

afirmar que a importância da festa está em sua participação como um dos

personagens que compõe o cenário da festa.

Ainda sobre a importância da festa de São Tiago na vida de cada criança,

Cristian de 08 anos de idade enfatiza que é a maior festa do Estado do Amapá,

demonstra conhecer a importância político e cultural que a festa tem, não apenas

para os moradores do município, mas para todos que participam da festa. O

reconhecimento da festa como algo herdado de seus antepassados e vivenciado por

várias gerações desde o seu nascimento, está explícito na voz de Edgar Davi de 10

anos de idade. Guilherme, de 13 anos de idade, também relaciona a importância da

festa com seus antepassados e sua continuidade. De maneira geral, as crianças

percebem a festa por um viés mais histórico, no sentido de preservar suas raízes e

sua cultura, através da participação em todos os momentos da festa

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Diante das questões abordadas, Geertz (2015) ajuda a compreender melhor

ao trazer considerações relevantes para a discussão que realizo neste estudo. De tal

forma que a festa de São Tiago pode ser reconhecida como forma simbólica tecida,

pelos próprios sujeitos, os quais produzem e recebem tais expressões a partir das

interpretações atribuídas e dos sentidos e valores construídos durante a festa em

seu contexto sócio – histórico e cultural.

A participação das crianças na festa de São Tiago dramatizando as cenas

épicas da batalha entre cristãos e mouros, participando do círio das crianças, das

novenas, das missas e das danças, de certa forma brincam, constroem, transformam

e compartilham momentos de aprendizagens, visto que é um processo criativo e

imaginativo, como salienta Vygotsky (2009):

Na verdade, a imaginação, base de toda atividade criadora, manifesta-se sem dúvida, em todos os campos da vida cultural, tornando-se também possível a criação artística, a científica e a técnica. Neste sentido, necessariamente, tudo o que nos cerca e foi pelas mãos do homem, todo o mundo da cultura, diferentemente do mundo da natureza, tudo isso é produto da imaginação e da criação humana que nela se baseia. (VYGOTSKY, 2009, p.14).

Foto 20 Círio das Crianças/2016

Fonte: Acervo do pesquisador/2016.

Ainda nesta reflexão, recorro às ideias de Brandão (2002), ao abordar a

cultura não somente em uma dimensão abstrata que “significa” a natureza. Ao

contrário, ela é o sistema concreto que torna humanamente possível a natureza a

ser aprendida com valor e transformada, através de processos sociais, em produtos

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de cultura. Assim, as crianças de Mazagão Velho vivenciam suas recriações

culturais e lúdicas, articuladas em torno de suas experiências e práticas sociais que

atuam diretamente no processo de subjetivação e representação desses sujeitos.

Nessa perspectiva, a participação das crianças na Festa de São Tiago

demonstra um sentimento de reconhecimento e de pertencimento, preocupadas com

a preservação do seu passado, de sua história com a fé que trazem desde suas

tenras idades. Para os adultos elas são as responsáveis em manter a tradição, pois

a partir do rito, elas praticam seus rituais. Dessa forma, o ritual reaviva o mito,

mantem ele vivo, a festa de São Tiago é sempre rememoração dos antepassados

que vieram transferidos da África para o Brasil e da chegada e permanência de seus

ancestrais em Mazagão Velho, assim, as crianças através da festa de São Tiago,

rememoram e atualizam o mito para que a história não fique no esquecimento.

Foto 21 Criança (ao centro) encenando o personagem Atalaia na Festa Mirim.

Fonte: Acervo do pesquisador/2016.

As vozes das crianças trazem algumas reflexões e questionamentos a

respeito do que elas estão vivenciando, experimentando, processando e

socializando durante as festividades em homenagem a São Tiago. Neste aspecto,

vale mencionar Charlot (2000) quando enfatiza que o sujeito é o foco em que as

relações se entrelaçam, é um complexo que não consegue garantir as dimensões

variadas e enriquecedoras do que entendemos como um saber.

Ao perguntar às crianças como é feita a escolha para representar os

personagens da Festa, elas responderam: Lya (11 anos) por um sorteio que

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acontece em agosto; Edgard Davi (10 anos) as crianças são escolhidas por

promessas dos familiares; Cristian (08 anos) (...) na festa das crianças, já temos uns

festeiros de um ano para o outro que são pessoas que fazem promessas e colocam

as crianças para representarem na festa; Cailane (14 anos) fica por parte da

organização, a família que quer, leva uma carta e se a mesma for escolhida realiza a

festa e Mauro Diogo (12 anos) sintetiza: depois de anunciar que aceitou a festa

através de um comunicado feito no último dia da novena das crianças, quando

anunciará quem representará as figuras de São Tiago, São Jorge, Atalaia das

crianças. E para representar os mouros e os cristãos podem ser qualquer criança

desde que sejam meninos.

Nas respostas dadas pelas crianças, podemos perceber que elas têm pleno

conhecimento de que a festa possui uma organização, normas e regras

estabelecidas pelos organizadores, no caso, as famílias que durante um ano antes

se propõem a organizar, preparar e realizar a festa para os menores. No caso

específico, somente os meninos (cristãos ou mouros) é que podem participar da

encenação, ficando as meninas somente para prestigiar “de longe” ou de participar

de outros ritos, como a novena, o círio, a alvorada, como enfatiza Alice (10 anos): “a

gente se diverte olhando, tá lá, dando força para nossos primos, irmãos, , a gente

também se sente com missão cumprida, porque a gente frequenta a novena, o círio,

nos divertimos assim”.

As crianças, em suas falas, remetem a um conhecimento aprofundado em

relação as suas práticas sociais e ao papel que cada pessoa desempenha na

organização e participação durante as festividades em homenagem ao seu

padroeiro, demonstrando assim, sujeitos capazes e ativos em seus processos

culturais.

Isso fica claro, ao se dar voz às crianças, rompendo com a visão

adultocêntrica, pois a autonomia que hoje elas demonstram ter, através da

capacidade de pensar por si mesma, de expressar seu pensamento e o que pensam

a respeito do mundo.

Ao considerar as contribuições de Alves (2014), buscando fazer uma relação

com a compreensão das crianças sobre seus processos constitutivos como sujeitos

ativos, afirma:

O conceito de culturas de infância que orienta este estudo contribui para a ultrapassagem de um discurso adultocêntrico, isto é, rompendo com as

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concepções tradicionais de pensamento, as quais vêem a criança como um vir- a- ser, pois, ao dar voz à criança como ser que age sobre o mundo, desenvolvendo coletivamente práticas sociais e culturais próprias, poderemos desvendar os mundos sociais e culturais da infância. (ALVES, 2014, p.41).

