laboratório de estudos da violência e segurança. criação

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RELATÓRIO CIENTÍFICO FINEP Laboratório de Estudos da Violência e Segurança. Criação de um centro interdisciplinar de Estudos da Violência, Segurança e Qualidade de Vida Coordenadora: Dra. Sueli Andruccioli Felix POLÍTICAS PÚBLICAS E VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM ARARAQUARA Processo nº: 01.06.0798.00 Período: novembro de 2006 / fevereiro de 2009 FCL-UNESP – Campus de Araraquara Março - 2009

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RELATÓRIO CIENTÍFICO FINEP

Laboratório de Estudos da Violência e Segurança.

Criação de um centro interdisciplinar de Estudos da Violência, Segurança e Qualidade de Vida

Coordenadora: Dra. Sueli Andruccioli Felix

POLÍTICAS PÚBLICAS E VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM ARARAQUARA

Processo nº: 01.06.0798.00

Período: novembro de 2006 / fevereiro de 2009

FCL-UNESP – Campus de Araraquara

Março - 2009

SUBPROJETO: POLÍTICAS PÚBLICAS E VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM ARARAQUARA

Equipe Unesp Araraquara: Profª Drª Maria Teresa Miceli Kerbauy (Coordenadora) Profª Drª Darlene Aparecida de Oliveira Ferreira Estagiários Rodrigo dos Santos (doutorando) Carla A. Barreto (doutoranda)

Resumo

O objetivo deste projeto foi diagnosticar através das

ocorrências registradas no Conselho Tutelar, os casos de violência

contra crianças e adolescentes, identificando os territórios que detém os

maiores índices desse tipo de violência e suas causas no município de

Araraquara.

Araraquara está localizada na região central do estado de São

Paulo e tem uma população aproximada de 200 mil habitantes. Apesar

de ter um baixo índice de exclusão territorial, tem apresentado inúmeros

casos de violência contra crianças e adolescentes.

O período considerado para o levantamento das ocorrências foi

de 2002 a 2006, o que nos permitiu construir um banco de dados que,

somados aos dados já coletados para uma primeira etapa do projeto

(1997 a 2001), financiado pela Fapesp, constituem uma série histórica de

dez anos.

A sistematização dos dados e o mapeamento em meio digital

permitiu o diagnóstico dos territórios com elevados índices de violência

contra crianças e adolescentes de forma a contribuir para formulação e

implementação de políticas públicas mais efetivas pelas instâncias

decisórias municipais.

Relação de Mapas Mapa I. Malha Digital para Localização dos Eventos de violência .................. 23 Mapa II. Bairros com maior número de ocorrências de violência contra

crianças e adolescentes ........................................................................ 24 Mapa III. Identificação das três áreas de influência ......................................... 29 Mapa IV. Primeira área de influência ................................................................. 31 Mapa V. Segunda área de influência ................................................................. 32 Mapa VI. Terceira área de influência .................................................................. 33 Mapa VII. Primeira área de não-influência (Região Nordeste) ......................... 34 Mapa VIII. Segunda área de não influência (Região Sudoeste) ....................... 35 Mapa IX. Terceira área de não-influência (Região Central) .............................. 36 Mapa X. Localização das Instituições ............................................................... 42 Mapa XI. Mapa das Instituições de Políticas Públicas. Região Central

(Centro, Jardim Brasil e Vila Xavier) ..................................................... 43 Mapa XII. Aparelho público em Araraquara ...................................................... 49

Relação de Tabelas Tabela I. Incidências para número de habitantes nos bairros de 2002 a

2006 ..................................................................................................... 25 Tabela II. Classificação segundo o número de habitantes e a classificação

geográfica ........................................................................................... 27 Tabela III. Endereços das Instituições ............................................................... 50

SUMÁRIO

Apresentação ............................................................................................... 7 1. Crianças e Adolescentes: as mudanças introduzidas pelo ECA ..... 12 2. Os Conselhos Tutelares de Araraquara ............................................. 16 3. Atividades desenvolvidas e resultados obtidos ............................... 17

3.1. Coleta das informações e construção do banco de dados .......................................................................................... 17

3.2. Malha Digitalizada ......................................................................... 23 3.3. Áreas de influência da Violência contra Crianças e

Adolescentes .............................................................................. 29 3.4. Características Sócio-Econômicas e acesso às Políticas

Públicas ...................................................................................... 38 4. Considerações finais ............................................................................ 51 5. Bibliografia ............................................................................................ 53 Anexos Anexo I – Lei de Criação do Conselho Municipal dos Direitos da

Criança e do Adolescente e do Conselho Tutelar Anexo II – Edital de Convocação do Processo Eleitoral do Conselho

Tutelar Anexo III – Ficha de Coleta Anexo IV – Banco de Dados: formulários de Atendimento 2002,

2003, 2004, 2005 e 2006 Anexo V – Violência contra Criança e Adolescentes nos bairros

definidores de áreas de influência Anexo VI – Violência, características sócio-econômicas e acesso à

Políticas Públicas Anexo VII – Mapa dos Aparelhos Públicos em Araraquara

7

Apresentação

O objetivo deste projeto foi diagnosticar através das

ocorrências registradas no Conselho Tutelar, os casos de violência

contra crianças e adolescentes, identificando os territórios que detém os

maiores índices desse tipo de violência e suas causas no município de

Araraquara.

Araraquara está localizada na região central do estado de São

Paulo e tem uma população aproximada de 200 mil habitantes. Apesar

de ter um baixo índice de exclusão territorial, tem apresentado inúmeros

casos de violência contra crianças e adolescentes.

O período considerado para o levantamento das ocorrências foi

de 2002 a 2006, o que nos permitiu construir um banco de dados que,

somados aos dados já coletados por uma primeira etapa do projeto

(1997 a 2001), financiado pela Fapesp, constitui uma série histórica de

dez anos.

Através da coleta, da organização e da análise de 9.577 Fichas

de Atendimento (FA’s) que possuíam endereço completo para

identificação das quadras dentro das 15.000 FA’s arquivadas no

Conselho Tutelar I e II do Município de Araraquara, foi possível mapear e

qualificar as áreas com registros de casos de violência contra crianças e

adolescentes.

Para evitar a generalização que pode ocorrer quando se

considera apenas os bairros como unidade de análise, optou-se, na

pesquisa, por utilizar as quadras como as menores unidades de análise.

O mapeamento das FA’s sendo realizado por quadras, permite uma

maior exatidão na localização das ocorrências, indicando,

especificamente, os locais mais problemáticos no interior dos bairros.

Porém, manteve-se possível a sobreposição dos limites dos bairros

sobre a malha de quadras, preservando desta forma a relação entre o

evento mapeado e o bairro.

8

Para o levantamento e a análise das informações, foram

utilizadas como parâmetro as diretrizes do Estatuto da Criança e do

Adolescente. Foram definidas como criança as vítimas com idade entre

0 e 12 anos e como adolescente as vítimas entre 13 e 18 anos. Quanto

ao indicador natureza do problema, foram considerados todos os casos

que envolvessem a integridade física da criança e do adolescente e,

também, casos relativos a questões educacionais, financeiras,

psicológicas e de saúde, entre outras. Para a sistematização dos dados e

a espacialização dos mesmos, foram elaborados categorias de análise e

um conjunto de códigos que resultaram na agregação das informações.

Destaca-se, na coleta dos FA’s, a mudança no padrão de

preenchimento dos registros das ocorrências no Conselho Tutelar após o

ano de 2002. Primeiramente, as FA’s substituíram os Boletins de

Atendimento (BA’s) das gestões anteriores. A principal justificativa para

esta troca foi o fato de muitos atendimentos não serem considerados

mais graves e portanto não deveriam ser incorporados em um Boletim de

Atendimento, ficando este apenas para os casos de reincidência. Dos

9.577 formulários de atendimento preenchidos, 4.288 foram

considerados reincidentes e portanto transformados em Boletim de

Atendimento.

Algumas FA’s tornaram-se inválidas para o georeferenciamento

das informações por não apresentarem o endereço das vítimas. Outra

informação pouco registrada foi a da escolaridade das vítimas. De forma

geral, apenas os seguintes dados foram registrados de forma isométrica:

data da FA, natureza do problema, reincidência, sexo da vítima, idade da

vítima, endereço, bairro, denunciante, escolaridade e indiciado.

O padrão adotado com a implementação das FA’s redefiniu os

critérios de classificação da natureza do problema, que passou a ser

registrado através de categorias estabelecidas por tabelas de controle.

