jurisprudÊncia da quarta turma · 2018. 12. 10. · advogado: dr. eliseu gomes torres ementa:...
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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA
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RECURSO ESPECIAL NQ 10.045 - RS
(Registro nQ 91.0006977-9)
Relator: O Sr. Ministro Fontes de Alencar
Recorrente: Jurandy Soares de Moraes
Advogados: Drs. João Diogenes Correa de Quadros e outro
Recorrido: José Carlos Barbosa Florence
Advogado: Dr. Eliseu Gomes Torres
EMENTA: Fiança.
Ofende o art. 239 do Código Civil a decisão que, sem demanda da mulher, diz eivada de nulidade a fiança prestada pelo marido independentemente de outorga uxória.
Recurso especial atendido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e lhe dar provimento. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira, Barros Monteiro, Cesar Asfor Rocha e Ruy Rosado de Aguiar.
Brasília, 05 de maio de 1998 (data do julgamento).
Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente. Ministro FONTES DE ALENCAR, Relator.
Publicado no DJ de 25-05-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR: José Carlos Barbosa Florence opôs embargos do devedor à execução que lhe movera J urandy Soares de Moraes. O Juiz de Direito os julgou procedentes, nos termos da sentença de fls. 69/76, de que transcrevo o que se segue:
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998. 241
"Firmaram embargante e embargado contrato de financiamento a usuários com correção monetária, com garantia de alienação fiduciária, em 13 de dezembro de 1983, vencendo-se em 13 de junho de 1984, tendo por credora Crefisul S/A - Crédito, Financiamento e Investimento.
O Embargante nesse é denominado usuário, e o Embargado avalista (fl. 7 dos autos da Ação de Execução).
A dívida foi paga pelo "avalista" em 20 de junho de 1986, sete dias após o vencimento, conforme recibo passado pelo representante da credora nesta cidade (fl. 8 dos autos daAção de Execução).
A sub-rogação da dívida, por sua vez, foi firmada pela credora em 12 de junho de 1987, e firmas reconhecidas em 01 e 02 de outubro do mesmo ano (fl. 09 dos autos da Ação de Execução).
Indiscutível que a obrigação de avalista existe apenas em título de crédito.
Inexistindo a cambial, não há aval.
O Embargado não juntou a cambial na Ação de Execução, ou porque não existia, ou existindo quis fugir do prazo prescricional que sabia ter ocorrido." (fls. 71/ 72.)
................ (omissis) .............. .
O argumento do Embargado de que o Embargante não impugnou a sua condição de fiador, com ela concordou, evidentemente não
é suficiente para reconhecer a garantia pessoal pretendida.
Não houve aval, e a garantia não se transmudou em fiança.
Assim, o embargado não quis ser avalista, intitulando-se fiador, e com isso, ganhar no prazo prescricional, no entanto, nula essa garantia pela ausência da outorga uxória.
A conclusão jurídica é que pagou como terceiro não interessado, sem direito a sub-rogar-se na dívida.
Não tem título executivo, portanto nula ação que intentou.
Isso não quer dizer que não tenha direito a ressarcir-se, no entanto, através de outra ação que não a de Execução mais ainda que pagou em seu próprio nome e não em nome do devedor." (fls. 73/74)
Apelou o embargante (fls. 77/ 100). A Quinta Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul negou por maioria, provimento ao recurso, e o Acórdão correspondente expõe a seguinte ementa:
"Embargos do devedor"
Contrato de financiamento
Inexistindo aval fora dos títu-los de crédito, e, não se tratando de fiança, não estava o embargado obrigado ao pagamento, e, em o fazendo, não pode pretender executar o suposto devedor.
"Embargos procedentes Sentença mantida
242 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998.
Apelo improvido.
Voto vencido." (fl. 126)
o III Grupo Cível do Tribunal de Alçada do Estado do Rio Grande do Sul, também em votação não unânime rejeitou os embargos infringentes, à consideração de que
"(. .. ) não tendo havido aval, não se transmudou a garantia em fiança porque eivada, ex radice, de nulidade que se mostra insanável - não detém, portanto, o embargante, título de execução aparelhada, tendo pago como terceiro não interessado. Para haver seu eventual crédito, deverá se valer das vias ordinárias, reabrindo-se, então, a discussão sobre a extinção ou não daquele débito do ora embargante, examinando-se, com a necessária amplitude, os fatos extintivos alegados em contestação tendentes a demonstrar a extinção de qualquer vínculo obrigacional entre as partes." (fl. 190)
J urandy Soares de Moraes recorreu transordinariamente com fulcro no art. 105, lII, a da C.F., alegando ofensa aos arts. 235, IlI, 239, 248, IlI, 249, 178, § 9Q
, I, b e lI, 985, III e 986, I, do Código Civil (fls. 195/206).
O recurso foi admitido na origem (fls. 208/209).
VOTO
O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR (Relator): 1. Do voto vencido ensejador dos embargos infringentes colho:
"N o caso dos autos, convertido o "aval" em fiança, esta, teoricamente, deveria ser havida como nula, pois Jurandy é casado e não consta haver assentimento de sua esposa para prestar a garantia.
................ (omissis) .............. .
A questão é saber se a fiança prestada (sob o nomen juris de aval) configurou ato ilícito e se esse ato jurídico (nulo, em princípio) é sanável ou não.
................ (omissis) .............. .
Com a prestação da fiança houve violação a direito e o pagamento importou em prejuízo a terceiro (esposa do credor - embargado-apelante).
Se há prejuízo a outrem, este(a) tem direito à reparação .... A menos que se considere que o pagamento efetuado comprometa apenas a meação do fiador (aqui exeqüente). Seja lá como for, o eventual trancamento da possibilidade de regresso importaria em enriquecimento injustificado do tomador do empréstimo (executado), afastada aquela hipótese aventada por este de que a dívida era do próprio credorembargado, vez que a prova, a rigor, não se afigura verossímil.
Os indícios são demasiadamente importantes para substanciar juízo de inexigibilidade".
Eis o norte do acórdão resultante dos embargos infringentes:
"Tenho pela impossibilidade da sanação parcial do nulo para o
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998. 243
efeito cogitado no douto voto vencido ante a cominação expressa de nulidade da fiança prestada pelo marido sem a prévia outorga da mulher (artigos 235 e 145, inciso V, do Código Civil), desde que se tolhem, ope legis, no plano da eficácia, quaisquer conseqüências daquele ato no campo jurídico" (fl. 189).
Daí, nos dizeres do próprio acórdão,
" ... não tendo havido aval, não se transmudou a garantia em fiança porque eivada, ex radice, de nulidade que se mostra insanável - não detém, portanto, o embargante, título de execução aparelhada, tendo pago como terceiro não interessado. Para haver seu eventual crédito, deverá se valer das vias ordinárias, reabrindo-se, então, a discussão sobre a extinção ou não daquele débito do ora embargante, examinando-se, com a necessária amplitude, os fatos extintivos alegados em contestação tendentes a demonstrar a extinção de qualquer vínculo obrigacional entre· as partes" (fl. 190).
o título que instrui a execução contém a seguinte cláusula:
"No caso de, por inadimplemento do usuário, ser paga a dívida, totalmente, por terceira pessoa, coobrigada ou não, ficará esta sub-rogada, de direito, não só no crédito como na respectiva garantia fiduciária" - (fl. 7, dos autos correspondentes).
