116401865 a filha do feiticeiro j w rochester

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    A Filha do Feiticeiro J. W. RochesterPsicografado por Wera KrijanowskaiaTraduo: D i m i t r y S i i h o g i i s o f f 2003 1a edio maro de 2003 John Wochester nasceu em 1. ou 10 de abril de 1647 (no h registro da data precisa). Filhode Henry Wilmot e Anne (viva de Sir Francis Henry Lee), Rochester parecia-se comseu pai, no fsico e no temperamento, dominador e orgulhoso. Henry Wilmot havia recebido o ttulo de Conde devido ao seu empenho em levantar dinheiro na Alemanha para ajudar o rei Carlos I a recuperar o trono, depois de ter sido obrigado a deixar a Inglaterra. Quando seu pai morreu, Rochester tinha 11 anos e herdou o ttulode Conde, pouca herana e honrarias. O jovem J.W. Rochester cresceu em Ditchley entre a bebida, as intrigas do teatro, as amizades artificiais com poetas profissionais, a luxria, os

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    bordis de Whetstone Park e a amizade do rei, a quem ele desprezava. Sua cultura,para a poca, foi ampla: dominava o latim e o grego, conhecia os clssicos, o francse o italiano. Em 1661, com 14 anos, saiu do Wadham College, em Oxford, com o ttulo de Master of Arts. Partiu, ento, para o continente (Frana e Itlia) e tornouse umafigura interessante: alto, esguio, atraente, inteligente, charmoso, brilhante,sutil, educado e modesto, caractersticas ideais para conquistar a frvola sociedadede seu tempo. Quando ainda no contava com 20 anos, em janeiro de 1667, casa-se com Elizabeth Mallet. Dez meses aps, a bebida comea a afetar seu carter. Teve quatrofilhos com Elizabeth, e uma filha, em 1677, com a atriz Elizabeth Barry. Vivendo as mais diferentes experincias, desde combates marinha holandesa em alto mar atenvolvimento em crime de morte, a vida de Rochester seguiu por caminhos de desatinos, abusos sexuais, alcolicos e charlatanismo, num perodo em que atuou como "mdico". Quando contava com 30 anos, Rochester escreve a um antigo companheiro de aventuras relatando estar quase cego, coxo e com poucas chances de rever Londres. Em rpida recuperao, Rochester retorna a Londres. Pouco tempo depois, agonizante, realiza sua ltima aventura: chama o sacerdote Gilbert Burnet e dita-lhe suas memrias.Em suas reflexes finais, Rochester reconhecia ter vivido uma existncia

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    inqua, cujo fim lhe chegava lenta e penosamente em razo das doenas venreas que lhe ominavam. Conde de Rochester morreu em 26 de julho de 1680. Depois de 200 anos,atravs da mdium Wera Krijanowskaia, Rochester manifesta-se para ditar sua produo hitrico-literria, testemunhando que a vida se desdobra ao infinito nas suas marcas indelveis da memria espiritual, rumo luz e ao caminho de Deus.

    Mais um Texto Inconfundvel de RochesterA Lmen Editorial tem a satisfao de oferecer ao pblico mais um romance indito do eso John Wilmot Rochester. Desta vez, apresentamos A Filha do Feiticeiro, uma obracujo valor histrico remonta ao final do sculo XIX e incio do XX, perodo em que o txto foi psicografado pela mdium russa Wera Krijanowskaia. De antemo, alertamos osleitores no se tratar de um romance propriamente esprita, no sentido clssico do termo, com ensinamentos sobre os postulados bsicos do Espiritismo codificado por Allan Kardec. Trata-se, sim, de um romance medinico, cuja trama repleta de suspense,presena de "foras ocultas", sobrenaturais, alm da batalha final entre o bem e o mal para a "salvao" de uma alma perdida. Tudo isso desenhado com o texto envolventede Rochester, que prende nossa ateno da primeira at a ltima

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    linha, deixando fluir sua mente imaginativa e talentosa capaz de lidar com as coisas do Cu e do Inferno com a mesma magnanimidade de um soberano absolutista de tempos remotos. Por isso, a Lmen Editorial pode at discordar de alguns conceitos emitidos por Rochester nesta obra, mas considera de fundamental importncia dar estacontribuio para a Histria ao editar o romance tal qual foi psicografado no original em russo, resgatando uma obra perdida no tempo de um dos autores espirituais mais lidos em todo o mundo. Da nosso esforo em trazer o livro ao pblico leitor, independentemente de ser ou no uma obra marcadamente esprita, mas com certeza medinica.Para que o trabalho se concretizasse de forma irretocvel, novamente recorremos ao trabalho profissional de Dimitry Suhogusoff, um excepcional especialista no difcil idioma russo e, acima de tudo, um conhecedor profundo dos textos de Rochester. Neste A Filha do Feiticeiro, mais uma vez a obra ficou intacta, conforme o original russo, graas ao trabalho de "garimpagem" de Dimitry, sempre buscando e pesquisando a melhor palavra em portugus para definir o sentimento e a emoo transmitida pelo autor espiritual. Esta unio de energias em cada rea resultou em mais uma obra acabada. Esperamos que os leitores apreciem o estilo e o texto rochesterianosaqui apresentados e possam tirar suas concluses sobre a histria de Ludmila, a verdadeira filha do feiticeiro Krassinsky.

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    O editor

    Parte 1"La religion dit: croyez et vous comprendrez. La science vient vous dire: comprenez et vous croirez." J. de Maistre E ento, Ivan Andrevitch, decididamente voc

    resolveu nos deixar, no ? Isso me deixa decepcionado, pois eu pensava t-lo conoscopelo menos por mais um ms. Sim, Filipp Nikolevitch, s passei aqui principalmente pra convenc-los a sarem deste lugar nojento e assustador. Ivan Andrevitch era um velho e respeitado homem do mar. O rosto belo e enrgico emoldurava-lhe a barba esbranquiada; nos grandes olhos cinza e nas pregas da boca, espreitava-se uma expressode amargura, sinal de que sua vida ainda no se libertara das lutas e decepes. Oh, adrinho, fique, suplico-lhe!... Veja como aqui aprazvel, que vista maravilhosa ear puro e refrescante temos! - Interveio uma jovem, sentada perto.

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    Afastando o prato com morangos, ela aconchegouse a ele e, com intimidade, f-lo sevirar para o panorama descortinado de fato pictrico. A casa erguia-se num morro;em seus ps dormitava um lago, nele verdejando uma ilhota de mata densa e, atravsdo frondoso verdor de rvores, entrevia-se o telhado pontiagudo de um prdio. Uma floresta escura cingia quase todo o horizonte, salvo num lado, onde se divisava umpovoado com a cpula azul-celeste de sua igreja. Tal conversa se passava num amplo terrao, guarnecido de flores e plantas. Uma escada de dez lances conduzia ao jardim, de onde uma ladeira dava ao lago. A mesa de ricos cristais e prataria, adornada por grande vaso de flores, sentavam-se o anfitrio, sua esposa, a filha Ndya,seu padrinho e um velho e venerado padre. No jardim, aos ps da escada, um meninode uns treze anos e uma menina de sete brincavam de argola e vareta. O anfitrio,Filipp Nikolevitch Zamytin, era o diretor de um importante banco em Kiev. Ainda que passasse dos cinqenta, era um homem cheio de fora. Sua esposa, Zoya Issifovna, filha de um grande produtor de acar, trouxe-lhe de dote um belo patrimnio. Desse modo, a hospitaleira casa do afvel Filipp Nikolevitch, conhecido por sua honestidadee bom acolhimento, era de bom grado freqentada pela melhor sociedade. A propriedade, sob o nome de Gorki, onde estavam os Zamytin, fora herdada por Filipp Nikolevitch. A casa do senhorio, at ento vazia por muitos

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    anos, foi totalmente reformada e, pouco mais de duas semanas antes, a famlia l seinstalou a fim de acompanhar os trabalhos de organizao domstica. E no tenho razorinho? Por acaso esta vista no merece sua presena? E que dizer de suas concepes suprsticiosas - estranhas, devo dizer - neste sculo iluminado? Pois me diga ento: porque um lugar haveria de ser mais funesto que outro? - provocou Ndya, fitando comum sorriso malicioso o almirante. Ndya est certa. Voc no deve dar crdito a essetos de fada, espalhados por mulheres ociosas, Ivan Andrevitch - apoiou o pai. Entendo o quanto ainda o amargura o fim trgico de Marssya - prosseguiu ele. - Mas, aoinvs de atribu-lo a alguma fora oculta, mais lgico seria explicar que Marssya tensido vtima de dois fortssimos abalos espirituais, causados pela morte do noivo e oassombro de vlo vivo. Ademais, a morte sbita daquele idiota Krassinsky teria se refletido em sua natureza sensvel. Se voc visse o que vi e conhecesse todas as circunstncias estranhas que acompanharam o fim de Marssya, mudaria seu ponto de vista.Que o local funesto e que aquela casa na ilha j presenciou muita coisa, sequer suspeitada pelos cientistas modernos, tudo pode ser confirmado pelo padre Tmon. Oh, padre, conte-nos, por favor, o que sabe daquela casa! Quem a construiu e o quel

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    aconteceu? Estou curiosa em visit-la e assim que o barco ficar consertado, irei lcom Mikhail Dmtrievitch, pois os mistrios que ela guarda, com suas pequenas torrespontiagudas como as do castelo da "Bela Adormecida", me aguam a curiosidade. Ndyaarrastou a cadeira para perto do padre e ps-se a lhe pedir para compartilhar dasinformaes sobre a casa mal-assombrada. Bem, terei o prazer em contar o que sei. Devo dizer que o meu relato, infelizmente, ir confirmar a justa repulsa - e o padre olhou para o almirante de Vossa Excelncia, nutrida por toda esta localidade. Ele se compenetrou por instantes e fixou o olhar na ilhota, destacada sobre o espelho do lago feito um buqu. No conheci pessoalmente o construtor daquele castelo nailha. O meu antecessor, padre Porfrio, contou-me que o proprietrio de Gorki haviainiciado a construo ao retornar de uma longa viagem ao estrangeiro. Trouxera consigo um arquiteto - um italiano, conforme diziam. Os operrios falavam, ainda, sereste um feiticeiro, por estar sempre acompanhado por um co negro de olhos humanos, temido por todos. Havia, ademais, boatos de que o italiano tinha o "olho gordo" e se aquele homem moreno e de estatura baixa passasse por algum e lhe lanasse umolhar com seus olhos argutos e cruis, algum infortnio era inevitvel: seus filhos adoeceriam, o gado morreria ou algo pegaria fogo. Assim, no era fcil arregimentar operrios; a simples viso

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    do italiano fazia as pessoas debandarem para longe. A m fama da propriedade teveincio ao trmino da construo, quando o dono deixou de benzer a casa. Depois, correu boato da morte do italiano, cujo corpo foi enterrado na ilha. Seguiram-se mexericos sobre a ocorrncia de fatos estranhos na ilha: incndios de rvores durante a noite, uivos alucinados de ces. Resumindo: o pmico tomou conta da aldeia. Coisas estranhas aconteciam com o prprio proprietrio; emagrecia a olhos vistos, evitava pessoas e, meio ano depois, ele foi encontrado morto no leito. Instalou-se ali ento seu filho, junto com a esposa e um menino de treze a catorze anos, filho deles. Umpouco antes, eu fui designado para c como padre titular e por vrias vezes estivena casa de Pvel Pvloviteh Iztov. No incio ele era uma pessoa alegre e comunicativa;visitava os fazendeiros vizinhos, recebia em casa e caava; depois, sem qualquer razo aparente, parou de sair de casa. Diziam que ele passava dias e noites lendo livros e documentos do pai e, com a morte sbita de sua esposa, de infarto, mudou-se de vez para a ilha. Meses mais tarde, ele viajou com o filho Nikolai ao exterior, e, desde ento, eu nunca mais o vi. Mais de quinze anos se passaram sem que algum dos proprietrios aparecesse em Grki. A casa, tapada com tbuas, era vigiada pelovelho mordomo Fom e sua esposa. Nenhum outro p pisara a ilha. Pvel Pvloviteh, antede viajar, expediu ordens expressas de no se tocar em nada no castelo...