As categorias da natureza dos problemas determinadas pelo Conselho

Tutelar são: abandono, abandono intelectual, abuso/exploração sexual,

9

alcoolismo, assistência e programas sociais, atentado violento ao pudor,

autorização de viagem, conflito familiar, desaparecimento, desvio de

comportamento, discriminação, drogadição, exploração do

trabalho/mendicância, fiscalização, gravidez precoce, indisciplina escolar,

infrequência/evasão escolar, maus tratos, negligência, orientação de

alimentos, orientação de guarda/adoção, orientação e reconhecimento da

paternidade, programa de esporte, prostituição, recambiamento,

requisição certidão de nascimento, requisição curso profissionalizante,

requisição abrigo, requisição assistente judiciário, requisição serviços

médicos, requisição transporte/passe escolar, requisição vaga em

creche, requisição vaga em escola, termo de responsabilidade, outros.

Ressalta-se que a categoria outros passou a ser utilizada como

complemento das demais categorias, exemplificando-as.

Cinco procedimentos compreenderam o trabalho de

atualização da malha urbana para o diagnóstico georeferenciado da

violência contra crianças e adolescentes em Araraquara: primeiro, a

coleta e a digitalização dos dados disponíveis nos Conselhos Tutelares.

Segundo, a codificação dos dados necessários e possíveis de

mapeamento, no caso do período coletado, tem-se as quadras, os

bairros, as naturezas dos problemas, as idades, os sexos, as

reincidências e as escolaridades. Terceiro, o georeferenciamento e a

geração dos mapas. Quarto, a adição da FA’s dos anos de 2002, 2003,

2004, 2005 e 2006 junto ao banco de dados de 1997, 1998, 1999, 2000 e

2001. Quinto, a geração e a formatação dos mapas em modelo de papel

A4.

Dentre as metas atingidas podemos destacar:

1) A constituição de um banco de dados de uma série histórica de

dez anos (1997-2006) para consulta pública sobre violência contra

crianças e adolescentes em Araraquara;

2) Georeferenciamento das informações coletadas, constituindo um

referencial espacial para a análise de políticas públicas;

10

3) Geração e formatação de mapas do município e dos bairros;

4) Curso realizado por Rodrigo dos Santos, estagiário no projeto, para

o uso do Terra View, no Centro de Estudos da Metrópole (CEM),

Cebrap, agosto de 2008;

5) Participação nos eventos:

- 3º Encontro de Segurança Pública e Cidadania – Unesp, Marília,

Coordenadora de Mesa, 2007;

- 4º Encontro de Segurança Pública e Cidadania, Unesp, Marília, 2009.

6) Apresentação de trabalhos:

- Darlene Ap. de O. Ferreira. Procedimentos metodológicos em pesquisa:

Políticas Públicas e violência contra crianças e adolescentes, 3º Encontro

de Segurança Pública e Cidadania, Unesp, Marília, 2007;

- Maria Teresa M. Kerbauy. Violência contra crianças e adolescentes. 4º

Encontro de Segurança Pública e Cidadania, Unesp, Marília, 2009;

7) Artigos Publicados:

- KERBAUY, M.T.M., FERREIRA, D.A.de O., SANTOS, R., BARRETO,

C. Políticas Públicas e violência contra crianças e adolescentes: uma

proposta metodológica, Revista Levs, v. 1, p. 61-74, 2008.

- KERBAUY, M.T.M., SANTOS, R. Políticas Públicas para crianças e

adolescentes: violência, conflito familiar e distúrbios escolares, Revista

Levs, v. 2, p. 59-81, 2008.

8) Participação em Curso de Especialização sobre Segunraça Pública

a ser oferecido pela Unesp/Campus de Marília. Maria Teresa Miceli

Kerbauy, disciplina Políticas Públicas e Decisão de Governo em

Segurança Pública;

9) Professora colaboradora do mestrado profissionalizante em

Segurança Pública a ser oferecido pela Unesp. Disciplina Políticas

Públicas e Decisão de Governo em Segurança Pública. Maria Teresa

Miceli Kerbauy.

10) Orientação de pesquisas sobre o tema em Iniciação Científica,

Mestrado e Doutorado;

11

11) O produto final deste relatório será a publicação de dois artigos

em revistas indexadas para divulgação dos resultados alcançados.

Este texto está dividido em três partes.

No capítulo primeiro procuramos analisar as mudanças

introduzidas pelo ECA em relação às políticas a serem efetivadas para

crianças e adolescentes.

No segundo capítulo tratamos especificamente da criação dos

Conselhos Tutelares e em especial o de Araraquara e o seu papel no

registro da violência contra crianças e adolescentes.

No capítulo terceiro estão relatadas as atividades

desenvolvidas durante a pesquisa, coleta de informações, construção do

banco de dados, a construção da malha digitalizada e dos mapas

temáticos e a metodologia utilizada para análise.

Os resultados obtidos estão analisados nos itens: áreas de

Influência da violência contra crianças e adolescentes e características

sócio-econômicas e acesso às políticas públicas. Para esta análise

optamos por colocar os dados em anexo para facilitar a leitura do texto.

Nas considerações finais enfatizamos a importância da

dimensão territorial no diagnóstico da violência contra crianças e

adolescentes e na definição de políticas públicas municipais que

garantam acesso universal e de qualidade das populações residentes na

periferia dos municípios.

12

1. Crianças e Adolescentes: as mudanças introduzidas pelo ECA

Crianças e adolescentes foram por décadas vítimas frequentes

de violência urbana e doméstica. Um dos fatores que contribuíram para

que isso ocorresse é a percepção, culturalmente difundida, de que este

público não possuía direitos como cidadãos, ficando sempre sob a tutela

da lei e da família.

O Estatuto da Criança e do Adolescente enfrenta esta tradição

cultural, trazendo profundas mudanças no direito infanto-juvenil,

adotando a doutrina da proteção integral dos direitos da criança e do

adolescente.

Afirma em seu Artigo 3°:

A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta lei, assegurando-lhes por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

O ECA introduz significativas mudanças na gestão de políticas

de atendimento à criança e o adolescente. Este atendimento deve-se

realizar por meio de políticas sociais e assistenciais, significando acesso

à educação, saúde, esporte, lazer, recreação, profissionalização, etc.

Também ficam asseguradas as condições mínimas de bem-estar e

dignidade àqueles que estão, de forma momentânea ou permanente,

vulneráveis e, portanto, desassistidos em suas necessidades básicas.

As Diretrizes da política de atendimento (Art. 88 do ECA) são:

Municipalização do atendimento.

Criação de conselhos municipais, estaduais e nacionais.

Criação e manutenção de programas específicos, obedecendo os

princípios da descentralização político-administrativa.

13

Manutenção dos fundos municipais, estaduais e nacionais

vinculados aos respectivos conselhos.

Integração operacional dos órgãos envolvidos no atendimento de

adolescente a quem se atribui autoria de infração.

Mobilização da opinião pública visando a participação no êxito

desta política.

As entidades e programas de atendimento estabelecidos pelo

artigo 90º do ECA, devem atuar nas áreas de orientação e apoio sócio-

familiar, apoio sócio-educativo em meio aberto, colocação familiar,

abrigo, liberdade assistida, semi-liberdade e internação.

As entidades devem proceder à inscrição de seus programas,

especificando os regimes de atendimento, na forma definida no art. 90,

junto ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente,

que comunicará ao Conselho Tutelar e à autoridade judiciária.

1.1. O conceito de criança e adolescente

O ECA define em seu artigo 20º como criança a pessoa até 12

anos de idade incompletos e como adolescente a pessoa de doze a

dezoito anos.

Se o agente infrator for criança será submetido às medidas de

proteção (Artigo 105 e 101).

Se for adolescente serão aplicadas as medidas sócio-

educativas (Artigo 112) e eventualmente as medidas de proteção.

As medidas de proteção às crianças e aos adolescentes serão

aplicadas sempre que os direitos resguardados do ECA forem

ameaçados ou violados por ação ou omissão do Estado e da sociedade,

por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsáveis, ou ainda em razão

da conduta do menor.

14

A aplicação dessas medidas estará vinculada às necessidades

pedagógicas, considerando-se a situação peculiar da pessoa em

desenvolvimento, visando o fortalecimento dos vínculos familiares e

comunitários.

Às crianças infratoras serão aplicadas medidas de proteção.

Aos adolescentes serão aplicadas medidas sócio-educativas e

eventualmente as de proteção.

As medidas sócio-educativas são aquelas que visam à

reeducação do infrator, sua reintegração na sociedade e principalmente

na sua própria família. As medidas possíveis são: i) Advertência,

obrigação de reparar o dano. ii) Prestação de serviços à comunidade. iii)

Liberdade assistida. iv) Inserção em regime de semi-liberdade. v)

Internação em estabelecimento educacional.

