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Laboratório de história oral: memória e experiência social
docente
Professora: Sonia Aparecida de Aguiar Barreto
Orientadora: Prof. Dra. Liliane da Costa Freitag
Resumo Este artigo traz como personagem de primeira grandeza a memória, essa
matéria prima da história, cuja a sociedade ainda confunde como sendo
história. A memória é produto de um trabalho de ressignificação tecida pela
amálgama entre presente e passado. Ela vem a tona, à medida que é
fabricada. Tal fabricação requer tratamento teórico e metodológico por parte
daquele que se dedica a coleta das lembranças. Essa metodologia chama-se
metodologia da história oral. A história oral tem a capacidade de trazer a tona a
lembrança de um fato antigo, que por sua vez, não vem a tona com a mesma
imagem que experimentamos em um passado. Esse artigo demonstra como foi
possível a formalização de lembranças de um grupo de trabalhadores
estabelecidos no Colégio Estadual Padre Sigismundo, cujas funções são
reconhecidas como “serviços gerais.” Os conceitos documento, memória,
história, fontes históricas constituíram os suportes necessários para a inserção
na “memória coletiva” destes atores sociais. Para tanto, foi necessário adentrar
no campo conceitual da historia e da historiografia, trabalho que nos levou a
compreensão da história como uma fabricação temporal, conceitual e narrativa.
A história assim como seu objeto, os homens no tempo, são analisados aqui,
portanto, como resultado do diálogo entre passado- presente passado,
segundo Marc Bloch.
Palavras- chave: história, documento, memória; metodologia da historia oral.
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Abstract
This article deals with memory, the raw material of history that the society still
confuses as history. Memory is a result of the resignification between present
and past and appears at the same time it is being produced. This production
requires theoretical and methodological treatment by the person who dedicates
himself to collect memories. This methodology is called the methodology of oral
history that has the ability to bring out the memory of something old but with a
different image from the one we experienced in the past. This article shows how
it was possible the formalization of memories of a group of workers established
in the Colégio Estadual Padre Sigismundo, whose functions are known as
"general services." Concepts document, memory, history and historical sources
were the necessary support for the insertion in the "collective memory" of these
social actors. It was necessary to enter the conceptual history and
historiography field, that led us to understand that the story is conceptual,
narrative and made along the time. The story and its object, the men in time,
are analyzed here, therefore, as a result of a dialogue between past-present-
past, according to Marc Bloch.
Keywords: history, document, memory, methodology of oral history.
Agradecimentos.1
1 Agradeço a Professora, Dra. Liliane da Costa Freitag, pelas orientações, leituras indicadas e diálogos, à
família pela compreensão nas minhas ausências, à direção, equipe pedagógica e alunos do Colégio
Estadual Padre Sigismundo pelo apoio e participação.
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Introdução
Na maior parte das vezes, lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens e idéias de hoje, as experiências do passado. A memória não é sonho, é trabalho. Por mais nítida que nos pareça a lembrança de um fato antigo, ele não é a mesma imagem que experimentamos na infância, porque nós somos os mesmos de então e porque nossa percepção alterou-se e, com ela, nossas idéias, nosso juízos de realidade e de valor. (Bosi, 1994).
A passagem acima, extraída de Lembranças de Velhos, obra em que
Eclea Bosi dedica um enorme fôlego ao estudo dos aspectos sociais da
memória, arremessa o leitor ao campo de suas próprias recordações.
Recordar é reconstituir fragmentos de si e do objeto recordado nas mais
diversas formas. Componente da cultura dos povos ela pode vir a tona como
um ato intencional, contudo, o que vale é que, independente disso, as
recordações constituem atos de ressignificação de si e do objeto narrado.
A lembrança reitera a autora, constitui-se em imagem construída pelos
materiais que estão a disposição no momento do ato de rememorar no
conjunto de representações que povoam a consciência. As lembranças
consistem assim, em uma prática social e também individual. O registro das
memórias (es)colhidas consiste em uma operação que formaliza o passado
tornando-o social, Hobsbawm (1998). Apesar disso, a alquimia realizada na
operação historiográfica, sempre será edificada sobre parcos fragmentos,
vestígios de um tempo que se foi. (Freitag 2009).
O historiador transforma a matéria prima da história, - memória, - na
reedição das lembranças colhidas criando representações de um tempo que
não volta mais. Essa vem à tona permeada pela dupla seleção: do sujeito que
rememora e do pesquisador. Nesse processo de seleção, a memória, pode ser
colocada a serviço dos fortes, por um lado, mas também por outro, pode ser
colocada a serviço da história. Esse trabalho ocorre à medida que a memória é
um documento, e, como tantos, também é um monumento de história,
conforme analisado por Le Goff ( 2003 ). (Apud FREITAG 2009)
As discussões entabuladas por Le Goff destacam que memória “(...)
como propriedade de conservar certas informações, remete-nos em primeiro
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lugar a um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o homem pode
atualizar suas impressões ou informações passadas, ou que ele representa
como passadas” (2003, p.419). De acordo com essa perspectiva a memória é
algo que se constrói no movimento de um diálogo entre presente e passado,
um processo vivo e dinâmico onde os sujeitos e os grupos recriam o passado
no tempo presente.
Foi movida pela necessidade de construir um saber em sala de aula
tendo como ponto de partida à oralidade do educando acerca da história de
seu bairro, que acabei desembocando no amplo universo que constitui o
campo da memória que acabei de apresentar. Pretendíamos demonstrar a
importância do trabalho docente com atividades envolvendo entrevistas orais
em sala. O pressuposto consistia em fornecer uma aprendizagem partindo de
uma transformação conceitual que chamamos na ocasião do projeto de
pesquisa como “resignificação da história pelos alunos e também pelo
professor”. Estávamos preocupados com o aprofundamento dos conteúdos via
problematização e aquisição de novos saberes. Contudo, não tínhamos idéia
da amplitude de abordagens necessárias para atingir tais intentos.
Primeiramente, porque o trabalho com a oralidade requer uma
abordagem metodológica a partir dos postulados da chamada metodologia da
história oral. Alcançar a compreensão desses fundamentos foi fundamental
para a consecução da tarefa a qual nos impomos. É sobre tais pressupostos
que o artigo trata à medida que demonstra a trajetória em que foi construída a
nossa experiência docente com a história oral e seus vínculos com a memória
de trabalhadores do Colégio Estaduais Padre Sigismundo localizado na cidade
de Quedas do Iguaçu. Esses sujeitos, assim denominados grupo de apoio,
realizam serviços gerais na referida Instituição. As memórias sociais do
trabalho foram coletadas por alunos do Curso de Formação de docentes da 2ª
e 3ª série do Colégio Estadual Padre Sigismundo entre março a agosto de
2009.
A consecução desse trabalho passou ainda por diferentes etapas e
desdobres que também apresentaremos nesse artigo. Esse encaminhamento é
necessário para demonstrarmos a complexidade que foi chega a essa prática
docente. A coleta de entrevistas não foi o ponto de partida para os novos
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saberes que construímos, mas sim, as teorias que sustentaram nosso trabalho
de interpretação das mesmas. Lembrando ainda que as narrativas colhidas são
frações de memórias sobre a Instituição de Ensino e não a história. Quanto a
ultima: eis nossa fabricação.
1. Um ritual de passagem: da ressignificação da história para a
ressignificação de si.
A história consiste em um campo de saber científico construído a partir
de um trabalho de seleção de fontes, teorias e problemáticas realizadas pelo
historiador. A esse sujeito cabe a escrita da história, e a ele cabe decidir os
usos que fará dos materiais que tem a sua disposição. A história torna-se
assim, um discurso sobre os homens no tempo e não um relato do passado
enquanto tal. Essa concepção não propala mais a história como uma ciência do
passado cujo historiador deveria buscar resgatar para explicar o presente.
