karl raimund popper: um filÓsofo e trÊs abordagens da metodologia da economia

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  • 8/14/2019 KARL RAIMUND POPPER: UM FILSOFO E TRS ABORDAGENS DA METODOLOGIA DA ECONOMIA

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    KARL RAIMUND POPPER:UM FILSOFO E TRS ABORDAGENSDA METODOLOGIA DA ECONOMIA1

    Solange Regina Marin2

    Ramn Garca Fernndez3

    Resumo: Procura-se fazer uma anlise de trs leituras da filosofia da cincia de Karl Popperpropostas por diferentes especialistas em metodologia da economia. Cada uma delas destacadiferentes aspectos de sua obra (falsificacionismo, anlise situacional e dilogo crtico), comorecomendao bsica para o adequado desenvolvimento da cincia econmica.

    Palavras-chave: metodologia econmica; racionalismo crtico e Karl Popper.

    Introduo

    Karl Popper (1902-1994) nasceu em Viena, ustria. Embora fosse um filsofo da

    cincia, sua obra teve grande repercusso fora do mbito especfico da filosofia, sendo seu

    impacto especialmente significativo na economia. Para Bruce Caldwell (1991), dentre os

    muitos fatores para a grande popularidade de Popper esto a sua clareza e sobretudo as suas

    perguntas certeiras sobre assuntos relevantes dentro da pesquisa cientfica.

    Na economia, a obra de Popper mais conhecida a Lgica da Descoberta Cientfica

    de 1934, publicada em ingls somente no final da dcada de 50 (quando Popper se encontrava

    morando em Inglaterra h mais de uma dcada).4

    1 Este artigo uma verso modificada do apresentado no XXX Congresso Nacional de Economia de 2002,considerando as crticas e sugestes surgidas no debate.2 Mestre em Desenvolvimento Rural pela UFGRS; doutoranda do Programa de Ps-graduao emDesenvolvimento Econmico da UFPR.3

    Prof. do Programa de Ps-graduao em Desenvolvimento Econmico da UFPR.4 Esse intervalo entre os escritos nos quais as idias de Popper foram inicialmente propostas e a veiculao dasmesmas em publicaes de maior impacto constitui um complicador quando o objetivo delinear a filosofia dePopper.

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    Caldwell (1991) sugere que a filosofia da cincia de Popper tem sido interpretada pelos

    metodlogos da economia de duas maneiras, como se existissem duas pessoas diferentes5:

    Popper N (das cincias naturais) e Popper S (das cincias sociais). Com essas duas vises,

    Caldwell examina as suas influncias na metodologia da economia e na histria da cincia

    econmica, observando pontos de convergncias e de divergncias, assim como sua

    aplicabilidade. Indica que a perspectiva da metodologia da cincia econmica transita entre

    essas duas vises, uma vez que existem alguns que propem que esta poderia ser vista como

    defendendo basicamente o falsificacionismo (Popper N), enquanto outros sugerem a anlise

    situacional (proposto pelo Popper S) como sendo a metodologia adequada para as cincias

    sociais e especialmente para a economia.

    O principal responsvel pela apresentao do Popper falsificacionista na economia

    Mark Blaug. Este autor favorvel ao falsificacionismo, desde que definido de um ponto de

    vista metodolgico que considere as teorias e hipteses como sendo cientficas se e somente se

    suas previses forem pelo menos em princpio falseveis. Alcanar de forma completa o ideal

    da falseabilidade o objetivo principal da economia (Blaug, 1999: 34).

    Para Wade Hands (1992), o falsificacionismo mais conhecido dentro da economia,

    porm, quando estritamente interpretado, pode ser de pouco uso para o economista. Hands

    lembra, contudo, que o prprio Popper fez uma proposta que ele achava mais adequada para

    as cincias sociais (e especialmente para a metodologia) em outras obras posteriores, chamada

    anlise situacional. O falsificacionismo parece inconsistente com a proposta de anlise

    situacional de Popper para as cincias sociais. Porm, continua Hands, enquanto este Popper S,

    o da anlise situacional, praticamente desconhecido entre os economistas, parece muito

    aplicvel na metodologia econmica, especialmente na anlise microeconmica.

    Outro corte foi proposto por Lawrence Boland (1994), segundo o qual existem duas

    vises da filosofia da cincia de Popper, uma mais popular, centrada no falsificacionismo, e

    outra, embora menos popular, mais importante: o Popper do Dilogo Socrtico (Popper D). Na

    viso do Popper Socrtico predomina a nfase do papel crtico da racionalidade.

    Racionalidade debate crtico com a nfase no debate. Popper as vezes chama isso de

    5 Esta argumentao de Caldwell tem como base um trabalho de Imre Lakatos (1979) no qual sugere a

    existncia de trs Poppers: Popper0, Popper 1 e Popper 2. O primeiro o falsificacionista dogmtico, naverdade, segundo Lakatos, inventado pelos crticos de Popper. O segundo o falsificacionista metodolgicoingnuo e o ltimo o fasificacionista metodolgico sofisticado (Lakatos, 1979: 224).

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    racionalismo crtico (Boland, 1994:157).Nesta viso, o mago da metodologia popperiana

    se encontraria na proposta de racionalismo crtico, tambm abordado por Caldwell.

    Este artigo pretende fazer um mapeamento da filosofia de Karl Raimund Popper

    atravs de um contraponto, se houver, entre os trs Popper propostos: o Popper N

    (falsificacionismo), que trata da filosofia da cincia em geral; o Popper S (anlise situacional),

    que expe uma lgica das cincias sociais; e, o Popper D (racionalismo crtico), que destaca a

    importncia do debate crtico, desde que conduzido com racionalidade e mantendo o

    compromisso com a anlise emprica.

