jutorides 2011 janeiro-2

7
Colégio Dinâmico – R.T37, 2693 – Setor Bueno – Goiânia – Goiás – (62) 4009-7828 – www.colegiodinamico.com.br 1 1. Caos no Egito incita tensões no Oriente Médio; entenda Atualizado em 11/02/2011 às 14h50. O ditador Hosni Mubarak, há 30 anos no poder, renunciou nesta sexta-feira em concessão aos 18 dias da maior crise política no Egito nas últimas décadas, com centenas de milhares de egípcios nas ruas pedindo por sua queda. O fim da ditadura egípcia vem menos de um mês após a queda do governo autoritário da Tunísia ser derrubado pela Revolução do Jasmim, que levou a uma onda de protestos no mundo árabe. A crise teve início quando um tunisiano ateou fogo a si mesmo, soando um alerta à população, principalmente os jovens, que se revoltaram em meio a altas taxas de desemprego, insatisfação com o regime ditatorial e a corrupção que corrói a região, além da ânsia por democracia e liberdade de expressão. Nos dias que se seguiram países como Iêmen, Mauritânia, Jordânia e Argélia registraram outros casos de autoimolações, além de violentos protestos exigindo a queda de seus respectivos governantes e reformas imediatas. Mas foi no Egito, país de importância geopolítica crucial para a região, que os protestos ganharam mais força. Há mais de duas semanas manifestantes se concentram sobretudo na praça Tahrir, no centro do Cairo, exigindo a saída imediata de Mubarak. O ditador resiste há 17 dias aos protestos que reúnem milhares de egípcios nas ruas de Cairo e de outras cidades. Os manifestantes exigem reformas democráticas e criticam o alto desemprego e pobreza durante o governo de mão de ferro de Mubarak. Em uma tentativa de acalmar os manifestantes, Mubarak anunciou dias atrás que não concorrerá às eleições presidenciais de setembro próximo, mas alertou que ficaria no poder até lá para evitar o "caos" no país. Ele mandou ainda seu vice, Omar Suleiman, negociar com a oposição --oferta que foi rejeitada. Os manifestantes exigem que ele deixe o poder antes de iniciar qualquer diálogo. As declarações causaram grande comoção na praça Tahrir, epicentro dos protestos, onde milhares celebraram uma possível vitória. Diante da comoção, funcionários do governo foram à imprensa negar os boatos e dizer que Mubarak permanece na Presidência. Embora inicialmente tenham mantido uma postura mais distanciada, os EUA gradativamente aumentaram o tom ao comentar a crise egípcia. A secretária de Estado americana, Hillary Clinton, destacou logo nos primeiros dias que Washington apoiava "uma transição ordenada" de poder no país. O presidente, Barack Obama, deixou claro que seu governo apoia um regime democrático no Egito, mas que as reformas necessárias não podem ter ingerência dos EUA e que o povo e o governo egípcios precisam chegar a soluções de forma autônoma.

Upload: uaivirgula

Post on 06-Jun-2015

270 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Jutorides 2011 janeiro-2

Colégio Dinâmico – R.T37, 2693 – Setor Bueno – Goiânia – Goiás – (62) 4009-7828 – www.colegiodinamico.com.br 1

1. Caos no Egito incita tensões no Oriente Médio; entenda

Atualizado em 11/02/2011 às 14h50.

O ditador Hosni Mubarak, há 30 anos no poder, renunciou nesta sexta-feira em concessão aos 18 diasda maior crise política no Egito nas últimas décadas, com centenas de milhares de egípcios nas ruas

pedindo por sua queda.

O fim da ditadura egípcia vem menos de um mês após a queda do governo autoritário da Tunísia ser derrubado pelaRevolução do Jasmim, que levou a uma onda de protestos no mundo árabe.

A crise teve início quando um tunisiano ateou fogo a si mesmo, soando um alerta à população, principalmente os jovens,que se revoltaram em meio a altas taxas de desemprego, insatisfação com o regime ditatorial e a corrupção que corrói aregião, além da ânsia por democracia e liberdade de expressão.