2. O resolvimento dado pelas instâncias ordinárias ao caso se me afigura de um literalismo que o distancia da boa hermenêutica e de doutrina consagrada.
3. Bem dizia Gumercindo Bessa que
"O Direito não é um cristal, é um organismo."
O tema não se inaugura nesta Turma com o presente recurso: precedentes há.
O Ministro Ruy Rosado de Aguiar, em voto que conduziu a deliberação tomada no REsp 52.153-0/RS, de que foi relator, exprimiu-se assim:
"Mesmo se a garantia fosse considerada mera fiança, não poderia o Tribunal, de ofício, excluir o fiador, pois cabe privativamente à mulher (ou seus herdeiros) demandar a anulação dos atos do marido praticados sem a outorga uxória - CC, art. 239, art. 178, § 9Q
, I, b." (REsp 5.377-RS. Ac. de 18.6.91, reI. Min. Athos Carneiro).
Tal entendimento não destoa da lição doutrinária:
- "Se falta (a outorga uxória) o ato é anulável, não merecendo acolhida a opinião de que é nulo" (Orlando Gomes, "Direito de Família", 1987, p. 136).
- "A possibilidade óbvia de ratificação da fiança e o fato de só poder ser argüida pela mulher ou outro interessado, a
244 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998.
meu ver, tiram o ato do campo estrito das nulidades absolutas" (Sílvio Rodrigues, "Direito Civil", VI, p. 145).
- "Assim, para ficar com a linguagem de Bulhões Carvalho, três são as "ordens de nulidades"; a) nulidade absoluta manifesta; b) nulidade absoluta dependente de rescisão; e, a final, c) nulidade relativa dependente (sempre) de rescisão (por isso, também, "anulabilidade").
Em a), tutela (prevalente) de interesse público (agregando-se, tout court, por força do art. 145, V, do CC, as nulidades cominadas), insanável o vício, que deve ser de ofício (2) conhecido pelo juiz, por desnecessária investigação de fato; o próprio documento, ou prova literal, demonstra, manifestamente, cuidar-se de vício insanável. Em b), o déficit do ato jurídico não se evidencia às encâncaras, merecendo análise em procedimento judicial. Isso, porém, não relativiza a nulidade. Pode ser alegada por qualquer interessado ou pelo Ministério Público, esse se interveniente (art. 146, caput, do CC). O que está vedada é a manifestação judicial de ofício, tão-só. Em c), há tutela
preferencial de interesse de parte, sanável, por expressa previsão legal (art. 148, do CC), eventual infração à regra, defeito que somente pode ser alegado pelos interessados, em seu próprio proveito, e em princípio (art. 152, segunda alínea, do CC), expressamente nominados (v.g., arts. 239,388, do CC)." (Antônio Janyr Dall'Agnol Jr., "Invalidades Processuais", p. 31).
A3ª Turma tambémjá enfrentou a matéria no REsp. 49.347, relatado pelo Ministro Nilson Naves. Fêlo no mesmo diapasão.
Conquanto o Acórdão recorrido não tenha feito referência ao número do dispositivo do CCB que trata da anulação dos atos do marido praticados sem aprovação da mulher, é certo que enfrentou o tema a que se prende o art. 239 do diploma bevilaquiano, precisamente quando da norteação do seu decidir.
A decisão combatida pelo recorrente lacerou o mencionado art. 239 do CCB ao entender, sem demanda da mulher, eivada de nulidade e fiança.
Posto isso, conheço do recurso e lhe dou provimento para julgar improcedentes os embargos à execução.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998. 245
RECURSO ESPECIAL Nº 52.148-3 - SP
(Registro nº 94.0023814-2)
Relator: O Sr. Ministro Fontes de Alencar
Recorrente: União Federal
Recorridos: Pedro Branco Chaves de Oliveira e outros
Advogados: Drs. Cláudio Oliveira Cabral e outros
EMENTA: Recurso especial.
- Súmula 283 do STF.
- Recurso não conhecido.
Unânime.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira, Cesar Asfor Rocha e Ruy Rosado de Aguiar. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Barros Monteiro.
Brasília, II de março de 1997 (data do julgamento).
Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Presidente. Ministro FONTES DE ALENCAR, Relator.
Publicado no DJ de 06-04-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR: Em ação de usucapião
o juiz determinou o desentranhamento da contestação da União (fl. 30), em face de sua extemporaneidade.
Posteriormente, o juiz retratouse, reformando a primitiva decisão, determinando, nada obstante considerá-la serôdia, que a peça oferecida pela União fosse juntada aos autos principais que seriam remetidos a uma Vara Federal, para apreciação de eventual interesse da União (fls. 59).
Os autores da ação de usucapião interpuseram agravo de instrumento, tendo a Primeira Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo dado provimento ao recurso, dizendo:
"Inegavelmente correta a primeira decisão, e, por isso deve ser mantida.
Quanto ao pretenso erro de contagem do prazo, data venia a Procuradoria da República não atentou para qualquer termo ini-
246 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998.
cial, como se isto fosse irrelevante para sua condição.
Sob qualquer ângulo, ou termo, intempestiva a contestação, com, ou sem, exceção." (fl. 99)
E mais:
"A estes argumentos há que se acrescer os judiciosos tecidos pela Douta Promotora:
"Imperioso que se reconheça, que no feito, o alegado interesse da União não foi, suficientemente, demonstrado." (fl. 101)
E concluindo:
"Por tais motivos, a decisão primitivamente agravada deve preponderar, ficando reformada a proferida em retratação e que é a objeto do presente exame" (fl. 105).
A União Federal manifesta recurso especial com fulcro no art. 105,
II, a e c, da Constituição Federal, alegando negativa de vigência do art. 1Q, h, do Decreto-Lei 9.760/46, além de dissídio jurisprudencial.
Admitido o recurso (fls. 160 a 164), a Subprocuradoria Geral da República opinou pelo seu provimento.
VOTO
O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR (Relator): O aresto recorrido deliberou no sentido de manter a primitiva decisão do juiz que considerou extemporânea a contestação da União, determinando o seu desentranhamento dos autos.
Este fundamento do aresto não foi objeto de impugnação na petição de recurso especial, incidindo, pois, no caso, a Súmula 283 do STF.
Destarte, não conheço do recurso.
RECURSO ESPECIAL NQ 67.237-6 - MG
(Registro n Q 95.0027283-0)
Relator: O Sr. Ministro Fontes de Alencar
Recorrente: Corina Soares Colnago - espólio
Advogados: Drs. Carlos Augusto Sobral Rolemberg e outros
Recorrido: Banco Itaú S/A
Advogados: Drs. Paulo Henrique de Carvalho Chamon e outros Sustentação Oral: Dr. Carlos Augusto Sobral Rolemberg, pelo recor-
rente
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998. 247
EMENTA: Seguro habitacional. Cobertura compreensiva. Desconsideração da pessoa jurídica.
- Parte legítima para responder a ação em que buscado o cumprimento do contrato é a que surge perante o público como a real contratante.
- Recurso especial conhecido pela divergência jurisprudencial demonstrada e atendido.
Unânime.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e lhe dar provimento. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira, Cesar Asfor Rocha e Ruy Rosado de Aguiar. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Barros Monteiro.
Brasília, 10 de março de 1997 (data do julgamento).
Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Presidente. Ministro FONTES DE ALENCAR, Relator.