O passado enquanto objeto da história vem, principalmente, desde as
primeiras décadas do século XX sendo questionado pela historiografia. De lá
para cá, o caminho foi longo até o entendimento de que a história, não é algo
que pode ser resgatado do passado pelo historiador, mas um conhecimento
que reflete as concepções de um tempo e saber específico. Consistindo em
uma prática e também em uma representação, cujos significados criam
sentidos para as sociedades. A história, portanto, como uma fabricação
edificada através de representações sociais foram promovidas por Roger
CHARTIER, historiador que promoveu uma reflexão sobre a história enquanto
um processo histórico de produção de sentidos, diferentemente construída
enquanto uma significação. Para CHARTIER citado por CIAMPI (p.119):
As modalidades do agir e do pensar devem ser articuladas à
“interdependência que regulamenta as relações entre os
indivíduos e que são moldados de diferentes maneiras em
diferentes situações pelas estruturas do poder. Pensar assim a
individualidade nas suas variações históricas equivale não só
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romper com o conceito de sujeito universal, mas também a
inscrever num processo em longo prazo caracterizado pela
transformação do e das relações entre homens - as mutações
das estruturas de personalidade.
De acordo com a citação, os indivíduos singulares constroem suas
representações da realidade social e essas, são desveladas nas práticas. São
os sujeito históricos, assim entendidos, como agentes que dão sentido a
história, a partir do que vivem , pensam, dos seus conflitos e do grupo, ou
categoria social a que pertencem. Esse entendimento avança em relação ao
pressuposto marxista que analisa o sujeito enquanto classe social,
recuperando para a história sujeitos singulares cujas ações ordinárias que dão
significado ao seu mundo, passam a serem objetos de análise do historiador.
Este entendimento faz da história uma criação relativa. Fascinante e
amedrontadora, essa concepção coloca em cheque não só concepções
advindas do materialismo histórico dialético, leitura essa que serviu de porto
seguro durante a minha trajetória acadêmica e também durante os 16 anos em
que me dediquei ao ensino da história, mas sobretudo, como também aqueles
paradigmas clássicos da historiografia metódica, dita “positivista”.
Esta foi primeira falésia que tive que transpor para construir a pesquisa
que ora apresentamos, cujo texto, conforme pode ser percebido carrega a
concepção da chamada Nova História Cultural, ou para nós, simplesmente,
história cultural.
Esta nova forma que delega historicidade aos processos e sujeitos, será
demonstrada ao longo do texto em diferentes olhares assentados em diferentes
mirantes teóricos e temporais. Atributos que fazem da história uma construção
narrativa temporal e conceitual e, portanto, permeada por inúmeras
representações sociais. Essas carregam consigo as marcas de seu tempo.
São, portanto, as interpretações dos historiadores enquanto sujeitos temporais
que criam o real e ao mesmo tempo fazem a história, e que contraditoriamente
dão significado ao mundo.
De acordo CARDOSO e VAINFAS (1997) a propalada Nova História
Cultural revela apreço, pelas ações de grupos sociais anônimos, tais como
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festas, resistências, crenças, dentre outras manifestações. O fato é que essa
vertente de interpretação da história despontou no final da década de 1980, a
partir do estudo entabulado por Lyn Hunt acerca das possibilidades abertas
para a história através de ima imersão no campo da cultura. A palavra nova
serviu, naquele momento para marcar a diferença entre Nova história e a Nova
História cultural. A primeira carregaria a marca de uma história social
entabulada pelas primeiras gerações dos Annales, cujos pais fundadores,
Lucien Febvre, March Bloch e Fernand Braudel estiveram comprometidos.
Essa abordagem inovou os estudos da história ao valorizar diferentes
documentos, que o século XIX e os anteriores haviam refutado. As paisagens,
os testemunhos orais, a cultura material e a iconografia, por exemplo. As
múltiplas temporalidades, também foram consideradas nesse momento de
escrita da história. Braudel caracterizou-se pelo modelo história total, sintéticas
com grande ênfase aos aspectos sócio-econômicos e suas relações com o
meio. Segundo CARDOSO e VAINFAS (1997, p.130).
Febvre e Bloch combatiam, pois uma história somente preocupada com os fatos singulares, sobretudo com os de natureza política, diplomática e militar. Combatiam uma história que, pretendendo-se científica, tomava como critério de cientificidade a verdade dos fatos, à qual se poderia chegar mediante a análise de documentos verdadeiros e autênticos (ficando os “mentirosos” e falsos à margem da pesquisa histórica) Combatiam, enfim, uma história que se furtava ao diálogo com as demais ciências humanas.
A citação reitera características da história proferida pelas primeiras
gerações do Annales, como uma história carregada pela interpretação
econômica e social. Essa, significou em termos teóricos um avanço em relação
as explicações entabuladas pela historiografia metódica. Essa questão
também é valida para as abordagens marxistas do século XIX e aquela
entabulada pela corrente denominada nova esquerda inglesa como, por
exemplo, os estudos de Thompson que abordaram “mediações culturais e
morais” sobre a classe operária inglesa em sua obra. Contudo, o avanço para
a análise do social na história foi resultado de um diálogo profícuo entre o
marxismo e Annales.
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No final da década de 1950 e 1960 historiadores marxistas como George
Rudé e E.P.Thompson, começaram a escrever sobre a “história vinda de baixo”
valorizando assim a experiência histórica de pessoas comuns. Já na década de
1960 e 1970 muitos historiadores se debruçam no campo da história das
mulheres, da vida provada, do cotidiano de sujeitos ordinários e grupos étnicos
visando, sobretudo entabular discussões que levassem em conta a existência,
presença de “novos grupos sociais”.
No que diz respeito a “passagem” que realizamos da abordagem
marxista de sociedade para a história cultural, podemos dizer que ocorreu
como parte de um processo de releitura das formas de escrita da história e por
sua vez, do papel da memória diante do trabalho de criação da história, cuja
inserção no Programa PDE, deu-nos tal oportunidade.
Contudo, os inúmeros rituais de leitura e seminários que realizamos
funcionaram como ritos de passagem entre uma história entabulada pelas
classes sociais para a perspectiva da história cultural, sem, contudo, perder de
vista a dimensão social do discurso histórico. Ao contrario, a extensão social do
discurso passou por um trabalho de ressignificação conceitual até chegarmos a
compreensão da história, - eminentemente humana ou social, - como “ciência
dos homens no tempo”, conforme sugere Marc Bloch (2001). Sendo assim ao
final do século XIX, a história se forja enquanto ciência temporal, cuja
historicidade passamos a apresentar.
2. A história de um conceito no tempo
Desde a emergência da escrita da história ainda na antiguidade clássica,
especialmente na Grécia através dos acontecimentos descritos por Heródoto,
até os dias atuais o termo história vem sendo construído segundo diferentes
interpretações. Reis (2001) chama a atenção para o fato de que os “homens
reescrevem continuamente a história" por duas razões. Primeiramente pela
especificidade de seu objeto, ou seja: a história é a ciência dos homens no
tempo. Sendo o objeto da história temporal, cada época produz um discurso
historiográfico e, por sua vez, um conceito de história válido para seu tempo.
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Isso significa que cada época tece sua história delegando a essa a
característica de um conhecimento efêmero ou temporal que responde as
problemáticas de sua época. Conforme exemplificado por Delgado (2006 p.41):
Na Grécia, a História traduziu-se por uma concepção reflexiva e metodológica. Em Roma destacou-se por seu caráter utilitário, patriótico e moral. Na Idade Média retomou uma perspectiva filosófica, abstrata e, de certa forma, transcendental. Com o Renascimento explodiu em humanismo e antropocentrismo seculares. No período do iluminismo foi reconhecida como fonte de conhecimento, afirmativo da razão e contraposto à tradição. O positivismo buscou transformá-la em área específica de conhecimento, neutra, descritiva e com fronteiras bem definidas. O Marxismo afirmou sua dinâmica através de relação dialética e estrutural entre a vida material e a vida social. A escola dos Annales rompeu fronteiras, adotou a interdisciplinaridade, renovou metodologias e temáticas, alem de incorporar uma nova forma de narrativa, à qual se acopla a reflexão.