Nos dias que se seguiram países como Iêmen, Mauritânia, Jordânia e Argélia registraram outros casos de autoimolações,além de violentos protestos exigindo a queda de seus respectivos governantes e reformas imediatas.

Mas foi no Egito, país de importância geopolítica crucial para a região, que os protestos ganharam mais força.

Há mais de duas semanas manifestantes se concentram sobretudo na praça Tahrir, no centro do Cairo, exigindo a saídaimediata de Mubarak.

O ditador resiste há 17 dias aos protestos que reúnem milhares de egípcios nas ruas de Cairo e de outras cidades. Osmanifestantes exigem reformas democráticas e criticam o alto desemprego e pobreza durante o governo de mão de ferrode Mubarak.

Em uma tentativa de acalmar os manifestantes, Mubarak anunciou dias atrás que não concorrerá às eleições presidenciaisde setembro próximo, mas alertou que ficaria no poder até lá para evitar o "caos" no país. Ele mandou ainda seu vice,Omar Suleiman, negociar com a oposição --oferta que foi rejeitada. Os manifestantes exigem que ele deixe o poder antesde iniciar qualquer diálogo.

As declarações causaram grande comoção na praça Tahrir, epicentro dos protestos, onde milhares celebraram umapossível vitória. Diante da comoção, funcionários do governo foram à imprensa negar os boatos e dizer que Mubarakpermanece na Presidência.

Embora inicialmente tenham mantido uma postura mais distanciada, os EUA gradativamente aumentaram o tom aocomentar a crise egípcia.

A secretária de Estado americana, Hillary Clinton, destacou logo nos primeiros dias que Washington apoiava "umatransição ordenada" de poder no país.

O presidente, Barack Obama, deixou claro que seu governo apoia um regime democrático no Egito, mas que as reformasnecessárias não podem ter ingerência dos EUA e que o povo e o governo egípcios precisam chegar a soluções de formaautônoma.

Page 2: Jutorides 2011 janeiro-2

Colégio Dinâmico – R.T37, 2693 – Setor Bueno – Goiânia – Goiás – (62) 4009-7828 – www.colegiodinamico.com.br 2

Dias depois reviu sua postura ao defender, apósconversa por telefone com Mubarak, que a transiçãodeveria começar imediatamente. Um pedido aberto derenúncia ao aliado americano, no entanto, não foi feitopor nenhum membro do alto escalão de Washington.

Ontem (9), um dia antes do anúncio dopronunciamento de Mubarak, o vice-presidenteamericano, Joe Biden, aumentou o tom em conversascom seu colega egípcio, Omar Suleiman, exigindo ofim imediato do estado de emergência no país, emvigor há mais de 30 anos.

Também na quarta-feira o governo Obama foicriticado por republicanos e democratas no Congressodos EUA pelo desempenho nas crises que atingem aregião, com destaque à Tunísia e ao Egito. Osparlamentares julgaram as atitudes de Washington

para apoiar as reformas democráticas nos dois países árabes como insuficientes e fracassadas.

"Tanto no Egito quanto no Líbano fracassamos em levar de forma efetiva a ajuda americana para apoiar as forças de paz,pró-democráticas e ajudar a construir instituições fortes, confiáveis, como um baluarte contra a instabilidade que agora seespalha para grande parte da região", disse a representante republicana Ileana Ros-Lehtinen durante audiência no Comitêde Relações Estrangeiras do Congresso, que ela preside.

"Ao invés de sermos proativos, ficamos obcecados com a manutenção de uma estabilidade de curto prazo, personalista,que nunca foi realmente assim tão estável, como demonstram os acontecimentos das últimas semanas", acrescentou.

REFLEXOS NA REGIÃO

A crise ressoa no Ocidente, já que os EUA têm no Egito seu principal aliado no Oriente Médio, além de despertar reaçõesem Israel e no Irã.

A deterioração da situação política no país tende ainda a incitar a tensão no Oriente Médio.

