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Universidade do Vale do Itajaí Centro de Educação São José Curso de Relações Internacionais A INTEGRAÇÃO ENERGÉTICA E A PETROBRÁS PÓS 1997: Perspectivas de Parcerias entre a Estatal Brasileira e a PDVSA (2000 – 2006). KENNY ROBERTO ALI SCHULZ Trabalho de Conclusão de Curso apresentado a banca examinadora do curso de Relações Internacionais como parte das exigências para a obtenção do título de bacharel em Relações Internacionais, pela Universidade do Vale do Itajaí Professor Orientador: MSc. Márcio Roberto Voigt. UNIVALI - São José SÃO JOSÉ - 2007

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Universidade do Vale do Itajaí Centro de Educação São José Curso de Relações Internacionais

A INTEGRAÇÃO ENERGÉTICA E A PETROBRÁS PÓS 1997: Perspectivas de Parcerias entre a Estatal Brasileira e a PDVSA (2000 – 2006).

KENNY ROBERTO ALI SCHULZ

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado a banca examinadora do curso de Relações Internacionais como parte das exigências para a obtenção do título de bacharel em Relações Internacionais, pela Universidade do Vale do Itajaí

Professor Orientador: MSc. Márcio Roberto Voigt.

UNIVALI - São José

SÃO JOSÉ - 2007

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RESUMO

O presente trabalho tem como temática central a análise do cenário de cooperação energética existente entre a Petrobrás e a PDVSA. Em um primeiro momento, o ambiente internacional é contextualizado através da abordagem de Michael Klare, que condiciona os (possíveis) futuros conflitos nas Relações Internacionais ao acesso aos recursos naturais. Com o objetivo de compreender a atual situação da indústria petrolífera brasileira, o artigo discorre sobre o processo histórico de formação da Petrobrás, ao mesmo tempo em que define a empresa como emergente no cenário internacional, o trabalho enumera características específicas do setor energético brasileiro. No mesmo sentido, o presente artigo aborda a formação da indústria venezuelana de petróleo desde a década de 1920. Caracterizando o país, essencialmente, como exportador de petróleo, o trabalho descreve a atual situação da política petrolífera do país. Finalmente, são apresentados acordos e iniciativas de cooperação firmados entre as duas estatais petrolíferas. Levando-se em consideração o ambiente encontrado na Venezuela e no Brasil acerca da situação de suas respectivas empresas petrolíferas, é possível perceber que uma integração energética é viável. As duas empresas são líderes regionais, entretanto passam por situações peculiares e, ambas podem ser consideradas complementares em determinados aspectos.

Palavras-chave: Petróleo, Petrobrás, PDVSA, Política Externa, Cooperação Energética. Resumen

El presente trabajo tiene como tema central el análisis del escenario de cooperación energética existente entre la Petrobrás y la PDVSA. En el primer momento, el ambiente internacional se contextualiza a través del abordaje de Michael Klare, este que condiciona los (posibles) futuros conflictos en las Relaciones Internacionales con relación al acceso de los recursos naturales. Con el objetivo de comprender la actual situación de la industria petrolífera brasileña, el artículo discurre a respecto del proceso histórico de formación de la Petrobrás. Al mismo tiempo en que define la empresa como emergente en el escenario internacional, el trabajo también enumera las características específicas del sector energético brasileño. En el mismo sentido, el presente artículo aborda la formación de la industria venezolana de petróleo desde la década de 1920. Este hecho caracteriza el país como esencialmente exportador de petróleo. El trabajo también describe la actual situación de la política petrolífera del país. Por fin, son presentados los acuerdos e iniciativas de cooperación firmados entre las dos estatales petrolíferas. Al se llevar en consideración el ambiente encontrado en la Venezuela, bien como en Brasil acerca de la situación de sus respectivas compañías petrolíferas, es posible percibir que una integración energética es viable. Las dos empresas son líderes regionales, entretanto, están atravesando situaciones peculiares y, las dos pueden ser consideradas complementares en determinados aspectos.

Palabras-llave: Petróleo, Petrobrás, PDVSA, Política Externa, Cooperación Energetica.

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A INTERNACIONALIZAÇÃO DA PETROBRÁS PÓS 1997:

PERSPECTIVAS DE PARCERIAS ENTRE A ESTATAL BRASILEIRA E A PDVSA (2000 – 2006).

Kenny Roberto Ali Schulz

Sumário: 1. Introdução; 2. Política Internacional e Petróleo: Uma Visão do Mundo pós Guerra-Fria; 3. A Quebra do Monopólio Estatal e a Internacionalização da Petrobrás; 4. A Venezuela e o Petróleo no Cenário Internacional; 5. Petrobrás e PDVSA: Tendências de Cooperação Energética; 6. Considerações Finais; 7. Referências.

1 INTRODUÇÃO

Nas Relações Internacionais, os Estados, as organizações internacionais, as empresas

transnacionais, são os atores preponderantes. A Petrobrás não é apenas uma empresa

transacional, mas também um importante instrumento político do Estado brasileiro. A

internacionalização permitiu à empresa chegar ao patamar onde ela se encontra atualmente,

entre as maiores empresas petrolíferas do planeta.

O petróleo é um dos recursos naturais mais importantes do planeta e, nos tempos

atuais, a sociedade internacional depende desta fonte de energia. O Brasil é o maior

consumidor de petróleo da América do Sul e, recentemente, chegou a auto-suficiência na

produção petrolífera. A Venezuela, por sua vez, possui as maiores reservas de petróleo da

América Latina e é um país extremamente dependente da exportação deste recurso. Assim

como a estatal brasileira, a Petróleos de Venezuela S.A. (PDVSA), representa o governo de

seu país, neste sentido, qualquer ato de parceria firmado com esta empresa, implica

necessariamente em um acordo com o Estado venezuelano.

Com o intuito de conhecer o processo de expansão, e os fatores históricos que

possibilitaram a internacionalização da Petrobrás, este trabalho tem por objetivo investigar as

relações da estatal brasileira com a venezuelana PDVSA.

Primeiramente fazendo um aporte teórico, buscar-se-á um embasamento na visão de

Michael T. Klare. O autor acredita que as guerras, os conflitos do século XXI se darão por

causa dos recursos naturais, em especial o petróleo.

Após esta breve contextualização, o trabalho terá o objetivo de demonstrar o processo

histórico no qual se desenvolveu a Petrobrás. Desde a criação da empresa até a situação atual.

A terceira seção do artigo buscará descrever as principais situações pelas quais a empresa (e o

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cenário energético brasileiro) foi submetida até a internacionalização e a consolidação no

cenário internacional.

Almejando compreender os fatores que possibilitam a integração energética entre o

Brasil e a Venezuela, na quarta seção do presente artigo, serão vistos os antecedentes

históricos da indústria petrolífera venezuelana. Neste sentido, serão comentadas as fases da

evolução do parque petrolífero venezuelano com a intenção de compreender a situação atual

da PDVSA.

Após a compreensão da situação de ambas as estatais petrolíferas, serão apresentados

alguns acordos de cooperação entre as duas empresas. Desta forma serão discutidos alguns

condicionantes políticos que possibilitam, ou não a cooperação e integração entre a Petrobrás

e a PDVSA. Ressalta-se, porém, o período levado em consideração por este trabalho (2000 –

2006), uma vez que as relações entre as empresas passaram a ter relevância somente a partir

do presente milênio.

