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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA

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RECURSO ESPECIAL NQ 10.045 - RS

(Registro nQ 91.0006977-9)

Relator: O Sr. Ministro Fontes de Alencar

Recorrente: Jurandy Soares de Moraes

Advogados: Drs. João Diogenes Correa de Quadros e outro

Recorrido: José Carlos Barbosa Florence

Advogado: Dr. Eliseu Gomes Torres

EMENTA: Fiança.

Ofende o art. 239 do Código Civil a decisão que, sem demanda da mulher, diz eivada de nulidade a fiança prestada pelo marido independentemente de outorga uxória.

Recurso especial atendido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos es­tes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo­tos e das notas taquigráficas a se­guir, por unanimidade, conhecer do recurso e lhe dar provimento. Vota­ram com o Relator os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira, Bar­ros Monteiro, Cesar Asfor Rocha e Ruy Rosado de Aguiar.

Brasília, 05 de maio de 1998 (da­ta do julgamento).

Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente. Ministro FONTES DE ALENCAR, Relator.

Publicado no DJ de 25-05-98.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR: José Carlos Barbosa Flo­rence opôs embargos do devedor à execução que lhe movera J urandy Soares de Moraes. O Juiz de Direi­to os julgou procedentes, nos termos da sentença de fls. 69/76, de que transcrevo o que se segue:

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998. 241

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"Firmaram embargante e em­bargado contrato de financiamen­to a usuários com correção mone­tária, com garantia de alienação fiduciária, em 13 de dezembro de 1983, vencendo-se em 13 de ju­nho de 1984, tendo por credora Crefisul S/A - Crédito, Financi­amento e Investimento.

O Embargante nesse é denomi­nado usuário, e o Embargado ava­lista (fl. 7 dos autos da Ação de Execução).

A dívida foi paga pelo "avalis­ta" em 20 de junho de 1986, sete dias após o vencimento, confor­me recibo passado pelo represen­tante da credora nesta cidade (fl. 8 dos autos daAção de Execução).

A sub-rogação da dívida, por sua vez, foi firmada pela credora em 12 de junho de 1987, e firmas reconhecidas em 01 e 02 de outu­bro do mesmo ano (fl. 09 dos au­tos da Ação de Execução).

Indiscutível que a obrigação de avalista existe apenas em título de crédito.

Inexistindo a cambial, não há aval.

O Embargado não juntou a cambial na Ação de Execução, ou porque não existia, ou existindo quis fugir do prazo prescricional que sabia ter ocorrido." (fls. 71/ 72.)

................ (omissis) .............. .

O argumento do Embargado de que o Embargante não impug­nou a sua condição de fiador, com ela concordou, evidentemente não

é suficiente para reconhecer a ga­rantia pessoal pretendida.

Não houve aval, e a garantia não se transmudou em fiança.

Assim, o embargado não quis ser avalista, intitulando-se fia­dor, e com isso, ganhar no prazo prescricional, no entanto, nula essa garantia pela ausência da outorga uxória.

A conclusão jurídica é que pa­gou como terceiro não interessa­do, sem direito a sub-rogar-se na dívida.

Não tem título executivo, por­tanto nula ação que intentou.

Isso não quer dizer que não te­nha direito a ressarcir-se, no en­tanto, através de outra ação que não a de Execução mais ainda que pagou em seu próprio nome e não em nome do devedor." (fls. 73/74)

Apelou o embargante (fls. 77/ 100). A Quinta Câmara Cível do Tri­bunal de Alçada do Rio Grande do Sul negou por maioria, provimento ao recurso, e o Acórdão correspon­dente expõe a seguinte ementa:

"Embargos do devedor"

Contrato de financiamento

Inexistindo aval fora dos títu-los de crédito, e, não se tratando de fiança, não estava o embarga­do obrigado ao pagamento, e, em o fazendo, não pode pretender executar o suposto devedor.

"Embargos procedentes Sentença mantida

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Apelo improvido.

Voto vencido." (fl. 126)

o III Grupo Cível do Tribunal de Alçada do Estado do Rio Grande do Sul, também em votação não unâ­nime rejeitou os embargos infrin­gentes, à consideração de que

"(. .. ) não tendo havido aval, não se transmudou a garantia em fiança porque eivada, ex radice, de nulidade que se mostra insa­nável - não detém, portanto, o embargante, título de execução aparelhada, tendo pago como ter­ceiro não interessado. Para haver seu eventual crédito, deverá se valer das vias ordinárias, rea­brindo-se, então, a discussão so­bre a extinção ou não daquele débito do ora embargante, exami­nando-se, com a necessária am­plitude, os fatos extintivos alega­dos em contestação tendentes a demonstrar a extinção de qual­quer vínculo obrigacional entre as partes." (fl. 190)

J urandy Soares de Moraes recor­reu transordinariamente com fulcro no art. 105, lII, a da C.F., alegando ofensa aos arts. 235, IlI, 239, 248, IlI, 249, 178, § 9Q

, I, b e lI, 985, III e 986, I, do Código Civil (fls. 195/206).

O recurso foi admitido na origem (fls. 208/209).

VOTO

O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR (Relator): 1. Do voto ven­cido ensejador dos embargos infrin­gentes colho:

"N o caso dos autos, convertido o "aval" em fiança, esta, teorica­mente, deveria ser havida como nula, pois Jurandy é casado e não consta haver assentimento de sua esposa para prestar a garan­tia.

................ (omissis) .............. .

A questão é saber se a fiança prestada (sob o nomen juris de aval) configurou ato ilícito e se esse ato jurídico (nulo, em prin­cípio) é sanável ou não.

................ (omissis) .............. .

Com a prestação da fiança houve violação a direito e o pa­gamento importou em prejuízo a terceiro (esposa do credor - em­bargado-apelante).

Se há prejuízo a outrem, es­te(a) tem direito à reparação .... A menos que se considere que o pagamento efetuado comprome­ta apenas a meação do fiador (aqui exeqüente). Seja lá como for, o eventual trancamento da possibilidade de regresso impor­taria em enriquecimento injusti­ficado do tomador do empréstimo (executado), afastada aquela hi­pótese aventada por este de que a dívida era do próprio credor­embargado, vez que a prova, a ri­gor, não se afigura verossímil.

Os indícios são demasiada­mente importantes para substan­ciar juízo de inexigibilidade".

Eis o norte do acórdão resultan­te dos embargos infringentes:

"Tenho pela impossibilidade da sanação parcial do nulo para o

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efeito cogitado no douto voto ven­cido ante a cominação expressa de nulidade da fiança prestada pelo marido sem a prévia outor­ga da mulher (artigos 235 e 145, inciso V, do Código Civil), desde que se tolhem, ope legis, no pla­no da eficácia, quaisquer conse­qüências daquele ato no campo jurídico" (fl. 189).

Daí, nos dizeres do próprio acór­dão,

" ... não tendo havido aval, não se transmudou a garantia em fi­ança porque eivada, ex radice, de nulidade que se mostra insa­nável - não detém, portanto, o embargante, título de execução aparelhada, tendo pago como ter­ceiro não interessado. Para haver seu eventual crédito, deverá se valer das vias ordinárias, rea­brindo-se, então, a discussão so­bre a extinção ou não daquele débito do ora embargante, exami­nando-se, com a necessária am­plitude, os fatos extintivos alega­dos em contestação tendentes a demonstrar a extinção de qual­quer vínculo obrigacional entre· as partes" (fl. 190).

o título que instrui a execução contém a seguinte cláusula:

"No caso de, por inadimple­mento do usuário, ser paga a dí­vida, totalmente, por terceira pessoa, coobrigada ou não, fica­rá esta sub-rogada, de direito, não só no crédito como na respec­tiva garantia fiduciária" - (fl. 7, dos autos correspondentes).

2. O resolvimento dado pelas ins­tâncias ordinárias ao caso se me afi­gura de um literalismo que o dis­tancia da boa hermenêutica e de doutrina consagrada.

3. Bem dizia Gumercindo Bes­sa que

"O Direito não é um cristal, é um organismo."

O tema não se inaugura nesta Turma com o presente recurso: pre­cedentes há.

O Ministro Ruy Rosado de Aguiar, em voto que conduziu a deliberação tomada no REsp 52.153-0/RS, de que foi relator, exprimiu-se assim:

"Mesmo se a garantia fosse considerada mera fiança, não po­deria o Tribunal, de ofício, excluir o fiador, pois cabe privativamen­te à mulher (ou seus herdeiros) demandar a anulação dos atos do marido praticados sem a outorga uxória - CC, art. 239, art. 178, § 9Q

, I, b." (REsp 5.377-RS. Ac. de 18.6.91, reI. Min. Athos Carneiro).

Tal entendimento não destoa da lição doutrinária:

- "Se falta (a outorga uxória) o ato é anulável, não merecen­do acolhida a opinião de que é nulo" (Orlando Gomes, "Di­reito de Família", 1987, p. 136).

- "A possibilidade óbvia de ra­tificação da fiança e o fato de só poder ser argüida pela mu­lher ou outro interessado, a

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meu ver, tiram o ato do campo estrito das nulidades absolu­tas" (Sílvio Rodrigues, "Di­reito Civil", VI, p. 145).

- "Assim, para ficar com a lin­guagem de Bulhões Carva­lho, três são as "ordens de nu­lidades"; a) nulidade absoluta manifesta; b) nulidade absolu­ta dependente de rescisão; e, a final, c) nulidade relativa de­pendente (sempre) de rescisão (por isso, também, "anulabili­dade").

Em a), tutela (prevalente) de interesse público (agregando-se, tout court, por força do art. 145, V, do CC, as nulidades comina­das), insanável o vício, que deve ser de ofício (2) conhecido pelo juiz, por desnecessária investiga­ção de fato; o próprio documen­to, ou prova literal, demonstra, manifestamente, cuidar-se de ví­cio insanável. Em b), o déficit do ato jurídico não se evidencia às encâncaras, merecendo análise em procedimento judicial. Isso, porém, não relativiza a nulidade. Pode ser alegada por qualquer in­teressado ou pelo Ministério Pú­blico, esse se interveniente (art. 146, caput, do CC). O que está vedada é a manifestação judicial de ofício, tão-só. Em c), há tutela

preferencial de interesse de par­te, sanável, por expressa previ­são legal (art. 148, do CC), even­tual infração à regra, defeito que somente pode ser alegado pelos interessados, em seu próprio pro­veito, e em princípio (art. 152, segunda alínea, do CC), expres­samente nominados (v.g., arts. 239,388, do CC)." (Antônio Janyr Dall'Agnol Jr., "Invalidades Pro­cessuais", p. 31).

A3ª Turma tambémjá enfrentou a matéria no REsp. 49.347, relata­do pelo Ministro Nilson Naves. Fê­lo no mesmo diapasão.

Conquanto o Acórdão recorrido não tenha feito referência ao núme­ro do dispositivo do CCB que trata da anulação dos atos do marido pra­ticados sem aprovação da mulher, é certo que enfrentou o tema a que se prende o art. 239 do diploma bevi­laquiano, precisamente quando da norteação do seu decidir.

A decisão combatida pelo recor­rente lacerou o mencionado art. 239 do CCB ao entender, sem demanda da mulher, eivada de nulidade e fian­ça.

Posto isso, conheço do recurso e lhe dou provimento para julgar im­procedentes os embargos à execu­ção.

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RECURSO ESPECIAL Nº 52.148-3 - SP

(Registro nº 94.0023814-2)

Relator: O Sr. Ministro Fontes de Alencar

Recorrente: União Federal

Recorridos: Pedro Branco Chaves de Oliveira e outros

Advogados: Drs. Cláudio Oliveira Cabral e outros

EMENTA: Recurso especial.

- Súmula 283 do STF.

- Recurso não conhecido.

Unânime.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos es­tes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo­tos e das notas taquigráficas a se­guir, por unanimidade, não conhe­cer do recurso. Votaram com o Re­lator os Srs. Ministros Sálvio de Fi­gueiredo Teixeira, Cesar Asfor Ro­cha e Ruy Rosado de Aguiar. Ausen­te, justificadamente, o Sr. Ministro Barros Monteiro.

Brasília, II de março de 1997 (da­ta do julgamento).

Ministro SÁLVIO DE FIGUEI­REDO TEIXEIRA, Presidente. Mi­nistro FONTES DE ALENCAR, Re­lator.

Publicado no DJ de 06-04-98.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR: Em ação de usucapião

o juiz determinou o desentranha­mento da contestação da União (fl. 30), em face de sua extemporanei­dade.

Posteriormente, o juiz retratou­se, reformando a primitiva decisão, determinando, nada obstante con­siderá-la serôdia, que a peça ofere­cida pela União fosse juntada aos autos principais que seriam remeti­dos a uma Vara Federal, para apre­ciação de eventual interesse da União (fls. 59).

Os autores da ação de usucapião interpuseram agravo de instrumen­to, tendo a Primeira Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo dado provimento ao re­curso, dizendo:

"Inegavelmente correta a pri­meira decisão, e, por isso deve ser mantida.

Quanto ao pretenso erro de contagem do prazo, data venia a Procuradoria da República não atentou para qualquer termo ini-

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cial, como se isto fosse irrelevan­te para sua condição.

Sob qualquer ângulo, ou ter­mo, intempestiva a contestação, com, ou sem, exceção." (fl. 99)

E mais:

"A estes argumentos há que se acrescer os judiciosos tecidos pela Douta Promotora:

"Imperioso que se reconhe­ça, que no feito, o alegado in­teresse da União não foi, sufi­cientemente, demonstrado." (fl. 101)

E concluindo:

"Por tais motivos, a decisão primitivamente agravada deve preponderar, ficando reformada a proferida em retratação e que é a objeto do presente exame" (fl. 105).

A União Federal manifesta recur­so especial com fulcro no art. 105,

II, a e c, da Constituição Federal, alegando negativa de vigência do art. 1Q, h, do Decreto-Lei 9.760/46, além de dissídio jurisprudencial.

Admitido o recurso (fls. 160 a 164), a Subprocuradoria Geral da República opinou pelo seu provi­mento.

VOTO

O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR (Relator): O aresto re­corrido deliberou no sentido de manter a primitiva decisão do juiz que considerou extemporânea a contestação da União, determinan­do o seu desentranhamento dos au­tos.

Este fundamento do aresto não foi objeto de impugnação na petição de recurso especial, incidindo, pois, no caso, a Súmula 283 do STF.

Destarte, não conheço do recur­so.

RECURSO ESPECIAL NQ 67.237-6 - MG

(Registro n Q 95.0027283-0)

Relator: O Sr. Ministro Fontes de Alencar

Recorrente: Corina Soares Colnago - espólio

Advogados: Drs. Carlos Augusto Sobral Rolemberg e outros

Recorrido: Banco Itaú S/A

Advogados: Drs. Paulo Henrique de Carvalho Chamon e outros Sustentação Oral: Dr. Carlos Augusto Sobral Rolemberg, pelo recor-

rente

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EMENTA: Seguro habitacional. Cobertura compreensiva. Des­consideração da pessoa jurídica.

- Parte legítima para responder a ação em que buscado o cum­primento do contrato é a que surge perante o público como a real contratante.

- Recurso especial conhecido pela divergência jurispruden­cial demonstrada e atendido.

Unânime.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos es­tes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo­tos e das notas taquigráficas a se­guir, por unanimidade, conhecer do recurso e lhe dar provimento. Vota­ram com o Relator os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira, Cesar Asfor Rocha e Ruy Rosado de Aguiar. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Barros Monteiro.

Brasília, 10 de março de 1997 (da­ta do julgamento).

Ministro SÁLVIO DE FIGUEI­REDO TEIXEIRA, Presidente. Mi­nistro FONTES DE ALENCAR, Re­lator.

Publicado no DJ de 06-04-98.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR: Corina Soares Colnago e seu marido Esteves Pedro Colna­go celebraram contrato de financi­amento com o Banco Itaú para a aquisição de um imóvel em Brasí­lia, tendo, na mesma ocasião, ade-

rido à apólice de seguro habitacio­nal, relativa ao pagamento do sal­do devedor do contrato, na hipótese de morte da mutuária.

Ocorrida a morte da mutuária Corina Soares Colnago, foi buscada em 20.09.91, sem sucesso, a quita­ção do contrato.

O espólio de Corina Soares Col­nago, então, moveu ação cominató­ria contra o Banco Itaú que, ao con­testar, alegou ser parte ilegítima passiva, porque deveria a ação ter sido proposta contra a Itaú Seguros S.A.

A sentença rejeitou a preliminar de ilegitimidade passiva, e, no mé­rito, acolheu pedido da parte auto­ra (fls. 123 a 129).

A Sexta Cãmara do Tribunal de Alçada do Estado de Mins Gerais, todavia, recebeu bem a preliminar de ilegitimidade passiva, e, em con­seqüência, extinguiu a ação à luz do art. 267, VI, do CPC.

Está no acórdão tomado na ape­lação:

"O Banco é apenas o Estipu­lante do seguro. A seguradora é a Itaú Seguros S.A., como infor-

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ma o Banco e está ciente o apela­do" (fl. 168).

E, nos embargos declaratários, a Câmara Julgadora deitou as seguin­tes considerações:

"(. . .), independentemente do exame dos documentos de fls. 79/ 83, está patente nos autos que a seguradora é a Itaú Seguros, sen­do o Banco apenas o estipulante da apólice. Bastam, para demons­trar o acerto da conclusão, a car­ta de fls. 38, firmada pelo Banco Itaú S.A. e endereçado ao repre­sentante do espólio-embargante, e o "termo de negativa de cober­tura", de fls. 39, assinado pela Itaú Seguradora, à qual se diri­giu o espólio, reclamando a cober­tura do seguro contratado (fls. 44).

A Itaú Seguradora emitiu a apólice de fls. 78, na qual figura como estipulante o Banco Itaú S.A. Ao seguro contratado aderi­ram Pedro Esteves Colnago e sua mulher Corina Soares Colnago, que firmaram o documento de fls. 23, aceitando as "Condições da Apólice de Seguro Habitacional - Cobertura Compreensiva -Plano Mutuário".

Reconhecendo que o Banco Itaú S.A. é parte ilegítima para o pólo passivo da ação proposta e que esta deveria ter sido ajuizada con­tra a Itaú Seguradora, o acórdão implicitamente reconheceu que, embora nos contratos firmados pelos adquirentes e o agente fi­nanceiro não tenha havido a in-

tervenção direta da seguradora, o contrato de seguro foi com esta celebrado desde que os compra­dores aderiram à apólice por esta emitida.

Se, porventura, quando da as­sinatura do contrato de fls. 14/19, os compradores e devedores hi­potecários não sabiam qual era a seguradora, depois que lhes che­gou às mãos o "termo de negati­va de cobertura" de fls. 29, firma­do pela Seguradora Itaú, em que esta expressamente se apresen­ta como responsável pelo seguro, não mais era possível ao autor ignorar este fato." (fls. 193/194)

o Espólio de Corina Soares Col­nago manifestou recurso especial alegando ofensa aos arts. 28, da Lei 8.078/90, 265 da Lei 6.404/76; 368 a371, do CPC, art. 6Q

, § 1Q, da LICC,

e art. 5Q, XXXVI, da Constituição

Federal, além de dissídio jurispru­dencial (fls. 196 a 215).

VOTO

O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR (Relator): A sentença afastou a preliminar de ilegitimida­de passiva, pelos seguintes funda­mentos:

"Verificando os documentos acos­tados aos autos, vê-se, mesmo com olhos que não sejam necessaria­mente os de lince, que a Requeri­da e a Seguradora Itaú S.A. são integrantes do mesmo Grupo Eco­nômico, sem embargos de vida própria.

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Por outro lado, o contrato fir­mado - de financiamento - com as garantias nele inseridas, pela Requerida - foi firmado pelo mesmo preposto da Seguradora - v. fls. 19 e fls. 23. O signatário de ambas foi o sr. Ricardo Bran­dão de Rezende Alvim.

Lado outro, o doc. de fls. 23 -contrato de seguro foi firmado por Banco Itaú S.A., como se vê in fine" (fls. 124/125)

A alegada afronta ao art. 5 Q,

XXXVI, da Constituição Federal, não é passível de exame em sede de recurso especial.

Os dispositivos legais menciona­dos no recurso carecem do necessá­rio prequestionamento. Impõe-se, a respeito, a Súmula 282 do STF.

Tenho por configurada a discre­pância jurisprudencial com o julga­do trazido a cotejo pelo recorrente, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, de que foi rela­tor o Des. Adroaldo Furtado Fabrí­cio. Do voto que então proferiu o eminente magistrado extraio:

"Votando em caso similar, com a só diferença de tratar-se de uma contratação de seguro, igual­mente feita no interior e com o pessoal da agência do Banco co­mercial, tive oportunidade de ponderar, a propósito das rela­ções entre os vários integrantes de um conglomerado do mesmo tipo: "Todos sabemos que, até mesmo na sua publicidade, eles procuram induzir o público ao convencimento de que se trata de

uma só instituição. Cada qual desses conglomerados procura apregoar que oferece uma maior variedade de serviços e de facili­dades aos eventuais usuários. Quer dizer, são os próprios con­glomerados que inculcam no usuá­rio dos seus serviços a idéia de que se trata de uma única insti­tuição, que tem vários braços ou vários ramos de atuação, mas cuja independência jamais é men­cionada" (Apelação Cível n. 587052226, julgada pela 6ª Câ­mara Cível em 29.3.88).

Mais adiante, ainda no mesmo voto, aduzi: Mesmo pondo-se de lado, outrossim, esse aspecto que é importante, ninguém pode, em

. sã consciência, negar que uma agência, qualquer que seja, do Banco Bamerindus é também uma agência da Seguradora Ba­merindus. Embora existam pes­soas jurídicas diferenciadas, como Banco comercial, como corretora de seguros e como se­guradora, o que é certo é que, ao público, essas instituições todas se apresentam como uma unida­de.

A teoria da aparência poderia perfeitamente ser invocada, se outros fundamentos não existis­sem, para justificar a visão do grupo como unidade. E eu me atreveria até a dizer que a mo­derna teoria da desconsideração da pessoa jurídica poderia, com alguma adaptação, ser aplicada também a esses casos. Na teoria da desconsideração da pessoaju­rídica, deixa-se de lado a existên-

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cia da pessoa jurídica para res­ponsabilizar, por determinados atos, a pessoa física que, na rea­lidade, se protege sob a capa da pessoa jurídica. Agora, aqui, nós temos uma pequena variante da teoria do disregard: nós descon­sideramos a pessoa jurídica que se oculta, para considerar aque­la que aparece efetivamente ante o público e que é, em última aná­lise, a verdadeira contratante." (fl. 219)

E, prossegue:

"Proponho para o caso presen­te a mesma solução. O ato jurídi­co celebrado com a Bradesco S.A. - Crédito Imobiliário, em depen­dência do Banco Brasileiro de Descontos S.A., com pessoal des­te e utilizando impressos dele em todas as comunicações ulteriores pertinentes ao mesmo negócio (fls. 13 a 21), é, para todos os efei­tos práticos que interessam aos

embargantes, ato celebrado com o referido Banco Brasileiro de Des­contos S.A." (fl. 219)

Posto isso, conheço do recurso apenas pelo dissídio jurisprudencial, e lhe dou provimento para, sufra­gando a tese do acórdão paradigma, determinar o afastamento da preli­minar de ilegitimidade passiva, e o volver dos autos ao Tribunal de ori­gem a fim de que julgue, como en­tender de direito, o mais da apela­ção.

VOTO

O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: Acompa­nho o Sr. Ministro-Relator, também acolhendo a teoria da aparência, uma vez que, segundo restou assen­tado nos autos, o contrato inclusive teria sido celebrado pelo próprio ban­co e não pela empresa participante do mesmo grupo econômico.

RECURSO ESPECIAL Nº 69.742 - MG

(Registro nº 95.0034441-6)

Relator: O Sr. Ministro Barros Monteiro

Recorrente: Banco Sumitomo Brasileiro S.A.