O premiê de Israel, Binyamin Netanyahu, rompeu o silêncio inicial e reiterou nesta semana que teme que a revolução noEgito tome um caráter fundamentalista e faça com que o país se torne um "novo Irã". Ele disse ainda que observa a crisecom a preocupação de que um potencial novo regime quebre o acordo de paz assinado entre os dois países em 1979.

O Egito reconhece o Estado de Israel e é visto como um aliado estratégico do país hebreu, apesar de no passado as duasnações já terem travado guerras.

Buscando capitalizar as revoltas como uma possível inclinação do Egito ao fundamentalismo islâmico, o presidente doIrã, Mahmoud Ahmadinejad, disse que o mundo está prestes a ver "uma grande mudança".

"Estamos à beira de grandes mudanças e a missão que temos hoje é muito mais importante do que há cinco ou 20 anos, e opovo iraniano deve explicar o pensamento divino da revolução e apresentá-lo ao mundo", advertiu.

Analistas temem ainda que os confrontos no Egito possam até contaminar a já extramamente conturbada região entre onorte do país e os territórios palestinos.

A passagem de Rafah, entre o Egito e a faixa de Gaza, chegou a ver tiroteios entre militantes egípcios beduínos e as forçasde segurança e ao menos 12 morreram.

Vista geral da multidão aglomerada na praça Tahrir, no Cairo; aliadosindicam que Mubarak pode renunciar hoje

Page 3: Jutorides 2011 janeiro-2

Colégio Dinâmico – R.T37, 2693 – Setor Bueno – Goiânia – Goiás – (62) 4009-7828 – www.colegiodinamico.com.br 3

A península do Sinai, que já foi alvo de disputa entre israelenses e egípcios, recebeu reforços de soldados do Exército doEgito sob autorização do governo de Israel, que tomou a região durante a guerra com o país em 1967.

O movimento islâmico Hamas, que controla a faixa de Gaza desde 2007, enviou tropas à fronteira logo no início da crise,para evitar que palestinos cruzem à península.

Aliado importante dos EUA na região, o rei Abdullah, da Arábia Saudita, onde Ben Ali estaria exilado, minimizou asrevoltas no Egito ao classificá-las como "bagunça".

Durante conversa ao telefone com Mubarak, ele denunciou "intrusos" que estariam "bagunçando a segurança e aestabilidade do Egito (...) em nome da liberdade de expressão".

A Arábia Saudita "apoia com todos os seus recursos os governo e o povo do Egito", destacou Abdullah dias atrás.

2. Praça Tahrir vive "clima de Copa" após renúncia de ditador

TARIQ SALEH

A Praça Tahrir, foco das manifestações antigoverno do Cairo, e seus arredores estão vivendoum "clima de Copa do Mundo" com a renúncia do presidente egípcio, Hosni Mubarak,anunciada nesta sexta-feira.

Os milhares de manifestantes começaram a hastear suas bandeiras, buzinar, soltar fogos de artifício,dançar e cantar pelas ruas. Os acessos à praça ficaram congestionados pelo excesso de carros e de pessoas, muitas delasjovens e mulheres. Muitos seguiam se dirigindo ao local para participar das celebrações.

"É o dia mais feliz da minha vida, estou mais feliz do que quando o Egito ganhou a Copa Africana (de futebol)", disse àBBC Brasil o advogado Mohamed Bahsem.

"Quero ver um país democrático, livre e próspero, quero que as pessoas saiam da pobreza", disse Bahsem, que estavacelebrando nas ruas da capital egípcia.

O estudante universitário Ahmad El-Hawy, de 26 anos, comemorou a possibilidade de, pela primeira vez em sua vida,conhecer "um presidente novo", já que Mubarak governou o Egito pelos últimos quase 30 anos.

"Todo o esforço de quem morreu nos protestos foi recompensado (com a renúncia)", declarou.

A dentista Leila Ahmad disse ter mobilizado seus amigos pelo Facebook e participado de vários dos 18 dias de protestoque culminaram na queda do presidente egípcio.

"Nos últimos cinco dias, comecei a sentir esperança de que ele renunciaria", disse ela, que afirma ter mantido estaexpectativa mesmo quando, na última quinta, Mubarak disse em pronunciamento na TV que permaneceria no poder.