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    Era um dezembro friorento e a noite especialmente tempestuosa. O vento silvava euivava no campo, fustigando a neve contra as janelas; um frio de rachar marcavamenos de vinte graus. Eu morava, naquela poca, na velha edcula da igreja -hoje inexistente - e acabava de enterrar minha esposa. A amargura da perda corroa-me a alma e, para afugentar a saudade, trabalhava at as altas horas da noite. J passavada meia-noite, quando ouvi o tilintar dos sinos de uma sege ao lado da casa. Oh,meu Deus! - pensei - algum vem me buscar para extrema-uno. Seguiram-se batidas naporta do vestbulo e logo ouvi o casal de empregados resmungando por terem sido perturbados quela hora. Sa e ordenei-lhes abrirem a porta, quando vejo diante de mimum cocheiro coberto de neve. O que lhe aconteceu na viagem, no consigo entender-comeou a explicar o cocheiro. - Est vivo ou morto - no sei. Com esse tempo to ruimno se v nada. Resolvi passar aqui, padre, buscando ajuda. Iluminei o interior docoche e vi, recostado nas almofadas, um jovem esmaecido de olhos cerrados que, se ainda estivesse vivo, obviamente estava muito doente. O patro aparentemente erarico, a julgar pela pelia, pelo bauzinho luxuoso e dois sacos de viagem. De qualquer forma, era claramente irrealizvel lev-lo por dois quilmetros naquela nevasca.Ordenei carregarem-no para o quarto da falecida, em desuso pelas tristes

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    recordaes. O desconhecido foi deitado e eu lhe prestei o primeiro socorro. Ele abriu os olhos, mas, de to fraco, mal conseguia falar. Por sua instruo, retirei de suasacola um frasco, ministrei-lhe umas gotas e ele adormeceu. Seu rosto, apesar de aparentar exausto e aspecto doentio, pareceu-me familiar; todavia, no consegui me lembrar de onde o havia visto. No dia seguinte, o enfermo recuperou-se o bastante para se explicar e eu, surpreso, soube tratar-se de Nikolai Pvlovitch Iztov -atual proprietrio de Gorki, cujo pai falecera quatro anos antes. Sua vontade erapartir imediatamente para a propriedade. Ponderei, no entanto, no se instalar numa casa h muito tempo desabitada; sugeri-lhe que eu fosse para l antes, a fim de providenciar que os foges a lenha fossem acesos e arrumados, e, com o auxlio do velho mordomo, dois ou trs quartos. Dispus-me a mandar tambm a cozinheira Marfa, irm daminha empregada, pois sabia que a esposa de Fom estava doente. Nikolai Pvlovitchagradeceu, concordou com as minhas consideraes e eu parti. O velho mordomo ficou ansioso em rever o jovem patro que carregara no colo e comeou a agir. Alm de Marfa,levamos um casal de empregados e iniciamos as providncias para deixar a casa em ordem. Os foges foram acesos, o p foi retirado, as capas de proteo foram removidas ds mveis e dos quadros, tapetes foram estendidos e, algumas horas mais tarde, trs cmodos estavam prontos. Para Nikolai Pvlovitch, preparamos os aposentos

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    de sua me falecida, saindo para o jardim. Fom assegurou que tudo ali foi deixado do mesmo jeito desde o falecimento da patroa, pois o prprio Pvel Pvlovitch trancou os aposentos e, a partir de ento, ningum entrou l, mudando-se o patro para a ilha nauela mesma noite do enterro. Quando eu retornei com a notcia de que tudo estava pronto, Nikolai Pvlovitch agradeceu-me calorosamente e Pediu que eu o acompanhassepara l sem demora. Com a viso da casa iluminada, o jovem foi tomado de aprazimento e at de emoo; conquanto ainda estivesse fraco, eu e Fom tivemos de sustent-lo pebraos. E vocs ainda me preparam os aposentos da minha me! - disse ele, comovido. orm, mal adentramos o dormitrio, Nikolai Pvlovitch estacou feito paralisado e fixouo olhar na imagem de Nossa Senhora, pendurada, diante da qual Marfa havia acesoa lamparina. Achvamos que ele iria se persignar, mas a sua boca torceu-se e nosolhos refletiu-se um terror desvairado. Fora!... Fora!... - berrou, em voz que noparecia dele. E, espumando pela boca, Nikolai Pvlovitch tombou innime em nossos braos. Nesse nterim, o caixilho macio do cone despencou da parede e a lamparina se aagou, estalando. Ficamos pasmos e paralisados de terror. Nikolai Pvlovitch foi deitado na cama, e o cone levado para um quarto distante.

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    Ao voltar junto ao enfermo, este j voltara a si. Soerguendo-se nos travesseiros,ele lanou um olhar arisco para o canto vazio, onde apenas havia uma teia de aranha e, chamando-me com um gesto, sussurrou em voz quase inaudvel: Mande levar... todos.... para a ala dos hspedes... Melhor ainda, leve tudo igreja... Estou doando... custo dominando o terror que me assaltara com essas palavras, no pude me conter e observei: Graves devem ser os pecados em sua conscincia, se apenas uma simples viso da Protetora Celeste lhe sugere pavor. Jamais esquecerei aquela expresso desofrimento e desespero que se instalou em seu rosto. No posso... Eu me sufoco quando A vejo balbuciou. Fiquei profundamente compadecido por aquele homem sozinhoe doente e, aparentemente, infeliz. Prometi atender ao seu desejo e levar os cones. Na despedida, ele me agarrou a mo, premeu-a convulsivamente e balbuciou em voz entrecortada: Se eu o chamar, padre Tmon, vir ao meu leito de morte para apoiar-me na difcil hora e talvez tentar salvar-me? Apesar de tremer por dentro, prometicumprir seu pedido e sa para juntar os cones e lev-los de l. No vestbulo, a criadm, reunida minha espera, anunciou unssona que no ficaria naquela casa a servio do amaldioado". Censurei-os e expliquei que era desumano abandonar uma pessoa doente, talvez com o juzo perdido. Por fim, eles prometeram ficar. Retornei junto de Nikolai

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    Pvlovitch e comentei as inquietaes dos empregados. Ele mostrou-se consternado e, sem nada objetar, estendeu-me um mao de dinheiro para distribuir entre eles, o queeu fiz e em seguida voltei para casa. Por trs semanas nada se ouviu a respeito deNikolai Pvlovitch - prosseguiu padre Tmon. Certa tarde, voltando de uma missa nosarredores, vejo diante do porto um tren parado; o cocheiro anunciou que tinha umacarta de Gorki. Era de Nikolai Pvlovitch, lembrando-me da promessa e suplicandoque eu fosse at ele, pois sentia a iminncia da morte e queria conversar. Com muitarelutncia, resolvi ir, na esperana de fazer o infeliz retornar a Deus. Por no querer ir sozinho, chamei o dicono. Partimos. No caminho, notei, aborrecido e at alarmado, que no tomvamos a direo da casa do senhorio; mas, pelo gelo, amos rumo ilhavestbulo, fomos recebidos por Marfa e Fom, que explicaram que duas semanas antes opatro se mudara para a casa amaldioada na ilha, onde o capeta praticava suas estrepolias. A noite, ouviam-se barulhos estranhos, as portas se abriam sozinhas aosestrondos, sem qualquer causa aparente as luzes se apagavam e, ao lado da camado patro, escutava-se tilintar de loua, gargalhadas e canto selvagem. Fom afirmou que um preto tentou asfixi-lo logo depois de uma daquelas bagunas, quando ele comeoua recitar "E Cristo ressuscitar". Todos os dias ele nos d dinheiro e pede para no bandon-lo, mas no d para suportar mais! Oh, de arrepiar! Que Deus lhe d uma morte

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    rpida! desejou Fom, visivelmente amedrontado. E ele est mal? - perguntei. Sai dama e fica andando, com a morte estampada no rosto - observou um dos empregados.Pedi ao dicono aguardar e entrei no dormitrio, onde Nikolai Pvlovitch estava sentado na poltrona perto da mesa, no meio do quarto. Seu rosto lvido tal qual um cadver, sem vivacidade, olhos afundados, convenceram-me estar diante de um moribundo.Aparentemente, a escurido o aterrorizava, pois em cima da mesa ardiam dois candelabros de cinco velas cada; num vaso grande com gelo, aparecia uma garrafa de champanhe e, sobre a mo, via-se uma taa pela metade. O que isso? O senhor pede ajudaigreja, trago-lhe as ddivas eucarsticas para salv-lo na hora da morte, e o senhor toma champanhe? repreendi. , meu padre, para me dar um pouco de fora e coragem, suocar a angstia que me oprime retrucou ele em voz baixa, esquadrinhando com o olhar assustado o ambiente. Sbito, ele agarrou as minhas mos e as premeu forte. - No medeixe, padre Tmon - suplicou. - Sinto o fim prximo e no h quem me proteja do terro amo que escolhi... - e ele baixou a cabea, desanimado. Mas o senhor servidor Daquele, cujo nome nem ouso pronunciar. Ir a seu abrigo que me levou o destino, quando vim para c... Talvez o senhor

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    seja a minha ncora de salvao, meu nico defensor. Arranque a minha alma daquele!. . Nikolai Pvlovitch se calou e, respirando com dificuldade, continuou, visivelmente perturbado: S no sei, meu padre, se terei foras e coragem suficientes para sustetar uma luta terrvel contra o inferno. So terrveis os meus pecados, e as foras do ml no vo querer me deixar... Com a face desfigurada pelo medo e os olhos desvairados, Nikolai Pvlovitch esquadrinhava os cantos do cmodo, aterrorizado. Eu tentei portodos os meios apaziguar aquela mente doente e insana, segundo imaginava, mas as palavras foram vs e no encontraram eco naquela alma conturbada. Decidi, ento, ministrar-lhe a eucaristia, tentando livrar seu esprito das propaladas foras do mal,que, em verdade, achava eu ingenuamente serem frutos de sua imaginao. Mal retirando os apetrechos sagrados de minha maleta e acercando-me do doente, senti um friointenso percorrer-me as costas e um odor ftido invadir os aposentos. No conseguimais me locomover, como se fosse uma esttua de pedra. Aterrorizado, pregado ao solo, percebi os olhos desmesuradamente abertos de Nikolai, injetados de sangue, ede sua boca escancarada a tentativa de um grito inumano congelado. Entre Nikolai e mim, apareceram, no cho, linhas fosforescentes de um vermelho vivo que rodeavam completamente o pobre Nikolai. Como raios de fogo, via-se o corpo dele ser traspassado