Publicado no DJ de 06-04-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR: Corina Soares Colnago e seu marido Esteves Pedro Colnago celebraram contrato de financiamento com o Banco Itaú para a aquisição de um imóvel em Brasília, tendo, na mesma ocasião, ade-
rido à apólice de seguro habitacional, relativa ao pagamento do saldo devedor do contrato, na hipótese de morte da mutuária.
Ocorrida a morte da mutuária Corina Soares Colnago, foi buscada em 20.09.91, sem sucesso, a quitação do contrato.
O espólio de Corina Soares Colnago, então, moveu ação cominatória contra o Banco Itaú que, ao contestar, alegou ser parte ilegítima passiva, porque deveria a ação ter sido proposta contra a Itaú Seguros S.A.
A sentença rejeitou a preliminar de ilegitimidade passiva, e, no mérito, acolheu pedido da parte autora (fls. 123 a 129).
A Sexta Cãmara do Tribunal de Alçada do Estado de Mins Gerais, todavia, recebeu bem a preliminar de ilegitimidade passiva, e, em conseqüência, extinguiu a ação à luz do art. 267, VI, do CPC.
Está no acórdão tomado na apelação:
"O Banco é apenas o Estipulante do seguro. A seguradora é a Itaú Seguros S.A., como infor-
248 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998.
ma o Banco e está ciente o apelado" (fl. 168).
E, nos embargos declaratários, a Câmara Julgadora deitou as seguintes considerações:
"(. . .), independentemente do exame dos documentos de fls. 79/ 83, está patente nos autos que a seguradora é a Itaú Seguros, sendo o Banco apenas o estipulante da apólice. Bastam, para demonstrar o acerto da conclusão, a carta de fls. 38, firmada pelo Banco Itaú S.A. e endereçado ao representante do espólio-embargante, e o "termo de negativa de cobertura", de fls. 39, assinado pela Itaú Seguradora, à qual se dirigiu o espólio, reclamando a cobertura do seguro contratado (fls. 44).
A Itaú Seguradora emitiu a apólice de fls. 78, na qual figura como estipulante o Banco Itaú S.A. Ao seguro contratado aderiram Pedro Esteves Colnago e sua mulher Corina Soares Colnago, que firmaram o documento de fls. 23, aceitando as "Condições da Apólice de Seguro Habitacional - Cobertura Compreensiva -Plano Mutuário".
Reconhecendo que o Banco Itaú S.A. é parte ilegítima para o pólo passivo da ação proposta e que esta deveria ter sido ajuizada contra a Itaú Seguradora, o acórdão implicitamente reconheceu que, embora nos contratos firmados pelos adquirentes e o agente financeiro não tenha havido a in-
tervenção direta da seguradora, o contrato de seguro foi com esta celebrado desde que os compradores aderiram à apólice por esta emitida.
Se, porventura, quando da assinatura do contrato de fls. 14/19, os compradores e devedores hipotecários não sabiam qual era a seguradora, depois que lhes chegou às mãos o "termo de negativa de cobertura" de fls. 29, firmado pela Seguradora Itaú, em que esta expressamente se apresenta como responsável pelo seguro, não mais era possível ao autor ignorar este fato." (fls. 193/194)
o Espólio de Corina Soares Colnago manifestou recurso especial alegando ofensa aos arts. 28, da Lei 8.078/90, 265 da Lei 6.404/76; 368 a371, do CPC, art. 6Q
, § 1Q, da LICC,
e art. 5Q, XXXVI, da Constituição
Federal, além de dissídio jurisprudencial (fls. 196 a 215).
VOTO
O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR (Relator): A sentença afastou a preliminar de ilegitimidade passiva, pelos seguintes fundamentos:
"Verificando os documentos acostados aos autos, vê-se, mesmo com olhos que não sejam necessariamente os de lince, que a Requerida e a Seguradora Itaú S.A. são integrantes do mesmo Grupo Econômico, sem embargos de vida própria.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998. 249
Por outro lado, o contrato firmado - de financiamento - com as garantias nele inseridas, pela Requerida - foi firmado pelo mesmo preposto da Seguradora - v. fls. 19 e fls. 23. O signatário de ambas foi o sr. Ricardo Brandão de Rezende Alvim.
Lado outro, o doc. de fls. 23 -contrato de seguro foi firmado por Banco Itaú S.A., como se vê in fine" (fls. 124/125)
A alegada afronta ao art. 5 Q,
XXXVI, da Constituição Federal, não é passível de exame em sede de recurso especial.
Os dispositivos legais mencionados no recurso carecem do necessário prequestionamento. Impõe-se, a respeito, a Súmula 282 do STF.
Tenho por configurada a discrepância jurisprudencial com o julgado trazido a cotejo pelo recorrente, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, de que foi relator o Des. Adroaldo Furtado Fabrício. Do voto que então proferiu o eminente magistrado extraio:
"Votando em caso similar, com a só diferença de tratar-se de uma contratação de seguro, igualmente feita no interior e com o pessoal da agência do Banco comercial, tive oportunidade de ponderar, a propósito das relações entre os vários integrantes de um conglomerado do mesmo tipo: "Todos sabemos que, até mesmo na sua publicidade, eles procuram induzir o público ao convencimento de que se trata de
uma só instituição. Cada qual desses conglomerados procura apregoar que oferece uma maior variedade de serviços e de facilidades aos eventuais usuários. Quer dizer, são os próprios conglomerados que inculcam no usuário dos seus serviços a idéia de que se trata de uma única instituição, que tem vários braços ou vários ramos de atuação, mas cuja independência jamais é mencionada" (Apelação Cível n. 587052226, julgada pela 6ª Câmara Cível em 29.3.88).
Mais adiante, ainda no mesmo voto, aduzi: Mesmo pondo-se de lado, outrossim, esse aspecto que é importante, ninguém pode, em
. sã consciência, negar que uma agência, qualquer que seja, do Banco Bamerindus é também uma agência da Seguradora Bamerindus. Embora existam pessoas jurídicas diferenciadas, como Banco comercial, como corretora de seguros e como seguradora, o que é certo é que, ao público, essas instituições todas se apresentam como uma unidade.
A teoria da aparência poderia perfeitamente ser invocada, se outros fundamentos não existissem, para justificar a visão do grupo como unidade. E eu me atreveria até a dizer que a moderna teoria da desconsideração da pessoa jurídica poderia, com alguma adaptação, ser aplicada também a esses casos. Na teoria da desconsideração da pessoajurídica, deixa-se de lado a existên-
250 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998.
cia da pessoa jurídica para responsabilizar, por determinados atos, a pessoa física que, na realidade, se protege sob a capa da pessoa jurídica. Agora, aqui, nós temos uma pequena variante da teoria do disregard: nós desconsideramos a pessoa jurídica que se oculta, para considerar aquela que aparece efetivamente ante o público e que é, em última análise, a verdadeira contratante." (fl. 219)
E, prossegue:
"Proponho para o caso presente a mesma solução. O ato jurídico celebrado com a Bradesco S.A. - Crédito Imobiliário, em dependência do Banco Brasileiro de Descontos S.A., com pessoal deste e utilizando impressos dele em todas as comunicações ulteriores pertinentes ao mesmo negócio (fls. 13 a 21), é, para todos os efeitos práticos que interessam aos
embargantes, ato celebrado com o referido Banco Brasileiro de Descontos S.A." (fl. 219)
Posto isso, conheço do recurso apenas pelo dissídio jurisprudencial, e lhe dou provimento para, sufragando a tese do acórdão paradigma, determinar o afastamento da preliminar de ilegitimidade passiva, e o volver dos autos ao Tribunal de origem a fim de que julgue, como entender de direito, o mais da apelação.
