juventude rural enquanto ator polÍtico e a reivindicaÇÃo pelo “acesso a terra” no brasil

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XVII Congresso Brasileiro de Sociologia 20 a 23 de Julho de 2015, Porto Alegre (RS) GT 17 "Movimentos sociais, organizações de representação e lutas por direitos no campo”. Juventude Rural enquanto ator político e a reivindicação pelo “acesso à terra” no Brasil Sérgio Botton Barcellos Pós- Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFPEL

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A partir desse trabalho será problematizado o processo social de construção da juventude rural como ator político no Brasil e, em meio a isso, procurarei discutir as suas reivindicações e as estratégias de mobilização na pauta do acesso à terra. Desse modo, a questão colocada nesse ensaio será: como está ocorrendo atualmente o processo de configuração da juventude rural enquanto ator político e quais as suas formas atuais de mobilização na luta pela terra no Brasil? Sob essa perspectiva, em articulação com aspautas de reivindicação das organizações e movimentos sociais em juventude rural na última década, será discutida a sua inserção na agenda política do Estado e no processo de formulação das políticas públicas, em especial de acesso à terra, como o Programa Nacional de Crédito Fundiário - Linha Nossa Primeira Terra (PNCF-NPT) e de Reforma Agrária. Para realizar essa análise qualitativa foi realizada a coleta dos dados em espaçosde debate sobre juventude rural no governo federal (conferências, seminários e grupos detrabalho) e a análise das pautas das organizações e movimentos sociais, por meio de observação participante, entrevistas e análise documental. Pelos conceitos de interdependência e configuração de Elias (1994, 1998, 2000) será realizada a discussão decomo os atores nesse processo constroem as suas diversas inter-relações de acordo e de disputa na sua construção como ator político e na reivindicação das políticas públicas de acesso à terra no Brasil.

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  • XVII Congresso Brasileiro de Sociologia 20 a 23 de Julho de 2015, Porto Alegre (RS)

    GT 17 "Movimentos sociais, organizaes de representao e lutas por direitos no campo.

    Juventude Rural enquanto ator poltico e a reivindicao pelo acesso terra no Brasil

    Srgio Botton Barcellos Ps- Doutorando no Programa de Ps-Graduao em Sociologia da UFPEL

  • JUVENTUDE RURAL ENQUANTO ATOR POLTICO E A REIVINDICAO PELO ACESSO A TERRA NO BRASIL

    RESUMO

    A partir desse trabalho ser problematizado o processo social de construo da juventude rural como ator poltico no Brasil e, em meio a isso, procurarei discutir as suas reivindicaes e as estratgias de mobilizao na pauta do acesso terra. Desse modo, a questo colocada nesse ensaio ser: como est ocorrendo atualmente o processo de configurao da juventude rural enquanto ator poltico e quais as suas formas atuais de mobilizao na luta pela terra no Brasil? Sob essa perspectiva, em articulao com as pautas de reivindicao das organizaes e movimentos sociais em juventude rural na ltima dcada, ser discutida a sua insero na agenda poltica do Estado e no processo de formulao das polticas pblicas, em especial de acesso terra, como o Programa Nacional de Crdito Fundirio - Linha Nossa Primeira Terra (PNCF-NPT) e de Reforma Agrria. Para realizar essa anlise qualitativa foi realizada a coleta dos dados em espaos de debate sobre juventude rural no governo federal (conferncias, seminrios e grupos de trabalho) e a anlise das pautas das organizaes e movimentos sociais, por meio de observao participante, entrevistas e anlise documental. Pelos conceitos de interdependncia e configurao de Elias (1994, 1998, 2000) ser realizada a discusso de como os atores nesse processo constroem as suas diversas inter-relaes de acordo e de disputa na sua construo como ator poltico e na reivindicao das polticas pblicas de acesso terra no Brasil. Palavras-chave: Juventude Rural; Polticas Pblicas; acesso terra; reforma agrria.

    CONSIDERAES INICIAIS

    O fato de ser jovem ou estar jovem no algo fixo, contudo, a singularidade desse

    momento ou circunstncia da vida em uma determinada sociedade deve ser levada em

    considerao. Essas figuraes possuem peculiaridades estruturais, pois os seres humanos

    singulares convivem uns com os outros em figuraes determinadas e que se transformam

    (ELIAS, 2006). Porm, ressalta-se que nessas transformaes e nas figuraes que esses

    atores se formam uns com os outros, entrelaados entre si.

    Considera-se que essas transformaes ocorrem em planos distintos e de formas

    diferenciadas, como no caso do espao rural brasileiro e do que se convenciona

    socialmente como juventude rural. Nesse feixe de mltiplas identidades constitudas e

    acionadas ao longo da histria do desenvolvimento rural no Brasil que se situam, apesar de

    silenciado ou apagado, a histria, as tradies, os signos discursivos e os aspectos culturais

    que perpassam a constituio da formao da identidade juventude rural, como ator poltico

  • que reivindica polticas pblicas e acesso terra.

    Dessa forma, procurarei problematizar o processo social de construo da juventude

    rural como ator poltico no Brasil e, em meio a isso, discutir as suas reivindicaes e as

    estratgias de mobilizao quanto ao acesso terra no mbito do governo federal. Nessa

    perspectiva, a questo colocada no trabalho : como est ocorrendo atualmente o processo

    de configurao da juventude rural enquanto ator poltico e quais as suas formas atuais de

    mobilizao na luta pela terra no Brasil?

    Em articulao com as pautas de reivindicao das organizaes e movimentos

    sociais em juventude rural na ltima dcada, ser discutida a sua insero na agenda

    poltica do Estado e no processo de formulao de polticas pblicas, em especial de

    acesso terra, como o Programa Nacional de Crdito Fundirio - Linha Nossa Primeira

    Terra (PNCF-NPT) e a poltica do INCRA de reserva de 5% das reas de assentamentos

    rurais para jovens. Para realizar essa anlise qualitativa foi realizada a coleta dos dados em

    espaos de debate sobre juventude rural no governo federal e a anlise das pautas das

    organizaes e movimentos sociais, por meio de observao participante, entrevistas e

    anlise documental.

    A presena crescente das organizaes de juventude nos espaos de governo e na

    sociedade percebida e est se configurando pouco a pouco como influente nos processos

    polticos de governo e no interior das prprias organizaes e movimentos sociais. Um

    exemplo disso foi e a organizao dos grupos sociais e identitrios que se reconhecem

    enquanto juventude no contexto rural junto ao cenrio de formao da categoria agricultura

    familiar, como na Confederao dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) e Federao

    dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (FETRAF), ou camponesa, como no Movimento

    dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a Pastoral da Juventude Rural (PJR), ou

    mesmo em diversos grupos sociais (quilombolas, indgenas, povos de terreiro etc.)

    Com base em Elias (1994, 1998, 2000), por meio dos conceitos de interdependncia

    e configurao, ser realizada a discusso de como os atores nesse processo constroem as

    suas diversas relaes de acordo e disputa na sua construo como ator poltico e na

    reivindicao das polticas pblicas de acesso terra no Brasil. Destarte, como sugere Brah

    (1996), considero tambm que esses vrios significados em relao construo da

    identidade juventude rural e as configuraes das mobilizaes pelo acesso terra nas

    organizaes e movimentos sociais so componentes de diferentes estratgias de

    mobilizao de identidades culturais e polticas que devem ser devidamente

    problematizadas de acordo com as suas circunstncias sociais.