Recorrido: PBM Picchioni Belgo Mineira Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários S.A.

Advogados: Drs. Bento de Barros Ribeiro e outros, e Rubens de Barros Brisolla e outros

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EMENTA: CDB com correção monetária pós-fixada. Ação de co­brança intentada pelo investidor. Defesa apresentada pelo Ban­co-réu com alegações sobre: a) cerceamento de defesa; b) ilegitimi­dade de parte ativa e passiva; c) prescrição; d) quitação da dívi­da; e) correção monetária a contar do ajuizamento da ação; f) ín­dice correto a prevalecer no mês de janeiro/89; g) descabimento dos juros convencionais.

1. Acórdão recorrido que justifica de modo cabalo julgamento antecipado da lide, por desnecessária a dilação probatória reque­rida. Inocorrência do alegado cerceamento de defesa.

2. Existindo vínculo jurídico de índole contratual entre as par­tes, a legitimidade não se arreda pela simples circunstância de terem sido emitidas normas por órgãos oficiais que possam afe­tar a relação entre os contratantes.

3. Contrato de aplicação financeira (CDB) celebrado entre a autora e o banco-réu, tendo ela, afinal, recebido de modo incom­pleto o produto da negociação. Legitimidade de parte ativa reco­nhecida.

4. Impertinente a invocação, no caso, do art. 30 da Lei n Q 4.728, de 14.07.65, por dispor acerca de depósitos bancários com prazo de aplicação superior a dezoito meses, o que não vem ao caso.

5. Restituição do título pelo devedor ao credor. Investimento que, na espécie, se realizou através de lançamentos escriturais. Matéria de prova, excluída de apreciação pela instância excep­cional (Súmula n Q 07-STJ).

6. Efetuado o pagamento de modo incompleto, a corresponden­te diferença há de ser paga, computando-se a correção monetária desde a data em que deixou de sê-lo.

7. Alegação de que os juros compensatórios não foram objeto de convenção. Incidência da Súmula n Q 05-STJ.

8. Imprequestionamento do tema relativo ao índice corretor a incidir no mês de janeiro de 1989.

Recurso especial não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas:

Prosseguindo no julgamento, de­cide a Quarta Turma do Superior

Tribunal de Justiça, por maioria, não conhecer do recurso, vencido, em parte, o Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha, na forma do relatório e no­tas taquigráficas precedentes que integram o presente julgado. Votou

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com o Relator o Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira.

Brasília, 21 de outubro de 1997 (data do julgamento).

Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente e Relator.

Publicado no DJ de 16-03-98.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO BARROS MON­TEIRO: "PBM - Picchioni - Belgo Mineira - Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários S.A." ajuizou ação de cobrança contra o "Banco Su­mitomo S.A.", alegando haver reali­zado aplicações financeiras (CDB's) junto ao banco-réu pelo sistema de emissão eletrônica, centralizada na CETIP (Central de Custódia e de Li­quidação Financeira de Títulos), in­vestimentos estes que lhe garan­tiam, durante todo o período, o re­cebimento da correção monetária integral e juros em taxas pré-acor­dadas. Esclareceu que, em virtude da promulgação da Medida Provi­sória n Q 32/89, convertida na Lei n Q

7.730/89, não lhe foi pago o valor correspondente à correção monetá­ria relativa ao período posterior à extinção da OTN até o vencimento de cada um dos títulos. Requereu o adimplemento do contrato, deven­do o banco pagar a diferença verifi­cada entre o valor do resgate devi­do e o montante pago, acrescida dos juros compensatórios e de atualiza­ção monetária, medida pelo IPC, desde a data da aplicação até o dia da solução do débito.

O MM. Juiz de Direito julgou a ação procedente para condenar o réu a pagar à autora o valor da cor-

reção monetária alusivo aos CDB's, a partir de 16 de janeiro de 1989, apurado com base no IPC, além de atualização monetária, juros con­vencionais,juros moratórios, custas e honorários advocatícios.

Apreciando a apelação interpos­ta pelo réu, o Tribunal de Alçada de Minas Gerais rejeitou as prelimina­res de cerceamento de defesa e de carência (ilegitimidade ativa e pas­siva ad causam), assim como a ar­güição de prescrição. No mérito, ne­gou provimento ao apelo.

Rejeitados os declaratórios, o banco manifestou recurso especial com fulcro nas alíneas a e c do admissor constitucional. A par do dissenso jurisprudencial com ares­tos desta Corte, do Supremo Tribu­nal Federal e do Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, apon­tou o recorrente contrariedade aos seguintes preceitos legais: a) arts. 330, I, e 333, II, do CPC, por cerce­amento de defesa, uma vez que não lhe foi permitido comprovar as as­sertivas de que a autora não inves­tira em nome próprio e, ainda, não dispunha de meios para efetuar a aplicação financeira; b) art. 3Q do CPC em face de sua ilegitimidade passiva ad causam, pois se limitou a obedecer às determinações baixa­das pelo Conselho Monetário Naci­onal/Banco Central do Brasil; c) to­cante à legitimidade de parte ati­va, insistiu na asserção de afronta ao art. 3Q do CPC, embora - segun­do o recorrente - o tema esteja re­lacionado com a falta de instrução probatória; d) arts. 30, § 5Q

, da Lei n Q 4.728/65, 70 e 77 do Dec. n Q

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57.663/66 (Lei Uniforme),já que se aplicam aos CDB's as disposições le­gais atinentes à nota promissória, motivo pelo qual se consumou o pra­zo trienal da prescrição; e) art. 945, caput e § l Q do Código Civil, por­quanto a autora, ao devolver o títu­lo e receber o importe do resgate, não opôs qualquer ressalva, dando assim ampla, geral e irrevogável quitação ao réu; f) art. 1 Q, § 2Q

, da Lei n Q 6.899/81, visto que, cuidan­do-se de dívida de dinheiro, o dies a quo da correção monetária deve ser a data de ajuizamento da de­manda; g) ao art. 1.062 do Código Civil, por ordenado o pagamento dos juros convencionais, quando não existe convenção alguma a respei­to; h) art. 20 do CPC, por exagera­do o valor fixado para os honorários de advogado. Em item destacado na irresignação recursal, indicou diver­gência interpretativa em relação ao índice de correção monetária para o mês de janeiro/89 (REsp n Q 49.656-0 /SP), sustentando a prevalência do percentual de 42,72%.

Oferecidas as contra-razões, o apelo extremo foi admitido na ori­gem.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO (Relator): 1. A decisão recorrida justificou cabalmente o julgamento antecipado no caso em apreciação, visto reputar desneces­sária a instrução probatória preten­dida pelo banco-réu.

Primeiro, considerou suficiente para o deslinde da causa a prova do­cumental. Ao depois e notadamen­te, anotou que o investimento rea­lizado pela autora, em nome pró­prio, se encontra comprovado nos autos, pouco importando que tenha prestado serviços a terceiros, tanto mais que somente estes terceiros é que poderiam questionar sua situa­ção. Irrelevante, portanto, para o V. Acórdão, a prova da captação de re­cursos junto a terceiros, até mesmo porque estes últimos não mantêm relação jurídica substancial direta com o banco-réu. Por igual, teve co­mo desprovida de significação a pro­va acerca da falta de capacidade fi­nanceira da ora recorrida, porque, independentemente dessa circuns­tância, restou claro nos autos que houve o investimento e que, no mo­mento da aplicação, o recorrente aceitou o depósito em nome da de­mandante, com esta tendo trava­do a relação jurídica de natureza obrigacional.

J á por tais motivos, não há falar em vulneração dos arts. 330, I, e 333, lI, do Código de Processo Ci­vil, ante a inteira desnecessidade na espécie da dilação probatória reque­rida. Nos' termos do disposto no art. 130 do estatuto processual civil, ao Juiz cabe indeferir as diligências inúteis ou meramente protelatórias. Não bastassem tais fundamentos, deve ser observado que, para veri­ficar-se o acerto ou não da delibe­ração concernente à realização do julgamento antecipado, haveria nesta instância excepcional de des­cer-se ao exame dos fatos da causa, o que, entretanto, é defeso §tteoJ-rlo

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que enuncia a Súmula n Q 07-STJ. Bem por isso, adstrito que é esse mesmo juízo ao caráter particular de cada caso concreto, não se faz viável estabelecer-se o pretendido dissídio de julgados a que se dispôs evidenciar o recorrente. Aliás, dei­xou ele, outrossim, de cumprir a norma inserta no art. 255, § 29 , do RISTJ, mencionando as circunstân­cias que identifiquem ou asseme­lhem as hipóteses confrontadas.

2. Não se sustenta, de outro lado, a insistência do banco privado to­cante à preliminar de ilegitimida­de de parte passiva ad causam, em face da jurisprudência desta Casa, que se tem reiterado em controvér­sia dessa natureza. Em torno dos contratos de depósito em caderneta de poupança, tem, com efeito, assen­tado este Tribunal orientação que se amolda às inteiras ao caso presen­te, pois que, no fundo, há aqui tam­bém um contrato celebrado entre os litigantes (a relação jurídica de di­reito material, em substância, é a mesma). Eis a ementa que para o REsp n 9 23.099-1/RJ lançou o em. Ministro Sálvio de Figueiredo Tei­xeira:

"Processo Civil. Legitimidade ad causam passiva. Caderneta de poupança. Plano Verão. Corre­ção. CPC, art. 267, § 3Q

• Recurso conhecido e provido.

I - Eventuais alterações na po­lítica econômica, decorrentes de planos governamentais, não afas­tam, por si, a legitimidade ad causam das partes envolvidas em contratos de direito privado,

inclusive as instituições financei­ras que atuam como agentes cap­tadores em torno de cadernetas de poupança.

II - Existindo vínculo jurídico de índole contratual entre as partes, a legitimidade não se arreda pela simples circunstância de terem sido emitidas normas por órgãos oficiais que possam afetar a re­lação entre os contratantes" (in RSTJ voI. 43, pág. 410).

3. A ilegitimidade ativa da inves­tidora e, bem assim, o seu interesse de agir afiguram-se induvidosos na hipótese sub judice, consoante bem evidenciou o Acórdão combati­do. O contrato de aplicação finan­ceira (CDB's) foi celebrado com a autora e foi ela, afinal, quem rece­beu, de modo incompleto, o produto da negociação.

Não se vislumbra, também neste tópico, afronta alguma à lei federal.

4. Nenhuma razão assiste ao ban­co quanto à assertiva de prescrição.

É que, tal como decidido por esta C. Turma, quando do julgamento do REsp n Q 77.006-MG, relator Minis­tro Sálvio de Figueiredo Teixeira, o art. 30 da Lei n 9 4.728/65 não se mostra pertinente, haja vista que dispõe acerca de certificados de de­pósitos bancários com prazo de apli­cação superior a dezoito meses, o que não vem ao caso, em que a data prevista para vencimento era a de 13.03.89.

Por conseguinte, tal como no alu­dido precedente, descabe a análise dos arts. 70 e 77 do Dec. n Q 57.663/ 66.

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5. O Acórdão recorrido entendeu inaplicável à espécie o prazo previs­to no art. 945, § 1 º, do CCB. A auto­ra, segundo o v. decisum, não pos­suía título representativo de seu crédito, para entregá-lo ou devolvê­lo ao devedor. "O investimento con­tratado realizou-se através de lan­çamentos escriturais junto ao ape­lante". Ora, diante desse quadro fático, saber se ocorreu ou não a en­trega do título ao devedor é maté­ria que se encontrava à soberana definição das instâncias ordinárias, tal como reza a Súmula nº 07 desta Casa, acima evocada. Não é por ou­tra razão que no REsp nº 77.006-MG, este mesmo órgão fracionário proclamou:

"Investigar, outrossim, se houve ou não quitação plena a impossi­bilitar a reivindicação de juros e correção monetária emergentes do contrato, reclamaria exame da prova coligida nos autos, impos­sível na via do recurso especial".

Nesse ponto, inexiste infração à norma de lei federal, nem tampou­co se vê plausibilidade na alegação de dissonância interpretativa não somente porque se apresenta distin­ta moldura fática entre os arestos confrontados, como também porque não cogitou o recorrente de dar ob­servância total ao estabelecido no art. 255, § 2º, do Regimento Inter­no deste Tribunal.

6. Escorreito, ainda, o V. Acórdão ao assentar que se a correção "não incidir a partir do momento da exi­gibilidade da obrigação, não have­rá uma correção justa e completa".

Vale acentuar, de qualquer forma, que o crédito em tela é representa­do por CDB's, títulos que se classi­ficam perfeitamente entre aqueles contemplados pelo art. 1º, § 1º, da Lei nº 6.899, de 08.04.81. Não é por­que se cuida aqui de ação ordinária de cobrança que se haverá de ex­cluir a incidência de tal preceitua­ção legal. Não fora isso, cabe invo­car-se a disposição constante da Súmula nº 43 desta Corte, tendo em conta o ilícito contratual praticado.

A atualização monetária deve computar-se a partir do desfalque patrimonial sofrido pelo contratan­te. Bem por isso ainda há pouco, ao julgar o REsp nº 106.673-RJ, o re­lator, Sr. Ministro Eduardo Ribei­ro, pontificou:

"Efetuado pagamento a menor, a correspondente diferença há de ser paga, computando-se corre­ção monetária desde a data em que deixou de sê-lo".

Não cumpriu o recorrente, tam­bém neste tópico, a norma inscrita no art. 255, § 2º, do RISTJ. De qual­quer forma, a orientação mais re­cente deste Tribunal se firmou no mesmo sentido do decisório hostili­zado (Súmula nº 83-STJ).

7. Segundo a peça exordial, os ju­ros compensatórios são devidos às taxas contratadas. Assim se forma­lizou o pedido e assim a sentença dirimiu o litígio nesse particular. Agora, vem o recorrente afirmar que não há convenção a respeito dessa modalidade de juros. A alega­ção esbarra, contudo, no verbete su-

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mular n Q 05 desta Casa, de vez que, para coonestar-se a sua assertiva de que inexistiu pacto a propósito do assunto, seria de rigor a análise detida de cláusulas contratuais ins­tituídas pelas partes. Advirta-se que o Acórdão recorrido não negou a existência da avença no particular; apenas disse que a compensação, representada pelos juros de tal na­tureza, deve existir independente­mente de convenção das partes (fls. 852).

8. Não é de admitir-se como aper­feiçoado o conflito de julgados en­tre a decisão recorrida e o REsp n Q

49.656-0/SP, alusivo ao índice cor­retor prevalecente para o mês de janeiro/89, porque o Acórdão ora vergastado simplesmente não tra­tou de modo específico deste porme­nor (percentual a incidir naquele mês). Ausente aí, pois, o pressupos­to do prequestionamento (Súmula n Q 282-STF), não bastando que o banco tenha aventado a matéria em embargos declaratórios (cfr. REsp n Q 23.668-3/MG, relator Ministro Eduardo Ribeiro).

9. Por derradeiro, o arbitramen­to da verba honorária em face do trabalho desenvolvido pelos profis­sionais da advocacia impõe o reexa­me de fatos e circunstâncias da lide, pelo que refoge ao âmbito angusto do apelo especial (Súmula n Q 07), o que, de resto, se acha cônsono com o Enunciado n Q 389 dajurisprudên­cia sumulada do Excelso Pretório.

10. Ante o exposto, não conheço do recurso.

É como voto.

VOTO- VISTA

o SR. MINISTRO CESAR AS­FOR ROCHA: 1. O eminente Minis­tro Barros Monteiro assim relatou o feito:

"PBM - Picchioni - Belgo Mi­neira - Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários S.A." ajui­zou ação de cobrança contra o "Banco Sumitomo S.A.", alegan­do haver realizado aplicações fi­nanceiras (CDB's) junto ao ban­co-réu pelo sistema de emissão eletrônica, centralizada na CETIP (Central de Custódia e de Liqui­dação Financeira de Títulos), in­vestimentos estes que lhe garan­tiam, durante todo o período, o recebimento da correção monetá­ria integral e juros em taxas pré­acordadas. Esclareceu que, em virtude da promulgação da Me­dida Provisória n Q 32/89, conver­tida na Lei n Q 7.730/89, não lhe foi pago o valor correspondente à correção monetária relativa ao período posterior à extinção da OTN até o vencimento de cada um dos títulos. Requereu o adim­plemento do contrato, devendo o banco pagar a diferença verifica­da entre o valor do resgate devi­do e o montante pago, acrescida dos juros compensatórios e de atualização monetária, medida pelo IPC, desde a data da aplica­ção até o dia da solução do débito.

O MM. Juiz de Direito julgou a ação procedente para condenar o réu a pagar à autora o valor da correção monetária alusivo aos

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CDB's, a partir de 16 de janeiro de 1989, apurado com base no IPC, além de atualização mone­tária, juros convencionais, juros moratórios, custas e honorários advocatícios.

Apreciando a apelação inter­posta pelo réu, o Tribunal de Al­çada de Minas Gerais rejeitou as preliminares de cerceamento de defesa e de carência (ilegitimida­de ativa e passiva ad causam), assim como a argüição de pres­crição. No mérito, negou provi­mento ao apelo.

Rejeitados os declaratórios, o banco manifestou recurso espe­cial com fulcro nas alínea a e c do admissor constitucional. A par do dissenso jurisprudencial com arestos desta Corte, do Supremo Tribunal Federal e do Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, apontou o recorrente con­trariedade aos seguintes precei­tos legais: a) arts. 330, I, e 333, II, do CPC, por cerceamento de defesa, uma vez que não lhe foi permitido comprovar as asserti­vas de que a autora não investi­ra em nome próprio e, ainda, não dispunha de meios para efetuar a aplicação financeira; b) art. 3Q

do CPC em face de sua ilegitimi­dade passiva ad causam, pois se limitou a obedecer às determina­ções baixadas pelo Conselho Mo­netário Nacional/Banco Central do Brasil; c) tocante à legitimi­dade de parte ativa, insistiu na asserção de afronta ao art. 3Q do CPC, embora - segundo o recor­rente - o tema esteja relaciona-

do com a falta de instrução pro­batória; d) arts. 30, § 5Q

, da Lei n Q 4.728/65, 70 e 77 do Dec. n° 57.663/66 (Lei Uniforme), já que se aplicam aos CDB's as disposi­ções legais atinentes à nota pro­missória, motivo pelo qual se con­sumou o prazo trienal da prescri­ção; e) art. 945, caput e § 1 Q, do Código Civil, porquanto a auto­ra, ao devolver o título e receber o importe do resgate, não opôs qualquer ressalva, dando assim ampla, geral e irrevogável quita­ção ao réu; f) art. 1 Q, § 2Q

, da Lei n° 6.899/81, visto que, cuidando­se de dívida de dinheiro, o dies a quo da correção monetária deve ser a data de ajuizamento da demanda; g) ao art. 1.062 do Código Civil, por ordenado o pa­gamento dos juros convencionais, quando não existe convenção al­guma a respeito; h) art. 20 do CPC, por exagerado o valor fixa­do para os honorários de advoga­do. Em item destacado na irre­signação recursal, indicou diver­gência interpretativa em relação ao índice de correção monetária para o mês de janeiro/89 (REsp n Q 49.656-0/SP), sustentando a pre­valência do percentual de 42,72%.

Oferecidas as contra-razões, o apelo extremo foi admitido na origem".

2. Para não conhecer do recurso, o Senhor Ministro-Relator valeu-se das seguintes judiciosas considera­ções:

"1. A decisão recorrida justifi­cou cabalmente o julgamento an-

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tecipado no caso em apreciação, visto reputar desnecessária a ins­trução probatória pretendida pe­lo banco-réu.

Primeiro, considerou suficien­te para o deslinde da causa a pro­va documental. Ao depois e nota­damente, anotou que o investi­mento realizado pela autora, em nome próprio, se encontra com­provado nos autos, pouco impor­tando que tenha prestado servi­ços a terceiros, tanto mais que somente estes terceiros é que po­deriam questionar sua situação. Irrelevante, portanto, para o V. Acórdão, a prova da captação de recursos junto a terceiros, até mesmo porque estes últimos não mantêm relação jurídica substan­cial direta com o banco-réu. Por igual, teve como desprovida de significação a prova acerca da fal­ta de capacidade financeira da ora recorrida, porque, indepen­dentemente dessa circunstância, restou claro nos autos que houve o investimento e que, no momen­to da aplicação, o recorrente acei­tou o depósito em nome da de­mandante, com esta tendo trava­do a relação jurídica de natureza obrigacional.

J á por tais motivos, não há fa­lar em vulneração dos arts. 330, I, e 333, II, do Código de Proces­so Civil, ante a inteira desneces­sidade na espécie da dilação pro­batória requerida. Nos termos do disposto no art. 130 do estatuto processual civil, ao Juiz cabe in­deferir as diligências inúteis ou

meramente protelatórias. Não bastassem tais fundamentos, de­ve ser observado que, para veri­ficar-se o acerto ou não da deli­beração concernente à realização do julgamento antecipado, have­ria nesta instância excepcional de descer-se ao exame dos fatos da causa, o que, entretanto, é de­feso a teor do que enuncia a Sú­mula n Q 07-STJ. Bem por isso, adstrito que é esse mesmo juízo ao caráter particular de cada caso concreto, não se faz viável esta­belecer-se o pretendido dissídio de julgados a que se dispôs evi­denciar o recorrente. Aliás, dei­xou ele, outrossim, de cumprir a norma inserta no art. 255, § 2Q

,

do RISTJ, mencionando as cir­cunstâncias que identifiquem ou assemelhem as hipóteses con­frontadas.

2. Não se sustenta, de outro lado, a insistência do banco pri­vado tocante à preliminar de ile­gitimidade de parte passiva ad causam, em face dajurisprudên­cia desta Casa, que se tem reite­rado em controvérsia dessa natu­reza. Em torno dos contratos de depósito em caderneta de pou­pança, tem, com efeito, assenta­do este Tribunal orientação que se amolda às inteiras ao caso pre­sente, pois que, no fundo, há aqui também um contrato celebrado entre os litigantes (a relação ju­rídica de direito material, em substância, é a mesma). Eis a ementa que para o REsp nQ 23.099-lIRJ lançou o em. Ministro Sál­vio de Figueiredo Teixeira:

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"Processo Civil. Legitimida­de ad causam passiva. Cader­neta de poupança. Plano Ve­rão. Correção. CPC, art. 267, § 3Q

• Recurso conhecido e pro­vido.

I - Eventuais alterações na política econômica, decorren­tes de planos governamentais, não afastam, por si, a legitimi­dade ad causam das partes envolvidas em contratos de di­reito privado, inclusive as ins­tituições financeiras que atuam como agentes captadores em torno de cadernetas de pou­pança.

II - Existindo vínculo jurí­dico de índole contratual entre as partes, a legitimidade não se arreda pela simples circuns­tância de terem sido emitidas normas por órgãos oficiais que possam afetar a relação entre os contratantes" (in RSTJ vol. 43, pág. 410).

3. A ilegitimidade ativa da in­vestidora e, bem assim, o seu in­teresse de agir afiguram-se indu­vidosos na hipótese sub judice, consoante bem evidenciou o Acór­dão combatido. O contrato de aplicação financeira (CDB's) foi celebrado com a autora e foi ela, afinal, quem recebeu, de modo in­completo, o produto da negociação.

Não se vislumbra, também nes­te tópico, afronta alguma à lei fe­deral.

4. Nenhuma razão assiste ao banco quanto à assertiva de pres­crição.

É que, tal como decidido por esta C. Turma, quando do julga­mento do REsp n Q 77.006-MG, relator Ministro Sálvio de Figuei­redo Teixeira, o art. 30 da Lei n Q

4.728/65 não se mostra pertinen­te, haja vista que dispõe acerca de certificados de depósitos ban­cários com prazo de aplicação superior a dezoito meses, o que não vem ao caso, em que a data prevista para vencimento era a de 13.03.89.