    1- O Popper N (cincias naturais) e o monismo metodolgico

    O objetivo central de Popper nos anos 30, atravs da publicao de A Lgica da

    Pesquisa Cientfica, era enfrentar o positivismo lgico do Crculo de Viena. Esse positivismo

    era considerado por ele como uma matriz de dogmatismos, cuja nfase estava em identificar a

    cincia como uma atividade estritamente indutiva. Ou seja, a partir de observaes eram

    levantadas hipteses e formuladas leis sobre fenmenos, procedendo depois sua

    generalizao e verificao. Popper se manteve fiel a esta perspectiva, e muitos anos depois,

    em 1983, refinaria esta crtica aos positivistas no seu Ps-Escrito Lgica da Descoberta

    Cientfica: O Realismo e o Objetivo da Cincia (1997).

    Para Popper (1997: 190) a aplicao do seu critrio de demarcao (falsificacionismo),

    antes de buscar separar cincia de metafsica6, como queriam os positivistas lgicos do Crculo

    de Viena, visava avaliar teorias e ajuizar suas pretenses. Disso surgia a necessidade de um

    critrio para um problema prtico: decidir se uma certa teoria aceitvel por meio de

    argumentos empricos. Tratava-se, apenas, de examinar as condies de aceitao de uma

    teoria, frente a observaes e experimentaes empricas, podendo ela resistir ao teste (ser

    corroborada) ou, caso contrrio, ser refutada.

    Popper no estava satisfeito com o critrio de demarcao dos positivistas lgicos7,

    fundado no verificacionismo (Popper 1997, cap. II). Embora ainda no tivesse analisado a

    6 Popper admite a influncia constante da metafsica, inexistindo um critrio seguro para verificar se umaproposio ou no metafsica (p. ex., o atomismo de Demcrito). Se uma proposio puder ser testada, antesdeve ser possvel false-la, caso contrrio ser confirmada, e no corroborada. Mesmo assim, esse critrio no

    assegura se a proposio testvel ou no metafsica. A terceira seo deste trabalho trata da posiometafsica explicitamente assumida por Popper.7 Popper distingue critrio de demarcao do significado de critrio de demarcao entre cincia emprica,por um lado, e matemtica pura, lgica, metafsica e pseudocincia, por outro (Popper, 1997: 191). O primeiro

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    fundo o problema da induo de David Hume, Popper j observava na Lgica da Pesquisa

    Cientfica que o critrio para justificar uma teoria cientfica emprica era a sua capacidade de

    testabilidade, refutabilidade ou falsificabilidade (Popper, 1997: 180). Ao invs de obter a

    confirmao da teoria pelos dados (verificacionismo), mais adequado seria propor um

    enunciado para falsificar a teoria e test-lo nas observaes e experimentaes.

    Uma teoria com possibilidade de ser falsificada pode ser caracterizada como cientfica.

    Logo, uma teoria que no pode ser testada com este critrio, ou seja, no pode ser falsificada,

    no tampouco cientfica, mas deve ser considerada como pertencente lgica, matemtica

    pura, metafsica ou pseudocincia.

    A inteno de Popper era somente decidir se alguma teoria era aceitvel em termos

    cientficos. Porm, o mtodo falsificacionista foi interpretado como uma reviso do critrio de

    demarcao dos positivistas lgicos, ou seja, um verificacionismo com nova roupagem. Para

    Popper (1997, cap. I), tal confuso decorre do indutivismo, ento predominante entre os

    positivistas e os empiristas, para os quais a origem do conhecimento so os dados observveis

    e experimentais. Contudo, se esses dados empricos no falam por si, devem ser traduzidos a

    partir de uma prvia formulao racional. Ento, como acredita Popper, a induo no pode

    ser considerada como origem do conhecimento.

    Para Popper (1997: 62), David Hume props o chamado problema da induo que se

    referia validao das regularidades tendo em vista, por um lado, o desconhecido (princpio da

    invalidade da induo), principalmente em relao ao futuro, e por outro, a convico de que

    s tem validade a experincia (princpio do empirismo). Porm, como obter conhecimento

    diante das experincias desconhecidas, notadamente as do amanh? Tal dvida compromete a

    verdade da existncia de regularidades. Hume, ento, conclui que a induo racionalmente

    invlida. E, diante da constatao de que tudo provm da experincia, confiou no hbito, e no

    na razo.

    Popper acrescenta uma outra proposio ao problema da induo: o princpio do

    racionalismo crtico, visando resgatar a razo excluda por Hume (Popper, 1997: 64). A

    induo invlida, como pretende Hume: no tem valor lgico, tendo em vista a

    impossibilidade de se apreender todas as possibilidades de ocorrncia dos eventos. Porm,

    identificado como o mtodo verificacionista dos positivistas, que buscavam confirmar se uma teoria teria ou

    no significado (ou ser significante). O segundo, corresponde ao seu mtodo do falsificacionismo, queestabelece a possibilidade da teoria ser criticvel (ou testvel). Popper dava pouca importncia ao primeirocritrio, mas o ltimo constituiu uma preocupao central em toda sua obra.

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    seguindo Popper, Hume deu um valor factual e no apenas lgico para a induo, cujo

    emprego poderia ser justificado atravs do hbito (aprendemos com as repeties, com as

    regularidades que aparecem sucessivamente), do que decorreria, por induo, embora invlida,

    que os fatos da vida ensinam os seres humanos.

    Popper considera um mito o fato da induo, ainda mais que o princpio do

    racionalismo crtico representava um acrscimo em compatibilidade e consistncia nos passos

    do problema da induo de Hume em contraposio ao hbito8. Pelo racionalismo crtico,

    teorias so suposies, conjecturas ou hipteses. As regularidades so firmadas pelo mtodo

    da tentativa e erro, de conjectura e refutao, ou aprendizagem a partir dos nossos erros;

    regularidades no so obtidas por acumulaes ou associaes de observaes. Diante disso,

    errando (testando) que se aprende e se faz cincia.

    O falsificacionismo de Popper no visa dar um valor factual para observaes e

    experimentaes (mito da induo), mas exclusivamente um valor lgico: o de propor contra-

    argumentos passveis de testes.