  • A ideia no esgotar ou trazer um apontamento considerado conclusivo sobre o

    tema e essa discusso, pelo contrrio, a partir desse exerccio inicial e limitado trazer

    tona provocaes para o debate. Desse modo, a partir de um breve resgate histrico sobre

    as organizaes e movimentos sociais, noto que elas influenciam e tm distintas formas de

    organizao dos seus setores de juventude e grupos de jovens. Esses atores (jovens rurais,

    campesinos, da agricultura familiar, dentre outros) nas suas organizaes e movimentos

    sociais reafirmam sua identidade lutando por reconhecimento social e por direitos sociais

    como o acesso a polticas pblicas. Contudo, quando a pauta a luta pela terra, percebe-se

    uma disputa de sentidos, como, por exemplo, no acionamento de discursos relativos ao

    acesso terra e reforma agrria.

    1 A JUVENTUDE RURAL ENQUANTO ATOR QUE REIVINDICA POLTICAS

    PBLICAS

    Na dcada de 1990 e no incio dos anos 2000 foram realizados diversos estudos

    tcnicos e acadmicos (organizaes internacionais, rgos estatais, universidades e

    ONGs)1 acerca da produo familiar, que passou a ser vista como um campo de ao para

    uma agricultura alternativa ao padro moderno vigente e predominante na agricultura

    brasileira, e que de certa maneira no contemplou a grande maioria dos produtores

    familiares. A partir de ento, os formuladores de polticas pblicas comearam a dirigir suas

    aes tambm para esta categoria social. Concomitante a isso, nesse contexto, a

    agricultura familiar se afirmou como uma categoria social no meio rural brasileiro e passou a

    ser um pblico assimilado pelo Estado, inclusive, sendo alvo da formulao de polticas

    pblicas (BARCELLOS, 2013).

    Entretanto, essa diversidade de atores no espao rural brasileiro tambm inclui desde

    os camponeses proprietrios de terras aos posseiros de terras pblicas e privadas, tambm

    os camponeses que usufruem dos recursos naturais como os povos das florestas, os

    agroextrativistas, os recurseiros (extrativistas), os ribeirinhos, pescadores artesanais,

    catadores de caranguejos e lavradores, castanheiros, quebradeiras de coco babau,

    aaizeiros, os que vivem dos fundos de pasto, arrendatrios, parceiros, foreiros,

    quilombolas, povos indgenas, serranos, caboclos e colonizadores, assim como os povos

    das fronteiras do pas e os assentados (CARVALHO, 2005).

    1 Reconhecidos tanto no meio acadmico quanto no meio institucional, no mbito do governo federal, encontram-se os projetos do Banco Mundial (2003) e FAO/INCRA (1994 e 1996).

  • Junto a isso, em meio ao processo histrico recente de luta pela terra no Brasil,

    ocorreu a formao do que se convencionou como o novo sindicalismo no campo,

    constitudo pela reformulao e pela oposio aos sindicatos, s federaes e prpria

    CONTAG, a partir da dcada de 1970 (MEDEIROS, 2001). Outro ator que se formou nesse

    processo o MST, que se apresentou como um movimento massivo de luta por terra e

    distinto da CONTAG, que se referenciava nas medidas legais previstas no Estatuto da Terra

    (1964) e no apoio ao I Plano Nacional de Reforma Agrria, no governo Sarney.

    A ao do MST se distinguia tanto na forma de fazer a luta poltica (ocupao direta

    da terra e espaos pblicos, com a formao de acampamentos), quanto no modo de

    organizao. Pelo menos em seu momento inicial, o MST foi uma articulao dentro do

    sindicalismo que buscava alcanar a transformao da estrutura sindical, inclusive atuando

    na Articulao Sindical Sul, que viria mais tarde a formar a CUT rural (PICOLOTTO, 2011).

    O MST, Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB), Movimento das Mulheres

    Camponesas (MMC) e Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e outros movimentos

    sociais que se somaram mais tarde formaram a chamada seo brasileira da Via

    Campesina, que constri a sua base social a partir de um projeto poltico de resistncia e

    afirmao da agricultura camponesa no pas, na sua tentativa de diferenciao aos outros

    atores (PICOLOTTO, 2011). Ainda de acordo com o autor, nesse contexto, ocorreu tambm

    a fundao da FETRAF-Sul, aps amplo debate e mobilizao, e da FETRAF-Brasil2.

    Em meio a esse processo histrico e social, tanto nas esferas governamentais, nas

    organizaes e movimentos sociais, bem como no campo acadmico, as categorias jovem,

    juventude, jovem rural ou anlogas podem tambm ser categorias aglutinadoras de atuao

    poltica em determinados grupos, como os Jovens Sem Terra, as juventudes partidrias, a

    Pastoral da Juventude, a PJR, os Grupos de Jovens de igrejas evanglicas, a Juventude do

    Movimento Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (CASTRO, 2005).

    Diante disso, as questes em relao discusso de juventude surgem, por

    exemplo, pelo aspecto multifacetado e pela referida polissemia do termo. Outro fator pela

    intercambialidade dos termos que a definem (criana, jovem, velho etc.) e dos espaos

    sociais a que se referem. A gerao, em um sentido amplo, representa a posio e atuao

    do ator em seu grupo de idade e de socializao no tempo, inter-relacionada com outros

    sistemas de relaes, expresses das dimenses de gnero e classe social. Sob essa tica,

    2 Picolotto (2011) descreveu que as diferenas de concepes sobre como deveria se organizar o sindicalismo no espao rural brasileiro so apontadas por ambas as organizaes sindicais como um dos principais motivos que levou constituio de duas vertentes organizativas, inclusive sendo as duas filiadas a CUT. Essa situao de concorrncia no interior da CUT gerou insatisfao de setores da CONTAG, o que mais tarde levou a sua desfiliao da CUT, aprovada em seu X Congresso, em 2009. Assim, dentre esse conjunto de experincias, foram criadas as condies para fortalecer o debate sobre a agricultura familiar e foram formadas as bases concretas para pensar o projeto do sindicalismo para a agricultura.

  • o jogo de poder entre as geraes se desloca e se reinstala continuamente (MOTTA, 2010).

    Assim, uma gerao, como, o ser e o estar jovem no sentido sociolgico, o

    perodo no qual a identidade construda a partir de recursos e significados que esto

    socialmente e historicamente disponveis, e criam novas identidades e possibilidades para a

    ao, pois no h temporalidade estabelecida, isto , no h padronizao do tempo para

    medir o seu ritmo (ABRAMS, 1982).

    Desse modo, ser pertinente elencar, mesmo que brevemente, alguns aspectos

    histricos em relao a essas organizaes e movimentos sociais que participam de forma

    mais frequente ao longo da histria dos espaos de discusso e formulao das polticas

    pblicas para a juventude rural no governo federal. Em Martins, Castro e Almeida (2011)

    consta que a maioria dos movimentos sociais rurais no Brasil formalizou, por volta do ano

    2000, alguma instncia organizativa de juventude3.

    No caso dos movimentos sindicais, o processo organizativo dos (as) jovens vem

    sendo formalizado desde os anos 2000. Na CONTAG, a organizao da juventude est

    estruturada em comisses municipais de jovens nos sindicatos de trabalhadores rurais e

    comisses estaduais de jovens em suas federaes. Em nvel nacional est organizada a

    Comisso Nacional de Jovens Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (CNPPJTTR),

    organizada pela Secretaria de Jovens Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais da CONTAG.

    A juventude da Confederao tem uma poltica de cotas de 20% para jovens em seus

    Congressos (aprovada em seu IX Congresso, em 2005).