A área de atenção aos autores da infração requer a integração

e articulação entre o Poder Judiciário, a Segurança Pública, a Secretaria

da Educação e o conjunto dos serviços e programas de atendimento

direto.

Existem diferentes interpretações quanto à responsabilidade

institucional de execução das medidas de privação de liberdade: Estado

ou município.

A designação do Estado como responsável por “zelar pela

integridade física e mental dos internos, cabendo-lhes adotar as medidas

adequadas de contenção e segurança” estão no Artigo 125º do ECA.

Alguns estudiosos e profissionais da área entendem, que são

de competência do Estado apenas as questões relativas à segurança e à

contenção. Para eles, o programa sócio-educativo, a ser desenvolvido

junto ao adolescente, deve estar sob responsabilidade dos municípios.

Os órgãos responsáveis pelas ações da política de

atendimento, instituídos pelo ECA, são:

- Conselhos de Direitos

- Conselhos Tutelares

15

- Fundos Gestores

De acordo com o ECA os três órgãos devem visar: i) a

formulação de políticas e a fiscalização do poder público. ii) a mudança

de mentalidade de suas comunidades. iii) garantia de políticas públicas

específicas para as crianças e os adolescentes.

O ECA propõe ainda um re-ordenamento de todas as

instituições relacionadas com a infância: o Poder Judiciário, o Poder

Executivo, as organizações não governamentais e a comunidade.

A articulação destas instituições é necessária tendo em vista

que muitos problemas das crianças e dos adolescentes decorrem da

vulnerabilidade de suas famílias e do fracasso de políticas de educação,

saúde, trabalho, moradia, saneamento e lazer.

O Conselho de Direito da Criança e do Adolescente é um fórum

de discussão e formulação da política social da criança e do adolescente

com co-responsabilidade dos poderes públicos e da sociedade civil.

È um órgão deliberativo de controle das ações em todos os

níveis, assegurada a participação popular, paritária por meio de

organizações representativas (Art. 88). Deve controlar as ações

institucionais em todos os níveis.

A averiguação sobre o cumprimento ou não das políticas

públicas de atendimento à população infanto-juvenil no Município, de

acordo com princípios constitucionais e legais contidos no Estatuto, é de

responsabilidade do Conselho de Direito da Criança e do Adolescente

Por este entendimento cabe aos municípios a coordenação

local e execução direta das políticas e programas destinados à infância e

à adolescência, preferencialmente em parceria com as entidades não

governamentais.

“O Conselho Tutelar é órgão permanente e autônomo, não

jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos

direitos da criança e do adolescente”. Artigo 131 do ECA.

16

Cabe a ele receber denúncias de suspeitas e casos concretos

de ameaça ou violação de seus direitos – não freqüentar a escola, não

ter acesso à saúde, não viver em condições dignas - e garantir a

proteção integral das crianças, quando estas (pessoas de até 12 anos)

forem acusadas de prática de delitos.

2. Os Conselhos Tutelares de Araraquara

Desde a década de noventa funciona em Araraquara o

Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e um

Conselho Tutelar.

Em 2001 por determinação do governo municipal foi

promulgada a Lei nº 5720, de 22 de novembro de 2001 que cria o

Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente –

Comcriar, o Conselho Tutelar do Município e dá outras providências

(Anexo I), procurando normatizar de forma mais adequada o atendimento

de crianças e adolescentes, na perspectiva da política municipal de

atendimento a estas categorias sociais.

A lei considera como órgãos desta política o Conselho

Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente – Comcriar e o

Conselho Tutelar.

Foram criados dois Conselhos Tutelares cuja área de atuação

está delimitada pela linha férrea que corta o município.

Os conselhos são compostos por cinco membros, eleitos para

mandato de 3 anos, permitida uma reeleição. A eleição se dará através

do voto facultativo, direto e secreto, pelos cidadãos maiores de 16 anos,

no uso e gozo de seus direitos civis e eleitorais, inscritos na

Circunscrição eleitoral de Araraquara ( Anexo II).

A criação de um segundo Conselho Tutelar introduziu

diferenças na sistemática de preenchimento das fichas e boletins de

17

atendimento. Estas diferenças estão relacionadas à composição dos

Conselhos. No Conselho Tutelar I membros antigos permaneceram, o

que provocou muitos atritos, não só internamente, como também com

membros do recém criado Conselho Tutelar II.

Estas questões refletiram nas dificuldades que tivemos para a

coleta dos dados.

No Conselho Tutelar I o espaço é restrito e desorganizado, não

sendo oferecido ao pesquisador um local adequado para a coleta. Era

uma cadeira ou um sofá com o computador no colo.

A troca do conselheiro responsável, como também a mudança

do espaço físico, devido ao despejo, o ingresso de uma nova secretária

foram fatores que colaboraram para a exaltação dos ânimos entre os

conselheiros e dificuldades nas relações interpessoais. As discussões

tornaram-se diárias culminando com a presença de policiais para

registrar um BO entre os conselheiros e a secretária.

No Conselho Tutelar II o espaço é bem mais organizado, tendo

sido oferecido ao pesquisador condições adequadas de trabalho. O

preenchimento das fichas é feito de maneira mais criteriosa.

Existe também entre os membros dos dois conselhos uma

discussão sobre o papel que devem exercer: se simples mediador das

demandas para crianças e adolescentes, garantindo os seus direitos ou

se agentes atuantes na formulação de políticas e na fiscalização do

poder público.

3. Atividades desenvolvidas e resultados obtidos

3.1. A coleta das informações e a construção do banco de dados

O levantamento das informações contidas nas FA’s (Fichas de

Atendimento) e nos BA’s (Boletins de Atendimento) registradas nos

Conselhos Tutelares I e II de Araraquara nos permitiram a montagem de

18

um banco de dados que contém uma série histórica de dez anos (A

coleta dos dados foi iniciada em projeto anterior de Políticas públicas

financiado pela FAPESP e compreendeu o período de 1997 a 2001),

completada agora com os levantamentos para os anos de 2002, 2004,

2005, 2006.

As fichas de atendimento (anexo III) substituíram os boletins de

atendimento utilizados até 2001. A principal justificativa para essa troca

foi o fato de muitos atendimentos não se configurarem enquanto

categorias consideradas mais graves para serem incorporadas em um

Boletim de Atendimento, mas vale ressaltar que conforme a criança ou

adolescente seja encaminhada ao conselho com freqüência procede-se à

abertura de Boletim de Atendimento.

As fichas de atendimento compreendem principalmente as

informações referentes à idade da criança e do adolescente: endereço do

ocorrido, endereço dos pais ou do denunciante, se é o primeiro

atendimento. Um grande número das fichas não contém o nome do

denunciante. Quando a criança retorna para o atendimento é aberta nova

ficha, que é anexada à ficha já existente.

As categorias utilizadas nos dois conselhos são as mesmas,

porém a forma de registro é diferenciada de conselho para conselho e de

conselheiro para conselheiro. As categorias que compõem o quadro de

atendimentos são subscritas abaixo. Abandono Abandono intelectual Abuso/ exploração sexual Alcoolismo Assistência e programas sociais Atentado violento ao pudor Autorização de viagem Conflito familiar Desaparecimento Desvio de Comportamento Discriminação Divulgação do ECA Drogadição Exploração do trabalho/ mendicância

19

Fiscalização Gravidez precoce Indisciplina escolar Infrequência / evasão escolar Maus tratos Negligencia Orientação alimentos Orientação de guarda/ adoção Orientação e reconhecimento da paternidade Programa de esporte Prostituição Recambiamento Requisição certidão de nascimento Requisição curso profissionalizante Requisição abrigo Requisição assistente judiciário Requisição serviços médicos Requisição transporte/ passe escolar Requisição vaga em creche Requisição vaga em escola Termo de responsabilidade Outros

20

Geralmente, a categoria Outros é utilizada para explicar ou

completar uma das demais categorias, por exemplo, na requisição de

transporte escolar a categoria outros significa demarcar também o

pedido de material escolar.

Esta demarcação na ficha de atendimento talvez seja o

aspecto mais complicado, muitas vezes aparece mais de uma ficha de

atendimento do mesmo menor, no mesmo dia com demarcação em

categoria diferente, exemplo: ficha 1 maus tratos, ficha 2 desvio de

comportamento, ficha 3 negligência. Em algumas situações as fichas

referem-se a uma criança ou adolescente, mas como no exemplo

anterior além de mudar a categoria de atendimento, também é incluída

outra(s) criança (s) ou adolescente (s), vale ressaltar que no Conselho I

esse problema é mais constante e se apresenta de forma incessante nas

fichas de atendimento de 3 conselheiros.