Na rápida passagem, a autora destaca a temporalidade da escrita da
história pelo interior das correntes de pensamento. Do surgimento do sentido
de investigação propalado por Heródoto, até as inovações epistemológicas do
século XX. As colocações da autora, somada as reflexões de Reis (2001)
quando o mesmo destaca a posição reflexiva e indagadora da história,
agregada ao fato de que a história consiste em uma “sucessão processual”, ou
seja, seus eventos são analisados segundo o ritmo próprio das teorias de uma
época endossam ainda mais o sentido temporal da história e de seu objeto.
Segundo Reis (2001, p 8), o sujeito que fabrica a história realiza uma
“reconstrução narrativa, conceitual e documental assentada em um presente”.
A história, assim concebida por Marc Bloch, (2001) como “ciência dos
homens no tempo”, se faz em uma relação intrínseco entre presente, passado.
Por sua vez, tal interação mediada pelo historiador consistirá na história
fabricada.
Agrega-se a estas colocações, a perspectiva de Collingwood citada por
Caar (1987). Para o historiador britânico, história não trata nem do passado
enquanto tal, nem das concepções do historiador enquanto tais, mas da inter-
relação entre os dois aspectos. O passado torna-se presente pela dinâmica das
reinterpretações temporais e transforma a medida que tecemos sobre ele
questões do tempo presente. Na mesma direção, Le Goff (2003, p26) destaca
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que Lucien Febvre, (1949 p. 438) atribui à história a função social de recolher,
classificar, e agrupando fatos passados, em função das necessidades impostas
pela contemporaneidade. Organizar o passado em função do presente: assim o
autor define a função social da história, apontando para uma leitura da história
a partir do tempo presente. Hobsbawn, (1998, p. 30) em uma postura muito
próxima, a Lucien Febvre, destaca: “O passado continua a ser a ferramenta
analítica mais útil para lidar com a mudança constante, mas em uma nova
forma. [...] o que agora legitima o presente e o explica não é o passado como
um conjunto de pontos de referência [...] mas o passado como um processo de
tornar-se presente”.
Estas posturas assentam suas criticas na historiografia do século XIX,
cuja postura cientifica assentava seu discurso na veridicidade, neutralidade dos
fatos e na utilização dos mesmos métodos da ciência experimental para se
chegar ao entendimento dos fatos. Problema, hipótese, verificação,
comprovação consistiam no caminho necessário para a verdade.
Sabe-se que a ciência experimental estava na ordem do dia. A história-
progresso, portanto, entendia a história pela relação presente- passado - futuro.
Tal postura já recebia criticas ainda no século XIX. Langlois e
Segnobois, no final do século XIX, destacavam o caráter singular da história.
Segundo esses, os fatos singulares só podem ser observados indiretamente
através dos documentos e, sobretudo, havia a impossibilidade do
estabelecimento de leis gerais para a compreensão da história.
Certamente que para a época essa interpretação representou um
avanço, hoje, nossos postulados são outros. A ciência positiva, por sua vez,
propalava princípios da observação, hipótese, análise comparativa entre
sociedades poderiam levar ao estabelecimento de leis para a compreensão da
história. Em outras palavras: acreditava-se que os métodos utilizados pelas
ciências naturais poderiam ser igualmente úteis para a ciência da história. Os
historiadores vinculados a perspectiva da história progresso ou positivista
propalavam a neutralidade entre sujeito-objeto para se chegar à verdade
(positiva).
No que tange a historiografia do século XIX, nas perspectivas: a) da
história positivista; b) dos postulados da Escola Critica Alemã e seu expoente
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Leopold Von Rank; c) da chamada Escola Metódica francesa de Langloais e
Segnobois, a história se fazia a partir de documentos escritos, e de forma
objetiva. Conforme destaca Peter Burke em um comentário a respeito da
concepção Rankeana de história, a tarefa do historiador consistia em
apresentar aos leitores os fatos, a fim de dizer “como eles realmente
aconteceram”.(Burke,1992,p.15). Em suma, a história para o século XIX sob a
égide das teorias acima apresentadas, consistia em uma ciência que, deveria
dentro de rigorosos métodos de investigação, buscar o fato-verdade o qual
supostamente estaria em documentos escritos de caráter oficial.
Independente dos avanços que as correntes de pensamento legaram
para a sua época, o século XX se apresentará como espaço fértil junto ao
desenvolvimento de uma nova forma de interpretação da história ciência. As já
citadas correntes historiográficas tais como marxismos, positivismo, metódicos
e a escola critica alemã, convivem com a emergência da já destacada história
problema, cuja década de 1930 e as posteriores colocará em pauta na
produção do conhecimento, o universo das representações sociais. O
marxismo, no mesmo período, avança na construção do conhecimento
representando o grande contraponto para as demais posturas historiográficas
(positivista, metódica e Rankeana), correntes que propunham compreensão da
história através de fatos e, portanto, irrepetíveis.
O século XX será, contudo fértil quanto à ampliação do debate em torno
do objeto da história, enfoques metodológicos e a finalidade do conhecimento
histórico como PETER BURKE (1992, p. 7) afirma:
A história nacional, dominante no século dezenove, atualmente tem de competir com a história mundial e a história regional (antes deixada a cargo de “antiquários” amadores) para conseguir atenção. Há muitos campos novos, freqüentemente patrocinados por publicações especializadas. A história social, por exemplo, tornou-se independente da história econômica apenas para se fragmentar, como alguma nova nação, em demografia histórica, história do trabalho, história urbana, história rural e assim por diante.
De acordo com o que foi citado, o século XX avança junto ao conceito
de história. Foi com a fundação da Revista do Annales em 1929 por dois
historiadores, Lucien Febvre e Marc Bloch, que a história passa a ser vista
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como uma ciência em construção. Segundo tais pressupostos, a história
deveria se construir sob a égide de problemáticas, a cerca de temas como, a
mulher, morte, bruxaria entre outros. Abria relação com as outras ciências
sociais como a antropologia, sociologia, estabelecendo relações, apropriando-
se dos métodos e análises dessas ciências.
Com o surgimento da Escola dos Annales, a partir de 1929 a história
deixou de ser apenas uma narrativa de fatos e passou a privilegiar a análise do
processo, das estruturas entre outros aspectos. Ao longo das décadas
surgiram várias linhas de pesquisa na Escola dos Annales e ocorreram
mudanças importantes como o uso de novas fontes, a ampliação dos objetos
de estudo e novas abordagens.
Assim, cada época foi fabricando seu discurso chamado história. A cada
tempo novos olhares são lançados sobre as fontes abrindo infinitas versões do
que deve ser registrado. Nesse sentido, voltamos às colocações iniciais que
destacam a história e sua escrita como provisórios: um saber não acabado,
pois, como foi analisado, é um saber temporal e portanto não arbitrário. O fato
histórico não está pronto e acabado como peixes na peixaria. O historiador,
portanto não é um chef que os reúne para depois levá-los para casa, cozinhá-
los, e então servi-los da maneira que mais o atrai. Além disso, devemos ter
claro que os fatos não são mais vistos como matéria-prima da história
conforme propalava o século XIX. Os fatos nunca chegam a nós de forma pura,
ao contrário, só passam a existir quando os historiadores propõem sua
existência. Ou seja, o fato, assim como a história é uma criação que nasce do
ofício do historiador. Em outras palavras história é interpretação, é uma
escolha.