Por conseguinte, tal como no aludido precedente, descabe a análise dos arts. 70 e 77 do Dec. n Q 57.663/66.

5. O Acórdão recorrido enten­deu inaplicável à espécie o prazo previsto no art. 945, § 1Q

, do CCB. A autora, segundo o v. decisum, não possuía título representati­vo de seu crédito, para entregá­lo ou devolvê-lo ao devedor. "O in­vestimento contratado realizou­se através de lançamentos escri­turais junto ao apelante". Ora, diante desse quadro fático, saber se ocorreu ou não a entrega do título ao devedor é matéria que se encontrava à soberana defini­ção das instâncias ordinárias, tal como reza a Súmula n Q 07 desta Casa, acima evocada. Não é por outra razão que no REsp nQ 77.006-MG, este mesmo órgão fracioná­rio proclamou:

"Investigar, outrossim, se hou­ve ou não quitação plena a im­possibilitar a reivindicação de juros e correção monetária emer­gentes do contrato, reclamaria

260 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998.

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exame da prova coligida nos autos, impossível na via do re­curso especial".

N esse ponto, inexiste infração à norma de lei federal, nem tam­pouco se vê plausibilidade na ale­gação de dissonãncia interpreta­tiva não somente porque se apre­senta distinta moldura fática en­tre os arestos confrontados, como também porque não cogitou o re­corrente de dar observância total ao estabelecido no art. 255, § 2º, do Regimento Interno deste Tri­bunal.

6. Escorreito, ainda, o V. Acór­dão ao assentar que se a corre­ção "não incidir a partir do mo­mento da exigibilidade da obriga­ção, não haverá uma correção justa e completa". Vale acentuar, de qualquer forma, que o crédito em tela é representado por CDB's, títulos que se classificam perfei­tamente entre aqueles contem­plados pelo art. 1 º, § 1 º, da Lei nº 6.899, de 08.04.81. Não é porque se cuida aqui de ação ordinária de cobrança que se haverá de ex­cluir a incidência de tal preceitua­ção legal. Não fora isso, cabe in­vocar-se a disposição constante da Súmula nº 43 desta Corte, ten­do em conta o ilícito contratual praticado.

A atualização monetária deve computar-se a partir do desfal­que patrimonial sofrido pelo con­tratante. Bem por isso ainda há pouco, ao julgar o REsp nº 106.673-RJ, relator Ministro Eduardo Ri­beiro, pontificou:

"Efetuado pagamento a me­nor, a correspondente diferen­ça há de ser paga, computan­do-se correção monetária des­de a data em que deixou de sê­lo".

Não cumpriu o recorrente, tam­bém neste tópico, a norma inscri­ta no art. 255, § 2º, do RISTJ. De qualquer forma, a orientação mais recente deste Tribunal se firmou no mesmo sentido do decisório hostilizado (Súmula nº 83-STJ).

7. Segundo a peça exordial, os juros compensatórios são devidos às taxas contratadas. Assim se formalizou o pedido e assim a sentença dirimiu o litígio nesse particular. Agora, vem o recor­rente afirmar que não há conven­ção a respeito dessa modalidade de juros. A alegação esbarra, con­tudo, no Verbete Sumular nº 05 desta Casa, de vez que, para coo­nestar-se a sua assertiva de que inexistiu pacto a propósito do as­sunto, seria de rigor a análise detida de cláusulas contratuais instituídas pelas partes. Advirta­se que o Acórdão recorrido não negou a existência da avença no particular; apenas disse que a compensação, representada pelos juros de tal natureza, deve exis­tir independentemente de con­venção das partes (fls. 852).

8. Não é de admitir-se como aperfeiçoado o conflito de julga­dos entre a decisão recorrida e o REsp nº 49.656-0/SP, alusivo ao índice corretor prevalecente para

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o mês de janeiro/89, porque o Acórdão ora vergastado simples­mente não tratou de modo espe­cífico deste pormenor (percen­tual a incidir naquele mês). Au­sente aí, pois, o pressuposto do prequestionamento (Súmula nº 282-STF), não bastando que o banco tenha aventado a matéria em embargos declaratórios (cfr. REsp nº 23.668-3/MG, relator Ministro Eduardo Ribeiro).

9. Por derradeiro, o arbitra­mento da verba honorária em face do trabalho desenvolvido pelos profissionais da advocacia impõe o reexame de fatos e cir­cunstâncias da lide, pelo que re­foge ao âmbito angusto do apelo especial (Súmula nº 07), o que, de resto, se acha cônsono com o Enun­ciado nº 389 da jurisprudência sumulada do Excelso Pretório".

3. Pedi vista dos autos para me­lhor exame da matéria apenas quan­to ao não conhecimento, pela diver­gência que não teria sido demons­trada, no ponto atinente à aplica­ção, pela v. decisão ora hostilizada, do índice de 70,28%, e não do per­centual de 42,72%, já que, quanto ao mais, aderi de logo ao voto do eminente Ministro-Relator.

4. Quanto a esse destacado aspec­to, vale dizer, à demonstração do desencontro dos julgados a respei­to do índice a ser aplicado como fa­tor de correção no mês de janeiro de 1989, tenho, data venia, como procedente a irresignação do recor­rente, já que tenho por existente o

dissídio pretoriano a respeito do tema.

É certo que, a ser rigoroso no exa­me da sua demonstração, não se de­veria mesmo tê-lo por existente.

Todavia, esta Corte, quando se trata de notória divergência, como no caso em que a questão posta em desate, nesse ponto, é de trato cor­riqueiro neste Tribunal, tem abran­dado a exatidão técnica com que se exige para esse pressuposto de co­nhecimento do recurso especial.

Na hipótese, vê-se, data venia a olhos desarmados, que o v. acór­dão vergastado aplicou, para refle­tir a real inflação do mês de janeiro de 1989, o índice de 70,28% e não o de 42,72%, sendo este o que é paci­ficamente aplicado neste Tribunal.

Com efeito, a autora da deman­da pediu o cômputo da variação do IPC de janeiro de 1989, no patamar de 70,28% (fls. 05), sendo o referido pleito integralmente deferido pelas instâncias ordinárias.

Dessa sorte, entendo, com respei­tosa vênia, que o acórdão tratou so­bre o índice a ser aplicado naquele mês, na medida em que confirmou a procedência do pedido formulado na exordial que, conforme relatado no próprio decisuID hostilizado, buscava a aplicação do percentual de 70,28%.

5. Aberto, assim, o pórtico para conhecimento do recurso, nesse tó­pico, pela divergência, quanto a isso, no que lhe seja atinente a seu méri­to, a egrégia Corte Especial deste Sodalício, no julgamento do REsp nº 43.055-0-SP (D.J. de 20.02.95), re-

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latado pelo eminente Ministro Sál­vio de Figueiredo Teixeira, já deci­diu que o índice que reflete a real inflação do mês de janeiro de 1989 é de 42,72% e não de 70,28%, como divulgado pelo IBGE. A decisão ple­nária sob enfoque encontra-se con­densada na seguinte ementa, ver­bis:

"Direito Econômico. Correção monetária. Janeiro 1 1989. "Plano Verão". Liquidação. IPC. Real ín­dice inflacionário. Critério de cál­culo. Art. 99, I e II da Lei 7.7301 89. Atuação do Judiciário no pla­no econômico. Considerações em torno do índice de fevereiro. Re­curso parcialmente provido.

I - Ao Judiciário, uma vez aci­onado e tomando em consideração os fatos econômicos, incumbe aplicar as normas de regência, dando a essas, inclusive, exege­se e sentido ajustado aos princí­pios gerais de direito, como o que veda o enriquecimento sem cau­sa.

I! - O divulgado IPC de janei­ro/89 (70,28%), considerados a forma atípica e anômala com que obtido e o flagrante descompasso com os demais índices, não refle­tiu a real oscilação inflacionária verificada no período, melhor se prestando a retratar tal variação o percentual de 42,72%, a incidir nas atualizações monetárias em sede de procedimento liquidató­rio.

lU - Ao Superior Tribunal de Justiça, por missão constitucio­nal, cabe assegurar a autoridade

da lei federal e sua exata inter­pretação."

Em face do decisum acima trans­crito, esta egrégia Turma vem paci­ficamente aplicando o referido ín­dice (42,72%) como real valor do IPC de janeiro de 1989 para fins de cál­culo da remuneração dos contratos de aplicação em CDB's, com corre­ção monetária pós-fixada.

Nesse sentido, registrem-se os se­guintes precedentes:

"Direitos Econômico e Proces­sual Civil. CDB pós-fixado. Pre­servação da comutatividade con­tratual. Adoção do índice que re­fletiu a variação inflacionária do período. Art. 15 da Lei 7.730189. Inaplicabilidade aos contratos firmados anteriormente à sua edi­ção sem previsão inflacionária projetada para o futuro. Recurso especial. Matéria de prova. Im­possibilidade de reexame. Pre­questionamento. Requisito essen­cial. Inocorrência. Recurso~ conhe­cido pela divergência, em parte, e parcialmente provido.

I - Nos contratos de CDB, com taxas pós-fixadas, o conge­lamento do fator de indexação, posteriormente imposto, lhe re­tira essa feição, provocando alte­ração significativa na comutati­vidade contratual, impondo-se a adoção de índice que reflita a va­riação inflacionária no período da aplicação.

I! - O art. 15 da Lei 7.730189 não se aplica aos contratos cele­brados antes de sua edição, sem

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projeção inflacionária prefixada, mas com previsão contratual de efetivo reajuste monetário com­patível com a inflação decorrida no período de sua execução.

III - Conforme precedente da Corte Especial (REsp 43.055-SP), o percentual de inflação verifica­do emjaneiro de 1989 é de 42,72%.

IV - "A pretensão de simples reexame de prova não ensej a re­curso especial" (Enunciado n. 7 da SúmulalSTJ).

V - O recurso especial tem por escopo preservar a autoridade da lei federal e uniformizar a sua in­terpretação. Para que se alegue sua violação, deve-se colher a ma­nifestação do tribunal de origem sobre a questão federal. Somen­te assim se pode afirmar even­tual negativa de vigência à nor­ma. Em suma, torna-se necessá­rio o prequestionamento." (REsp 77.006-MG, Relator eminente Mi­nistro Sálvio de Figueiredo Tei­xeira, DJ de 19.08.96)

"CDB. Correção pós-fixada. Tablita.

- Não se aplica o deflator pre­visto na Lei 7.730/89, para os con­tratos de aplicação em CDB's, com correção pós-fixada. Prece­dente da Segunda Seção.

- Atualização, em janeiro de 1989, pelo IPC de 42,72%.

Recurso provido em parte." CREsp 80.658-RJ, Relator emi­nente Ministro Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 02.09.96).

"Correção monetária. CDE.

1. Emjaneiro/1989, aplica-se o índice de 42,72%, para a correção monetária da aplicação financei­ra.

2. A redução do índice para tal quantitativo não autorizaria o Tribunal a elevar, de ofício, o per­centual relativo a fevereiro/1989, de 3,60% para 10,14%.

3. Multa excluída, por inexis­tência de seus pressupostos de aplicação (art. 538, par. único, CPC).

4. Questões não prequestiona­das. Votos vencidos.

Recurso conhecido em parte e provido." CREsp 100.645-MG, Re­lator eminente Ministro Ruy Ro­sado de Aguiar, DJ de 11.11.96)

O acórdão recorrido afasta-se da orientação jurisprudencial acima referenciada, impondo-se, destarte, a sua reforma.

6. Diante do exposto, ouso diver­gir parcialmente do eminente Mi­nistro Barros Monteiro em razão do que conheço parcialmente do recur­so e, nessa parte, lhe dou provimen­to, apenas para aplicar o índice de 42,72%, como fator de correção no mês de janeiro de 1989.

VOTO

O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: Sr. Pre­sidente, rogando vênia ao Ministro Cesar Asfor Rocha, vou acompanhar às inteiras o Ministro-Relator, espe­cialmente no que tange à divergên-

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cia travada nos votos anteriores em relação ao índice concernente ao mês de janeiro de 89, no tocante ao prequestionamen to.

N a linha dos nossos precedentes, em que se tem exigido que a maté­ria seja discutida e decidida, acom­panho o Sr. Ministro-Relator.

RECURSO ESPECIAL NQ 76.190 - SP

(Registro n Q 95.0050327-1)

Relator: O Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira

Recorrentes: Entel S/A e Koncreta - Engenharia e Construções Ltda.

Recorrido: Condomínio Edifício Paineiras

Advogados: Drs. Norton A. Severo Batista Júnior e outros, Antônio Carlos Marcondes Machado e outros, e Marli Gonçalves Gorgone e outro

EMENTA: Direito Civil. Responsabilidade do construtor e do empreiteiro. Inteligência do art. 1.245, Código Civil. Prazos de ga­rantia e de prescrição. Enunciado n!! 194 da Súmula STJ. Incidên­cia do Verbete Sumular n!! 83. Recursos desacolhidos.

I - O prazo de cinco (5) anos do art. 1.245 do Código Civil, relati­vo à responsabilidade do construtor pela solidez e segurança da obra efetuada, é de garantia e não de prescrição ou decadência. Apresentados aqueles defeitos no referido período, o construtor poderá ser acionado no prazo prescricional de vinte (20) anos, consoante assentado no Enunciado n!! 194 da Súmula desta Corte.

II - Quanto à alínea c do permissor constitucional, nos termos da Súmula/STJ, Verbete n!! 83, "não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida".

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos es­tes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo­tos e das notas taquigráficas a se-

guir, por unanimidade, não conhe­cer dos recursos. Votaram com o Relator os Ministros Barros Montei­ro e Ruy Rosado de Aguiar. Ausen­tes, justificadamente, o Ministro Bueno de Souza e, ocasionalmente, o Ministro Cesar Asfor Rocha.

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Brasília, 24 de março de 1998 (data do julgamento).

Ministro BARROS MONTEIRO Presidente. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Relator.

Publicado no DJ de 08-06-98.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: Trata-se de "ação condenatória de obrigação de fazer" ajuizada pelo recorrido contra a segunda recorrente, que, por sua vez, promoveu a denuncia­ção da lide à primeira recorrente, em razão do contrato de empreita­da firmado entre elas, recorrentes.

A sentença acolheu parcialmen­te a pretensão ajuizada para impor à ré o conserto das trincas da facha­da e lavanderia do prédio, o refazi­mento da vedação de todas as jane­las e a substituição das portas cor­ta-fogo ou a aprovação das que se encontravam colocadas. A denuncia­ção da lide, por seu lado, foi tam­bém acolhida para ser condenada a denunciada a suportar os ônus da condenação da ré, "reconhecendo a sua responsabilidade a teor do art. 76 do CPC".

O Tribunal de Justiça de São Paulo, sob a relatoria do Des. Pe­reira Calças, deu parcial provimen­to às apelações da ré e da denun­ciada para reduzir '''o percentual da honorária para 10% sobre o valor da causa, devidamente corrigido, em face da sucumbência recíproca", de­terminando, ademais, que o autor arcasse com 50% das despesas pro-

cessuais e a ré com os outros 50% mantida a condenação da denun~ ciante nos mesmos termos em que se manifestara a sentença.

Do voto condutor do acórdão, des­taco:

"Por outro lado, também não prospera a alegação alternativa de que o prazo prescricional da ação fundamentada na responsa­bilidade prevista no artigo 1.245 do Código Civil é de cinco anos. N a verdade, o prazo de garantia é que é de cinco anos. O prazo prescricional, porém, é de vinte anos, contados da data em que os defeitos se apresentem, desde que dentro do qüinqüênio legal de garantia.

Destaque-se ainda que a res­ponsabilidade do incorporador e do construtor do edifício é solidá­ria e ambos respondem pela ga­rantia da construção pelo prazo de cinco anos, sendo que tal res­ponsabilidade subsiste em rela­ção ao que encomenda a constru­ção, bem como a todos os adqui­rentes de unidades do edifício.

O prazo prescricional, portan­to, seja para a incorporadora, seja para a construtora é de vinte anos e, evidentemente, no caso vertente, não se configurou a pres­crição, seja em relação à ação principal, seja em relação à ação de garantia.

Masta-se, portanto, a alegação de prescrição formulada pela re­querida e pela denunciada à lide.

Relativamente ao mérito ve­rifica-se que a douta senten~ian-

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te bem decidiu a espécie, reco­nhecendo a responsabilidade da requerida com base no bem fun­damentado laudo do perito ofi­cial, que por estar eqüidistante dos interesses das partes, teve suas conclusões acolhidas pela sentença".

Advieram recursos especiais in­terpostos pela ré e pela denuncia­da.

O apelo da ré, Entel Comercial Construtora Ltda., fundamenta-se em alegação de divergência juris­prudencial, colacionando paradig­ma oriundo do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (AC 19.272, Ju­risprudência Brasileira 117/138).

A irresignação da denunciada, de outra parte, acha-se estribada na invocação de ofensa ao art. 1.245 do Código Civil, concluindo com a as­sertiva de que "a ação de garantia não pode ser exercida e, muito me­nos, fora do qüinqüênio legal, esta­belecido pela norma em questão".

Contra-arrazoado foram ambos os recursos admitidos na origem.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA (Rela­tor): O tema já foi enfrentado por diversas vezes nesta Corte, inclusi­ve por esta Turma, do que é exem­plo o REsp 5.522-MG (DJ l.7.91), por mim relatado. Do voto que pro­feri, ao ensejo desse julgamento, extraio:

"Ao votar, na condição de rela­tor, na Apelação n Q 71.586, da ego Terceira Câmara Cível do Tribu­nal de Justiça de Minas Gerais, tive oportunidade de dizer:

"Como bem demonstra, em "Contrato de Construção e Res­ponsabilidade Civil" e em "A Empreitada de Construção nas Decisões dos Tribunais", am­bas pela Saraiva, o talentoso e jovem civilista mineiro, Prof. Marco Aurélio S. Viana, cita­do pela apelante, duas corren­tes principais se posicionam na interpretação do art. l.245 do Código Civil, segundo o qual:

"Nos contratos de empreita­da de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, du­rante cinco anos, pela soli­dez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo, exceto, quan­to a este, se, não o achando firme, preveniu em tempo o dono da obra".

Para Caio Mário, citando Espínola e Cunha Gonçal­ves, o prazo de cinco (5) anos seria decadencial. Escoado, ex­tinguiria toda e qualquer obri­gação do empreiteiro.

Para a corrente majoritária, no entanto (M.I. Carvalho de Mendonça, Pontes de Mi­randa, Hely Lopes Meire­les, Washington de Barros

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Monteiro, Serpa Lopes e Aguiar Dias, dentre outros), o prazo do referido artigo se­ria apenas de garantia, dentro do qual deverá ocorrer o vício. Verificado esse, tem início o prazo prescricional ordinário, de vinte anos.

A jurisprudência inclina-se nesse sentido" ("Revista Jurí­dica Mineira", 30175).

Outra não foi a decisão da mes­ma Câmara na Apelação n° 73.134, de 24.9.87, relatada pelo em. De­sembargador Lauro Pacheco Fi­lho (DJMG, de 4.12.87):

"O prazo de cinco anos previs­to pelo art. 1.245 do Código Civil relativo à responsabilida­de do construtor pela solidez e segurança da obra efetuada, é de garantia e não de prescri­ção. Destarte, desde que aque­les defeitos se apresentem dentro do mencionado período, poderá o construtor ser aciona­do pelo prazo prescricional de até vinte anos".

Naquele julgado, anotou o re­visor, Desembargador Régulo da Cunha Peixoto:

"Sobre este assunto, susten­ta ojá citado Prof. Luiz Olavo Batista em seu excelente tra­balho sobre "A Responsabilida­de Civil do Construtor":

"O prazo de cinco anos a que se refere a norma em ex a-

me é de garantia e não de prescrição. Desde que a fal­ta de solidez ou de seguran­ça da obra se apresente den­tro dos cinco anos contrata­dos na conclusão dos traba­lhos, a ação para efetivar a responsabilidade persiste pelo prazo de vinte (20) anos que é da prescrição (in "RT", voI. 470/22; idem Carvalho Santos, in "Código Civil Brasileiro Interpretado", voI. 17/349; idem Sobral Pin­to, in "A Responsabilidade dos Construtores", "Rev. For.", VoI. 88/536; idem Lauro de Camargo, in "Rev. For.", 88/ 537).

Na mesma linha de entendi­mento, doutrina o saudoso e au­torizado Hely Lopes Meireles, in "Direito de Construir", RT, 1961, págs. 319/320.

"O prazo qüinqüenal é de garantia e não de prescrição, como erroneamente se tem dito em alguns julgados. Desde que a falta de solidez ou de segu­rança da obra se apresente dentro de cinco anos da conclu­são dos trabalhos, a ação para efetivar a responsabilidade do construtor persiste pelo prazo comum de vinte anos, que é o da prescrição ordinária (Cód. Civil, art. 177), a contar do dia em que surgiu o defeito den­tro do qüinqüênio legal (STF RF 127/433 - TJSP 1781789-275/352). Recebida a obra, per­manece ela como que em obser-

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vação por cinco anos, sem ad­mitir interrupção ou suspen­são desse prazo, visto que não se trata de lapso prescricional, como já advertimos de início. Trata-se de prazo extintivo da garantia. Se durante este tem­po a construção não apresen­tar vício ou defeito que afete a sua estabilidade ou comprome­ta a sua estrutura, ficará o cons­trutor exonerado de responsa­bilidade perante o proprietário e seus sucessores".

N esta mesma linha, desta Tur­ma, cito, dentre outros, os REsps n!.lli 5.522-MG, DJ (1 º. 7 .91), de que fui relator, 72.482-SP, DJ (8.4.96), da relatoria do Ministro Ruy Rosado. Da jurisprudência da Terceira Tur­ma, de outra parte, destaco os REsps. 8.489-RJ, DJ (24.6.91), 73.022-SP, DJ (24.6.96) e 62.278-SP, DJ (21.10.96),

relatados pelos Ministros Waldemar Zveiter e Nilson Naves. De tão rei­terados esses julgamentos, essa ori­entação veio a cristalizar-se no Enunciado nº 194 da Súmula deste Tribunal, que expressa:

"Prescreve em vinte anos a ação para obter, do construtor, in­denização por defeitos da obra".

Em razão disso, não logra ser co­nhecido o primeiro recurso, alicer­çado na alínea c do permissor cons­titucional, incidindo, no particular, o Verbete Sumular nº 83. Quanto ao segundo, arrimado na alegação de negativa de vigência do art. 1.245, CC, com base na argumentação aci­ma, também ele não merece ser co­nhecido.

Em suma, dos recursos não co­nheço.

RECURSO ESPECIAL Nº 84.079 - SP

(Registro nº 95.0070050-6)

Relator: O Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira Recorrentes: Michiyuki Muto e outros Recorrida: Empresa de Mineração Joseph Nigri Ltda. Advogados: Drs. Cícero Duarte Ferreira e outro, e Ricardo Arouca e

outros

EMENTA: Processual Civil. Sentença. Intimação. Modo. Carga dos autos. Ciência inequívoca. Advogado que não representa a to­talidade dos recorrentes. Particularidade. Litisconsórcio recur­sal. Efeitos. Arts. 242 e 509, CPC. Aproveitamento a todos. Recurso provido.

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I - Considera-se intimado da decisão o advogado que, antes da publicação no jornal oficial, teve ciência da mesma por carga dos autos.

H - A ciência há de ser inequívoca, porque, em se tratando de presunção, deve-se prestigiar a regra geral, pela qual a intima­ção se dá pela publicação no jornal oficial ou autorizado.

IH - Os réus, cujo procurador não retirou os autos da serventia, nem teria tido ciência inequívoca da decisão, não podem ser pre­judicados por atos do advogado dos outros réus que, antecipan­do-se à publicação, fez carga dos autos.