"As pessoas responderam (ao pronunciamento) com ainda mais força. Mubarak não tinha outra saída", opinou Leila.

PREOCUPAÇÕES

"Conseguimos, não posso acreditar. Mubarak se foi. Sofremos por anos, e finalmente o ditador se foi. Vamos nos lembrardesse dia para sempre", disse à BBC Gigi Ibrahim, outra manifestante na Praça Tahrir.

Mas, em meio às comemorações, havia também preocupações quanto ao futuro do país.

Page 4: Jutorides 2011 janeiro-2

Colégio Dinâmico – R.T37, 2693 – Setor Bueno – Goiânia – Goiás – (62) 4009-7828 – www.colegiodinamico.com.br 4

O correspondente da BBC Jon Leyne explica que o fato de um Conselho das Forças Armadas ter assumido o poder causouuma sensação de que pode ter havido um golpe, já que a Constituição previa que o poder fosse assumido pelo chefe doParlamento.

Por enquanto, poderes presidenciais recairão sobre o Conselho das Forças Armadas, liderado pelo ministro da DefesaMohamed Hussein Tantawi.

"Queremos um Estado civil, não um Estado militar", disse à BBC o manifestante Taher, que acampou na Praça Tahrir nasúltimas semanas.

Outro egípcio escreveu à BBC dizendo esperar por uma "transição pacífica de poder".

"Então, me preocupa esse ato (de troca de comando). É o que as pessoas querem, mas não é necessariamente melhor paraelas", disse Maged Salib à seção Have your Say, da BBC.

"Temos que esperar que o Exército declare exatamente o que fará. A única autoridade legal agora é dos membros doParlamento. Se o Exército disser que vai dissolver o Parlamento, então não teremos Constituição, governo ou vice-presidente."

3. G20, o espetáculo da soberania - Por Demétrio Magnoli

15/11/2010 Aquilo que o ministro Guido Mantega define como guerra cambial é a paisagem superficial da longa crise dosistema de Bretton Woods. O desequilíbrio entre os superávits chineses e os déficits americanos forma o relevo destacadonessa paisagem, mas não a esgota nem a explica. A crise de fundo tem uma dimensão econômica mas uma raizgeopolítica. No fim das contas, as engrenagens institucionais da ordem econômica global parecem emperradas, pelaprimeira vez desde o pós-guerra. O G20, palco da estreia de Dilma Rousseff na cena internacional, não é a ferramentamilagrosa de solução da crise. Antes, figura como uma expressão singular do impasse evidenciado desde a quebra doLehman Brothers.

Na sua versão original, o edifício de Bretton Woods praticamente excluía a necessidade de interferência política nosistema monetário. O dólar refletia o ouro, que lhe servia de lastro nominal, e uma coleção de moedas orbitava em tornodo dólar segundo um mecanismo de paridades quase fixas. As fundações do edifício estavam assentadas na rocha daescassez de dólares, num tempo em que os EUA eram os credores do mundo. O arranjo promoveu as três décadasgloriosas de crescimento acelerado das economias de mercado. Voluntariamente, para salvar o capitalismo, os EUAajudaram a criar centros independentes de poder econômico, sacrificando no caminho a posição de hegemonia absolutaadquirida durante a guerra.

Quando a escassez de dólares desapareceu, premido pelo financiamento da Guerra do Vietnã, Richard Nixon levantou aâncora da paridade com o ouro. Bretton Woods 2 não emanou de uma conferência, mas de um gesto unilateral do gerentedo sistema: a retomada da prerrogativa soberana de imprimir moeda. No novo ambiente de flutuação cambial, ainterferência política dos principais atores tornou-se um imperativo. O G5 e o G7, seu sucessor, nasceram como respostasà necessidade de tecer consensos em torno da governança econômica global. Eles operaram como um clube seleto, quecompartilhava uma visão de mundo similar e tomava decisões informais em reuniões fechadas, protegidas do assédio daimprensa.