    Se o falsificacionismo uma questo lgica, ento pode ser vlido para todas as

    cincias (monismo metodolgico). Este o critrio de demarcao de Popper que difere dos

    positivistas ao rejeitar o indutivismo, assumindo uma preferncia pela deduo. Ele apenas

    requer que as dedues sejam testveis, de modo a serem corroboradas ou falsificadas, pois

    objetiva-se o conhecimento racional crtico, conjectural, e no o conhecimento ideal.

    A formulao da viso do PopperN mostra o falsificacionismo como mtodo lgico que

    empreende testes para as teorias. Na crtica dessa viso popperiana, muitas vezes se tem em

    vista as inconsistncias lgicas do mtodo, como no caso da formulao de Duhem-Quine9.

    Quando Hands (1992) formula a dificuldade de aplicao do critrio do

    falsificacionismo na economia, refere-se apenas aos aspectos lgicos. Tambm tece algumas

    consideraes sobre o problema da verdade, sobre o realismo objetivo e sobre a indisposio

    8 Os passos do problema de Hume, ou o limite at onde a lgica alcana, o que segue (Popper, 1997: 63): (i)confia-se na existncia de regularidades e de leis da natureza; (ii) mas no podemos ter experincia de muitascoisas, desconhecidas e localizadas no futuro; (iii) por outro lado, s podemos conhecer com essa experincia.Popper acrescenta (iv) o princpio do racionalismo crtico, dando consistncia e compatibilidade de (i) a (iv),pois resolve a aparente contradio entre (ii) e (iii). Hume decide, com relao a esta aparente contradio, quetudo (iii). Mas, conclui Hume, j que a induo racionalmente invlida, confia-se no hbito e no na razo.9 O problema Duhem-Quine expe que nenhuma hiptese testada isoladamente, mas sempre junta com

    pressupostos auxiliares e descries de condies iniciais (Zahar In: OHear, 1997: 58). Assim, uma hiptesefalsificada pode determinar a falncia de todo o sistema terico, algo que no acontece frequentemente. Parauma defesa do falsificacionismo diante dessa crtica, ver Zahar in: OHear, 1997.

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    do cientista econmico quanto a teorias testveis independentemente da teoria ento em voga,

    temas estes que ultrapassam o mbito do falsificacionismo lgico.

    Devem ser considerados os problemas da lgica pura ou do esquema lgico da

    explicao (explanao) como destaca Hands, os problemas duhemiano, da inexistncia de

    base emprica, da corroborao de teorias por trivialidade, e da teoria independentemente

    testvel , buscando-se uma tentativa de soluo, sempre no campo da lgica, quando ento o

    falsificacionismo pode ter sua aplicabilidade na teoria econmica.

    Caldwell (1991), afirma que T. W Hutchison, J. Klant e M. Blaug so os maiores

    defensores do falsificacionismo na economia, mas como critrio de demarcao. Por mais que

    Popper insista que o mtodo falsificacionista pretendia avaliar teorias e ajuizar suas

    pretenses, este foi interpretado como critrio de demarcao entre cincia e pseudo-cincia.

    Segundo Caldwell (1991) Hutchison foi o primeiro a introduzir a testabilidade como

    um critrio para distinguir entre cincia e pseudo-cincia, na obra The Significance and Basic

    Postulates of Economic Theory, publicada originalmente em 1938. Ainda conforme Caldwell,

    Hutchison, Blaug e Klant so crticos da proposta de Ludwig von Mises de que a economia

    a cincia da ao humana, por entenderem que esta proposta prope uma teoria econmica

    no-falsificvel, sendo, portanto, dogmtica10. Todavia, as dificuldades de falsificar o marxismo

    clssico e os institucionalistas americanos, por exemplo, levam Blaug e Hutchison a conclurem

    que difcil falsificar teorias econmicas. Caldwell observa que tambm Friedrich Hayek

    achava difcil falsificar teorias econmicas, tendo em vista a complexidade dos fenmenos que

    focalizam. Predomina o entendimento do falsificacionismo como critrio de demarcao entre

    cincia e no-cincia, que permite desconsiderar algumas teorias econmicas dogmticas (no

    falsificveis), uma vez que elas so estabelecidas com base em princpios para os quais no

    concebvel uma situao na qual possam vir a ser considerados falsos.

    Boland (1994) tambm encontra dificuldade em aplicar o falsificacionismo na cincia

    econmica. A economia no parece se adequar ao mtodo de escolher a melhor teoria (avaliar

    e justificar), dentre outras teorias competidoras, no s pela falta de competio, mas pela

    pouca mudana que ocorre na teoria econmica.

    10 Segundo Blaug (1999:129), o enunciado de praxeology (cincia da ao humana) de Mises postula que a

    ao individual propositada funciona como um pr-requisito para se explicar todo o comportamento, incluindo-se, o comportamento econmico. Isto no seria satisfatrio como pedra angular para uma teoriaverdadeiramente cientfica, pois no seria falsificvel.

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    Para Popper (1997:180), o entendimento errneo do seu mtodo de avaliar e julgar

    teorias testveis decorrente da falta de ligao entre o problema de demarcao e o problema

    da induo, somente apresentado no Ps-Escrito em 1983. Popper com seu critrio

    falsificacionista procurou um mtodo de testar uma teoria e no de procurar verificaes,

    como sugeriam os positivistas11. Para Popper, o falsificacionismo era antes uma questo de

    lgica do que uma preocupao essencialmente emprica.

    Mas o problema do falsificacionismo tambm deve ser observado com a insero da

    idia do racionalismo crtico. Para Blaug (1994), alguns tpidos popperianos como Caldwell,

    Boland e Hands, depois de terem discutido algumas objees viso metodolgica de Karl

    Popper, tenderam em favor do racionalismo crtico como a essncia de Popper. Antes,

    contudo, do exame do racionalismo crtico, bem como do estabelecimento de princpios

    racionais (seo 4), que pode ser considerada a emenda que Popper e outros fizeram ao

    falsificacionismo (Caldwell, 1991 e Hands, 1992), interessante firmar algum entendimento

    sobre a anlise situacional, ou o chamado Popper S das cincias sociais, visto por Caldwell e

    Hands como o mais adequado para a metodologia econmica.