IV - Não é a característica de ser necessário o litisconsórcio que o recurso de um a todos os outros aproveita. O ponto nodal da questão está no caráter unitário do litisconsórcio, de modo que, se a situação jurídica tiver de ser decidida uniformemente para vários litigantes em determinado pólo da demanda, a insurgên­cia de um deles beneficiará os demais.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos es­tes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo­tos e das notas taquigráficas a se­guir, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento. Vota­ram com o Relator os Ministros Cesar Asfor Rocha, Ruy Rosado de Aguiar e Bueno de Souza. Ausente, justifi­cadamente, o Ministro Barros Mon­teiro.

Brasília, 10 de março de 1998 (data do julgamento).

Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Presidente. Ministro sÁL­VIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Relator.

Publicado no DJ de 25-05-98.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: Cuida­se de recurso especial interposto contra acórdão do Tribunal de Jus­tiça de São Paulo, na parte em que não conheceu da apelação manifes­tada pelos ora recorrentes, por in­tempestividade. Entendeu a Turma que a intimação da sentença teria se dado pela carga dos autos à ad­vogada de dois dos seis apelantes, colega de escritório do advogado dos outros quatro, desconsiderando, com isso, a data da publicação da nota do jornal oficial.

Apontam os vencidos violação do art. 242 do Código de Processo Ci­vil, dizendo que a intimação válida seria a feita pelo Diário da Justiça, não podendo alguns dos requeridos ser penalizados por ato da procura­dora dos outros.

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Contra-arrazoado, foi o recurso inadmitido na origem, vindo os au­tos por força de provimento de agra­vo.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA (Rela­tor): 1. Afluência do prazo recursal se inicia a partir do dia seguinte ao da intimação das partes da decisão judicial. Essa intimação, hoje feita quase que totalmente viajornal ofi­cial de publicação dos atos do Po­der Judiciário, tem a finalidade de dar conhecimento às partes, por meio de seus advogados, do que se resolveu no feito. Assim, ela se con­sideraria feita quando o diário pu­blicasse o resumo da decisão.

Todavia, a intimação pode se dar antes mesmo que a nota conclusiva da decisão seja publicada no perió­dico, como nos casos em que o advo­gado se antecipa ao jornal e dela toma ciência inequívoca, o que ocor­re, por exemplo, ao retirar os autos da serventia com carga.

Em se tratando de exceção, por­que a regra é a da intimação via pu­blicação, deve-se ter em conta que a mencionada ciência foi inequívo­ca. Caso haja dúvida nessa ciência do advogado, torna-se necessário prestigiar a norma que prescreve o procedimento intimatório regular.

A questão j á mereceu debate nes­ta Turma, tendo sido decidido dife­rentemente do aresto estadual, como se vê dos REsps 14.939-PR (DJ

24.2.92) e 58.275-MG (DJ 4.9.95), relatados respectivamente pelos Ministros Athos Carneiro e Antônio Torreão Braz e assim ementados:

"-A tese de que os prazos come­çam a correr também a partir da data em que o advogado toma ciên­cia informal da decisão, antes mesmo de intimado na forma da lei, tal tese somente é aplicável aos casos de ciência inequívoca do conteúdo da sentença ou decisão recorrível. Nas hipóteses em que remanesce alguma dúvida, inclu­sive por não haver o advogado re­cebido os autos em carga, cum­pre afastar a presunção e sim­plesmente aplicar a lei".

"- A intimação da sentença so­mente deve ser presumida na hi­pótese de ciência inequívoca, sen­do difícil a sua ocorrência fora do caso de recebimento dos autos em carga".

No caso em exame, a advogada que retirou os autos da secretaria do juízo, com carga, somente tinha poderes para agir em nome de dois dos seis então apelantes, embora os outros quatro estivessem represen­tados por colega seu de escritório. Por não ser inequívoca a ciência por parte do subscritor da apelação (que não foi a mencionada advogada), deve-se aplicar a regra geral e con­siderar as partes intimadas pela publicação da decisão no Diário Ofi­cial.

É de ressaltar-se que, em se ad­mitindo a intempestividade da ape­lação, estar-se-ia tolhendo o direito

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de quatro dos apelantes, que, por não estarem representados pela advogada que retirou os autos, so­mente foram intimados da decisão dos embargos declaratórios na data de circulação do jornal oficial local.

Tenho, destarte, por malferido o art. 242 do Código de Processo Ci­vil.

2. Resta saber se os dois apelan­tes que perderem o prazo, em razão de sua advogada ter tido ciência da decisão antes de sua intimação re­gular, seriam ou não beneficiados pelo recurso dos outros quatro.

A hipótese vem regulada pelo art. 509 do Código de Processo Civil, que, a despeito de sua redação fa­lha, e das diversas que têm suscita­do (v.g. Pontes de Miranda e Ama­ral Santos), vem sendo predomi­nantemente interpretado pela dou­trina nacional como aplicável ao litisconsórcio unitário. Com efeito, não é a característica de ser neces­sário o litisconsórcio que o recurso de um a todos os outros aproveita. O ponto nodal da questão está no caráter unitário do litisconsórcio. Assim, se a situação jurídica tiver de ser decidida uniformemente para vários litigantes em determinado pólo da demanda, a insurgência de um deles beneficiará os demais.

Barbosa Moreira, ao comentar referido dispositivo legal, ensina:

"A extensão subjetiva de eficá­cia, vale recordar, justifica-se pelo propósito de obstar à ruptu­ra da homogeneidade na discipli­na da situação litigiosa. A ratio

legis ministra o critério de dis­criminação dos recursos cuja in­terposição por um ou por alguns dos co-litigantes há de produzir efeitos quanto aos omissos. Essa extensão apenas ocorrerá quan­do o objeto do recurso e, portan­to, o resultado do julgamento pelo órgão ad quem, interessar dire­tamente à formulação da norma jurídica concreta a que deve sub­meter-se a situação litigiosa. Ti­ra-se daí que o recurso (indepen­dente ou adesivo) interposto por um ou alguns dos litisconsortes unitários é eficaz para os restan­tes:

a) quando a impugnação verse matéria pertinente ao próprio mérito da causa. Exemplo: na ação proposta pelos sócios A, B e C para anular deliberação da as­sembléia social, que reformou os estatutos, julgando improceden­te o pedido em primeira instân­cia, a apelação de A aproveita a B e a C;

b) quando a impugnação verse matéria que, estranha ao méri­to, se sujeita contudo, excepcio­nalmente, ao regime especial do litisconsórcio, por sua repercus­são na disciplina da situação liti­giosa. Exemplo: na ação propos­ta contra A, B e C para anular contrato em que são figurantes, mediante despacho saneador, em vez de extingui-lo desde logo (art. 329, combinado com o art. 267, n Q

V, fine), o agravo, que A sozinho interponha, surte efeitos igual­mente para B e C; na verdade, não poderia o tribunal prover o

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recurso para declarar apenas quanto ao agravante a existência da res iudicata sem pôr em ris­co, de imediato a imprescindível homogeneidade da regulamenta­ção" (Comentários ao Código de Processo Civil, v. V, Forense, 7ª ed., 1998, n. 213, pág. 380).

A propósito, aliás, decidiu esta Turma, no REsp nº 9.702-0-PR, re­lator o Ministro Barros Monteiro, DJ de 17.8.92, verbis:

"Devendo ser uniforme a decisão para os litisconsortes, o recurso por um deles interposto a todos aproveita. Aplicação do art. 509 do CPC".

No caso dos autos, a ação, ajui­zada com suporte no Código de Mi­neração, tem por finalidade apurar indenização e arbitrar renda para os proprietários e arrendatários de uma sorte de terras que englobaja­zida de areia quartzosa e argila, cuja exploração fora concedida à recorrida por concessão do Ministé­rio de Minas e Energia.

Após apurados os valores, recor­reram os requeridos visando: a) ao

exame do agravo retido contra de­cisão saneadora; b) ao aumento da indenização pela inclusão de valor correspondente à renda dos imóveis e das culturas neles produzidas, bem como à inutilização para fins agrícolas de toda a área objeto da concessão; c) à majoração do valor do metro quadrado apurado; d) à declaração de que eles teriam par­ticipação nos resultados da lavra; e) à modificação do valor dos honorá­rios periciais fixados pelo juiz.

Constata-se, portanto, que as insurgências eram comuns e não es­pecíficas a cada proprietário ou ar­rendatário. Assim, o que se decidir na apelação interposta pelos quatro litisconsortes passivos que não es­tavam representados pela advoga­da que retirou os autos de cartório antes da intimação oficial, aprovei­tará os outros dois, dada a situação peculiar da homogeneidade da dis­cussão posta nas razões recursais.

3. Em face do exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento para anular o acórdão, na parte em que não conheceu da apelação dos ora recorrentes, ensejando seu exame, salvo se outro pressuposto de ad­missibilidade o impedir.

RECURSO ESPECIAL Nº 102.259 - RJ

(Registro nº 96.0046926-1)

Relator: O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha Recorrente: Ilza de Paula Ramos Recorrido: Aloysio Gonçalves Leite - espólio Advogados: Drs. João Carlos Alves Massa e Luiz Geraldo Gonçalves Leite

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EMENTA: Civil. Família. Concubinato. Sociedade de fato. Par­tilha de bens. Serviço doméstico. Contribuição indireta.

A contribuição da concubina, para se ter por configurada a so­ciedade de fato, quando reconhecida a convivência more uxorio e a existência de bens adquiridos nesse período, pode decorrer das próprias atividades exercidas no recesso do lar e não apenas pela entrega de dinheiro ou bens ao companheiro.

Recurso conhecido e parcialmente provido nos termos do voto do relator.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos es­tes autos, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tri­bunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhe­cer do recurso e dar-lhe provimen­to parcial, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Ruy Ro­sado de Aguiar, Sálvio de Figueire­do Teixeira e Barros Monteiro. Au­sente, justificadamente, o Sr. Minis­tro Bueno de Souza.

Brasília, 25 de novembro de 1997 (data do julgamento).

Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Presidente. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, Relator.

Publicado no DJ de 06·04-98.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO CESAR AS­FOR ROCHA: A recorrente aforou "ação ordinária de reconhecimento de sociedade de fato" contra o espó­lio recorrido alegando que manteve durante mais de onze anos, com o

autor da herança, que era desqui­tado, uma união estável, em cujo pe­ríodo adquiriram os bens que arro­la, pelo que requereu o reconheci­mento da sociedade de fato e, em face do seu término pelo falecimen­to do companheiro, a partilha dos bens, concedendo-se à autora, ora recorrente, "o seu quinhão equiva­lente a 50% (cinqüenta por cento) de todo o patrimônio que foi amea­lhado durante a união estável com o inventariado" (fls. 6).

Em primeira instância, a ação foi julgada improcedente já que "o pa­trimônio relacionado não foi um produto do esforço comum, como também não restou clara a posição da autora na vida de Aloysio" (fls. 159).

A apelação foi parcialmente pro­vida como se depreende do seguin­te sumário:

"Extinta por morte a união es­tável, não faz jus a companheira supérstite à meação dos bens dei­xados pelo de cujus, se positiva­do ficou não haver ela contribuí­do efetiva e diretamente para a aquisição dos mesmos. Mas, em se tratando de união duradoura,

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com convivência more uxorio por longos anos, durante os quais a mulher dedicou-se inteiramen­te ao extinto consorte, cuidando do lar e da família, dando-lhe apoio moral e satisfação pessoal, é justo que se lhe garanta, a títu­lo de amparo social, o direito real de habitação, em caráter vitalí­cio, sobre o imóvel no qual com ele residia e onde ainda perma­nece morando." (fls. 190).

Daí o recurso especial em exame com base na letra c do permissor constitucional por sugerida diver­gência com o julgado desta Quarta Turma, da relatoria do eminente Ministro Barros Monteiro.

Sem resposta, o recurso foi admi­tido na origem.

Recebi o processo no dia 25 de se­tembro do corrente ano de 1997 e enviei-o para pauta em 13 de no­vembro.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO CESAR AS­FOR ROCHA (Relator): Recolho do r. aresto hostilizado as seguintes passagens:

"A autora pediu, em proprieda­de, 50% dos bens deixados por Aloysio Gonçalves Leite, com fun­damento em sociedade de fato, alegando haver mantido com ele união estável e colaborado para a aquisição do patrimônio here­ditário.

Dois aspectos cruciais, então, afloram em importância, ambos logicamente interligados.

De um lado, o problema da união estável. De outro, a contri­buição da Postulante na forma­ção do acervo amealhado pelo de cujus.

Só com a presença desses fa­tores é possível falar-se em so­ciedade de fato.

A matéria cognoscível subme­teu-se à regra do art. 333 do CPC, vale dizer, o ônus da prova toca­va à parte alegante. Traduzindo, à Autora incumbia provar a exis­tência da sociedade de fato bem como que colaborou com a forma­ção do patrimônio.

Os autos demonstram que da primeira tarefa ela se desincum­biu satisfatoriamente." (fls. 191).

E mais adiante:

" ... não pode o Tribunal igno-rar [ ... ] a existência de uma união realmente estável, more uxorio, que perdurou por mais de onze anos, durante os quais a Autora dedicou-se ao extinto companhei­ro, cuidando do lar, dando-lhe apoio moral, satisfação pessoal. Esse companheirismo verdadei­ro, essa convivência prolongada deve engendrar algum efeito a favor do parceiro supérstite. Não é justo que, depois de tanto tem­po, a mulher perca o consorte e fique sozinha, desvalida. Não é uma vantagem que se lhe deve garantir, mas um amparo" (fls. 193).

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Não obstante isso, concedeu à au­tora apenas o direito real de habi­tação sobre o imóvel indicado.

Apesar de sintético o confronto analítico, conheço do recurso pela divergência que resulta clara com relação ao REsp n Q 20.202-8/SP, des­ta Quarta Turma, da relatoria do eminente Ministro Barros Montei­ro.

É que o v. acórdão atacado, em­bora tenha reconhecido, conforme assinalado, "a existência de uma união realmente estável, more uxorio, que perdurou por mais de onze anos, durante os quais a Auto­ra dedicou-se ao extinto companhei­ro, cuidando do lar, dando-lhe apoio moral", não teve pela existência de uma sociedade de fato a fim de pos­sibilitar à recorrente ter direitô a uma parcela dos bens amealhados pelo casal na constãncia do concu­binato, porque "a autora, com par­cos rendimentos, não tinha como dar aporte de recursos ao extinto companheiro" (fls. 192).

Verifica-se, assim, que a douta decisão recorrida não deu a colabo­ração indireta prestada pela mulher no exercício da atividade domésti­ca o efeito de fazê-la partilhar dos bens amealhados pelo companhei­ro ao longo da vida em comum, mas apenas a ter o direito real de habi­tação sobre o imóvel que servira de morada para o casal.

Recolho do judicioso voto do emi­nente Ministro Barros Monteiro contido no v. aresto trazido a con­fronto, as seguintes preciosas colo­cações, que se ajustam com acurada harmonia à hipótese sob exame, a saber:

"Neste Superior Tribunal de Justiça, desde os primórdios de sua instalação, vem sendo procla­mada a admissibilidade da for­mação do patrimônio comum, en­tre os concubinos, mercê da con­tribuição indireta da companhei­ra, dando-se relevo, pois, à cola­boração efetiva da mulher para economia doméstica (REsp n Q

483-RJ, relator designado o Mi­nistro Nilson Naves, in "Juris­prudência do Superior Tribunal de Justiça e Tribunais Regionais Federais, "Lex", v. 20, págs. 62-75).

Em outro pronunciamento, a Eg. Terceira Turma desta Casa assentou a propósito do mesmo tema:

"Concubinato. Sociedade de fato. Partilha de bens.

O concubinato, só por si, não gera direito a partilha. N eces­sário que exista patrimônio constituído pelo esforço comum. Daí não se segue, entretanto, que indispensável seja direta essa contribuição para formar o patrimônio. A indireta, ain­da que eventualmente restri­ta ao trabalho doméstico, po­derá ser o bastante. (REsp n Q

1.648-RJ, relator Ministro Eduar­do Ribeiro, in RSTJ vol. 9, pág. 361).

Ressalte-se que, no caso em exame, o Acórdão recorrido não negou que a concubina tenha de qualquer forma, colaborado para o aumento do patrimônio do ca-

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sal. Antes, como já frisado acima, admitiu essa colaboração c. .. ) através do exercício das lides do­mésticas. A conclusão extraída pelo V. Acórdão é que não se com­padece com os fatos incontrover­sos coligidos no feito.

A diretriz supramencionada não se cinge ajulgados da C. Ter­ceira Turma, que aliás reiterara a orientação na oportunidade de julgamento do REsp n Q 33.291-0/ SP, relator Ministro Eduardo Ri­beiro. Também esta C. Quarta Turma tem esposado idêntico en­tendimento, de tal modo a refle­tir ajurisprudência hoje pacífica nesta Corte a respeito do tema. Assim é que no REsp n Q 38.657-8/SP, julgado em 22 de março p.p., o ilustre Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira lavrou a emen­ta seguinte:

'Constatada a contribuição indireta da ex-companheira na constituição do patrimônio ame­alhado durante o período de convivência more uxorio, con­tribuição consistente na reali­zação de tarefas necessárias ao regular gerenciamento da ca­sa, aí incluída a prestação de serviços domésticos, admissí­velo reconhecimento da exis­tência da sociedade de fato e do conseqüente direito à par­tilha proporcional.'

A participação, ainda que in­direta da concubina na formação do acervo patrimonial, restou ad­mitida no REsp n Q 1l.660-0/SP, de que foi relator por igualo Sr. Mi-

nistro Sálvio de Figueiredo Tei­xeira (julgamento em março de 1994).

Além disso, novo precedente ainda há pouco foi registrado nes­ta Turma:

"Concubinato. Sociedade de fato. Partilha dos bens.

A simples convivência more uxorio não confere direito à partilha de bens, mas a socie­dade de fato que dela emerge pelo esforço comum dos concu­binos na construção do patri­mônio do casal. Para a forma­ção de tal sociedade, contudo, não se exige que a concubina contribua com os rendimentos decorrentes do exercício de ati­vidade economicamente rentá­vel, bastando a sua colabora­ção nos labores domésticos, tais como a administração do lar e a criação e educação dos filhos, hipótese em que a sua parte deve ser fixada em per­centual correspondente à sua contribuição" CREsp n Q 45.886-2/SP, relator Ministro Antônio Torreão Braz).

Sendo assim, a recorrente faz jus à partilha dos bens adquiridos pelo esforço comum em percentual cor­respondente à sua contribuição, mes­mo indireta.

Como as instâncias ordinárias, por não terem admitido a existên­cia da sociedade de fato, não cuida­ram de aferir quais os bens adqui­ridos na constância do concubina­to, não se pode desde já fixar que

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parte dos bens do espólio cabe à re­corrente.

Deixo desde logo registrado, con­tudo, que se a recorrente entender que o valor apurado for menos pro­veitoso para ela que o que já lhe foi assegurado pelo acórdão recorrido (direito de habitação sobre o imó­vel indicado), poderá ela optar por isto, vale dizer, pelo direito de ha­bitação, a fim de se evitar que esta decisão importe em reformatio in pejus.

Diante de tais pressupostos, co­nheço do recurso pela divergência e lhe dou parcial provimento, nos termos acima explicitados, devol­vendo o processo ao juízo de primei­ro grau para reconhecer à recorren­te o seu direito a participar da par­tilha dos bens, em quantum a ser apurado em liquidação e no juízo de primeiro grau.

Pelo recorrido, custas e honorá­rios, estes fixados em 10% sobre o valor do que couber à recorrente.

RECURSO ESPECIAL NQ 118.449 - GO

(Registro n Q 97.0008609-7)

Relator: O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha

Recorrente: Marcílio Inácio de Sousa

Recorridos: Sueli Cândida da Silva e outros

Advogados: Drs. Irineu Batista e outro, e Ivo Vilela de Figueiredo e outro

EMENTA: Civil e Processual Civil. Sentença criminal absolutó­ria. Legítima defesa reconhecida. Efeito na pretensão indenizató­ria. Causa superveniente. Arts. 65/CPP, 160/CC e 741, VI/CPC.

A absolvição criminal com base em legítima defesa exclui a actio civilis ex delicto, fazendo coisa julgada no cível.

A absolvição no juízo criminal, pelo motivo acima apontado, posterior à sentença da ação civil reparatória por ato ilícito, im­porta em causa superveniente extintiva da obrigação, por isso que pode ser versada nos embargos à execução fundada em título judicial, na previsão do art. 741, VI, do Código de Processo Civil.

Recurso provido.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos es­tes autos, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tri­bunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhe­cer do recurso e dar-lhe provimen­to, nos termos do voto do Sr. Minis­tro-Relator. Votaram com o relator os Srs. Ministros Sálvio de Figuei­redo Teixeira e Barros Monteiro. Ausentes, justificadamente, o Sr. Ministro Bueno de Souza e, ocasio­nalmente, o Sr. Ministro Ruy Rosa­do de Aguiar.

Brasília, 26 de novembro de 1997 (data do julgamento).

Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente. Ministro CESAR AS­FOR ROCHA, Relator.

Publicado no DJ de 20-04-98.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO CESAR AS­FOR ROCHA: O recorrente opôs embargos à execução alegando nu­lidades do processo de conhecimen­to e da sentença e ocorrência de cau­sa superveniente extintiva da obri­gação.

É que ele se viu envolvido por cri­me de homicídio, mas, antes que fos­se levado a júri, as recorridas, de­pendentes da vítima, propuseram contra ele ação reparatória por ato ilícito.

Citado por edital, não compare­ceu para defender-se, por isso que

lhe foi nomeado curador, que con­cordou com a sua condenação.

A sentença cível condenatória transitou em julgado.

No juízo criminal, o recorrente foi absolvido já que excluída a ilicitu­de do fato, por ter sido reconhecida a ocorrência de legítima defesa.

Os embargos foram julgados im­procedentes em ambas as instân­cias ordinárias.

A uma (quanto à negativa de vi­gência aos arts. 160, I, do Código Ci­vil e 65 do Código de Processo Pe­nal), porque:

"com a sentença absolutória no crime, por excluída a ilicitude do fato, adquire o acusado um títu­lo judicial que pode ser apresen­tado como defesa nos embargos. Não é, porém, o simples fato de ter sido absolvido no crime que desconstitui o título executivo cível, visto que a indenização, para ser excluída, imprescinde da prova cabal da ausência de culpa do réu nesta ação.

N o campo cível, o conceito de responsabilidade é amplo, e a presença da culpa, ainda que leve, enseja a indenização. Resi­de, pois, a questão, na prova da inexistência de culpa do apelan­te. A este compete, exclusivamen­te o ônus probandi pois a culpa já foi definitivamente decidida na ação indenizatória.

Ainda que o art. 160, I, do Có­digo Civil, estabeleça não consti­tuir ato ilícito o praticado em le­gítima defesa, mister observar

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que, in casu, a culpa do apelan­te é certa. O só fato da absolvi­ção criminal não importa na ex­clusão da culpa, mesmo porque não se pode olvidar que a senten­ça criminal proferida por tribu­nal do júri (composto na maioria das vezes apenas por leigos), que tem por princípio dominante o da íntima convicção, muitas vezes tem por supedâneo o poder de convencimento exercido pelas partes acusadora e defensora.

Reforça este ponto de vista o fato de que o primeiro julgamen­to do apelante foi anulado por manifestamente contrário à pro­va dos autos (fls. 58/64). Nova­mente submetido a julgamento, foi mais uma vez absolvido (por­tanto, outra decisão contrária ao conjunto probante), mas, por for­ça do disposto no § 3Q

, do art. 593, do CPP, impossível outra apela­ção pelo mesmo fundamento." (fls. 148/149).

A duas (pela ofensa ao art. 469, IlI, do Código de Processo Civil), porque referido dispositivo "fala em questão prejudicial, decidida inci­dentalmente no processo, o que, a toda evidência, não é o caso aqui discutido" (fls. 152).