2 POLÍTICA INTERNACIONAL E PETRÓLEO: UMA VISÃO DO MUNDO

PÓS GUERRA-FRIA

O fim da Guerra Fria remeteu a um novo cenário político e econômico nas relações

internacionais. A análise deste ambiente pode ser feita através de inúmeras formas. Francis

Fukuyama aborda a questão de maneira otimista, acreditando que o final da referida guerra

pode ser encarada como uma vitória do capitalismo sobre o socialismo e representou o

fortalecimento da sociedade liberal em âmbito global, impulsionando o desenvolvimento e a

harmonia do sistema capitalista internacional. Entretanto, Samuel Huntington caracteriza a

fase do pós Guerra Fria como um “choque de civilizações” onde, segundo o autor, as

civilizações estariam em um contínuo conflito pela preponderância no sistema internacional.

(COX, 2004, p. 111 – 118).

Adotar-se-á, neste trabalho, a visão de Michael T. Klare detalhada no livro “Guerras

pelos recursos: O cenário futuro do conflito global”. O autor acredita que os conflitos

ideológicos da Guerra Fria foram suplantados em detrimento de uma disputa mundial pelos

recursos naturais, estes que se demonstram cada vez mais escassos e são de importância

extrema para a sociedade internacional.

O crescimento demográfico e o aumento exponencial do padrão de consumo da

sociedade fazem com que os recursos naturais se demonstrem claramente insuficientes para

atender a demanda global em longo prazo. Segundo o autor, os recursos em especial o

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petróleo, fazem parte da estrutura estratégica de um país, não sendo apenas mercadorias

comercializadas em um mercado internacional aberto. (VOIGT e ATHAYDE, 2007, p. 5).

Não obstante, percebe-se, após 1990, uma intensificação na busca pela segurança dos recursos

por parte das potências: Os Estados Unidos não é o único país que, depois da guerra fria, passou a conceder maior importância estratégica às questões relativas a economia e à segurança dos recursos. Quase todos os países mais importantes vêm agindo deste modo desde 1990. (KLARE, 2003, p. 28).

Em seu livro, Klare cita inúmeros conflitos ocasionados pelos recursos naturais e

coloca que o século XXI será repleto de guerras em torno destes recursos. Entretanto, o autor

acredita que o produto com maior propensão a protagonizar grandes guerras no século atual é

o petróleo, justamente por sua importância fundamental na economia capitalista: Dos recursos (…), nenhum é tão propenso como o petróleo para originar conflitos entre os Estados do século XXI. É diferente de outras matérias primas (…) devido ao seu papel fundamental para a economia mundial e sua capacidade de desencadear hostilidades a grande escala. E isso se dá porque atualmente nenhuma sociedade industrial pode sobreviver sem divisas substanciais de petróleo. Portanto, qualquer circunstância suscetível de comprometer seriamente a continuidade das reservas pode originar (…) o emprego da força militar. (KLARE, 2003, p. 47).

Tal cenário de dependência petrolífera se originou quando a sociedade internacional

baseou sua matriz energética no petróleo. O ambiente turbulento e repleto de crises, de certa

forma, já era perceptível desde a década de 1970 com a primeira “crise do petróleo”1. O que

se percebe em nível internacional são as agressivas estratégias de controle do petróleo e

outros recursos por parte de empresas e Estados desenvolvidos. Tais recursos, para Klare, não

devem ser encarados apenas como produtos em um mercado de livre comércio, mas

elementos fundamentais para a segurança e estabilidade dos Estados e do sistema capitalista

mundial como um todo; portanto “(…) a busca e a proteção das matérias primas criticas se

contempla como uma das funções primordiais de segurança que ao Estado são delegadas.”

(KLARE, 2003, p. 33).

Entretanto a tendência é que, no futuro, a busca pelos recursos e seus decorrentes

conflitos se tornem cada vez mais acirrados; uma vez que os atores (Estados, organizações

internacionais e empresas transnacionais) terão pela frente um ambiente ainda mais

competitivo. No cenário atual os países desenvolvidos atuam de forma a garantir os recursos

1 Crise onde os países da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) diminuíram a produção de petróleo, o que acarretou em aumento substancial no preço do produto em todo o mundo. Para uma ampla visão

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em longo prazo e não têm medido esforços e, em alguns casos, conseqüências para garantir

seus objetivos.

Percebe-se que qualquer Estado rico em petróleo (ou outro recurso natural relevante e

escasso) está sujeito a incidências belicosas, uma vez que não atuar em compasso com a(s)

potência(s). Portanto cabe a este Estado incrementar sua capacidade de defesa, fortalecendo

sua economia, seu exército, sua influência para não estar propenso a se ver obrigado a “seguir

instruções” de países mais poderosos. Organizar alianças estratégicas é uma ótima forma de

aumentar a defesa de um país.

Neste âmbito de incertezas futuras e preocupação com relação aos recursos naturais,

em especial petróleo e gás natural, a Petrobrás – estatal brasileira - se lança com força no

mercado energético internacional através de investimentos e alianças. Desta forma, na

próxima seção serão vistos os fatores que possibilitaram a evolução da estatal brasileira até a

internacionalização.

3 A QUEBRA DO MONOPÓLIO ESTATAL E A INTERNACIONALIZAÇÃO

DA PETROBRÁS

O petróleo passou a ter relevância na economia brasileira na década de 1930 com o

crescente nível de desenvolvimento industrial. Em 1938 foi criado o Conselho Nacional de

Petróleo (CNP) e, a primeira incidência descoberta deste combustível no Brasil ocorreu em

1939, na região do recôncavo baiano. Neste período o abastecimento interno brasileiro era

feito através de importações, pois as empresas ainda não se interessavam em produzir o óleo

no país. (MACIEL, 2005, p. 20).

Ao optar pela importação, o Brasil se encontrava extremamente vulnerável a

condicionantes externos. Com a Segunda Guerra Mundial e o grande racionamento global de

petróleo o país se encontrou desabastecido, a partir de então passou-se a questionar a eficácia

do CNP. Tal situação somada ao descobrimento de novos campos de petróleo, impulsionou

uma frente política que defendia a monopolização do controle das atividades petrolíferas por

parte do Estado. (FREITAS, 2003, p. 44)

Em 1953 estabeleceu-se, no Brasil, o monopólio estatal sobre as atividades upstream e

downstream2 com relação ao petróleo e gás natural. Recém criada, à Petrobrás foi atribuída a

deste processo ver: VIZENTINI, Paulo Fagundes. Oriente Médio e Afeganistão: Um Século de Conflitos. Porto Alegre: Leitura XXI, 2002, p. 50 – 62. 2 As atividades empreendidas dentro do setor petrolífero são subdivididas em dois segmentos principais: upstream (exploração e produção) e downstream (transporte, refino e distribuição).

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incumbência de administrar e abastecer o país com estes recursos. Na década de 1960 a estatal

brasileira descobria o campo de Guaricema entre Sergipe e Alagoas, o qual pode ser

considerado o primeiro campo de Petróleo offshore3 do país.