    2- O PopperS e a anlise situacional

    Quando se trata das cincias sociais Popper introduz a lgica da situao. Na

    Vigsima-quinta Tese daLgica das Cincias Sociais (Popper, 1992) apresentada a anlise

    situacional:

    A investigao lgica dos mtodos de economia poltica conduz a um resultadoaplicvel totalidade das cincias sociais. Este resultado demonstra a existncia, nascincias sociais, de um mtodo puramente objetivo12 , que se poder designar pormtodo compreensivo-objetivo ou por lgica da situao (Popper, 1992: 83, grifos

    no original).A investigao lgica na economia poltica ( qual Popper se refere sem,

    infelizmente, especificar o que exatamente entende como tal), mostra a possibilidade de um

    mtodo puramente objetivo (mtodo compreensivo-objetivo), sem recorrer a idias

    psicolgicas ou subjetivas, que pode ser aplicado totalidade das cincias sociais. Tal mtodo

    11 Sobre a assimetria entre verificao e falsificao ver Popper (1997: 97-204).12

    Segundo Popper, o falsificacionismo permite apresentar um critrio objetivo para as cincias naturais, masfaltava uma proposta objetiva para as cincias sociais. Diante de limitaes do mtodo falsificacionista noambiente social (por ex. a maior dificuldade na realizao de testes controlados), a lgica da situao seria omtodo objetivo das cincias sociais.

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    consiste na anlise da situao do indivduo, na busca de explicar a ao a partir da situao.

    Para Popper, sempre que um indivduo age, o faz seguindo um objetivo definido e de acordo

    com algum conhecimento da situao. Fatores aparentemente psicolgicos, tais como desejos,

    impulsos, recordaes e associaes, so convertidos em fatores situacionais.

    As cincias sociais devem ser constitudas pela lgica situacional, onde os desejos soconvertidos em fins objetivos; recordaes ou associaes em dotao de teorias ou

    informaes. No mbito do mtodo objetivo, no se recorre ao psicologismo13. E isto

    especificamente quanto lgica do conhecimento das cincias sociais.

    Hands (1992) constata a aplicabilidade da lgica situacional na economia, afirmandoque se trata do mtodo da microeconomia (e tambm da macroeconomia baseada em

    microfundamentos).

    A anlise situacional o que em economia se conhece por conceito de escolharacional, isto , a viso de que o comportamento econmico simplesmente ocomportamento maximizador individual sujeito a restries, e na verdade Popperdeclarou anlise situacional` ser uma generalizao do mtodo da anliseeconmica (Blaug, 1994:112).Segundo a anlise situacional, preferncias, tecnologias e restries (preos, renda,

    etc.) mostram a situao do agente e sua motivao (maximizao da utilidade). Essa situao

    analisada segundo a deduo de um comportamento (compra mais ou menos, produz mais

    ou menos, etc.) que quando apropriado matematizvel na teoria econmica. Finalmente, fixa-

    se o princpio racional, segundo o qual os agentes atuam apropriadamente (racionalmente),

    dadas as situaes analisadas. Este esquema lgico parece ser o da anlise situacional. No

    entanto, permanecem problemas como o da escolha da teoria do comportamento adequado,

    bem como da discusso crtica da prpria racionalidade.

    Para caracterizar o sentido de objetividade, amplia-se a anlise para a teoria doconhecimento cientfico. Popper inicia aLgica das Cincias Sociais tomando o antagonismo

    entre saber e no-saber14, para chegar seguinte tese:

    (Quarta Tese) Na medida em que possvel dizer, de um modo geral, que tanto acincia como o conhecimento comeam em algures, ento igualmente vlido o quese segue: o conhecimento no parte de percepes, de observaes, nem da recolha de

    13 O psicologismo entendido como a doutrina de que todas as leis da vida social devem reduzir-se, em ltimainstncia, s leis psicolgicas da natureza humana. Para mais detalhes ver Popper (1993) [1934]A Lgica daPesquisa Cientfica, p. 31-32, Popper (1974) [1945]A Sociedade Aberta e seus Inimigos, cap. 13 e 14, Popper

    (1995) [1967] O Princpio de Racionalidade e mais adiante, nesta seo.14 Popper expe a questo do saber na primeira tese e a do no-saber na segunda tese. Na terceira tese sugere anecessidade de uma teoria do conhecimento esclarecer as relaes entre o saber e o reconhecimento do no-saber que satisfaa as duas primeiras teses (Popper, 1992:71-72).

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    dados ou de fatos, mas sim de problemas. Sem problemas no h saber, como no hproblemas sem saber (Popper, 1992: 72).Com isto, exclui-se do sentido de objetividade o conhecimento atravs de dados da

    observao e da experimentao. Todo o nosso conhecimento parte de um problema, mesmo

    que seja algo surpreendente e novo que aparea como dado observvel. Ento, o mtodo,

    vlido tanto para as cincias naturais quanto para as cincias sociais, tentar resolver os

    problemas (Popper, 1992: 73, Sexta Tese). Diante disso, prope-se uma soluo que ser o

    objeto de crtica. Se a tentativa de resolver no resiste crtica, a soluo proposta ainda no

    tem rigor cientfico. Se resistir crtica, a teoria aprovada momentaneamente, pois deve-se

    procurar outro aspecto para ser criticada. Se refutada, procura-se outra tentativa de soluo,

    novamente exposta crtica. a tentativa de soluo do problema sob controle rigoroso da

    crtica: o mtodo da tentativa e erro. Assim, a objetividade do mtodo crtico a objetividade

    da cincia considerar toda teoria criticvel e toda crtica dotada de instrumentos lgicos

    objetivos.