A três (no atinente à sugerida vulneração ao art. 741, I e lI, do Có­digo de Processo Civil), por não ter feito prova do quanto que alegara e porque nada teria dito quanto à ine­xigibilidade do título.

A quatro (referentemente à afir­mada afronta ao art. 741, VI), por­que a absolvição no juízo criminal,

em face do reconhecimento da ocor­rência de legítima defesa, não tor­na ineficaz o título executivo decor­rente da ação cível.

Os declaratórios, indicando omis­são por não se ter decidido sobre a nulidade da sentença prolatada no processo de conhecimento, decor­rente da concordância do curador com o pedido das ora recorridas ali formulado, e porque não recorrera da sentença condenatória, foram re­jeitados, à consideração de que essa matéria não foi agitada na apelação e nem seria conhecível de ofício.

Daí o recurso especial em exame com base nas letras a e c do per­missor constitucional por sugerida divergência com os julgados cujas ementas são transcritas e por ale­gada violação: a) ao art. 515, § 1Q

,

do Código de Processo Civil, por nada ter decidido sobre a questão referente à concordância do cura­dor, acima referenciada; b) aos arts. 160, I, do Código Civil, e 65 do Có­digo de Processo Penal, por ter sido afirmado que a legítima defesa, re­conhecida no juízo criminal, não exclui a culpa para fins de respon­sabilidade civil; c) ao art. 741, II e VI, do Código de Processo Civil, por não ter reconhecido a alegação de fato superveniente que torne inefi­caz o título executivo; d) ao art. 741, I, do Código de Processo Civil, por não ter sido admitida a nulidade da citação; e) aos arts. 265, VI, a, e 469, IlI, do Código de Processo Civil, por não ter sido proclamada a indis­pensabilidade do sobrestamento da ação civil até o julgamento da penal.

Devidamente respondido, o re­curso foi admitido na origem, tendo

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a douta Subprocuradoria Geral da República opinado pelo seu não co­nhecimento, de lá retornando o pro­cesso ao meu gabinete em 16 de ju­nho do corrente ano de 1997, sendo remetido para pauta no dia 10 de novembro.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO CESAR AS­FOR ROCHA (Relator): É certo que o Código Civil estabeleceu, como regra geral, no art. 1.525, a inde­pendência entre a responsabilidade civil e criminal.

Mas há hipóteses em que o jul­gado criminal repercute na ação ci­vil reparatória por ilícito criminal.

Uma delas é a de que trata o art. 65 do Código de Processo Penal se­gundo o qual faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhe­cer ter sido o ato praticado em legí­tima defesa.

Assim, a absolvição criminal com base nessa causa de exclusão da antijuridicidade exclui a actio ci­vilis ex delicto.

Aliás, esse mesmo entendimento pode ser extraído do art. 160, I, do Código Civil, que também exclui a responsabilidade pelo dano decor­rente da legítima defesa.

Desse modo, laborou em equívo­co o r. aresto hostilizado na medida em que adotou tese contrária, vio­lando, assim, as regras contidas nos arts. 65 do Código de Processo Pe­nal e 160, I, do Código Civil.

Com efeito, a absolvição no juízo criminal pelo motivo acima aponta­do - legítima defesa - posterior à sentença da ação civil reparatória por ato ilícito, importa em causa superveniente extintiva da obriga­ção, por isso que pode ser versada nos embargos à execução fundada em título judicial, na previsão do art. 741, VI, do Código de Processo Civil.

Diante de tais pressupostos, dou provimento ao recurso para, refor­mando os decisórios das instâncias ordinárias, julgar procedentes os embargos e extinta a execução, com a condenação dos recorridos nos ho­norários advocatícios fixados, pelas suas condições desfavoráveis, em R$ 500,00 e custas.

RECURSO ESPECIAL Nº 124.220 - MG

(Registro nº 97.0019165-6)

Relator: O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha

Recorrentes: Destilaria Lindóia Ltda. e outro

Recorridos: Maria de Conceição Belo Lisboa e outros

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Advogados: Drs. Osmar Brina Correa Lima e outros, Carlos Mário da Silva Velloso Filho e outro

Sustentação Oral: Dr. Carlos Mário da Silva Velloso Filho, pelos re­corridos

EMENTA: Civil. Doação de ascendente a descendente. Ausência de consentimento de um dos filhos. Desnecessidade. Validade do ato. Art. 1.171.

Não é nula a doação efetivada pelos pais a filhos, com exclusão de um, só e só porque não contou com o consentimento de todos os descendentes, não se aplicando à doação a regra inserta no art. 1.132 do Código Civil.

Do contido no art. 1.171 do Código Civil deve-se, ao revés, ex­trair-se o entendimento de que a doação dos pais a filhos é váli­da, independentemente da concordância de todos estes, devendo­se apenas considerar que ela importa em adiantamento da legíti­ma.

Como tal - e quando muito - o mais que pode o herdeiro ne­cessário, que se julgar prejudicado, pretender, é a garantia da intangibilidade da sua quota legitimária, que em linha de princí­pio só pode ser exercitada quando for aberta a sucessão, postu­lando pela redução dessa liberalidade até complementar a legíti­ma, se a doação for além da metade disponível.

Hipótese em que a mãe doou determinado bem a todos os fi­lhos, com exceção de um deles, que pretende a anulação da doa­ção, ainda em vida a doadora, por falta de consentimento do filho não contemplado.

Recurso não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos es­tes autos, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tri­bunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não co­nhecer do recurso. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Barros Monteiro e Ruy Rosado de Aguiar.

Ausente, justificadamente, o Sr. Mi­nistro Bueno de Souza. Impedido o Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira.

Brasília, 25 de novembro de 1997 (data do julgamento).

Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente. Ministro CESAR AS­FOR ROCHA, Relator.

Publicado no DJ de 13-04-98.

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RELATÓRIO

O SR. MINISTRO CESAR AS­FOR ROCHA: Os recorrentes Des­tilaria Lindóia Ltda. e seu sócio, João Maria Belo Lisboa promove­ram uma ação ordinária contra os recorridos, mãe e irmãos e cunha­dos do segundo recorrente, objeti­vando a anulação da escritura de doação pela qual a mãe do recorren­te doou aos demais réus 42 hecta­res onde se acha encravada a refe­rida "Destilaria Lindóia Ltda.", à consideração de que esse imóvel não mais lhe pertencia uma vez que ele já teria se incorporado à referida empresa ora recorrente pela só ra­zão de que as edificações efetuadas e os equipamentos lá existentes su­peraram em muito o valor da terra nua, motivo esse que também os le­vou a requererem a acessão de re­ferido terreno à recorrente Destila­ria Lindóia Ltda.

Em princípio, a ação foi julgada procedente em primeira instância, mas essa sentença foi reformada a fim de que fossem processadas as provas indicadas, já que houvera cerceamento de defesa.

Essa decisão foi prestigiada pelo então Desembargador Sálvio de Fi­gueiredo Teixeira (fls. 311), hoje eminente Ministro integrante des­ta Turma.

Baixado o feito à origem, e lá de­vidamente processado, nova senten­ça foi prolatada, desta vez dando­se pela improcedência da ação.

Ao apelar, os autores postularam pela nulidade da doação já aí pelo argumento de que o ascendente não

poderia, sem motivo justo, doar os seus bens para descendentes, exclu­indo um deles.

A sentença foi confirmada pelo ego Tribunal a quo.

No que diz respeito à nulidade da doação, a decisão foi por maioria, tendo o voto vencido considerado que, assim como, "os ascendentes não podem vender aos descenden­tes sem que os outros descendentes expressamente consintam", tam­bém não podem doar, que seria uma forma de alienação.

J á no atinente à acessão, a mes­ma foi negada, sem discrepância, com fincas em lição de Washington de Barros Monteiro, a saber:

"no regime anterior do Código, houve quem sustentasse não se operar acessão quando a constru­ção, ou plantação fosse de valor superior ao solo, hipótese em que o dono da construção, ou da plan­tação, adquiria o solo. Em face do Código, porém, a acessão proces­sa-se em favor do dono de imó­vel, de acordo com a regra acces­sorium sequitur suum princi­pale, sem que exerça qualquer in­fluência o valor das acessões" (Cur­so de Direito Civil, 3Q voI., Sarai­va, 27ª ed., pág. 120)." (fls. 6411642).

Para atacar a decisão no ponto re­ferente à acessão, foi interposto re­curso especial, a que foi negado se­guimento e improvidos os agravos de instrumento e interno (AgnQ 124.787/ MG), por decisões minha (monocrá­tica) e desta Quarta Turma, respec­tivamente.

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J á o tópico respeitante à doação, foram lançados embargos infringen­tes, conhecidos e desprovidos, por maioria.

Daí o recurso especial em exame, com base nas letras a e c do per­missor constitucional, por sugerida divergência com o julgado cuja ementa é transcrita (referente ao art. 458/CPC) e por alegada viola­ção aos artigos: a) 458 do Código de Processo Civil ("desconsideração do princípio jura novit curia"); b) 1.132 e 1.164 do Código Civil, por­que "se os ascendentes não podem vender aos descendentes ou permu­tar com eles valores desiguais nas circunstâncias descritas nos dispo­sitivos legais, com muito maior ra­zão não podem doar sem o consen­timento expresso de todos os des­cendentes" (fls. 730/731).

Após pedido de vista, o processo retornou ao meu gabinete em 25 de setembro do corrente ano de 1997 e indiquei-o para pauta no dia 14 de novembro.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO CESAR AS­FOR ROCHA (Relator): 1. O recur­so não pode ser conhecido pelas ale­gadas ofensas aos arts. 458 do Có­digo de Processo Civil e 1.164 do Código Civil, pois as normas neles insertas não mereceram a mais mí­nima interpretação por parte do acórdão recorrido.

Para que a matéria objeto do ape­lo nobre reste prequestionada, há

necessidade tanto que seja levanta­da pela parte quando da impetra­ção do recurso comum na Corte or­dinária, quanto que seja por esta efetivamente debatida ao decidir a apelação.

Ausente o debate, inexistente o prequestionamento, por isso que obstaculizada a via de acesso ao apelo excepcional.

2. O recurso também não pode ser conhecido pela pretendida dissen­são.

É que, além de o tema tratado pelo art. 458 do Código de Processo Civil não ter sido analisado pelo r. aresto recorrido, não foi observado o disposto no § 2Q do art. 255 do RISTJ, apresentando-se falha a comprovação da desinteligência dos julgados, sendo deficiente para evi­denciá-la a simples citação de emen­ta, quando não se trata, como no ca­so, de notória divergência, não ten­do o recorrente procedido à demons­tração analítica das circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados, impossibilitan­do a evidência da moldura fática norteadora das decisões que afir­mou discrepantes, pois é imprescin­dível para a caracterização do dis­sídio jurisprudencial, por lógico, que os acórdãos ostentadores de díspa­res conclusões hajam sido proferi­dos em idênticas hipóteses.

3. Aprecio agora a sugerida viola­ção ao art. 1.132 do Código Civil se­gundo o qual "os ascendentes não podem vender aos descendentes, sem que os outros descendentes ex­pressamente consintam".

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Não se pode dar a essa regra a extensão que, em verdade, ela não tem, para se ter também como nula a doação efetivada pelos pais a fi­lhos, com exclusão de um, só e só porque não contou com o consenti­mento de todos os descendentes. É que não se aplica à doação a regra inserta no art. 1.132 do Código Ci­vil.

Aliás, do contido no art. 1.171 do Código Civil deve-se, ao revés, ex­trair-se o entendimento de que a doação dos pais a filhos é válida, in­dependentemente da concordância de todos estes, devendo-se apenas considerar que ela importa em adi­antamento da legítima.

Como tal - e quando muito - o mais que pode o herdeiro necessá­rio, que se julgar prejudicado, pre­tender, é a garantia da intangibili­dade da sua quota legitimária, que em linha de princípio só pode ser exercitada quando for aberta a su­cessão, postulando pela redução dessa liberalidade até complemen­tar a legítima, se a doação for além da metade disponível.

Aplicar-se-ão, aí e então, as re­gras concernentes à redução das disposições testamentárias.

Nunca, porém, ter-se a doação por nula.

4. Diante de tais pressupostos, não conheço do recurso.

RECURSO ESPECIAL NQ 135.551- SP

(Registro nQ 97.0040023-9)

Relator: O Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar

Recorrente: Companhia Açucareira São Geraldo

Recorrida: Cooperativa de Produtos de Cana, Açúcar e Álcool do Esta­do de São Paulo - Copersucar

Advogados: Candido Rangel Dinamarco e outros, e Maria Cristina Irigoyen Peduzzi e outros

Sustentação Oral: Athos Gusmão Carneiro (pela recorrente) e Luiz Car­los Lopes Madeira (pela recorrida)

EMENTA: Cooperativa. Retirada de sócio. Quotas-partes. Paga­mento pelo valor histórico.

Recurso especial interposto apenas pela alínea a, não conhecido por falta de prequestionamento.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos es­tes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo­tos e das notas taquigráficas a se­guir, por unanimidade, não conhe­cer do recurso. Votaram com o Re­lator os Srs. Ministros Sálvio de Fi­gueiredo Teixeira, Barros Monteiro e Cesar Asfor Rocha. Ausente, jus­tificadamente, o Sr. Ministro Bue­no de Souza.

Brasília, 29 de outubro de 1997 (data do julgamento).

Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Relator.

Publicado no DJ de 19-12-97.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: A Companhia Açuca­reira São Geraldo promoveu ação ordinária de cobrança contra a Coo­perativa de Produtores de Cana, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo - Copersucar, alegando que se retirara da cooperativa em junho de 1989, recebendo a restituição das quotas-partes, que integralizou du­rante anos, sem qualquer correção monetária, na forma do disposto no art. 11 do Estatuto Social da ré. En­tende que tal cláusula estatutária é lesiva e anacrônica, cuja aplica­ção permitiu o enriquecimento sem causa da Cooperativa.

Ao contestar a ação, a Copersucar argüiu as preliminares de decadên-

cia, - porquanto a autora teria dado quitação, sem reclamar da di­ferença no prazo legal, - e a de prescrição em quatro anos para anular deliberação de assembléia geral. No mérito, enfatizou sua con­dição de sociedade civil sem fim lu­crativo, a adesão da autora aos seus estatutos, os benefícios fiscais que a autora obteve com as integraliza­ções, resultando do consenso a res­tituição das quotas sem correção.

A sentença julgou procedente a ação e condenou "a ré ao pagamen­to da diferença relativa à correção monetária dos valores das quotas restituídas à autora, desde as res­pectivas integralizações".

A ré apelou, tendo a ego 17ª Câ­mara Civil do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por vota­ção majoritária, dado provimento ao recurso, para julgar a ação impro­cedente. O voto majoritário, do em. Des. Oetterer Guedes, está assim fundamentado:

"Afasta-se desde logo as alega­ções de decadência e prescrição na ausência de quitação relativa à pretendida correção de preten­são ou desconstituição de qual­quer ato.

Não se desconhece as razões que fundamentam os votos de ilustres ministros do Superior Tribunal de Justiça. Todavia, não se vê como desprezar uma con­venção livre e aceita pelas par­tes.

Fala-se e argumenta-se com cláusula leonina. Mas, quando houve adesão, tal cláusula não era

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leonina, máxime tendo-se em mente que todas as cláusulas, em casos como o dos autos, são esti­puladas apenas por uma das par­tes. Por outro lado, a adesão po­deria ser recusada e, portanto, inocorre vício de vontade.

Na hipótese, a apelada quer a diferença de correção monetária do valor das quotas sociais, pa­gos pelo valor nominal, conforme estatutos da Cooperativa.

A adesão às normas da Coope­rativa não foi imposta, o Estatu­to não oferece dúvidas e, se hou­ve adesão, esta ocorreu por ofe­recer benefícios à apelada que poderia, como de fato fez, abrir mão de eventuais direitos, sem ofensa a qualquer dispositivo le­gal.

Cooperativa não traduz inves­timento de capital, pois esta visa a prestação de serviços, não fi­cando evidenciado que a Coope­rativa se beneficie da correção de seu capital.

Sem dúvida, os sócios podem se retirar. Todavia, não podem di­ficultar o funcionamento da Coo­perativa, mesmo porque o objeti­vo dos sócios são os serviços e vantagens que receberá enquan­to cooperado. Não é o lucro e nem a recuperação do capital investi­do.

Assim, o ingresso poderia ter sido recusado ou, exercendo seus direitos, ou seu direito de livre­mente contratar, desistir da cor­reção monetária, atendendo às normas da Cooperativa.

Optou pela segunda hipótese e não se vê como e nem por que re­clamar." (Fls. 575/756).

A autora opôs embargos infrin­gentes para fazer prevalecer o d. voto minoritário, do em. Des. Vicen­te Miranda:

"Devida a correção monetária.

É conhecida a doutrina domi­nante sobre a natureza e finali­dade da atualização monetária.

Visa ela somente a atualizar o valor monetário diante da infla­ção. Não interfere com a essên­cia do fato societário ou negociaI. Visa apenas a recompor o valor da moeda, a manter o valor real da quantia devolvida, a evitar que uma parte entregue à outra um simples valor nominal da obrigação.

A discussão sobre a natureza jurídica da Cooperativa-ré não al­tera a situação fático-jurídica do litígio.

Quer se destine a fins lucrati­vos quer não possua tal finalida­de, verdade é que recebeu ela cer­to valor na data do ingresso da autora. Agora, com a retirada desta, devolve-se o valor à asso­ciada, que se retira. Ora, a devo­lução pura e simples do valor his­tórico e nominal não constituiria verdadeira e real devolução. Tra­duziria mero ato simbólico, por­que entregaria à autora quantia afastada da realidade econômica na qual vivemos. É a razão pela qual essa devolução, para ser real,

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deve se sujeitar à correção mone­tária.

O Estatuto da suplicada, ao negar a atualização do valor das cotas, não impede a pretensão da autora.

Trata-se de contrato de adesão a que o associado se agrega, acei­tando, sem discussão, seus ter­mos. Não traduz, por óbvio, pac­to consensual com amplo e pré­vio debate das cláusulas forma­doras do contrato. A parte adere simplesmente a uma estrutura jurídico-econômica sem possibili­dade de modificar sua organiza­ção e suas regras.

Daí a razão pela qual o asso­ciado pode discutir judicialmen­te a validade de regra contratual ou estatutária que venha poste­riormente a lhe causar prejuízo ou dano.

Na espécie, bem concluiu o MM. Juiz sentenciante que a proibição da correção monetária constitui cláusula abusiva e leonina, sem validade, porque possibilita ver­dadeiro enriquecimento indevido à suplicada e impõe injustificado prejuízo à autora." (fls. 579/580)

A ego 17ª Câmara Civil do Tribu­nal de Justiça do Estado de São Paulo rejeitou os embargos, assim fundamentando o r. acórdão:

"2. A autora, que participou da fundação da ré, da qual foi coo­perada desde 1960, ao desligar­se de seu quadro social, emjunho de 1989, recebeu, em restituição,

os valores das quotas-partes in­tegralizadas sem correção mone­tária.

Daí a propositura da presente ação, que visa à cobrança da di­ferença correspondente à atuali­zação desses valores, com invoca­ção do artigo 159 do Código Civil.

A pretensão, no entanto, foi bem repelida pelo v. acórdão em­bargado, data venia do douto voto vencido.

Com efeito, o estatuto social vi­gente à época do desligamento da embargante - aprovado, diga-se de passagem, por unanimidade de votos, em Assembléia Geral à qual esteve presente o represen­tante legal da autora, então elei­to para o cargo de vice-presiden­te da cooperativa (fls. 364 e segs.) - dispõe expressamente, no pa­rágrafo primeiro de seu artigo 11, que 'a integralização das quotas­partes subscritas, desde a época de sua efetivação, assegura ao associado, em caso de demissão, eliminação ou exclusão, crédito equivalente ao respectivo valor nominal, sem correção monetá­ria, contra o capital social, não lhe assegurando nenhum direito a participação nas reservas de qualquer natureza'.

A embargante sustenta que se trata de cláusula leonina, sem va­lidade, por implicar em enrique­cimento ilícito da sociedade.

Sem razão, porém.

N a realidade, não se pode per­der de vista que a cooperativa é uma sociedade sui generis de

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pessoas 'que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem o objetivo de lucro' (art. 3º da Lei n. 5.764/71). Sua finalidade específica é a presta­ção de serviços aos associados, aos quais não pertence o capital social, nem mesmo na hipótese de dissolução (artigo 68, IV da cita­da lei).

Assim sendo e como bem ano­tado pela embargada, o capital aportado pelos cooperados não tem sentido de investimento, mas apenas objetiva propiciar à so­ciedade meios para consecução de seus fins, daí resultando que a contrapartida do sócio não é o lucro, nem a recuperação integral do capital aplicado, mas os servi­ços e vantagens que receberá en­quanto cooperado (fls. 620/621).

Dadas estas características da sociedade cooperativa, lícito era aos associados, com vistas à con­secução dos objetivos sociais, de­liberar que, em caso de demissão, eliminação ou exclusão do coope­rado, suas quotas seriam restitu­ídas sem correção monetária. A questão é de caráter meramente patrimonial, encerrando direito disponível pelas partes, não ha­vendo como afastar a disposição estatutária sem violação do prin­cípio da autonomia da vontade, que rege o direito contratuaL

Daí haver a Egrégia Décima Terceira Câmara Civil deste Tri­bunal concluído com acerto que 'cuidando-se de regra de caráter

nitidamente patrimonial, nada impede que os associados abram mão de direitos comuns, disposi­tivos, até mesmo porque infrin­gência inexiste de qualquer regra de direito cogente.

'É verdade que a correção mo­netária é mera atualização de va­lores não significando qualquer acréscimo na dívida. Não menos verdade, outrossim, que se trata de benefício de caráter patrimo­nial, sendo lícito aos contratan­tes desprezá-la, ainda que sejam eles os únicos prejudicados.'

'Inexistindo regra de direito co gente impondo a aplicação da correção monetária é perfeita­mente possível a subsistência da regra contratual que a dispense, ainda que prejudicial a um dos fi­gurantes e favorável a outro. En­tender o contrário seria compro­meter sem qualquer argumento jurídico o princípio geral da liber­dade contratual.' (Apelação Cível nº 205.879-2, São Paulo).

Neste sentido, decidiu este E. Tribunal na Apelação Cível nº 256.226-2, de São Paulo, que 'ao associado que voluntariamente aderiu, implicitamente, aos 'pro­pósitos sociais', e, notadamente, aos termos estatutários, sem qualquer restrição, por ocasião de seu ingresso na sociedade, desca­be pretender, unilateralmente, alterar disposição estatutária expressa. E, tampouco, compete ao Judiciário, ao ensejo de inter­pretá-la, determinar que se faça ou se proceda de modo diverso ou contrário do que restou definido

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e estabelecido no respectivo es­tatuto da cooperativa, que, a ter­mo legal, permanece subordina­do, na parte normativa, ao Con­selho Nacional de Cooperativis­mo, ressalvadas as exceções ex­pressamente previstas.'

E, igualmente, na Apelação Cível nº 257.779-2, de São Paulo, ficou assentado que 'não se nega que a correção monetária não constitui um plus, mas mera atua­lização do valor da moeda avilta­da pela inflação. Todavia, à evi­dência, podem os associados, pelo princípio da autonomia da von­tade, aprovar em Assembléia Ge­ral Extraordinária regra estatu­tária de dispensa da correção monetária das quotas-partes nos casos de demissão, eliminação ou exclusão, em benefício da socie­dade civil da qual fazem parte, não havendo qualquer afronta a dispositivo de ordem pública.'

N em se diga que a alteração introduzida no estatuto social, excluindo expressamente a corre­ção monetária das quotas-partes, não seria aplicável a período an­terior, sem afronta ao princípio de resguardo do direito adquiri­do.