Entretanto a exploração marítima não atinge os resultados necessários em um primeiro

momento, principalmente devido à falta de tecnologia, conhecimento técnico (apesar da

contratação de inúmeros engenheiros e técnicos estrangeiros por parte da empresa) e aos altos

custos de exploração neste sentido. Concomitante a isto o país via na importação uma

alternativa barata (devido a grande oferta e aos baixos preços internacionais) para sanar o

crescente nível de consumo e o declínio das reservas já conhecidas. Tal situação poderia

agravar o nível de dependência externa de petróleo (uma vez que o Estado priorizasse a

importação de combustíveis em detrimento da produção interna) e, em longo prazo, poderia

obrigar o governo a conceder concessões de exploração a empresas estrangeiras (devido a

falta de investimentos e estrutura de produção nacional), o que acarretaria o fim do monopólio

estatal.

O governo então decidiu dividir a empresa, criando subsidiárias4 com o intuito de

dinamizar o processo produtivo da estatal. Em 1967 foi criada a Petroquisa (Petrobrás

Química S.A.), que tinha o objetivo de desenvolver o setor de refino, visando garantir a

estabilidade da autonomia na produção de derivados de petróleo e; em 1971 foi criada a BR

(Petrobrás Distribuidora), cujo objetivo era acelerar e expandir principalmente os setores de

transporte e distribuição. Estas subsidiárias representavam a nova política de investimentos da

Petrobrás para o segmento downstream. (MACIEL, 2005, p. 22).

Entretanto a iniciativa mais importante desta nova política da empresa surgiu em 1972,

quando foi criada a Braspetro (Petrobrás Internacional S.A.). À nova subsidiária foi delegada

a função de internacionalizar as ações da estatal brasileira, visando resguardar as reservas

nacionais. No primeiro ano, foram-lhe concedidos direitos de exploração na Colômbia, Iraque

e Madagascar, e nos anos seguintes, no Egito, Irã, Líbia e Argélia. (MACIEL, 2005, p. 23)

Durante esta primeira fase de sua expansão internacional a Petrobras não possuía no

foco de sua estratégia um mercado regional específico, apesar de que a maior parte dos países

para onde direcionou suas atividades estivessem localizados no Oriente Médio. Neste período,

da primeira “crise do petróleo” (1973), a Petrobrás atuava de modo a garantir seus objetivos

individuais (o resguardo das reservas nacionais). Portanto, naquele momento, não era objetivo

da empresa fortalecer sua marca ou exportar combustíveis, mas somente abastecer o mercado

3 Exploração de petróleo no mar, plataforma continental e em águas profundas. 4 São empresas criadas para atuar em ramos específicos da cadeia produtiva à qual está vinculada a empresa mãe.

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interno, enquanto os países da OPEP já adotavam políticas e estratégias comuns com relação

ao produto. (MACIEL, 2005, p. 23 – 24).

Contudo, a atuação internacional não significava que o ritmo das pesquisas e das

atividades de exploração no Brasil seria reduzido. A empresa continuou mapeando e buscando

por novos poços em todo território nacional e, sobretudo na plataforma marítima. Ainda na

década de 1970 foram encontradas novas e grandes reservas de petróleo, dentre estas se

destaca a Bacia de Campos que, ainda em 2003, correspondia a “(...)mais de 70% da atividade

petrolífera no Brasil (...)” (FREITAS, 2003, p. 45). Após 1975, com o desenvolvimento

tecnológico e a descoberta de novas bacias, a exploração offshore tornou-se viável.

A década de 1980 foi marcada por uma grande recessão internacional, a qual afetou

também a indústria do petróleo. Com a segunda crise do Petróleo (1979), os preços

internacionais aumentaram deliberadamente, o que acarretou em grande queda na importação

do produto e aumento substancial no preço interno. A solução encontrada pela Petrobrás para

os problemas com a falta de investimentos no setor petrolífero, leia-se falta de recursos para

investir, foi atrair capital externo. O governo reduziu barreiras à entrada para possibilitar

maiores investimentos externos no setor petrolífero (sob forma de contratos de risco5,

entretanto as atividades das empresas privadas eram controladas pela Petrobrás). Outra

solução encontrada pela estatal brasileira foi a busca por combustíveis alternativos e a

retomada do Proálcool6, neste sentido foram feitos grandes investimentos na produção de

álcool e, o governo também estimulou a conversão dos carros a gasolina para este

combustível. (MACIEL, 2005, p. 26 – 27).

Nas décadas de 1980 e 1990 o mercado petrolífero da América do Sul, que já passava

por uma fase de integração, viu o modelo estatal ser substituído pelo capital privado e, as

principais indústrias petrolíferas da região passaram por reformulações. Dentre a região

destacam-se o caso da estatal argentina YPF (Yacimientos Petrolíferos Fiscales S.A.), a qual

já não detinha o monopólio no país e acabou sendo privatizada e; o caso venezuelano, onde a

estatal PDVSA passou por mudanças em sua postura empresarial após um substancial

incremento de capital privado, o qual direcionou a atuação da empresa para novos mercados

sem, no entanto, perder o controle estatal. (MACIEL, 2005, p. 27).

5 A Petrobrás concedeu concessões à empresas estrangeiras com o intuito de encontrar novas jazidas e aumentar a produção de petróleo. Deste modo, as empresas estrangeiras teriam direito a explorar petróleo no Brasil, entretanto todos os riscos na busca pelas jazidas eram assumidas pelas empresas estrangeiras, apesar da Petrobras continuar detendo o controle da exploração. 6 Criado em 1975, o Proálcool foi um programa desenvolvido pelo governo afim de estimular a produção e o consumo de álcool combustível no Brasil. Seu principal intuito era substituir derivados de petróleo em larga escala. Isto para evitar o aumento da dependência externa quando dos choques de preço de petróleo.

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Neste ambiente de renovação no subcontinente, o setor petrolífero brasileiro pode ser

considerado um caso a parte. Apesar de ter sofrido com as crises dos anos 1970 e 1980, e ter

recorrido aos contratos de risco devido à escassez de recursos, o governo manteve a postura

monopolista com relação à Petrobrás e às suas atribuições.

A autonomia da empresa com relação ao governo brasileiro remeteu a um modelo de

gestão diferente das empresas estatais tradicionais, demonstrando um comportamento

empresarial eficiente e competitivo. Este comportamento diferenciado permitiu que a empresa

investisse em pesquisa e desenvolvimento, acarretando em um suporte tecnológico bastante

avançado e que permitia à empresa conquistar seus objetivos. Neste sentido a Petrobrás, em

1985, já produzia mais da metade do consumo brasileiro de petróleo (a auto-suficiência, até

então, era o objetivo maior da estatal).

Tabela 1: Produção e consumo de petróleo no Brasil, em 1000 barris/dia:

Fonte: EIA, International Energy Annual 2003.

Os resultados internos da Petrobrás refletiam diretamente no crescimento da Braspetro.

Na região da Noruega a empresa brasileira se associou à Statoil (estatal norueguesa de

petróleo), onde conseguiu contratos de exploração e de produção além de vender

equipamentos e “serviços tecnológicos” àquela empresa. A estatal brasileira ainda teve

importantes participações em investimentos feitos no Reino Unido, Estados Unidos e Golfo

do México. (FIOROTTI, 2005, p. 236).