5.2 Brincadeiras e Brinquedos na Festa de São Tiago das Crianças

Apresento, aqui neste tópico, o brincar das crianças durante a festividade de

São Tiago em Mazagão Velho, trazendo suas manifestações e interpretações sobre

o brincar e suas construções e vivências lúdicas.

Segundo Brougére (2010), a brincadeira é, antes de tudo, uma confrontação

com a cultura, pois no brincar a criança se relaciona com elementos da cultura que

ela produz, reproduz, apropria-se, transforma e lhes dá significado.

Durante a festa de São Tiago, registrei os diversos momentos que integram

oficialmente a festividade, nos quais a criança tem participação efetiva. São

momentos marcados pela dança, música, teatralização da batalha entre mouros e

cristãos, torneios esportivos, muitas atividades recreativas, além da participação de

todas as crianças nos momentos marcados pela religiosidade, como é o caso do

círio.

Abaixo apresento um quadro com as diversas atividades que compõem a

festa de São Tiago Mirim, em que as crianças são protagonistas.

Quadro 3 – Atividades realizadas durante a programação da Festa de São Tiago.

ATIVIDADE OBSERVAÇÕES

Vominê Dança tradicional nos bailes e festividades religiosas em Mazagão Velho.

A Batalha Teatralização das situações ocorridas na batalha entre mouros e cristãos.

Entrega dos Presentes Teatralização das situações ocorridas na Festa de São Tiago.

Baile das Máscaras Brincadeira tradicional frequente desde a origem do município, na qual só homens e meninos participam.

Morte do Atalaia Ocorre tal qual a encenação tradicional feita pelos adultos

Bobo Velho Brincadeira comum entre os moradores na festividade de São Tiago.

Círio Atividade festiva religiosa, tida por muitas crianças como diversão.

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Fonte: Elaboração do pesquisador/2017

No quadro acima, percebe-se que alguns momentos religiosos como a

batalha entre mouros e cristãos, a entrega dos presentes e o círio mirim são

considerados como atividades lúdicas. No diálogo com as crianças, ao serem

perguntadas sobre quais as brincadeiras realizadas durante a programação da festa,

responderam:

Maria Isabel (11 anos de idade): Vominê e a batalha.

Edgar Davi (10 anos): As brincadeiras são a dança do Vominê nas casas dos festeiros que temos (...), o Bobo Velho e montar nos cavalos de buriti.

Cristian (08 anos): Bom, temos a entrega dos presentes, visitas a algumas casas dos festeiros, temos o círio, a batalha entre cristãos e mouros e a famosa dança do Vominê.

Cairo (10 anos): Temos o Vominê, o baile das máscaras, a batalha das crianças e a morte do Atalaia.

Bianca (13 anos): Durante a festa brincamos empinando pipas e brincadeiras esportivas e no dia da festa nos divertimos com o Vominê e o baile das máscaras.

Fica claro, nas vozes das crianças, que todos os elementos que compõem a

Festa de São Tiago são vivenciados por elas de forma lúdica. Mesmo a festa de São

Tiago tendo o aspecto religioso em seu contexto, para as crianças a festa do santo

está permeada de brincadeiras. Como pode ser percebido nas suas falas sobre

brincadeira realizados no período da festa, ao mencionarem o Vominê, a batalha

entre mouros e cristãos, a morte do Atalaia, o baile de máscaras, as danças e até o

círio mirim. Pois sob o olhar da criança, a festa é vivida por elas como um momento

de vivências lúdicas, onde as brincadeiras acontecem.

Isso nos remete à Brougère sobre a relação entre a cultura e as brincadeiras

quando nos fala:

A brincadeira é, antes de tudo, uma confrontação com a cultura. Na brincadeira, a criança se relaciona com conteúdos culturais que ela reproduz e transforma, dos quais ela se apropria e lhes dá significação. A brincadeira é a entrada na cultura, numa cultura particular, tal como ela existe num dado momento, mas com todo o seu peso histórico. A criança se apodera de um universo que a rodeia para harmonizá-lo com sua própria dinâmica. (...) A apropriação do mundo exterior passa por transformações, por modificações, por adaptações, para se transformar em uma brincadeira:

Atividades recreativas esportiva livres

Brincadeiras tradicionais como cabo de guerra, corrida de saco, corrida do ovo, tamanco chinês, pintura, boliche adaptado, pipa, torneio de futebol, corrida, queimada,

canoagem, montaria e natação.

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é a liberdade de iniciativa e de desdobramento daquele que brinca, sem qual não existe a verdadeira brincadeira. (BROUGÉRE, 2010, p.82).

Outro ponto importante a ser ressaltado, em relação às brincadeiras durante a

festa pelas crianças, é a participação das meninas em determinadas atividades,

como observa-se na fala de Bianca (13 anos) ao ressaltar que se diverte empinando

pipas e nas brincadeiras esportivas, atividades que são ofertadas as crianças no

período da festa, e participam tanto os meninos, como as meninas. Bianca também

se refere ao Vominê e ao baile de máscaras como momentos de brincadeira,

embora aqui a participação direta seja dos meninos, ficando as meninas apenas

como espectadoras. Entretanto as meninas encontram uma forma de romper com a

tradição, mesmo não podendo participar elas se divertem apenas acompanhando os

meninos nesses momentos.

Foto 22 Meninas acompanhando as cenas da batalha.

Fonte: Acervo do pesquisador/2016.

A presença das brincadeiras foi observada em todos os momentos que

sucederam a festa das crianças, desde os rituais religiosos como a alvorada, a

missa celebrada especialmente a elas, o círio mirim, onde são distribuídos apitos de

brinquedos e principalmente durante as encenações das batalhas, mesmo o círio

mirim sendo feito para as crianças, observa-se a participação de alguns adultos, no

caso da maioria dos mascarados, o espetáculo todo é das crianças, e a cada

encenação vivenciam de forma plena sua ludicidade. Pois,

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O divertimento é inerente ao jogo, às brincadeiras, as atividades lúdicas em si, resiste às interpretações e análises lógicas, pois a ludicidade é fruição. Por mais que se tente, é muito difícil conceituar ou definir a ludicidade pois acreditamos que só podemos compreender o lúdico vivenciando-o através de suas diversas manifestações. (CARVALHO, 2013, p.217).

Assim, considera-se que as crianças de Mazagão Velho, ao brincarem ou

jogarem durante a Festa de São Tiago de forma plena e espontânea, tornam-se os

sujeitos de um processo dinâmico que ao mesmo tempo em que exercem sua

ludicidade e imaginação, preservam e renovam sua história. A criança, assume em

suas brincadeiras os papéis e posições daqueles com quem interage em seu grupo

social, aprendendo costumes e valores dessa cultura.