Desde 1971, os EUA agem de olho nas suas prioridades nacionais, dividindo com o resto do sistema internacional o custodas políticas domésticas. A desvalorização de Nixon difundiu para o mundo as pressões inflacionárias geradas no interiorda economia americana. Dez anos depois, a “revolução econômica” de Ronald Reagan provocou a elevação dos jurosglobais, o desvio da liquidez mundial na direção de Wall Street e uma forte apreciação do dólar. Poucos anos mais tarde,tornou-se inadiável uma brusca correção de rumo, com a depreciação do dólar frente ao marco e ao yen, algo quedemandava a aquiescência da Alemanha e do Japão. Washington obteve o que desejava no Acordo do Plaza de 1985, umaprova indiscutível da eficácia política do clube das potências.

Há dois anos, os EUA buscam uma reedição do Acordo do Plaza, sob a forma de um pacto de limitação de superávits aomáximo de 4% dos PIBs nacionais, o que implicaria forte apreciação do renminbi chinês. A proposta faz sentido, mas não

Page 5: Jutorides 2011 janeiro-2

Colégio Dinâmico – R.T37, 2693 – Setor Bueno – Goiânia – Goiás – (62) 4009-7828 – www.colegiodinamico.com.br 5

decola, pela conjunção de dois motivos. Um: a China não admite reproduzir a função desempenhada pelo Japão há umquarto de século. Dois: o G20 não é um G7 ampliado.

Os chineses temem repetir a trajetória do Japão depois do Plaza, quando o influxo de capitais coagulou-se em bolhasespeculativas nos mercados de imóveis e ações, que explodiram na crise financeira de 1990 e redundaram numaestagnação de quase dez anos. O consenso interno em torno do renminbi depreciado estende-se do núcleo dirigente doPartido Comunista, que resiste a conferir direitos econômicos à população, até as empresas transnacionais estabelecidasno país, que funcionam como plataformas de exportações.

O G20, consolidado após a quebra do Lehman Brothers, reflete o declínio relativo dos EUA e a multiplicação dos centrosde poder econômico gerados pela globalização. Ele não é um clube, mas um fórum. Seus integrantes, especialmente aChina, não compartilham a visão de mundo que moldou o sistema de Bretton Woods. Suas reuniões, escancaradas aoescrutínio público, são teatros do espetáculo da soberania. Hoje, em Seul, chineses, alemães, brasileiros e sul-africanoserguerão suas vozes para acusar os EUA. Todos eles estarão de olhos postos nas manchetes dos telejornais e daspublicações impressas.

A decisão do Federal Reserve de inundar o mercado com uma torrente de US$ 600 bilhões assinala um ponto de inflexão.Os EUA cansaram de esperar e resolveram mudar unilateralmente o cenário mundial. A China retrucou num tomincomum, anunciando que erguerá uma “muralha de fogo” contra o ingresso de capitais especulativos. A guerra cambialassume a configuração de um confronto político e ameaça converter o G20 em praça de combates. Em meio aos disparos,o governo brasileiro transforma a justificada indignação com a iniciativa americana em pretexto para circundar o debatesobre a conexão entre os gastos públicos, as taxas de juros e a apreciação do real.

Uma falência do G20 não serviria a nenhum dos atores de uma ordem econômica global que precisa da “mão visível” dapolítica para conservar alguma estabilidade. Mas o espetáculo da soberania, por sua própria dinâmica, pode desandar emguerra cambial e comercial, arrastando o mundo pela ladeira da depressão. Hoje, só o FMI, que faz reuniões fechadas,propícias à separação entre a soberania e seu exercício espetacular, tem as condições políticas para exercer a mediaçãoentre as potências do G20. Depois dos retumbantes fracassos dos anos 90, o FMI pode encontrar um novo papel útil nessafunção de intermediação. Se isso acontecer, o Brasil de Dilma Rousseff reconhecerá na antiga instituição de BrettonWoods um parceiro insubstituível. Ironias da história.