A década de 1990 foi um período de grande crescimento para a Petrobrás. Através de

grandes investimentos em pesquisa, desenvolvimento e tecnologia, a empresa otimizou seus

setores de exploração e produção. Esta evolução se deu, principalmente, com relação ao

avanço nas técnicas de extração na plataforma continental. Os resultados da Petrobrás em

águas profundas foram tão significativos que a estatal brasileira alcançou o título de empresa

líder mundial em tecnologia offshore. Este grande êxito na extração em águas profundas

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corroborou para o aumento na produção global de petróleo da empresa, que superou, em

1997, a marca de 1 milhão de barris de petróleo por dia, número este que chegou a 2 milhões

de barris diários em 2003. (MACIEL, 2005, p. 29 - 30).

Contudo, a década de 1990 foi marcada pelo grande número de privatizações no

Brasil. Inúmeros setores de infra-estrutura foram repassados ao capital privado

(telecomunicações, rodovias, setores de energia, etc.), visto que a máquina pública não tinha

mais condições de modernizar e investir na otimização destes setores.

Entretanto esta liberalização do mercado brasileiro ocorreu de forma diferenciada no

caso da indústria do petróleo, até porque a Petrobrás se demonstrava uma empresa

equilibrada, rentável e que apresentava resultados crescentes. O CNP, que era subordinado

diretamente ao Presidente da República, foi substituído pelo DNC (Departamento Nacional de

Combustíveis) em 1990, vinculado ao Ministério de Minas e Energia. “Neste momento, o

tabelamento e o controle de margens de distribuição e de revenda, executados pelo CNP,

foram substituídos pelo estabelecimento de ‘tetos’ máximos de preços e, gradualmente

eliminados”. (FIOROTTI, 2005, p. 243). Esta liberalização gradual ocorreu com o intuito de

estimular a abertura e competitividade no setor de distribuição de derivados de petróleo (que

não estava sujeito ao monopólio estatal). No entanto, apesar da entrada de inúmeras novas

empresas neste ramo, em 2005 as cinco maiores empresas de distribuição (BR-Distribuidora,

Ipiranga, Shell, Texaco e Esso) dominavam 66% do mercado brasileiro de gasolina e 76% do

mercado de óleo diesel. (FIOROTTI, 2005, p. 243).

Após praticamente meio século de controle exclusivamente estatal, em agosto de 1997,

foi aprovada a nova Lei do Petróleo7. Este regimento determinava a criação da ANP (Agência

Nacional do Petróleo), órgão este responsável pela regulação, contratação e fiscalização das

atividades relacionadas à indústria do petróleo, seus derivados e gás natural no Brasil.

Observa-se, entretanto, que naquele momento o monopólio estatal sobre as atividades ainda

não havia acabado. O setor de pesquisa de lavras e jazidas, o refino do petróleo, a importação

e exportação de petróleo e o transporte de petróleo, seus derivados e gás natural; ainda

permaneceram como monopólio da Petrobrás, entretanto a ANP poderia autorizar outras

empresas a prestar tais serviços. (FREITAS, 2003, p. 47).

Apesar de tímida, a entrada de novas empresas começou a ocorrer através de licitações

para a concessão de áreas de exploração e produção. Até o final de 2002 ocorreram quatro

processos e mais de quarenta empresas participaram. Com relação ao transporte e ao refino

7 Lei número 9.478/97: Dispõe sobre a Política Energética Nacional, as atividades relativas ao monopólio do petróleo, institui o Conselho Nacional de Política Energética e a Agência Nacional do Petróleo.

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não houve maiores variações, visando uma maior concorrência (e também benefícios no preço

e qualidade), a ANP concedeu licenças para algumas empresas importarem petróleo e

derivados. Entretanto, em 2002, ocorreu uma abertura maior no setor petrolífero brasileiro. A

ANP concedeu a abertura total do segmento downstream. O órgão ainda liberalizou os preços

dos derivados (revendidos pelas distribuidoras) e também das importações. Apesar disto, os

preços diminuíram de forma bastante moderada, então o governo reduziu os preços da BR-

Distribuidora visando forçar os concorrentes a baixarem os preços também, além de monitorar

o mercado na tentativa de evitar a formação de cartéis. (FREITAS, 2003, p. 47 – 48).

A partir da quebra do monopólio, a estatal brasileira passou a ter uma postura mais

agressiva no cenário internacional, de modo a ampliar significativamente seu espaço de

atuação e sua competitividade nos mercados internacionais. O Gráfico 1 expõe a evolução das

reservas internacionais de petróleo e gás natural da empresa de 1999 à 2004:

Gráfico 1: Evolução das reservas da Petrobrás no exterior, em milhões de boe8:

Fonte: Petrobrás, Relatório Anual 2004.

Pode-se observar uma grande evolução no acúmulo de reservas internacionais da

empresa. Outro fator que corrobora com a otimização da atuação internacional da empresa é

que, além de atuar em inúmeros países, a estatal também atua em vários segmentos dentro da

cadeia energética dos países. Com a criação da Área de Negócios Internacionais, que

incorporou a Braspetro (subsidiária internacional da empresa), a empresa não atua somente na

exploração e produção de petróleo e gás natural; a Petrobrás atua nos mais diversos setores da

cadeia energética dos países (tais como transportes, distribuição, refino, etc.). (MACIEL,

2005, p. 35 - 36).

Pode-se observar abaixo a Figura 1, que representa o espaço global da atuação da

Petrobrás no ano de 2004:

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Figura 1: Atuação internacional da Petrobrás:

Fonte: Petrobrás, Relatório Anual 2004.

É possível destacar a crescente participação da empresa brasileira nos Estados Unidos,

onde a estatal possui poços de petróleo e também conta com grandes reservas de gás natural.

No ano de 2004 a Petrobrás, em parceria com a Shell, descobriu o campo de Coulomb North

este campo representa o recorde mundial de produção em águas ultra-profundas (a 2031

metros). A empresa também tem investido em países como o Japão e a China e, recentemente

instalou escritórios de representação nestas regiões. Já em países como Nigéria, Angola,

Moçambique, Turquia e Líbia a empresa atua na exploração e produção de petróleo e gás

natural. (PETROBRÁS, 2006, p. 44 – 55).

Percebe-se que a empresa tem expandido sua rede de atuação para diversas partes do

globo, entretanto, o maior foco de atuação é a América do Sul. Não obstante a Petrobrás tem

fundamental importância no processo de integração energética da região. Existem inúmeros

projetos de integração no setor energético, como gasodutos, rodovias, construção de

refinarias, etc. Em praticamente todas estas iniciativas, dentro da região, a estatal brasileira

está envolvida. A empresa atua em praticamente todos os países sul-americanos, com muita

proeminência principalmente na Argentina e Bolívia. (MACIEL, 2005, p. 36 - 40).

Entretanto, pode-se destacar a atuação da empresa na Venezuela, pois, o país é o maior

produtor de petróleo do sub-continente, seguido justamente pelo Brasil. PDVSA e Petrobrás

8 BOE: Barril de Óleo Equivalente, unidade utilizada para converter, em equivalência térmica, um volume de gás natural e um volume de óleo.

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são as duas maiores empresas de energia da América do Sul e, têm encabeçado vários projetos

de cooperação no setor energético. No entanto, ambas as estatais defendem, além dos

interesses empresariais, questões políticas.

Apesar da maioria de seu capital ser estatal, a Petrobrás é uma empresa mista, portanto

grande parte de seus investimentos são privados. Neste sentido a empresa deixou de ser um

simples mecanismo governamental com intuito de abastecer as demandas nacionais e tomou

corpo próprio. Mesmo sendo um instrumento político governamental muito importante interna

e externamente, a instituição é dotada de um forte cunho empresarial, e age, também, de

acordo com as regras de mercado.