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    por flechas gneas que lhe tiravam o fluido vital, fazendo-o estremecer convulsivamente na mesma cadeira em que o encontrei ao entrar. A sua volta, eu via subiremvapores escuros simulando contornos de corpos tenebrosos e apavorantes, gritando obscenidades e danando ao seu redor. De repente, tudo se acalmou e desapareceucomo se nada tivesse ocorrido. O estado catatnico em que me encontrava se dissipou, porm meu ntimo estava to alvoroado e trmulo que mal podia trocar os passos. Armme de coragem e corri para socorrer Nikolai que, como podem imaginar, estava morto, cado no cho, conservando no rosto aquela mscara horrenda de puro terror com osolhos esbugalhados e, do canto de sua boca, via-se um fio escuro e viscoso escorrendo. Jamais esquecerei o que presenciei naquele quarto, jamais. Todos os empregados e inclusive o dicono, que a tudo ouviram sem nada poderem fazer, posteriormente disseram que no envidaram esforos para arrombar as portas do aposento, mas sem sucesso. Enterramos o corpo de Nikolai num clima de pressgio e mal-estar a custo contido, e, sobre a campa do infeliz, um belo monumento encimado por uma cruz.Sendo j muito tarde, a contragosto, fomos todos obrigados a pernoitar na ilha para s no dia seguinte tomarmos o caminho de casa. Os nimos dos empregados e demaispessoas da casa permaneciam em sobressalto como que se

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    esperassem mais dissabores terrveis. Aps o ch, no entanto, resolvemos tentar descansar e recuperar a serenidade perdida; a casa voltou a ficar silenciosa. Quando bateu meia-noite, fomos acordados por barulhos sinistros, gritos lancinantes, uivos de ces e uma tremenda exploso. A casa ficou em alvoroo outra vez e, de todos oscantos, acorriam os empregados lvidos e aparvalhados; vimos, ento, no escuro da noite, um claro avermelhado justamente onde havamos enterrado Nikolai Pvlovitch. Mesmo apavorados, dirigimo-nos at o local e paramos estupefatos: o belo monumento coma cruz que encimava a campa do morto estava estilhaado, a cruz se partira em vrios pedaos emoldurando uma figura difcil, naquela hora, de ser reconhecida. No dia seguinte, ao raiar da manh, voltamos novamente ao tmulo para decifrar o desenho estranho que havamos vislumbrado durante a noite, percebendo, ao final, que as linhas formavam como que dois tringulos cruzados. Mais tarde eu soube que tal sinal era um smbolo cabalstico. Para os moradores circunvizinhos este acontecimento produziu uma forte impresso. O que teria pensado Piotr Petrvitch - no sei -, mas sei queele no reconstruiu o monumento e mandou apenas retirar os fragmentos da cruz... Sobreveio um novo silncio. O relato do sacerdote aparentemente abismou a todos. Oalmirante

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    fitava pensativo o lago, do qual se alava um nevoeiro esbranquiado, a se condensare se agitar com o vento. Vamos entrar, amigos, est ficando mido sugeriu ele. - Meu reumatismo no agenta isso; no gosto de ficar aqui fora principalmente quando h umnevoeiro. Tenho a impresso de ver a cabecinha loira de Marssya emergir da bruma cinzenta - o que me faz recordar de velhas e dolorosas lembranas, e depois do relato de hoje do padre Tmon, esta impresso ficou mais ntida ainda. Ningum se ops e todforam sala de estar. O padre logo depois se despediu e foi embora. Ivan Andrevitch, conte-nos a verdadeira histria da pobre Marssya - pediu de chofre Zamytina aps mnutos de silncio. - Meu marido me disse que o noivo dela havia se afogado, mas ojovem mdico, na tentativa de ressuscit-lo, morreu de infarto. Como me consta, a dupla desgraa abalou tanto a pobre mulher, que ela perdeu o juzo e se afogou em crise de insanidade. Voc deve estar par dos detalhes desta triste histria. Gostaria desaber a verdade, pois no me entra na cabea que este caso, por mais estranho que fosse, tivesse algo de sobrenatural. Entretanto, voc e o padre Tmon parecem pensarassim. A palavra "sobrenatural" um tanto elstica, minha prima. Cem anos atrs, a eetricidade no convvio dirio tambm pareceria sobrenatural. Eu atenho-me convico dexistem ainda muitas leis da natureza desconhecidas, estudadas

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    e aplicadas por alguns. Ora, essas foras ignaras podem ser tanto benficas, como malficas, dependendo como so usadas; e isso tudo. Mas contarei de bom grado o que sei da histria de Marssya, j que fui testemunha do principal episdio que envolveu o nivo dela. Ao vir para c, trouxe comigo as anotaes daquela poca. Vou rel-las e, amadescreverei os acontecimentos. Ah, obrigada, querido padrinho! - alegrou-se Ndya,dando-lhe um forte abrao. - Fiquei interessada por ela to logo vi seu retrato. Ela deve ter sido muito encantadora com aqueles cabelos prateados e maravilhosos olhos azuis. Sim, era uma moa fascinante. A justia divina no deixar impunes, clas que criminosamente lhe destruram a vida - vaticinou o almirante, pesaroso. - Bem, amanh eu conto tudo - acrescentou. - Por enquanto deixemos esta triste histria.O assunto tomou novo rumo, contudo o relato do padre deixara uma impresso to profunda, que a famlia se recolheu mais tarde do que de costume. No dia seguinte, o tempo estava pssimo; chovia torrencialmente - o que impossibilitava algum sair de casa. Aps o almoo, toda a famlia foi saleta de estar. Ndya estendeu a xcara com cpadrinho, antes nela vertendo um clice de conhaque. Para dar coragem - explicou maliciosamente. O almirante lhe deu um leve tapinha na face.

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    Voc vai precisar dela mais que eu. Esteja pronta para ouvir coisas no s fora do coum, mas terrficas. . Tanto melhor, padrinho! Adoro coisas assustadoras. Ela foi buscar o bordado e acomodou-se ao lado do almirante que, pensativamente, folheavaum caderno grosso. Por fim, ele fechou o manuscrito e, aps alguns instantes de silncio, iniciou: Conheci Gorki quando a propriedade pertencia a Piotr Petrvitch Khnin. Eu era, ento, um jovem oficial da Marinha, fogoso e ctico ao extremo, e mantinha uma estreita amizade com Piotr Petrvitch. Ele era pai de Marssya, por quem eu estava enamorado perdidamente, mas, por fora do destino, ela apaixonara-se pelo meu melhor amigo Vyatcheslav, homem sincero, bom e leal. Calei, portanto, meu amorem favor do meu grande amigo e jamais o dei a entender a Marssya, que me tinha estima como a um irmo. Sempre que chegava de uma de minhas misses martimas, ia visitar meu amigo Piotr e a sua famlia em Gorki, onde geralmente me refazia de minhasextenuantes viagens. Piotr Petrvitch, homem de imenso corao, criara e protegera desde menina Kti Tutenberg, filha de um amigo morto prematuramente e que, no tendo parentes que a cuidassem, ficou sob a sua responsabilidade e, depois, emancipou-se. Assim, logo que voltei a Gorki, Piotr Petrvitch recebeu uma missiva de Kti, pedindo para que

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    este a recebesse juntamente com seu noivo Casimiro Krassinsky. A meno de tal nome,Piotr lembrou-se de uma velha histria em que esse nome lhe vinha memria. Explicou-nos que, antigamente, as propriedades eram de nobres e ricos senhores que arrendavam terras para fazendeiros cultivarem ou criarem animais, e estes lhes pagavam com metade da produo ou serviam-lhes como empregados ou quase escravos, em trocadas terras utilizadas. Era comum e tornou-se um costume naquelas paragens tal procedimento. Havia uma grande distncia entre as famlias dos nobres e as dos fazendeiros, onde jamais a mistura fora permitida, pois pertencentes a castas diversas. Era normal, tambm, naquela poca, os patriarcas nobres decidirem sobre o futuro dos filhos, principalmente o das filhas, escolhendo para elas partidos aristocrticos e poderosos, visando ao matrimnio. Parece uma aberrao nos dias de hoje tal tradiEis o que ele mesmo contou sobre o assunto. Naquela poca, quando ainda estava vivo o famoso feiticeiro Tvardovsky, uma das filhas de um eminente e rico senhor apaixonou-se por um reles e devasso fazendeiro, chamado Krassinsky, que servia junto ao seu pai. O genitor da moa recusou - bvio - o pretendente e o enxotou de forma vexatria; tratou a filha com rigor e crueldade e a ameaou trancar no monasterio. Mas a jovem era teimosa e arrojada. Aproveitando a estada da famlia em Krakov,decidiu visitar o famigerado senhor

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    Tvardovsky e pedir sua intercesso para quebrar a resistncia do pai ao casamento com o homem amado. Arranjar uma audincia com o terrvel feiticeiro, diante do qual tremia todo o pas, no foi fcil. Porm, rsula no se intimidou e alcanou o objetivo: sky a recebeu. O que aconteceu depois - no se sabe. Teria o feiticeiro se apaixonado pela belssima polonesa, ou esse a sacrificou ao seu senhor Sat, a quem recebia, segundo a lenda, e com quem tinha um relacionamento constante; assim ou diferente, rsula sumiu por trs dias. Ao aparecer depois, ela afigurava-se uma sombra alquebrada da antiga jovem; seus cabelos negros estavam grisalhos. Depois de uma conversa com a filha, o senhor fidalgo foi ficando macilento, entregou-se inteiramente religio e logo depois permitiu filha casar-se com o seu amado. O matrimnio fi logo celebrado e o casal instalou-se numa propriedade - dote de rsula. L ela deu luz um menino que, para o espanto de rsula, possua um rabo de cerca de duas polegadas. Consumindo-se pela vergonha, a me educou o filho s escondidas e mais tarde ointernou num monastrio, cujo abade era parente de Krassinsky. Tendo herdado o esprito de iniciativa da me, o jovem "capeta" destacou-se na guerra e acabou se casando com uma mulher rica. O fruto desse enlace foi um desses Krassinsky, cujo ltimo descendente se tornou o noivo de Kti Tutenberg. Meu Deus! Que gosto daquela moaem desposar um homem com rabo, um demnio! exclamou Ndya, arrepiando-se.