Segundo Carr (1987) a história consiste numa narrativa edificada em
conceitos e construída pela relação intrínseca entre presente, passado,
presente. Marc Bloch (2001, p.7) denomina esse procedimento de método
regressivo, ou seja, “temas do presente condicionam e delimitam o retorno
possível ao passado.” Cabe a história trazer este passado ao presente. Cabe
ao historiador a partir do entendimento sobre o seu presente, olhar , interrogar
e explicar a historicidade dos homens no tempo.
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Diante dessas colocações, a escrita da história se apresenta como um
processo dinâmico que busca desvelar os homens no tempo, ou seja, as
relações humanas, suas existências e experiências ordinárias através de um
trabalho de mediação teórica. Nesse sentido, a memória, por nos entendida
como objeto da história, foi alvo de nossa pesquisa, permitiu aos envolvidos,
compreender que a memória colhida, - através da metodologia da história oral,
é produto da dupla seleção dos recordadores e dos pesquisadores que
envolvemos na coleta dos dados que compõe o acervo do laboratório de
história oral que implementamos no Colégio Estadual Padre Sigismundo.
A contemporaneidade marcada pelo virtual e pelo tecnológico vivencia a
criação de espaços de memória Nora (1993). O processo de aceleração do
tempo contribui para o desaparecimento das memórias, elos identitários entre
os sujeitos. A dinâmica de aceleração da história provoca além desse
processo, o que o mesmo autor denomina como distanciamento entre a
memória e a história. Para NORA (1993, p.7) “Há locais de memória porque
não há mais meios de memória.” Ou seja, a memória está aprisionada,
arquivada em espaços, celebrações, festividades, porque essas operações não
existem mais de maneira espontânea, e assim se constituem os lugares de
memória.
Para NORA (1993, p.21) Os lugares de memória “São lugares, com
efeito, nos três sentidos da palavra, material, simbólico e funcional,
simultaneamente, somente em graus diversos.” Em outras palavras, lugares de
memória são carregados de significação simbólica, e imaterialidade. São
naturais e artificiais, simples e ambíguos, são antes de tudo restos que
subsistem na história
3. Memória (s): e história oral
Anteriormente destacamos a temporalidade inerente ao conceito de
história. Essa máxima também é verdadeira no que se diz respeito à memória e
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aos usos sociais a que se destina. Na Antiga Grécia, o registro da memória
imortalizava atos heróicos evitando assim o esquecimento das ações de um
dado. Segundo Jacques Le Goff, (2003, p.419) “a memória é a propriedade de
conservar certas informações, propriedade que se refere a um conjunto de
funções psíquicas que permite ao indivíduo atualizar impressões ou
informações passadas, ou reinterpretadas como passadas”.
Existem, genericamente duas formas de memória, a coletiva e a
individual. A primeira está presente nas lembranças e esquecimentos de
pertencimento a um grupo social trazendo em si a identidade e o imaginário
coletivo. A memória coletiva gira, portanto, em torno de lembranças do
cotidiano de grupos, (como enchentes, boas safras). Assim, a memória coletiva
resignifica constantemente os fatos.
Por muito tempo a memória nacional coletiva, foi estabelecida como
oficial e marginalizou as várias memórias existentes nos diferentes grupos
sociais, privilegiou a memória coletiva como a única versão da história,
conforme cita LE GOFF (2003, p.422)
Tornar-se senhores da memória e do esquecimento é uma das grandes preocupações das classes, dos grupos, dos indivíduos que dominaram e dominam as sociedades históricas. Os esquecimentos e os silêncios da história são reveladores destes mecanismos de manipulação da memória coletiva.
A memória individual, no entanto faz-se de lembranças, esquecimentos
que vem tona pelo indivíduo que lhe dá significado, sentido. Contudo, tanto as
memórias individuais como coletivas, estão sujeitas as diversas contradições,
conflitos e reconstruções. A memória segundo DELGADo (2006, p.38) atualiza
o tempo passado, tornando-o tempo vivo e pleno de significados no presente.
Conforme citado a memória é viva, é inseparável e ultrapassa o tempo da vida
individual, lidando com múltiplas temporalidades. Para GRAEBIN e PENNA
(2006, p.97-98) “Num mundo que perde as referências, o trabalho com a
memória, valorizando a experiência social, oferece a aproximação com os
sujeitos, com o impacto das representações que estes fazem de si e do
mundo.”
Ao final da década de 1970 a memória se torna um importante recurso
para a historicidade das experiências dos homens no tempo. Sobretudo, a
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metodologia da história oral representou uma rica porta de acesso ao universo
das representações sociais (coletivas).
Na década de 1960 a chamada revolução documental, dava voz as
minorias, tornando-se uma prática comum entre os pesquisadores annalíticos e
marxistas. Essa prática foi reconhecida como história oral militante. Contudo,
os tratamentos e a sistematização dos depoimentos passou a ocorrer somente
nos anos de 1970 incluindo a coleta, análise, registro e por fim, o tratamento
das fontes orais.
Conforme visto, as modificações ocorridas junto ao objeto de estudo
próprio da história e especialmente a partir da década de 1980 legaram a
incorporação do relato pessoal como uma fonte capaz de transmitir experiência
coletiva. Conforme ALBERTI (2006, p.163), “[...] surgiram novas objetos, e os
historiadores passaram a se interessar também pela vida cotidiana, pela
família, pelos gestos do trabalho, pelos rituais, pelas festas, [...] temas que,
quando investigados no “tempo presente”, podem ser abordados por meio de
entrevistas de História Oral.”
Estas mudanças ocorrem concomitante as transformações tecnológicas
no final do século XX, as quais transformaram as formas de registro, os hábitos
de comunicação e os conteúdos dos arquivos históricos. As possibilidades de
temas para o estudo e produção do conhecimento histórico, ampliam-se para
além do campo da metodologia a história oral, para os registros sonoros,
iconográficos, caricaturas, anúncios, filmes, monumentos, objetos de
artesanato, obras de arte podem ser utilizados como fontes.
A ampliação do conceito de documento agregado à popularização da
metodologia da historia oral no meio acadêmico permitiram ao professor
aproximar os alunos do campo da história. Essa ultima, vista como um
conhecimento distante da realidade vivida.
Foi nesse sentido que os conhecimentos que adquirimos acerca das
transformações no campo da escrita da história já apresentados anteriormente,
acrescidos dos conhecimentos acerca da metodologia da História Oral nos
permitiram inserir os alunos do curso de formação de docentes do Colégio
Estadual Padre Sigismundo em discussões tais como: memória, documento e
história. Assim sendo, buscamos relacionar conteúdos, teoria, quando da
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aplicação do Projeto de intervenção Pedagógica durante o ano de 2009. Vimos
na metodologia da história oral uma possibilidade ou ainda, um caminho “[...]
interessante para se conhecer e registrar múltiplas possibilidades que se
manifestam e dão sentidos a formas de vida e escolhas de diferentes grupos
sociais, em todas as camadas da sociedade.” ALBERTI (2006, p.164):
A entrevista com foco a essa metodologia recupera saberes. Para Alberti
(2005, p. 23) outra especificidade da história oral “... decorre de toda uma
postura com relação à história e as configurações socioculturais, que privilegia
a recuperação do vivido conforme concebido por quem viveu. É neste sentido
que não se pode pensar em história oral sem pensar em biografia e memória”.
A memória é imaginário social constituído de representações que vêem
a tona mediante a entrevista. As histórias vividas e concebidas, visões
particulares que são construídas no convívio social e são acima de tudo
cultura, também são reveladas por quem rememora. Esses saberes, modo de
pensar, ver e perceber o mundo constitui-se em histórias dentro da história.
Trabalhar com a história oral como possibilidade de reconstruir as
memórias, significa na prática, em sala de aula situar o aluno como agente
histórico, desconstruindo “a concepção de história, onde estes são meros
espectadores”, inserirem-nos como sujeitos dando voz as suas experiências
históricas.