    No caso das cincias sociais, a teoria da objetividade cientfica, a prpria sociologiado saber, que permite eliminar da anlise aspectos da posio social ou ideolgica do

    investigador s pode ser explicada:

    ... atravs de determinadas categorias sociais, como por exemplo: competio (tantoentre os cientistas, individualmente, como entre as diversas escolas); tradio(nomeadamente, a tradio crtica); instituies sociais (como sejam, publicaes emdiversos peridicos concorrentes; debates em congressos); poder estatal(nomeadamente, tolerncia poltica face a debates livres) (Popper, 1992: 78, Dcimaterceira Tese).As contraposies de idias ocorrem no momento do debate crtico, no qual devem ser

    problematizadas e obterem propostas de soluo, distinguindo problemas cientficos de extra-

    cientficos. Tal situao ocorre tanto nas cincias naturais quanto nas cincias sociais. Popper,pretende firmar a idia de que a objetividade da cincia uma questo social da discusso

    cientfica ... da sua colaborao mas tambm das guerras entre si (Popper, 1992: 78) e no

    uma questo individual. A ideologia e posio social do investigador surgem no debate crtico

    e, ao longo do tempo, perdem a importncia para o debate exclusivamente cientfico.

    Popper discute seu mtodo crtico com a negao do naturalismo metodolgico. ocaso, por exemplo, do naturalismo ou cientifismo metodolgico, mal organizado e

    equivocado, que exige que as cincias sociais recorram, ao fim e ao cabo, s cincias da

    natureza para apreenderem o que o mtodo cientfico (Popper: 1992:74).

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    O mtodo de Popper permite distinguir valores cientficos de no-cientficos atravs dadiscusso crtica, enquanto que o naturalismo pretende que os cientistas se desfaam de seus

    valores. Alm disso, enquanto, em Popper, a tentativa de soluo (deduo) o objeto (da

    crtica), no cientifismo metodolgico se procuram observaes e medies, apenas se

    aproximando do objeto cientfico, para depois generalizar (induo). O argumento negativo

    recai no problema da induo, mas agora com agravantes na dificuldade de se obter dados e

    medidas de fenmenos sociais, bem como na dificuldade de se obter objetividade nas cincias

    sociais, caso o cientista esteja mais ou menos suscetvel a valores.

    A crtica de Popper permite estabelecer outro tipo de objetividade, vlida para todas ascincias: enxergar os problemas como objetos. Isto possibilita tambm a discusso sobre

    valores, escolhendo aqueles que podem ser considerados puramente cientficos (a verdade, a

    inventividade, a capacidade de esclarecimento, a simplicidade, a preciso), diferenciando-os

    dos valores no-cientficos, como interesses no inerentes procura da verdade (interesses de,

    por exemplo, bem-estar, desenvolvimento industrial, enriquecimento pessoal). Popper mais

    uma vez critica o psicologismo como base das cincias sociais, mas no descaracteriza a

    existncia de valores (cientficos e no-cientficos) que devem ser discutidos entre os cientistas.

    Alerta os cientistas sociais ao afirmar que aceitar as motivaes psicolgicas como

    fundamentos das aes e condutas humanas pode conduzir o cientista para a idealizao da

    origem desses fundamentos, com o risco dessa origem ideal se tornar a fora determinante das

    aes sociais. O que Popper quer enfatizar que na maioria das situaes sociais existe um

    elemento de racionalidade. Porm, com isso, Popper no quer dizer que todas as aes

    humanas so racionais, mas que existe a possibilidade da descoberta de um fundamento

    racional que informe e justifique as aes dos seres humanos.15

    Dentro de uma argumentao positiva na defesa do seu mtodo crtico, Popper enfatizaque o objetivo da cincia a explicao satisfatria do que aparece e impressiona (Popper,

    1997, cap. 15). Esta explicao satisfeita na relao entre os explicans (as premissas) e o

    explicandum (as concluses). A associao lgica entre os explicans e o explicandum constitui

    o esquema lgico da explicao (Popper, 1992: 81). Os explicans precisam implicar

    15 Popper refere-se racionalidade em dois sentidos: existe a racionalidade como atitude pessoal expressa peladisposio de admitir criticamente os erros e, portanto, corrigi-los. Porm, a expresso princpio deracionalidade para qualificar as aes humanas no quer dizer que os homens sempre adotem uma atitude

    racional diante dos problemas que enfrentam. O princpio de racionalidade mais um princpio mnimo queanima a todos os modelos situacionais explicativos. Este princpio pode ser resumido como a adequao de umaao a um problema situacional. (Popper, 1995:391-92).

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    logicamente o explicandum, ser conjecturados verdadeiros, e, se no for possvel tom-los

    como aproximaes da verdade, ento devem ser independentemente testveis. Aqui retorna o

    critrio de demarcao, o falsificacionismo, na importncia de no se tomar proposies ad

    hoc, mas teorias independentes e testveis, tendo em vista o avano cientfico. A no ser nos

    casos de leis universais da natureza, como explicans, que, pela riqueza de contedo, permitem

    testes independentes de proposies que no so ad hoc.Ento, o avano cientfico ocorre em

    direo a teorias de contedo cada vez mais rico, mais universais, e at mais exatas.

    Popper acredita numa explicao suprema, de contedo rico para testes, o que eledenomina de essencialismo modificado16. Qualquer explicao pode ser melhorada por uma

    teoria ou uma lei de maior universalidade. As falsificaes nos ensinam o inesperado,

    permitindo a ocorrncia de choques com explicaes alheias, e que podem mudar em muito,

    dependendo do poder explicativo da teoria, nossa viso de mundo (Popper, 1997: 156).

    Em resumo, a lgica situacional pode ser considerada como o mtodo lgico dascincias sociais sugerido por Popper, enquanto o seu mtodo crtico pertence metodologia

    das cincias (sociais e naturais). De uma forma mais abrangente, a seleo de problemas faz

    parte da teoria do conhecimento ou da lgica do conhecimento, e o falsificacionismo, por sua

    vez, pertence lgica pura e dedutiva.