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    A lenda diz que se tratava de um belo rapaz-

    observou o almirante. - Sabe-se ainda que a me dele deixou-lhe em herana um anel mgico presente de Tvardovsky - com poderes sobre os espritos do inferno. Que pena ele no existir mais - lamentou-se Ndya. Engano seu: o anel existe, preservou-se nafamlia de gerao em gerao, e Casimiro Krassinsky o tinha. Conheo o anel e seus podfoi ele que me curou de meu ceticismo. Convencime da existncia do sobrenatural edas foras do mal; desde ento evito qualificar como superstio ou crendice popular oque no entendo. Mas, continue ouvindo! O generoso e hospitaleiro Piotr Petrvitch Khnin respondeu imediatamente sua ex-protegida que ela e seu noivo seriam hspedes benquistos em Gorki. Eu conhecia Kti Tutenberg desde meninota; ela no era bonita, porm viosa e encorpada. Ao atingir a maioridade, ela tinha ido estudar em Paris e oque l fez - ningum sabe. Pelo visto, decidiu simplesmente que chegara a hora de arrumar a vida, pois j contava com vinte e oito anos. No dia avenado, fomos buscaros noivos e eu achei que Kti mudara muito... para pior. Descorada, estava mais magra e envelhecera; no gostei do seu prometido ao primeiro olhar. O doutor Krassinsky era um homem de cerca de trinta anos, estatura mediana e magro; seu rosto defeies regulares no era feio; por outro lado, causavam-me repulsa os seus olhos e aboca. A

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    cada palavra ou sorriso, seus lbios finos, vermelhos tal qual sangue, escancaravam uma fileira de dentes brancos, compridos e afiados como de uma fera. Algo de terrficamente enigmtico havia em seus olhos. Redondos e saltados, sombreavam-nos clios densos e longos; quanto cor, jamais consegui defini-la. Por vezes me pareciamnegros, outras vezes marrons ou ento de um cinza azulado - cor de ao; mas, certodia, eu os vi positivamente verdes e fosforescentes, como os de um gato. Seu olhar malicioso e fugaz nunca parava por longo tempo em algum e, geralmente, estavabaixado ou dirigido ao espao. Na altaroda, porm, era um homem agradvel, bem educadoe um interlocutor interessante. Arnim, como j disse, ele inspirava profunda antipatia. Marssya tambm no gostava dele e chegou a me confiar, certo dia, que Krassinsky insinuava terror, e ela no entendia como Kti poderia se casar com um homem to asqueroso. Desde o primeiro dia, a ilhota cativou o interesse de Krassinsky. Aps visit-la, pediu a Piotr Petrvitch instalar-se no castelo. O anfitrio concordou, no seantes preveni-lo de que a ilha gozava de m fama e que o povo chamava o castelo de "Ninho do Diabo". Krassinsky revidou, em tom de chiste, que aquele gnero de boatice incitava ainda mais a sua vontade de abrigar-se no "Ninho do Diabo", e a vizinhana com o senhor do inferno no o assustava, visto ambos serem aparentados. A propsito, ele contou a crendice sobre Tvardovsky,

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    do anel mgico e at o mostrou. Era macio, representava uma serpente mordendo sua cauda; um olho era de esmeralda, outro - de rubi. Na cabea estava incrustada uma estranha gema preta, luzindo feito brilhante. O tempo sucedeu-se sem aventuras dignas de nota; em outras palavras: externamente tudo transcorria como de hbito, pormna surdina aconteciam fatos estranhos de toda a espcie, aos quais no se dava, infelizmente, a devida importncia. Assim, Por exemplo, com a vinda de Krassinsky, fiquei dominado por um estado de desconforto. Anteriormente, nunca me aconteceu, tal qual ento, entrar num quarto escuro e ficar apossado do medo; eu experimentavaa sensao de algum estar me seguindo, bafejar-me com sopro glido ou o meu rosto tocaem teias de aranha. Mas eu era um ctico, quase atesta, e do meu alto, alm de possuir critrios cientficos, considerava-me um "intelectual" e desdenhava profundamentesupersties tolas dos tempos antigos. Tudo que a mim acontecia de estranho eu atribua ao meu estado espiritual perturbado ou aos nervos excitados, e me consolava com a idia do casamento consumar-se logo, de eu retornar ao servio na marinha, depois eu me acalmaria e todas as sensaes anormais passariam com o tempo. Seria natural, por exemplo, perceber que todos aqueles fenmenos deixassem a criadagem perturbada. Disso eu no me dei conta, mesmo quando o meu velho mordomo me sussurrou um dia que o "duende estava raivoso". Lembro-me de ter rido a valer. A minha indagao do motivo de o

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    "duende" expressar sua raiva, o velho confiou, meio a contragosto, que todas asnoites os cavalos espumavam, as vacas mugiam e se chifravam mutuamente, o co preso na corrente uivava e, eriando o plo, escondia-se no canil. E todas essas diabruras tiveram incio desde que o senhor Krassinsky se instalou na "maldita" casa da ilha - indignou-se o velho Terenty, desconsolado. - Isso ainda vai acabar mal...O relato divertiu-me muito. E quem iria comentar algo do gnero a Piotr Petrvitch,uma pessoa descrente de tudo e intolerante quanto aos criados. Um acontecimentoimprevisto me fez esquecer de tudo isso. Certa vez, eu interceptei um olhar estranho de Krassinsky em Marssya; seus olhos ardiam de tal paixo incendida, que tivevontade de lhe aplicar uma bofetada. Uma vez despertos meus cimes, comecei a vigiar cautelosamente Krassinsky, e me convenci de ele estar loucamente apaixonado pela noiva do meu amigo, ainda que se esforasse para encobrir o fato. Uma vez, cerca de duas semanas antes do casamento, eu e Marssya encontramonos no terrao. Ela parecia nervosa e preocupada com algo; sbito ela divisou o barco que trazia Krassinsky da ilha. Vamos ao jardim, Ivan Andrevitch. No quero ver esse senhor. Sequer posso exprimir o quanto ele me repulsivo; em seus olhos espreita algo funesto e diablico e, por vezes, ele me olha de modo muito estranho. Eu me inclinei a ela ecomentei em tom de brincadeira:

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    Eu acho que ele no o nico a olh-la deste jeito. A culpa de sua beleza?!... Maruborizou-se e, aborrecida, balanou a cabea. No diga tolices, Ivan Andrevitch! Quasua opinio sobre o senhor Krassinsky? Eu o acho ele um homem malfico e no fosse isso risvel em nosso sculo, estaria propensa a acreditar que ele um descendente direto de Lcifer. Sua presena me deprime e no me sai da cabea que ele quer o mal a Vyatheslav. A noite tenho pesadelos; em meus sonhos o meu noivo aparece morto, o nosso noivado rompido e, o mais terrvel: vejo-me casada com um defunto e este, com suas mos glidas e ossudas, arrasta-me para o lago. Obviamente, tratei de atribuir os sonhos dela ao seu estado de nervosismo, mas Marssya balanou negativamente a bela cabea. No, no, o senhor no me convence! Algo de ruim est acontecendo. Esta conme levou concluso de que os estranhos relatos da criadagem no eram to tolos; de fto, algo de estranho se passava e atingia at pessoas esclarecidas como eu e Marssya. Dias mais tarde, comearam a afluir os convidados para o casamento: alguns amigos comuns meus e de Vyatcheslav, entre os demais convivas da cidade vizinha. Coma chegada dos convidados, Vyatcheslav e seus dois amigos engenheiros resolveramorganizar uma caada e investigar a ilha, de fato selvagem e particularmente linda. Em vo

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    procuraram por Krassinsky para lev-lo junto. Naquele dia eu estava com forte dorde cabea e recusei o convite. Da minha janela pude v-los desatracando. Vyatcheslav, de p no barco, agitou o chapu de palha para Marssya no balco e assumiu o leme, enuanto os seus acompanhantes tomaram os remos. Sentei-me e, querendo dar uma fumada, lembrei ter deixado a cigarreira no balco... Nisso o relato do almirante foiinterrompido por Filipp Nikolevitch. Ndya, abra a janela, est muito abafado. Perdo, meu amigo, interromp-lo nesta parte interessante, mas, decididamente, estou sufocando. Ndya se lanou para atender ao desejo do pai e, quando o fresco ar da noiteirrompeu no quarto, todos o aspiraram aliviados. O almirante, aproveitando o intervalo, folheou o seu dirio para refrescar, na mente, o passado. Por fim, ele seempertigou e continuou o relato. Ento, quando ia descer at a porta do terrao, estquei. Junto aos ps da escada estava Krassinsky. Numa mo ele empunhava um basto preto e nodoso semelhante raiz e, na outra erguia alto sobre a cabea o anel de Tvardovsky. Com o basto ele provavelmente desenhava no ar certos sinais cabalsticos e emvoz cadenciada balbuciava coisas incompreensveis. Estava to absorto no que fazia,que nem notou minha aproximao. E ento estendeu a mo com o anel na direo do barco

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    Meu corao sobressaltou-se no peito. Voltei para o meu quarto angustiado, deixei-mecair na poltrona e agarrei a cabea com as mos. Do ponto de vista do "bom senso",o que presenciei era inacreditvel. Significava que Krassinsky lidava com o mundooculto e dispunha de poderes malficos. Neste caso, algum perigo misterioso ameaavameu amigo. Oh, e justo agora que Piotr Petrvitch est fora! -assaltou-se em minhamente. - Esqueci de mencionar que o nosso afortunado anfitrio viajara cidade paracuidar de certos assuntos e s deveria retornar no dia seguinte. Quase instintivamente os meus olhos buscaram a imagem no canto - o cone do So Nikolai. Levantei eaproximei-me no intuito de orar ao santo para proteger o meu amigo e afast-lo dequalquer mal ameaador. Mas, mal ergui a mo para persignarme, ca batendo a cabea no anto da mesa... Soergui-me e sondei em volta. Reparei nas roupas espalhadas pelocho. Conclu que, na queda, esbarrei no cabide e o derrubei com as roupas. Graas aDeus! - pensei - pelo menos este incidente no obra do diabo - apliquei uma compressa de gua fria sobre a cabea machucada. Abri a janela, pois quase me sufocava como calor e o ar abafado. Nesse nterim, o tempo piorou: nuvens plmbeas cobriram o cu; a luz do dia foi substituda por penumbra esbranquiada, ao longe retumbavam trovese as rajadas de vento tempestuoso fustigavam a superfcie do lago, erigindo enormes

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    ondas cinza escuras, jamais vistas. Estava por se desencadear uma forte tempestade. Assaltado por um novo pressentimento, peguei o binculo e comecei a observar atravessia de nossos caadores. No havia nem sinal deles. Achei que eles tinham alcanado a ilha e ali aguardavam pelo fim da tempestade; mesmo assim, no consegui mesossegar. Fechei a janela e desci sala de estar, justamente onde agora estamos.Encontrei Marssya, toda em prantos, e Ktya - consolando. As nossas palavras de consolo no produziam efeito: tanto Marssya, como eu, parecia, estvamos com maus pressentimentos. Sem dar importncia tempestade, samos ao terrao; eu passei no quarto de iotr Petrvitch para buscar os binculos e ns nos pusemos a perscrutar o lago e a ilhota na esperana de encontrar qualquer indcio de que os nossos amigos estavam em segurana. A tempestade atingiu o pice da fria. O vento assobiava, vergando as rvores,raios brilhantes rasgavam o cu cinza escuro e pavorosos abalos de trovo no davam trua. O lago ebulia feito caldeiro e reboava surdamente, enquanto os cinzentos vagalhes eriados batiam fragorosamente sobre a margem. Sbito divisei ao longe o barco,tentando alcanar a ilha. As ondas espumosas jogavam-no de um lado a outro e ameaavam a cada instante traglo. Um grito surdo de Marssya evidenciou que ela tambm o viu. Fiquei torcendo para que a tempestade o empurrasse em direo ilha e, se