Cabe ressaltar que o método em apreço exige técnicas que lhe são
específicas quer seja para a coleta, acondicionamento dos equipamentos e
transcrição dos depoimentos. Outra questão fundamental é a postura ética por
parte do pesquisador na relação com os entrevistados a fim de assegurar a
qualidade da pesquisa. Isso também será válido para a proposta de
intervenção pedagógica que ora apresentamos.
Sendo a entrevista, uma fonte intencionalmente produzida, colhida a
posteriori, consiste ao mesmo tempo um relato das ações individuais e
coletivas. Ainda segundo ALBERTI (2006, p.170).
Uma das principais vantagens da História Oral deriva justamente do fascínio da experiência vivida pelo entrevistado, que torna o passado mais concreto e faz da entrevista um veiculo bastante atraente de divulgação de informações sobre o que aconteceu. Esse mérito reforça a responsabilidade
17
e o rigor de quem colhe, interpreta e divulga entrevista, pois é preciso ter claro que a entrevista não é um “retrato do passado”.
De acordo com Alberti é preciso ter clareza que a entrevista não é um
retrato do passado e sim somente mais um relato, mais um ponto de vista
sobre dado evento carregando assim a subjetividade do informante.
Lembrando que a história oral transmite experiência pela narrativa, o
relato de experiências, dá sentido ao que foi vivido, pela seleção, do que deve
ser lembrado e esquecido. Cada depoimento, ao ser transformado em
linguagem permite, portanto a organização de acontecimentos e trajetórias
relacionadas à vida no sentido lato do termo, ainda a acontecimentos no
sentido estrito, tal, como ocorre na história oral temática.
A narrativa oral deve resultar da interação do entrevistado e
entrevistador, uma vez que a narrativa se constrói a partir da relação do que foi
vivido, o que está sendo revelado, o que esquecido e como o pesquisador
ouvinte percebe, registra e dá significados a esses relatos. Ademais, nem a
entrevista ou o registro revelam o passado tal como efetivamente ocorreu. O
registro, por seu turno tem a capacidade de documentar uma representação do
passado. A oralidade, - manifestada na entrevista, - consiste por sua vez, em
um documento do presente, porque é narrada no presente. Contudo, esse
documento do presente, carrega em si o passado o qual.
Portanto, o processo de narração é uma criação cuja temporalidade
passado-presente e vice- versa encontram-se amalgamadas no momento da
narração. Diante disso, cabe considerar as condições de produção do
documento oral, (ou simplesmente documento). À medida que o diálogo se
estabelece (entrevistado e entrevistador) ocorre uma construção e uma
interpretação do passado.
As condições de produção fazem parte da metodologia e correspondem
ao local, o numero de entrevistas, as relações entrevistado e entrevistador e,
sobretudo a postura ética do profissional que vai realizar a coleta do
documento.
O trabalho com fontes orais no ensino de história apresentou-se para
nós, nesse sentido, como um recurso importante para o aprendizado, uma vez
18
que se trata de adentrar em um mundo de representações concretas dos
narradores, o que nos aproxima do oficio do historiador.
O trabalho com entrevistas requer ainda uma postura ética do
entrevistador principalmente, pois este estará ouvindo e registrando
depoimentos orais sobre a versão daquele fato ou daquele momento. É
preciso, portanto, que o entrevistador durante a entrevista tenha clareza que o
seu trabalho deve corresponder com fidelidade ao depoente, e que este não é
um objeto e sim uma pessoa. Deve-se respeitar sem, contudo usar uma
linguagem persuasiva ou paternalista para conquistar o entrevistado.
Estas questões são fundamentais, pois a relação entre o entrevistador e
o entrevistado é um diálogo baseado nos princípios éticos e por parte do
pesquisador uma ação profissional.
4. Especificidades da metodologia de história oral.
A história oral se constitui em um conjunto de procedimentos
metodológicos que tem como finalidade construir fontes e documentos,
registrar os testemunhos, versões e interpretações de história. Enquanto
metodologia que pode ser empregada em diversas disciplinas das ciências
humanas, possui procedimentos próprios, cujas etapas consistem em:
Definição do objeto de estudo e leitura prévia sobre o tema; a
preparação da entrevista ou depoimento; a seleção dos entrevistados de
acordo com critérios definidos como relevantes para a pesquisa e o número de
entrevistados; a preparação dos roteiros individual e geral.
O primeiro deve ser preparado somente após o aceite do entrevistado e
deverá considerar a adequação da linguagem ao entrevistado e seus dados
biográficos e o cruzamento de informações entre o roteiro individual e o roteiro
geral. Esse roteiro constitui-se em um mapa da memória a fim de facilitar a
condução das entrevistas e construção da narrativa.
Quanto a realização das entrevistas, deve-se considerar que o ato de
entrevistar é constituído por uma relação humana que pressupõe alteridade e
respeito buscando um diálogo sincero e consistente com o entrevistado. Uma
19
boa entrevista não utiliza questionários rígidos que venham interromper a
narrativa.
O respeito aos momentos de silêncio e esquecimento, são
fundamentais, pois esses são significativos na produção da memória. São os
limites do entrevistado que determinam o ritmo da entrevista, inclusive,
influenciam na duração e no intervalo entre uma entrevista e outra.
Uma boa entrevista é aquela que evita perguntas longas e indiretas; e
também é aquela que evita perguntas em que o entrevistador já tem uma
opinião sobre o assunto em pauta. Mais ainda, a entrevista de qualidade não
formula perguntas que provoquem respostas tais como sim, não (termos que
empobrecem o conteúdo da entrevista).
Em função da correlação de temporalidade, (presente-passado) devem-
se evitar perguntas presas a detalhes, como datas muito bem definidas. É
preferível, quando necessário, referir-se a anos ou a meses. A melhor forma de
contribuição para ativar a memória do depoimento é o uso de fotos, cartas,
jornais, entre outros;
Evitar interromper uma narrativa, buscando contribuir dessa forma
para que o entrevistado não perca o fio de sua recordação;
Levar material de apoio como jornais, fotos, objetos, plantas,
mapas, entre outros, que possam contribuir para melhor desenvolvimento da
entrevista;
Realizar a entrevista em local no qual o entrevistado se sinta mais
à vontade e confiante, buscando evitar, contudo, espaços de muita circulação
de pessoas, ou pouco silenciosos;
Evitar a presença de terceiros, já que isso acaba por interferir na
dinâmica da entrevista, seja inibido o entrevistado, seja influenciado no
conteúdo de sua narrativa e opiniões;
Tratar o entrevistado com o respeito e cuidado absoluto, pois para
muitas pessoas recordar alguns episódios de seu passado ou mesmo
relembrar a trajetória de sua vida pode ser uma experiência dolorosa ou
fortemente emotiva;
Nunca pressionar o informante, procurando manter um clima de
relaxamento e de estimulo sutil ao ato de lembrar.
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Processamento e análise das entrevistas, que envolve três
etapas:
Transcrição das entrevistas (reproduzir com fidelidade, tudo que
foi dito, sem cortes nem acréscimos. Os trechos pouco claros devem ser
colocados entre colchetes, os risos devem ser identificados com a palavra riso
entre parênteses, silêncios, dúvidas e hesitações com reticências e o negrito
deve ser utilizado para trechos de forte entonação.)
Conferência de fidelidade do texto com o depoimento.
Análise das entrevistas que podem ser feitas da seguinte maneira:
análise temática de seus conteúdos; realização de nova análise das narrativas
com mais profundidade; realizar o agrupamento de um conjunto de entrevistas
comparando-as com as diferentes versões.
Concessão dos entrevistados de seus depoimentos orais através
de uma carta de cessão de direitos.
Quanto aos recursos utilizados citaremos a seguir alguns
cuidados básicos na forma de registro:
Fazer uso de um bom gravador portátil, algumas fitas virgens,
talvez um microfone e um fone de ouvido.