O saber, nesse sentido, está implícito em suas manifestações religiosas e

culturais na relação entre seus pares e os adultos através das brincadeiras e dos

jogos, que compartilham e produzem sentidos e significados, por meio de suas

vivências culturais.

Na imagem (foto 22), percebem-se essas relações do fazer-brincar das

crianças de Mazagão Velho com suas manifestações religiosas.

Foto 23 Crianças dançando o Vominê

Fonte: Acervo do pesquisador/2016.

O brincar está presente nas atividades realizadas pelas crianças que

participam da festa de São Tiago. Isso ficou evidenciado a partir da observação das

crianças durante as oficinas de construção de brinquedos, utilizados para dar

suporte à teatralização das cenas da batalha.

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Nesse contexto da festa, percebe-se todo o processo de criação e de

imaginação das crianças na confecção dos seus brinquedos, pois elas produzem e

confeccionam seu próprio material. Ficou evidenciado que através das oficinas, as

crianças têm mais foco, quando elas constroem um cavalo, uma máscara, isso tudo

tem um significado, terá uma continuidade porque automaticamente elas vão ensinar

outros.

Pois o brinquedo, segundo Brougère:

É aquilo que é utilizado como suporte em uma brincadeira; pode ser um objeto manufaturado, um objeto fabricado por aquele que brinca, uma sucata, efêmera que só tem valor para o tempo da brincadeira, um objeto adaptado. Tudo, nesse sentido, pode se tornar um brinquedo e o sentido lúdico de objeto lúdico só lhe é dado por aquele que brinca enquanto a brincadeira perdura. (BROUGÈRE, 2010, p.67).

Diante disso, retomo as conversas realizadas com as crianças, intérpretes

deste estudo. Quando perguntei que brinquedos são construídos ou vivenciados

durante a programação da festa. Elas responderam o seguinte: Lya (11 anos):

espadas, lanças e cavalos de buriti; Jamerson (11 anos): são construídos cavalos de

buriti, máscaras, espadas e lanças; Cristian (08 anos): temos o cavalo de miriti;

espadas de madeira e lanças para a encenação da festa.

Nos diálogos desses intérpretes, percebe-s que as crianças da comunidade

de Mazagão Velho durante as festividades, além de interagirem através das mais

variadas formas de brincadeiras e de jogos, constroem também seus significados

em relação às festas religiosas locais, a partir da construção e socialização de seus

brinquedos, oriundos de seu imaginário religioso, cultural e histórico.

Assim, convergem para a seguinte reflexão:

(...) a atividade de fazer brinquedos com as próprias mãos tem raízes em sociedades pretéritas. Assim, quando um artesão hoje faz um brinquedo, tanto como forma de trabalho como em regime de curtição lúdica, ele o faz não com base na sua experiência prática individual. Além dela, há uma sabedoria acumulada da atividade artesanal, que é fruto do trabalho e do conhecimento prático, deixado pelas gerações que nos precederam. (OLIVEIRA, 1989, p.14).

Nesse sentido, as brincadeiras e os brinquedos criados pelas crianças, são

frutos de seu imaginário e de seus processos criativos, criando, reinventando e

transformando seus saberes e experiências em relação à construção de seus

artefatos.

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Segundo Videira (2016)31, ainda sobre as oficinas de brinquedos para as

crianças, além dos cavalinhos e das máscaras, são confeccionados as lanças,

espadas e escudos feitos de madeira que as crianças vão criando pela própria

imaginação e criatividade, os adultos só gerenciam, pois “ensinar não precisa, elas

sabem, só coordenamos para que não fujam do foco e devido ao uso de ferramentas

utilizadas na elaboração dos brinquedos. Você dá um pedaço de barro, um pedaço

de buriti para a criança, ela já sabe o que fazer, já vem com aquela imagem, que ela

cria, não tem jeito, tá no sangue”.

Isso nos remete aos estudos de Vygotsky (2009), ao afirmar que a relação

entre imaginação e realidade constitui-se no fato de que toda a obra da imaginação

constrói-se de elementos tomadas da realidade e presentes na experiência anterior

da criança.

Nessa relação o brinquedo é, com suas especificidades, uma dessas fontes.

Se ele traz para a criança um suporte de ação, de manipulação, de conduta lúdica,

traz-lhe também, formas e imagens, símbolos para serem manipulados.

(BROUGÈRE, 2010, p.42).

O que se evidencia nas vozes das crianças é que a maioria dos brinquedos

construídos tem como finalidade, não somente criar acessórios, instrumentos ou

adereços para seus personagens durante os dias da Festa ou para implementar a

grande batalha entre os mouros e cristãos, mas serve, além de tudo, para sua

diversão.

Nas palavras de Brougère:

Os brinquedos podem ser defendidos de duas maneiras: seja em relação à brincadeira, seja em relação a uma representação social. No primeiro caso, o brinquedo é aquilo que é utilizado como suporte numa brincadeira; pode ser um objeto manufaturado, um objeto fabricado por aquele que brinca, uma sucata, efêmera, que só tem valor para o tempo da brincadeira, um objeto adaptado. (BROUGÈRE, 2010, p.67).

31

VIDEIRA, Josué. Presidente do Grupo Folclórico Infantil “Raízes do Marabaixo”. Entrevista em 28/01/17.

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Foto 24 Crianças com o seu cavalo de buriti.

Fonte: Acervo do Pesquisador/2016.

Para subsidiar esta compreensão, recorro às palavras de Charlot (2000, p.82)

ao evidenciar que “um objeto, ou uma atividade, uma situação, ligados ao saber têm

um sentido, que têm uma significação, é dizer também que ele possa provocar um

desejo, mobilizar, pôr em movimento um sujeito que lhe confere um valor.” Neste

sentido, o brinquedo é dotado de significações culturais, se definirmos a cultura

como um conjunto de significações.

Outra forma de manifestação lúdica, vivenciada durante algumas festas

religiosas no Brasil, são a fabricação e o uso de máscaras. Em Mazagão Velho, o

uso de máscaras também é evidenciado no período da Festa de São Tiago,

presente no ritual dos adultos e na programação das crianças. As máscaras, neste

sentido, como representações de uma bricolagem simbólica e material que

possibilite a construção de significados nos diferentes aspectos da cultura daquele

lugar.

O uso de máscaras pode atribuir vários significados, no contexto de cada

cultura, apresenta um papel fundamental nas celebrações sagradas ou profanas, a

exemplo do carnaval. Mas, em uma perspectiva ampla, o uso das máscaras tem um

caráter mais lúdico e representativo, tanto para adultos como para crianças, pois

conforme diz Caillois (1990, p. 81), “a máscara, objeto sagrado universalmente

disseminado e cuja passagem ao estado do brinquedo talvez assinale uma

modificação única na história da civilização fornece-nos o principal e sem dúvida o

mais notável”.