    A FETRAF-Brasil possui secretarias de juventude desde 2005 que fazem parte da

    executiva da federao, e nos sindicatos tambm existe uma instncia/coletivo de jovens

    com intuito de dinamizar e ampliar o trabalho na base. Geralmente os coletivos de jovens da

    FETRAF (nos estados e regio Sul), formaram-se com representantes das regies em que

    se articulam os sindicatos. No caso das federaes menores os representantes so

    geralmente dos sindicatos. No mbito dos movimentos sociais, no MST a discusso de

    forma mais pblica foi percebida a partir do I Encontro da Juventude do Campo e da

    Cidade, organizado pelo MST em diferentes estados em 2002.

    A PJR se rearticulou politicamente, aps a ditadura, e foi criada em 19834. Em 2001,

    a Pastoral comeou a encaminhar e aprofundar as propostas do seu I Congresso e firmou

    3 Ao no citar as outras nessa parte do trabalho no o objetivo invisibilizar ou dar menor importncia, pois

    foram muitos foram mencionados em todos os captulos, mas trata-se da necessidade de realizar um recorte baseado em critrios como: participao histrica desde o incio das discusses sobre as polticas pblicas para a juventude rural e a fora da atuao poltica nos espaos de governo. 4 Nos anos 1940, por intermdio de outro ator relevante, a Igreja Catlica, outro movimento considerado

    importante no meio juvenil. A juventude catlica passou a se organizar por especificidade, na JAC, JEC, JIC, JOC e JUC (agrria, estudantil, independente, operria e universitria, respectivamente). Aos poucos, em

  • uma aliana junto s entidades do campo, pela participao nas atividades da Via

    Campesina5.

    Essa confluncia de trajetrias e histricos de organizao e formao poltica

    desses (as) jovens em meio s organizaes e movimentos sociais se entrecruzam com

    semelhanas e distines na formao das categorias sociais (juventude rural, juventude

    camponesa, juventude da agricultura familiar, dentre outras) expostas tanto em seus

    congressos e eventos internos, como nos espaos de discusso e formulao de polticas

    pblicas para a juventude rural no governo.

    Ao mesmo tempo, observa-se tambm nesse processo que a categoria juventude

    rural influenciada pela construo de outras identidades, como a da agricultura familiar,

    que foi construda em um sentido que se distancia de conotaes de atraso, pobreza,

    ineficincia ou abandono do espao rural, viso esta que a noo de trabalhador rural ou

    pequena produo supostamente carregava. Ou seja, a categoria agricultura familiar6 vem

    sendo ressignificada de forma positivada, como produtora de alimentos, moderna, eficiente,

    sustentvel e capaz de gerar desenvolvimento econmico etc. (PICOLOTTO, 2011).

    Devido a isso, corrobora-se com Fraser (2012), que ao tratar do tema da identidade,

    chamou a ateno para o fato de que a falta de reconhecimento de um determinado grupo

    social, se for pensado como algo autnomo e movido por valores ideolgicos e culturais,

    pode fazer com que essa perspectiva identitria oculte seu vnculo com a justia distributiva

    e o abstraia de sua relao com a sociedade em que vivemos. Por isso, muitas vezes seus

    defensores ignoram a injustia econmica e concentram seus esforos demasiadamente na

    transformao da cultura, considerada uma realidade por si s.

    Frente a isso, considera-se que a experincia dos (as) jovens na atual dinmica da

    sociedade traz tona a possibilidade de problematizar sociologicamente essa categoria,

    inclusive em um contexto de polticas pblicas. Conforme Picolotto (2011), ao longo desse

    processo histrico no se pode velar que esses atores polticos apresentaram demandas

    que vo alm das questes da produo e do crdito agrcola. Atualmente esses atores

    passam a chamar a ateno s questes de gnero, gerao, educao, qualidade de vida

    no meio rural e sucesso hereditria na agricultura familiar, dentre outros fatores.

    Percebe-se que a construo das identidades dos (as) jovens no contexto rural

    brasileiro acontecem em um emaranhado de ambiguidades e conflitos, pois ao mesmo

    vrios pases, incluindo o Brasil, comeou a surgir uma esquerda catlica que influenciam fortemente essas organizaes de juventude (SILVA, 2006). 5 A PJR foi aceita na Via Campesina Internacional em 2009, em um encontro em Moambique. 6 Essa positivao da agricultura familiar, de certa maneira se entrecruza com a positivao do que ser o

    jovem que vive no espao rural atualmente e a questo da juventude de direitos que tambm vem sendo um discurso recorrente, tanto por parte de organizaes internacionais, como com distintas vertentes pelas organizaes e movimentos sociais que tm organizao em juventude rural no Brasil (BARCELLOS, 2010).

  • tempo em que podem estar em um contexto familiar e comunitrio, muitas vezes podem

    tambm estar diante da questo da tradio que lhes conferem e ao mesmo tempo impe

    sentidos, por exemplo, sobre reciprocidades sociais entre a famlia e comunidade,

    religiosidades, ganhar dinheiro e ter uma vida melhor, ou mesmo atuar em uma

    organizao poltica7.

    Conforme Castro (2010), atualmente, ao identificar o campo das polticas pblicas

    para juventude no Brasil, possvel observar o alargamento ou a retrao das

    possibilidades de atuao poltica dos (as) jovens como atores polticos que se movimentam

    no necessariamente em uma nica direo e de forma linear em busca de reconhecimento

    social e polticas pblicas.

    Essas posies seriam referentes, por exemplo, ao que o projeto de vida do ator

    social (jovem) em seus contextos de vivncia com configuraes e nuances singulares e, ao

    mesmo tempo, a sua experincia como representao de uma experincia histrica

    enquanto ator poltico disputando no mbito do campo das polticas pblicas de juventude

    recursos e formulaes que efetivamente incluam essa populao jovem. Para o Estado, o

    jovem geralmente visto somente como uma espcie de pblico alvo/beneficirio de

    polticas pblicas, o que gera relativos graus de uniformizao. A juventude rural como

    categoria aglutinadora de identidades em polticas pblicas carrega uma perspectiva

    homogeneizadora que esconde a diversidade dos povos, territrios, modos de vida e de

    produo e nega a alteridade, que j haviam sido reconhecidos com a Constituio de 1988

    (CASTRO, E. G., MARTINS, M., FERREIRA, S. L., CORREA, J. G., 2010). E ainda, essa

    categoria refora a suposta oposio campo/cidade como tratou Weisheimer (2005).

    Essas diferentes formas de lutas que se imbricam na disputa pela formulao de

    polticas pblicas, pensando a partir da ideia de Brah (1996), tem um significado relacionado

    ao que so diversos modos de vida e identidades as quais esto ligadas a questes de

    experincia, subjetividade e relaes sociais. As identidades so marcadas pela

    multiplicidade de posies que constituem o sujeito e assumem padres especficos, diante

    de conjuntos particulares de circunstncias pessoais, sociais e histricas que a qualquer

    momento so enunciado como o "eu".

    7 Assim, surge a reflexo sobre o processo de deslocamento, que pode ser considerado uma primeira etapa do que pode ser a migrao, como tambm do processo de identidade e identificao, pois o meio pelo qual diferenas em um dado plano so determinadas e podem ser capazes de se materializar em normas, valores e comportamentos de indivduos e grupos. As relaes de hierarquia e os processos de disputa de legitimao e poder de participao/deciso esto contidos na famlia, mas atravessam o ambiente domiciliar e configuram as percepes sobre jovens/juventude em espaos como os de organizao coletiva e inclusive, at na prpria formulao das polticas pblicas para jovens rurais (BARCELLOS, 2014).