    Popper ensina que, para premissas verdadeiras e inferncia vlida, a concluso deve serverdadeira; porm, para concluso falsa, de inferncia vlida, no possvel que todas as

    premissas sejam verdadeiras (Popper, 1992: 80, Dcima stima Tese). A possibilidade de

    deduzir uma possvel concluso falsa reduzida atravs da crtica racional, e a conseqncia

    lgica de uma concluso falsa a refutao da assero (de pelo menos uma das premissas).

    Para Popper (1992: 80, Dcima nona Tese), teorias so sistemas dedutivos como tentativas de

    explicao e tentativas de soluo de problemas, com crtica s pretenses verdade. A

    racionalidade consiste em demonstrar que apretenso verdade falsa: aprende-se com erros

    (Popper, 1992: 80, Vigsima Tese).

    O PopperN, que agora pode ser visto como fundamentado em aspectos lgicos,diferencia-se do PopperS quando se expe os aspectos psicolgicos as valorizaes do

    16 Popper no acredita no essencialismo metodolgico, que responde e pergunta o que ? (caso das definies)(ver Popper, 1974, 15-28 e 301-302, Popper, 1997, 155 e 270-271), nem no instrumentalismo (ver Popper,1997, 134-150 e 155). Para Popper, no existe um termo exato ou termos tomados precisos por definies

    precisas. Identifica-se o instrumentalismo na proposta para a metodologia da cincia econmica de Friedman(1981). Popper critica o instrumentalismo diferenciando teorias cientficas de regras de computao (osinstrumentos), e, principalmente, pelo fato de no se analisar a verdade ou falsidade dos instrumentos, ou seja,a validade dos procedimentos e tcnicas.

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    cientista, o amor verdade, a defesa do sistema terico e como base das cincias sociais

    crtica. Diante disso, Popper sugere a crtica racional, que envolve aspectos puramente lgicos,

    e, no caso das cincias sociais, a necessidade de considerar conceitos sociais (no-

    psicolgicos) como o entorno da ao e dotao de conhecimento do indivduo. Disso resulta

    que, dentro de um mundo fsico com aes prprias das cincias naturais, reconhece-se um

    mundo social caracterizado por aes individuais e institucionais, um mundo com indivduos e

    instituies sociais, exposto por uma lgica situacional.

    Hands (1992) verifica um paradoxo no fato da metodologia econmica ter focalizadomais a viso falsificacionista do que a anlise situacional, pois este o mtodo de Popper para

    as cincias sociais. Porm, a anlise situacional seria exemplificada atravs das anlises feitas

    na microeconomia, eis que baseada num princpio de racionalidade estabelecido (os indivduos

    agem com uma razo econmica), em uma dada situao social.

    Popper, no artigo O Princpio de Racionalidade, publicado pela primeira vez em 1967,estabelece que as cincias sociais operariam com o mtodo de construir situaes em

    condies tpicas. Por meio da anlise situacional, as situaes sociais tpicas so

    transformadas em modelos. O erro, segundo Popper, est em animar o modelo social com as

    leis da psicologia humana. Ento, ele sugere a fixao de um princpio de racionalidade que

    seria um postulado metodolgico e no uma proposio emprica ou psicolgica, onde: Os

    agentes sempre atuam de maneira apropriada situao em que se encontram (Popper,

    1995:387). Mas, utilizamos o princpio de racionalidade simplesmente como uma boa

    aproximao verdade, reconhecendo que no verdadeiro, seno falso (Popper,

    1995:390).

    A economia poltica, como j dito por Popper, caracteriza-se em exemplo de ummtodo para a investigao lgica das cincias sociais, com base no princpio de racionalidade

    e dentro da lgica da situacional. No entanto, resta a questo de se esse princpio de

    racionalidade pode ser falsificado (testvel), segundo o mtodo popperiano. A fixao de um

    princpio de racionalidade, como uma lei da natureza da qual decorrem os resultados, depende

    da crtica, mas tambm da metafsica. Nesse passo, Popper prope o realismo objetivo como o

    mtodo objetivo das cincias17.

    A anlise situacional no pode ser vista apenas como o nico mtodo das cinciassociais. Os princpios e pressupostos desta esto situados em uma lgica mais abrangente, a

    17 A ser desenvolvido na prxima seo.

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    que inclui tambm as cincias naturais, qual seja a metodologia das cincias como sendo o

    mtodo da discusso crtica. Diante disso, o falsificacionismo caracteriza-se como um critrio

    forte para ajuizar se uma teoria testvel e aceitvel como cientfica.

    Para Caldwell (1991:13), o mtodo da lgica situacional ou anlise situacional estudar as repercusses sociais no-intencionais de aes humanas intencionais, podendo ser o

    nico mtodo de exposio das cincias sociais. A tarefa das cincias sociais no profetizar

    sobre problemas da sociedade18.

    Contudo, para Caldwell, o estabelecimento do princpio racional no lugar das leisuniversais problemtico. Caldwell sugere um marco zero o postulado de que os agentes

    atuam apropriadamente para suas situaes como na teoria microeconmica tradicional.

    Trata-se de um princpio metafsico que no verificvel, nem falsificvel, tampouco refutvel

    empiricamente. Portanto, igualmente ao caso das leis universais que estimulam modelos na

    cincia natural, o princpio racional anima as cincias sociais e, consequentemente, a cincia

    econmica.

    A fixao de um princpio permite resultados ento considerados cientficos. Se talprincpio resultar num rico contedo, prprio para a testabilidade, a falsificao e a

    refutabilidade, pode ser prontamente aceito como racional. Porm, este racional no obtido

    dos dados observveis e experimentveis (do indutivismo), mas do racionalismo crtico, como

    se expe na prxima seo.