É que, em primeiro lugar, o es­tatuto anteriormente vigorante não previa a correção monetária das quotas-partes, no caso de de­missão do sócio (cf. fl. 36); por ou­tro, a alteração de disposições contratuais, convencionada pelas partes com amparo no princípio da autonomia da vontade, não en­contra óbice na regra do resguar-

do do direito adquirido, que diz respeito à aplicação de disposição legal. Por isso, é aplicável à es­pécie a disposição vigente à data em que o cooperado se desligou da sociedade." (Fls. 642/647).

Rejeitados os embargos de decla­ração, a autora ingressou com re­curso especial pela alínea a, alegan­do negativa de vigência aos artigos 159 e 940 do CC; 37, inciso IH, da Lei nº 5.764/71; 4º e 6º do Decreto­Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942; 131,332 e §§, 333, inciso H, 535 e §§, do CPC. Diz a recorrente que "o recurso especial tem duas li­nhas mestras: a primeira volta-se contra a afronta cometida pelo v. acórdão ao direito adquirido da re­corrente; a segunda funda-se no enriquecimento sem causa presti­giado pelo Tribunal a quo. Apresen­ta as seguintes teses: a) - ao con­trário do que a recorrida afirma, as despesas operacionais (inclusive aquelas relativas ao desenvolvi­mento de tecnologia) eram pagas à parte e não tinham qualquer rela­ção com o valor integralizado pela recorrente; não tendo a recorrida prova de que fornecera serviços e vantagens ao cooperado, houve ofensa ao art. 333, H do CPC; da falta de prova sobre esse ponto, re­sultou vulneração aos arts. 332 e seguintes do CPC; b) ao entender que as partes poderiam livremente pactuar acerca da correção monetá­ria, o v. acórdão ofendeu disposições legais (art. 159 do CC; 4º, a, LICC); c) inexiste quitação (art. 940 do CCivil); d) é lesiva a cláusula de contrato de adesão que exclui a atua-

290 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998.

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lização da dívida; e) ao tempo de seu ingresso na cooperativa, inexistia a cláusula restritiva, daí o seu direi­to adquirido de receber de forma atualizada (art. 69 da LICC); f) a au­sência de correção propiciará o en­riquecimento ilícito da ré; g) assim como acontece com os consórcios, as quotas das cooperativos devem ser restituídas devidamente corrigidas; h) foi negada vigência ao disposto no art. 37, IH da Lei 5.764/71, ini­bindo a retirada do cooperado.

N o decorrer de seu arrazoado, a recorrente afirma que a circunstân­cia de ser ou não uma sociedade ci­vil não dá direito a qualquer pes­soa de pagar menos do que deve. No caso, a Copersucar é um imenso grupo econômico, detentor de vasto patrimônio, inclusive com empresas regidas pela Lei das Sociedades Anônimas, e atua exatamente como qualquer outro conglomerado, obje­tivando lucro e melhor posição no mercado. O manto da sociedade sui generis não tem o condão de auto­rizar o enriquecimento sem causa, mesmo porque ele não existe em relação à ré.

N as contra-razões, insiste a re­corrida em que o capital integrali­zado pelos sócios não é um investi­mento, apenas objetiva propiciar à sociedade os meios para a consecu­ção de seus fins; a retirada desse capital, devidamente corrigido, in­viabilizaria a existência da socieda­de. Os recursos não aplicados em seus ativos e despesas, já foram de­volvidos aos cooperados, sob forma de adiantamentos; a contrapartida

do sócio, nas sociedades cooperati­vas, não é o lucro, nem a recupera­ção integral de seu capital, mas os serviços e as vantagens que irá re­ceber enquanto cooperado.

Inadmitido o recurso especial na origem, manifestou-se o Agravo de Instrumento n 9 133.032/SP (autos apensos), provido para melhor exa­me.

Recebi substanciosos memoriais das partes.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR (Relator): 1. A recor­rente afirma que o art. 11 do Esta­tuto da Cooperativa é abusivo, en­sejando o enriquecimento injusto da entidade.

O v. acórdão recorrido, porém, ne­gou essa qualificação, e para chegar a tal conclusão fez a interpretação do contrato social, apreciando suas cláusulas, a finalidade e o funcio­namento da entidade. Essa asserti­va, constante do julgamento profe­rido nos embargos infringentes, po­deria ser reexaminada em recurso especial fundado exclusivamente na alínea a do permissivo constitucio­nal caso demonstrado que tal abu­sividade resultava de ofensa a al­gum preceito legal, uma vez que a simples interpretação da cláusula dentro do contexto do contrato e das circunstâncias em que ele foi rom­pido não poderia servir de funda­mento ao recurso.

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No caso, a recorrente apontou para o art. 159 do CCivil, que trata do ilícito absoluto, dizendo que ali estava a proibição do abuso (o art. 4º da LICC não foi prequestionado). É certo que aquela regra constitui uma cláusula geral de responsabi­lidade civil dentro do sistema, mas pressupõe a prática de um ato cul­poso cometido por aquele a quem se atribui a responsabilidade de inde­nizar o dano. Bem se vê que não é disso de que se trata nos autos, nem assim foi visto o referido preceito legal, seja pela recorrente, seja pe­las instâncias ordinárias, que nada disseram sobre responsabilidade civil. Segundo a autora, o abuso ensejaria enriquecimento ilícito, que estaria vedado pelo disposto no art. 159. O enriquecimento injusto é defeso no nosso ordenamento, mas o seu suporte legal, no âmbito do Código Civil, está no art. 964, into­cado pelas partes. Por isso, o art. 159 do CCivil não nos auxilia a en­contrar uma solução para a lide, assim como posta.

Ainda segundo a recorrente, o abuso resultaria do confronto da cláusula 11 com a norma do art. 37, UI, da Lei 5.764/71, que instituiu o regime jurídico das entidades coope­rativas. De minha parte, ainda po­deria lembrar o disposto no art. 73 da mesma lei, que prevê o reembol­so dos cooperados até o valor (pre­sume-se real) de suas quotas-partes, em caso de dissolução. Acontece que o art. 37 não foi examinado pelo ego Tribunal, nem o tema lhe foi propos­to pela autora, quando de suas con­tra-razões de apelação, daí a ausên­cia do prévio prequestionamento.

N o seu fundamentado memorial, assinado pelo em. jurista Athos Gus­mão Carneiro, que até há pouco en­grandeceu este Tribunal, de quem, honrado, visto a toga e ocupo a ca­deira, demonstrou exaustivamente a constante orientação deste Tribu­nal em assegurar a correção mone­tária das prestações em dinheiro, citando as Súmulas 8, 14, 16,29,35, 37,43,67,141 e 148, além de julga­dos. Porém, o recurso veio apenas pela alínea a, sem pretender a par­te, quando ofereceu a sua irresig­nação, fundá-la também na diver­gência.

Outro ponto abordado no recur­so diz com a aplicação do art. 6º da Lei de Introdução ao Código Civil, que ao menos implicitamente foi examinado nos embargos infringen­tes, tendo a ego 17ª Câmara Civil do TJSP considerado que a alteração contratual "não encontra óbice na regra de resguardo do direito adqui­rido". Houve, como se vê, prévio exa­me do tema, mas não encontro ra­zão para modificar o aresto. É que a alteração resultou de decisão unâ­nime de assembléia geral da qual participou o representante legal da autora, então eleito para o cargo de vice-presidente. Nesse caso, concor­rendo a autora com a sua vontade para alterar o contrato, não pode vir alegar ofensa a um direito que ela mesma tratou de modificar. Incide a teoria dos atos próprios.

As regras sobre prova (arts. 131, 332, 333 do CPC) não foram invo­cadas pela autora nas suas contra­razões de apelação, não constituíam ponto que necessariamente deves-

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se ser objeto da atenção da Câma­ra, daí porque extemporânea a sua apresentação apenas a partir do jul­gamento de fl. 575. De qualquer modo, sobre a alegada necessidade de provar o fato de que a cooperada pagava pelos serviços e benefícios recebidos, é preciso dizer que ape­nas constituía matéria para argu­mento de reforço utilizado pelos jul­gadores, daí a sua irrelevância. Tan­to que a prova desse fato, a autora se dispôs a fazer em liquidação (fl. 400), sinal de que não esperava, menos exigia, ficasse provado já agora por iniciativa da ré.

A ego Câmara afirmou que a au­tora, ao se desligar do quadro so­cial da ré, "recebeu em restituição os valores das quotas-partes inte­gralizadas sem correção monetária" (fl. 642). Repetiu o que a autora já admitira na sua petição inicial: "O procedimento adotado pela ré, de restituir pelo valor histórico o cré­dito ao qual a autora tem direito, constituiu verdadeiro enriqueci­mento sem causa" (fl. 5). Sendo as­sim, sem realce a existência da qui­tação, pois não é sobre isso que ain­da litigam as partes - sobre a qui­tação do valor histórico - mas sim a respeito da insuficiência do paga­mento feito.

Por fim, a recorrente deixou de indicar as razões pelas quais consi­derou omisso o julgamento dos em­bargos de declaração, pelo que não examino essa sua manifestação, fei­ta genericamente no final de seu erudito arrazoado.

Observo que nesta 4ª Turmajá foi julgado recurso versando sobre re-

tirada de associado da mesma coo­perativa, ao qual a instância ordi­nária deferira correção monetária, - o que não me parece seja contrá­rio à lei, - mas naquele caso o re­curso não foi conhecido, entre ou­tras razões, porque o estatuto so­cial, àquele tempo, antes de 1987, não continha cláusula determinan­do a devolução pelo valor histórico. Constou do voto que proferi no REsp 101.409/SP: "E se esse patrimônio não é corrigido contabilmente, nem por isso se pode proibir, à falta de lei ou de cláusula estatutária, que o seja a quota do sócio que se reti­ra".

Por tudo isso, não conheço do re­curso.

É o voto.

VOTO

O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: Srs. Ministros, as cir­cunstâncias peculiares da espécie conduzem-me, também, a acompa­nhar o pronunciamento do Eminen­te Ministro-Relator não conhecen­do do recurso.

Para ficar apenas nas duas linhas mestras referidas no recurso espe­cial manifestado, penso igualmen­te que não se pode falar no caso em direito adquirido, em virtude de ter a própria autora participado, com sua presença, para a alteração do contrato.

N o que diz respeito ao art. 159 do Código Civil, parece-me também impertinente à espécie debatida, mesmo porque não diz respeito ao

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alegado enriquecimento sem causa, mas sim à responsabilidade daque­le que causou dano a outrem.

Não vejo, tal como os Srs. Minis­tros Relator e Sálvio de Figueiredo Teixeira, qualquer ofensa à lei in­fraconstitucional invocada.

VOTO

O SR. MINISTRO CESAR AS­FOR ROCHA: Sr. Presidente, tam­bém acompanho o eminente Rela­tor e os demais eminentes Ministros que o acompanharam, mas devo di­zer que, como destacado pelo Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Tei­xeira, fiquei muito impressionado, no primeiro momento, com a deci­são, ora recorrida, que não deu pela incidência da correção monetária na devolução de uma importância que fora entregue em 1960. Está tão consolidado nesta Corte o entendi­mento de que a correção monetária não importa num acréscimo que se faz, mas numa diminuição que se evita, que tive a impressão, inicial­mente, que a questão teria sido mal destramada pela decisão recorrida.

Todavia, vejo, como destacado pelo eminente Ministro-Relator, que o feito tem muitas peculiaridades, exatamente por envolver uma coo­perativa da qual se pretende a de­volução de uma importância utili­zada para a formação dessa entida­de. Que, como se sabe, tem apenas como finalidade a contraprestação de serviços aos seus associados e aquela importância inicialmente entregue não se destina a emprés-

timos a serem posteriormente fei­tos, nem para aquisição de bens.

Conseqüentemente, todos os pre­cedentes desta Corte, atinentes à correção monetária trazidos à cola­ção, não têm aplicação à questão sob exame.

Por outro lado, não estranho, data venia, o fato de aquele que permanecer mais tempo como asso­ciado receberá uma importância que tem o seu valor aquisitivo menor do que aquele que permanecer por menor período. É certo que isso ocorre, mas é preciso perceber que o associado que permaneceu maior tempo na cooperativa, se por um lado está recebendo, quando de sua saída, uma quantia efetivamente menor, por outro lado foi, certamen­te, mais contemplado com os servi­ços prestados pela cooperativa. Afi­nal, é a esse objetivo que ela se pres­ta.

Ademais, impressiona-me o argu­mento de que a devolução sem cor­reção importaria em enriquecimen­to ilícito. Creio, contudo, que, ape­nas por isso, a devolução sem cor­reção não importaria em enriqueci­mento ilícito, exatamente, porque no período em que a recorrente es­tava associada foi, por certo, con­templada com os serviços prestados pela cooperativa. Quanto mais tem­po permaneceu associada, mais be­nefícios recebeu.

Com esses adendos, acompanho o voto do Sr. Ministro-Relator e dos demais Srs. Ministros que o suce­deram.

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RECURSO ESPECIAL NQ 137.802 - RJ

(Registro n Q 97.0043821-0)

Relator: O Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar Recorrentes: Ela Transportes e Comércio Ltda. e Ormec Engenharia

Ltda. Recorridos: Indústria Emanoel Roeeo S/A Fundição Máquinas Papel e

Papelão, e os mesmos Advogados: Roberto Benjo e outros, Onurb Couto Bruno e outros, e Ma­

noel Benedicto Lima

EMENTA: Transporte. Responsabilidade. Estiva. Mau acondi­cionamento da máquina. Culpa do transportador. Responsabili­dade solidária. Cláusula 'posto fábrica'.

Participando o fabricante da máquina também do trabalho de estiva, acondicionando no caminhão transportador a máquina "furadeira" com 12.000 kg, e reconhecido que tanto o carregamento feito pelo fabricante quanto o transporte foram executados com culpa, o fabricante (carregador) e o transportador respondem so­lidariamente pelos danos decorrentes de acidente acontecido durante o transporte. Tendo o fabricante realizado os trabalhos de acondicionamento da máquina, a cláusula constante do con­trato "posto fábrica" não o desonerou da responsabilidade pela má estiva.

Art. 1 Q, incisos 4 e 6, do Dec. 2.681/1912. Art. 168 do Dec. 51.813/63.

Primeiro recurso da transportadora não conhecido. Conhecidos o segundo recurso da transportadora e o da autora (adquiren­te), e providos.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos es­tes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo­tos e das notas taquigráficas a se­guir, por unanimidade, não conhe­cer do recurso interposto por Ela Transportes Comércio Ltda., conhe­cer do segundo recurso interposto pela mesma, bem assim o recurso interposto por Ormec Engenharia

Ltda. e lhes dar provimento. Vota­ram com o Relator os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira, Bar­ros Monteiro e Cesar Asfor Rocha. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Bueno de Souza.

Brasília, 29 de outubro de 1997 (data do julgamento).

Ministro BARROS MONTEIRO. Presidente. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Relator.

Publicado no DJ de 16-03-98.

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RELATÓRIO

O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: Ormec Engenharia Ltda. propôs contra Ela Transpor­tes e Comércio Ltda. (transportado­ra) e contra Indústrias Emanoel Rocco S/A (fabricante) ação de re­paração de danos causados em uma máquina "furadeira", pesando 12 toneladas, fabricada pela segunda ré, que se desprendeu das amarras durante o transporte rodoviário en­tre a sede da fabricante (Rocco) e o estabelecimento da autora e adqui­rente (Ormec). Pediu a condenação solidária das duas empresas deman­dadas ao integral ressarcimento dos danos, inclusive com a devolução dos salvados.

Apresentada exceção de incompe­tência, a ego 2ª Câmara do TJ fixou como competente o Foro de Volta Redonda/RJ, conforme cópias de fls. 189/199.

Houve denunciação da lide à Se­guradora Brasil Companhia de Se­guros Gerais, à Cigna Seguradora S/A, à Amazonas Seguradora S/A e à Secoa Seguros S/A.

Nos apensos há exceção de in­competência e agravo de instrumen­to, apreciados pelo ego TJ, que defi­niu a Comarca de Volta Redonda/RJ como competente para o processo.

A sentença julgou extinto o pedi­do de reparação de danos contra a fabricante (art. 267, inciso VI, do CPC), admitindo a sua ilegitimida­de passiva. Também julgou extinta, por falta de objeto, a denunciação da lide que ela fizera à seguradora Brasil Cia. de Seguros Gerais, com

a condenação da denunciante ao pagamento de honorários advoca­tícios à litisdenunciada.

De igual modo, julgou extinto o pedido de devolução dos salvados, por faltar à autora interesse proces­sual, considerando que não restou comprovada a efetiva recusa da se­gunda ré em devolvê-los, até porque eles estariam à disposição da Supli­cante.

Finalmente, a sentença julgou procedente o pedido contra a trans­portadora, condenando-a a indeni­zar a autora em danos emergentes e lucros cessantes, tudo a ser apu­rado em liquidação de sentença, com incidência de correção monetá­ria a partir do evento. Condenada, outrossim, nas custas processuais e honorários advocatícios. Também acolheu o pedido de denunciação da lide das Seguradoras Cigna Segu­radora S/A, Amazonas Seguradora S/A e Alcoa Seguradora S/A.

Foram opostos embargos de de­claração pela Alcoa Seguradora S/A e Ormec Engenharia Ltda. (fls. 1.040 e 1.043/1.045), acolhidos para alteração da sentença (fls. 1.041/ 1.041 vQ e 1.046/1.046vQ

).

Ela Transportes e Comércio Ltda. (fls. 1.049/1.060), Alcoa Segurado­ra S/A (fls. 1.061/1.067), Cigna Se­guradora S/A e Amazonas Segura­dora S/A (fls. 1.069/1.075) e Ormec Engenharia Ltda. (fls. 1.078/1.086) apelaram e, adesivamente, a empre­sa Indústrias Emanoel Rocco S/A (fls. 1.088/1.092).

A ego 7ª Câmara do Tribunal de Alçada Cível do Estado do Rio de J a-

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neiro, por votação majoritária, deu parcial provimento à apelação da autora (4ª apelação), para incluir na condenação a fabricante; ainda por maioria, negou-lhe o direito aos sal­vados, mantendo nessa parte a sen­tença; quanto ao mais, conheceu das outras apelações, inclusive o recur­so adesivo, mas lhes negou provi­mento, em acórdão assim ementa­do:

"Ação de responsabilidade ci­vil por dano causado a equipa­mento de grande porte quando de seu transporte ao local de desti­no. As provas documental e oral conduzem ao reconhecimento de responsabilidade solidária da fa­bricante do equipamento e da transportadora. Entendeu a Câ­mara, por maioria, dar provimen­to ao quarto recurso para conde­nar solidariamente também a Empresa fabricante do equipa­mento. Improvidas as demais apelações, inclusive o recurso ade­sivo. No mais, mantida a senten­ça." (fl. 1.246).

Indústrias Emanoel Rocco S/A opuseram embargos de declaração, acolhidos para condenar a denun­ciada Brasil Cia. de Seguros Gerais ao pagamento dos honorários advo­catícios, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor que for obri­gado a pagar. (fls. 1.271/1.273).

Os embargos de declaração opos­tos pelas denunciadas Alcoa Segu­radora S/A, Cigna Seguradora S/A e Amazonas Seguradora S/A foram rejeitados (fls. 1.274/1.276).

Foram interpostos dois embargos infringentes. No primeiro, com base no voto vencido do em. Dr. N asci­mento Vaz, Ormec Engenharia Ltda. (fls. 1.278/1.283) pleiteia a modifi­cação do acórdão no ponto em que o mesmo prestigiou a sentença, que considerou não ter a autora compro­vado tivesse havido recusa por par­te da segunda ré em devolver os salvados.

N o segundo, a Indústria Emanoel Rocco S/A, com sustento no voto vencido do em. Dr. Gualberto Mi­randa, afirmou "que ao condená-la solidariamente, presumindo uma solidariedade inexistente, o v. acór­dão embargado desconsiderou uma claríssima cláusula contratual inal­terada - venda posto-fábrica -, fez tábula rasa da insofismável e abun­dante prova produzida nos autos, esteou-se no depoimento do princi­pal culpado pelo evento e negou vi­gência a toda uma série de precei­tos legais pertinentes, como referi­do ao longo destas razões, pelo que não pode, data venia, subsistir." (fls. 1.285/1.299).

O ego 3º Grupo de Câmaras do Tribunal de Alçada Civil do Estado do Rio de Janeiro acolheu os primei­ros embargos, à unanimidade e re­conheceu o direito de a autora rece­ber os salvados; por maioria, aco­lheu os segundos, excluindo a res­ponsabilidade da fabricante, em acórdão assim sumulado:

"Responsabilidade civil. Trans­porte rodoviário. Dano em má­quina de grande porte. Respon­sabilidade exclusiva do trans-

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portador. Cláusula FAF (free alongside factory) ou posto fábri­ca, que isenta o fabricante da obrigação de proceder à estiva, o embarque e da obrigação por qualquer risco ou sinistro da má­quina até chegar ao comprador.

Inexistência de solidariedade: a solidariedade ou resulta da lei ou do contrato (art. 896, Cód. Ci­vil).

Salvados: Encontrando-se o equipamento acidentado no esta­belecimento do fabricante, para onde foi levado de volta, cumpre­lhe devolver os 'salvados' ao com­prador, pois dele recebeu o pre­ço." (fl. 1.348).

Há nos autos três recursos espe­ciais.

O primeiro foi interposto pela transportadora Ela S.A. contra o julgado proferido na apelação, onde, por unanimidade, ficou reconheci­da a sua responsabilidade solidária. Alega violação ao disposto no art. 1º, itens 4º e 6º do Dec. 2.68111912, que isenta o transportador em situa­ção como a dos autos, o que também está referido no art. 168 do Dec. 51.813/63. O art. 896 do CCivil as­segura que a solidariedade não se presume, resultando apenas da lei ou da vontade das partes. Traz em seu abono lição da doutrina e um precedente, citado por ementa, so­bre culpa concorrente em acidente de trânsito.

Contra o acórdão proferido nos embargos infringentes, a transpor­tadora Ela SI A ingressou com um segundo recurso especial, por am-

bas as alíneas, alegando ofensa ao art. 100 do CComercial, que dispõe sobre a responsabilidade do carre­gador e do condutor, e ao art. 1 º, itens 4º e 6º do Dec. 2.681/1912, além de divergência com o RE 30.937/DF.

A autora também ajuizou recur­so especial, pelas alíneas a e c do permissivo constitucional, por nega­tiva de vigência aos arts. 100 e 101 do Comercial, e 1.518 do CCivil, além de dissídio com julgado publi­cado na RT J 1/680.

O primeiro recurso especial inter­posto por Ela Transportes e Comér­cio Ltda., contra o acórdão da ape­lação (fls. 1.301/1.314) e o recurso de Ormec Engenharia Ltda. (fls. 1.36111.370) foram declarados de­sertos por insuficiência de preparo (FI. 1.381).

Contra a decisão que julgou de­sertos os dois recursos especiais, e contra a que inadmitiu o segundo recurso de Ela, as partes agravaram de instrumento, todos providos, su­bindo os autos.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR (Relator): 1. Reitero o julgamento proferido nos agravos de instrumento, afastando o decre­to de deserção de um dos recursos da transportadora Ela e do espe­cial de Ormec, autora, uma vez que houve simples insuficiência no re­colhimento do numerário destinado ao preparo, o que tem sido considera­do irrelevante por esta ego 4ª Turma.

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2. A primeira inconformidade de EUa Transportadora é com a sua condenação, como responsável soli­dária pelos danos causados à carga que transportava, o que ficou defi­nido na instância ordinária já no julgamento da apelação. Assegura que, nos termos da legislação apli­cável ao caso (arts. 1 Q do Dec. 2.681/ 1912,168 do Dec. 51.813/63), o trans­portador não responde pelo caso for­tuito ou força maior, nem quando a avaria deriva do mau acondiciona­mento da mercadoria, feito pelo seu remetente.