  • 1.1 Polticas pblicas para a juventude rural e de acesso terra no brasil

    Ao longo das duas ltimas dcadas, ocorreu um aumento significativo de

    assentamentos rurais e uma srie de mudanas ocorridas no aparato institucional do

    Estado. No entanto, apesar da crescente importncia da questo agrria, ela proporcional

    uma dificuldade e negligncia do Estado brasileiro em lidar com esse tema. Esse quadro

    permanece, no incio do governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), mesmo com a

    intensificao das tenses sociais no pas, a violncia e as ocupaes de terra, o que se

    desdobrou em novos arranjos polticos, em especial, aps o massacre ocorrido em Eldorado

    de Carajs, quando o governo criou o cargo de Ministro Extraordinrio de Assuntos

    Fundirios, sob os auspcios da Presidncia da Repblica e que, com a continuao dos

    conflitos, foi substitudo pelo Ministrio do Desenvolvimento Agrrio (MDA), o qual passou a

    tratar as questes relacionadas aos assentamentos rurais e agricultura familiar

    (MEDEIROS, 2000).

    Registra-se que durante o governo FHC, o Estado teve o seu papel de executor ou

    prestador direto de servios bsicos reduzido, mantendo-se apenas como uma espcie de

    agente regulador e provedor de polticas pblicas, principalmente focado nos servios

    sociais como educao e sade. Por meio dessa concepo de Estado gerencial, a

    execuo das aes estatais ainda teria outro parceiro institucional, que seria formado pelo

    que foi convencionado como o terceiro setor representado pelas ONGs8.

    No segundo governo de FHC (1998-2002), a poltica de apoio aos segmentos do que

    foi convencionado como agricultura familiar permaneceu, porm, o montante de recursos

    investidos se manteve sem considerveis investimentos. Com a institucionalizao do MDA,

    configurou-se uma viso considerada dualstica de agricultura ou uma poltica de

    focalizao separando o apoio agricultura familiar do colocado agricultura intensiva

    ligada ao agronegcio, esse ltimo vinculado ao Ministrio da Agricultura Pecuria e

    Abastecimento (MAPA)9 (SABOURIN, 2007).

    Em 1999, o Governo FHC lanou o programa Novo Mundo Rural, constitudo por

    um conjunto de medidas e polticas pblicas agrcolas e agrrias. Esse programa buscava

    dar respostas para uma conjuntura poltica com intensas mobilizaes e reivindicaes dos

    movimentos sociais e sindicatos rurais da poca. Conforme Resende e Mendona (2005),

    8 Dentre as funes dessas ONGs, caracterizadas como poder pblico no-estatal, estariam a execuo ou

    apoio ao Estado na execuo das polticas pblicas de forma focal e descentralizada (repassando aes para os municpios e estados) junto sociedade. 9 Essa medida apenas cristalizou a representao j forte no seio do governo e da sociedade de uma agricultura a duas velocidades: uma agricultura capitalista empresarial e uma pequena produo de subsistncia, camponesa e atrasada [] SABOURIN, 2007; p. 718).

  • esse projeto financiado pelo Banco Mundial foi centrado em trs questes: o assentamento

    de famlias como uma poltica social compensatria; a estadualizao das aes dos

    projetos de assentamento, repassando responsabilidades inerentes Unio para estados e

    municpios; a substituio do instrumento constitucional de desapropriao pela propaganda

    do mercado de terras10.

    Esse projeto teve como principais programas o Cdula da Terra, o Banco da Terra, o

    Crdito Fundirio e o Programa de Consolidao de Assentamentos que aps, no governo

    Lula, deram origem posteriormente ao PNCF. No ano de 2000, as mobilizaes de luta pela

    terra ganharam mais fora em todas as regies do pas. Valendo-se da institucionalizao

    do Fundo de Terras e da contrao de novos emprstimos junto ao Banco Mundial, em

    2001, o governo federal criou o Crdito Fundirio de Combate Pobreza Rural (CFCPR),

    iniciando sua operao em abril de 2002. O programa foi estendido aos estados das regies

    Nordeste e Sul, e Minas Gerais e Esprito Santo no Sudeste.

    Ao mesmo tempo - no segundo mandato do Presidente FHC - foi alterado o quadro

    de ausncia das polticas para jovens a partir do surgimento de aes pblicas no mbito do

    governo federal, desenvolvidas principalmente em formato de parcerias com governos

    estaduais, municipais e organizaes da sociedade civil. Os principais programas/aes

    criados foram, segundo Rodrigues (2006): Assessoria de Juventude do Ministrio da

    Educao (1997), Servio civil voluntrio (1998), Brasil Jovem - Agente Jovem, Centros da

    Juventude (2000) e Paz nas Escolas (2001). Dessa forma, o tema juventude passou a

    receber maior ateno no final do sculo XX e incio do XXI no Brasil, conforme apontaram,

    por exemplo, os estudos de Spsito (2003) e Macedo e Castro (2006)11.

    Ao longo desse processo poltico, aps, nos dois governos consecutivos de Lula

    (2002-2010), no campo das polticas agrcolas, em 2004 ocorreu a formulao do Programa

    de Desenvolvimento Sustentvel na Reforma Agrria (PDRA) com aes de assistncia

    tcnica e capacitao de assentados (ATES); concesso de crdito de instalao; e

    recuperao, qualificao e emancipao de projetos de assentamentos rurais. Nos

    programas agrrios, tiveram destaque os Assentamentos Sustentveis para Trabalhadores

    10 Como forma de substanciar esse conjunto de reformas e se alinhar ao cenrio econmico internacional-neoliberal, mesmo que parcialmente, o Governo Federal no Brasil em 1995 divulgou o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Nesse documento constava que apenas em meados dos anos 1990 surgiu no Brasil uma resposta consistente para a suposta superao da crise internacional, com a ideia da reforma ou reconstruo do Estado, de forma a resgatar sua autonomia financeira e sua capacidade de implementar polticas pblicas (BRASIL, 1995, p. 10). 11 Assim, algumas propostas foram orientadas, sobretudo, mais uma vez pela ideia de preveno, de controle

    ou de efeito compensatrio de desafios que atingiriam a juventude, considerada um problema para a sociedade. Como exemplo, cita-se a grande proliferao de programas esportivos, culturais e de trabalho, orientados para o controle social do tempo livre dos (as) jovens e destinados particularmente para os moradores dos bairros considerados pobres das grandes cidades (SILVA; ANDRADE, 2009).

  • Rurais pelo INCRA e a Regularizao e Gerenciamento da Estrutura Fundiria pela SRA-

    MDA.

    Ainda, em novembro de 2003, o governo, conforme Ramos Filho (2009), divulgou o II

    Plano Nacional de Reforma Agrria (II PNRA), estabelecendo metas a serem alcanadas no

    primeiro mandato de Lula, como o assentamento de 400 mil novas famlias em projetos de

    reforma agrria; a regularizao fundiria para 500 mil famlias; a promoo do acesso

    terra pelo Crdito Fundirio de 130 mil famlias. Nessa direo, em 2003 foi criado pelo

    governo federal o PNCF, tendo em vista atender a uma reivindicao histrica do

    Movimento Sindical Rural, foi divulgada como uma poltica pblica que tinha o objetivo de

    reduzir a pobreza rural no pas e a consolidar a agricultura familiar.

    Como aludiu Ramos Filho (2009), dentre os anos de 2003 a 2006, foi verificado o

    compromisso do governo federal em ampliar quantitativamente a abrangncia do PNCF.

    Embora no tenha alcanado as metas previstas no II PNRA, esse governo ampliou esse

    Programa tanto no aspecto quantitativo (nmero de acessos), como na escala de

    abrangncia e diversificao das linhas de financiamento e crdito para compra de terras,

    ampliando o pblico alvo.

    Salienta-se que esse Programa foi formulado abrigando todas as modalidades de

    linhas de financiamento elaboradas no Banco da Terra anteriormente, embora cada uma

    delas tenha passado por um aprimoramento operacional e por mudanas de nomenclatura.