4. Os caçadores e o elefante – Por Demétrio Magnoli

2/8/2010 A 20 de julho, no meio da tarde, em cerimônia no Palácio do Itamaraty, Lula sancionou a primeira lei racial dahistória do Brasil. São 65 artigos, esparramados em 14 páginas, escritos com o propósito de anular o artigo 5º daConstituição Federal, que começa com as seguintes palavras: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquernatureza”. O conjunto leva o título de Estatuto da Igualdade Racial, uma construção incongruente na qual se associa oprincípio da igualdade ao mito da raça, que veicula a ideia de uma desigualdade essencial e, portanto, insuperável.

O texto anticonstitucional, aprovado a 16 de junho por um acordo no Senado, é uma versão esvaziada do projeto original.No acordo parlamentar, suprimiram-se as disposições que instituíam cotas raciais nas universidades, no serviço público,no mercado de trabalho e nas produções audiovisuais. Pateticamente, em todos os lugares exceto no título, o termo “raça”foi substituído pela palavra “etnia”, empregada como sinônimo. Eliminou-se ainda a cláusula que asseguraria participaçãonos orçamentos públicos para os “conselhos de promoção da igualdade étnica”, órgãos a serem constituídosparitariamente nas administrações federal, estaduais e municipais por representantes dos governos e de ONGs domovimento negro.Mas o que restou é a declaração de princípios do racialismo. A lei define uma coletividade racial estatal: a “populaçãonegra”, isto é, “o conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas ou pardas”. Dessa definição decorre uma descriçãoracial do Brasil, que se dividiria nos grupos polares “branco” e “negro”, e a supressão oficial das múltiplas identidadesintermediárias expressas censitariamente na categoria “pardos”. Implicitamente, fica cassado o direito de autodeclaraçãode cor/raça, pois o poder público arroga-se a prerrogativa de ignorar a vontade do declarante, colando-lhe um rótulo racialcompulsório. O texto funciona como plataforma para a edificação de um Estado racial, uma meta apontada no artigo 4º,que prevê a adoção de políticas raciais de ação afirmativa e a “modificação das estruturas institucionais do Estado” para a“superação das desigualdades étnicas”.

Page 6: Jutorides 2011 janeiro-2

Colégio Dinâmico – R.T37, 2693 – Setor Bueno – Goiânia – Goiás – (62) 4009-7828 – www.colegiodinamico.com.br 6

A fantasia que sustenta a nova lei consiste na visão do Brasil como uma confederação de nações-raças. Nessaconfederação, o princípio da igualdade deixaria de ser aplicado aos indivíduos, convertendo-se numa regra de coexistênciaentre coletividades raciais. Os cidadãos perdem o estatuto de sujeitos de direitos, transferindo-o para as coletividadesraciais. Se o Poder Judiciário curvar-se ao esbulho constitucional, estudantes ou trabalhadores da cor “errada” nãopoderão apelar contra o tratamento desigual no acesso à universidade ou a empregos arguindo o princípio da igualdadeperante a lei, pois terão sido rebaixados à condição de componentes de um grupo racial.

Nos termos do Estatuto Racial, que é um estatuto de desigualdade, a “população negra” emerge como uma nação separadadentro do Brasil. O Capítulo I fabrica direitos específicos para essa nação-raça no campo da saúde pública. O Capítulo II,nos campos da educação, da cultura, do esporte e do lazer. O Capítulo IV, nas esferas do acesso à terra e à moradia. OCapítulo V, na esfera do mercado de trabalho. O Capítulo VI, no tereno dos meios de comunicação. O pensamento racialimagina a África como pátria da “raça negra”. A nova lei enxerga a “população negra” como uma nação diaspórica: umpedaço da África no exílio das Américas. O Capítulo III determina uma proteção estatal particular para as “religiões dematriz africana”.

