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“São prováveis mais reest Kenneth Rogoff professor da Universidade de Harvard Textos Jorge Nascimento Rodrigues nos EUA Foto Peter Pereira O professor do Departamento de Econo- mia da Universidade de Harvard, nos Es- tados Unidos, admira-se como na zona eu- ro se está a levar imenso tempo para re- correr a soluções mais diversificadas para resolver a vaga das crises de dívida públi- ca. A “lentidão” europeia é muito arrisca- da, avisa Kenneth Rogoff. A “caixa de fer- ramentas” para lidar com estas crises es- tá historicamente documentada. Basta não ter amnésia, afirma. O prognóstico que avança no seu gabinete nº 216 no im- ponente Centro Littauer, de granito cin- zento, não muito longe da famosa Oxford Street, em Cambridge, do outro lado de Boston, é que a mensagem política de Bru- xelas de que as soluções para a Grécia fo- ram únicas “não vai funcionar”. Parece- -lhe altamente improvável que as reestru- turações de dívida fiquem confinadas à pá- tria helénica, embora não se tenha pro- nunciado especificamente sobre Portu- gal. O que vai resultar desta crise das dívi- das na zona euro? O futuro mais provável poderá ser um período de 15 anos de crescimento muito, muito baixo, por vezes positivo, mas por vezes negativo, como aconteceu no Japão. Em suma, os países “periféricos” da zo- na euro estão condenados a um longo pe- ríodo de estagnação em virtude do seu sobreendividamento? Sim, espera-vos uma situação dessas se não houver um assumir de perdas pelos credores. Dificilmente se pode imaginar que é sustentável o que se está a passar em certos países da zona euro com recessões que poderão ultrapassar a Grande Depres- são (dos anos 30), por exemplo, com os níveis de desemprego. Eu perguntei a al- tos responsáveis europeus: acham mesmo que vão poder ter estabilidade social nes- ses países? Se não houver incumprimentos de dívida (defaults), como serão os próxi- mos 10 anos? Como vão restaurar o cresci- mento? Vão expulsar a Grécia e empurrá- -la para os braços dos russos e dos chine- ses? Não me parece que seja uma estraté- gia séria a que está a ser seguida. Esta polí- tica europeia, aliás muito lenta, é altamen- te arriscada. Perdão da parte dos credores? Mas a melhor política de desendividamento não é a deflação interna e uma forte desa- lavancagem através da terapia da austeri- dade, como tem exigido a troika aos paí- ses intervencionados? A pertença ao eu- ro deixará outra alternativa que não a austeridade? Sou um pouco eurocético, como se sa- be, mas lançar a culpa de tudo sobre o eu- ro é errado. Mesmo com um sistema de câmbios flexíveis, com o nível de sobreen- dividamento que há nesses países a nível público e privado, ocorreriam os mesmos problemas graves que se observam. Por is- so, perante a magnitude do problema, eu digo que é inevitável ter de encarar o pro- blema de reestruturações profundas das dívidas, muito além do que tem sido discu- tido em público. A ideia de que a Grécia é um caso “único” não vai funcionar. Mas essa é a pedra basilar da mensa- gem política que é dada por Bruxelas — Muitos líderes mundiais telefonaram ao professor de Harvard quando ele avisou que estava a caminho uma grande crise ENTREVISTA OS “PERIFÉRICOS” PODERÃO TER UMA LONGA ESTAGNAÇÃO SE NÃO HOUVER UMA ASSUNÇÃO DE PERDAS PELOS CREDORES 20 ECONOMIA Expresso, 16 de

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“São prováveis mais reestKenneth Rogoff professor da Universidade de Harvard