    Por exemplo, dentre o conjunto de mudanas, no lugar do Banco da Terra, foi criada a linha

    Consolidao da Agricultura Familiar (CAF), cujos acessos ocorrem de forma individual e

    passaram a abranger, alm dos estados da regio Sul e Sudeste, tambm os das regies

    Nordeste e Centro-oeste do Brasil (RAMOS FILHO, 2008). Segundo Sauer (2010), essa

    reestruturao fortaleceu o Fundo de Terras no s como a fonte oramentria de

    contrapartida aos recursos do Banco Mundial, mas especialmente como uma poltica de

    Estado para o financiamento de compra de terras.

    Cabe ressaltar tambm a criao, no escopo do PNCF em 2003, do Selo Nossa

    Primeira Terra (NPT), que ser um dos objetos dessa anlise. Essa uma linha direcionada

    para jovens sem-terra, agricultores e filhos de agricultores, egressos das escolas

    agrotcnicas, escolas rurais dentre outros jovens, que se encontravam na poca na faixa

    etria de 18 a 24 anos, dentre outros critrios. Ao mesmo tempo foram criadas outras aes

    dentro do PNCF: o PNCF - Mulher, o Terra Negra Brasil (TNB) e o Terra para Liberdade

    (TL)12. Nesse mesmo ano, tambm foi criada a linha Jovem no Programa Nacional de

    12 O TL integrou as aes do Plano Nacional para Erradicao do Trabalho Escravo do MDA/INCRA e est articulado prioritariamente com a linha de crdito CPR.

  • Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF).

    No governo Lula, em relao ao PNCF foi observado um aumento no oramento,

    incrementos e rearranjos normativos e operacionais, tambm foi percebido que de modo

    geral no ocorreram mudanas na orientao das diretrizes da poltica e na distribuio

    social da matriz oramentria do crdito rural em relao a perodos histricos anteriores.

    A partir de 2005, em meio a um processo intenso de articulaes, disputas e

    mobilizaes polticas, ocorreu a formao da Secretaria Nacional da Juventude (SNJ),

    como um rgo da Secretaria Geral da Presidncia da Repblica13. Tambm em 2005 foi

    criado o Programa Nacional de Incluso de Jovens (Pro-Jovem), considerado pelo governo

    federal uma das principais polticas pblicas para a juventude constitudas nos ltimos anos

    (SNJ, 2010).

    Apesar do aumento de recursos no primeiro mandato de Lula nas polticas agrrias,

    um programa foi extinto do oramento do Governo Federal no ano de 2007, o Programa

    Novo Mundo Rural Consolidao de Assentamentos, que em 2004 recebeu mais de 34

    milhes de reais em investimentos e tinha como objetivo monitorar a instalao de projetos

    em assentamentos rurais, fornecer assistncia tcnica e capacitao a assentados,

    estruturao de assentamentos rurais, dentre outras atividades (ALMEIDA, 2012). Ao final

    dos dois governos Lula, em todos os programas executados pelo Governo Federal em

    2011, restaram apenas dois programas relacionados reforma agrria (seja por

    desapropriao, seja por aquisio de terras), os Assentamentos para Trabalhadores Rurais

    e o PNCF.

    Aps, com a eleio do governo Dilma, os Planos Agrcola e Pecurio e o Plano

    Safra sobre o setor agropecurio continham em sua avaliao que o Brasil est se

    consolidando como um dos principais produtores mundiais de alimentos, garantindo o

    abastecimento interno e aumentando a participao no comrcio internacional (MAPA,

    2012). Entretanto, se registrou, ao findar o governo Lula e no incio do governo Dilma, em

    2011, ao contrrio do que foi observado nos anos anteriores, o corte nos investimentos na

    reforma agrria.

    Entre 2010 at o ano de 2012, observou-se nos espaos institucionais do Governo

    Federal, que as principais articulaes e movimentaes polticas que possivelmente

    influenciaram na reconfigurao poltica e temtica das polticas pblicas para a juventude

    13 Conforme Brenner et al. (2005), esse processo ocorreu institucionalmente em meio a trs acontecimentos polticos, considerados importantes na esfera do Estado nesse perodo, que foram: o Projeto Juventude, do Instituto Cidadania, que teve incio no primeiro semestre de 2003, no qual foram realizados levantamentos, debates e pesquisas sobre a situao da juventude no pas; a criao da Comisso Especial de Polticas Pblicas de Juventude da Cmara dos Deputados (CEJUVENT); e, em 2004, a formao do Grupo Interministerial de Juventude, que foi encarregado de definir uma Poltica Nacional Integrada de Juventude (CONJUVE, 2011).

  • rural na agenda de Estado foram: a mudana de status do Grupo de Trabalho em Juventude

    Rural para Comit de polticas pblicas para a Juventude Rural no CONDRAF - MDA e o

    retorno da Assessoria de Juventude no MDA em 2011; o direcionamento da Secretaria

    Nacional de Juventude para a diversidade de populaes excludas e mais invisibilizadas e

    a estruturao da Coordenao-Geral de Polticas Transversais que resultou na formao

    do Grupo de Trabalho em Juventude Rural da Secretaria Nacional de Juventude; realizao

    da II Conferncia Nacional de Juventude e do I Seminrio Nacional Juventude Rural e

    Polticas Pblicas; e as constantes audincias e reunies promovidas pelas organizaes e

    movimentos sociais com a Secretaria Geral da Presidncia da Repblica (BARCELLOS,

    2013).

    Em 2013, para alm do esforo de articulao e fortalecimento da agenda com

    intensa participao dos movimentos sociais e organismos do governo federal foi possvel

    observar algumas aes pontuais e de pequeno lastro social. No MDA, por exemplo, foram

    realizados ajustes em alguns trmites burocrticos e no percentual de juros sobre o Pronaf-

    Jovem e o PNCF linha Jovem14, bem como o lanamento do Pronatec Campo para os (as)

    jovens que vivem no meio rural. Ainda nesse ano, a SNJ iniciou a articulao poltica de um

    programa emergencial que o Programa de Fortalecimento da Autonomia da Juventude

    Rural - PAJUR).

    Nesse mesmo ano, aps 10 anos de negociaes polticas e trmite no Congresso, o

    Estatuto da Juventude (Lei n 12.852)15 foi sancionado em 05 de agosto, com previso de

    entrar em vigor 180 dias a partir dessa data. Essa lei tambm d aporte a "PEC da

    juventude 42/2008, que incluiu o termo JOVEM no Captulo VII da Constituio Federal. No

    Estatuto, em relao juventude rural, existem trs menes especficas: uma quando se

    refere ao transporte escolar, outro quando se refere ao que se denomina fruio cultural e

    outro artigo que se refere insero produtiva da juventude nos mercados de trabalho e

    econmico.

    Aps isso, nesse ano, o evento que mobilizou as organizaes e movimentos sociais

    em juventude rural foi a II Conferncia Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentvel e

    Solidrio (II CNDRSS), em Braslia DF. Como um dos processos de mobilizao ocorreu a

    Conferncia Setorial de Juventude Rural em junho, em Glria de Goit/PE16. Na abertura

    14 Dentre esses debates, atualmente foi observado que a discusso sobre fomento ou crdito no-

    reembolsvel foi iniciada como um tipo de alternativa ao debate de crdito, tanto pela avaliao das organizaes e movimentos sociais em juventude rural de que o PRONAF - Jovem e o PNCF NPT tem pouca efetividade e apresentam excessiva burocracia. 15 Disponvel em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12852.htm. Acessado em 17/11/13. 16 O evento teve a participao de aproximadamente 180 jovens representantes dos seguintes movimentos e organizaes sociais do campo: CONTAG, FETRAF, MPA, PJR, Movimento das Mulheres Trabalhadoras

  • dessa Conferncia foi lanado o Plano Nacional de Agroecologia e Produo Orgnica

    (PLANAPO) que integra aes direcionadas a juventude rural.