Ocorre que o v. acórdão admitiu expressamente a participação cul­posa também da transportadora, como se extrai da seguinte passa­gem: "Bem patente, encontra-se con­figurada a participação culposa das duas empresas (fabricante e trans­portadora) que assumiram solidaria­mente a responsabilidade no trans­porte, cada qual comprometida :pe­las circunstâncias de fato j á salien­tadas e comprovadas" (fl. 1.258).

Assim definidos os fatos, não há como fazer prevalecer as ressalvas previstas na lei, porquanto não ad­mitida na instância ordinária a cau­salidade única de algum desses fa­tores, em especial do mau acondicio­namento da mercadoria.

Concorrendo culposamente para o dano, a transportadora responde solidariamente, nos termos do art. 1.518 do CCivil.

3. O segundo recurso da trans­portadora Ela S/A, e o da autora, Ormec Engenharia Ltda., contra o julgamento dos infringentes, têm o objetivo único de restabelecer a res-

ponsabilidade solidária da fabrican­te, reconhecida pelo v. acórdão que julgou a apelação.

Penso que têm razão.

Celebrada a compra e venda mer­cantil com a cláusula "posto fábri­ca" - free alongside factory, dela não decorre necessariamente que a estiva devesse ser realizada sob a responsabilidade única da transpor­tadora. Nas circunstâncias dos au­tos, tratava-se de uma máquina com 12.000 kg, que não foi nem poderia ter sido movimentada pelo motoris­ta do caminhão, preposto da trans­portadora, o qual não dispunha de força física nem de conhecimento técnico para tanto. Na verdade, "a estiva foi realizada por pessoas da própria fabricante", como afirmado no acórdão de fl. 1.256, tendo a mes­ma empresa celebrado contrato de seguro sobre a mercadoria, inclusi­ve pela "má estiva" (apólice de se­guro de fl. 34). Nesse contexto, não podendo a máquina ser movimen­tada e instalada no caminhão senão com a participação dos prepostos da fabricante, o que realmente aconte­ceu, e tendo ela o cuidado de se res­guardar quanto aos riscos da má estiva, não há como não considerá­la no desempenho das funções de carregador, assumindo a responsa­bilidade pelo mau serviço. Da sua concorrência causal decorre a res­ponsabilidade solidária definida na regra geral do art. 1.518 do CCivil, acima invocada em relação à trans­portadora.

Isso em nada contraria a regra de que os riscos do transporte são do transportador, pois estamos a tra-

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998. 299

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tar do defeito no carregamento, exe­cutado pela fabricante.

Acredito que, de um modo geral, tratando-se de mercadorias que exi­jam tratamento especial para serem acondicionadas e preparadas para o transporte da sede do estabeleci­mento fabricante, nada mais razoá­vel do que esperar deste o cuidado de entregar a mercadoria em con­dições de bom transporte.

Tudo o que se disse a respeito da tradição também em nada afeta essa conclusão, pois na entrega do bem é que teria havido a negligên­cia.

Assim, o v. acórdão deixou de aplicar ao caso a regra do art. 1 º, itens 4º e 6º do Dec. 2.681/1912, e a do art. 168 do Dec. 51.813/63, que dispõem:

"Art. 1 º - As estradas de fer­ro serão responsáveis pela perda total ou parcial, furto ou avaria das mercadorias que receberem para transportar.

Será sempre presumida a cul­pa e contra esta presunção só se admitirá alguma das seguintes provas:

1 ª - caso fortuito ou força maior;

2ª - que a perda ou avaria se deu por vício intrínseco da mer­cadoria ou causas inerentes à sua natureza;

3ª - tratando-se de animais vivos, que a morte ou avaria foi conseqüência de risco que tal es­pécie de transporte faz natural­mente correr;

4ª - que a perda ou avaria foi devida ao mau acondicionamen­to da mercadoria ou a ter sido en­tregue para transportar sem es­tar encaixotada, enfardada ou protegida por qualquer outra es­pécie de envoltório;

5ª - que foi devido a ter sido transportada em vagões desco­bertos, em conseqüência de ajus­te ou expressa determinação do regulamento;

6ª - que o carregamento e des­carregamento foram feitos pelo remetente ou pelo destinatário ou pelos seus agentes e disto pro­veio a perda ou avaria."

"Art. 168. Não haverá respon­sabilidade das empresas, quando:

a) Tratar-se de caso fortuito, ou de força maior;

b) a perda, ou avaria, for devi­da a vício intrínseco da mercado­ria, ou a causas inerentes à sua natureza;

c) a fuga, lesão, doença, ou morte tratando-se de animais, for conseqüência de risco, que tal espécie de transporte faz natural­mente correr;

d) a perda ou avaria for devi­da a ter sido transportada a car­ga em vagões abertos, em conse­qüência de ajuste, ou de disposi­ções deste Regulamento;

f) o carregamento, a descarga, ou a baldeação, for feita, pelo re­metente, ou pelo destinatário, ou respectivo preposto, sem a assistên­cia da empresa, salvo se ficar pro­vada a culpa dos agentes desta;

300 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998.

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g) a mercadoria for transpor­tada em veículo especialmente fretado pelo remetente, sob a sua custódia e vigilância, sendo a per­da, furto ou avaria, conseqüência do risco que essa vigilância de­veria ter evitado;

h) a diferença de peso verifi­cada estiver dentro da tolerância prevista neste regulamento;

i) a empresa tiver aceito a in­dicação condicional do peso feita pelo expedidor, na procedência;

j) a perda, furto ou avaria, ve­rificar-se após a entrega efetiva da carga, ser reserva, ou protes­to, ou destinatário ou seu proposto;

k) existir no contexto dos do­cumentos de despacho cláusula de garantia das empresas, devi­damente assinada pelo expedi­dor;

1) o dano for, provadamente an­terior ao transporte;

m) quando o volume, no desti­no, não apresentar indícios de vio­lação ou avaria;

n) o dano for conseqüência pro­vada de culpa do expedidor, ou destinatário, ou respectivos pre­postos;

o) a perda, furto ou avaria for de bagagem não despachada, con­duzida pelo próprio passageiro, salvo se se provar culpa, ou dolo, da parte dos empregados da em­presa;

p) se for o transporte realiza­do em veículos não adequados, por solicitação do expedidor, cons­tante da nota de expedição."

Reconhecido o fato de que a fa­bricante colaborou na colocação da mercadoria em condições de embar­que ("ainda que tenha ajudado a acondicionar o equipamento", como constou do r. acórdão de fl. 1.349), e "se a estiva não foi bem feita", o que serviu de pressuposto do julgamen­to que isentou a fabricante, a con­clusão a alcançar, diante desses ele­mentos, é que o ego Grupo afastou a hipótese de responsabilidade da fa­bricante ainda que tenha ela parti­cipado do trabalho de má estiva, o que permite o conhecimento do re­curso pelo fundamento legal invo­cado.

O v. acórdão também diverge do que ficou antes decidido no ego STF, trazido a confronto pela autora (RE 30.575, reI. em. Min. Afrânio Anto­nio da Costa).

4. Posto isso, não conheço do pri­meiro recurso de Ela S/A, contra o julgado na apelação; conheço do se­gundo recurso de Ela S/A (alínea a) e de Ormec Engenharia Ltda. alí­neas a e c, ambos contra o acórdão dos embargos infringentes, e lhes dou provimento, para restabelecer o julgado na apelação.

É o voto.

VOTO

O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: Acompa­nho o Sr. Ministro-Relator. Quanto ao primeiro recurso, dele não conhe­ço, porque, consoante acentuou S. Exa., as instâncias de origem reco­nheceram a ocorrência da culpa, tanto do fabricante quanto do trans­portador.

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Quanto ao segundo recurso, por­que, em face dos fatos delineados no julgamento, não se aplicou nas ins­tâncias de origem, especialmente no acórdão recorrido, o disposto na le­gislação pertinente, conforme acen­tuado. A culpa, nos termos da legis­lação vigente, somente seria presu­mida se não tivesse sido demonstra­da a culpa do fabricante no carre­gamento da mercadoria. Como as­sinalado, trata-se de carregamento de material pesado, aproximada­mente doze toneladas, o que impor­taria, pelas suas próprias caracte­rísticas, na participação do fabri­cante no acondicionamento dessa mercadoria.

Assim estabelecidos os fatos, é de se conhecer do segundo recurso e lhe dar provimento na mesma linha, aliás, do que se decide em relação ao terceiro recurso interposto pela autora.

Em conclusão, e em síntese, acom­panho o Sr. Ministro-Relator.

VOTO

O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: Srs. Ministros, tam­bém acompanho o Sr. Ministro-Re­lator, entendendo como pertinentes, outrossim, as observações feitas pelo Sr. Ministro Sálvio de Figuei­redo Teixeira.

RECURSO ESPECIAL Nº 138.096 - SP

(Registro nº 97.0044434-1)

Relator: O Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar

Recorrente: Banco Fiat S/A

Recorrida: Maria Oneide Ribeiro de Matos

Advogado: Paulo Eduardo Dias de Carvalho

EMENTA: Alienação fiduciária. Equivalente.

Incluídos no valor do financiamento concedido os encargos do contrato, o valor do equivalente em dinheiro a ser entregue pelo executado em cumprimento ao mandado expedido na forma do art. 904 do CPC (que corresponde ao valor atualizado do débito, segundo orientação predominante nesta 4ª Turma), não deve in­cluir acréscimos de juros, multas, comissão de permanência, etc., limitando-se à soma das prestações vencidas, corrigidas desde o respectivo vencimento.

Recurso conhecido, pela divergência, mas improvido.

302 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos es­tes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo­tos e das notas taquigráficas a se­guir, por unanimidade, conhecar do recurso, mas lhe negar provimen­to. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Barros Monteiro e Cesar Asfor Rocha. Ausentes, justificada­mente, o Sr. Ministro Bueno de Sou­za e, ocasionalmente, o Sr. Minis­tro Sálvio de Figueiredo Teixeira.

Brasília, 10 de novembro de 1997 (data do julgamento).

Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Relator.

Publicado no DJ de 09-02-98.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: Banco Fiat S/A agra­vou de instrumento contra a deci­são de fls. 44/46 que fixara o crité­rio para o cálculo do débito na exe­cução da sentença que julgara pro­cedente ação de depósito (art. 904 do CPC), determinando que o equi­valente em dinheiro correspondes­se ao saldo contratual em aberto, devidamente atualizado a partir do inadimplemento das prestações, excluídos os juros de mora e a mul­ta contratual.

Sustentou o agravante, em con­sonância com a Súmula 20 do TACSP e outros julgados, que a es­timativa deve corresponder a todo

o saldo devedor em aberto, apenas excluídas as custas e honorários advocatícios, daí porque deve pre­valecer o cálculo de fls. 40/43.

A ego 7ª Câmara do 2º Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo negou provimento ao agravo, em acórdão assim ementado:

"O equivalente em dinheiro, para a hipótese de não devolução do bem pelo depositário, não pode compreender os encargos contra­tuais, notadamente, os juros e mul­tas." (FI. 53).

O banco ingressou com recurso especial por ambas as alíneas, sob a alegação de afronta ao art. 4º do Decreto-Lei nº 911/69. Comprova dissídio com oAgnº 37/82 do TJPR, entre outros julgados.

Admitido o recurso especial na origem, subiram os autos a este ego STJ.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR (Relator): 1. Esta ego 4ª Turma já examinou a questão concernente à disputa entre qual dos valores deveria constar do man­dado expedido na forma do art. 904 do CPC, se o valor do bem ou o da dívida, e decidiu, de acordo com os precedentes, com ressalva do subs­critor, que deveria ser entregue pelo executado o valor da dívida, sem es­clarecer como deveria ser computa­do o valor desse débito:

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"1. Trata-se de saber se na ação de busca e apreensão de bem ali­enado fiduciariamente, converti­da em ação de depósito por não ter sido encontrado o bem, a de­vedora pode consignar o equiva­lente ao valor da coisa, para isso adredemente avaliada, ou deve oferecer o valor total da dívida, com seus acréscimos. O recurso veio apenas pela divergência, que ficou bem demonstrada. 2. Esta 4" Turma tem posição firmada sobre o ponto, já expresso nos REsp's 49.649-MG, reI. em. Min. Sálvio de Figueiredo, e 54.515-SP, reI. em. Min. Barros Montei­ro, com as seguintes ementas: "Frustrada a busca e apreensão e convertida em ação de depósi­to, o equivalente em dinheiro de que falam os arts. 902 e 904, CPC, corresponde ao valor do saldo de­vedor em aberto." (REsp n Q

49.649-MG). "Ação de depósito. Alienação fiduciária. Valor do sal­do devedor em aberto. Nas ações derivadas de alienação fiduciá­ria, o valor da coisa e o corres­pondente ao do débito contratual. Precedentes do STJ. Recurso es­pecial não conhecido." (REsp n Q

54.515-SP). Obediente a esses precedentes, estou conhecendo e provendo o recurso, para resta­belecer a decisão impugnada. 3. Devo, porém, deixar registrado meu ponto de vista pessoal, que consoa com o acórdão recorrido e com o precedente do ego Supre­mo Tribunal Federal: "Razoável o entendimento de que o equiva­lente em dinheiro, de que trata o art. 902, I, do CPC, é o exato co-

respectivo do valor pecuniário da coisa, sem os acréscimos e encar­gos do financiamento, cobráveis em outra ação." (RTJ 118/639). Ainda que se admita existir um depósito na alienação fiduciária, como é do pensamento majoritá­rio inclusive nesta ego Turma, com ressalva da posição do rela­tor, ele incidiria exclusivamente sobre o bem dado em garantia, objeto da alienação, não haven­do nenhuma razão legal para es­tender esse ônus a um valor su­perior ao que lhe corresponda. Se a lei permite a consignação do equivalente ao valor da coisa a entregar (art. 902, I do CPC), a tanto deve se restringir a exigên­cia do credor." (REsp 101.095/RS, de 25.11.96).

2. Cuida-se, agora, de definir quais as parcelas que devem inte­grar o cálculo do débito. O v. acór­dão recorrido decidiu que o equiva­lente em dinheiro não pode compre­ender os encargos contratuais, no­tadamente os juros e multas.

Colocou-se ao lado de preceden­te deste Tribunal, como se vê da ementa do RHC 1.163/SC, da ego 5" Turma:

"Alienação fiduciária em ga­rantia - Ação de depósito - Exi­gência além do valor da coisa de­positada - Prisão civil - Ilega­lidade. - Na ação de depósito, é permitido depositar-se o equiva­lente em dinheiro em substitui­ção à coisa, entendendo-se daí, exatamente o valor do bem, não as parcelas acessórias, que pode­rão ser exigidas em ação própria,

304 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998.

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tendo em vista a natureza da ação de depósito, que se exaure com o alcance do objeto, não vi­sando, por isto mesmo, execução do crédito total. - Sujeitar o de­vedor ao depósito da coisa ou o equivalente em dinheiro, acres­cidas de parcelas que exorbitem ao valor do bem, sob pena de pri­são, e medida ilegal que merece ser coibida. - Recurso conheci­do e provido. Relator: Ministro Cid Flaquer Scartezzini".

3. Penso que assim deve ser, e me socorro da fundamentação do r. acórdão:

"O valor da coisa, para efeito de estimação do equivalente em dinheiro, corresponde ao saldo devedor em aberto, excluídos os encargos contratuais. Bem a pro­pósitojájulgou o mesmo Col. Tri­bunal que o depositário infiel só poderá ser preso se não entregar o bem ou o seu valor equivalente e nesse caso não podem ser incluí­dos juros, custas, despesas e ho­norários. Essas verbas podem ser exigidas, mas não sob pena de prisão. A prisão não é pela dívi­da, mas em razão do desvio do bem depositado. Destarte, deve a apelante comprovar o valor do bem e dele deduzir o correspon­dente às prestações já pagas, a fim de evitar-se o enriquecimen­to ilícito" (JTAC-SP 158/37-40)." (fls. 54/55)

4. Tenho para mim que deve pre­valecer, em quaisquer circunstân-

cias, a idéia de que o devedor amea­çado de prisão não pode ser cons­trangido a entregar o valor do bem, quando a dívida é relativamente pequena, nem o valor da dívida, quando muito superior ao do bem dado em garantia, especialmente naqueles casos em que não foi o ob­jeto financiado. No primeiro caso, a pretensão do credor fica satisfeita com a quitação da dívida, no segun­do, evita-se injusto e grave dano ao devedor, cuja prisão somente pode decorrer do desvio do bem, não da inadimplência.

5. No caso dos autos, a r. senten­ça confirmada em segunda instân­cia, afastara a inclusão de acrésci­mos porque:

"O exeqüente, corretamente, abriu mão de cobrar, nestes au­tos, a comissão de permanência. Mas insiste na cobrança de juros e multa, o que também não se po­de tolerar.

Ante o exposto, fica, e agora definitivamente, fixado o critério para a execução. O valor a ser co­brado sob pena de prisão é o sal­do contratual em aberto (Súmu­la 20, do I Tribunal de Alçada Civil do Estado), atualizado, e nada mais. E a atualização dar­se-á a partir do inadimplemento, e não a partir da celebração do contrato. E isso porque: confor­me mencionado à fl. 84, o valor do empréstimo é de R$ 4.609,44, para ser devolvido em 18 presta­ções de R$ 417,74 cada uma, cujo resultado é muito superior ao valor emprestado (R$ 7.519,50).

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998. 305

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É preciso, repita-se, analisar a questão sempre em termos do valor do carro. O valor ajustado para devolução é muito superior ao valor do empréstimo, pelo que é muito superior ao valor do veí­culo. Na diferença, já estão in­cluídas as vantagens com o em­préstimo, e que não guardam re­lação com o valor do carro, mas apenas com os encargos do con­trato. Logo, o reajuste dar-se-á a partir de 01/05/95, sobre o va­lor de R$ 417,74 para cada pres­tação." (fls. 45/46)

Assim posta a matéria de fato, te­nho que o modo pelo qual deve ser composto o valor a ser exigido do executado o equivalente a que se refere o art. 904 do CPC, deve cor­responder ao valor atualizado da dívida assim como determinado pelo Dr. Juiz de Direito, da soma das parcelas não pagas, corrigidas des­de o respectivo vencimento.

4. Posto isso, conheço do recurso, pela divergência, mas lhe nego pro­vimento.

É o voto.

RECURSO ESPECIAL NQ 146.720 - RJ

(Registro n Q 97.0061800-5)

Relator: O Sr. Ministro Barros Monteiro

Recorrente: Arki Serviços de Segurança Ltda.

Recorrida: ltaú Seguros S/A

Advogados: Drs. Ana Cristina Ulbricht da Rocha, e Sérgio Ruy Barro­so de Mello e outros

EMENTA: Citação. Recebimento por funcionária na sede da empresa. Teoria da aparência.

Em casos especiais, é admissível a citação da empresa na pes­soa que, em sua sede, se apresenta como sua representante, rece­bendo a contrafé e apondo a nota de "ciente" acima do sinal iden­tificatório da pessoa jurídica, sem nada argüir a respeito da falta de poderes de representação.

Decisão recorrida que ainda se reporta à circunstância de que atos processuais relevantes foram praticados, na mesma causa, por pessoas qualificadas como funcionárias da mesma empresa em questão.

Recurso especial não conhecido.

306 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998.

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ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas:

Decide a Quarta Turma do Supe­rior Tribunal de Justiça, por unani­midade, não conhecer do recurso, na forma do relatório e notas taquigrá­ficas precedentes que integram o presente julgado. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Ruy Rosado de Aguiar e Sálvio de Figueiredo Teixeira.

Brasília, 18 de novembro de 1997 (data do julgamento).

Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente e Relator.

Publicado no DJ de 15-12-97.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: Arki Serviços de Se­gurança Ltda. opôs embargos à exe­cução contra Itaú Seguros S/A, com fulcro no art. 741, inc. I, do CPC, alegando nulidade da citação efeti­vada na ação ordinária de cobrança que lhe moveu a embargada.

Julgados procedentes os embar­gos em primeiro grau, a Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justi­ça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade, deu provimento ao apelo da embargada, em acórdão cujos fundamentos se resumem na seguinte ementa:

"Execução judicial. Embargos. Citação no processo de conheci­mento, apontada como nula, por

ter sido efetivada através de fun­cionário da empresa executada. Teoria da aparência a dar valida­de à citação. Reforma da senten­ça que julgou procedentes os em­bargos. Recurso provido."

Rejeitados os declaratórios, a em-bargante manifestou o presente re­curso especial com fundamento na alínea a do permissivo constitucio­nal, apontando violação dos arts. 12, VI, e 215 do CPC. Insistiu na ale­gação de nulidade da citação: a fun­cionária que recebeu a citação per­tence ao quadro de outra pessoaju­rídica, a qual, por sua vez, se en­contrava àquela época executando tarefas de caráter transitório para a recorrente. Não possuía ela, por­tanto, poderes para representá-la. Acentuou que, embora reconhecen­do não constar dos autos a outorga de poderes para receber citação, o acórdão aplicou inadequadamente a teoria da aparência. Quanto ao fato de ter a recorrente oferecido bens à penhora antes de ter sido citada, argumentou que a nulidade do ato citatório no processo de conheci­mento vicia todos os demais atos subseqüentes. Por fim, afirmou que, para que houvesse citação válida, cabia à recorrida, como autora, in­dicar os representantes legais da recorrente.

Contra-arrazoado, o apelo extre­mo foi admitido na origem.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO (Relator): O Acórdão

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (07): 239-318, julho 1998. 307

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combatido acolheu a denominada teoria da aparência para arredar a argüição de nulidade da citação. Ar­rimou-se o decisório sobretudo na circunstância de que o ato citatório recaiu na pessoa de Dorcelina Flá­via de Paula, funcionária da empre­sa embargante - ora recorrente. Asseverou, mais, o V. Acórdão que tanto a citação como a posterior in­timação da penhora se operaram nas pessoas de funcionárias da mes­ma empresa, havendo uma delas até mesmo servido como depositária dos bens penhorados.

A assertiva de que Dorcelina Flá­via de Paula é empregada de uma outra pessoa jurídica acha-se em contraposição ao que afirmou o jul­gado recorrido. Para certificar-se acerca da veracidade da alegação feita no REsp preciso será adentrar­se na análise do quadro probatório, o que, entretanto, não se compade­ce com a natureza do recurso espe­cial (Súmula n Q 07 desta Corte).

A teoria da aparência tem mere­cido o beneplácito deste Tribunal em casos especiais, conforme se pode verificar do decidido nos REsp's nQE 5.276-SC e 6.631, ambos oriundos da C. Terceira Turma, relatados, respectivamente, pelos Srs. Minis­tros Waldemar Zveiter e Cláudio Santos. Desta Eg. Quarta Turma, podem ser enumerados os REsp's nQE 14.515-SP e 26.610-SP, ambos da relatoria do em. Ministro Athos Car­neiro. Ainda há pouco, este órgão fracionário teve ocasião de reiterar o seu entendimento ao apreciar o REsp n Q 103.624-GO, por mim rela­tado, que oferece situações de si-

milaridade com a espécie presente. Eis a ementa daquele julgado:

"Citação. Recebimento por ge­rente de atendimento da sucursal de pessoa jurídica. Teoria da apa­rência.

Em casos especiais, é admissí­vel a citação da empresa na pes­soa que, na sua sucursal, se apre­senta com poderes de gerência ou de administração, recebendo a contrafé e apondo a nota de cien­te no mandado, sem nada argüir a respeito da falta de poderes de representação.

Recurso especial não conheci­do" (in DJU de 09.06.97).

Nesse precedente supramencio­nado, reportei-me ao aresto de que fora Relator o il. Ministro Waldemar Zveiter (REsp n Q 5.276-SC), no qual a Eg. Terceira Turma dera como válido o ato de citação havido na pes­soa do subgerente, quando ele pró­prio o aceitou, ficando ciente de todo o processo e nada comunicando ao oficial de justiça sobre a eventual ilegitimidade.