Para criarmos as nossas categorias de análise partimos dos

tipos de violência, considerados pela literatura, contra criança e

adolescente:

- Violência física – aquelas que podem provocar, ou não, lesões

externas, internas ou ambas. O castigo repetido não severo, também é

considerado violência física.

- Violência psicológica – aquelas consideradas como a interferência

negativa sobre a criança e sua competência social. As formas mais

comuns são: rejeitar, isolar, aterrorizar, ignorar, corromper e criar

expectativas irreais ou extremadas sobre criança ou adolescente.

- Violência sexual – aquelas entendidas como todo ato ou jogo sexual,

relação heterossexual ou homossexual, , na qual o agressor está em

estágio de desenvolvimento psico-social mais adiantado que a criança

ou adolescente.

- Negligência – omissão em prover as necessidades físicas e emocionais

de uma criança ou adolescente. Quando os pais ou responsáveis

21

falham em alimentar, vestir adequadamente, medicar ou educar seus

filhos. Acidentes também podem ser classificados como um tipo de

negligência, quando passíveis de prevenção ou resultam do descuido

dos responsáveis ou da falta de investimento público.

As categorias utilizadas pelos Conselhos Tutelares para

registro das fichas de atendimento foram consolidadas da seguinte

forma:

- conflitos familiares

- atendimento de serviços educacionais

- conflitos psicológicos / saúde / sexuais

- dificuldades financeiras

- atendimento de serviços de saúde

- drogadição

- outros

Observa-se que há um grande número de registros nos

conselhos tutelares referentes à ausência de atendimento em políticas

públicas e de conflitos familiares.

Do Banco de Dados constam 509 BA’s (1999-2001), 9577

ocorrências georefenciadas entre 2002 e 2006 e 4288 reincidências

(BA’s) entre 2002 e 2006 e 842 em BO’s (O banco de dados contém informações

obtidas para os anos de 1999, 2000 e 2001 em Boletins de Ocorrência da Delegacia da Mulher de

Araraquara). Foram desconsiderados para o mapeamento da violência no

perímetro urbano os registros que não continham informações sobre o

endereço e o bairro da vítima, num total de 5423.

Ressaltamos mais uma vez que para o levantamento e análise

das informações foi utilizado como parâmetro as definições do Estatuto

da Criança e do Adolescente: crianças com idade entre 0 e 12 anos e

adolescentes entre 13 e 18 anos.

22

Quanto à natureza do problema considerou-se todos os casos

que envolvessem a integridade física da criança e do adolescente e

casos relativos a questões educacionais, financeiras, psicológica, saúde

e outros.

O Banco de Dados foi organizado na Planilha Access

(Microsoft Office), onde constam as informações existentes na ficha de

coleta .

Para a sistematização dos dados e espacialização dos mesmos

foram elaboradas categorias de análise e um conjunto de códigos que

resultaram na agregação das informações.

Desta forma procuramos racionalizar e tornar mais eficiente a

administração do banco de dados agilizando não apenas a sua

alimentação, como também o seu acesso, especialmente de nossos

parceiros e instituições que atendam crianças e adolescentes. O banco

também está disponibilizado para pesquisadores e interessados na área.

O sistema de abastecimento está instalado no servidor central da

Faculdade de Ciências e Letras, Unesp, Campus de Araraquara.

Os dados armazenados e sistematizados durante a pesquisa

(2002 a 2006) encontram-se no anexo IV.

23

PAREI DE COLOCAR AQUI

3.2. Malha Digitalizada

A malha digitalizada da cidade de Araraquara permitiu a

observação da localização dos eventos de eventos de maior violência

contra crianças e adolescentes. O mapa a seguir permitiu a visualização

da localização dos setores. Mapa I. Malha Digital para Localização dos Eventos de violência

Fonte: IBGE - 2009

24

Os dezoito bairros com maior número de ocorrência de

violência contra crianças e adolescentes podem se visualizados no mapa

a seguir.

Mapa II.

Bairros com maior número de ocorrências de violência contra crianças e adolescentes

Fonte: Censo 2000 IBGE/TerraView Política Social.

Quando analisamos os dados na perspectiva da densidade

populacional (dividindo-se o total das ocorrências por bairros e pelo

número de habitantes, segundo os dados do IBGE, multiplicando-se por

1.000) a violência concentra-se em bairros da região periférica de

Araraquara como se pode notar na Tabela I.

25

Tabela I.

Adotamos ainda uma classificação dos bairros pelo número de

habitantes e pela posição geográfica no interior da cidade o que nos

permitiu um diagnóstico mais adequado da situação de violência contra

crianças e adolescentes em Araraquara na perspectiva espacial,

constituindo-se assim um instrumento importante na definição de

políticas públicas.

Para a classificação proposta foram utilizados como referências

os estudos realizados por Bógus (2007), Soares & Terron (2008) e

PPGEO-UFPE; Fase (2005).

Bógus (2007) estudando a segregação residencial na Região

Metropolitana de São Paulo definiu uma tipologia na qual classifica e

descreve categorias socioespaciais combinando informações censitárias

sobre ocupação, renda e escolaridade. Ao final o resultado de sua

análise permitiu a definição de 8 grandes categorias referentes á

ocupação e localização geográfica no interior da Região Metropolitana.

As categorias definidas pela autora foram: elite dirigente, elite intelectual,

pequena burguesia, camadas medianas, proletariado secundário,

proletariado terciário, baixo proletariado, trabalhadores agrícolas. A partir

Ranking Bairros Ocorrências N° Habitantes Indice de Incidências1 Águas do Paiol 483 159 3.0382 Jardim Paraíso 356 159 2.2393 Santa Angelina 428 1.041 0.4114 São José 377 992 0.3805 Parque das Laranjeiras 397 1.408 0.2826 Adalberto Roxo 426 2.563 0.1667 Parque São Paulo 310 1.989 0.1568 Jardim Maria Luiza 188 1.253 0.1509 Vila Xavier 512 4.720 0.108

10 Jardim Hortências 275 3.185 0.08611 Santana 300 3.556 0.08412 Vale do Sol 311 3.790 0.08213 Selmi Dei 740 9.095 0.08114 Jardim Dom Pedro 151 2016 0.07515 Yolanda Ópice 323 4.746 0.06816 Jardim América 227 3.780 0.06017 Jardim Acapulco 207 3.890 0.05318 Centro 696 14.776 0.047

Fonte: Pesquisa Violência contra crianças e adolescentes em Araraquara - UNESP/FUNDEPE/2008.

Incidências por número de habitantes nos bairros entre 2002 e 2006

26

da análise fatorial, a autora, pode agrupar as áreas homogêneas em

conglomerados de áreas com predominância da mesma categoria sócio-

ocupacional

Estudando a repercussão das políticas públicas, em particular o

Bolsa Família, na reeleição do presidente Lula (SOARES & TERRON,

2008) buscaram identificar o padrão da distribuição espacial dos votos do

presidente. Para tanto, os autores definiram 6 categorias espaciais para

os centros urbanos brasileiros: grande urbano centro sul, grande urbano

norte e nordeste, médio urbano com rural próspero, médio urbano com

rural misto, pequeno urbano com rural próspero e pequeno urbano com

rural misto, agregadas a partir de 19 outras regiões, constituídas com

base na situação socioeconômica e a da espacialização urbano/rural em

que se localizam. Aqui a base socioeconômica e a localização da

população foram as variáveis estudadas. O trabalho de PPGEO-UFPE e FASE (2005) foi realizado a pedido

do Ministério das Cidades e procurou identificar a diversidade decorrente das

situações e dinâmicas econômicas das regiões onde se situam os distintos

centros urbanos brasileiros, classificando-os em espaços urbanos e rurais.

Os textos citados nos forneceram parâmetros para que

pudéssemos definir áreas na cidade de Araraquara a partir de

características específicas. Em nosso caso optamos por regionalizar a

cidade segundo a posição geográfica do bairro no interior da cidade e de

acordo com um agregado de informações socioeconômicas que

permitiram a classificação demonstrada na tabela II:

27

Tabela II. Classificação segundo o número de habitantes e a classificação geográfica Bairros Classificação por

Habitantes Classificação

Geográfica Águas do Paiol 159 Periférica

Jardim Paraíso e Tropical 159 Periférica Santa Angelina 1041 Pequeno Porte Intermediária

São José 922 Intermediária Parque das Laranjeiras 1408 Intermediária

Adalberto Roxo 2.563 Periférica Parque São Paulo 1989 Periférica Jardim Maria Luiza 1253 Periférica

Vila Xavier 4.720 Intermediária Jardim Hortências 3.185 Periférica

Santana 3.556 Intermediária Vale do Sol 3.790 Médio Porte Periférica

Jardim Dom Pedro 2016 Periférica Yolanda Ópice 4.746 Periférica Jardim América 3780 Periférica Jardim Acapulco 3890 Periférica

Jardim Roberto Selmi Dei 9.095 Periférica Centro 14.776 Grande Porte Zona Central

Fonte: Pesquisa Violência Urbana Contra Crianças e Adolescentes em Araraquara – UNESP/FUNDEP/2008.