VOTO
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: Acompanho o Sr. Ministro-Relator, também acolhendo a teoria da aparência, uma vez que, segundo restou assentado nos autos, o contrato inclusive teria sido celebrado pelo próprio banco e não pela empresa participante do mesmo grupo econômico.
RECURSO ESPECIAL Nº 69.742 - MG
(Registro nº 95.0034441-6)
Relator: O Sr. Ministro Barros Monteiro
Recorrente: Banco Sumitomo Brasileiro S.A.
Recorrido: PBM Picchioni Belgo Mineira Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários S.A.
Advogados: Drs. Bento de Barros Ribeiro e outros, e Rubens de Barros Brisolla e outros
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998. 251
EMENTA: CDB com correção monetária pós-fixada. Ação de cobrança intentada pelo investidor. Defesa apresentada pelo Banco-réu com alegações sobre: a) cerceamento de defesa; b) ilegitimidade de parte ativa e passiva; c) prescrição; d) quitação da dívida; e) correção monetária a contar do ajuizamento da ação; f) índice correto a prevalecer no mês de janeiro/89; g) descabimento dos juros convencionais.
1. Acórdão recorrido que justifica de modo cabalo julgamento antecipado da lide, por desnecessária a dilação probatória requerida. Inocorrência do alegado cerceamento de defesa.
2. Existindo vínculo jurídico de índole contratual entre as partes, a legitimidade não se arreda pela simples circunstância de terem sido emitidas normas por órgãos oficiais que possam afetar a relação entre os contratantes.
3. Contrato de aplicação financeira (CDB) celebrado entre a autora e o banco-réu, tendo ela, afinal, recebido de modo incompleto o produto da negociação. Legitimidade de parte ativa reconhecida.
4. Impertinente a invocação, no caso, do art. 30 da Lei n Q 4.728, de 14.07.65, por dispor acerca de depósitos bancários com prazo de aplicação superior a dezoito meses, o que não vem ao caso.
5. Restituição do título pelo devedor ao credor. Investimento que, na espécie, se realizou através de lançamentos escriturais. Matéria de prova, excluída de apreciação pela instância excepcional (Súmula n Q 07-STJ).
6. Efetuado o pagamento de modo incompleto, a correspondente diferença há de ser paga, computando-se a correção monetária desde a data em que deixou de sê-lo.
7. Alegação de que os juros compensatórios não foram objeto de convenção. Incidência da Súmula n Q 05-STJ.
8. Imprequestionamento do tema relativo ao índice corretor a incidir no mês de janeiro de 1989.
Recurso especial não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas:
Prosseguindo no julgamento, decide a Quarta Turma do Superior
Tribunal de Justiça, por maioria, não conhecer do recurso, vencido, em parte, o Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha, na forma do relatório e notas taquigráficas precedentes que integram o presente julgado. Votou
252 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998.
com o Relator o Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira.
Brasília, 21 de outubro de 1997 (data do julgamento).
Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente e Relator.
Publicado no DJ de 16-03-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: "PBM - Picchioni - Belgo Mineira - Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários S.A." ajuizou ação de cobrança contra o "Banco Sumitomo S.A.", alegando haver realizado aplicações financeiras (CDB's) junto ao banco-réu pelo sistema de emissão eletrônica, centralizada na CETIP (Central de Custódia e de Liquidação Financeira de Títulos), investimentos estes que lhe garantiam, durante todo o período, o recebimento da correção monetária integral e juros em taxas pré-acordadas. Esclareceu que, em virtude da promulgação da Medida Provisória n Q 32/89, convertida na Lei n Q
7.730/89, não lhe foi pago o valor correspondente à correção monetária relativa ao período posterior à extinção da OTN até o vencimento de cada um dos títulos. Requereu o adimplemento do contrato, devendo o banco pagar a diferença verificada entre o valor do resgate devido e o montante pago, acrescida dos juros compensatórios e de atualização monetária, medida pelo IPC, desde a data da aplicação até o dia da solução do débito.
O MM. Juiz de Direito julgou a ação procedente para condenar o réu a pagar à autora o valor da cor-
reção monetária alusivo aos CDB's, a partir de 16 de janeiro de 1989, apurado com base no IPC, além de atualização monetária, juros convencionais,juros moratórios, custas e honorários advocatícios.
Apreciando a apelação interposta pelo réu, o Tribunal de Alçada de Minas Gerais rejeitou as preliminares de cerceamento de defesa e de carência (ilegitimidade ativa e passiva ad causam), assim como a argüição de prescrição. No mérito, negou provimento ao apelo.
Rejeitados os declaratórios, o banco manifestou recurso especial com fulcro nas alíneas a e c do admissor constitucional. A par do dissenso jurisprudencial com arestos desta Corte, do Supremo Tribunal Federal e do Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, apontou o recorrente contrariedade aos seguintes preceitos legais: a) arts. 330, I, e 333, II, do CPC, por cerceamento de defesa, uma vez que não lhe foi permitido comprovar as assertivas de que a autora não investira em nome próprio e, ainda, não dispunha de meios para efetuar a aplicação financeira; b) art. 3Q do CPC em face de sua ilegitimidade passiva ad causam, pois se limitou a obedecer às determinações baixadas pelo Conselho Monetário Nacional/Banco Central do Brasil; c) tocante à legitimidade de parte ativa, insistiu na asserção de afronta ao art. 3Q do CPC, embora - segundo o recorrente - o tema esteja relacionado com a falta de instrução probatória; d) arts. 30, § 5Q
, da Lei n Q 4.728/65, 70 e 77 do Dec. n Q
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998. 253
57.663/66 (Lei Uniforme),já que se aplicam aos CDB's as disposições legais atinentes à nota promissória, motivo pelo qual se consumou o prazo trienal da prescrição; e) art. 945, caput e § l Q do Código Civil, porquanto a autora, ao devolver o título e receber o importe do resgate, não opôs qualquer ressalva, dando assim ampla, geral e irrevogável quitação ao réu; f) art. 1 Q, § 2Q
, da Lei n Q 6.899/81, visto que, cuidando-se de dívida de dinheiro, o dies a quo da correção monetária deve ser a data de ajuizamento da demanda; g) ao art. 1.062 do Código Civil, por ordenado o pagamento dos juros convencionais, quando não existe convenção alguma a respeito; h) art. 20 do CPC, por exagerado o valor fixado para os honorários de advogado. Em item destacado na irresignação recursal, indicou divergência interpretativa em relação ao índice de correção monetária para o mês de janeiro/89 (REsp n Q 49.656-0 /SP), sustentando a prevalência do percentual de 42,72%.
Oferecidas as contra-razões, o apelo extremo foi admitido na origem.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO (Relator): 1. A decisão recorrida justificou cabalmente o julgamento antecipado no caso em apreciação, visto reputar desnecessária a instrução probatória pretendida pelo banco-réu.
Primeiro, considerou suficiente para o deslinde da causa a prova documental. Ao depois e notadamente, anotou que o investimento realizado pela autora, em nome próprio, se encontra comprovado nos autos, pouco importando que tenha prestado serviços a terceiros, tanto mais que somente estes terceiros é que poderiam questionar sua situação. Irrelevante, portanto, para o V. Acórdão, a prova da captação de recursos junto a terceiros, até mesmo porque estes últimos não mantêm relação jurídica substancial direta com o banco-réu. Por igual, teve como desprovida de significação a prova acerca da falta de capacidade financeira da ora recorrida, porque, independentemente dessa circunstância, restou claro nos autos que houve o investimento e que, no momento da aplicação, o recorrente aceitou o depósito em nome da demandante, com esta tendo travado a relação jurídica de natureza obrigacional.