A base empírica desta lide não se oferece como muito distante das aci­ma retratadas. A decisão recorrida ressaltou que dois relevantes atos de comunicação processual foram praticados por empregadas da ora recorrente. Atentando-se para a for­ma como foi levada a efeito a cita­ção no caso em tela, constata-se dos autos em apenso (ação ordinária de cobrança) que ao oficial de justiça encarregado da diligência, Dorceli­na Flávia de Paula apresentou-se na sede da entidade como sua re-

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presentante, pormenor que se con­firma pelo fato de haver ela aposto o "ciente" acima do carimbo identi­ficatório da pessoa jurídica Arki -Serviços de Segurança Ltda., tendo ainda recebido a contrafé. Ademais, em nenhum momento ressalvou não deter poderes para representar a empresa.

Assim, ao aplicar a chamada teo­ria da aparência, o decisum hosti-

lizado não malferiu os indigitados arts. 12, inc. VI, e 215 do Código de Processo Civil. Antes, a diretriz traçada encontra-se em harmonia com a jurisprudência dominante nesta Casa, conforme acima assina­lado.

Ante o exposto, não conheço do recurso.

É como voto.

RECURSO ESPECIAL NQ 150.379 - MG

(Registro nQ 97.0070657-5)

Relator: O Sr. Ministro Barros Monteiro

Recorrentes: Danubio de Azevedo e cônjuge

Recorrido: Condomínio do Edifício Maria Virginia

Advogados: Drs. Osiris Rocha e outro, e Ana Eteluina Lacerda Barbato e outro

EMENTA: Penhora. Bem de família. Contribuições condominiais. Art. 3~ inc. IV, da Lei nf! 8.009, de 29.03.90.

É passível de penhora o imóvel residencial da família, quando a execução se referir a contribuições condominiais sobre ele in­cidentes.

Recurso especial não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas:

Decide a Quarta Turma do Supe­rior Tribunal de Justiça, por unani­midade, não conhecer do recurso, na forma do relatório e notas taquigrá­ficas precedentes que integram o presente julgado. Votaram com o

Relator os Srs. Ministros Cesar As­for Rocha, Ruy Rosado de Aguiar e Sálvio de Figueiredo Teixeira.

Brasília, 24 de novembro de 1997 (data do julgamento).

Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente e Relator.

Publicado no DJ de 15·12-97. Republicado no DJ de 09-03-98.

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RELATÓRIO

O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: Danúbio de Azevedo e Vera Lúcia Reis de Azevedo opuse­ram embargos à penhora realizada nos autos da execução de sentença, proferida em ação sumaríssima de cobrança de contribuições condomi­niais, que lhes move o Condomínio do Edifício Maria Virgínia.

O MM. Juiz de Direito julgou im­procedentes os embargos, declaran­do subsistente a penhora.

A Sétima Câmara Cível do Tribu­nal de Alçada do Estado de Minas Gerais, por unanimidade, negou provimento ao apelo dos embargan­tes. Os fundamentos do acórdão acham-se resumidos na seguinte ementa:

"Execução. Impenhorabilidade. Lei n Q 8.009 1 90. Abrangência.

Quando a execução se faz com base em taxas condominiais, o apartamento integrante da uni­versalidade-autora, mesmo sen­do 'bem de família', por único do casal executado, responde, sendo penhorável, abrangido como está pela exceção contida no art. 3Q

,

da Lei n Q 8.009/90, vez que foi em função dele o surgimento do dé­bito" (fls. 37).

Inconformados, os executados manifestaram o presente recurso especial com fulcro nas alíneas a e c do permissor constitucional, apon­tando violação do art. 3Q

, inc. IV, da Lei 8.009/90, além de dissídio inter­pretativo com julgado desta Corte.

Alegaram, em síntese, que a contri­buição condominial, por ser de ca­ráter particular, não está abrangida pela exceção prevista no referido dispositivo, que cuida exclusiva­mente de dívida de natureza fiscal.

Contra-arrazoado, o apelo extre­mo foi admitido, subindo os autos a esta Corte.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO (Relator): A despeito dos precedentes emanados desta C. Turma acerca da matéria (REsp's n llli

52.156-4/SP e 82.563-RJ), penso que é caso de reformular-se a diretriz então traçada e conferir-se ao dis­posto no art. 3Q

, inc. IV, da Lei n Q

8.009, de 20.03.90, uma interpreta­ção compatível com a realidade dos dias atuais; que permita a preser­vação do condomínio e obste o enri­quecimento indevido de uma das partes envolvidas.

Assim, na locução "taxas e con­tribuições devidas em função do imóvel familiar", empregada no re­ferido inc. IV, devem entender-se co­mo abrangidas as despesas condo­miniais, conforme, aliás, teve oca­sião de sustentar o ilustre Juiz sin­gular na sentença de fls. 20/21:

"Em estudo publicado na Revis­ta dos Tribunais (v 01. 679), Er­nesto Lippman conclui que a expressão 'contribuições devidas em função do imóvel familiar' abrange 'também as contribui-

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ções, que são pagas ao condomí­nio no caso de imóvel consisten­te em apartamento' (pág. 31).

O nosso colendo Tribunal de Al­çada, através de sua Quarta Câ­mara Civil, também posicionou­se no mesmo sentido, ao decidir, com o acerto de sempre, que, 'ten­do em vista a preservação do in­teresse dos condôminos, possível a penhora do bem de família para garantir execução de despesas condominiais, incluindo-se estas dentre as exceções previstas no art. 3º da Lei 8.009/90' (RJTAMG, 54-55/93).

Em seu voto, como Relator, o em. Juiz Célio César Paduani obser­vou, com a sua conhecida acuida­de, que 'não é justo que o proprie­tário de uma unidade deixe de participar do rateio de despesas comuns, fazendo com que os de­mais condôminos suportem a par­te dos encargos que toca ao co­munheiro inadimplente. O bem de família, nesta hipótese, deve responder por tais despesas, que são feitas em função do imóvel fa­miliar e são imprescindíveis até mesmo para a preservação des­te'" (fls. 21).

Nessa hipótese, portanto, para atender às despesas comuns de con­domínio, ou seja, à cota-parte que cabe à unidade habitacional, o bem residencial da família é penhorável, de acordo com a ressalva inserta no art. 3º da Lei nº 8.009, de 1990.

Atribui-se à indigitada expressão um alcance genérico, sem a conota­ção de caráter fiscal que qualifica,

de forma restritiva, as demais res­salvas insertas no mesmo inciso IV. Alexandre Mars Carneiro, Advoga­do no Rio de Janeiro, vincula tais contribuições condominiais às obri­gações propter rem, observando mais que "como, pois, admitir-se, se­não ab absurdo, que um condômi­no inadimplente não possa ser coer­tado a satisfazer sua co-participa­ção nas despesas comuns, que resul­tam da interpenetração de direitos proporcionais e coexistentes, e te­nham os demais condôminos, ad aeternum, que suportar esta de­sigualdade de conduta? Mutatis mutandis, ter-se-ia, por parte do condômino inadimplente, relapso, um enriquecimento sem justa cau­sa e em prejuízo dos demais condô­minos, a desigualar os direitos iguais de todos" (ALei nº 8.009/90 e a penhorabilidade de unidade con­dominial familiar, in Rev. Forense, voI. 327, pág. 9).

Não se mostra equânime, efeti­vamente, que o devedor passe a usu­fruir do condomínio às custas dos demais condôminos, sem quaisquer ônus. Não há falar no caso, por con­seguinte, em contrariedade ao pre­ceito de lei federal apontado, nem tampouco em dissenso interpreta­tivo, desde que os recorrentes se cin­giram a transcrever o aresto para­digma tão-só por sua ementa, des­considerando o estatuído nos arts. 541, parágrafo único, do CPC, e 255, § 2º, do RISTJ.

Ante o exposto, não conheço do recurso.

É como voto.

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VOTO-VOGAL

O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: Já votei, em recurso do qual fui relator, no sentido dos precedentes desta Turma, sobre a impenhorabilidade do imóvel resi­dencial da família, por dívidas do condomínio. Tenho, porém, refleti­do sobre os efeitos dessa decisão e estou hoje convencido de não ter sido a melhor e aproveito esta opor­tunidade para reconsiderá-la. A desobrigação do condômino de con­tribuir para as despesas comuns le­vará a duas situações indesejáveis: lançará à conta dos demais a sua quota, o que é injusto; prejudicará a conservação dos prédios, o que é socialmente inconveniente.

A liberação do imóvel, em casos tais, significará - para aqueles que não disponham de outros bens pe­nhoráveis - verdadeira imunidade diante das despesas condominiais. Sabendo-se que estas surgem neces­sariamente todos os meses, - com gastos de água, luz, limpeza, etc., além das despesas que ordinaria­mente decorrem do próprio uso do prédio, que exige conservação e re­formas, a falta da participação de um ou de algum acarretará apenas um acréscimo na parcela das outras, mas a inadimplência de muitos po­derá significar a inviabilidade da manutenção dos serviços básicos, tornando insuportável a vida em comum. Em grandes construções

condominiais, com dezenas e às ve­zes centenas de unidades habitacio­nais, onde a maioria não tenha ou­tros bens penhoráveis, a falta de eficácia da cobrança das despesas comuns levará à degradação do pré­dio.

Além disso, devemos considerar dois pontos: a obrigação surge da própria coisa, vinculando o proprie­tário ao pagamento das despesas que decorrem da existência do bem imóvel e do seu uso, sendo razoável acreditar que o imóvel é a garantia do pagamento das despesas que ele gera; o crédito em favor do condo­mínio não decorre de uma opção do credor (que por isso, na normalida­de das relações obrigacionais, deve sofrer as conseqüências de haver escolhido negociar com um devedor inadimplente), mas se impõe pela só existência do condomínio, conforme acentuado pelo em. Min. Cesar Ro­cha.

Assim, tenho que a Lei 8.009/90 deve ser interpretada no sentido de que a cobrança da contribuição de­vida para a cobertura das despesas de condomínio pode levar à penho­ra do imóvel que gerou a despesa, ainda que sirva de residência à fa­mília do devedor, sem excluir a pos­sibilidade de examinar, a cada caso, a hipótese de ser a cobrança abusi­va.

Posto isso, acompanho o em. Min.­Relator.

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RECURSO ESPECIAL Nº 164.729 - SP

(Registro nº 98.0011852-7)

Relator: O Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira

Recorrente: União Federal

Recorrida: Sociedade Educacional Soibra S/C Ltda.

Advogados: Drs. Gilberto da Silva Filho e outro

EMENTA: Processual Civil. Usucapião. Antigos aldeamentos indígenas. Falta de interesse da União. Ato jurisdicional que ex­clui litisconsortes. Prosseguimento do feito. Naturezajurídica do ato: decisão interlocutória. Interposição de apelação equivocada. Fungibilidade. Recursal. Inadmissibilidade. Inexistência de dú­vida objetiva na doutrina e na jurisprudência. Prazo do recurso adequado não-observado. Necessidade de sua observância. Dissí­dio superado. Recurso desacolhido.

I - O ato pelo qual o juiz exclui litisconsorte tem natureza jurídi­ca de decisão interlocutória, sujeita, portanto, à interposição do recurso de agravo.

U - Não se admite o princípio da fungibilidade recursal se ine­xistente dúvida objetiva na doutrina e na jurisprudência a res­peito do cabimento do recurso na espécie. Inaplicável, ademais, referido princípio, em virtude do recurso inadequado não ter sido interposto no prazo próprio.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos es­tes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo­tos e das notas taquigráficas a se­guir, por unanimidade, não conhe­cer do recurso. Votaram com o Re­lator os Ministros Barros Monteiro, Cesar Asfor Rocha e Ruy Rosado de Aguiar. Ausente, justificadamente, o Ministro Bueno de Souza.

Brasília, 29 de abril de 1998 (data do julgamento).

Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Relator.

Publicado no DJ de 01-06-98.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: Junto aos autos da ação de usucapião mo­vida pela recorrida, manifestou a União interesse, o que provocou o deslocamento do feito para a Justi­ça Federal. O Juiz Federal, entre­tanto, entendeu inexistir interesse

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da União, excluindo-a do processo e determinando o retorno dos autos à Justiça Estadual.

Contra essa decisão, interpôs a União apelação, que deixou de ser recebida ao fundamento de que o re­curso adequado seria o agravo.

Insatisfeita com a negativa de se­guimento de seu recurso, manifes­tou agravo, ao qual pediu fosse con­ferido efeito suspensivo. A Juíza Suzana Camargo, do Tribunal Re­gional Federal da 3ª Região indefe­riu o pleiteado efeito suspensivo, as­severando que não haveria aparên­cia do bom direito, haja vista a na­tureza de decisão interlocutória do ato judicial que exclui um dos liti­gantes do processo, sem extingui-lo.

Atacando essa decisão monocrá­tica da Relatora, manejou a venci­da agravo, que restou desprovido pela Quinta Turma daquele Tribu­nal.

Irresignada, a União interpôs re­curso especial alegando, além de dissídio, violação dos arts. 165 e 458-II do Código de Processo Civil, porque padeceria o acórdão de fal­ta de fundamentação, uma vez que a Turma se limitou a manter a de­cisão da Relatora sem levar em con­sideração suas alegações como agra­vante, bem como dos arts. 162, § 1 Q

e 513 do mesmo diploma legal, por ser terminativa a decisão que exclui do feito um dos litigantes.

Sem contra-razões, foi o recurso admitido na origem.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA (Rela­tor): 1. Inviável a discussão a res­peito da suposta ofensa aos arts. 165 e 458 do Código de Processo Civil. A matéria não sofreu debate no acórdão recorrido, estando ausente o requisito do prequestionamento, que a jurisprudência da Corte vem exigindo mesmo para os casos de vio­lação surgida no próprio acórdão da segunda instância.

É de aplicar-se, portanto, o ver­bete sumular n. 282 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.

Mesmo que assim não fosse, cons­tata-se que o acórdão não pecou na fundamentação, assinalando-se que se trata de agravo ("interno") con­tra decisão que indeferiu liminar para conferir efeito suspensivo a agra­vo. Embora não tenha a Turma men­cionado e refutado as alegações da agravante, a decisão hostilizada con­tinha o fundamento básico e suficien­te para rechaçar a insatisfação, qual seja, a inexistência de aparência do bom direito em razão de o ato ata­cado no agravo consistir em decisão interlocutória.

2. No mais, a discussão cinge-se à natureza jurídica do pronuncia­mento judicial que exclui da rela­ção processual um dos litigantes si­tuados no pólo passivo da causa.

Apesar de inicial divergência no tema restou assentado, e com intei­ro acerto, ser o agravo o recurso ca­bível contra a decisão que exclui da relação processual litisconsorte, se­ja ativo ou passivo (a propósito, den-

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tre muitos, os REsps 78.041-RS (DJ 18.3.96), 14.878-SP (DJ 16.3.92), 34.309-PR (DJ 2.8.93) e 3.504-RJ (DJ 16.5.94), relatados respectiva­mente pelos Ministros Ruy Rosado de Aguiar, Eduardo Ribeiro, Cláu­dio Santos e Fontes de Alencar.

Simplificado é o sistema recursal do Código de Processo Civil. Os atos do juiz estão conceituados e a cada ato corresponde um recurso cabível. Assim, a sentença se caracterizaria como o ato que põe termo ao pro­cesso, com ou sem exame do méri­to. E o processo, nesse caso, deve ser visto de forma ampla. Se efetiva­mente houve extinção, sem prosse­guimento do feito, foi proferida uma sentença. Se, ao contrário, determi­nou-se a continuação do processo para resolver qualquer situação pendente, ainda que tenha sido ex­tinto o feito em relação a um dos li­tisconsortes, a decisão tem nature­zajurídica de interlocutória, agravá­vel, portanto.

Esse é o caso dos autos. A deci­são atacada por apelação não extin­guiu o processo de usucapião, mas tão-somente determinou a exclusão da União, por não ter interesse na causa. Logo, se não se pôs fim ao pro­cesso como um todo, de sentença não se trata, não podendo, destarte, ser cabível o recurso de apelação.

Recentemente, esta Turma abo­nou novamente a referida tese, no AgRg/Ag 126.734-SP (DJ 18.8.97), de minha relatoria, com a seguinte ementa:

"I - O ato pelo qual o juiz exclui litisconsorte tem naturezajurídi-

ca de decisão interlocutória, su­jeita, portanto, à interposição do recurso de agravo.

II - Não se admite o princípio da fungibilidade recursal se ine­xistente dúvida objetiva na dou­trina e na jurisprudência a res­peito do cabimento do recurso na espécie. Inaplicável, ademais, re­ferido princípio, em virtude do re­curso inadequado não ter sido in­terposto no prazo próprio".

N o mesmo sentido, o escólio de Cândido Rangel Dinamarco, apon­tando entendimento doutrinário:

"Um relevante reflexo prático dessa colocação é o recurso cabí­vel no caso de indeferimento par­cial da petição inicial, para que algum litisconsorte passivo não seja citado (ou, inversamente, pa­ra que um dos co-demandantes não fique como parte). Se a de­manda fosse repelida por inteiro, ter-se-ia ali um caso de extinção do processo sem julgamento do mérito (arts. 267, inc. I, c/c 295), a desafiar recurso de apelação (art. 513, c/c 296). No indeferi­mento parcial acima figurado, entretanto, o processo vai pros­seguir, apenas com menos figu­rantes do que o autor pretendia inicialmente; se o processo era um só e não se extinguiu, é me­ramente interlocutória a decisão que indeferiu a inicial em parte, sendo por isso cabível o agravo de instrumento (arts. 162, § 2Q

, e 522). O mesmo se dá, quando uma opo­sição interventiva é indeferida, ou quando o litisdenunciado é

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excluído do processo etc." (Litis­consórcio, 3ª ed., Malheiros, n. 9, pág.36).

E dessa posição também não dis­crepa Barbosa Moreira, ao sus­tentar, enfaticamente, que "não se qualifica como sentença, nem por­tanto, é apelável a decisão que ex­clui do feito algum dos litigantes, determinando que ele prossiga com relação aos demais" (Comentários ao Código de Processo Civil, v. V, 7ª ed., Forense, 1998, n. 231, pág. 409).

3. Quanto a uma eventual apli­cação do princípio da fungibilidade, na hipótese não há como se lhe fa­zer valer.

Este, embora não mais normati­zado no ordenamento positivo vi­gente, como o era no derrogado (art. 810 do Código de Processo Civil de 1939), vem sendo consagrado pela doutrina processual, com aplicação da antiga teoria do "recurso indife­rente". Entretanto, condiciona-se sua adoção além da boa-fé que deve estar presente em todo o iter pro­cedimental, a dois requisitos pri­mordiais: a) existência de dúvida objetiva na doutrina e na jurispru­dência; b) não ter ocorrido erro gros­seiro na interposição. Um terceiro - interposição do recurso impró­prio no prazo certo - surge em al­guns segmentos da doutrina, que, em função disso, ainda se encontra vacilante na sua adoção.

Assim, pelo simples fato de não estar presente um dos requisitos, no caso a dúvida justificável no cabi­mento do recurso, não merece ser acolhido o mencionado princípio.

N a espécie, além da inexistência de substancial dúvida na doutrina e na jurisprudência patente o erro inescusável no comportamento da recorrente, tendo em vista que, di­ante do sistema recursal adotado pelo Código de 1973, que busca de­finir os atos judiciais (cfr. art. 162), é cediço que contra decisão que não põe termo ao processo em definiti­vo não cabe apelação.

Desta forma, a acolhida da fungi­bilidade, in casu, estaria a contra­riar o sistema adotado e os próprios objetivos do legislador de 1973. Nes­te sentido, decidiu a Segunda Seção desta Corte, no AgEREsp 3.815 (DJ 25.3.91), do qual fui relator e que consigna na ementa:

- "Não obstante o direito brasi­leiro agasalhe o princípio da fun­gibilidade recursal, segundo en­tendimento consagrado na atual doutrina, com respaldo jurispru­dencial, não se pode, no entanto, conhecer de inconformismo ma­nifestado no arrepio da sistemá­tica processual vigente".

No que concerne ao prazo, uma vez não afirmada a má-fé, colhe-se de lição de Nelson Nery Jr.:

"A regra da fungibilidade é di­tada no interesse da parte, que não será prejudicada pela inter­posição errônea de um recurso por outro, quando houver funda­da dúvida sobre o cabimento do meio de impugnação. Se o recor­rente, convicto de que o recurso correto seria o de apelação, o in-

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terpõe no 15Q dia, por que reti­rar-lhe o direito de assim proce­der, subtraindo-se-Ihe dois terços do prazo, a pretexto de que o re­curso correto seria o de agravo? Em havendo os pressupostos pa­ra a aferição da dúvida objetiva, ou, da inexistência do erro gros­seiro, o prazo se nos afigura ab­solutamente irrelevante. O recor­rente deve, isto sim, observar o prazo do recurso efetivamente in­terposto, havido por ele como o correto para a espécie" (Princí­pios Fundamentais - Teoria Ge­ral dos Recursos, 2ª ed., Revista dos Tribunais, 1993, n. 3.5.2.3, pág.337).

N a mesma linha, a lição de Alci­des Mendonça Lima (Introdução aos Recursos Cíveis, 2ª ed., Revista dos Tribunais, 1976, n. 172, pág. 255).

Esta Turma, por sua vez, já teve oportunidade de defender igual po­sicionamento, como se vê do acór­dão colacionado pelo recorrente como divergente, REsp 12.610-MT (RSTJ 30/474), relator o Ministro Athos Carneiro, assim ementado:

- "Se a lei é dúbia, se os doutri­nadores se atritam entre si, e a jurisprudência não é uniforme, o erro da parte apresenta-se escu­sável e relevável, ainda que o re­curso dito impróprio tenha sido interposto após findo o prazo as­sinado para o recurso dito pró­prio. Prevalência da regra maior do duplo grau de jurisdição, e aplicação da antiga teoria do 're­curso indiferente', consagrada no

Código de 1939, artigo 810, nos casos de ausência de má-fé e de erro grosseiro. A fungibilidade re­cursal é aceita na sistemática do vigente Código Processual Civil".

Posteriormente, no entanto, fir­mou-se a Turma em exigir o requi­sito da interposição no prazo do re­curso próprio, em observância ao princípio da preclusão e sob o fun­damento de que, havendo a dúvida, o correto seria o recorrente acaute­lar-se.

Neste sentido também é o enten­dimento da Primeira Turma, a exem­plo, dentre outros, do REsp 53.645-SP (DJ 24.10.94), da relatoria do Ministro Cesar Asfor Rocha, quan­do a integrava, verbis:

"A aplicação do princípio da fun­gibilidade recursal reclama a ob­servância do prazo previsto para o recurso próprio".

Dentro dessa orientação, aliás, se filia parte da melhor doutrina, como anota Sérgio Bermudes, em co­mentário ao art. 496 do Código, as­sinala:

"Arruda Alvim, Revista de Processo, 1/193, entende que se deve conhecer do recurso inade­quado, mesmo quando interpos­to depois de chegado a termo o prazo para utilização do recurso próprio. A opinião parece infun­dada porque a decisão se terá tor­nado preclusa e, como tal, irre­corrível" (Comentários ao Códi­go de Processo Civil, v. VII, 2a ed., RT, 1977, pág. 44).

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Desta forma, seja pela inocorrên­cia de dúvida objetiva na doutrina e na jurisprudência a respeito do cabimento do recurso, seja pela não interposição do recurso inadequado no prazo daquele que seria o pró­prio, não há que se prestigiar o prin­cípio da fungibilidade recursal.

4. No pertinente ao dissídio, não se configurou, haja vista estar a de­cisão recorrida em consonância com a jurisprudência iterativa desta Casa (Enunciado n. 83 da Súmula! STJ).

5. Em face do exposto, não conhe­ço do recurso.

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