    Em concomitncia com essas polticas, nos governos de Dilma, a questo da reforma

    agrria est ocorrendo pela compra ou a desapropriao de latifndios particulares

    considerados improdutivos pela Unio e pela distribuio e loteamento dessas terras para

    as famlias, feito pelo INCRA. Observou-se, que o INCRA est em situao de precarizao

    funcional e operacional, o que gera uma prestao de servios insuficientes e inapropriados

    no que tange o fomento de infraestrutura, assistncia financeira e tcnica para viabilizar

    projetos de vida e a produo agrcola para os assentamentos rurais (BARCELLOS, 2014).

    O ano de 2012 e 2013 para as polticas de Reforma Agrria foram os anos de menor

    ndice de execuo, com menos de 12 mil famlias assentadas. Diante desse cenrio, desde

    o ano de 2003 at maro de 2015 o INCRA contabilizou 691.195 mil assentados de reforma

    agrria. Ainda, a maioria das reas incorporadas para a reforma agrria e com o maior

    nmero de assentados est na regio Norte do pas, em reas prximas ou junto floresta

    amaznica17 (INCRA, 2013).

    Em 2012, a linha NPT foi divulgada18 como se j tivesse beneficiado 32 mil jovens

    entre 16 e 29 anos, em um investimento total de R$ 106 milhes. Em uma divulgao

    recente do MDA, a ltima disponvel em seu site em condies adequadas de visualizao,

    datada de novembro de 2013, a questo jovem no PNCF no foi divulgada pela linha NPT,

    mas sim por faixa etria, no qual apresenta um ndice de 35,1% e que coloca as pessoas

    em faixa etria jovem como o maior pblico que acessa essa poltica19.

    No ano de 2014 foi aprovada a lei n 145, pelo decreto 8253/2014, na qual prev a

    permisso ao herdeiro de parte de uma propriedade rural, objeto de partilha, utilizar

    recursos do Fundo de Terras para financiar a compra da rea dos outros herdeiros. Nesse

    ano, o discurso do novo ministro em relao aos assentamentos rurais est sendo relativo

    Rurais, CUT, Rede de Centros de Formao por Alternncia (Rede CEFFAS), Servio de Tecnologias Alternativas (SERTA), Rede de Jovens do Nordeste, Rede de Jovens do Semirido, Instituto Aliana, Federao dos Trabalhadores de Assistncia Tcnica e Extenso Rural (FASER). 17 Analisei os dados do INCRA e constatei que na formulao dos seus dados o rgo registra todas as famlias que tiveram suas posses regularizadas, ou que tiveram seus direitos nos assentamentos antigos reconhecidos, ou foram reassentadas em virtude da construo de barragens, como se fossem assentamentos novos. Isto , est ocorrendo uma sobreposio de dados novos com antigos e a possibilidade de impreciso dos mesmos. 18 Disponvel em: http://www.secom.gov.br/sobre-a-secom/acoes-e-programas/comunicacao-publica/em-

    questao/edicoes-anteriores/marco-2012/boletim-1499-28.03-1/desde-2004-32-mil-jovens-compraram-terras-com-credito-federal/impressao_view. Acessado em: 11/11/2013. 19 Adverto que os dados divulgados em que os (as) jovens que acessam essa poltica correspondem a 1/3 do

    pblico geral, no percebi, ao longo da pesquisa, que esses dados sejam confiveis do ponto de vista acadmico ou tcnico, no sentido que proporcionem realizar uma anlise quantitativa ou mesmo qualitativa adequada dessa poltica em relao ao pblico da juventude rural.

  • ao discurso do governo anterior que por meio da Ao 8396, que prev a implantao e

    recuperao de infraestrutura bsica em projetos de assentamento de reforma agrria,

    tendo como prioridade a construo e complementao de estradas vicinais e

    o saneamento bsico com a implantao de sistemas de abastecimento de gua e

    esgotamento sanitrio (INCRA, 2015).

    Destaca-se, ainda, que segundo o INCRA, nos assentamentos h uma populao

    composta por famlias grandes, 56% delas com quatro ou mais integrantes, e

    majoritariamente com a faixa etria jovem, ou seja, mais de 44% com menos de 20 anos, e

    at 31 anos chega a 57%. Nos assentamentos h uma perspectiva inversa pelo menos

    situacional, referente ao espao rural em geral, que a do envelhecimento em geral.

    2 O ACESSO TERRA E A REFORMA AGRRIA EM DEBATE NA JUVENTUDE RURAL

    A linha NPT do PNCF, desde que foi pauta do Grito da Terra em 2002 e passou a ser

    implementada em 2003, j vem sendo pauta de reivindicao das organizaes e

    movimentos sociais, tanto no que tange ampliao dos recursos disponveis a linha,

    desburocratizao e aprimoramento de sua operacionalizao. Isso pode ser visto, por

    exemplo, no Documento Propostas de Sistematizao para o Eixo Temtico Jovem Rural e

    Ribeirinhos (CASTRO, 2009, p. 202).

    Anos mais tarde, em uma avaliao recente dessa poltica, no I Seminrio Nacional

    de Polticas Pblicas e Juventude Rural, em 2012, durante as oficinas temticas, foram

    elaboradas as seguintes questes no balano das polticas existentes para a juventude rural

    at 2012, no caso, o PNCF-NPT. A avaliao apresentou as seguintes questes

    O programa no gera um processo de distribuio de terra, e no externa a contradio do latifndio.

    Cria um jovem endividado. No seu formato ajuda a desmobilizar a luta pela a luta pela reforma agrria. O limite do financiamento baixo e no deveria ter juros. Confirma a terra como mercadoria, criado pelo Banco Mundial tem vcios

    do sistema financeiro. Em algumas regies, composta por pequenas propriedades contribuiu para

    as famlias ampliarem a quantidade de terra, por isso importante sua manuteno (SNJ, 2012, p. 46).

    Mesmo diante essa avaliao, dentre os atores que compem a rede de apoiadores

    do Programa e que participavam desse importante Seminrio, alguns discordaram ou

    ponderaram sobre algumas das crticas ao Programa e a linha NPT. Essa questo, durante

    a elaborao da carta final desse evento ficou mais evidente, por exemplo, e foi possvel

  • observar que as organizaes e movimentos sociais tinham posies diferentes sobre como

    abordar o assunto. Por exemplo, a CONTAG atuava mais no sentido de propor a sua

    remodelao, bem como suscitar os seus possveis benefcios, como consta no relato

    abaixo, de uma representante da Confederao.

    A CONTAG tambm vem em um dilogo, vem mobilizando em termos tambm dessa dimenso do assentamento e o crdito fundirio, a gente avalia que um programa que precisa ser reavaliado, os seus critrios a partir das realidades regionais, enfim, mas que hoje tem permitido muitos jovens a acessarem, ento isso, o crdito fundirio demonstra que h um interesse muito grande da juventude permanecer no campo. Ento como as polticas de reforma agrria podem se desafiar e tentar incorporar e acolher, de forma diferenciada, no crdito fundirio existe uma linha diferenciada para a juventude, como a poltica de reforma agrria tambm podem valorizar esses sujeitos? (E.G., 2012)

    A FETRAF entre os seus representantes de juventude tinha uma posio poltica

    ambgua e no unificada em relao ao PNCF. Foi notado que alguns de seus

    representantes polticos defendiam a remodelagem da poltica e faziam meno a

    SRA/MDA como parceira estratgica no Programa, j outros declararam que era necessria

    outra poltica de acesso terra, pois o PNCF j tinha chegado ao seu teto, conforme uma

    declarao a seguir

    O crdito fundirio, do jeito que est j bateu no teto. A Reforma Agrria do jeito em que est, levando 10 anos para assentar uma famlia, j bateu no teto. Essas polticas precisam ser reconstrudas, mas tem que ser reconstruda em uma outra perspectiva, porque para mim o grande desafio que ns temos, primeiro no nem um desafio especfico da juventude, o primeiro grande desafio agricultura familiar e camponesa tornarem-se centro do debate para o desenvolvimento do nosso pas, porque hoje ns no somos (M.R., 2012).