A quebra do monopólio estatal somente corroborou para que esta vocação

mercadológica fosse impulsionada e, da forma como ocorreu (após o desenvolvimento e

fortalecimento da indústria nacional do petróleo e da Petrobrás como instituição), pode ser

considerada positiva para a Estatal. A empresa não se contenta em abastecer a demanda

interna, e busca novas formas de fortalecer sua marca, sua capacidade de investimento e

maximizar seus lucros. Da mesma forma, o setor petrolífero venezuelano passou por uma

grande reformulação nas últimas décadas, conforme será visto na próxima seção deste artigo.

4 A VENEZUELA E O PETRÓLEO NO CENÁRIO GLOBAL

A Venezuela é, atualmente, o maior produtor e maior exportador de petróleo da

América Latina. As atividades petrolíferas no país se iniciaram na década de 1920 e, na

mesma década, o petróleo já se tornara o principal produto de exportação do país, conforme a

tabela abaixo:

Tabela 2: Composição das exportações venezuelanas (1920 – 1935) em milhões de

bolívares:

Fonte: BAPTISTA apud BARROS, 2006, p. 212.

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13

No ano de 1928 a Venezuela foi o maior exportador de petróleo do mundo. Entretanto

a exploração de petróleo, bem como a produção dos derivados, era feita por empresas

estrangeiras neste período. O Estado venezuelano não regulava volumes de produção, nem

impunha preços às petroleiras multinacionais, que se encontravam privilegiadas com esta

situação de desregulamentação.

Em 1943 foi criada a Lei Petrolífera, tal regimento previa que as empresas que

exploravam o petróleo venezuelano deveriam pagar royalties de 16,66% (até então as

empresas, em sua maioria, pagavam 10%), além de uma soma fixa de imposto de renda de

maneira a garantir que 50% do lucro líquido de toda a indústria petrolífera fosse repassado ao

governo (este acordo ficou conhecido como fifty-fifty) . Em contrapartida, o governo renovou

por mais 40 anos a concessão de exploração para as companhias petrolíferas. (FIOROTTI,

2005, p. 180).

Entretanto, em 1948 foram tomadas novas medidas com o objetivo de proteger a

indústria nacional de petróleo e estimular os investimentos no país: novos mecanismos de

fiscalização com o intuito de evitar o desperdício de gás e preservar as reservas, a exigência

de que 50% do lucro líquido fosse efetivamente transformado em investimentos adicionais

para o setor petrolífero, a exigência que parte do refino fosse feita no próprio país, a

obrigatoriedade de que parte do pagamento dos royalties fosse feita em espécie e a adoção de

uma política (por parte das companhias) de valorização e formação de recursos humanos.

(FERNANDES e SILVEIRA, 1999, p. 28).

Devido à falta de concordância entre o Estado venezuelano (após a eleição de 1958,

que elegeu Romulo Betancourt para presidente, o qual nomeou Pérez Alfonso9 para Ministro

das Minas e Hidrocarbonetos) e as petroleiras internacionais com relação às questões fiscais, e

também aos interesses do Estado em desenvolver a indústria petroleira bem como ter maior

controle com relação aos recursos (petróleo e gás natural); o governo criou a Corporación

Venezolana de Petróleo (CVP). A nova estatal, criada em 1960, seria responsável pela

produção, refino e comercialização internacional do petróleo venezuelano.

Porém, a CVP não obteve os resultados esperados nos primeiros anos de atividade,

pois sofria com a grande falta de infra-estrutura e de investimentos pesados. Não satisfeitos

com a grande fuga do capital proveniente do petróleo para o exterior, praticamente todos os

setores políticos do país aprovavam a nacionalização da indústria petrolífera da Venezuela.

9 Pérez Alfonso foi um nacional desenvolvimentista que fez parte do golpe de Estado (que durou apenas dois anos) ocorrido em 1945 na Venezuela. O ministro também foi co-fundador da OPEP. Ele afirmava que o fifty-fifty era mais vantajoso às corporações petrolíferas que ao Estado venezuelano.

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Em 1971 o país aprovou a Lei de Reversão Petrolífera, a qual decretava que todas as

propriedades das companhias internacionais e concessões – as quais expiravam em 1983 -

passariam ao controle estatal tão logo chegassem ao final.

Em 1975 foi aprovada a Lei de Nacionalização, a qual punha fim ao regime de

concessões das áreas de exploração às empresas privadas e, responsabilizava o Estado pelas

atividades petrolíferas e pela regulação de todos os aspectos referentes à indústria de petróleo.

A Petróleos de Venezuela (PDVSA) nasceu em 1976, em complemento a Lei de

Nacionalização, que previa a criação de uma holding10 com capital 100% nacional. Esta

empresa surge com a missão de desempenhar o papel administrativo, coordenar e planejar

políticas de investimentos e, servir como ator político nas negociações de petróleo e gás

natural.

As 14 empresas de petróleo que atuavam no país (13 internacionais e a CVP)

passaram, então, por um processo de fusão. Este processo se concluiu em 1986 com a

formação de três companhias (subsidiárias) verticalmente integradas: Maraven, Corpoven e

Logoven. Já o setor de regulação do setor petrolífero, que antes era realizado exclusivamente

pelo Ministério de Minas e Energia, passa agora a ser dividido entre o mesmo Ministério

(responsável pelo controle de auditoria, definição da política petrolífera e da relação da

holding com as subsidiárias) e a própria PDVSA (encarregada da coordenação, supervisão e

gerenciamento direto da indústria). (FIOROTTI, 2005, p. 183).

A Venezuela sempre foi conhecida como grande exportador de petróleo, no entanto,

com a PDVSA o país passou a atuar no mercado internacional de outras formas. A partir de

1983 a estatal venezuelana passou a investir em ativos de empresas européias e norte-

americanas, fazendo algo que nenhuma empresa venezuelana de petróleo poderia fazer antes

da nacionalização.

Entretanto, a partir de 1989, uma grave crise assolou a PDVSA e a própria Venezuela.

Durante a segunda metade da década de 1980 os preços internacionais do petróleo tiveram

uma queda extremamente brusca e a renda do petróleo, que sustentava 80% das exportações

venezuelanas e 50% da arrecadação fiscal do governo, caiu pela metade. Devido a esta

situação emergencial, o governo teve de reavaliar a política petrolífera.

Iniciou-se, então, uma nova etapa na indústria venezuelana de petróleo, uma fase de

abertura ao capital privado. A PDVSA e suas subsidiárias fecharam inúmeros contratos com

empresas privadas (nacionais e estrangeiras) para o desenvolvimento de atividades,

10 É uma empresa que detém o controle de outras empresas (subsidiárias) através da maioria do número de ações. Normalmente a holding não tem vinculo direto com a cadeia produtiva, esta apenas administra as subsidiárias.

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principalmente com relação a modernização e reativação de campos de petróleo desativados e

abandonados pelas antigas companhias internacionais (principalmente na Faixa do Orinoco,

que, ainda contém uma enorme reserva de óleos pesados e extra pesados11). O acordo deixava

claro que o petróleo pertencia à PDVSA, entretanto as empresas privadas recebiam um valor

(pré-estabelecido) por barril de petróleo extraído e entregue às subsidiárias da estatal. As

operadoras privadas foram taxadas com impostos simples (34%) e não com os impostos

referentes a empresas de hidrocarbonetos (67,7%). Esta flexibilização, no entanto, atendeu ao

Artigo 5 da Lei de Nacionalização do Petróleo de 197512. (FERNANDES e SILVEIRA, 1999,

p. 30 - 31).