Textos Jorge Nascimento

Rodrigues nos EUA

Foto Peter Pereira

O professor do Departamento de Econo-mia da Universidade de Harvard, nos Es-tados Unidos, admira-se como na zona eu-ro se está a levar imenso tempo para re-correr a soluções mais diversificadas pararesolver a vaga das crises de dívida públi-ca. A “lentidão” europeia é muito arrisca-da, avisa Kenneth Rogoff. A “caixa de fer-ramentas” para lidar com estas crises es-tá historicamente documentada. Bastanão ter amnésia, afirma. O prognósticoque avança no seu gabinete nº 216 no im-ponente Centro Littauer, de granito cin-zento, não muito longe da famosa OxfordStreet, em Cambridge, do outro lado deBoston, é que a mensagem política de Bru-

xelas de que as soluções para a Grécia fo-ram únicas “não vai funcionar”. Parece--lhe altamente improvável que as reestru-turações de dívida fiquem confinadas à pá-tria helénica, embora não se tenha pro-nunciado especificamente sobre Portu-gal.

O que vai resultar desta crise das dívi-das na zona euro?

O futuro mais provável poderá ser umperíodo de 15 anos de crescimento muito,muito baixo, por vezes positivo, mas porvezes negativo, como aconteceu no Japão.

Em suma, os países “periféricos” da zo-na euro estão condenados a um longo pe-ríodo de estagnação em virtude do seusobreendividamento?

Sim, espera-vos uma situação dessas senão houver um assumir de perdas pelos

credores. Dificilmente se pode imaginarque é sustentável o que se está a passar emcertos países da zona euro com recessõesque poderão ultrapassar a Grande Depres-são (dos anos 30), por exemplo, com osníveis de desemprego. Eu perguntei a al-tos responsáveis europeus: acham mesmoque vão poder ter estabilidade social nes-ses países? Se não houver incumprimentosde dívida (defaults), como serão os próxi-mos 10 anos? Como vão restaurar o cresci-mento? Vão expulsar a Grécia e empurrá--la para os braços dos russos e dos chine-ses? Não me parece que seja uma estraté-gia séria a que está a ser seguida. Esta polí-tica europeia, aliás muito lenta, é altamen-te arriscada.

Perdão da parte dos credores? Mas amelhor política de desendividamentonão é a deflação interna e uma forte desa-

lavancagem através da terapia da austeri-dade, como tem exigido a troika aos paí-ses intervencionados? A pertença ao eu-ro deixará outra alternativa que não aausteridade?

Sou um pouco eurocético, como se sa-be, mas lançar a culpa de tudo sobre o eu-ro é errado. Mesmo com um sistema decâmbios flexíveis, com o nível de sobreen-dividamento que há nesses países a nívelpúblico e privado, ocorreriam os mesmosproblemas graves que se observam. Por is-so, perante a magnitude do problema, eudigo que é inevitável ter de encarar o pro-blema de reestruturações profundas dasdívidas, muito além do que tem sido discu-tido em público. A ideia de que a Grécia éum caso “único” não vai funcionar.

Mas essa é a pedra basilar da mensa-gem política que é dada por Bruxelas —

Muitos líderes mundiaistelefonaram ao professor deHarvard quando ele avisou queestava a caminho uma grande crise

ENTREVISTA

OS “PERIFÉRICOS”PODERÃO TERUMA LONGA

ESTAGNAÇÃOSE NÃO HOUVERUMA ASSUNÇÃO

DE PERDASPELOS CREDORES

20 ECONOMIA

Expresso, 16 de

truturações da dívida”

que o que se fez, em condições-limite, coma Grécia é uma exceção, a não repetir.

A União Europeia seria louca se chutas-se a Grécia para fora. Tornar-se-ia vulne-rável. Por isso atuou. Mas o que acho éque são muito prováveis mais reestrutu-rações de dívida — não necessariamentetransparentes.

O que entende por reestruturaçõesnão transparentes?

Juros mais baixos é uma forma de rees-truturação. Garantias implícitas dadaspelo Banco Central Europeu (BCE) tam-bém são. Um conjunto de políticas desig-nadas por repressão financeira à escalada zona euro, também.