Zona Central – É o núcleo central e o seu entorno, onde predominam as

atividades comerciais e de prestação de serviços, com a presença de

equipamentos urbanos em sua totalidade. Trata-se de uma área com alta

densidade ocupacional, com a predominância de padrões de ocupação,

renda e escolaridade os mais elevados, com grande presença do poder

público e dos grupos empresariais da cidade. Deve-se considerar ainda

que estão presentes na área instituições de ensino médio, públicas e

privadas.

Bairros Intermediários – São aqueles menos distantes do núcleo

central em que predominam o uso residencial e o comércio de interior de

bairro, cujas atividades voltam-se à satisfação das necessidades

cotidianas da população. Os equipamentos urbanos também estão

presentes. A densidade populacional nessas áreas, em função da

proximidade do centro e por serem bairros de origem antiga, é alta.

Bairros Periféricos – São aqueles mais distantes do núcleo central em

que predomina o uso residencial e cuja característica principal é a

proximidade com as áreas rurais. Trata-se de áreas consideradas de

28

expansão do perímetro urbano nas quais os equipamentos urbanos

também estão presentes. Nesta categoria temos duas situações

distintas: ao sul da cidade, os bairros periféricos têm sua expansão

limitada pela produção da cultura canavieira; na vizinhança destes

bairros predominam esta atividade agroindustrial. Ao norte encontramos

a pecuária como atividade marcante, o que indica tratar-se de uma área

de especulação. São grandes propriedades rurais parceladas ao longo

do tempo para a criação de novos bairros.

Esta classificação aponta para a disseminação da violência

pela cidade e a necessidade de readequar os investimentos públicos a

esta realidade. A falta de equipamentos urbanos não é um indicador da

presença de índices elevados de violência em Araraquara. A cidade é

atendida por serviços e equipamentos públicos em sua totalidade; em

distintos bairros encontram-se áreas para prática de esportes, escolas e

creches infantis, assim como programas de atendimento á saúde (PSF).

29

3.3. Áreas de influência da Violência contra Crianças e Adolescentes

A utilização do aplicativo Terra View permitiu delimitar três ares

de influência espacial nos eventos de violência contra crianças e

adolescentes1.

O conceito de área de influência tem uma longa tradição e um

renovado interesse em virtude das técnicas e metodologias do GIS. O

grande desafio é desenvolver indicadores empíricos para descrever e

operacionalizar o conceito de área de influência.

Este nosso ensaio no uso desta metodologia procurou

identificar os padrões de concentração e dispersão dos índices de

violência em Araraquara, permitindo entender melhor o comportamento

da distribuição espacial destes eventos.

O mapa a seguir apresenta a identificação das três áreas de

influência localizadas a partir dos dados coletados.

Mapa III. Identificação das três áreas de influência

Fonte: Censo 2000 IBGE/TerraView Política Social.

1 Rodrigo dos Santos, membro da equipe do projeto, realizou o curso Terra View no Centro de Estudos da Metrópole (CEM), sediado no Cebrap, em agosto de 2008.

30

As três áreas de influência sugerem que há uma dispersão do

fenômeno da violência contra crianças e adolescentes em Araraquara em

três áreas com características similares no interior da cidade. São locais

distantes do centro da cidade, mas cujo acesso é dado por eixos de

ligação bem definidos o que permite a inserção destes no contexto

urbano. Desigualdade socioeconômica e segregação residencial são

fatos marcantes da população destes locais que se encontram nos

limites do perímetro urbano. Na busca por áreas de menor valor

imobiliário instalaram-se nestas áreas e constituíram um conjunto

populacional coeso no qual o não pertencimento à cidade é marcante.

Desta forma, a pouca renda, o acesso restrito aos

equipamentos urbanos e aos programas governamentais de atenção à

criança e ao adolescente fazem destas áreas típicos locais onde o

conflito familiar e escolar serão os principais responsáveis pela violência.

É importante salientar que as áreas aqui definidas têm como

peculiaridade estar nos limites do perímetro urbano. Como frisamos ao

sul e à sudeste da cidade a presença da agroindustrial canavieira é

marcante e assim, a expansão da cidade nesta direção será difícil de

ocorrer. O sudoeste é marcado pela limitação da Rodovia Washington

Luís e por grandes propriedades rurais. A expansão urbana nesta

direção também é limitada.

Na primeira região de influência (mapa IV) encontra-se

localizada a Rua Armando Salles de Oliveira como o principal elo de

ligação para o fluxo migratório interno. Na realidade trata-se de um eixo

de mobilidade intra-urbana em Araraquara.

Na segunda região de influência (mapa V) pode-se apontar a

Av. Padre José de Anchieta, Av. Alberto Santos Dummont e a Rodovia

Antonio Machado Santana como o segundo eixo de ligação centro-

periferia.

31

Na terceira área de influência (mapa VI) tem-se a Av. José P.

Bueno de Oliveira e a Rua Maurício Galli - como eixos de ligação centro-

periferia. De forma geral, é possível haver verossimilhança na hipótese

entre o fenômeno da violência e os deslocamentos humanos em

Araraquara, possivelmente potencializados pela necessidade de

trabalho, educação, saúde e consumo entre as regiões periféricas e

centrais.

Ao considerarmos a área de influência nossa hipótese é de

que um bairro com altos índices de violência tende a “espraiar” estes

índices e que portanto a violência não é um fato isolado e localizável,

pois as variáveis que caracterizam a violência fazem parte de um

contexto sócio espacial. Os dados sugerem que a violência contra

crianças e adolescentes em Araraquara pode ser caracterizada

espacialmente pela sua dinâmica no espaço, pela sua fluidez e também

pela sua complexidade, que é reflexo da heterogeneidade sócio-espacial

do interior da cidade.

Mapa IV. Primeira área de influência

Fonte: Censo 2000 IBGE/TerraView Política Social.

32

1ª Área de influência (Região Oeste): Parque Tropical e Jardim

Residencial Paraíso. Locais influenciados: Jardim Águas do Paiol,

Parque Residencial Vale do Sol, Jardim Acapulco, Jardim Nova

Araraquara, Jardim Igaçaba, Jardim Tangará, Loteamento Santa Rita de

Cássia, Bosque da Saúde, Vila Yamada, Loteamento Franciscato, Jardim

Santa Angelina, Jardim Residencial Barbugli, Jardim Biagione, Jardim

Dom Pedro, Jardim Cambuy, Jardim Botânico, Loteamento Cidade

Jardim e Jardim Maria Luiza.

Mapa V. Segunda área de influência

Fonte: Censo 2000 IBGE/TerraView Política Social.

2ª Área de influência (Região Sudeste): Parque das Hotênsias.

Locais influenciados: Vila Nossa Senhora Aparecida, Condomínio

Satélite, Jardim Del Rei, Jardim Ieda, Jardim Arco Íris, Jardim Cruzeiro

do Sul, Jardim Dumont, Jardim Eliana, Jardim Residencial Água Branca,

Jardim das Paineiras, Jardim Araraquara, Jardim Residencial Itália,

33

Núcleo Rsidencial Yolanda Ópice, Jardim Florença, Jardim das

Palmeiras, Jardim Palmares e Jardim Santa Júlia.

Mapa VI. Terceira área de influência

Fonte: Censo 2000 IBGE/TerraView Política Social.

3ª Área de Influência (Região Norte): Jardim Adalberto Roxo e Jardim

Roberto Selmi-Dei. Locais influenciados: Jardim Veneza, Jardim São

Rafael e Jardim Indaiá.

É preciso salientar que mesmo estando espacialmente dispersa pela

cidade, a violência contra crianças e adolescentes não ocorre em

algumas áreas. A explicação para tal fato pode ser dada pelas

características destes locais. São áreas sem grande adensamento

populacional e cuja renda da população é mais elevada ou, no caso

específico da zona central, o adensamento populacional e a renda são

altos, mas os conflitos familiares em menor número.