Contudo, em 1995, a Lei de Nacionalização do Petróleo foi alterada. As concessões de

exploração para novas áreas de exploração passariam por licitações, permitindo a entrada

direta do capital privado, sem a obrigatoriedade da participação majoritária da PDVSA.

Ainda: Os riscos, os custos do processo de exploração e os encargos são das empresas associadas. Ao encontrar o petróleo, forma-se uma joint-venture13 entre a companhia ou o consórcio vencedor da licitação e a subsidiária (da estatal) que possuía a área. Na joint-venture, à filial da PDVSA será garantida a participação de até 35% das ações, e aos investidores privados, os restantes 65%. (FIOROTTI, 2005, p. 189).

Entretanto o mesmo controle que era exercido pela PDVSA sobre suas subsidiárias

também era aplicado pela estatal às joint-ventures. Ou seja, a holding centralizava todo o

controle financeiro e administrativo, posteriormente, os fundos eram repassados às empresas

privadas. Desse modo: Essa centralização gera um controle mais acirrado das empresas afiliadas, que acabam por concorrer entre si por um maior desempenho financeiro atestado pela PDVSA, garantindo, assim a busca de maior eficiência produtiva. Dessa forma, visando a alcançar maior coordenação no setor, e resguardando as especificidades das afiliadas, cabe à empresa-mãe (PDVSA) impedir que cada operadora isoladamente assuma poder de mercado maior que as outras. (GUIMARÃES, 1997, apud. FIOROTTI, 2005, p. 190).

O sistema de abertura no setor petrolífero venezuelano dos anos 1990 foi

razoavelmente eficiente. Pois ao mesmo tempo em que atraiu um elevado capital, o Estado

conseguiu manter o controle das atividades e, ainda criou uma concorrência interna entre

11 Quanto mais pesado o óleo, pior é sua qualidade. Os óleos pesados ainda têm uma extração difícil e dispendiosa. 12 Tal artigo permitia ao governo a realização de acordos de cooperação na indústria petrolífera (com empresas privadas), uma vez que tais contratos não violassem o direito de propriedade das atividades pelo Estado. 13 É uma associação de duas ou mais empresas com fins lucrativos para explorar determinado(s) negócio(s). Esta associação ocorre com o objetivo de explorar um projeto específico, no caso nenhuma das empresas envolvidas perde sua personalidade jurídica e, a associação é dissolvida assim que o projeto é concluído.

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inúmeras novas empresas (as quais tinham a participação da estatal venezuelana e a mesma

ainda usufruía de poder de gerência sobre as mesmas), dinamizando o setor, maximizando os

lucros e a conseqüente arrecadação do Estado. Porém, a provável continuidade desta política

de flexibilização seria a privatização da PDVSA e todo o parque petrolífero, uma vez que as

transnacionais entravam no país e cada vez mais possuíam força para barganhar maiores

concessões governamentais.

Em 1999, Hugo Chávez assumia a presidência da Venezuela e, em 2002 entraram em

vigor a Ley Orgánica de Hidrocarburos e a Ley Orgánica de Hidrocarburos Gaseosos. Estas

leis anulavam todas as leis anteriores sobre a indústria de petróleo e gás natural. De acordo

com a nova lei: a PDVSA é propriedade do Estado e é inconstitucional privatiza-la, todas as

atividades da indústria petrolífera do país devem contar com a presença majoritária da

PDVSA (entretanto os contratos firmados anteriormente serão respeitados), o governo

também aumentou de 16,66% para 30% o pagamento de royalties do petróleo venezuelano ao

Estado e, baixou o imposto taxado ao setor petrolífero de 67% para 50%. A mudança nas

taxas de impostos e royalties geraram um aumento na arrecadação estatal, além de

contribuírem para uma maior transparência na tributação. (FIOROTTI, 2005, p. 200).

O grande objetivo do novo presidente, no início de sua gestão, era garantir o controle

do parque petrolífero do país. Nesta nova configuração, ao Ministerio de Energía y Minas

foram atribuídas novas responsabilidades, como outorgar (ou não) concessões de exploração e

produção, além do Ministério ter acumulado algumas funções que antes eram de

responsabilidade da PDVSA.

O novo chefe de Estado também voltou a colocar a Venezuela no sistema de cotas da

OPEP. Durante a década de 1990, com a grande onda de abertura ao capital externo e

privatizações de setores estruturais por parte de países periféricos; os países centrais (maiores

consumidores de petróleo), através de suas empresas petrolíferas, tinham interesse em

flexibilizar regimes e normas nas indústrias de petróleo dos países produtores (como

Venezuela, Brasil) visando garantir o abastecimento da forma mais barata possível.

(BARROS, 2006, 231 – 232).

Tal situação enfraquecia a OPEP, pois a instituição, formada pelos países com as

maiores reservas de petróleo, busca regular os preços internacionais do petróleo e os países

centrais são os seus maiores compradores. Para os grandes produtores (OPEP), não é

vantajoso que as grandes petroleiras internacionais (concorrentes) adquiram fontes baratas de

combustível e o sistema de cotas é uma forma de controlar produção com o intuito de regular

o preço do produto.

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Não satisfeitos com a nova situação, de maior regulação estatal, alguns setores da

PDVSA (principalmente do alto escalão) iniciaram uma greve nacional que se expandiu para

inúmeros outros setores do país, parando quase todas as empresas transnacionais do país a

partir de dezembro de 2002. Em fevereiro de 2003, o governo atendeu a algumas exigências e

a greve parou. Entretanto após esta situação, o governo resolveu trocar toda a direção da

PDVSA e, ainda demitiu 17 mil dos 42 mil funcionários da empresa acusando-os de trair a

pátria por participarem da greve. Apesar desta grande remodelação, agora na configuração

interna da companhia, a estatal venezuelana continuou produzindo com grande eficiência, a

visível redução nos níveis de produção foi devida, principalmente, à entrada no esquema de

cotas da OPEP.

Tal retomada do sistema de cotas da OPEP e a greve propiciaram, à Venezuela, uma

pequena redução na produção global de petróleo a partir do início da década atual e,

principalmente no ano de 2003, conforme a tabela abaixo:

Tabela 3: Produção, exportação, consumo e refino de petróleo na Venezuela:

1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Petróleo (Milhares de Barris per Dia)Produção Total

3517.6 3408.8 3109.2 3460.8 3334.0 2924.2 2581.4 2855.2 2863.3 2802.7 NA

Produção de Petróleo cru

3280.0 3167.0 2825.8 3155.0 3010.0 2603.9 2335.2 2556.9 2564.7 2510.5 NA

Consumo

454.6 456.8 461.2 499.7 544.5 570.7 540.6 552.8 598.0 620.1 NA

Exportação Líquida

3063.0 2952.0 2648.0 2961.1 2789.5 2353.5 2040.8 2302.3 2265.3 2182.6 NA

Total Exportado p/ EUA

1773.0 1719.0 1493.0 1546.0 1553.0 1398.0 1376.0 1554.0 1529.0 1419.0 NA

Capacidade de Refino

1177.0 1177.0 1187.2 1238.9 1282.1 1282.1 1282.1 1282.1 1282.1 1282.1 1282.1

Reservas

(Bilhões de Barris)

64.9 71.7 72.6 72.6 76.9 77.7 77.8 77.8 77.2 79.7 80.0

Fonte: EIA – Energy Information Administration: Venezuela Energy Profile

O quadro demonstra que o país exporta quase 80% do petróleo que produz e, deste

montante, cerca de 65% é comercializado com os Estados Unidos. A partir da invasão norte-

americana ao Iraque, o preço do barril de petróleo teve uma grande disparada no mercado

internacional, o que beneficiou a Venezuela, pois, seu principal produto de exportação foi

bastante valorizado no mercado internacional.