A história mostra que há uma diversi-dade de ferramentas para enfrentar estetipo de crises de dívida. Por que razão na

Europa se insiste apenas na via da defla-ção interna que tão trágicos resultadosdeu durante a Grande Depressão dosanos 30 na Europa?

Há, de facto, várias ferramentas paralidar com o sobreendividamento, comoeu e Carmen Reinhart temos apontado, eque não servem apenas para os merca-dos emergentes. Uma delas é mais infla-ção. Outra é o que chamamos repressãofinanceira. Outra é a assunção de perdaspelos credores, que pode ter várias moda-lidades. Esta parece-me a melhor solu-ção. A deflação interna e a desalavanca-gem são, socialmente, altamente stres-santes.

No seu trabalho de investigação históri-ca realizado com Carmen Reinhart recor-dou que o perdão substancial de dívidassoberanas não é algo anormal nem peca-

minoso. Aliás, os Estados Unidos perdoa-ram dívida nos anos 30 a 17 países euro-peus, somando 17% do produto internobruto (PIB) americano...

Sem dúvida. Analisámos esse casonum artigo científico publicado há poucotempo. Mas, mais recentemente na histó-ria, continua, por exemplo, a surpreen-der-me o Plano Brady, de março de 1989,gizado por Nicholas Brady, secretário doTesouro norte-americano, para os paísesem desenvolvimento com crises de dívidaao longo dos anos 80. O plano decidiu-sepor um ‘corte de cabelo’ (haircut) da dívi-da de 30% a 35% quase idêntico para to-dos os países envolvidos e isso chocou--me na altura. Mas uma opção caso a ca-so era difícil e geradora de conflitos. É,sem dúvida, o caso recente mais notável.

Mas a terapia da austeridade promete

o crescimento se as reformas estruturaisforem executadas...

As reformas estruturais ajudam emqualquer cenário, isso é verdade. Mas sãodifíceis de medir. O nível de sobreendivi-damento é muito problemático, e prova-velmente necessita de renegociação. Maso que está errado é julgar-se que, comessa política [de austeridade], o cresci-mento vai aparecer em breve. Isso não écorreto — isso não vai acontecer. Preten-dem, sistematicamente, que o crescimen-to está ao virar da esquina. Porque estãoà espera do futuro para agir? O que é queacontece entretanto? É, aliás, uma posi-ção muito vulnerável, por exemplo, se,entretanto, algo corre muito mal em al-gum sítio — se a China tem uma crise, sehá uma guerra no Médio Oriente ou ou-tro evento.

[email protected]

HISTÓRIA DAS BANCARROTAS

Um título de livro que deve ser lidoexatamente ao contrário

Em 2009, quando ainda pouca genteimaginava que crises de dívida poderiamsurgir na cauda de uma crise financeira,Kenneth Rogoff, com a sua colega deinvestigação e coautora, Carmen Reinhart,publicou o livro que lançou uma pedradano charco — intitulado ironicamente“Desta Vez É Diferente” (“This Time IsDifferent”). Deve interpretar-se o títuloexatamente ao contrário — desta vez nãoé diferente dos oito séculos de história deloucura financeira, que o livro aborda, coma mais completa listagem de crisesfinanceiras globais e bancarrotas desde oséculo XIV, compilada e estudada até àdata. “Esta vez” foi a crise que aindaatravessamos. O livro caiu, então, comouma bomba; surgiu contra a amnésiahistórica coletiva e o estado de negaçãonos políticos e decisores da Europa, emesmo entre académicos e analistas.Esqueceram-se, ou desconheciam, osepisódios do passado de bancarrotas naEuropa desenvolvida e as “ferramentas”então utilizadas. Ignoraram (e aindaignoram) os desastres que as políticas deausteridade seguidas durante a GrandeDepressão em alguns países europeusprovocaram. “O estado de negaçãoconduziu, agora, a políticas que em algunscasos se arriscam a exacerbar os custosfinais da desalavancagem”, diz Rogoff. “Sea Europa não crescer, será muito, muitodifícil pagar as dívidas com os cortesorçamentais. Isso vai conduzir a anos eanos de recessão. Nenhum país, nenhunseleitores vão tolerar isso”, disse Rogoffrecentemente. É muito crítico da políticade austeridade na zona euro, que parte daideia de um estado de “exceção” dos paísesdesenvolvidos, em que a saída dosobreendividamento se garante pela via daausteridade. Sem lançar mão da “caixa deferramentas” histórica — uma “coisa” queseria só para subdesenvolvidos, sem ética.