34

Mapa VII. Primeira área de não-influência (Região Nordeste)

Fonte: Censo 2000 IBGE/TerraView Política Social.

1ª Área de Não-influência periférica (Região Nordeste): Chácaras

Velosa, Sítio São João, Jardim Zavanella, 3º Distrito Industrial, Jardim

Aclimação, Bosque Fujimoto Sakamoto. Região constituída por

propriedades rurais, terrenos desocupados e parque industriais.

Domicílios: 493 . Pessoas residentes: 2511.

35

Mapa VIII. Segunda área de não influência (Região Sudoeste)

Fonte: Censo 2000 IBGE/TerraView Política Social.

2ª Área de Não influência periférica (Região Sudoeste): Portal das

Laranjeiras, Jardim Rosa, Jardim Bandeirantes, Loteamento Cociza,

C.E.J Omar Maksoud. Região constituída por propriedades rurais,

terrenos desocupados e parques industriais. Domicílios: 99. Pessoas residentes: 288

36

Mapa IX. Terceira área de não-influência (Região Central)

Fonte: Censo 2000 IBGE/TerraView Política Social.

3ª Áreas dispersas de não-influência: região central, centro-leste,

centro-oeste. Localidades comerciais, praças públicas. Região

constituída por estabelecimentos comerciais, terrenos desocupados ou

espaços públicos. Domicílios: 6836. Pessoas residentes: 21921.

As áreas de não influência estão localizadas na região central

do município e nas regiões periféricas onde se localizam chácaras,

distritos industriais e terrenos desocupados, com uma baixa densidade

populacional.

Para estas áreas as políticas públicas municipais para crianças

e adolescentes deveriam ser diferenciadas devido as suas

especificidades, conforme descrição realizada nos parágrafos acima.

Os bairros que possuem os maiores índices de violência contra

crianças e adolescentes e que são definidores das áreas de influência

são:

- Jardim Paraíso e Parque Tropical localizados na primeira área de

influência, considerado um bairro periférico de pequeno porte, de acordo

com o tamanho de sua população.

37

- Jardim das Hortências localizado na segunda área de influência,

também considerado um bairro periférico de porte médio, de acordo com

o tamanho de sua população.

- Jardim Adalberto Roxo e Selmi Dei localizado na terceira área de

influência, também considerado um bairro periférico de porte médio, de

acordo com o tamanho de sua população.

Os dados apresentados no anexo V apontam os conflitos

familiares como as ocorrências de maior número nos bairros analisados,

seguidas pelo atendimento à educação.

No Jardim Paraíso e Parque Tropical os conflitos familiares são

uma constante ao longo do período analisado. Já o atendimento à

educação apear de ser constante sofre variações no número de

atendimentos.

No Jardim das Hortências os conflitos familiares também são

as maiores ocorrências registradas. O segundo problema é o

atendimento à educação mais num número menor que o do bairro

anterior. Apenas em 2004 este tipo de ocorrência ultrapassa os conflitos

familiares. Deve-se ressaltar que os outros problemas no Jardim das

Hortências têm poucos registros, talvez por ser este um bairro de melhor

infra-estrutura para o atendimento da população.

O Jardim Adalberto Roxo e Selmi Dei apresenta a mesma

constância de conflitos familiares. Só que os conflitos psicológicos /

saúde / sociais tem ocorrências muito próximas do atendimento à

educação, em especial no Selmi Dei onde muitas vezes ultrapasse a

questão educacional.

Estes dados apontam para um diagnóstico importante no que

se refere à violência contra criança e adolescente, e a importância de se

considerar o componente espacial desta questão para a elaboração de

políticas públicas.

38

A primeira questão a ser considerada diz respeito aos conflitos

familiares que se manifestam em negligências, violência física, violência

psicológica ou mesmo violência sexual.

As causas destes conflitos poderão ser melhor identificadas

quando no próximo item caracterizamos a situação sócio-demográfica

destes bairros. Regiões com alta concentração de privação sócio-

econômica, para além da renda têm efeitos sobre o acesso a políticas

públicas.

A segunda questão diz respeito ao atendimento educacional.

Apesar dos indicadores de analfabetismo de crianças em idade escolar

ter se reduzido no país e a educação em Araraquara ter acompanhado

esta tendência, a rede de atendimento municipal e estadual não está

distribuída de forma homogênea pelo município o que pode ocasionar as

inúmeras demandas nos Conselhos Tutelares no que se refere

especialmente à questão das vagas, evasão, qualidade do ensino etc.

A rede de proteção à criança e ao adolescente deveria passar

por políticas integradas pelas várias áreas sociais (educação, saúde,

assistência social, direitos etc) que possibilitariam maior eficiência das

políticas municipais. Infelizmente a construção desta rede encontra

muitas dificuldades em sua implantação nos municípios, devido á visão

fragmentada que os gestores públicos têm de políticas sociais. A

construção de um cadastro único de atendimento de crianças e

adolescentes nos municípios poderia garantir um melhor atendimento a

esta população e uma maior eficiência da política municipal .

3.4. Características sócio-econômicas e acesso à Políticas Públicas

A utilização das informações disponibilizadas pelo IBGE

através do software Terra View possibilitou o levantamento dos dados

sócio-demográficos do censo de 2000 para Araraquara e em especial

39

para os bairros apontados como os de maiores índices de violência

contra crianças e adolescentes.

A utilização do TerraView e da base de setores possibilitou

agregar ao nosso estudo dados censitários que permitem a

caracterização sócio-econômica das áreas de ocorrências de violência

contra crianças e adolescentes e assim identificar as causas dos índices

elevados das mesmas, na cidade de Araraquara.

Usamos como variáveis alguns dados sócio-econômicos,

instrução, residentes por sexo, relação com o responsável, renda, idade,

número de moradores por domicílio, lixo coletado, abastecimento de

água, tipo de banheiro e tipo de domicílio.

Analisando este material pudemos caracterizar as

especificidades dos bairros, os equipamentos públicos que possuem e as

deficiências em termos de políticas públicas (anexo IV).

A caracterização sócio-econômica diferenciada dos bairros de

maior violência contra crianças e adolescentes aponta para a

necessidade de uma redefinição da política para este setor levando-se

em conta algumas especificidades.

A caracterização geral do município aponta para que em

alguns bairros (Centro, Vila Xavier, Jardim Brasil e Santana) o

responsável pelo domicílio está concentrado na faixa dos 50/60 e 60/70

anos, e é uma família composta por filhos, enteados, sogro, sogra.

Nos bairros mais periféricos (Yolanda Ópice, Jardim América,

Selmi Dei, Parque São Paulo, Vale do Sol, Vila José Bonifácio,

Residencial Iguatemi, Adalberto Roxo, Parque das Hortências, Jardim

Del Rey) o responsável pelo domicílio está numa faixa mais jovem,

20/30, 30/40 e a família é composta basicamente por pais e filhos e em

alguns destes bairros o número de desempregados e sem renda é alto.

São famílias maiores, pois cada domicílio tem em média de 4 a 5

habitantes.

40

A renda dos moradores dos bairros centrais é de 3/5 e de 5/10

salários mínimos. Nos outros bairros de um a três salários mínimos,

sendo que os de menor renda são Parque das Hortências, Jardim Del

Rey (entre ½ e dois salários). A Vila José Bonifácio, talvez por se

constituir numa região intermediária, tem um diferencial, pois o salário

está na faixa de 5 a 10.

A média de instrução do responsável pelo domicílio, em geral,

é de 4 anos. Alguns bairros têm concentração em 11 anos ou 8 anos de

instrução (Centro, Selmi Dei, Santana, Vila José Bonifácio, Vila Xavier,

Jardim Santa Lúcia, Yolanda Ópice) apontando para franjas de camadas

médias nas zonas intermediárias da cidade, e com contrastes sócio-

econômicos significativos.

O grau de analfabetismo das populações mais velhas,

especialmente entre as mulheres, é uma constante exceto nos bairros

mais centrais. Talvez por isto a prefeitura tenha implantado unidades do

Mova e do EJA em todos estes bairros.

É interessante observar ainda que em todos os bairros existem

unidades de educação infantil e em alguns de educação integrada,

complementar e interativa. Aparentemente a faixa da infância está

coberta por uma infra-estrutura escolar. A demanda por questões

escolares nos Conselhos Tutelares requer uma pesquisa específica para

que se compreenda quais os motivos que levam pais e familiares a

procurarem os Conselhos para atendimento destas.