Dependendo da pesquisa pode-se gravar em vídeo e arquivar em
CD-ROM.
Cuidar e atentar para o ambiente, onde não ocorra interferência
de sons exteriores, e instalações confortáveis que não provoque
constrangimento no entrevistado.
E, finalmente, a MHO consiste em uma forma especifica de criação do
documento oral, cujo registro dessa oralidade se dá com base na memória
social. As fontes orais constituem, portanto, o passado relatado e
reinterpretado pelos indivíduos no presente. Cabe lembrar que a fonte oral,
assim como as demais fontes consiste em um vestígio de sociedade.
Como pode ser visto, uma entrevista consiste em uma fonte
intencionalmente produzida e colhida a posteriori, além do resultado do relato
das ações passadas e resíduos decorrentes da entrevista ALBERTI (2006).
Levando em conta as ponderações apresentadas, a história oral permite
a transmissão de experiências sociais.
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5. Laboratório de História oral: memória e experiência docente.
Quando pensei em realizar um laboratório de história oral para trabalhar
com alunos do curso de formação de docentes, foi na intenção de por em
prática uma metodologia nova e ao mesmo tempo aprender e ensinar.
Colóquios com profissionais da área de história, observações da prática
de ensino desenvolvida por estes profissionais do ensino médio, especialmente
aqueles que atuam na rede pública de ensino na localidade de Quedas do
Iguaçu , conversas informais com alunos e a observação apurada da prática
docente desenvolvida na disciplina “metodologia de história”, nos levaram a
perceber lacunas teóricas e historiográficas junto a prática docente.
Acrescenta-se a esse quadro, as recorrentes confusões entre os conceitos de
história e memória, que assolavam especialmente os alunos do curso de
formação de docentes do Colégio Estadual Padre Sigismundo. Confusões
essas que também não havia ficado impune durante minha atuação como
docente. Quanto às metodologias, a serem realizadas para diferentes tipos de
documentos: também eram precárias. Essa questão também dizia respeito à
metodologia de história oral.
Após um intenso trabalho de reflexão busquei contribuir para o avanço
das questões lacunares que citamos anteriormente, optando pela
implementação de uma intervenção pedagógica, que devido a sua
característica teórico-prática, denominamos de “laboratório de história oral”.
Para atingirmos esse intento, optamos pela elaboração do chamado “caderno
pedagógico”, um material de apoio que foi desenvolvido de acordo com o perfil
dos participantes da oficina, ou seja, alunos do ensino médio, cuja idade varia
entre 16 a 25 anos. O caderno foi concebido, portanto, como um suporte
contendo textos teóricos e de discussão historiográficas, atividades e
encaminhamentos metodológicos necessários para o desenvolvimento da
prática docente de tal sorte a não seccionar o ensino e a pesquisa. Os
conceitos documento, memória, história, fontes históricas constituíram os
suportes necessários para a inserção no tema “memória coletiva” dos atores
sociais envolvidos na comunidade e no ambiente escolar. Destarte, realizamos
22
seis oficinas dispostas em 15 encontros entre o período de fevereiro a
setembro do ano de 2009.
Outra questão importante diz respeito à característica heterogênea do
grupo dos 30 alunos inscritos para as atividades de laboratório. Duas integram
o grupo de agricultores concentrados no Assentamento Celso Furtado, situado
na localidade Campo Novo. Um total de seis são filhos de médios a grandes
agricultores residentes na área rural da localidade de Quedas do Iguaçu,
também situada na região centro sul do Estado do Paraná. Ainda que as
dificuldades de transporte, deslocamento e acumulo de atividades, tenham
concorrido para que 22 inscritos concluíssem a oficina, consideramos este
número significativo.
A metodologia para investigarmos formalmente as concepções do grupo
ocorreu ainda nos primeiros encontros entre fevereiro e março. Neles
procuramos traçar o perfil conceitual relacionado à história, memória,
documento e verdade. Acreditamos que o mapeamento conceitual atingiu o
objetivo e com ele, pudemos levar adiante os empreendimentos de
desconstrução e reconstrução teórica. Trabalho sem o qual, seria impossível a
coleta dos depoimentos orais.
As falas, e, sobretudo os textos, puderam colocar em evidencia as suas
versões para a história, tais como: “[...] história é tudo aquilo que envolve a
sociedade, desde o passado, presente até o futuro que será construído uma
nova história.” 2
Ou ainda: a história, “[...] são histórias de pessoas que fizeram algo,
lutaram por algo e marcaram com suas atitudes e costumes que são passadas
em forma de estudo ou contadas, onde analisamos,as desvendamos, fazendo
críticas... Ela expõe um conhecimento geral do que queremos saber e como
continuá-la.”3
2 Registro feito pelo aluno Valter Felski no dia 06/03/2009. Durante o Laboratório de história oral no
Colégio Estadual Padre Sigismundo.
3 Registro feito pela aluna Tatiana Vargas no dia 06/03/2009. Durante o Laboratório de história oral no
Colégio Estadual Padre Sigismundo.
23
Nessa mesma direção, outro aluno afirmou que a “história está
interligada em tudo e com todos. Tudo reflete na história, pois ela nos
apresenta como foi que aconteceu em certo período histórico, as histórias que
são contadas ao longo dos anos.”4
A partir da leitura das afirmações por eles apresentadas passei a intervir,
estudando, lendo e discutindo os textos que explicitaram a escrita da história
ao longo do tempo, as mudanças de concepções, as reinterpretações, ou seja,
a rescrita constante da história, conforme apresentamos no inicio do artigo.
Optei por iniciar as discussões com base nas evidencias coletadas na
sala e agreguei a essas, as análises de Marc Bloch (2001) quanto à história e
ao seu objeto: “a história é a ciência dos homens no tempo” discuti a partir
dessa afirmativa a construção temporal da própria ciência histórica. Ao
decorrer destas discussões, apresentei autores como Reis (2001, p 8), onde “o
sujeito que fabrica a história (o historiador) realiza uma “reconstrução narrativa,
conceitual e documental em um presente” e Certeau (2007, p.65) afirmando
que os conhecimentos são construídos constantemente, não como verdade
absoluta, pronta e acabada, mas como uma “fabricação’’.
Diante destas afirmativas, o grupo reagiu questionando, seu aprendizado
anterior. Então, a história não existe? Questionaram. Para contemplar essas
questões e elucidar melhor a teoria proposta por Certeau (2007), voltei as
leituras e reflexões a partir de Bloch.“Neste momento pude rever mais uma vez
o meu conceito de história como verdade pronta acabada, um “ente” que existia
acima e além da temporalidade, apenas existia. Durante as leituras dos textos
ora feitos em grupo, ora feitos individualmente, fui questionado junto ao grupo,
e nos registros escritos acompanhando a mudança, assimilação, entendimento
e ressignificação do conceito de história.
Durante os encontros procurei partir do entendimento dos participantes
sobre os temas propostos em cada oficina. Depois desse processo,
4 Registro feito pela aluna Janaína Sutil no dia 06/03/2009. Durante o Laboratório de história oral no
Colégio Estadual Padre Sigismundo.
24
realizávamos leituras e, somente a partir de então, entabulávamos novos
debates que eram finalizados com o registro do processo de aprendizagem.
Nas discussões sobre memória pude observar as confusões entre
história e memória.
Para a maioria, memória consiste na lembrança. Lembrar, conforme o
registro feito “são fatos marcantes em nossa vida, que ficam arquivados na
memória.” 5
Outra afirmativa apontava que memória “é o conjunto de acontecimentos
que ficam na história que são lembradas.” 6
E ainda havia aquelas que, tais como a que apresentamos a seguir,
entendiam memória como sendo “a história registrada sobre os vários
acontecimentos que são lembrados, pois passam de geração em geração.”7
Para abordar esse assunto trabalhei com textos de Le Goff, a partir das
concepções desse autor encaminhei as leituras e atividades. Segundo
afirmação de Le Goff (2003, p.419) memória é:
“[...] um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o homem pode
atualizar impressões ou informações passadas, [...]” realizei um estudo do
texto, conduzindo uma discussão de maneira que os alunos pudessem
entender a memória como uma capacidade humana de guardar imagens,
informações, impressões sobre o passado, fragmentos dos acontecimentos.