J á por tais motivos, não há falar em vulneração dos arts. 330, I, e 333, lI, do Código de Processo Civil, ante a inteira desnecessidade na espécie da dilação probatória requerida. Nos' termos do disposto no art. 130 do estatuto processual civil, ao Juiz cabe indeferir as diligências inúteis ou meramente protelatórias. Não bastassem tais fundamentos, deve ser observado que, para verificar-se o acerto ou não da deliberação concernente à realização do julgamento antecipado, haveria nesta instância excepcional de descer-se ao exame dos fatos da causa, o que, entretanto, é defeso §tteoJ-rlo
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que enuncia a Súmula n Q 07-STJ. Bem por isso, adstrito que é esse mesmo juízo ao caráter particular de cada caso concreto, não se faz viável estabelecer-se o pretendido dissídio de julgados a que se dispôs evidenciar o recorrente. Aliás, deixou ele, outrossim, de cumprir a norma inserta no art. 255, § 29 , do RISTJ, mencionando as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem as hipóteses confrontadas.
2. Não se sustenta, de outro lado, a insistência do banco privado tocante à preliminar de ilegitimidade de parte passiva ad causam, em face da jurisprudência desta Casa, que se tem reiterado em controvérsia dessa natureza. Em torno dos contratos de depósito em caderneta de poupança, tem, com efeito, assentado este Tribunal orientação que se amolda às inteiras ao caso presente, pois que, no fundo, há aqui também um contrato celebrado entre os litigantes (a relação jurídica de direito material, em substância, é a mesma). Eis a ementa que para o REsp n 9 23.099-1/RJ lançou o em. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira:
"Processo Civil. Legitimidade ad causam passiva. Caderneta de poupança. Plano Verão. Correção. CPC, art. 267, § 3Q
• Recurso conhecido e provido.
I - Eventuais alterações na política econômica, decorrentes de planos governamentais, não afastam, por si, a legitimidade ad causam das partes envolvidas em contratos de direito privado,
inclusive as instituições financeiras que atuam como agentes captadores em torno de cadernetas de poupança.
II - Existindo vínculo jurídico de índole contratual entre as partes, a legitimidade não se arreda pela simples circunstância de terem sido emitidas normas por órgãos oficiais que possam afetar a relação entre os contratantes" (in RSTJ voI. 43, pág. 410).
3. A ilegitimidade ativa da investidora e, bem assim, o seu interesse de agir afiguram-se induvidosos na hipótese sub judice, consoante bem evidenciou o Acórdão combatido. O contrato de aplicação financeira (CDB's) foi celebrado com a autora e foi ela, afinal, quem recebeu, de modo incompleto, o produto da negociação.
Não se vislumbra, também neste tópico, afronta alguma à lei federal.
4. Nenhuma razão assiste ao banco quanto à assertiva de prescrição.
É que, tal como decidido por esta C. Turma, quando do julgamento do REsp n Q 77.006-MG, relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, o art. 30 da Lei n 9 4.728/65 não se mostra pertinente, haja vista que dispõe acerca de certificados de depósitos bancários com prazo de aplicação superior a dezoito meses, o que não vem ao caso, em que a data prevista para vencimento era a de 13.03.89.
Por conseguinte, tal como no aludido precedente, descabe a análise dos arts. 70 e 77 do Dec. n Q 57.663/ 66.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998. 255
5. O Acórdão recorrido entendeu inaplicável à espécie o prazo previsto no art. 945, § 1 º, do CCB. A autora, segundo o v. decisum, não possuía título representativo de seu crédito, para entregá-lo ou devolvêlo ao devedor. "O investimento contratado realizou-se através de lançamentos escriturais junto ao apelante". Ora, diante desse quadro fático, saber se ocorreu ou não a entrega do título ao devedor é matéria que se encontrava à soberana definição das instâncias ordinárias, tal como reza a Súmula nº 07 desta Casa, acima evocada. Não é por outra razão que no REsp nº 77.006-MG, este mesmo órgão fracionário proclamou:
"Investigar, outrossim, se houve ou não quitação plena a impossibilitar a reivindicação de juros e correção monetária emergentes do contrato, reclamaria exame da prova coligida nos autos, impossível na via do recurso especial".
Nesse ponto, inexiste infração à norma de lei federal, nem tampouco se vê plausibilidade na alegação de dissonância interpretativa não somente porque se apresenta distinta moldura fática entre os arestos confrontados, como também porque não cogitou o recorrente de dar observância total ao estabelecido no art. 255, § 2º, do Regimento Interno deste Tribunal.
6. Escorreito, ainda, o V. Acórdão ao assentar que se a correção "não incidir a partir do momento da exigibilidade da obrigação, não haverá uma correção justa e completa".
Vale acentuar, de qualquer forma, que o crédito em tela é representado por CDB's, títulos que se classificam perfeitamente entre aqueles contemplados pelo art. 1º, § 1º, da Lei nº 6.899, de 08.04.81. Não é porque se cuida aqui de ação ordinária de cobrança que se haverá de excluir a incidência de tal preceituação legal. Não fora isso, cabe invocar-se a disposição constante da Súmula nº 43 desta Corte, tendo em conta o ilícito contratual praticado.
A atualização monetária deve computar-se a partir do desfalque patrimonial sofrido pelo contratante. Bem por isso ainda há pouco, ao julgar o REsp nº 106.673-RJ, o relator, Sr. Ministro Eduardo Ribeiro, pontificou:
"Efetuado pagamento a menor, a correspondente diferença há de ser paga, computando-se correção monetária desde a data em que deixou de sê-lo".
Não cumpriu o recorrente, também neste tópico, a norma inscrita no art. 255, § 2º, do RISTJ. De qualquer forma, a orientação mais recente deste Tribunal se firmou no mesmo sentido do decisório hostilizado (Súmula nº 83-STJ).
7. Segundo a peça exordial, os juros compensatórios são devidos às taxas contratadas. Assim se formalizou o pedido e assim a sentença dirimiu o litígio nesse particular. Agora, vem o recorrente afirmar que não há convenção a respeito dessa modalidade de juros. A alegação esbarra, contudo, no verbete su-
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mular n Q 05 desta Casa, de vez que, para coonestar-se a sua assertiva de que inexistiu pacto a propósito do assunto, seria de rigor a análise detida de cláusulas contratuais instituídas pelas partes. Advirta-se que o Acórdão recorrido não negou a existência da avença no particular; apenas disse que a compensação, representada pelos juros de tal natureza, deve existir independentemente de convenção das partes (fls. 852).
8. Não é de admitir-se como aperfeiçoado o conflito de julgados entre a decisão recorrida e o REsp n Q
49.656-0/SP, alusivo ao índice corretor prevalecente para o mês de janeiro/89, porque o Acórdão ora vergastado simplesmente não tratou de modo específico deste pormenor (percentual a incidir naquele mês). Ausente aí, pois, o pressuposto do prequestionamento (Súmula n Q 282-STF), não bastando que o banco tenha aventado a matéria em embargos declaratórios (cfr. REsp n Q 23.668-3/MG, relator Ministro Eduardo Ribeiro).