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Com a alta do petróleo, a principal empresa do país pôde reencontrar a estabilidade

comercial. Assim como a greve na estatal (e em diversos setores da economia venezuelana)

deu legitimidade para o governo adotar uma administração mais rígida e, possuir um controle

ainda maior sobre a PDVSA.

Com total controle sobre a atuação da companhia petrolífera estatal, Chávez passou a

dar ainda mais ênfase ao petróleo na pauta de sua política externa. O país firmou inúmeros

acordos de cooperação energética com países como a China, Nigéria, Argélia e Rússia; além

de um grande impulso na venda de petróleo para países caribenhos e de toda a América

Latina. Desde o início de seu mandato, o presidente afirma que o foco das ações políticas do

país está em se aproximar com os países vizinhos. (BARROS, 2006, p. 220 – 222).

Alegadamente o governo venezuelano prega a união e integração dos povos latino-

americanos, como forma de fazer frente à dependência da região com relação às potências. A

Venezuela vê na cooperação energética a base de sustentação inicial para que a integração

regional avance na América Latina em termos políticos. O país, juntamente com o Brasil, teria

a missão de efetivar esta nova situação regional (que deve se estender aos demais países)

através de projetos conjuntos de infra-estrutura, criação de novas empresas, etc.

5 PETROBRÁS E PDVSA: TENDÊNCIAS DE INTEGRAÇÃO ENERGÉTICA

A atuação internacional é uma das principais estratégias para o desenvolvimento, tanto

por parte da Petrobrás, como da PDVSA. Enquanto a primeira tem despontado nos últimos

anos como especialista em exploração de petróleo em águas profundas, a segunda se mantém

como detentora das maiores reservas de petróleo da América Latina. Ambas as empresas,

vinculadas aos seus respectivos governos, possuem grandes responsabilidades políticas dentro

dos seus países e fazem parte de um complexo sistema latino-americano de integração.

As duas empresas passaram a ter uma ligação efetiva a partir de 2000, quando foi

criada a Petróleos de Venezuela do Brasil, uma subsidiária da PDVSA no Brasil. Neste

mesmo ano foram protocoladas intenções da estatal brasileira em explorar gás natural na

Venezuela, e também a idéia de se criar uma joint-venture entre as duas empresas, criando

postos de combustíveis nas regiões norte e nordeste (iniciativa esta que ainda não se

concretizou). (FREITAS, 2003, p. 65).

Já em 2005, foi apresentado um programa conjunto entre os governos da Venezuela e

do Brasil com relação à execução de uma aliança estratégica entre os países. No setor

energético foram assinados 15 convênios. Dentre os quais se previa o desenvolvimento de

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projetos comuns nas áreas: petrolífera, petroquímica, mineração e infra-estrutura. São estes:

1) memorando de entendimento para a cooperação na área da indústria do biodiesel entre o

Ministério de Energia e Petróleo venezuelano e o Ministério de Minas e Energia do Brasil; 2)

memorando de entendimento para cooperação na área do etanol entre os respectivos

ministérios dos dois países; 3) memorando de entendimento entre os ministérios com relação

a construção de plataformas e navios; 4) acordo de confidencialidade para o desenvolvimento

de negócios entre a PDVSA e a Petrobrás; 5) carta de intenção entre PDVSA e Petrobrás para

identificação de oportunidades de negócios em matéria de hidrocarbonetos no bloco cinco do

Projeto Deltana; 6) carta de intenção entre PDVSA e Petrobrás para identificação de

oportunidades de negócios em matéria de hidrocarbonetos em campos maduros na Venezuela;

7) carta de intenção entre PDVSA e Petrobrás para identificação de oportunidades de

negócios em matéria de hidrocarbonetos no Golfo da Venezuela; 8) memorando de

entendimento para cooperação cientifica, técnica e capacitação de pessoal entre PDVSA e

Petrobrás; 9) memorando de entendimento para considerar o possível desenvolvimento

conjunto do Projeto Mariscal Sucre; 10) memorando de entendimento para o desenvolvimento

de negócios e atividades de cooperação na área de produção e distribuição de lubrificantes

entre PDVSA e Petrobrás; 11) memorando de entendimento para o desenvolvimento de

negócios e atividades de cooperação na área de refino entre PDVSA e Petrobrás; 12)

memorando de entendimento para o desenvolvimento de negócios e atividades de cooperação

nas áreas de comércio e transporte marítimo entre PDVSA e Petrobrás; 13) memorando de

entendimento para o desenvolvimento de um projeto conjunto na faixa do Orinoco entre

PDVSA e Petrobrás; 14) memorando de entendimento para o desenvolvimento de negócios e

atividades de cooperação entre Petroquímica de Venezuela S.A. (PEQUIVEN, subsidiária da

PDVSA) e Petrobrás; 15) memorando de entendimento entre PEQUIVEN e BRASKEM S.A.

(subsidiária da Petrobrás)14. (FIOROTTI, 2005, p. 302 – 303).

Dentre os acordos em andamento, pode-se destacar a construção de uma refinaria de

óleo pesado em Pernambuco e também o projeto da faixa do Orinoco na Venezuela. Ambos

os projetos exigem grandes investimentos, além de requerer cooperação em longo prazo. O

primeiro projeto se enquadra no 11º dos convênios citados anteriormente, a refinaria a ser

construída no Brasil terá capital misto, entretanto será administrada pela Petrobrás e refinará

petróleo venezuelano oriundo da faixa do Orinoco. Já o próprio acordo da faixa do Orinoco,

14 Para um detalhamento de cada um dos projetos de cooperação citados, verificar: FIOROTTI, Adriana. A Reestruturação da Indústria do Petróleo Sul Americana dos anos 90. 2005, 348 f., Tese (Doutorado em Ciências em Planejamento Energético). UFRJ, Rio de Janeiro, 2005, p. 304 – 314.

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que prevê a exploração conjunta de petróleo pesado, estará subordinado a Ley de

Hidrocarburos da Venezuela, a qual elege a PDSVA como coordenadora do projeto (e de

qualquer outro projeto petrolífero dentro do país); cada empresa arcará com os custos e com

os riscos de suas devidas responsabilidades.

Existe também um importante acordo de exploração de GNL (Gás Natural Liquefeito)

pela estatal brasileira na Venezuela, assim como a abertura venezuelana a produção de etanol,

em um projeto que prevê a implementação de tecnologia brasileira no país. Estas duas

iniciativas se enquadram em algumas das novas perspectivas estratégicas da Petrobrás, como:

aumentar suas reservas internacionais de BOE (barris de óleo equivalente) e popularizar o uso

do etanol no cenário internacional.