Uma das atividades propostas foi o registro das memórias da infância e
socialização com o grupo do registro dessas memórias. Em seguida discutimos
aspectos como: a seleção da memória que eles fizeram, a subjetividade, a fala
do passado no presente, quanto a este último aspecto para melhor esclarecer
propus a concepção de que a memória é uma fala do presente , rememorando
5 Registro feito pela aluna Prycyla Paola de Paula no dia06/03/2009. Durante o Laboratório de história
oral no Colégio Estadual Padre Sigismundo.
6 Registro feito pela aluna Francielli Jacques Scheffer da Silva no dia 06/03/2009 Durante o Laboratório
de história oral no Colégio Estadual Padre Sigismundo.
7Registro feito pela aluna Janaína Sutil no dia 06/03/2009. Durante o Laboratório de história oral no
Colégio Estadual Padre Sigismundo.
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sobre um fragmento do passado , e parafraseando Le Goff, (2003) é ação que
atualiza impressões, lembranças.
Usei como exemplo ainda a própria fala deles, questionando sobre como
eles haviam falado, se haviam contado exatamente como tinha ocorrido ou
eles tinham atualizado sua fala, expressões.Com esta atividade a maioria do
grupo fez seus registros sobre memória, atualizando seus conceitos. A partir
dessas conclusões sobre memória, entabulamos discussões sobre fontes
históricas e documento.
Ao tratar desses conceitos percebi que eles entendiam o que eram
fontes históricas, mas quanto a documento a afirmação que mais registrei foi a
de “algo escrito, oficial, de código de lei”. De acordo com este conceito
formulado pude observar claramente a presença do pressuposto teórico da
historiografia do século XIX, onde a escrita da história deveria basear-se em
documentos escritos. Documento na concepção dos positivistas e metódicas
era o registro escrito, oficial, parafraseando Burke para estes a história se fazia
só com documentos escritos.
Então, trabalhei com a concepção de documento segundo Le Goff
(2003) o qual afirma que o documento não é neutro, é resultado da sociedade,
grupo que o produziu,fabricou diante do jogo de interesse e relações de forças
que possuíam o poder. Com a renovação metodológica do século XX,
principalmente a partir dos Annales, a concepção de documento é renovada e
desde então, ampliaram-se os documentos como: a iconografia, a oralidade e
outros vestígios produzidos pelos grupos humanos. Através da leitura e
análise, o grupo passou a reconhecer outras fontes históricas como
possibilidade de investigação ao historiador , inclusive os depoimentos orais.
Mediante o constante uso do termo ressignificar durante o andamento do
laboratório propus uma atividade que ilustrasse, possibilitasse eles perceberem
que era possível mudar de concepção, ressignificar não só conceitos teóricos,
mas também o nosso dia-a dia como pessoa e como docente. Durante a I
oficina após a realização de registro escrito apresentei ao grupo a sinopse e o
filme “O carteiro e o poeta” de diretor: Michael Redford/Com: Massimo Troisi e
26
Philippe Noiret, uma ficção a respeito de parte do exílio de Pablo Neruda
durante a Ditadura Militar chilena.
Numa bela ilha italiana, o poeta se torna amigo de um carteiro quase
analfabeto e, desta relação, nasce no carteiro o gosto pela palavra, bem como
a consciência política. Após o filme, discutimos a partir das idéias que o filme
retrata o ressignificar de conceitos, modo de ver a vida, a aprendizagem e
questionei como eles relacionavam o curso a idéia do filme. Este
encaminhamento metodológico proporcionou um debate bem positivo onde foi
registrado o que cada um deles estava ressignificando ao longo do curso.
Iniciei a oficina II com o estudo da metodologia de história oral, a partir
de Alberti (2005). Inicialmente estudamos a constituição da metodologia ao
longo da história, com a renovação metodológica da concepção de documento.
As especificidades da metodologia, as possibilidades de uso dessa
metodologia no ensino de história nas séries iniciais, a ética, a postura exigida
na aplicação da metodologia. À medida que aconteciam as leituras e atividades
sobre a metodologia observei junto ao grupo que eles estavam curiosos sobre
a história oral, muitos afirmaram não terem nenhum conhecimento, isso
promoveu entre eles uma motivação para buscar nas leituras o aprendizado.
Com o estudo sobre a metodologia, desdobramos para a aplicação
daquilo que se havia aprendido na teoria.
Inicialmente estava proposta uma pesquisa e entrevistas para registro da
história da comunidade, porém devido ao pouco tempo disponível para
aplicação do laboratório e impossibilidade de realizar com profundidade e rigor
necessário a aplicação da metodologia de história oral optou-se por uma
temática mais passível de realização, com os membros da comunidade
escolar. O grupo entendeu que devido a essa proximidade seria mais fácil de
aplicar as entrevistas, desenvolver a pesquisa.
A temática proposta foi trabalharmos com a coleta de memórias acerca
das representações cotidianas do trabalho. De acordo com o que estava
proposto e devido ao desejo de oportunizar aos alunos olhares diferente sobre
a história, perguntei ao grupo: Que sujeitos queremos ouvir? Que memórias
queremos registrar? Quem são os sujeitos invisíveis na escola?
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A escolha foi entrevistar aqueles sujeitos quase invisíveis, trabalhadores
reconhecidos comumente como “o pessoal do serviço geral,” ou agentes de
apoio, codinomes que se dá aqueles que realizam a limpeza e organização do
espaço escolar.
Em seguida, dividimos o grupo em duplas. Neste momento do curso já
contávamos com 22 participantes. Cada equipe escolheu os sujeitos a serem
entrevistados pelo critério de afinidade e proximidade com os entrevistados.
Então, retomamos as especificidades, os critérios e a ética que envolvia as
entrevistas. Na seqüência, voltamos a rever sobre como é importante o
entrevistado falar espontaneamente, criar um vínculo com o entrevistador,
sentir-se seguro para lembrar, falar. Reafirmamos conforme as orientações no
manual de história oral que o relato de história oral é um documento que se
constitui a partir da relação estabelecida entre o entrevistado e entrevistador
durante as entrevistas. As duplas iniciaram o contato inicial, tomando os
cuidados necessários, colhendo os dados biográficos, explicando sobre os
objetivos da pesquisa, esclarecendo sobre a cessão de direitos e marcando as
datas para realização das entrevistas.
Para nortear as entrevistas elaborei um texto síntese com todas as
informações, procedimentos necessários à realização das entrevistas. Os
procedimentos, e cuidados entre outros, que devem ser tomados, pois a
entrevista constitui-se em um diálogo, com maior espaço para o discurso do
entrevistado. As perguntas devem ser abertas e não aquelas que induzam a
respostas como “sim ou não”. Cercar o tema pesquisado de “porquê?, o que?,
onde?, quando?,como?, quem?, etc. Formular perguntas simples,curtas e
diretas , deve-se evitar introduções extensas.Em caso de repetições constantes
de uma mesma resposta o entrevistador pode gentilmente interromper falando
“o senhor já nos contou sobre isso”.Essa orientações e outras que estavam
contempladas no caderno pedagógico foram retomadas afim de evitar erros.
No encontro seguinte os alunos receberam as folhas para o sumário, e
o roteiro geral das entrevistas, uma vez que já haviam feito o contato inicial foi
possível fazer os roteiros individuais, a partir da biografia dos
entrevistados.Observei uma grande ansiedade em relação as entrevistas ,
28
preocupações quanto ao como falar no gravador e outros aspectos
técnicos.Para obter êxito eles começaram a treinar gravações de cabeçalhos,
introdução de uma entrevistas, ouvir e corrigir as falhas.