Kenneth Rogoff faz 60 anos no dia 22 demarço. Nasceu em Rochester, no estadode Nova Iorque. A paixão desde tenra ida-de foi o xadrez, cujos truques começou aaprender com o pai aos seis anos. Aos 13recebeu um tabuleiro e as peças e umano depois já era mestre e campeão noestado de Nova Iorque. Chegou a jogarvendado contra 25 jogadores. Aos 16anos representou o país no campeonatomundial na Suécia, onde uma maratonacontra o britânico Arthur Williams esta-beleceu um recorde que foi registado no“Guinness”. Largou a escola pelo xadrez,mudou-se para a Europa e baseou-se emZagrebe e Sarajevo, vivendo do que ga-nhava nos jogos. Mais tarde decidiu vol-tar aos estudos e em 1975 obteve um ca-nudo na Universidade de Yale e em 1980doutorou-se em Economia no Massachu-setts Institute of Technology (MIT), emCambridge, Boston. Em 1977 seria con-sultor do Banco de Portugal. Mesmo as-sim não se desligou do xadrez e bateu-secontra o também jovem soviético Ana-toly Karpov. Em 1978 alcançou o mais al-to título no xadrez, o de grande mestreinternacional, atribuído, vitaliciamente,pela Federação Internacional de Xadrez.A partir de 1982 saiu dos tabuleiros e sóinterrompeu em agosto do ano passadopara se bater num restaurante de NovaIorque contra o jogador mais rápido domundo, o jovem norueguês Magnus Carl-sen de 22 anos, que disse que o professorde Economia jogou uma boa partida. Ocampeão de xadrez acabou por se dedi-car à investigação em finanças internacio-nais, mas também em economia políticae macroeconomia. Começou a carreiracomo economista na Divisão de FinançasInternacional da Reserva Federal (o ban-co central norte-americano) entre 1980 e1984 e, depois, no Fundo Monetário In-ternacional (FMI), no Departamento deInvestigação, em 1982 e 1983. Começou adar aulas de Economia em 1985 percor-rendo várias universidades até que en-trou para professor de Economia na Uni-versidade de Harvard, em Cambridge,Boston, em 1999, onde está até hoje. Re-gressaria ao FMI décadas depois, comoconselheiro económico e diretor do De-partamento de Investigação entre agostode 2001 e setembro de 2003.

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É ERRADO JULGAR-SEQUE, COM POLÍTICA

DE AUSTERIDADE, OCRESCIMENTO VAI

APARECER EM BREVE.ISSO NÃO É CORRETO

— ISSO NÃO VAIACONTECER

Chegou a grande mestreinternacional. Mas há 30 anosoptou pela Economia e pelaUniversidade. Já neste séculofoi economista-chefe do FMI

O campeãode xadrezque se tornoueconomista

ECONOMIA 21março de 2013

22 ECONOMIA Expresso, 16 de março de 2013

“Muitos sofriam de amnésia”Poderá haver mudança de orientação

na política de austeridade na Europa?O meu prognóstico é simples: as

atuais políticas na zona euro terão deser modificadas. Posso estar enganado,é claro. Os alemães vão acabar por terde concluir, de um modo lento e doloro-so, que ou vão perder o dinheiro duran-te uma recessão continuada e com cri-ses ou simplesmente terão de fazeruma assunção de perdas.