A Venezuela adentrou ao Mercosul, como membro, em 2006. Entretanto, com relação

à entrada do país no bloco regional: “(...) No plano econômico e comercial, não há

conseqüências de curto prazo, pois a adaptação da Venezuela às regras do Mercosul, cada vez

menos estáveis, deve durar no mínimo dois anos”. (PALLONE e SOYAMA, 2007). As

intenções venezuelanas para com o bloco são dotadas do viés político ante o econômico. Para

os integrantes do Mercosul, porém a entrada da Venezuela pode significar uma aproximação

com a Comunidade Andina (CAN) em longo prazo, uma vez que o país governado por

Chávez é o principal líder daquela aliança regional. (CANTARINO, 2006).

No setor energético, entretanto, existem importantes projetos que interligam toda a

região da América do Sul, como os gasodutos que passariam por Argentina, Bolívia, Paraguai,

Uruguai, Venezuela e Brasil. Também é possível ressaltar a iniciativa de Chávez com relação

ao projeto da Petroamérica15, esta que seria uma grande união entre as principais estatais

petrolíferas de toda a América Latina.

Percebe-se que existem muitas iniciativas de integração energética entre o Brasil e a

Venezuela e, não é possível afirmar se todas se concretizarão. Ambas as empresas (Petrobrás

e PDVSA) estão em uma fase de transição, enquanto a brasileira a pouco garantiu a auto-

suficiência no setor petrolífero e busca crescimento no cenário internacional; a venezuelana

passa por uma fase de mudanças institucionais (principalmente devido ao momento do país,

de nacionalização e de divisão política) e busca novos parceiros.

15 Em principio seriam criadas três empresas compostas pelas estatais dos respectivos países: a Petrosul (Venezuela, Uruguai, Argentina e Brasil), a Petroandina (Venezuela, Colômbia, Bolívia e Equador) e a Petrocaribe (Venezuela e mais 14 países do caribe). Após uma fase de adaptação, modernização e equiparação, as três empresas se tornariam uma só: a Petroamérica. Esta atenderia toda a cadeia produtiva da indústria petrolífera na região. Entretanto esta iniciativa é bastante audaciosa e ainda não é possível afirmar se o projeto venezuelano obterá sucesso, principalmente, devido à grande abrangência pretendida.

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Os projetos venezuelanos de integração regional são bastante audaciosos, pois o país

pretende reduzir sua grande dependência com relação aos norte-americanos. Percebe-se que,

desde 1950, os Estados Unidos são responsáveis por mais da metade dos dois lados da

balança comercial venezuelana (exportações e importações). (BARROS, 2006, p. 212).

Chávez acredita que o Estado não deve apenas regular, mas também atuar de forma

preponderante nas políticas econômicas do país e, neste sentido, o governante tem se engajado

bastante nos projetos de cooperação da PDVSA.

A situação brasileira é diferente, o país (ainda) não é um exportador de petróleo,

entretanto almeja alcançar este status em breve. Para que isto possa ocorrer, a Petrobrás

precisa investir na pesquisa e desenvolvimento de novas jazidas assim como em sua

capacidade de produção. Ou seja, a empresa deve investir de modo a expandir suas reservas,

tanto internas como no exterior.

Tanto o Brasil como a Venezuela procuram a integração energética regional. Enquanto

a Petrobrás busca o aumento de suas reservas e produção em território nacional, da mesma

forma que busca explorar o maior número de reservas fora do país; a PDVSA (detentora das

maiores reservas provadas da região) intensifica suas atividades no upstream e

internacionaliza suas ações no downstream. Na configuração regional, pode-se caracterizar os

parques energéticos dos países como complementares, uma vez que a empresa brasileira

busca fontes de energia fora do território nacional com o intuito de criar um excedente interno

e a empresa venezuelana busca novos mercados para suas vastas reservas.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Petrobrás e a PDVSA são as duas maiores petrolíferas da América do Sul. Convém

notar que, apesar de terem características e processos de formação em comum, a situação

energética dos países sempre foi distinta. Ambas nasceram como conseqüência da

nacionalização das respectivas indústrias do petróleo, porém os países nacionalizaram suas

indústrias petrolíferas por questões diferentes.

A Petrobrás nasceu através de uma iniciativa governamental que visava ter o controle

do parque petrolífero nacional através da nacionalização do mesmo (que era muito pouco

desenvolvido). Além disso, o Brasil dependia muito das importações de petróleo e ficava a

mercê dos preços internacionais. Visando ter maior controle sobre os preços do óleo e seus

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derivados, bem como desenvolver a indústria, principalmente o setor de energia e infra-

estrutura, o governo criou a Petrobrás.

Enquanto o governo venezuelano nacionalizou o setor petrolífero pelo motivo oposto

ao brasileiro. O país, desde a década de 1920, é um grande exportador de petróleo, o produto é

o que sustenta a balança comercial desde a referida década. Entretanto, o país não garantia a

renda deste recurso pois a extração era feita por empresas estrangeiras. A PDVSA foi criada

para administrar e regular a extração e produção do petróleo.

O processo de integração energética entre os dois países ainda está em uma fase

inicial, percebe-se, entretanto, que existe boa vontade entre os países em cooperar. O

protocolo de intenções assinado pelos países em 2005 (citado na seção anterior) demonstra

que além de investimentos, estão previstos acordos de troca de tecnologia, de capacitação,

recursos humanos.

Outro indício desta integração regional é que ambos os países vêm desenvolvendo

projetos de cooperação e integração com outros países da região em áreas de infra-estrutura.

Aparentemente os governantes querem criar um setor energético dinâmico e eficiente em

longo prazo.

No curto prazo, ambas as empresas podem atender a necessidade uma da outra.

Enquanto o Brasil busca fontes alternativas de abastecimento, visando resguardar suas

reservas; a Venezuela quer ampliar seu mercado, focalizando principalmente sua estratégia na

América do Sul.

Partindo da perspectiva de Klare, uma aliança energética seria possível em curto

prazo, pois ambos os países são auto-suficientes na questão petrolífera, os mesmos não

encontram uma situação de dependência econômica entre eles e, não têm histórico de conflito.

Entretanto, em longo prazo, não é possível afirmar o que poderia ocorrer com esta possível

aliança. A Venezuela tem uma grande reserva petróleo, o Brasil poderia ficar dependente do

petróleo venezuelano, ou a Venezuela poderia ficar dependente das importações brasileiras.

Ou ainda, o Brasil poderia vir a se tornar concorrente da Venezuela com a descoberta de

novas reservas.

Não é possível afirmar, com absoluta certeza, se a Petrobrás e a PDVSA realmente

desenvolverão um projeto de integração sólido e a longo prazo. Ambas as empresas estão em

fase de mudança e existem inúmeros acordos de cooperação energética entre as empresas, no

entanto a maioria destes ainda está em fase inicial.

O projeto da Petroamerica não parece muito atrativo ao Brasil em um primeiro

momento, uma vez que a estatal brasileira vem crescendo muito em nível nacional e

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internacional. Entretanto o governo brasileiro se mostra disposto a conversar sobre acordos

desta proporção, ao passo que a Venezuela busca este tipo de integração mais ampla com seus

vizinhos, na tentativa de reduzir sua dependência com relação aos Estados Unidos. 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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