No decorrer da aplicação das entrevistas, ocorreram mais encontros,
onde alguns já tinham realizados duas sessões de entrevistas, enquanto outras
duplas não tinham conseguido conversar com seu entrevistado, os atrasos
justificam-se entre outras dificuldades, devido ao recesso escolar decretado
pelo governo de estado. Apesar, da sobrecarga de tarefas no retorno as aulas,
e os contratempos, as entrevistas foram realizadas dentro das datas que
estipulamos.
Antes de iniciar as transcrições dos relatos orais, retornamos ao texto
contendo as orientações e mais uma vez analisamos o papel do entrevistador,
a responsabilidade que implica, uma vez, que não estamos tratando de um
documento escrito, um papel, mas relatos, as memórias, trabalhando com
pessoas, que possuem valores, representações de mundo. Em seguida o
grupo recebeu um texto contendo as principais exigências, cuidados da
transcrição.
Durante as transcrições, os participantes começaram a perceber as
mudanças na entonação de voz, o silêncio, a euforia, e realizar as transcrições
com muito cuidado, voltando à fita sempre que necessário para conferir as
falas. O grupo passou a relatar como era interessante ouvir as outras pessoas,
suas memórias, alguns se impressionaram com as histórias relatadas pelos
entrevistados.
Para encerrar, os entrevistadores voltaram aos “seus” entrevistados para
que estes conferissem os depoimentos para então assinar o termo de cessão
de direitos. Nesta fase os participantes já estavam animados com a finalização
das atividades, comentar, partilhar as aprendizagens.
Para encerrarmos as atividades realizamos uma visita à UNICENTRO,
onde os alunos após conhecerem a universidade, no Campus de Santa Cruz,
fizeram uma visita ao centro de memória, onde eles receberam explicações
sobre os procedimentos na pesquisa, no uso das fontes. Durante o retorno
conversando com eles percebi um interesse ainda maior por história e
29
memória. Muitos reconheceram o sonho de cursar uma faculdade, ampliar
conhecimentos.
Para registrar suas experiências, os participantes elaboraram o que
chamei de “memorial descritivo”, onde foram relatados conceitos, e suas
expectativas quanto à aplicabilidade da metodologia.
Após a leitura dos memoriais, observei algumas mudanças de postura,
conceito em relação ao que foi discutido, estudado e pesquisado. Percebi que
houve mudanças, como foi registrado: “que a história nunca será acabada , ela
sempre está em construção”.8 Aqui pontua-se a mudança de uma idéia de
estática, de verdades absolutas para a concepção de história como filha de seu
tempo, em construção.Outro exemplo “ Ao fazermos as entrevistas , não foi
para olhar como é a vida das pessoas e sim para valorizar sua profissão,
cultura, seu modo de pensar e as contribuições para a história, pois a história é
de todos.” 9
No registro, memorial de outra aluna, fica claro a mudança de conceito,
“Quando existe uma história, há muitas memórias.”10 E a relação que esta fez
entre história e memória, colocando a memória com matéria- prima do
historiador, ou seja, uma história muitas memórias. Sobre isso “um aluno disse
em seu relato: “as memórias são documentos”,11 ou seja, o conceito de
documento observado no início do curso foi alterado.
8 Registro feito pela aluna Francielli Jacques Scheffer da Silva no dia 25/09/2009 durante o Laboratório
de história oral no Colégio Estadual Padre Sigismundo.
9 Registro feito pela aluna Janete Alves Ferreira Rodrigues no dia 25/09/2009 durante o Laboratório de
história oral no Colégio Estadual Padre Sigismundo.
10 Registro feito pela aluna Marciele Kozak no dia 25/09/2009 durante o Laboratório de história oral no
Colégio Estadual Padre Sigismundo.
11Registro feito pelo aluno Junior Cesar de Oliveira Lopes no dia 25/09/2009 durante o Laboratório de
história oral no Colégio Estadual Padre Sigismundo.
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Outra aluna escreveu: “memória e história são coisas diferentes, mas
que de certa forma estão interligada”.12 Fica claro na fala dessa aluna a
percepção da relação que existe entre memória e história,ao mesmo tempo em
que a memória é fonte histórica para o historiador a memória se refaz, atualiza-
se é uma fala do presente sobre o passado, enquanto que cabe a história
enquanto ciência e ao oficio do historiador registrar dar significado às
memórias, diria ainda que existam muitas histórias e muitas memórias.
Enfim ao longo do projeto, quer seja nas discussões de ordem teórica ou
na aplicação da oficina, muitos saberes foram revelados e apreendidos
revelando avanços quanto aos saberes escolares, contudo, persiste ainda,
entre alguns, representações de senso comum, tal como aquela que vê história
como um passado, como algo possível de ser resgatado.
Considerações Finais.
A experiência com a implementação do Laboratório de história oral no
Colégio Estadual Padre Sigismundo no ano de 2009 permitiu a revisão
conceitual e da minha prática escolar ao longo de minha atuação como
docente. Essa questão também é valida para os conceitos história, memória e
documento. Esse trabalho implicou em uma mudança de posturas, disposição
em mergulhar na busca de respostas, indagar constantemente, auto-avaliar,
desconstruir idéias, mas é nesse processo analítico-crítico da teoria e da
prática que a aprendizagem se efetiva. Os objetivos propostos, que eram o de
possibilitar a construção de um conhecimento histórico pautado nos postulados
historiográficos da história cultural, tendo como forma de abordagem
intervencionista a metodologia da história oral, para o ensino de história local,
mediante a capacitação do corpo discente do curso de formação de docentes
da 2ª e da 3ª séries, foram atingidos, na medida em que considerarmos que
12 Registro feito pela aluna Leticia Fernanda Oberger Ganzala no dia 25/09/2009 durante o Laboratório
de história oral no Colégio Estadual Padre Sigismundo.
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ninguém esta pronto o suficiente, que não há verdades absolutas, imutáveis
houve sim um crescimento intelectual que se renovará, pois assim como o
saber histórico se refaz, atualiza-se dentro de postulados contemporâneos, é
preciso estar sempre buscando respostas, revendo os conhecimentos que
implicam a prática de docente de história.Não entendo porém esse repensar
como os modismos e propostas pautadas em um relativismo, onde a história
perde sua identidade, sua temporalidade, mas sim num repensar os conceitos
teórico-metodológico aberto a novos olhares, que responda as perguntas do
tempo presente.
O enfoque dado a memória nos relatos de história oral, reafirma que
não há como pensar, entender o documento escrito, oficial como detentor da
verdade, mesmo porque as verdades são subjetivas e mutáveis, depende de
muitas implicações, muitas indagações interesses,enfim depende do
historiador, de suas concepções.Entender a memória com uma das possíveis
fontes históricas remete a idéia de diversidade, de ouvir e registrar aqueles que
em outros momentos históricos foram excluídos da história oficial.
Em suma acreditamos que a realização do laboratório de história oral,
possibilitou aprendizagens significativas para os alunos envolvidos, futuros
docentes, conhecimento sobre conceitos que envolvem a prática do professor,
novas abordagens que ampliam as possibilidades de ação educativa.
Oportunizou ao grupo momentos de leitura, discussão e experiência.
Enquanto profissional da educação, coloquei abaixo o paradigma
estruturalista para dar espaço para uma ciência dinâmica dos homens no
tempo. E, se não vivenciei a revolução proletária, a qual o marxismo me deixou
em debito, vivencio a cada dia uma revolução que se opera no campo
conceitual à medida que me aprofundo no universo da escrita da história.
Referências Bibliográficas
ALBERTI, Verena. Manual de História Oral. 3.ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005.
_______________. Ouvir contar: textos em História Oral.Rio de Janeiro: FGV, 2004.
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