O recurso a medidas não convencio-nais de política monetária, como a co-municação de que o Banco Central Eu-ropeu (BCE) poderá colocar em práticaum programa de compra ilimitada dedívida pública (OMT), é convincente pa-ra os investidores pararem de exigir ju-ros elevados para financiar os “periféri-cos”?

Deixe-me dizer-lhe que Mario Draghijogou muito bem as cartas que podia jo-gar, como a desse programa OMT. Elefoi muito bem-sucedido com a sua atitu-de muito “emocional”. Mas o BCE nãose pode substituir a um sistema políticoeuropeu que funcione. O que Draghi es-tá a fazer é permitir um alívio temporá-rio, sem dúvida possível por váriosanos, mas não para sempre, é claro. Aspessoas, no entanto, esperam de maisde Draghi. O que ele pode fazer é ga-nhar tempo, e está a fazê-lo muito bem,eliminando pânico do sistema.

Os europeus foram um pouco apa-nhados de surpresa com o rebentar dascrises de dívida soberana depois do pi-co da crise financeira. Inclusive muitagente responsável achava que o riscode bancarrota não existia em países de-senvolvidos, que essas situações eram“coisas do Terceiro Mundo”. O vosso li-

vro “This Time is Different” foi encara-do com muito ceticismo. Como pôde is-so acontecer?

Muitos países sofriam de amnésiaem relação ao passado. Muita gente in-clusive desconhecia o passado de in-cumprimentos de dívida na Europa eas soluções que foram adotadas. Atémesmo nos Estados Unidos se desco-nhecia que houve um default em abrilde 1933. O meu trabalho de investiga-ção com Carmen Reinhart, e publicadonesse livro que refere, demonstrouque, historicamente, vagas de crisesbancárias internacionais são, quase in-variavelmente, seguidas, ainda quecom um atraso de alguns anos, por va-gas de crises de dívida soberana.

Essa amnésia gerou algumas ideiasfeitas...

Sim. A ideia comum é que os paísesdesenvolvidos não necessitam de recor-rer à caixa de ferramentas dos merca-dos emergentes para lidar com o pro-blema. Mas, como documentámos, es-sa ideia nada tem a ver com a históriados próprios países desenvolvidos.Reestruturações e conversões de dívi-da, tolerância por inflação mais eleva-da, repressão financeira, ou uma combi-nação dessas opções, foram parte inte-grante da resolução das crises de dívidanos países desenvolvidos no passado.

É um grande mestre internacional dexadrez. A sua juventude foi passada emfrente dos tabuleiros, o que aprendeucom essa paixão?

Muitas lições. Primeira: a importân-cia de me manter calmo em situaçõesdifíceis, mesmo depois de se cometerum erro. Segunda: que, independente-mente de se achar que compreende

muito bem uma dada posição, deve tersempre em conta que há vários níveisde complexidade, escondidos. Para oseconomistas, esta segunda lição impli-ca que é importante ser humilde, e com-preender bem a diferença entre teruma opinião forte bem fundamentadae ser demasiado confiante em si pró-prio. Terceira lição: a importância deter um plano estratégico de longo pra-zo e não se focalizar exclusivamentenos problemas de curto prazo.

Ao fim de 30 anos regressou, emagosto do ano passado, ao tabuleiro pa-ra jogar contra o atual prodígio norue-guês Magnus Carlsen. Que memóriaguardou desse encontro no restauran-te nova-iorquino Per Se?

A conversa ao jantar depois do jogo.

Um dos pontos marcantes da sua car-reira profissional foi a sua passagem pe-lo Fundo Monetário Internacional (F-MI), onde chegou a conselheiro econó-mico, um lugar de enorme projeção in-telectual. Que balanço faz?

Foi uma grande experiência. Apren-di imenso sobre macroeconomia, comolidar com situações económicas degrande desafio e como se deve exercera liderança. Trabalhei com imensos eco-nomistas de nomeada, de dentro e defora do FMI, e foi aí que comecei a tra-balhar com Carmen Reinhart.