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Portanto, a confecção de máscaras pelas crianças da comunidade de

Mazagão Velho deve ser compreendida como parte de sua cultura, de seus saberes,

dos traços culturais e um processo de difusão de conhecimentos construídos em

uma coletividade promovendo desta forma suas manifestações religiosas, históricas

e culturais. Conforme mostram as fotos a seguir:

Foto 25 Máscaras construídas pelas crianças

. Fonte: Acervo do pesquisador/2016.

Nesse contexto, podemos evidenciar a importância do brinquedo e das

brincadeiras presentes na festividade de São Tiago, compreendendo o brinquedo

como ato criativo das crianças, a partir dos aspectos sociais e culturais existentes na

relação onde estão inseridas, onde produzem, recebem e transmitem aquilo que

vivenciam nesta festa, podemos afirmar, que a partir da construção e socialização

dos brinquedos, a ludicidade se faz presente na relação da criança com a festa,

durante os vários momentos vividos. Conforme diz Lya (11 anos) ao se referir como

se diverte na festa: Brincando, dançando e pulando durante a festa e Edgar Davi (10

anos): É um momento maravilhoso para quem brinca, e fica guardado em nossos

corações e levado para o resto das nossas vidas.

5.3 SABERES VIVENCIADOS NA FESTA DE SÃO TIAGO DAS CRIANÇAS

Durante a Festa de São Tiago das crianças percebemos as circularidades de

várias formas de conhecimento como resultado da imaginação das crianças, sendo

também produto da ação humana, historicamente localizado no tempo e no espaço.

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Desta forma, encontramos uma forma de conhecimento não formal, construído a

partir das experiências, dos símbolos presentes nos traços culturais vivenciados

durante a festa. Transformam-se no que Brandão (2010, p.87) afirma: “são

conhecimentos da cultura do lugar, do saber, que a tradição, ao fazê-lo seu, tornou-

se a norma que o uso do coletivo aceita e aprende”. Esse aspecto do saber

relacionado à tradição pode ser entendido pela intérprete Alice (10 anos) ao afirmar:

“porque a festa é uma tradição que nossos antepassados deixaram para nós”.

Nesse sentido os saberes culturalmente construídos são evidentes quando há

a participação das crianças na confecção de seus brinquedos, na criação e

socialização de suas brincadeiras, conhecimento esse pouco valorizado e

trabalhado nas instituições escolares do município. Isso fica evidente na fala do

menino Jamerson (11 anos) ao ser perguntado se é realizado algum estudo na

escola sobre a festa, a resposta foi a seguinte: “infelizmente não, nenhuma iniciativa

é tomada por parte da escola”.

A partir da fala do intérprete Jamerson, podemos perceber que a escola exclui

os conhecimentos produzidos e socializados nas manifestações culturais como a

Festa de São Tiago. Isso nos remete à teoria de Santos (2010) ao abordar sobre o

pensamento pós-abissal que toma como pressuposto o fato de que a exclusão social

é gerada pela maneira de pensar abissal. O autor propõe através da ecologia dos

saberes uma epistemologia pós-abissal, a qual busca referendar os conhecimentos

não científicos, promovendo a interação e a interdependência entre esses saberes,

vistos como locais, plurais, alternativos e interdisciplinares. Sendo assim, designa a

esse tipo de saber como “Epistemologias do Sul”.

Dessa forma, compreendemos a existência dos saberes presentes nas

manifestações religiosas e culturais na festividade de São Tiago das crianças, que

perpassam as relações entre os sujeitos envolvidos através de processos de

transmissão de conhecimentos e de construção de aprendizagens sendo possível,

assim, relacionar ao pensamento defendido por Santos (2010).

Neste contexto, podemos evidenciar que a Festa de São Tiago das crianças

ao trazer elementos em que é possível perceber não somente a socialização, mas a

circulação de saberes presentes na forma de seus rituais tornando assim, uma

manifestação em que os processos educativos não-formais estão presentes e

relacionados à forma como se manifestam pelos sujeitos.

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Assim, com base nessas reflexões, destacamos os saberes presentes na

festividade de São Tiago das crianças:

5.3.1 Saber da religiosidade

Neste aspecto podemos considerar que a participação e o envolvimento das

crianças, desde pequenas, com a festa, ocorre devido suas famílias pertencerem a

religião católica e tendo a figura de São Tiago e de São Jorge como santos de

devoção, os quais atribuem uma relação de proteção através de sistemas de

promessas e na organização dos eventos em prol dos santos homenageados.

Assim, os saberes religiosos inseridos no cotidiano da festa, aparecem nos rituais

religiosos, como nas procissões nas ruas, nas ladainhas realizadas nas casas dos

festeiros, nos círios e na missa direcionadas especialmente para elas, sendo essas

manifestações transmitidas através da oralidade, principalmente pelos pais ou avós

para as crianças.

Na relação desses saberes, ressalto o papel das meninas nos rituais

religiosos, pois é de responsabilidade delas conhecer e de proferir durante as

cerimônias as rezas, as ladainhas e os cânticos ensinados por sua mãe ou avós, os

meninos não têm essa responsabilidade, porém o que se percebeu durante a festa,

é que muitos meninos também participam desses rituais, rezando e cantando

durante as ladainhas, colocando em prática o aprendizado do repertório e da

doutrina cristã.

Entre os saberes religiosos, encontramos a prática das promessas, na maioria

dos casos, são feitas pelas avós, para alcançar uma graça, a cura de uma

determinada doença, ou pelo simples fato da criança ao nascer, pertencer ao sexo

masculino, em que, muitas vezes, a família já escolhe se vai ser um “mouro” ou um

“cristão” durante as festividades. Para melhor compreendermos essa prática,

retomamos o discurso das crianças:

As crianças são escolhidas por promessa dos familiares.

(EDGAR DAVI, 10 anos de idade, roda de conversa, 2016). Bom, nas festas das crianças, já temos alguns festeiros de um ano para o outro que são pessoas que fazem promessas e colocam as crianças para representar na festa.

(CRISTIAN, 08 anos de idade, roda de conversa, 2016). Através da promessa, uma família se responsabiliza pela festa das crianças.

(JAMERSON, 11anos de idade, roda de conversa, 2016).

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A partir das falas das crianças, percebe-se que a promessa é uma prática

que encontra-se inerente ao cotidiano das festas religiosas, presentes também na

comunidade de Mazagão Velho. As rezas e os cânticos são formas de saber da

oralidade, transmitidos sempre pelos mais velhos, em um processo de escuta e

repetição pelas crianças. Assim, o saber religioso se constitui através de uma

educação que privilegia os processos de oralidade, de escuta, de repetição dos ritos

e dos rituais que circulam na festividade de São Tiago.