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    o barco pudesse acostar, os viajantes estariam salvos. Mas, nesse instante, o meu corao gelou, pois a embarcao divisada antes sobre a crista da onda desapareceu e,de sbito, ressurgiu j sem os passageiros, com a quilha assomada para o alto. Um baque de corpo tombando no cho me fez voltar do pasmo. Marssya desfalecera, deixandocair o binculo. Ergui e transportei-a para a sala e pedi a Ktya, lvida e abalada,para tomar conta da jovem. A minha pergunta: onde est Krassinsky? ela respondeu que este havia ido ilha e pretendia retornar antes do almoo. Sem mais perder tempo, sa correndo para chamar os criados. Logo um grupo se juntou na margem. Mandei trazer outro barco, guardado sob cobertura, e dois homens se dispuseram a me acompanhar apesar do enorme perigo. Ao afastarmos da margem, um dos meus acompanhantes disse: Se da ilha a catstrofe foi vista, com certeza Agafonov, um marinheiro experiente e corajoso, tentar salv-los. Ele tinha razo. Em meu estado de nervosismo,esqueci completamente daquele marinheiro aposentado, com o qual eu j havia navegado na juventude, e que pedido de Vyatcheslav foi contratado por Piotr Petrvitch.Era um homem de coragem testada, de boa ndole e esperto, e sua habilidade de nadar poderia ser muito til. O vento estava amainando, de modo que ns avanvamos bastane rpido. No longe da ilha,

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    avistamos uma canoa vinda em nossa direo com um remador a bordo. Era Agafonov. Desuas roupas escorria profusamente a gua, e no rosto assustado lia-se tristeza. Ele se aproximou de ns e balbuciou em voz abatida: Que desgraa, Vossa Excelncia! Epereceram? Voc os viu afogando-se? gritei. No. Ns conseguimos tirar os trs da gs dois engenheiros esto vivos, mas Vyatcheslav Ivnovitch parece estar morto. Ondeele est? - perguntei, dominado por tremor nervoso. Na casa da ilha. Os engenheiros me ajudaram a transport-lo para l, e o doutor o est reanimando. Como ele pde se aogar to rpido? Nadava tal qual um peixe. No consigo atinar... acresceu o marinheiro, enxugando os olhos com a manga da camisa. Minutos aps acostamos margem. Saltei terra e em desabalada carreira entrei na casa. Jamais aquele castelo imundo me causara uma impresso to sinistra como naquele dia. A entrada, com degraus em mrmorepreto, assemelhava-se mais ao porto de uma cmara morturia do que a um prdio residenial. No vestbulo topei com o criado de Krassinsky - um homenzinho atarracado de cara nojenta tal qual do patro. Ele carregava umas roupas e uma bacia com gua, e prontificouse a me conduzir ao quarto onde estava o corpo de meu amigo.

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    Era um salo abobadado, iluminado por altas janelas, estreitas e sagitadas. A moblia era formada de cadeiras com espaldares altos, reposteiros negros em veludo; olusco-fusco a penetrar das janelas produzia uma impresso deprimente e lgubre. No centro, numa enorme mesa, jazia Vyatcheslav e junto dele, de mangas arregaadas e com escova na mo, empenhava-se, em seu af, Krassinsky em companhia de um jovem engenheiro. O doutor, de rosto afogueado, parecia ter chegado exausto na tentativa ressuscitar meu pobre amigo. Como j vi muita gente afogada, compreendi imediatamente que era o fim. Que desgraa terrvel! Que golpe para Maria Petrovna! - lamentou-seo engenheiro Avilov, que ajudava Krassinsky. Krassinsky soprou na boca de Vyatcheslav e se aprumou, enxugando o suor a escorrer-lhe da testa. No d uma de urubu,eu ainda no perdi as esperanas. Ele est morto - justifiquei eu, tomando a mo enriida do amigo de minha infncia. E lgrimas me espargiram copiosas. Parece estar morto, mas no necessariamente, pois pode encontrar-se num estado catalptico observou Krassinsky. -Dois anos atrs eu vi em Havre um caso parecido. Um pescador foi tirado da gua sem vida e levado ao hospital para autpsia. A histria longa, s digo que suspeitei estar ele em catalepsia e empreguei

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    alguns recursos, por mim inventados, e a experincia deu certo: o homem ressuscitou. Gostaria de fazer o mesmo com Vyatcheslav Ivnovitch e espero obter xito. Procurem apenas no revelar nada at amanh a Maria Petrovna sobre o estado do noivo dela. que recursos so esses? - perguntei. Eu tinha uma profunda e insupervel desconfianaquele homem. Indubitavelmente ele estava apaixonado por Marssya; ademais, um pouco antes, flagrei-o em manipulaes enigmticas e ento, repentinamente, a todo custo elqueria salvar o seu rival... Meu mtodo no se explica em poucas palavras; s posso izer que o magnetismo animal desempenha no caso um importante papel e, fora isso..., se quiserem, h uma pitada de magia observou Krassinsky, rindo. - Para um descendente do diabo, um pouco de bruxaria at necessrio. Iniciarei imediatamente os meus preparativos e caso os senhores queiram, podem assistir a eles. Ele se ps a dar passes sobre o corpo, sobretudo acima da cabea e, minutos mais tarde, os superclios do cadver desceram sobre os olhos, at ento semi-abertos e vitrificados. VitJamais duvidei da justeza de minhas hipteses - anunciou Krassinsky, contente. Aover que eu me apressei a deitar o ouvido no corao de Vyatcheslav, ele adicionou: O senhor se precipita. O palpitar do corao obviamente existe, mas s pode ser percebido com o auxlio de um instrumento que, por infelicidade, no est comigo...

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    Na seqncia, ele magnetizou alguns pedaos de tecido vermelho, depositou-os na testa,ventre, costas e palmas das mos; depois, ordenando transportar o corpo para um colcho, toldou-o com cobertor e convidou todos a sarem do recinto. Devemos deix-lo or algumas horas em repouso absoluto, a fim de ele absorver os fluidos, e s ento eu tentarei o recurso decisivo. Resolvemos ficar na ilha esperando pelos resultados. Eu estava muito tenso, no obstante escrevi para Marssya, informando estarem todos em segurana, ainda que fracos e resfriados e, por ordem do doutor Krassinsky,iramos repousar at o dia seguinte. Para acalmar a jovem, acrescentei que cuidariapessoalmente de seu noivo. A noitinha, o tempo melhorou e o nosso mensageiro trouxe de Ktya um cesto com vinho, provises e uma carta a Krassinsky. Ela comunicavaao noivo do desmaio de Marssya e de sua recuperao horas depois. A notcia de que toos estavam bem a reanimou visivelmente, ela se deitou e deveria estar dormindo.A noite se dilatava angustiosa. Krassinsky foi tirar uma soneca para redobrar asforas - conforme disse - para empreender uma difcil e trabalhosa experincia, enquanto ns jantamos em trs, preocupados. O infortnio inesperado exercia sobre ns uma imresso deprimente, acentuada pela atmosfera lgubre da casa. Em tudo se estampava oselo de algo sinistro e demonaco. O relgio de parede na sala de estar, por exemplo, era decorado com a cabea de Mefistfeles em capuz vermelho e em tamanho

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    natural, cujos olhos se reviravam ao marcar os segundos. Perto das onze horas chegou Krassinsky, aparentando bom humor. Ele recusou o repasto, sorveu alguns copos de vinho, e todos ns retornamos sala onde jazia Vyatcheslav. Fiquei longamenteexaminando seu rosto cadavrico, iluminado por dois candelabros de trs velas, acesos na cabeceira pelo doutor. "Infelizmente, est morto" - pensei. "E este ordinrioquer nos fazer crer que Vyatcheslav se encontra em estado de letargia. No, aqui nenhuma cincia humana pode ajudar". E agora, senhores, peo-lhes se retirarem ao quarto vizinho - disse Krassinsky. - Preciso estar sozinho para poder me concentrar. Agentem por uma ou duas horas. Se a experincia der certo, no que acredito, eu oschamarei. Ao nos dirigirmos sada, vimos pela porta semiaberta esgueirando-se umgato; seus olhos verdes brilhavam fosforescentes. Fora, criatura nojenta! - gritou Avilov, erguendo o brao em ameaa. Encontrei-o aqui, habitando a ilha; como soueu que o alimento, ele se afeioou muito a mim explicou Krassinsky. -V dormir, Tutu! - gritou, batendo o p. O gato arqueou o dorso e arrastou-se para um canto escuro perto da lareira. Sentados, ns apuramos os ouvidos aos acontecimentos no quartovizinho. Ouvimos Krassinsky andar e mover os mveis e, depois,

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    tudo silenciou. Aos poucos foi-me dando uma soneira; resisti o quanto pude, masem vo. Meus colegas j estavam dormindo nas poltronas, quando peguei no sono. Fui acordado por um forte barulho. O relgio batia meia-noite e meia. Meus companheirostambm acordaram. O que isso? Ouviram? Parece um barulho! perguntou um deles. Euestava com sono terrvel e todo o meu corpo pesava tanto que no consegui me levantar. Acho que sonhamos - balbuciei e tornei a cerrar os olhos aderentes. Quando finalmente acordei, o relgio mostrava sete horas. O torpor a me dominar noite todapassou, mas a cabea ainda estava pesada e zunia. Meus companheiros dormiam aindaum sono agitado. Eu os acordei. Ouam, senhores! Dormimos a noite toda e Krassinsky no veio nos chamar. Isso no prenuncia coisa boa - alarmei-me. Por certo no conseuiu realizar o milagre de ressuscitar o falecido e no quis nos acordar para anunciar o fracasso -sustentou Avilov. De qualquer forma, vamos ver o que est acontecendo -sugeri. O quarto estava trancado por dentro e, aps infrutferas batidas, chamamos por Krassinsky. No havia qualquer resposta, e nisso Avilov ouviu do quarto umfraco gemido. Decidimos entrar a qualquer custo, porm no conseguimos arrombar a porta macia de carvalho. Chamamos Agafonov e o criado de Krassinsky e, finalmente,aps muito

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    esforo, a fechadura cedeu e a porta foi aberta. Paramos indecisos e embaraados noumbral. Os candelabros ainda ardiam sobre a mesa; as velas brancas foram substitudas pelas negras e no meio havia um castial com stima vela, tambm negra. Embaixo dmesa, assomava uma massa enegrecida de dentro de uma bacia metlica, semelhante asangue coagulado. Alis, naquele minuto, os pormenores no nos interessavam e a ateno de todos centrou-se em Krassinsky, deitado junto mesa de braos abertos. Recuperdos do susto que nos assaltou no primeiro instante, corremos a ele e o erguemos.Aparentemente estava morto. Lvidos de terror, olhvamos mudos para o cadver, quandodo meu peito se soltou um grito involuntrio. Ao pousar um olhar em Vyatcheslav,reparei que ele estava respirando. Seu rosto estava azulado, os olhos cerrados,mas o peito arfava regularmente. Krassinsky efetuou um milagre e pagou com sua prpria vida. Seu corpo foi retirado, e Vyatcheslav foi transferido para o sof no quarto vizinho, para no se assustar ao acordar no meio da desconcertante moblia do outro quarto. Aps expedir as devidas ordens de chamar o mdico e avisar as autoridades, sentei-me ao lado do amigo, esperando o seu despertar. Com curiosidade inquietante, pus-me a examinar-lhe o rosto. Sem dvida, ele estava vivo, j que uma respirao quase imperceptvel desprendia-se de sua boca e, por vezes, ele se mexia de leve. Obviamente ele estava muito exaurido e ainda levaria muito tempo

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    para se recuperar. Sbito, notei em seu dedo o anel mgico de Tvardovsky, e esta circunstncia dirigiu meu pensamento a Krassinsky. De que ele morrera? Comecei a revolver na mente todos os detalhes do acontecido. Era fcil atribuir sua morte ao gigantesco esgotamento pelo esforo da vontade, causando a congesto do crebro ou paradacardaca. De imediato, porm, descartei tal explicao. Uma voz misteriosa sussurrava-e que a causa da morte era outra, oculta; no seria uma parada cardaca, e, sim, umaexperincia mgica malsucedida, redundando em morte da criatura diablica. Lembrei presencilo no terrao com o anel no alto. O que ele planejava ao realizar aquela experincia bizarra? Quisesse destruir o rival, para que gastaria tanta energia para salv-lo?... Naquela poca eu era um ignorante completo nessas questes e decidi comigoque Krassinsky fora vtima de sua prpria ignorncia. Provavelmente, ele fora seduzido pelo experimento, cujos detalhes lhe escaparam, tendo acionado, foras poderosasque no pde controlar, e essas o mataram. Posteriormente, estudei muito este enigma, e obtive muitas explicaes aos fenmenos, para mim ento, inexplicveis. E claro, cinuo ainda ignorante em mistrios complexos da magia negra superior, mas estremeo ao ver vocs aqui em poder de um destino sinistro - acrescentou o almirante, suspirando pesado.