9. Por derradeiro, o arbitramento da verba honorária em face do trabalho desenvolvido pelos profissionais da advocacia impõe o reexame de fatos e circunstâncias da lide, pelo que refoge ao âmbito angusto do apelo especial (Súmula n Q 07), o que, de resto, se acha cônsono com o Enunciado n Q 389 dajurisprudência sumulada do Excelso Pretório.
10. Ante o exposto, não conheço do recurso.
É como voto.
VOTO- VISTA
o SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA: 1. O eminente Ministro Barros Monteiro assim relatou o feito:
"PBM - Picchioni - Belgo Mineira - Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários S.A." ajuizou ação de cobrança contra o "Banco Sumitomo S.A.", alegando haver realizado aplicações financeiras (CDB's) junto ao banco-réu pelo sistema de emissão eletrônica, centralizada na CETIP (Central de Custódia e de Liquidação Financeira de Títulos), investimentos estes que lhe garantiam, durante todo o período, o recebimento da correção monetária integral e juros em taxas préacordadas. Esclareceu que, em virtude da promulgação da Medida Provisória n Q 32/89, convertida na Lei n Q 7.730/89, não lhe foi pago o valor correspondente à correção monetária relativa ao período posterior à extinção da OTN até o vencimento de cada um dos títulos. Requereu o adimplemento do contrato, devendo o banco pagar a diferença verificada entre o valor do resgate devido e o montante pago, acrescida dos juros compensatórios e de atualização monetária, medida pelo IPC, desde a data da aplicação até o dia da solução do débito.
O MM. Juiz de Direito julgou a ação procedente para condenar o réu a pagar à autora o valor da correção monetária alusivo aos
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CDB's, a partir de 16 de janeiro de 1989, apurado com base no IPC, além de atualização monetária, juros convencionais, juros moratórios, custas e honorários advocatícios.
Apreciando a apelação interposta pelo réu, o Tribunal de Alçada de Minas Gerais rejeitou as preliminares de cerceamento de defesa e de carência (ilegitimidade ativa e passiva ad causam), assim como a argüição de prescrição. No mérito, negou provimento ao apelo.
Rejeitados os declaratórios, o banco manifestou recurso especial com fulcro nas alínea a e c do admissor constitucional. A par do dissenso jurisprudencial com arestos desta Corte, do Supremo Tribunal Federal e do Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, apontou o recorrente contrariedade aos seguintes preceitos legais: a) arts. 330, I, e 333, II, do CPC, por cerceamento de defesa, uma vez que não lhe foi permitido comprovar as assertivas de que a autora não investira em nome próprio e, ainda, não dispunha de meios para efetuar a aplicação financeira; b) art. 3Q
do CPC em face de sua ilegitimidade passiva ad causam, pois se limitou a obedecer às determinações baixadas pelo Conselho Monetário Nacional/Banco Central do Brasil; c) tocante à legitimidade de parte ativa, insistiu na asserção de afronta ao art. 3Q do CPC, embora - segundo o recorrente - o tema esteja relaciona-
do com a falta de instrução probatória; d) arts. 30, § 5Q
, da Lei n Q 4.728/65, 70 e 77 do Dec. n° 57.663/66 (Lei Uniforme), já que se aplicam aos CDB's as disposições legais atinentes à nota promissória, motivo pelo qual se consumou o prazo trienal da prescrição; e) art. 945, caput e § 1 Q, do Código Civil, porquanto a autora, ao devolver o título e receber o importe do resgate, não opôs qualquer ressalva, dando assim ampla, geral e irrevogável quitação ao réu; f) art. 1 Q, § 2Q
, da Lei n° 6.899/81, visto que, cuidandose de dívida de dinheiro, o dies a quo da correção monetária deve ser a data de ajuizamento da demanda; g) ao art. 1.062 do Código Civil, por ordenado o pagamento dos juros convencionais, quando não existe convenção alguma a respeito; h) art. 20 do CPC, por exagerado o valor fixado para os honorários de advogado. Em item destacado na irresignação recursal, indicou divergência interpretativa em relação ao índice de correção monetária para o mês de janeiro/89 (REsp n Q 49.656-0/SP), sustentando a prevalência do percentual de 42,72%.
Oferecidas as contra-razões, o apelo extremo foi admitido na origem".
2. Para não conhecer do recurso, o Senhor Ministro-Relator valeu-se das seguintes judiciosas considerações:
"1. A decisão recorrida justificou cabalmente o julgamento an-
258 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998.
tecipado no caso em apreciação, visto reputar desnecessária a instrução probatória pretendida pelo banco-réu.
Primeiro, considerou suficiente para o deslinde da causa a prova documental. Ao depois e notadamente, anotou que o investimento realizado pela autora, em nome próprio, se encontra comprovado nos autos, pouco importando que tenha prestado serviços a terceiros, tanto mais que somente estes terceiros é que poderiam questionar sua situação. Irrelevante, portanto, para o V. Acórdão, a prova da captação de recursos junto a terceiros, até mesmo porque estes últimos não mantêm relação jurídica substancial direta com o banco-réu. Por igual, teve como desprovida de significação a prova acerca da falta de capacidade financeira da ora recorrida, porque, independentemente dessa circunstância, restou claro nos autos que houve o investimento e que, no momento da aplicação, o recorrente aceitou o depósito em nome da demandante, com esta tendo travado a relação jurídica de natureza obrigacional.
J á por tais motivos, não há falar em vulneração dos arts. 330, I, e 333, II, do Código de Processo Civil, ante a inteira desnecessidade na espécie da dilação probatória requerida. Nos termos do disposto no art. 130 do estatuto processual civil, ao Juiz cabe indeferir as diligências inúteis ou
meramente protelatórias. Não bastassem tais fundamentos, deve ser observado que, para verificar-se o acerto ou não da deliberação concernente à realização do julgamento antecipado, haveria nesta instância excepcional de descer-se ao exame dos fatos da causa, o que, entretanto, é defeso a teor do que enuncia a Súmula n Q 07-STJ. Bem por isso, adstrito que é esse mesmo juízo ao caráter particular de cada caso concreto, não se faz viável estabelecer-se o pretendido dissídio de julgados a que se dispôs evidenciar o recorrente. Aliás, deixou ele, outrossim, de cumprir a norma inserta no art. 255, § 2Q
,
do RISTJ, mencionando as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem as hipóteses confrontadas.
2. Não se sustenta, de outro lado, a insistência do banco privado tocante à preliminar de ilegitimidade de parte passiva ad causam, em face dajurisprudência desta Casa, que se tem reiterado em controvérsia dessa natureza. Em torno dos contratos de depósito em caderneta de poupança, tem, com efeito, assentado este Tribunal orientação que se amolda às inteiras ao caso presente, pois que, no fundo, há aqui também um contrato celebrado entre os litigantes (a relação jurídica de direito material, em substância, é a mesma). Eis a ementa que para o REsp nQ 23.099-lIRJ lançou o em. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira:
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998. 259
"Processo Civil. Legitimidade ad causam passiva. Caderneta de poupança. Plano Verão. Correção. CPC, art. 267, § 3Q
• Recurso conhecido e provido.
I - Eventuais alterações na política econômica, decorrentes de planos governamentais, não afastam, por si, a legitimidade ad causam das partes envolvidas em contratos de direito privado, inclusive as instituições financeiras que atuam como agentes captadores em torno de cadernetas de poupança.