Retomo aqui as ideias de Charlot (2000 p.63), ao evidenciar que o saber é

construído em uma história coletiva, que é a da mente humana e das atividades do

homem, e está submetido a processos coletivos de validação, capitalização e

transmissão.

5.2.2 Saber da história e da tradição

Visualizamos nas falas das crianças sobre a festa, os saberes relacionados à

história do lugar, ligados à tradição herdada de seus antepassados, onde através da

festa, comemoram e relembram os fatos históricos da transferência da cidade de

Mazagão Velho de Portugal à Amazônia e da luta entre mouros e cristãos. Retomo

algumas falas das crianças sobre a importância da festa na vida delas:

Porque é a identidade cultural de nossas raízes e de nossos antepassados. (BIANCA, 13 anos de idade, roda de conversa, 2016).

Porque através dela damos seguimento a história de nossos antepassados. GUILHERME, 13 anos, roda de conversa, 2016).

Porque temos que preservar nossa cultura e garantir que ela não se acabe. (MAURO DIOGO, 12 anos, roda de conversa, 2016).

É neste sentido e por essa visão que as crianças de Mazagão Velho

compartilham esses saberes aprendendo desde cedo sobre a relevância histórica e

a importância cultural que a Festa de São Tiago representa para elas, pois esse

conhecimento, que não está instituído na matriz curricular nas escolas do município,

mas que são aprendidos por elas, através da circularidade desses saberes por seus

familiares ou por meio das associações culturais que organizam a festa durante todo

o ano.

Essa aprendizagem sobre suas tradições e sobre a história de seus

antepassados ocorre também através de um processo de oralidade, repassadas e

cultivadas no seio da comunidade e muito presente na educação que esses meninos

e meninas recebem de seus familiares ou de outras pessoas da comunidade que

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trazem em sua “bagagem cultural” elementos dessa historicidade local, os

“historiadores da cidade” como exemplo disso, nomes como: “Seu Vavá”, Josué

Videira, Antônio Videira; “Seu Garça” e outras figuras ilustres de Mazagão Velho.

Outro aspecto que aparece relacionado à preservação desses saberes e das

manifestações que ocorrem em Mazagão Velho é a memória oral e a memória

cultural, sendo que há uma disjunção entre a memória oficial e o imaginário popular

construído principalmente pelo relato dos moradores do município.

Deste modo entendemos que tais saberes estão relacionados a uma

educação que prioriza os aspectos da oralidade, da memorização, do imaginário,

visto que a aprendizagem ocorre em espaços e momentos fora do contexto das

instituições oficiais como a escola ou a igreja e tendo a festa de São Tiago como

instrumento para trabalhar as questões históricas e culturais de Mazagão Velho.

Isso nos leva a compreensão que é na cultura que se dá a formação do

sujeito, da subjetividade e do próprio homem, pois Vygotsky (2007) defende que a

ação humana está orientada para um objeto, de tal modo que a atividade tem

sempre um caráter objetal. Assim, o ensino é uma forma social de organização e de

apropriação da cultura material e espiritual. É nas relações objetivas e concretas que

o sujeito se constitui e estrutura-se como um todo racional. A própria subjetividade

adquire significações a partir da cultura e suas representações.

É neste sentido que as crianças de Mazagão Velho constroem seus

conhecimentos históricos e culturais, internalizando esses saberes aprendendo a

importância da origem de sua história local, de sua subjetivação e valorizando seus

contextos culturais e religiosos, a partir da Festa de São Tiago.

5.3.3 O saber lúdico: o teatro, a dança, o brinquedo e a brincadeira

O momento mais esperado da festa de São Tiago das crianças é a

encenação da batalha entre mouros e cristãos na qual são preparadas para

dramatizarem vestidas com os personagens que dão vida à história da vitória do

cristianismo, representados por São Tiago e São Jorge contra os mulçumanos,

liderados pelo Rei Caldeira. Encontra-se o saber da encenação ou da

representação, pois as crianças ao interpretarem seus personagens, internalizam

diferentes papéis misturando imaginação e realidade Os saberes oriundos dessa

performance teatral perfazem todo um aprendizado, através de suas falas, de seus

gestos e de seus movimentos corporais.

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Os saberes oriundos dessa performance teatral perfazem todo um

aprendizado, mesmo sem a técnica necessária, através de suas falas, de seus

gestos e de seus movimentos corporais.

Caillois (1990 p.12) nos ajuda na compreensão de que o jogo significa,

portanto, liberdade que deve permanecer no seio do próprio rigor, para que esse

último adquira ou conserve sua eficácia.

Essa encenação da batalha entre mouros e cristãos, na perspectiva das

crianças, torna-se um dos momentos mais esperados por se tratar de um momento

lúdico e de pura diversão, de acordo com as falas dos seguintes intérpretes:

Eu me divirto na batalha (...) (JOSÉ CAIO, 10 anos de idade, roda de conversa, 2016).

Participando e fazendo as encenações da batalha e entrega dos presentes. (FLÁVIO, 11 anos de idade, roda de conversa, 2016).

Eu brinco fazendo parte da encenação da guerra entre mouros e cristãos. (MAURO DIOGO, 12 anos de idade, roda de conversa, 2016).

A participação é voluntária, desde que exista o interesse na brincadeira. Na maioria das vezes, os pais acompanham.

(RONDINELLE, 11 anos de idade, roda de conversa, 2016).

Percebe-se nessas falas que o teatro realizado pelas crianças faz parte dos

rituais presentes na festividade, pois trata-se de um recurso para contar e dramatizar

os principais acontecimentos ocorridos na história de Mazagão Velho, sendo que na

tradição, somente os meninos é que participam da encenação, as meninas só

acompanham ou vão prestigiar como plateia.

É notório observar nas falas dessas crianças que na visão delas, esse

momento de encenação da batalha torna-se um momento de diversão e considerado

por muitos como uma brincadeira, um faz-de-conta sendo, às vezes, nem levado a

sério por alguns integrantes.

Assim, considera-se essa prática teatral como um espaço de criação coletiva,

envolvendo com frequência sessões de improvisação e possibilita que todos os

participantes manifestem sua criatividade e imaginação, tendo um protagonismo no

processo de conhecimento. Além disso, essa forma de trabalhar com as crianças vai

ao encontro do que Sarmento (2011, p.50) aponta como “um dos aspectos mais

significativos das culturas da infância: a interatividade e a comunicação entre os

pares”.

Podemos perceber assim que as crianças, quando inseridas nesses rituais de

encenações durante a festa de São Tiago, vivenciam um processo de socialização e

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integração que estabelecem laços de respeito e de amizade e consequentemente

também estimula sua aprendizagem sobre fatos de sua história.