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    Os Zamytin entreolharam-se pasmos. Uma involuntria, vaga e inconsciente inquietao asaltou-os. Ivan Andrevitch retomou a leitura, folheando seu caderno e, minutos depois, prosseguiu o relato. Duas horas aps, vieram Marssya e Ktya; a primeira para isitar o noivo ressuscitado, outra para chorar o defunto. Marssya inclinou-se ansiosa sobre Vyatcheslav, mas, num timo, compreendendo a necessidade do enfermo permanecer em repouso absoluto, foi embora; ademais, uma nova inquietao dela se apoderara. Piotr Petrvitch no retornou de manh como prometera. Seu coche voltou sem ningum da estao e do pai no havia nem carta nem telegrama. Ela me pediu que, se at a hde almoo no houvesse dele qualquer notcia, eu fosse cidade para descobrir o que etava acontecendo. Eu concordei, e ns fomos at Ktya que, ajoelhada ao lado do cadverde Krassinsky, mergulhara ao mais inconsolvel desespero. Ambos tentamos acalmar econsol-la; sem nos querer ouvir, a jovem repetia jamais se conformar com a perdada pessoa to maravilhosa e magnnima, que sacrificara a vida para salvar a outra.No ntimo, eu estava convicto de que Krassinsky no era daqueles que se sacrificariam por outrem e que a dor de Ktya com certeza se extinguiria, soubesse ela que o noivo prfido nutria amor por outra, mais jovem e bela. Mas me contive para no aumentar seu sofrimento.

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    Pouco depois veio o mdico e, aps o exame, anunciou que a causa da morte de Krassinsky fora um infarto, provavelmente devido a uma grande tenso emocional. Seguiram-no as autoridades, que registraram a ocorrncia. Com a ausncia do dono da casa e adebilidade de seu futuro genro, minha presena ali foi indispensvel. noite viajei para a cidade e encontrei Piotr Petrvitch muito deprimido no hotel. Ele teve uma forte crise de gota que o segurou l e, uma vez que a dor no passava, havia enviado filha uma carta que no chegou a tempo. O meu relato sobre os acontecimentos abalou-o muito, sobretudo no que se referia sade de Vyatcheslav. Minha pobre Marssya nteria suportado a perda dele, tanto mais quando faltam apenas alguns dias antesdo casamento - disse ele. E bvio que nada mencionei sobre os fenmenos ocultos por-mim presenciados. A morte de Krassinsky ele aceitou com bastante frieza. No seipor que, mas esse senhor sempre me foi odioso. Reparei que ele se interessava por Marssya mais do que deveria, tratando-se da noiva de outro. Que a terra lhe seja leve!... Deus sabe que conseqncias duras poderiam sobrevir; at para Ktya, a mortedele afortunada. O criado, vindo anunciar que o ch estava pronto, interrompeu o almirante e todos passaram sala de jantar. Aps o ch, o almirante sugeriu transferirpara o dia seguinte a continuao de sua narrativa. A sugesto foi veementemente combatida pelos

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    Zamytin e sua filha. Ndya cingiu o pescoo do padrinho, beijou-lhe a face e suplicoupara ele terminar a emocionante aventura naquele mesmo dia. No me estrangule, pequenina, seno acabar sem saber o fim - ria o almirante. - Se for para terminar logo, teremos de ficar at a madrugada. No faz mal, padrinho! De qualquer forma eu no cnseguiria dormir. Estas histrias misteriosas me deixam de cabelo em p, mas estou literalmente enfeitiada. Estou com tanta pena de Marssya!... Que casualidade inaudita e sinistra encontrar em nossa poca um bruxo, descendente do diabo, como Krassinsky. Isso que m sorte! O almirante ficou srio. Engana-se, Nadyucha, achando que oje no existam pessoas sabendo utilizar a fora do mal e, tenho certeza: h muita gente que se torna vtima das foras desconhecidas e terrficas, de cuja existncia sequersuspeitamos. Todos retornaram sala de estar e o almirante retomou o relato. Ndyatornou-se sria e pensativa, largou o bordado e sentou-se ao lado do padrinho. Bem, volto ao momento, quando me encontrava na cidade com Piotr Petrvitch, acometidopor crise de gota. Passei em alguns lugares para acertar alguns negcios dele, fiz compras e fiquei no hotel at ele estar em condies de voltar para Gorki. Ao voltarmos, Marssya comunicou que Vyatcheslav, apesar da fraqueza, havia partido na vspera aps ter recebido um telegrama da me, gravemente

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    adoecida. Uma semana depois, chegou uma carta dele, relatando sucintamente o passamento da senhora Turaeva e a necessidade de Vyatcheslav em protelar seu retorno por pelo menos trs semanas, a fim de pr os negcios em dia, dessa forma adiando ocasamento. O tempo que se seguiu transcorreu calmo, sem incidncias; a morte de Turaeva e o luto de Ktya sustaram quaisquer recepes e festejos. Vyatcheslav enviava continuamente presentes e telegramas, desculpando-se em no escrever mais por estarocupado, ultimando os negcios pendentes, e assegurando estar desejoso de retornar logo noiva adorada. Num dos seus telegramas, estranhou-me sobremaneira o seu pedido a Marssya e Piotr Petrvitch, em deixar arrumada a casa na ilha para ali passar alguns dias com a jovem esposa, visto aquele local tornarse-lhe caro pela maravilhosa ressurreio e magnanimidade do homem que se sacrificou para o salvar. Useide todos os argumentos para persuadir Piotr Petrvitch a rejeitar tal fantasia eimpedir que o jovem casal passasse mesmo apenas uma noite naquele lugar assombrado. Mac Khnin - como j disse - era um ctico convicto. Ele riu das minhas palavras ecensurou que era vergonhoso a um marinheiro dar ouvidos a "contos de carochinha", sem falar que aquele pequeno castelo na ilhota era extraordinrio, por isso o desejo de Vyatcheslav em habit-lo era bem natural. Marssya nem protestou, enquantoKtya tomou a

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    minha resistncia como uma afronta lembrana do desafortunado Krassinsky. Jamais imginei que o senhor fosse to atrasado e to... ingrato, Ivan Andrevitch. Considerava-o mais sensato e acima de todas essas histrias tolas sobre os fantasmas, que habitam apenas na cozinha e na cabea estouvada de uma campesina - alfinetou ela. Eu me contive em dar resposta, mas no tomei parte na arrumao da casa na ilha. Vyatcheslav era esperado na manh do dia do casamento; sua vinda antes era impossvel e a transferncia do enlace no lhe era de desejo. Chegou finalmente o dia da cerimnia. Ao acordar, o criado Enunciou-me a chegada do noivo algumas horas antes do imperado,ao amanhecer. Esgotado pela longa viagem, ele fora dormir. No o encontrei na hora do desjejum, e s uma hora depois, quando eu estava arrumando as malas, pois planejava partir no dia seguinte. Vyatcheslav entrou no quarto. Ns nos abraamos calorosamente e eu, segurando-lhe a mo, retrocedi um passo para examinar o amigo. Efetivamente, o episdio com ele influiu em seu aspecto. Sua tez anteriormente viosa substitura-se pela enorme lividez, e os lbios tornaram-se mais rubros. Voc ainda estuito plido - observei - e parece fraco... Assaltado por nervosismo, fiquei sem palavras para continuar. Interceptei-lhe ento um olhar que

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    fez a minha espinha gelar. Soltei sua mo, e fitei o rosto to familiar do amigo, aquem amava feito irmo. E encararam-me, claro, aqueles grandes olhos cinzentos deVyatcheslav, no como os antigos: francos, lmpidos e sorridentes, mas maliciosos e,ao mesmo tempo, cruis e terrficos, lembrando-me os de... Krassinsky. O que h Vnyest passando mal? perguntou. No nada. Estou bem... S estou um pouco nervoso ao ro depois daquele dia em que voc quase morreu -balbuciei, enxugando o suor da testa. Ele riu e, mais uma vez, no foi um riso de Vyatcheslav. Entendo. Fui resgatadodo "mundo do alm" - o que afetou profundamente o meu organismo. Ainda estou meiofraco, sofro de enxaqueca e sou incapaz de explicar lapsos de memria. Espero queno ambiente tranqilo da vida conjugal com a adorada esposa todos esses fenmenos mrbidos desapaream. Conversamos ainda um pouco, depois ele se retirou para descansar antes de se vestir para a cerimnia. Ao ficar sozinho, sentei-me janela e comecei a refletir. Estaria eu perdendo o juzo? No havia dvida ter estado diante do amigode infncia; no era e l e os olhos no eram dele, e sim , daquele homem que no inspiava confiana, aquele defunto misterioso... Tentei convencer-me de que tudo no tinha nenhum fundamento, mas ao relembrar o sinistro olhar h pouco me

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    cravando, um tremor glido estremecia todo o meu ser. Sbito lembrei de Marssya. Ela,uma mulher apaixonada, por certo seria mais sensvel estranha transformao do noivoperceberia em seu olhar a alma do outro e descobriria a verdade. Com impacinciafebril eu esperava a hora de v-los juntos. Devido ao luto de Vyatcheslav pela me,a cerimnia se realizaria sem qualquer pompa e apenas um nmero reduzido de amigos foi convidado. No dia seguinte, o jovem casal viajaria por duas semanas a Kiev eseus arredores. Para a minha sincera decepo e um lgubre pressentimento, vim saber ue a noite nupcial deles se passaria na casa da ilha. O casamento deu-se na igreja rural, visvel do nosso terrao e oficiou-o o padre Tmon. Mais tarde, ele me confessou jamais ter realizado um sacramento com tanto peso no corao. Por todo o tempoele se sentiu mal e uma dor lancinante no corpo o atormentava tanto, que suas mostremiam e a cabea girava. Desconsolado, eu fiquei observando a noiva. Ela estavaesplndida e seus olhos lmpidos revelavam uma felicidade serena, o que me convenceu de que ela de nada suspeitava. Vyatcheslav, mortalmente plido, de quando em quando franzia o rosto em convulso nervosa. Toda espcie de maus agouros anuviaram a celebrao. A aliana escapou da mo do noivo na hora de ele coloc-la no dedo da noiva,caiu no cho; o vu da jovem