II - Existindo vínculo jurídico de índole contratual entre as partes, a legitimidade não se arreda pela simples circunstância de terem sido emitidas normas por órgãos oficiais que possam afetar a relação entre os contratantes" (in RSTJ vol. 43, pág. 410).
3. A ilegitimidade ativa da investidora e, bem assim, o seu interesse de agir afiguram-se induvidosos na hipótese sub judice, consoante bem evidenciou o Acórdão combatido. O contrato de aplicação financeira (CDB's) foi celebrado com a autora e foi ela, afinal, quem recebeu, de modo incompleto, o produto da negociação.
Não se vislumbra, também neste tópico, afronta alguma à lei federal.
4. Nenhuma razão assiste ao banco quanto à assertiva de prescrição.
É que, tal como decidido por esta C. Turma, quando do julgamento do REsp n Q 77.006-MG, relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, o art. 30 da Lei n Q
4.728/65 não se mostra pertinente, haja vista que dispõe acerca de certificados de depósitos bancários com prazo de aplicação superior a dezoito meses, o que não vem ao caso, em que a data prevista para vencimento era a de 13.03.89.
Por conseguinte, tal como no aludido precedente, descabe a análise dos arts. 70 e 77 do Dec. n Q 57.663/66.
5. O Acórdão recorrido entendeu inaplicável à espécie o prazo previsto no art. 945, § 1Q
, do CCB. A autora, segundo o v. decisum, não possuía título representativo de seu crédito, para entregálo ou devolvê-lo ao devedor. "O investimento contratado realizouse através de lançamentos escriturais junto ao apelante". Ora, diante desse quadro fático, saber se ocorreu ou não a entrega do título ao devedor é matéria que se encontrava à soberana definição das instâncias ordinárias, tal como reza a Súmula n Q 07 desta Casa, acima evocada. Não é por outra razão que no REsp nQ 77.006-MG, este mesmo órgão fracionário proclamou:
"Investigar, outrossim, se houve ou não quitação plena a impossibilitar a reivindicação de juros e correção monetária emergentes do contrato, reclamaria
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exame da prova coligida nos autos, impossível na via do recurso especial".
N esse ponto, inexiste infração à norma de lei federal, nem tampouco se vê plausibilidade na alegação de dissonãncia interpretativa não somente porque se apresenta distinta moldura fática entre os arestos confrontados, como também porque não cogitou o recorrente de dar observância total ao estabelecido no art. 255, § 2º, do Regimento Interno deste Tribunal.
6. Escorreito, ainda, o V. Acórdão ao assentar que se a correção "não incidir a partir do momento da exigibilidade da obrigação, não haverá uma correção justa e completa". Vale acentuar, de qualquer forma, que o crédito em tela é representado por CDB's, títulos que se classificam perfeitamente entre aqueles contemplados pelo art. 1 º, § 1 º, da Lei nº 6.899, de 08.04.81. Não é porque se cuida aqui de ação ordinária de cobrança que se haverá de excluir a incidência de tal preceituação legal. Não fora isso, cabe invocar-se a disposição constante da Súmula nº 43 desta Corte, tendo em conta o ilícito contratual praticado.
A atualização monetária deve computar-se a partir do desfalque patrimonial sofrido pelo contratante. Bem por isso ainda há pouco, ao julgar o REsp nº 106.673-RJ, relator Ministro Eduardo Ribeiro, pontificou:
"Efetuado pagamento a menor, a correspondente diferença há de ser paga, computando-se correção monetária desde a data em que deixou de sêlo".
Não cumpriu o recorrente, também neste tópico, a norma inscrita no art. 255, § 2º, do RISTJ. De qualquer forma, a orientação mais recente deste Tribunal se firmou no mesmo sentido do decisório hostilizado (Súmula nº 83-STJ).
7. Segundo a peça exordial, os juros compensatórios são devidos às taxas contratadas. Assim se formalizou o pedido e assim a sentença dirimiu o litígio nesse particular. Agora, vem o recorrente afirmar que não há convenção a respeito dessa modalidade de juros. A alegação esbarra, contudo, no Verbete Sumular nº 05 desta Casa, de vez que, para coonestar-se a sua assertiva de que inexistiu pacto a propósito do assunto, seria de rigor a análise detida de cláusulas contratuais instituídas pelas partes. Advirtase que o Acórdão recorrido não negou a existência da avença no particular; apenas disse que a compensação, representada pelos juros de tal natureza, deve existir independentemente de convenção das partes (fls. 852).
8. Não é de admitir-se como aperfeiçoado o conflito de julgados entre a decisão recorrida e o REsp nº 49.656-0/SP, alusivo ao índice corretor prevalecente para
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998. 261
o mês de janeiro/89, porque o Acórdão ora vergastado simplesmente não tratou de modo específico deste pormenor (percentual a incidir naquele mês). Ausente aí, pois, o pressuposto do prequestionamento (Súmula nº 282-STF), não bastando que o banco tenha aventado a matéria em embargos declaratórios (cfr. REsp nº 23.668-3/MG, relator Ministro Eduardo Ribeiro).
9. Por derradeiro, o arbitramento da verba honorária em face do trabalho desenvolvido pelos profissionais da advocacia impõe o reexame de fatos e circunstâncias da lide, pelo que refoge ao âmbito angusto do apelo especial (Súmula nº 07), o que, de resto, se acha cônsono com o Enunciado nº 389 da jurisprudência sumulada do Excelso Pretório".
3. Pedi vista dos autos para melhor exame da matéria apenas quanto ao não conhecimento, pela divergência que não teria sido demonstrada, no ponto atinente à aplicação, pela v. decisão ora hostilizada, do índice de 70,28%, e não do percentual de 42,72%, já que, quanto ao mais, aderi de logo ao voto do eminente Ministro-Relator.
4. Quanto a esse destacado aspecto, vale dizer, à demonstração do desencontro dos julgados a respeito do índice a ser aplicado como fator de correção no mês de janeiro de 1989, tenho, data venia, como procedente a irresignação do recorrente, já que tenho por existente o
dissídio pretoriano a respeito do tema.
É certo que, a ser rigoroso no exame da sua demonstração, não se deveria mesmo tê-lo por existente.
Todavia, esta Corte, quando se trata de notória divergência, como no caso em que a questão posta em desate, nesse ponto, é de trato corriqueiro neste Tribunal, tem abrandado a exatidão técnica com que se exige para esse pressuposto de conhecimento do recurso especial.
Na hipótese, vê-se, data venia a olhos desarmados, que o v. acórdão vergastado aplicou, para refletir a real inflação do mês de janeiro de 1989, o índice de 70,28% e não o de 42,72%, sendo este o que é pacificamente aplicado neste Tribunal.
Com efeito, a autora da demanda pediu o cômputo da variação do IPC de janeiro de 1989, no patamar de 70,28% (fls. 05), sendo o referido pleito integralmente deferido pelas instâncias ordinárias.
Dessa sorte, entendo, com respeitosa vênia, que o acórdão tratou sobre o índice a ser aplicado naquele mês, na medida em que confirmou a procedência do pedido formulado na exordial que, conforme relatado no próprio decisuID hostilizado, buscava a aplicação do percentual de 70,28%.