Na perspectiva de Brandão:

(...) Aprender é participar de vivências culturais em que, ao participar de tais eventos fundadores, cada um de nós se reinventa a si mesmo. (...) de e entre afetos, sensações, sentidos e saberes, algo mais e mais desafiado raramente disso e profundo destes mesmos atributos. (BRANDÃO, 2002, p.26).

A dança também é uma prática observada e desenvolvida no contexto das

festividades religiosas em Mazagão Velho, como fica evidente nas falas das

crianças:

Na festa das crianças, dançamos o Vominê durante a programação. (JAMERSON, 11 anos de idade, roda de conversa, 2016).

Eu me divirto na batalha e depois vamos dançar o Vominê. (JOSÉ CAIO, 10anos de idade, roda de conversa, 2016).

(...) as crianças se divertem com a dança do Vominê todos os dias e o baile das máscaras.

(RONDINELLE, 11anos de idade, roda de conversa, 2016). A festa é organizada pelos festeiros, na programação, só os meninos participam e dançam o Vominê.

(CAIRO, 10 anos de idade, roda de conversa, 2016).

Percebemos nos discursos dos intérpretes que toda a programação da festa é

acompanhada por uma dança típica: o Vominê, dançada e praticada somente pelos

meninos, sendo um ritual inerente à tradição mazaganense. Durante os 12 dias de

festividade, são dançados nas residências das famílias tradicionais do município, por

volta das 5 horas da manhã, sempre acompanhada por salvas de tiros e seguida

pelo som dos tambores.

A dança, o ritmo, o som, as músicas feitas através das rimas de improviso,

com refrãos que, na maioria das vezes, fazem referência aos donos das residências,

são saberes presentes nos rituais realizados pelas crianças, que devem aprender os

ritmos, as letras e a dança praticados durante a festa. No caso específico, os

meninos devem observar e imitar os mais velhos, para depois desenvolverem suas

habilidades corporais e musicais. Isso fica perceptível na conversa com algumas

crianças: “qualquer criança dança, canta e bate” (tambor) (RONDINELLE, 11 anos

de idade); “É espontâneo, a gente chega lá, olha, observa e depois sai dançando

igual os adultos.” (GUILHERME, 13 anos de idade).

Nota-se, nessas falas das crianças, que a dança do Vominê não necessita de

tanto tempo para que possa ser praticado, é necessário somente observar os mais

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velhos. Essa forma de saber passa a ser algo espontâneo, constrói-se a partir da

observação, da escuta, do treino e aos poucos colocando-se em prática.

O Vominê é uma dança circular na qual a integração dos gestos, da dança,

dos versos improvisados, do corpo e do som dos tambores. Este som demarca o

ritmo do movimento para os corpos executarem seus gestos. Os versos podem ser

de amor, de agravos, de agradecimentos, de pedidos, homenagens e todos os

demais sentimentos que habitam a natureza humana. Não tem condição social, nem

imposição de idade, o único critério que tem que ser do gênero masculino (homens,

crianças, velhos ou jovens). Seus movimentos vão de acordo com o som dos

tambores, num ritmo que se arrasta e depois vai ganhando movimentos mais

rápidos. A dança aqui pode ser comparada a um jogo, que envolve concentração,

atenção e ritmos de acordo com a melodia.

Sobre a relação entre a dança e o jogo, Huizinga afirma:

São tão íntimas as relações entre o jogo e a dança que mal se torna necessário exemplificá-las. Não é que a dança tenha alguma coisa do jogo, mas, sim, que ela é uma parte integrante do jogo: há uma relação de participação direta, quase de identidade essencial. A dança é uma forma especial e especialmente perfeita do próprio jogo. (HUIZINGA, 2014, p.184).

Com isso, dialogamos com Charlot (2000, p.64), quando este afirma que o

saber se constrói e se tem sentido nas relações sociais a qual o mesmo está

submetido “o saber é relação, valor e o sentido do saber nascem das relações

induzidas e por sua apropriação e só tem sentido e valor por referência às relações

que supõe e produz com o mundo e com os outros”.

A brincadeira e o brinquedo são atividades presentes na festividade de São

Tiago das crianças, neste sentido, também configuram-se saberes construídos por

seus participantes, pois na visão das crianças, a própria festa é o divertimento,

nesse contexto lúdico, estão incluídos seus brinquedos, que são construídos

especialmente para o desenvolvimento da festa infantil, como seus cavalos, seus

escudos, espadas e suas máscaras para o baile infantil.

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Foto 26 Festa de São Tiago das crianças.

Fonte: Arquivo do Pesquisador/2016.

Por meio da brincadeira, a criança não só reconstrói sua realidade, como

também incorpora elementos de sua cultura local, transmite e assimila

conhecimentos e situações de seu cotidiano. Na festa das crianças, o brincar é

dinâmico e diversificado, é rico de significações e tecido, em cada momento, pelos

sujeitos que nele estão inseridos. Isso pode ser observado na voz dos seguintes

intérpretes:

Nos divertimos nos parques, passeando pela praça, participando de torneios e brincadeiras no balneário e indo para a igreja.

(BIANCA, 13 anos, roda de conversa, 2016). A gente brinca assim ... fica na fila do círio, na batalha a gente corre, o importante é correr, jogando bola e nadando lá no balneário.

(JAMERSON, 11 anos, roda de conversa, 2016). Brincamos de jogar bagaços de laranja no “Bobo Velho”, durante o círio, na entrega dos presentes e na batalha.

(GUILHERME, 13 anos, roda de conversa, 2016).

Imersos nos rituais religiosos praticados durante a Festa de São Tiago, as

crianças constroem suas relações com a ludicidade, pois as brincadeiras e o

brinquedo encontram-se como subsídios para as práticas religiosas como para as de

caráter lúdico. Dessa forma, existe uma linha tênue entre os rituais religiosos

considerados como algo sério com o que as crianças consideram como diversão e

lazer. Assim, festa e brincadeira ganham um único sentido e significado.

Isso nos remete às considerações de Huizinga (2014, p.25), ao enfatizar que

“a festa é uma entidade autônoma, impossível de se assimilar a qualquer outra coisa

que exista no mundo”. Completamos com Carvalho (2013, p.217), ao ressaltar que a

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forma descompromissada com que a criança se entrega à brincadeira é o que gera

questionamentos em relação a sua seriedade, para a autora a criança tem

consciência de sua brincadeira, ela sabe que na brincadeira está desempenhando

apenas um papel e que a qualquer momento pode modificá-lo, ou mesmo acabar

com a brincadeira.

As brincadeiras e os brinquedos presentes nas festividades em Mazagão

Velho podem ser reconhecidos como formas simbólicas tecidas pelos próprios

sujeitos, pois o simbólico faz parte do brincar, por meio da criatividade e da

capacidade imaginadora que a criança possui. Assim, os saberes presentes no

brincar são reveladores de uma educação voltada para o lúdico e suas

manifestações presentes nos rituais religiosos da festa.