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    pegou fogo e teve de ser arrancado; por fim, ao voltarem da igreja, luz do dia,no caminho cruzou um lobo. Os cavalos jogaram-se assustados para o lado e por pouco no emborcaram a carruagem. A ocorrncia de todos esses incidentes sinistros no abalou a felicidade de Marssya. Findo o almoo, ns acompanhamos o casal at a margem dlago, onde por eles esperava um barco decorado de flores, tapetes e lmpadas acesas. Marssya embarcou radiante e feliz. Foi a ltima vez que eu a via assim ao ladodo seu descorado marido. A ilhota estava iluminada. Lmpadas multicores cintilavamem meio ao verdor da ilha, que nesta hora, tal qual uma gema preciosa, reverberava com todas as cores de arco-ris, luz de fogos de bengala, sobre a superfcie lisa do lago. Eu parti naquela mesma noite. Meu destino de sbito tomou um novo rumo.Ao invs de ter de alcanar a esquadra, enviaram-me a Sevastpol, de onde eu devia ira Petersburgo para servir temporariamente no quartel-general da Marinha. Despedindo-me de Piotr Petrvilch, com o qual eu tinha uma relao muito amigvel, empenhei aminha palavra de que ao voltar capital eu passaria em Gorki por uns dois dias. Novou contar aqui sobre o ms que fiquei fora. A suspeita que ia se enfurnando em minha alma quanto "substituio" da identidade do meu amigo no se desfez, ao contrriaumentou. Vyatcheslav deixou de ser para mim um amigo e irmo. No recebi dele sequer uma carta, confiando-me como antigamente qualquer detalhe

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    tolo de sua vida, qualquer arroubo espiritual. Entre ns se interps e solidificou-se um muro invisvel. De volta para esta casa bastante tarde, o criado me informouestar o patro j deitado, com nova crise de gota, e o jovem casal estaria na ilha.Adiei o encontro at o dia seguinte e fui dormir. Vyatcheslav costumava acordar cedo e, assim, no dia seguinte, sem esperar Piotr Petrvitch se levantar, peguei o barco e atravessei o lago. O mordomo explicou que o jovem patro ainda no havia sadodo toalete, o que me surpreendeu um pouco. Eu fui ao gabinete do amigo e sentei-me sua escrivaninha junto janela aberta. Cartas e papis ali se espalhavam, e diante de mim havia um envelope endereado a um homem de negcios, e uma carta pronta, ainda no dobrada. Ns jamais tnhamos segredos um com o outro; a identidade do destinatrio apontava se tratar da venda de uma propriedade, h longo tempo interditada e cuja histria eu conhecia. Sem qualquer segunda inteno, peguei a carta para inteirar-me de seu teor e, medida que a lia, assaltava-me a perturbao. A letra era de Vyatcheslav, mas parecia forjada e copiada; por baixo da escrita como que se sobressaauma outra escrita e, em alguns trechos, bem ntida. A assinatura tambm parecia coma de Vyatcheslav, mas o trao caracterstico era diferente. Onde eu o havia visto?Com Krassinsky? Se Vyatcheslav tinha os olhos do outro, no herdara tambm sua letra?... Comecei a revirar a minha carteira, onde se encontrava uma velha carta do amigo, assim como

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    um bilhete de Krassinsky, pedindo emprestado um livro. Ao encontrar ambos os papis, eu os coloquei diante de mim e comecei a compar-los, e logo cheguei convico de ue a carta com a assinatura de Vyatcheslav fora escrita pelo polons. Feito brio, coberto de suor frio, guardei as cartas e, recostando-me no espaldar da poltrona,fechei os olhos. Minha razo positivista, tornada ctica pela educao, negava-se a aditir um fato to bizarro, ainda que confirmado por provas irrefutveis. Deus Todo-Pderoso, ajude-me e me ilumine neste emaranhado de enigmas - supliquei no ntimo. Nisso abri os olhos estremecido ao ouvir um miado colrico e o arranhar das garras.A distncia do meu brao, esticando as patas elsticas e arqueando o dorso, estava ogato por mim visto naquela noite terrvel. Deus est comigo! Ch! Fora daqui, criaturimunda! -soltou-se de mim involuntariamente. Mas o animal, de um lance, pulou no meu peito e tentou me morder. Soltei um grito surdo e tentei desvencilhar-me dele. Suas garras afiadas parecia estarem a ponto de me rasgar a pele, quando umamo agarrou o animal pelo cangote e o atirou pela janela ao jardim. Era Vyatcheslav. Que diabos! O que h com ele? Voc o provocou? -perguntou. Recostei-me mesa, reuperando o flego.

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    O que tem essa criatura diablica? Como voc pode manter tal vbora. Ainda meto uma bla nesse animal raivoso, se encontr-lo de novo! exclamei rspido. Vyatcheslav deu uma risada forada e seca. No se irrite! Ainda no hora de matar um pobre animal. Tno gosto dele e no o quero mais aqui... E uma criatura perigosa; pode assustar sua esposa -interrompi. O gato raramente aparece. Deve se esconder em algum buraconesta ilhota. O falecido Krassinsky acolheu e o alimentou desde o comeo, assim ele vem em busca da comida, no se sabe de onde. Voc tem razo: ele pode assustar Marsya e preciso me livrar dele. Bem, vamos tomar ch, pois Marssya nos espera no terra. J estvamos porta, quando ele disse: Voc sabe o caminho. V sozinho, enquanto iu vou acertar as contas com o jardineiro. Era fim de setembro, mas o tempo estava maravilhoso e quente como no vero. No terrao, mesa de ch sentava-se Marssya, entadora em sua saia de musselina. Ao me ver, ela se levantou ligeiro e me estendeu ambas as mos. Meu corao apertou-se ao fixar o meu olhar abismado sobre o rosto querido, plido e emagrecido, repleto de profunda desiluso; no olhar a mim dirigido lia-se desespero. Eu tinha por Marssya um amor to puro, que em meu corao no havia numa sombra de sentimento vil de cime; ao contrrio, de toda a

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    alma eu lhe desejava a felicidade com o homem a quem considerava um irmo. Ela, porm, era infeliz -nisso no havia dvida. Lampejou-me na mente a idia de que, loucamene apaixonada por Vyatcheslav, Marssya descobriu o avatar e tal suspeita da "troca" inaudita a estaria atormentando. Trocamos os nossos olhares, mais eloqentes doque quaisquer palavras, pois, s vezes, os pensamentos se expressam melhor pelos olhos. Resumindo: ns entendemos um ao outro e, profundamente perturbados, baixamosa vista. Eu, emudecido, premi aos lbios as suas mos frias, sentei-me e, calado, comecei a mexer o acar no copo. Neste instante entrou Vyatcheslav. Notei Marssya estremecendo ao lhe estender o ch. Sentada, sem falar nada, ela ficou mordiscando distraidamente uma torrada. Contei a Vyatcheslav os detalhes da minha viagem a servio a Sevastpol; ele falou-me de sua viagem de npcias. A toda hora, o seu olhar frio, sinistro e ameaador - no o de meu amigo mas de Krassinsky pregava-se em mim, acompanhando todos os meus movimentos e causando-me calafrios. Mas eu era um jovemintrpido e essa sensao de ansiedade, jamais antes experimentada, originria da anga e medo pela presena daquele homem enigmtico decididamente deixava-me possesso. Sua viagem de npcias foi um tanto curta observei, sem muito pensar. - Por que no leva Marssya Crimia ou Itlia? Isso a distrairia. Esta

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    ilha me parece por demais isolada e enfadonha para uma mulher jovem; alm do mais um lugar sinistro. Aqui Krassinsky pereceu de morte misteriosa, pretendendo aparentar-se com o inferno. Quem sabe se a sua alma satnica no esteja vagando aqui emcompanhia de seu gato imundo. De qualquer forma, voc deveria mandar rezar uma missa e benzer a casa. Nisso, eu vi rastejando embaixo do corrimo a criatura da qualacabara de falar. Sim, sim! Vocs devem chamar um padre e expulsar as foras demonaas que se nidificaram aqui. Voc sabe: " Q u e m h a b i t a s o b o t e t o d o Ste m o a m p a ro d o T o d o -P o d e ro so ". Mal acabei de falar, nossa volta ouviu-se barulho de tijolos se despencando e vidros quebrando. Eu me ergui assustado e, neste nterim, percebi o gato, preparando-se para um bote. Dessa vez euestava prevenido. Agarrei pelo pescoo a criatura diablica e quase aos berros: "E Cristo ressuscita!" - atirei o animal com tanta fora, que este bateu sobre a balaustrada e espatifou-se no cho, estendendo as patas feito morto. Ao me virar, vi Marssya recostada na cadeira em desmaio; Vyatcheslav havia sumido... Em vo eu procurei o motivo do barulho ouvido; todos os vidros estavam inteiros e no se viam tampouco pedras ou tijolos. Enquanto socorria a pobre jovem, Vyatcheslav retornou, segurando uma pequena espingarda Monte Cristo. Desabou o monte de pedras destinadas para a construo da estufa e seus vidros quebraram explicou ele, ajudando-me a sustentar Marssya. -

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    A pobrezinha deve ter se assustado... - acresceu ele. Ele chamou a camareira e levamos Marssya ao aposento; ela abriu os olhos, mas o seu aspecto inspirava cuidados. Ao retornarmos, ele se aproximou da balaustrada e chutou o cadver do gato para o jardim. Eu ia dar um tiro naquele animal, mas vejo que voc j deu cabo dele -disse, rindo. - Surpreendeme assaz voc ter se tornado to supersticioso, Vnya. Antigamente voc era um ctico arraigado e corajoso; hoje tem medo de tudo: desse gato infeliz, do fantasma de Krassinsky, deste belo palacete e at do ar que respira. Simplesmente no o compreendo. De propsito ou no, voc berra esconjuros, o que colaboroupara o susto de Marssya. E ele desabou numa gargalhada to selvagem e desagradvel, que nada tinha em comum com o riso franco, alegre e contagioso do verdadeiro Vyatcheslav. De fato, este mundo est s avessas - redargui, no sem ironia. - Sua esposade alegre e viosa, tornou-se descorada, magra e triste; eu me tornei supersticioso, e voc... mudou tanto que se pode imaginar que foi trocado. Ele tomou as minhas palavras como um chiste, se bem que em seus olhos faiscou uma chama maldosa. Agarrei-me ao primeiro pretexto para ir embora, e ele no me segurou. A despedida foi fria. Durante todo o tempo do caminho de volta eu

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    repetia as oraes para proteger-me contra os maus espritos. Piotr Petrvitch estava maguardando. Disse-lhe estar retornando da casa do jovem casal, onde o desmoronamento do monte de pedras acabou assustando Marssya, mas que ela ento j estava recuperada. Nada comentei - claro - sobre o incidente satnico ou de minhas suspeitas,temendo amargurar o enfermo que, de qualquer forma, em nada poderia ajudar, nementender os acontecimentos devido sua total descrena. Piotr Petrvitch ouviu-me comar preocupado e, depois de algum silncio, disse: A pobre Marssya anda muito nervosa e impressionvel; alis, no estou gostando nada de seu aspecto. Pensei que, casando, ela estaria no stimo cu, ao invs disso est cada vez mais plida, magra e entediacomo se algo a oprimisse. - Ele se calou por instantes e, depois prosseguiu: -Ivan Andrevitch, o senhor percebeu a mudana estranha que se operou em Vyatcheslavaps aquele terrvel acidente no lago? como se ele fosse um outro. Antes era to simpco, um homem de alma aberta, e agora no entendo por que no consigo suport-lo. Sa-mepor algumas frases genricas, sem arriscar a dizer a nua verdade e tratei de dar um novo rumo quela conversa. Pretextando a necessidade inadivel de retornar a Petersburgo, passei em Gorki s mais um dia. Os recm-casados almoaram na casa do pai e, aparentemente, tudo corria normal, se bem que uma desarmonia interna era patente.