    3- O Popper D e a discusso crtica

    Uma discusso crtica, com base racional, travada em ambientes onde se pode

    identificar algo como um estado do debate cientfico atual, a proposta de dilogo socrtico

    do Popper D. Porm, tal viso foi elaborada por Boland (1994) e no mencionada

    explicitamente por Popper.

    No Ps-Escrito da Lgica da Descoberta Cientfica (1982), Popper salienta que suaviso poderia ser entendida como falibilismo e abordagem crtica. Por falibilismo se entende

    que no existe certeza do conhecimento ou verdade, pois todo conhecimento conjectural e,

    por abordagem crtica, ele quer demonstrar o que justamente foi denominado de racionalismo

    18 O que, por sinal, um dos temas reiterados na obra de Popper, destacando-se a esse respeito A Misria doHistoricismo no qual Popper questiona frontalmente a possibilidade de se fazer grandes previses em CinciasSociais.

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    crtico. Todas as teorias cientficas estariam abertas ao criticismo, particularmente com

    referncia aos problemas com os quais as teorias em questo estavam designadas a resolver

    (Blaug, 1994:112).

    A idia socrtica do no-saber toma aqui outro rumo: a cada nova descoberta, surgemnovos problemas, reforando a conscincia de que apenas conseguiu-se aproximar da verdade,

    ou de que unicamente se fez uma tentativa de resolver o problema (Popper, 1992: 71, Segunda

    Tese). Mas, ao mesmo tempo, temos conscincia de saber algo, sugerindo a aparente

    contradio entre o saber e o no-saber. Assim, o debate crtico interminvel, diferente da

    proposta socrtica de saber que no sabe. Para Popper, o saber e o no-saber so conciliados

    no problema (origem do conhecimento) que desafiado pelo debate crtico: por isso a

    recomendao de um procedimento metodolgico de algo como o dilogo socrtico.

    Na viso do Popper socrtico, a cincia mais um processo em estado de fluxoconstante, do que uma postura estabelecedora de verdades estveis no sujeitas reviso. No

    h mtodo infalvel, nem autoridade, nem fatos inquestionveis. A cincia pensamento

    cientifico sem mtodo cientfico (Boland, 1994:162).

    A discusso crtica deve ser vista sob as perspectivas do racionalismo crtico e dorealismo objetivo propostos por Popper para mostrar a sua viso de mundo. Num aspecto

    lgico, para compreender as interaes do mundo fsico com o mundo social, usa-se o

    falsificacionismo e o estudo da lgica situacional, bem como os conceitos lgicos de

    aproximao da verdade e tentativa de soluo de problemas.19

    Na abordagem do PopperD, contudo, o mtodo do falsificacionismo pode sercaracterizado como uma condio lgica requerida pelo racionalismo crtico, e a racionalidade

    continua sendo essencial, porm somente enquanto um aspecto da crtica.

    Popper entende que o racionalista se esfora por tomar decises, trabalhando comargumentos. Difere do que ele denomina falso racionalismo, caracterizado por entender o

    mundo a partir da construo de mquinas gigantescas e mundos sociais utpicos. Enquanto

    que o verdadeiro racionalista procura solues para os problemas presentes, o falso

    racionalista j tem as respostas prontas.

    19 Segundo Popper, a nossa realidade consiste em trs mundos ligados entre si. (A palavra Mundo no significaUniverso ou Cosmos, mas apenas partes deste). Estes trs mundos so: o Mundo fsico, Mundo 1, dos corpos edos estados, fenmenos e foras fsicas; o Mundo psquico, Mundo 2, das emoes e dos processos psquicos

    inconscientes; e o Mundo 3 dos produtos intelectuais. (Popper: 1992:21-22) A diferena entre os trs mundospopperianos torna-se mais clara com a considerao sobre seus modos de existncia: o Mundo 1 determinado pela materialidade fsica das coisas; o Mundo 2 existe em nossas disposies e reaes psicolgicas e oMundo 3 no est em lugar algum Neiva (1999:23).

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    Estudando uma situao em microeconomia (teoria do consumidor), podemos ver asdiferenas de abordagens entre a anlise situacional e o dilogo socrtico. O economista, ao

    olhar essa situao na primeira perspectiva, destaca a busca da maximizao da utilidade frente

    um oramento limitado e preos existentes. A diferena, para a lgica do Popper socrtico,

    que os economistas centrar-se-iam no papel do consumidor como sendo o de um indivduo que

    tenta resolver um problema de escolha.

    O racionalismo crtico consiste em defender racionalmente uma preferncia, ou umacrena racional, ou teorias verossmeis, sabendo-se que na discusso crtica a crena pode ser

    abandonada. Se aqui surge um novo conflito com o falsificacionismo (na defesa racional da

    crena), observe-se que Popper agora trata do que pode ser racional, e de que o mtodo o

    racional.

    Popper recorre aos quatro problemas da induo (ou fases da sua discusso, ouestgios do argumento) (Popper, 1997: 81-106) para apreciar o seu racionalismo crtico:

    1) como distinguir teorias boas de teorias ruins: o problema prtico de mtodo;2) como acreditar nos resultados da cincia: o problema da crena sensata;3) como saber que o futuro vai ser como o passado: o problema do amanh;4) como saber se existem regularidades na natureza: o problema das leis universais

    verdadeiras.

    As trs primeiras fases j foram tratadas nas sees anteriores, pois correspondem discusso lgica, metodolgica ou epistemolgica. Popper resume essa discusso:

    ... eu substitu o problema Como que sabe? Qual a razo, ou a justificao, dasua assero? pelo problema: Por que que prefere essa conjectura a conjecturascompetidoras? Qual a razo da sua preferncia?Ao passo que a minha resposta ao primeiro problema no-sei, a minha resposta aosegundo que, regra geral, a nossa preferncia por uma teoria mais bem

    corroborada ser defendida racionalmente pelos argumentos que tiverem sido usadosna nossa discusso crtica, incluindo, claro, a discusso dos resultados dos testes.So esses os argumentos dos quais o grau de corroborao suposto dar um relatosumrio (Popper, 1997: 98, grifo no original).Resolvido o problema da induo j nas trs primeiras fases, resta o quarto que

    metafsico: leis universais so irrefutveis. Popper parece assumir sua posio de realista

    objetivo para acreditarque exista uma lei da natureza verdadeira, mas no acreditar numa

    causalidade universal.