    Percebeu-se que a PJR, durante o Seminrio, entre os seus militantes tinha uma

    posio mais assemelhada com o MST, buscando trazer tona o debate sobre a Reforma

    Agrria por desapropriao de terras e argumentando que o PNCF-NPT uma poltica

    considerada ineficiente e que no atende demanda efetiva pelo acesso terra da

    juventude camponesa. Contudo, ao longo do processo de pesquisa (Barcellos, 2014), no

    caso da PJR, passei a observar que h pontos de vista diferentes entre os seus militantes,

    pois alguns, inclusive, operam e so agentes da poltica em alguns estados. Isso tambm

    pode ser observado nas reivindicaes do movimento sobre o Programa e variam com o

    tempo. Na sua pauta de reivindicaes em 2013 a PJR reivindicou o

    [...] Fortalecimento dos Programas de acesso terra em especial o Programa Nacional de Crdito Fundirio: aumento do teto para R$50mil por projeto, sendo 0% de juros para o Nossa Primeira Terra; equiparao do rebate do NPT, para todas as regies, igual ao do Semirido (PJR, 2013).

  • No que tange o MST e o MPA junto a organizao dos seus segmentos de juventude

    no foram captadas reivindicaes especficas sobre o Crdito Fundirio e a linha Nossa

    Primeira Terra. Em relao ao PNCF no geral, o MPA atua no GT sobre o tema no MDA e o

    MST historicamente no atua e se ope a poltica, pois tem suas pautas mais centradas na

    questo da reforma agrria.

    Mediante avaliao do Programa, no ano de 2013, ela foi outra vez abordada pela

    CONTAG, que participou e promoveu eventos para discutir o PNCF em sua base social e

    rede de influncia poltica, como no Seminrio Nacional do PNCF20, realizado em Braslia, e

    a organizao do Seminrio Internacional da Juventude Rural pela Reforma Agrria e

    Crdito Fundirio21.

    Dentro do governo, no foi percebido que h um consenso poltico acerca do

    Programa ao longo desse processo poltico. A SNJ, por exemplo, na poca da pesquisa

    (2011-2014), quando recebeu as reivindicaes das organizaes e movimentos sociais,

    tinha outra posio em relao ao Programa e avultou na poca a possibilidade de auxiliar

    na formulao de outra poltica pblica que abarque a questo do acesso terra para a

    juventude rural. Nessa declarao de uma representante poltica dessa Secretaria foi

    percebido que h um debate crtico

    [...] ns temos uma reconcentrao das terras nas reas de agricultura familiar e onde ns temos minifndios, pequenas propriedades, os agricultores vo embora, quem acaba comprando essas terras so os profissionais liberais, as pessoas das cidades, os estrangeiros compram muito, mas estrangeiros compram terra grande, eles compram fazendas, ento tem uma reconcentrao, ou um uso da terra que no necessariamente de produo. (S.M., 2012).

    Alm desse conjunto de aspectos trazidos sobre essa Poltica, considera-se que o

    governo, ao apresentar somente o PNCF como o modo mais efetivo para o acesso terra e

    ao no priorizar e promover o conjunto de aes do II PNRA gerou uma desmobilizao

    junto com algumas organizaes e movimentos sociais na agenda poltica nacional sobre a

    pauta da Reforma Agrria. Somado a isso, o que vem se observando nos ltimos tempos

    o aquecimento das relaes mercantis sobre o mercado de terras no Brasil, onde as terras

    esto com preos altos. Conforme relatos de alguns jovens, em algumas regies do Brasil o

    crdito disponibilizado insuficiente para comprar uma quantia de hectares que seja

    possvel viver pela e da terra. De acordo com um relato

    20 Disponvel em: http://www.contag.org.br/index.php?modulo=portal&acao=interna&codpag=101&id=8895&

    mt=1&data=09/08/2013%2018:59:25&nw=1&idjn=0. Acessado em: 15/12/2013. 21 Disponvel em:

    http://www.contag.org.br/indexdet2.php?modulo=portal&acao=interna2&codpag=101&id=9108 &data=25/10/2013&nw=1&mt=1&ano=2013&mes=10 .Acessado em: 15/12/2013.

  • Uma coisa ir com R$80mil comprar terras no serto, e depende do lugar onde no passou obras do governo, outra coisa ir no Rio Grande do Sul, Tocantins, Mato Grosso, por exemplo. Nesses estados no consigo nem comprar 3 ha. O preo t variando de 3mil a 47 e poucos mil, uma loucura. Ento essa questo do crdito fundirio tem que ser bem vista, no d pra ir se atirando assim (J.M., 2013).

    No Brasil, a Reforma Agrria um preceito constitucional, regulamentado pela Lei

    Federal n 8.629 de 25/02/1993, e alm de um direito constitucional, ainda uma bandeira

    de luta de alguns movimentos sociais no pas, inclusive pela alta concentrao da posse da

    terra no Brasil. Verificou-se que a poltica de crdito fundirio no foi tratada nos governos

    recentes como mais um mecanismo de acesso terra e reforma agrria, mas efetivamente

    como a principal poltica pblica do setor agrrio.

    Mais um exemplo das facetas desse processo de reivindicao pela reforma agrria

    junto ao governo pode ser observado quando da aprovao do Estatuto da Juventude no

    ano de 2013, em certa medida, tomou um rumo institucionalizado e burocratizado pelas

    relatorias do Senado e da Cmara dos Deputados, aps o conjunto das mobilizaes que

    ocorreram no Brasil a partir de junho de 201322. Um informante durante o processo de

    pesquisa declarou que durante a negociao poltica do Estatuto, alguns aspectos teriam

    que ser considerados, como

    Seguinte, se as propostas forem muito ousadas e tocarem em pontos muito polmicos, como reforma agrria, etc..tranca no Congresso e no aprovamos esse ano o Estatuto. Ento temos que pensar nisso, na dinmica das bancadas no congresso, pois o momento esse de aprovar, e se no for esse ano, sabe-se l quando vai ser (Sem identificao, 2013).

    Outra poltica disponibilizada para o acesso terra pelo governo federal a

    destinao de cinco por cento dos lotes da reforma agrria para jovens (INCRA, 2015). Nos

    assentamentos com vinte lotes ou mais, havendo demanda, devero ser reservadas at 5%

    das suas parcelas para o assentamento de jovens trabalhadores rurais solteiros, com idade

    no superior a 29 anos, residentes ou oriundos no meio rural, e que nele desejem

    permanecer ou a ele retornar. No escopo da poltica consta que seus beneficirios podero

    ser pais que tenham dois ou mais descendentes e que sejam assentados ou agricultores

    familiares como prioritrios no assentamento em lotes vagos em decorrncia de

    desistncia, abandono ou retomada, localizados em projetos de assentamentos do INCRA.