Saberes reveladores de uma realidade em que as crianças, a partir de suas

experiências e conhecimento, são construtoras e transformadoras de suas práticas,

sendo as protagonistas de sua ação lúdica, produzindo assim novos significados.

Considerando o que Carvalho (2016, p.177) ressalta, a ludicidade possui um valor

como forma de saber, ela pode gerar conhecimento, acompanhando as

transformações da realidade vivenciada pelo homem.

Partindo desta premissa consideramos três principais saberes vivenciados

pelas crianças durante a festa de São Tiago: saberes religiosos; saberes tradicionais

e os saberes lúdicos que permeiam toda a relação de ensino-aprendizagem pelos

sujeitos inseridos nessas práticas educativas.

Brandão em suas análises sobre educação afirma que:

(...) o que importa é a nossa capacidade e também a nossa facilidade de atribuirmos significados múltiplos e transformáveis ao que fazemos ao que criamos, aos modos sociais pelos quais fazemos, criamos e, finalmente, a nós mesmos significado. (BRANDÃO, 2002, p.23).

No entanto, podemos observar outros saberes que se materializam nesses

rituais presentes na festa das crianças, os saberes da experiência, pois, ao

observar, imitar e ouvir as orientações dos mais velhos durante os rituais e a

encenação, as crianças a todo instante estão aprendendo. Uma educação que

valoriza a oralidade e a experiência daqueles que ensinam.

Outro saber identificado nas relações dos participantes da festa é a

capacidade de compartilhar, uma vez que vivenciam de maneira coletiva seus

espaços lúdicos, seus aprendizados, suas experiências e nos momentos dedicados

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às refeições, como no lanche após o círio e no jantar comunitário oferecido a elas no

encerramento das festividades.

Percebe-se ainda o saber ambiental ou ecológico, pois as crianças, no

processo de elaboração de seus brinquedos, apropriam-se de elementos da

natureza como a extração da palmeira do buriti para a confecção dos seus

cavalinhos e de outros artefatos, da busca pela argila ou do barro para a feitura das

máscaras, dando a esses objetos novos significados no contexto da festa.

Nesse sentido, a partir destes processos educativos, que são saberes

transmitidos de geração a geração através da oralidade, da memorização, da

observação, do olhar e imitar o outro, do saber-fazer, podemos considerar como

uma educação não formal, presente nas vivências e experiências das crianças

envolvidas.

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CONSIDERAÇÕES

Na festa de São Tiago, temos a fé, a busca pela vida e a sensação de dever cumprido.

(JAMERSON, 11 anos de idade) 2016.

Desenho 04: Produção da criança na roda de conversa

Fonte: Edgar Davi (10 anos de idade) 2016

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Diante das questões abordadas durante o percurso metodológico desta

pesquisa sobre os processos e os saberes presentes nas festividades de São Tiago

das crianças em Mazagão Velho, há considerações relevantes para a discussão no

campo da pesquisa com crianças, que busquei realizar neste estudo.

Entendo ainda que é preciso aprofundar e ampliar as pesquisas que

envolvem a infância e a criança, articulando diferentes enfoques metodológicos para

investigar sobre as culturas lúdicas, principalmente em contextos não-formais,

aspectos como eu debrucei meus estudos – a criança e as manifestações religiosas,

dialogando com outras áreas do conhecimento de forma interdisciplinar como a

Sociologia, a Antropologia e a Pedagogia.

Ao finalizar este estudo, dialogando com diversos autores, posso evidenciar

que no campo da pesquisa em educação em infância ainda existem muitas

possibilidades de investigação, tendo as crianças como verdadeiras protagonistas e

sujeitos de sua própria ação. Dessa forma, optei por não calar e nem esconder meus

interlocutores, além de dar a voz aos pequenos, procurei dar-lhes significação e

representação no decorrer da pesquisa.

Assim, retomo a problemática do estudo, à qual se refere: De que forma os

saberes culturais estão presentes nas práticas lúdicas das crianças na festividade de

São Tiago?

A partir dos pressupostos teóricos e metodológicos evidenciados durante a

pesquisa de campo, pude perceber que o saber encontra-se presente nas

manifestações das crianças da comunidade de Mazagão Velho, através de suas

práticas e vivências lúdicas durante as festividades religiosas pela representação

ritualística realizada por esses sujeitos mirins, sendo que tais práticas estão

inseridas em seus próprios cotidianos e em seus imaginários social e religioso.

Tendo como base algumas análises sobre as vivências lúdicas pelo viés de

seus saberes culturais requer uma compreensão das relações culturais, sociais e

religiosas, bem como das inter-relações que se dão entre cultura lúdica e festas

religiosas produzidas pelas crianças como sujeitos situados socialmente e

historicamente, sendo assim, os verdadeiros protagonistas de sua ação e atuação

nos processos de constituição de seus saberes, bem como a preservação através

dessas vivências de suas memórias e de sua tradição secular.

Neste contexto, as brincadeiras e os brinquedos produzidos pelas crianças da

comunidade de Mazagão Velho trazem os sentidos e significados do próprio

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contexto em que se realiza a festa e do momento lúdico vivido pelas crianças.

Mesmo às vezes sendo coordenadas pelos adultos, que a todo tempo estão

direcionando as cenas, é possível perceber que as crianças conseguem criar e

recriar o tempo e o espaço para brincarem, a partir dos seus desejos de transformar

o momento “sério” em diversão e brincadeira.

As crianças que participavam de toda a programação alusiva à festa de São

Tiago, tanto os momentos de caráter religioso (missas, ladainhas, círios) e os

momentos mais profanos como as danças, as brincadeiras ou a representação

teatral, a todo instante demostravam sua autonomia sobre as suas vivências lúdicas,

assim como uma relação bem próxima com seus contextos, podemos afirmar que a

festa, desta maneira, faz parte de suas vidas e com ela suas representações

pessoais, sociais e culturais.

De modo geral, os diálogos realizados revelam que as crianças a partir de

suas brincadeiras, seus jogos dramáticos e a confecção de seus brinquedos

artesanais constroem seus significados e suas relações com seus pares e com os

adultos em um processo de coletividade, tendo como elo a Festa de São Tiago.

Dessa forma, os saberes lúdicos vivenciados pelas crianças de Mazagão

Velho, em que a educação faz parte desse processo, sendo que há transmissão de

conhecimentos por parte dos adultos (pais, mães, oficineiros, artesãos) através do

ensinar e do aprender, presente também na relação entre as próprias crianças, em

que uma ensina a outra, numa dinâmica de reciprocidade.