Existem alguns programas que não são específicos para

jovens, mas que podem atender esta faixa etária, como Oficinas

Culturais, Portal do Saber, Escolinha de Esporte, Cursinho, Escola

Interativa. Os únicos programas que existem em quase todos os bairros

são as Oficinas Culturais e as Escolinhas de Esporte, o que aponta para

alguns programas de eficácia duvidosa e muitas vezes clientelistas. Não

existe aparentemente nenhuma política pública para crianças e

adolescentes, em especial para jovens. Os programas desenvolvidos

41

pelo município são basicamente programas de ressocialização,

organizados através de oficinas ocupacionais, esporte e arte.

A questão da saúde que é uma das origens dos problemas de

violência contra crianças e adolescentes tem um atendimento pior que a

educação. Não existe um foco definido, em alguns bairros foram

implantados os PSF (Programa de Saúde da Família) que concorrem

com as UBS (Unidades Básicas de Saúde) que contam com médicos

especialistas.

A questão do saneamento básico está razoavelmente resolvida

com o serviço de abastecimento de água, banheiro com rede geral de

esgoto, em quase todos os domicílios. Só a coleta de lixo tem um

atendimento mais deficitário.

Apesar de avanços significativos na municipalização do ensino,

o sistema ainda não está completamente organizado e muitas escolas de

5ª a 8ª série ainda estão sob a responsabilidade do estado. Talvez esta

duplicidade no atendimento, estado e município, deva ser levada em

conta nas questões dos problemas com a escola.

Comparando-se o mapa da violência e a localização das

instituições de atendimento às crianças e adolescentes em Araraquara,

podemos notar que o atendimento está concentrado na região central da

cidade. As finalidades destas instituições estão definidas de acordo com

o ECA e o LOAS, tendo como referência, em sua grande maioria, o apoio

e a proteção familiar. No entanto os conflitos familiares foram apontados

como um dos problemas de maior gravidade nas fichas e nos boletins de

atendimento.

42

Mapa X. Localização das Instituições

Fonte: Secretaria da Assistência Social de Araraquara – 2009.

Como se pode observar pelo Mapa X há também uma grande

concentração de equipamentos públicos na região central do município,

deixando a periferia em situação de vulnerabilidade em relação a

serviços e políticas públicas.

43

Mapa XI. Instituições de Políticas Públicas. Região Central (Centro, Jardim Brasil e Vila Xavier)

Fonte: Plano Diretor de Araraquara – 2009.

44

Realizado este diagnóstico geral sócio-econômico e de

políticas públicas do município, analisaremos em seguida mais

especificamente os bairros que são definidores das regiões de influência

da violência contra crianças e adolescentes: Jardim das Hortências,

Jardim Roberto Selmi Dei e Adalberto Roxo e Jardim Paraíoso e Tropical

(anexo IV).

Retomamos os indicadores já apresentados pelas fichas de

atendimento para que a comparação com os dados sócio-econômicos e

de equipamentos públicos possam ser melhor visualizados.

a) Jardim das Hortências

No Jardim das Hortências na faixa de 35 a 39 anos, existe um

maior número de mulheres alfabetizadas que homens. Depois desta faixa

os homens têm maior escolarização que as mulheres, o que de alguma

forma reflete uma questão geracional, quando as mulheres não tinham

entrado efetivamente no mercado de trabalho e nem haviam incentivos

para a sua educação formal.

O grau de escolaridade do responsável é em média de 4 a 8

anos de estudo e são em sua maioria homens.

O perfil dos homens e mulheres residentes aponta para casais

jovens entre 19 e 39 anos, com filhos em sua maioria entre 0 e 14 anos.

Este dado reflete a relação com a escolaridade das vítimas neste bairro,

crianças de 0 a 11 anos e que estão matriculados na creche, pré-escola

ou no ensino fundamental de 1ª a 5ª série.

A renda do responsável familiar está entre um e cinco salários

mínimos, com maior concentração de 1 a 2. A maioria dos responsáveis

são homens.

Quase a totalidade do lixo coletado no bairro é efetuada por

serviço de limpeza; a maioria dos banheiros está ligado a rede geral de

esgoto e o abastecimento de água é totalmente canalizado.

45

Por conta da forma como se deu a ocupação do bairro, 70%

dos domicílios são permanentes, os outros são alugados ou cedidos.

O mapa das instituições públicas apontam para uma certa

concentração das mesmas numa região do bairro e para uma cobertura

razoável em educação e precária em saúde e lazer.

b) Jardim Adalberto Roxo

O número de mulheres e homens alfabetizados neste bairro

não tem grandes discrepâncias em todas as faixas etárias. A maioria dos

responsáveis são homens e alfabetizados.

O perfil da idade dos residentes aponta para casais na faixa

dos 19 aos 39 anos com filhos na faixa etária de 0 a 14 anos.

Coincidindo com o resultado encontrado do Jardim das Hortências o

maior número de vítimas da violência são crianças entre 0 e 11 anos e

que freqüentam a creche e a pré-escola de 1ª a 5ª série.

A renda do responsável familiar está entre 1 a 5 salários

mínimos,sendo a maior concentração entre 1 e 3 salários. O diferencial é

que existe um número significativo de responsável com renda entre 5 e

10 salários.

A grande maioria dos responsáveis são homens alfabetizados,

com uma média entre 4 e 8 anos de escolaridade.

O lixo é totalmente coletado pelo serviço de limpeza, os

banheiros estão todos ligados à rede geral de esgoto, o abastecimento

de água e todo feito por canalização.

O Jardim Adalberto Roxo teve a sua ocupação ligada a um

loteamento popular o que permitiu à população residente nesta região

terem em sua quase totalidade domicílios particulares permanentes.

O número de equipamentos em educação que atendem o

bairro2 é significativo, assim como também existe serviços de

atendimento de lazer. Mas a saúde deixa muito a desejar.

2 Os moradores do jardim Adalberto Roxo utilizam os equipamentos públicos do Jardim Selmi Dei.

46

c) Jardim Selmi Dei

No Jardim Selmi Dei o número de mulheres e homens

alfabetizados é equilibrado e sem grandes discrepâncias em todas as

faixas etárias. A maioria dos responsáveis são homens alfabetizados. O

número de mulheres responsáveis alfabetizadas está na faixa de 20%.

Neste bairro o perfil dos residentes modifica-se um pouco. São

casais na faixa dos 19 aos 49 anos, com filhos na faixa de zero a 14

anos, mas a quantidade de adolescentes entre 15 e 18 anos aumenta

sensivelmente. A faixa etária das vítimas está entre 0 e 11 anos, com

vítimas significativas na pré-escola, apontando para problemas com

crianças em idade escolar.

A renda do responsável familiar está entre 3 a 10 salários

mínimos apontando para um bairro com famílias de rendimento mais

elevado e com um número significativo de mulheres responsáveis com

renda. O número de responsáveis sem renda é inferior a 10%.

O lixo é quase todo coletado por serviço de limpeza, os

banheiros estão quase todos ligados à rede de esgoto. O abastecimento

de água é quase todo canalizado.

O Jardim Selmi Dei assim como o Adalberto Roxo teve sua

ocupação ligada a um loteamento popular, era uma antiga fazenda de

café que foi loteada. A população residente neste bairro tem em sua

totalidade domicílios particulares permanentes, provavelmente em

decorrência da forma de ocupação.

Como foi dito anteriormente os equipamentos públicos deste

bairro atendem também o Jardim Adalberto Roxo. Tem serviços públicos

em educação expressivos nas faixas de 0 a 14 anos. Também os

equipamentos de lazer são significativos. Apenas a área de saúde tem

atendimento precário.

47

d) Jardim Paraíso e Tropical

Deve-se ressaltar que este bairro é de ocupação mais recente

e foi considerado de acordo com nossa tipologia como intermediário de

pequeno porte, enquanto os outros são intermediários de médio porte.

Tanto a alfabetização de homens e melhores neste bairro é

bastante irregular, não obedece um padrão como nos outros bairros. A

maioria dos responsáveis são homens alfabetizados, o número de

mulheres responsáveis alfabetizadas é muito baixo.

O perfil da idade dos residentes para homens está na faixa dos

19 até os 59 anos e mulheres na faixa dos 19 aos 39 anos. A

composição familiar deste bairro aparentemente é diferente dos outros

estudados. O número de filhos na faixa etária de 0 a 14 anos é o mais

significativo. Mais uma vez as vítimas em sua maioria estão entre 0 a 11

anos de idade e os problemas maiores estão em crianças que

freqüentam a pré-escola e o ensino fundamental de 1ª a 5ª série.