A supressão do financiamento público compulsório para os “conselhos de promoção da igualdade étnica” e dosincontáveis programas de cotas raciais na lei aprovada pelo Senado refletiu, limitada e parcialmente, o movimento deopinião pública contra a racialização do Estado brasileiro. Uma vertente das ONGs racialistas interpretou o resultadocomo uma derrota absoluta – e pediu que o presidente não sancionasse o texto esvaziado. Surgiram até vozes solicitandouma consulta plebiscitária sobre o tema racial, algo que infelizmente não se fará.O ministério racial, que atende pela sigla enganosa de Seppir, entregou-se à missão de alinhar sua base na defesa do“Estatuto possível”. Para tanto, reuniu pronunciamentos de arautos do racialismo como o antropólogo KabengeleMunanga, uma figura que chegou a classificar os mulatos como “seres naturalmente ambivalentes”, cuja libertaçãodependeria de uma opção política pelo pertencimento ao grupo dos “brancos” ou ao dos “negros” . Na sua manifestação, oantropólogo narrou uma fábula sobre os caçadores Mbuti, da África Central, denominados pigmeus na época da expansãoimperial europeia.

Os caçadores de Munanga almejam abater um elefante, mas voltam para a aldeia com apenas três antílopes, “cuja carnecobriria necessidades de poucos dias”. As mulheres e crianças, frustradas, contentam-se com tão pouco e não culpam oscaçadores, mas Mulimo, Deus da caça, divindade desse povo monoteísta. Os caçadores voltarão à savana e, um dia, trarãoo elefante.A fábula é apropriada, tanto pelo seu sentido contextual como pelas metáforas que mobiliza. Ela remete a um povotradicional, fechado nas suas referências culturais, que serviria como inspiração para a imaginária nação-raça diaspóricados “afrobrasileiros”. Os caçadores simbolizam as lideranças racialistas, que já anunciam a intenção de usar o EstatutoRacial para instituir, por meio de normas infralegais, os programas de cotas rejeitados no Senado. O elefante representa oEstado racial completo, com fartas verbas públicas para sustentar uma burocracia constituída pelos próprios racialistas ededicada à distribuição de privilégios.Munanga não falou das guerras étnicas na África Central. É que o assunto perturba Mulimo e prejudica a caçada.

5. Do multiculturalismo à deportação – Por Demétrio Magnoli

23/8/2010 “O crápula da República”, estampou na capa a revista francesa Marianne de 7 de agosto, sobre uma foto dopresidente Nicolas Sarkozy. Dias antes, em Grenoble, Sarkozy pronunciara um discurso odiento: “A nacionalidadefrancesa deve poder ser retirada de todas as pessoas de origem estrangeira que deliberadamente atentaram contra a vida deum policial, de um militar ou de qualquer outro agente da autoridade pública. (...) Eu sustento ainda que a aquisição danacionalidade francesa por um menor delinquente no momento da maioridade não seja mais automática.”

A pretexto de combater a violência urbana, Sarkozy pressiona pela introdução de uma fronteira de sangue entre oscidadãos. Os “franceses de casta” acusados de delitos contra as autoridades conservariam seus direitos nacionais. Osfranceses “de origem estrangeira” – isto é, para iluminar o que está implícito, os cidadãos de outra “etnia” – perderiam taisdireitos, sujeitando-se à deportação. A mudança não pressupõe que ninguém seja acusado de um ato de delinquência.Antes disso, todas as pessoas de origem estrangeira teriam sido rebaixadas a cidadãos de segunda classe, pois possuiriamapenas uma nacionalidade precária, condicional.

Grenoble representou a conclusão coerente de uma trajetória, não um raio no céu limpo. O ponto de partida foi omulticulturalismo. O ponto de chegada é a deportação. Se há um paradoxo nisso, ele é apenas aparente.

Page 7: Jutorides 2011 janeiro-2

Colégio Dinâmico – R.T37, 2693 – Setor Bueno – Goiânia – Goiás – (62) 4009-7828 – www.colegiodinamico.com.br 7

Há três anos, Sarkozy criou um Ministério da Imigração e da Identidade Nacional. No nome, há uma tese: aimigração constituiria ameaça à identidade nacional, definida segundo critérios étnicos. A tese condensa uma reaçãocontra a história republicana francesa. Desde a Constituição de 1793, que consagrou o princípio do direito da terra, acidadania é definida como um contrato entre iguais: os habitantes da França. No lugar disso, o “crápula da República”recupera o mito monarquista da “França de mil anos”: o fruto do encontro entre os francos e a religião católica.