    22 O texto do estatuto da juventude no menciona a especificidade de uma educao do campo. No que tange

    ao direito sade, o estatuto prev um arcabouo de direitos, porm no menciona a problemtica do uso de agrotxicos, questo considerada de sade pblica, que afeta a todos os consumidores de alimentos, e, sobretudo aos produtores de alimentos, onde se incluem os jovens, que lidam diretamente na aplicao deste tipo de produto qumico txico (COVER; BARCELLOS, 2013).

  • Assim, observou-se que entre 2011 e 2014, o governo centralizou suas polticas para

    a rea na capacitao e melhoria de condies de vida e produtividade dos assentamentos.

    At agora no h estudos ou dados consistentes que possam afirmar a consistncia poltica

    dessa prioridade que foi anunciada durante o primeiro governo Dilma. Ainda, o que h de

    mais atualizado o levantamento sobre a qualidade de vida nos assentamentos rurais feito

    no ano de 200823 e ao que tudo indica permanece atual quanto aos seus dados e a situao

    sobre as condies de vida nesses espaos.

    Nesse ano de 2015 o atual ministro Patrus Ananias assumiu o compromisso de

    assentar o conjunto das famlias acampadas pelo Brasil, em condies dignas durante esse

    governo, conforme discurso realizado em reunio com os movimentos sociais no ms de

    maro

    Estamos mapeando com o Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome (MDS) as 60 mil famlias cadastradas e recebemos do MST o nmero de 120 mil famlias acampadas. Vamos trabalhar para assentar dignamente todas essas famlias nos prximos quatro anos. Alm disso, vamos tornar esses assentamentos espaos de vida, com acesso cultura, incluso digital e atividades esportivas, para a manuteno do jovem no campo.

    Essa declarao foi muito semelhante com um pronunciamento recente desse

    Ministro em reunio com organizaes e movimentos sociais de juventude rural em uma

    reunio do CPJR-CONDRAF no ms de Abril. No entanto, tambm ressalta-se um discurso

    do ministro no qual ele afirma que as polticas para a juventude tm que serem tratadas de

    forma transversal, ou seja, um tema como o da reforma agrria para a juventude teria que

    ser tratado no conjunto de uma poltica geral. Porm, essa afirmao desconsidera as

    pautas e as reivindicaes histricas sobre a necessidade de polticas contextualizadas e

    apropriadas para os grupos em juventude rural.

    Desse modo, problematiza-se que preciso localizar a diversidade interna dessa

    juventude rural e suas estratgias polticas de reivindicao perante o Estado levando em

    considerao suas mltiplas identidades veiculadas a formaes histricas, culturais e

    ambientais, que podem se identificar ou no com a agricultura familiar, ou mesmo como

    pblico-alvo de uma poltica pblica de reforma agrria e acesso terra.

    Exemplo dessa diversidade pode ser observado quando as organizaes e

    movimentos sociais apresentam as suas pautas e reivindicaes histricas em relao a

    pauta da reforma agrria, ao mesmo tempo que se fazem reivindicaes para o

    aprimoramento do Crdito Fundirio (desconsiderando anlises que demonstram a pouca

    efetividade em escala social e que o endividamento so questes constantes na trajetria 23 Pesquisa disponvel em: http://www.incra.gov.br/tree/info/file/3330

  • desse Programa). Diante de uma conjuntura poltica bastante desfavorvel da pauta da

    reforma agrria, percebe-se certa ambiguidade discursiva das organizaes e movimentos

    sociais, pois em determinadas situaes, como Seminrios, Marchas e Festivais, enunciam

    a pauta de acesso terra que relativa ao crdito fundirio e a reforma agrria vinculada a

    desapropriao de terras, como se fossem temas que tem um peso ou simetria poltica

    complementar e com um teor de fundo poltico semelhante.

    Isso pode ser visto na pauta de reivindicaes da juventude trabalhadora rural que

    reivindicou durante o 3 Festival da Juventude em 2015 uma poltica de Reforma Agrria

    ampla, massiva e de qualidade e uma cota mnima de 30% de jovens para a constituio

    de assentamentos de Reforma Agrria (CONTAG, 2015, p. 06) ao mesmo tempo que

    postulou a ampliao e a qualificao das condies de acesso ao PNCF e com isso o

    aumento das condies de acesso outras polticas sociais.

    Sob essa tica, a partir de uma reflexo de Brah (1996), possvel pensar algumas

    questes sobre esse debate da juventude rural junto as polticas de acesso terra e

    reforma agrria, ainda mais nesse caso, em que esses Programas foram construdas em

    debates dentro do governo com as organizaes e movimentos sociais em juventude rural.

    Dessa forma, a ausncia de uma poltica efetiva de reforma agrria no pode ser percebida

    apenas como desconsiderao do governo ou sob uma perspectiva de opresso unilateral,

    pois a reafirmao da necessidade dessas polticas pblicas com um determinado teor

    poltico e formatao institucional foram elaboradas de forma relacional, contingente e

    varivel junto com as organizaes e movimentos sociais nesse processo poltico.

    CONSIDERAES FINAIS

    Para alm do cenrio especfico no qual as questes trazidas nesse artigo se

    inserem no debate sobre polticas pblicas para a juventude rural, entende-se que elas

    tambm so parte constitutiva do atual estgio de desenvolvimento social e econmico no

    Brasil. Exemplo disso o sentido dado categoria juventude rural pelo Estado, que optou

    por denominar e selecionar como pblico-alvo ou beneficirio de polticas grupos sociais e

    identitrios distintos que tm como unidade a identidade cultural com a terra e a

    reivindicao do direito ao reconhecimento enquanto ator social.

    Todavia, como aludiu Fraser (2002, 2007), considera-se que o reconhecimento

    representa uma ampliao da contestao poltica e do entendimento da justia social,

  • compreendendo questes de representao, identidade e diferena, como no contexto de

    mobilizao das organizaes e movimentos sociais em juventude rural. Por outro lado, no

    dado como garantia que as atuais lutas pelo reconhecimento iro contribuir para

    aprofundar as lutas pela redistribuio, pois inclusive, podem compor um cenrio de lutas

    por direitos sociais sob um prisma de desenvolvimento social combinado e desigual.

    Diversos dados e pesquisas indicam um aumento na concentrao de terras e um

    constante xodo rural nas ltimas dcadas no Brasil. Diante desse cenrio, percebo que os

    atores em faixa etria considerada jovem pelo Estado esto inseridos, em uma estrutura

    agrria concentradora, que reduz as possibilidades do conjunto dos (as) jovens do meio

    rural de estarem inseridos em um projeto de reforma agrria, tendo a mobilidade para as

    cidades e trabalhar em reas de agricultura empresarial como alternativas de sobrevivncia.

    Esse processo social ainda est em grande parte vinculado ao modelo de poltica

    agrcola que predominou no pas no perodo ps-guerra, com grande vis urbano-industrial,

    o qual priorizou a adoo de polticas pblicas agrcolas e agrrias para fomentar o mercado

    externo, como as de ATER/ATES e de crdito, em detrimento de polticas de natureza

    efetivamente redistributiva, como a questo da reforma agrria e do subsdio como poltica

    de fomento para a produo agrcola e alimentar que garanta recursos para a maioria da

    populao.

    Mesmo com a reivindicao e mobilizao das organizaes e movimentos sociais

    nos ltimos anos, isso no foi o suficiente para que as pautas, como a reforma agrria,

    compusessem a agenda central de formulao de polticas pblicas, diante da diversidade e

    disputas de temas e enfoques que permeiam o tema da juventude no Estado brasileiro.

    Nesse mesmo sentido, destaca-se que as prprias organizaes e movimentos sociais

    tambm no colocaram no centro das suas reivindicaes o tema da juventude e da reforma

    agrria, pois ainda dispendem esforos em temas como o acesso ao crdito agrcola e o

    acesso terra vinculado ao crdito fundirio.

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