A renda do responsável familiar está entre meio e dois salários

mínimos, com alguns responsáveis na faixa entre 3 e 10 salários. Existe

um grande número de responsáveis homens sem renda o que também é

um diferencial em relação aos outros bairros. Isto pode ser uma das

fontes de conflito familiar; apesar dos casos de conflitos familiares nos

outros bairros também serem os mais expressivos.

O lixo é todo coletado por serviço de limpeza. Já os banheiros

com fossa séptica estão presentes na maioria das residências. O número

de banheiros ligados à rede geral de esgoto é muito pequena. O

abastecimento de água é feito em geral por poço ou nascente. O

abastecimento através de água canalizado é muito baixo.

O fato do Jardim Tropical e Paraíso serem loteamentos

recentes, voltados para a auto-construção, talvez explique o número

significativo de domicílios cedidos e o baixo número de habitantes.

48

Quanto aos equipamentos urbanos o bairro tem pouco acesso

a serviços de saúde. O bairro tem uma série de propostas de lazer, mas

que atende uma série de outros bairros no entorno.

De modo geral os bairros de maior violência contra crianças e

adolescentes em Araraquara possuem uma população constituída por

famílias jovens, baixa escolaridade e baixa renda (com exceção do Selmi

Dei). Encontram-se na periferia do município e possui um histórico de

ocupação mais ou menos parecido, loteamentos populares de grandes

áreas rurais e que dependendo da legislação municipal são aprovados e

implantados sem a mínima infra-estrutura e sem acesso aos serviços

públicos.

Os dados coletados permitem inferir que apesar do município

ter universalizado o acesso à água, esgoto, luz nestes anos, exceto o

Jardim Tropical e Paraíso, o acesso à políticas públicas é precário,

expondo estas populações à violência. A provisão de serviços não

garante a qualidade da oferta, o que coloca para os pesquisadores a

necessidade de incluir indicadores de acesso que captem esta dimensão.

A distribuição dos equipamentos públicos está concentrada na

área central da cidade e nas áreas intermediárias. As áreas periféricas

não contam com uma distribuição igualitária destes equipamentos

conforme se pode observar ou mapa perceber pelo mapa XII.

49

Mapa XII. Aparelho público em Araraquara

Fonte: Plano Diretor de Araraquara - 2009. Mapa estratégia de qualidade de vida urbana.

Para maiores informações ver anexo VII3.

As instituições que prestam atendimento à criança e ao

adolescente também estão concentradas em determinadas regiões do

município conforme mapa a seguir.

Coincidentemente os bairros com os maiores índices de

violência contra crianças e adolescentes não possuem instituições que

prestam este atendimento, conforme Mapa X e Tabela III.

3 Para visualização completa do mapa é necessário o uso do software que segue juntamente com o arquivo do mapa.

50

Tabela III. Endereços das instituições

Endereços das Instituições Razão Social Nome Fantasia Endereço Bairro CEP Telefone Fax

Centro de Promoção Educacional e Social na Comunidade CEPROESC R. São Bento,2524 Centro 14802-290 (16)236-4547 (16)236-3367

Instituto dos Cegos Santa Luzia Não consta Av. Padre Antônio Cezarino, 870 Vila Xavier 14810-142 (16)222-2009 ( ) - 0 Associação Para Apoio e Integração do Deficiente Visual PARA - D.V.

Av. Duque de Caixias, 364, 1° andar/sala 14 Centro 14801-120 (16)233-1212 ( ) - 0

Sociedade Beneficiente "Escola do Mestre Jesus" Não consta Av. Plínio de Carvalho, 357 Vila Santo Malara 14810-200 (16)222-0689 ( ) - 0

Lar Escola Redenção Não consta Av. Francisco Sampaio Peixoto, 372 Parque São José 14800-530 (16)222-6923 (16)222-4992

Associação dos Pais e Amigos Excepcionais de Araraquara APAE de Araraquara Av. Cientista Frederico de Marco, 750 Vila Xavier 14810-200 (16)237-3800 (16)237-3800

Nosso Ninho Therezinha Maria Auxiliadora Não consta Av. Manoel de Abreu, Km 02 Chácara Velosa 14801-970 (16)224-4546 (16)224-4546

Centro Comunitário Nossa Senhora do Carmo Creche do Carmo R. João Gurgel, 1871 Alexandre Bertoni 14801-970 (16)236-5586 ( ) - 0

Sociedade Amigos do Bairro Santa Angelina SABSA R. Voluntários da Pátria, 4331 Jardim Biagioni 14802-205 (16)235-2777 ( ) - 0

Liga de Assistência Cristo Rei - Casa da Criança Casa da Criança Cristo Rei R. Dom Pedro I, 1298 Vila Xavier 14810-108 (16)222-2076 ( ) - 0

Casa Betânia Não consta Av. Duque de Caixias, 967 Centro 14801-120 (16)232-1200 ( ) - 0

Associação Beneficiente e de Promoção Social São José Creche São José R. Expedicionários do Brasil, 556 Centro 14800-230 (16)232-1733 ( ) - 0

Sociedade Beneficiente Obreiros do Bem Creche Meimei Av. Barroso, 1238 Centro 14801-350 (16)236-5283 ( ) - 0

Lar Juvenil Araraquarense "Domingos Sávio" Não consta R. Armando Salles de Oliveira, 715 Centro 14801-335 (16)236-6995 ( ) - 0

Lar Escola "Maria Rita de Jesus" Não consta R. Cândido Portinari, 46 Vila Xavier 14810-255 (16)237-4760 ( ) - 0

Orfanato Renascer Não consta R. Paulo Elias Antônio, 919 Jardim Residencial Água Branca 14807-268 (16)232-4937 (16)222-7154

Associação Amigos da Vida - Araraquara AAVIDA Av. Feijó, 1383 Centro 14801-140 (16)236-0484 ( ) - 0

PRODAM de Araraquara - Projeto Diocesano de Atendimento ao Menor de Araraquara Pastoral do Menor R. Anunciato Rossi, 140 Jardim Imperador 14802-280 (16)224-2355 (16)236-8651

CedroMulher - Centro de Defesa dos Direitos da Mulher CedroMulher R. Voluntários da Pátria, 1759 Centro 14800-360 (16)232-9085 ( ) - 0

Associação de Atendimento Educacional Especializado AAEE R. Mondo Archimedes Luppi, 620 Jardim Aclimação 14806-121 (16)224-2879 ( ) - 0

Legião da Boa Vontade(Núcleo Municipal de Araraquara - Centro Comunitário Educacional) LBV

Av. Poeta Carlos Drumond Andrade, 791 Jardim São Jorge 14807-086 (16)222-8994 (16)222-8994

51

Considerações Finais

O diagnóstico da violência contra crianças e adolescentes em

Araraquara, realizado pela pesquisa aponta para a importância da

dimensão territorial na definição de políticas públicas municipais.

A divisão da cidade em áreas centrais, intermediárias e

periféricas e os diversos padrões de proximidade e distância em relação

ao centro se constituem num importante indicador para a formulação de

políticas públicas municipais. No entanto, as condições específicas dos

bairros periféricos que tiveram uma ocupação irregular (Selmi Dei,

Adalberto Roxo e Jardim das Hortências) ou ainda de situações de

pobreza concentrada ou de precariedade de serviços públicos Jardim

Tropical e Paraíso necessitam de políticas públicas que atendam estas

condições especiais

A análise das zonas de influência permitiu compreender melhor

o efeito irradiador que os bairros com maior violência produzem em áreas

contíguas, provavelmente com as mesmas características sócio-

econômicas e de deficiência de equipamentos públicos e que exige

políticas de integração urbana mais efetivas.

Ao tratarmos da questão territorial como um indicador

importante para políticas públicas contra a violência de crianças e

adolescentes, procuramos entendê-la não como um simples rebatimento

de fenômenos mais complexos que implicam na relação entre pobreza,

desigualdade e segregação, mas como um ponto de partida importante

para o reconhecimento do território como componente da sociedade e

como um elemento importante para a definição de políticas públicas mais

efetivas especialmente nas áreas urbanas periféricas susceptíveis de

maiores indicadores de violência.

Este tipo de análise é bastante incipiente no Brasil e exige um

esforço de várias áreas do conhecimento no sentido de permitir uma

melhor utilização dos vários modelos e programas de análise espacial

52

aplicados aos fenômenos sociais. Este avanço no conhecimento e sua

aplicação no diagnóstico e definição de políticas públicas, nas várias

esferas governamentais com certeza permitiriam um melhor uso do

dinheiro público e maior eficácia das políticas públicas.

53

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54

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Araraquara, 28 de fevereiro de 2009

Profa. Dra. MARIA TERESA MICELI KERBAUY Coordenadora