Em 1977, ainda era um licenciado emEconomia bem fresco, veio a Lisboa, co-mo consultor do Banco de Portugal. Noano em que o país solicitou a primeiraintervenção do FMI. O que mais o mar-cou?

Aprendi imenso com Silva Lopes, en-tão governador do Banco de Portugal.

Até a mulher, que estava de férias nu-ma pequena cidade no sul de Espanhacom os filhos, lhe telefonou, surpreendi-da, quando viu a manchete do “Le Mon-de” citando-o numa conferência em Sin-gapura onde anunciara que “o pior esta-va para vir” e que “um dos grandes ban-cos ou dos bancos de investimento po-deria colapsar nos próximos meses”.Estávamos a 19 de agosto de 2008. Nodia seguinte, o influente “AmericanBanker” intitulava que “Rogoff anteci-pa falência de grandes bancos”.

Quase um mês depois, ocorria o pedi-do de bancarrota pelo banco norte--americano Lehman Brothers, um epi-sódio que ficou conhecido na históriadesta grande crise como o “momentoLehman” a 15 de setembro. KennethRogoff disse, depois, que, quando fez oaviso, não “tinha nenhum nome especí-fico na cabeça”.

Tal como a mulher, também líderesmundiais, senadores norte-americanos eoutros decisores políticos lhe telefona-ram de urgência. “Os meus amigos e acomunidade do mundo financeiro pensa-vam até que eu tinha endoidecido”, co-menta-nos Ken Rogoff a rir-se, paraacrescentar que, no entanto, “os líderesmundiais, alguns ministros das Finan-

ças, alguns banqueiros centrais comquem falei, estavam interessados em meouvir”. Na verdade, o professor de Har-vard é que ficou surpreendido com a rea-ção de muita gente: “A minha interven-ção em Singapura foi vista como muitoradical. Mas eu já vinha a dizer aquilo háalgum tempo. A investigação que haviarealizado com Carmen Reinhart aponta-va claramente para o facto de que o mun-do já estava em recessão, ainda que mui-ta gente não o tivesse reconhecido na al-tura. Era muito claro para nós, já no ve-rão de 2007, que algo de muito erradose passava nos mercados de crédito. Eunão estava a ser sensacionalista em Sin-gapura. Eu não estou no negócio de‘criar’ crises, eu estudo crises”.

Além disso, Rogoff recolhera informa-ção no terreno: “Eu falava com gentedos níveis intermédios nos principaisbancos de investimento, que me diziamque até tinham de lutar para comprarlápis... Era claro que havia um problemade liquidez. Não podiam fazer nada queenvolvesse dinheiro vivo”.

A razão de muita gente ficar surpreen-dida e ter reagido com indignação deve--se, diz Rogoff, à “psicologia da ignorân-cia e a muita arrogância”. “As pessoasnão esperavam que aquilo acontecesse,mas isso é típico”. Volta a rir-se para con-cluir: “Foi um momento muito interes-sante para mim. Mas, confesso, tambémmuito stressante, pois eu estou fora des-se jogo mediático, eu estudo crises”.

Houve muita gente surpresacom o aviso de Rogoff. Masele sabia que até para comprarlápis não havia dinheiro vivoem bancos de investimento

Rogoff avisou, um mês antes,em Singapura, da iminência deum “momento Lehman”, de umcolapso de um grande da finança

“Julgavamque eu tinhaendoidecido”

DESTAQUES

DILEMA ALEMÃO

“Os alemães vãoacabar por concluirque ou perdem odinheiro durante umarecessão continuadaou simplesmentefazem uma assunçãode perdas”

BANCO CENTRAL EUROPEU

“Mario Draghi jogoumuito bem as cartasque podia jogar, comoa do programa OMT.Foi bem-sucedido”

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