    O realista objetivo, segundo Popper, acredita que o conhecimento, sempre conjectural, objetivo pois visa as coisas fora de ns, acreditando que aprendemos com fenmenos

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    externos. A doutrina idealista diferente por considerar a idia de mundo como uma idia

    nossa, de cada um. Popper alerta para a existncia de outros conhecimentos cientficos alm do

    nosso; todos os indivduos tm acesso ao conhecimento objetivo externo.

    A base subjetiva, quando se considera que os sentidos humanos primeiro percebem,no precisa ser considerada, pois, desde o incio, Popper sugere que se est no campo da

    intersubjetividade ao dar e receber propostas e ao desenvolver uma crtica racional (Popper,

    1997: 112). O carter hipottico do conhecimento cientfico e o carter crtico de toda

    discusso racional permitem a combinao do realismo metafsico com o empirismo.

    O conhecimento objetivo, ento, tomado como um tipo de instituio social, comoresultado das aes humanas no-intencionais. O conhecimento subjetivo pode ser tomado

    como psicolgico ou biolgico. Popper entende que o empirismo tradicional pretende recolher

    os dados com os sentidos e acumul-los (por repetio) como se fosse o nosso conhecimento.

    No entanto, nada nos dado como base do conhecimento: no h dados no interpretados.

    Nosso conhecimento, conforme Popper, ao e reao na intersubjetividade. Asupremacia concedida por Popper investigao cientfica est relacionada com a noo de

    que a cincia tem pouca relao com fatores psicolgicos ou subjetivos. O conhecimento

    cientfico caracterizado pelo seu mtodo: a cincia testvel e criticvel

    intersubjetivamente; sua eficcia resulta de um controle racional e objetivo que dispensa

    convices subjetivas Neiva (1999:84). A racionalidade decorre dos resultados dos testes,

    das crticas dos prejuzos, das conjecturas; ela obtida no campo da intersubjetividade

    mediante discusso crtica.

    O realismo verdadeiro tem grandes afinidades com o conhecimento conjectural obtidonas discusses crticas, pois o realismo tem mais fora lgica do que o idealismo, uma vez que

    o seu produto falsificvel. O idealismo, para Popper (1997: 125), padece do problema de

    encontrar uma explicao para tudo, impedindo, muitas vezes, a possibilidade de discusso

    crtica.

    O dilogo socrtico (PopperD) considerado por Boland, mais sofisticado graas introduo das questes metafsicas relativas ao racionalismo e ao realismo (viso de mundo),

    aparece como a abordagem mais relevante para compreender a viso cientfica proposta por

    Popper. Ela deve manter, porm, a nfase nas possibilidades lgicas de falsear teorias e nas

    investigaes da lgica da situao.

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    Boland sugere esta viso para o cientista econmico. Assim, ao falsificacionismorestaria um papel menor, enquanto seria enfatizado o papel crtico da racionalidade. A cincia

    seria um caso especial de dilogo socrtico, onde aprendemos com a eliminao dos erros

    diante da crtica. Sob esta viso de Popper, conforme enfatiza Boland (1994:158), pode no

    haver uma resposta para toda pergunta mas h uma pergunta para toda resposta, e pode no

    haver uma soluo para todo problema mas h um problema para toda soluo.

    Para Boland (1994), os metodlogos que seguem o PopperD gastam a maior parte do

    seu tempo criando e encorajando a crtica. A cincia est corporificada num processo motivado

    pela crtica, e no pela perseguio de uma justificao racional.

    Consideraes finais

    O mtodo falsificacionista de Popper, entendido como uma questo puramente de

    lgica, pode ser aplicvel a todas as cincias (sejam naturais ou sociais). A metodologia na

    economia seria capaz de adotar o falsificacionismo, desde que conduzido como um critrio de

    ajuizar e no de verificar teorias (como era o caso dos positivistas lgicos). Popper ressalta

    que seu mtodo de falsificao no visava provas factuais para as teorias, ou seja, era favorvel

    apenas com a deduo no campo da lgica.

    Porm, quando trabalha com as cincias sociais especificamente, Popper elabora um

    mtodo, denominado de anlise situacional, como sendo o mtodo objetivo para tais cincias.

    Neste novo mtodo, por sua vez, estabelece o princpio de racionalidade para excluir toda e

    qualquer caracterstica psicolgica das anlises acerca das diferentes situaes dos indivduos.

    O princpio de racionalidade, despojado de meios psicolgicos e de caractersticas empiristas,

    assume a forma de um postulado metodolgico que no pode ser falsificvel. No entanto, resta

    a dificuldade quanto ao tipo de racionalidade fixado nos modelos econmicos para analisar as

    diversas situaes. Mais ainda, o problema poderia estar na ausncia de uma discusso acerca

    da aceitao de um determinado princpio de racionalidade na cincia econmica.

    A viso de PopperD, portanto, seria um caminho mais frutfero para a economia. A

    cincia, nesta abordagem, caracteriza um espao de debate crtico acerca dos resultados

    obtidos com os diferentes modelos explicativos. Nesta perspectiva, no importa quais so os

    princpios utilizados pelos modelos direcionados aos diversos contextos. Mas, o que realmente

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    interessa a discusso crtica dos resultados derivados destes modelos, desde que conduzida

    nas linhas do falsificacionismo e do racionalismo crtico.

    Assim, a viso socrtica de Popper seria a mais adequada ao conduzir a economia para

    um debate constante acerca dos resultados dos seus modelos e, consequentemente estimulando

    um possvel avano no pensar as situaes econmico-sociais.

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