A Frente Nacional de Jean-Marie Le Pen tenta restaurar o mito anacrônico por meio da celebração romântica dopassado, que assoma na imagem santificada de Joana D’Arc. Sarkozy almeja um fim idêntico, mas pelo recurso aomulticulturalismo contemporâneo. Em 2008, o “crápula da República” encomendou um plano de ação em favor da“diversidade” e da “igualdade” entre as etnias. Tudo começaria com a reformulação do censo, para a produção deestatísticas étnicas da população. Na França, em nome do contrato republicano da igualdade, os censos não indagam sobreorigem ou religião. Mas o projeto multiculturalista não pode viver sem isso, pois precisa colar rótulos étnicos em cadapessoa. Evidentemente, tais rótulos também são indispensáveis para identificar cidadãos de segunda classe e promover adeportação dos “indesejáveis”.

Tanto quanto no Brasil, o governo francês ganhou aplausos entusiasmados da rede de ONGs sustentadas pelaFundação Ford para a política de classificação racial dos cidadãos. Contudo, uma onda de resistência partiu de defensoresde direitos humanos e de movimentos antirracistas. A escritora Caroline Fourest observou que “as estatísticas étnicasreforçarão o racismo”. Samuel Thomas, da organização SOS Racismo, conectou o discurso multiculturalista aos“nostálgicos da época colonial”. A feminista Fadela Amara qualificou as “estatísticas étnicas, a discriminação positiva, ascotas” como “uma caricatura”. E foi ao ponto: “Nossa república não deve se tornar um mosaico de comunidades.Nenhuma pessoa deve, uma vez mais, portar a estrela amarela”.

O “mosaico de comunidades” é o ideal do multiculturalismo. Na França, o recurso à “estrela amarela” propiciariao delineamento de uma “nação gaulesa” circundada por uma miríade de “etnias minoritárias”. No Brasil, propicia afabricação de um Estado binacional composto por uma “nação branca” (ou “eurodescedente”) e uma “nação negra” (ou“afrodescendente”). Lá, as minorias ganham a pecha de “estrangeiros”; aqui, todos seriam “estrangeiros” numa terra deexílio. Há mais uma diferença. A esquerda francesa, que acredita na democracia e enxerga-se como herdeira daConstituição de 1793, rejeita a rotulagem étnica. A esquerda brasileira, com honrosas exceções, cultua tiranias e desprezao princípio da igualdade política. Por isso, alinha-se com os arautos da política de raças.

Todos devem portar a estrela amarela – eis o programa do multiculturalismo. Também é a plataforma de CharlesWilson, líder de um partido neonazista americano que almeja enviar os negros e latinos “de volta a seus países”. Eleemprega uma linguagem paralela à dos nossos racialistas e reivindica algo que define como seus direitos raciais: “Eutenho orgulho de ser branco. Estou falando de minha herança, e consideram isso um crime de ódio. Podemos dizer podernegro, poder latino, mas se você disser poder branco cai todo mundo em cima.”

Nos idos de 2006, o chefe da Frente Nacional reclamou do “excesso de negros” na seleção francesa de futebol. Ozagueiro Thuram, nascido em Guadalupe, replicou oferecendo-lhe uma aula de história: “Não sou negro, sou francês. LePen deveria saber que assim como existem negros franceses, existem loiros e morenos. Viva a França! Mas não a Françaque Le Pen quer, e sim a França verdadeira.” É a “França verdadeira” que está em perigo quando o “crápula daRepública” tenta dividi-la segundo linhas oficiais de cor. Um “Brasil verdadeiro”, que vive na consciência das pessoascomuns de todas as cores, também está ameaçado pela maré montante das políticas raciais implantadas sob a cínicaalegação do combate ao racismo.

“Como os militantes antirracistas poderiam apoiar o estabelecimento de categorias etno-raciais?”, pergunta,indignado, Samuel Thomas. Eis uma boa questão para os racialistas brasileiros que se travestem como militantesantirracistas.

Visite meu blog: jutorides.zip.netNele discuto política, cultura, economia e analiso imagens.