Neste estudo, encontra-se um esforço teórico, no sentido da valorização dos

saberes vivenciados pelas crianças durante a manifestação da própria essência

lúdica e suas vozes, procurando assegurar as interpretações dos seus próprios

criadores. Assim, compreendo que a relação com o saber pressupõe um processo

dinâmico que pertence aqueles que lhes confere um determinado valor. Dessa

forma, os saberes lúdicos se concretizam quando as crianças através de suas

encenações e de seus rituais religiosos conseguem interagir e se mobilizar através

de sua ludicidade.

A investigação mostrou ainda, o quanto é diversificado o universo lúdico das

crianças, já que os brinquedos, jogos e brincadeiras entrelaçam-se com as

atividades de dramatização e dos rituais religiosos representados e recriados pelas

crianças na festividade de São Tiago.

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A criança, portanto, reelabora seus espaços de brincar, reinventando seu

mundo, ressignificando o que já está estabelecido pela cultura, permitindo que novos

significados sejam gradualmente construídos através das redes de interação entre

as crianças e suas manifestações simbólicas como frutos de seus modos de viver e

de sentir.

Nesta direção, existe a perspectiva de se fazer novas descobertas e desvelar

novos caminhos. Algumas sugestões importantes apontam para a continuidade da

investigação do fenômeno do brincar na festividade de São Tiago das crianças,

entre elas podemos citar: um aprofundamento no campo das mentalidades infantis,

do qual o referido estudo encontra-se ao demonstrar como as crianças pensam,

elaboram, demonstram e respeitam seus modos de sentir e de viverem, a partir de

suas manifestações culturais.

Outro aspecto relevante que a pesquisa demonstrou foi o campo das artes,

especificamente a dramatização das cenas históricas realizadas pelas crianças

durante a festa, sendo a arte o caminho para a internalização de suas religiosidades,

de todo o ritual e do próprio mito de origem da festa.

Assim, meu olhar curioso, defrontou-se não somente com as crianças com

uma responsabilidade imposta pelos adultos de preservar a história local e o seu

maior legado, a Festa de São Tiago, aprendendo a tradição que um dia será de

responsabilidade delas, mas, ao contrário, encontrei crianças que verdadeiramente

sabiam de seu papel no momento presente e demonstravam sentimentos de

respeito e admiração por sua cultura, como sujeitos autônomos, criativos,

participativos e inseridos em toda a ação cultural.

Diante dessas considerações, percebo, portanto através do meu olhar

enquanto pesquisador, que as crianças são as verdadeiras protagonistas de suas

ações, um ser ativo, dotado de sentido e competência na sociedade em que vive,

construindo um novo sentido de valorização da experiência da infância, longe da

visão idealizadora do adulto.

Sendo assim, ao chegar a este ponto da pesquisa, trago como não conclusivo

este estudo, pois o mesmo aborda apenas um fragmento, parte de uma versão da

história da Festa de São Tiago, registrada aqui através do olhar das crianças, já que

a história de Mazagão Velho se reconstrói e se ressignifica em uma multiplicidade de

versões, resíduos de uma memória que resiste ao tempo através de suas narrativas

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orais contadas por seus moradores, preservando-a no tempo e no espaço por meio

se suas práticas religiosas e culturais.

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APÊNDICES

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133

APÊNDICE - A

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

(Modificado com autorização do Prof. Dr. João Batista Garcia e do Prof. Ms.

Ferdinand Edson de Castro da Universidade Federal do Maranhão).

“TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO”

O Projeto intitulado Cultura e Saberes na Festividade de São Tiago: o lugar do

brincar nos dizeres das crianças necessitará realizar entrevistas com os sujeitos a

serem investigados, que são crianças de 06 a 12 anos. No entanto, é preciso que os

pais ou responsáveis autorizem a participação das crianças neste estudo. A

qualquer momento todos poderão ter acesso aos pesquisadores para

esclarecimentos de dúvidas ou até mesmo por algum motivo cancelar a autorização

consentida e retirar-se do processo. Além disso, quando acharem necessário os

responsáveis poderão solicitar explicações e esclarecimentos sobre a construção da

pesquisa em contato direto com o pesquisador por meio dos seguintes contatos:

telefone (96) 991408200; email [email protected] e end. Av Tamoios, 380,

bairro Beirol, Macapá – Amapá CEP 68902-180 ou Orientadora pelo contato (91)

991884231; End. Trav. Benjamim Cosntant, nº. 854, Ap.901 – Reduto CEP:

66053040.Belém- Pará.

Assim como responsável pela criança autorizo a mesma a participar da pesquisa

estando ciente de todas as informações sobre o projeto. Além de autorizar o uso de

imagem e as publicações de áudio, fotos, bancos de dados e outros desde que

sejam para fins acadêmicos.

Em __________/_______________/________________

_________________________ _______________________________

Criança Responsável da Criança

__________________________ ___ _______

Pesquisador Orientadora

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PARÁ

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E DA EDUCAÇÃO NUCLEO DE PESQUISAS E PÓS-GRADUAÇÃO

MESTRADO EM EDUCAÇÃO – LINHA DE PESQUISA: SABERES CULTURAIS E EDUCAÇÃO NA AMAZÔNIA

PROJETO DE PESQUISA: CULTURA E SABERES NA FESTIVIDADE DE SÃO

TIAGO: O LUGAR DO BRINCAR NOS DIZERES DAS CRIANÇAS

ROTEIRO DE PESQUISA:

1 – Por que a Festa de São Tiago é importante na vida de vocês??

2- Como se dá a participação de vocês na Festa? Existe um convite ? Uma

autorização dos pais?

3 – Como as crianças são/ estão organizadas para participar da Festa e da

Programação?

4- Como são escolhidas as crianças para representarem os personagens da Festa?

5 – Que sentimentos e sensações são vivenciados durante a Festa por vocês?

6- Quais são as brincadeiras realizadas durante a programação da Festa e durante

os dias destinados ás crianças ??

7 – Que brinquedos são construídos, socializados ou vivenciados durante a

programação da Festa ??

8 – Como vocês (crianças) se divertem durante a Festa ?

9 – Existe algum critério para participar da Festa e das brincadeiras? Quais são

esses critérios?

10 – É realizado algum estudo na escola sobre a Festa de São Tiago ?

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APÊNCICE – C

PERFIL SÓCIOHISTÓRICO DA CRIANÇA

Qual seu nome?

Qual sua idade?

Com quem você mora?

Qual sua religião?

Onde estuda? Em que ano está ?

Qual a profissão dos seus pais?

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Universidade do Estado do Pará

Entro de Ciência Sociais e Educação Programa de Pós-Graduação em Eucação

Travessa Djama Dutra, s/n – Telégrafo 66.113-200 – Belém-PA

www.uepa.br/mestradoeducaca