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    Instalei-me em Petersburgo. As recordaes sobre os acontecimentos estranhos e incompreensveis, cuja testemunha fui, perseguiam-me tal qual pesadelo, aos quais no conseguia achar explicao... Ajudou-me um acaso inesperado, se que possvel dizer que"acaso" existe. Num sero na casa de meu chefe, conheci um coronel aposentado queme inspirou grande simpatia, sobretudo quando eu soube que ele se interessava por espiritualismo e cincias ocultas, tendo inclusive uma grande biblioteca que tratava desses assuntos. Tornei-me uma visita freqente na casa do coronel Vrtsky, linumerosos livros de sua biblioteca, e muitas questes obscuras do mundo do alm comearam a ser iluminadas com uma nova e inesperada luz; entretanto eu no consegui encontrar nem explicaes, nem confirmaes dos fenmenos que mais me interessavam. Torneium grande amigo do coronel. Certa noite, quando estvamos sozinhos em seu gabinete, contei a Nikolai Andrevitch sobre os estranhos fatos observados em Gorki e lheconfiei as inverossmeis suspeitas a me perseguirem. Vrtsky me ouviu srio e pensativo. O que me contou bem possvel e, infelizmente - disse ele, quando terminei o relato - nos livros de ocultismo, aquela operao chamada de "avatar", sendo praticadana magia negra superior. Deitando sua mo no meu ombro, ele acrescentou:

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    O inferno um domnio terrvel, meu jovem amigo. Se os homens soubessem at que pontles esto cercados pelas foras do mal, ririam menos e rezariam mais. Em todas as pocas, a partir das mais remotas, a igreja sempre conduziu uma luta atroz contra asforas diablicas. O nosso Salvador, Jesus Cristo, no foi por acidente que incluiu na orao divina o seguinte trecho ao Pai Celeste: " N o n o s d e i x e i s c a i re m t e n t a o , m a d o m a l E. a orao - pode observar - o nico " escudo des contra o inferno. Agora, voltando ao seu caso, eis a minha opinio: seu pobre amigo caiu vtima do homicdio oculto e sua alma, sem dvida, abandonou o invlucro morta. O homem nefasto, envolvido com o inferno, realizou um avatar e alojou-se no corpo de Turaev para apoderar-se da mulher, a quem desejava. Mas o mais terrvel queconsidero essa pobre jovem inevitavelmente perdida... Ao notar o meu palor e aaflio que se refletiu em meus olhos, ele tentou me consolar: Meu pobre amigo! Vejoque esta triste histria o amargura e oprime mais do que pensei. De qualquer modo, acredito que melhor saber a verdade, e ela a seguinte: quem se entrega ao poder do inferno, perece, se - evidentemente - no dispe de uma extraordinria fora espirtual e de conhecimentos poderosos. A ignorncia, nesses casos, leva destruio mais feqente do que se pensa, e os profanos, desconhecendo o abecedrio da magia negra esuas leis terrveis, acionam levianamente as foras ignotas, pagando com a

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    sade, a felicidade e at com a vida. Para edificao de seus conhecimentos, contar-lheei, a propsito, uma triste histria de um dos meus amigos - um homem belo e instrudoque teve uma morte violenta por sua falta de experincia e leviandade criminosa,quando por brincadeira mexeu com uma lei terrfica da magia negra, sem saber nem aprimeira palavra dela. No se pode brincar com o inferno; um divertimento perigoso e o meu pobre amigo, k a m m e r h e Boresko, rr entendeu isso na prpria pele.Na poca, a histria teve muita repercusso na alta-roda de Petersburgo. O simptico Kostantin Aleksndrovitch interessava-se, verdade, por cincias ocultas, mas esse interesse era com aquela despreocupao de um grande fidalgo que gostava apenas de "se divertir", e por descuido ou preguia no se dava ao trabalho de estudar seriamente as prescries sbias desta cincia a ns obscura. Konstantin Aleksndrovitch gostava deir em torno da "mesa giratria" a companhia alegre e despreocupada de mulheres bonitas e famosas para invocar os espritos. Ningum, evidentemente, esforou-se por confirmar se o rtulo correspondia ao contedo; os seres invisveis estariam ali, presumidamente, para "distrair" aquela companhia e mostrar truques do alm. Por exemplo, considerava-se bem natural que "Coprnico" se manifestasse movendo cadeiras ou trouxesse, para a mesa, batata podre; que o suposto "Lamartine" ou o prprio "Pushkin"* recitasse poesias tolas, fazendo

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    corar de vergonha, pela incoerncia, at os nossos simbolistas decadentes, futuristas e tal... Nessas reunies vulgares de pessoas ociosas se esquece uma observao justamas custica de Kardec**: "Experimentem invocar um rochedo e ele lhes responder" e, desta forma recebem, sob a mscara de grandes personalidades ou santos, at os espritos inferiores. Mas voltarei ao caso trgico que custou vida de meu amigo. Konstantin Aleksndrovitch tinha um filho constantemente doente, ainda que na infncia fosse forte, sadio e robusto externamente. A doena do jovem, entretanto, tinha um fundo oculto. Ele era obsidiado por um esprito impuro que o atormentava, ou melhor,lentamente o destrua. bvio que a obsesso se enraizara desde a existncia passada dovem e os elos, a ns ignotos, uniam o obsidiado com o obsessor. O comeo dessa histria confirmou a minha convico. O jovem encontrou, certa vez no bolso do colete, a fotografia de uma mulher nua, a ele desconhecida, e a partir do dia daquele achado comeou a obsesso. A mulher comeou a aparecer-lhe em sonho e atirava-se sobre ele,causando a sensao de sugar-lhe o sangue. Ele perdia a conscincia e, ao acordar, sempre se sentia alquebrado. Por vezes, o vampiro ameaava-o ou dele zombava. Os mdicos - como no podia deixar de ser - afirmaram que o jovem sofria de neurastenia ealucinaes. Est claro que nenhum remdio surtia efeito, e eis que Konstantin Aleksnditch veio ter comigo para se

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    aconselhar. Naquele tempo eu dispunha de uma boa vidente - a minha sobrinha. Eua fiz adormecer e ela revelou que o jovem era uma vtima de forte obsesso, mas no pdindicar um meio de cura, pois a questo era muito complexa e, para um desfecho favorvel, ela teria de ter conhecimentos especiais e foras ocultas, com as quais no contava. Inutilmente Konstantin Aleksndrovitch insistiu para que ela tentasse umacura; minha sobrinha recusou-se peremptoriamente e ele saiu aborrecido. Isso foina primavera e, no vero, todos viajaram e eu no mais tive notcias do meu amigo. Tendo passado como hspede o outono e a metade do inverno na casa do meu irmo no Cucaso, somente perto do Natal retornei a Petersburgo. Nas festas, Konstantin Aleksndrovitch passou em casa e, todo radiante, anunciou que o seu filho estava curado. Verificou-se que tudo eram tolices e sua vidente simplesmente no queria me ajudare fez da mosca um elefante. Fiquei surpreso. A meu pedido, ele contou ter passado o vero em sua propriedade e l, como de hbito, "organizava sesses espritas", encrando na pessoa de uma simptica dama, sua vizinha, uma mdium mpar. Atravs de seusos falava o prprio Nostradamus e eu, claro, aproveitei a oportunidade para perguntar ao alquimista sobre a doena do filho e meios de cur-lo da obsesso, caso esta existisse de fato.

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    No h nada mais fcil - respondeu o bravo

    Nostradamus. - Pegue a foto dessa miservel do alm-tmulo, faa certas manipulaes mele prescreveu uma defumao e algo mais, o que exatamente eu agora esqueci - e, depois, com um canivete corte o pescoo dessa mocinha e jogue a foto no fogo. O jovem, evidentemente, no deveria saber de nada. Entusiasmado com essa experincia, Konstantin Aleksndrovitch executou exatamente, no mesmo dia, as prescries do suposto Nostradamus. Imagine! - dizia ele - meu filho revelou-me hoje de manh ter visto emsonho aquela mulher. Ela parecia uma Fria* e em seu pescoo havia um profundo ferimento, do qual jorrava sangue em torrente. Tudo isso produziu no jovem uma forteimpresso, e ele comeou a procurar por todo o lugar a fotografia que, evidentemente, no achou. Desde ento ele est bem de sade e no mais viu o monstro - concluiu emsatisfeito o meu amigo. Reconheo, eu fiquei desapontado. Teria - pensei - a minhasobrinha simplesmente se feito de rogada? Ou ela se equivocou? Decidimos inquiri-la de imediato. O senhor cometeu um erro imperdovel ao mexer com foras que no copreende - censurou ela -, e corre um grande perigo. Tome cuidado para no pagar com o prprio pescoo pela imprudente "cirurgia" da larva.

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    Essas palavras fizeram-me refletir. medida que o meu amigo falava, percebi ele estar rouco, e perguntei-lhe do motivo. Devo ter-me resfriado. J h algumas semanasestou com esta rouquido. Tenho de me cuidar, pois comeo a ficar irritado por crocitar feito um corvo - queixou-se ele com certa displicncia. Quando o reencontrei,ele confiou-me ter o seu mdico achado um tumor na garganta e sugerido uma operao. Seu aspecto no era dos melhores, estava abalado e perdida uma parte substancial desua presuno. Pediu-me para se aconselhar com a vidente. Atendi ao seu desejo. Minha sobrinha o recebeu e, depois de algum tempo calada, pronunciou-se: Aconteceuo previsto. Agora oua o seguinte: sob nenhuma hiptese faa a operao. Enquanto a faclhe tocar a garganta, o senhor conseguir sobreviver; mas, to logo seja feita umapequena inciso em seu pescoo, ser o fim. Konstantin Aleksndrovitch ficou desolado, urou no fazer a operao, mas at o inferno est cheio de boas intenes. A famlia coonvenclo do contrrio. O doente foi levado a Viena e submetido a duas operaes seguids. Retornou a Petersburgo moribundo e um pouco antes de sua morte eu o encontreipela ltima vez. Sem condies de falar, escreveu no papel: "Como o senhor estava certo! Ca vtima de minha ignorncia e tolo descuido." O almirante se calou, pensou porinstantes e, agitando a cabea, prosseguiu:

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    Podem imaginar, meus amigos, como me impressionou aquela narrativa. No podia duvidar de sua veracidade, e o perigo mortal ameaando Marssya infundia-me pavor. Supliquei a Nikolai Aleksndrovitch permitir-me aconselhar com a vidente, mas a jovem havia se casado e sado de Petersburgo. Fiquei ainda mais desconsolado, quando recebi uma carta de Piotr Petrvitch. Ele escrevia que a sade da filha inspirava os mais srios cuidados. A jovem se preparava para ser me, mudara muito, andava abatida eestanha - o que desolava o pai. Sobre Vyatcheslav - nenhuma palavra. Piotr Petrvitch tinha achado por bem escrever para Ktya, residindo de novo no exterior, e pedir sua vinda para ficar em companhia da amiga Marssya. Em resposta, chegara a notcia sobre a iminente vinda dela. Essas nefastas notcias aguaram ainda mais o meu estado de tenso. Perseguia-me a idia fixa de talvez existir um meio de salvar Marssya e arranc-la do poder da criatura diablica, de modo que eu ins