5. Aberto, assim, o pórtico para conhecimento do recurso, nesse tópico, pela divergência, quanto a isso, no que lhe seja atinente a seu mérito, a egrégia Corte Especial deste Sodalício, no julgamento do REsp nº 43.055-0-SP (D.J. de 20.02.95), re-
262 R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998.
latado pelo eminente Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, já decidiu que o índice que reflete a real inflação do mês de janeiro de 1989 é de 42,72% e não de 70,28%, como divulgado pelo IBGE. A decisão plenária sob enfoque encontra-se condensada na seguinte ementa, verbis:
"Direito Econômico. Correção monetária. Janeiro 1 1989. "Plano Verão". Liquidação. IPC. Real índice inflacionário. Critério de cálculo. Art. 99, I e II da Lei 7.7301 89. Atuação do Judiciário no plano econômico. Considerações em torno do índice de fevereiro. Recurso parcialmente provido.
I - Ao Judiciário, uma vez acionado e tomando em consideração os fatos econômicos, incumbe aplicar as normas de regência, dando a essas, inclusive, exegese e sentido ajustado aos princípios gerais de direito, como o que veda o enriquecimento sem causa.
I! - O divulgado IPC de janeiro/89 (70,28%), considerados a forma atípica e anômala com que obtido e o flagrante descompasso com os demais índices, não refletiu a real oscilação inflacionária verificada no período, melhor se prestando a retratar tal variação o percentual de 42,72%, a incidir nas atualizações monetárias em sede de procedimento liquidatório.
lU - Ao Superior Tribunal de Justiça, por missão constitucional, cabe assegurar a autoridade
da lei federal e sua exata interpretação."
Em face do decisum acima transcrito, esta egrégia Turma vem pacificamente aplicando o referido índice (42,72%) como real valor do IPC de janeiro de 1989 para fins de cálculo da remuneração dos contratos de aplicação em CDB's, com correção monetária pós-fixada.
Nesse sentido, registrem-se os seguintes precedentes:
"Direitos Econômico e Processual Civil. CDB pós-fixado. Preservação da comutatividade contratual. Adoção do índice que refletiu a variação inflacionária do período. Art. 15 da Lei 7.730189. Inaplicabilidade aos contratos firmados anteriormente à sua edição sem previsão inflacionária projetada para o futuro. Recurso especial. Matéria de prova. Impossibilidade de reexame. Prequestionamento. Requisito essencial. Inocorrência. Recurso~ conhecido pela divergência, em parte, e parcialmente provido.
I - Nos contratos de CDB, com taxas pós-fixadas, o congelamento do fator de indexação, posteriormente imposto, lhe retira essa feição, provocando alteração significativa na comutatividade contratual, impondo-se a adoção de índice que reflita a variação inflacionária no período da aplicação.
I! - O art. 15 da Lei 7.730189 não se aplica aos contratos celebrados antes de sua edição, sem
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projeção inflacionária prefixada, mas com previsão contratual de efetivo reajuste monetário compatível com a inflação decorrida no período de sua execução.
III - Conforme precedente da Corte Especial (REsp 43.055-SP), o percentual de inflação verificado emjaneiro de 1989 é de 42,72%.
IV - "A pretensão de simples reexame de prova não ensej a recurso especial" (Enunciado n. 7 da SúmulalSTJ).
V - O recurso especial tem por escopo preservar a autoridade da lei federal e uniformizar a sua interpretação. Para que se alegue sua violação, deve-se colher a manifestação do tribunal de origem sobre a questão federal. Somente assim se pode afirmar eventual negativa de vigência à norma. Em suma, torna-se necessário o prequestionamento." (REsp 77.006-MG, Relator eminente Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 19.08.96)
"CDB. Correção pós-fixada. Tablita.
- Não se aplica o deflator previsto na Lei 7.730/89, para os contratos de aplicação em CDB's, com correção pós-fixada. Precedente da Segunda Seção.
- Atualização, em janeiro de 1989, pelo IPC de 42,72%.
Recurso provido em parte." CREsp 80.658-RJ, Relator eminente Ministro Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 02.09.96).
"Correção monetária. CDE.
1. Emjaneiro/1989, aplica-se o índice de 42,72%, para a correção monetária da aplicação financeira.
2. A redução do índice para tal quantitativo não autorizaria o Tribunal a elevar, de ofício, o percentual relativo a fevereiro/1989, de 3,60% para 10,14%.
3. Multa excluída, por inexistência de seus pressupostos de aplicação (art. 538, par. único, CPC).
4. Questões não prequestionadas. Votos vencidos.
Recurso conhecido em parte e provido." CREsp 100.645-MG, Relator eminente Ministro Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 11.11.96)
O acórdão recorrido afasta-se da orientação jurisprudencial acima referenciada, impondo-se, destarte, a sua reforma.
6. Diante do exposto, ouso divergir parcialmente do eminente Ministro Barros Monteiro em razão do que conheço parcialmente do recurso e, nessa parte, lhe dou provimento, apenas para aplicar o índice de 42,72%, como fator de correção no mês de janeiro de 1989.
VOTO
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: Sr. Presidente, rogando vênia ao Ministro Cesar Asfor Rocha, vou acompanhar às inteiras o Ministro-Relator, especialmente no que tange à divergên-
264 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998.
cia travada nos votos anteriores em relação ao índice concernente ao mês de janeiro de 89, no tocante ao prequestionamen to.
N a linha dos nossos precedentes, em que se tem exigido que a matéria seja discutida e decidida, acompanho o Sr. Ministro-Relator.
RECURSO ESPECIAL NQ 76.190 - SP
(Registro n Q 95.0050327-1)
Relator: O Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira
Recorrentes: Entel S/A e Koncreta - Engenharia e Construções Ltda.
Recorrido: Condomínio Edifício Paineiras
Advogados: Drs. Norton A. Severo Batista Júnior e outros, Antônio Carlos Marcondes Machado e outros, e Marli Gonçalves Gorgone e outro
EMENTA: Direito Civil. Responsabilidade do construtor e do empreiteiro. Inteligência do art. 1.245, Código Civil. Prazos de garantia e de prescrição. Enunciado n!! 194 da Súmula STJ. Incidência do Verbete Sumular n!! 83. Recursos desacolhidos.
I - O prazo de cinco (5) anos do art. 1.245 do Código Civil, relativo à responsabilidade do construtor pela solidez e segurança da obra efetuada, é de garantia e não de prescrição ou decadência. Apresentados aqueles defeitos no referido período, o construtor poderá ser acionado no prazo prescricional de vinte (20) anos, consoante assentado no Enunciado n!! 194 da Súmula desta Corte.
II - Quanto à alínea c do permissor constitucional, nos termos da Súmula/STJ, Verbete n!! 83, "não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida".
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a se-
guir, por unanimidade, não conhecer dos recursos. Votaram com o Relator os Ministros Barros Monteiro e Ruy Rosado de Aguiar. Ausentes, justificadamente, o Ministro Bueno de Souza e, ocasionalmente, o Ministro Cesar Asfor Rocha.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998. 265
Brasília, 24 de março de 1998 (data do julgamento).
Ministro BARROS MONTEIRO Presidente. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Relator.
Publicado no DJ de 08-06-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: Trata-se de "ação condenatória de obrigação de fazer" ajuizada pelo recorrido contra a segunda recorrente, que, por sua vez, promoveu a denunciação da lide à primeira recorrente, em razão do contrato de empreitada firmado entre elas, recorrentes.
A sentença acolheu parcialmente a pretensão ajuizada para impor à ré o conserto das trincas da fachada e lavanderia do prédio, o refazimento da vedação de todas as janelas e a substituição das portas corta-fogo ou a aprovação das que se encontravam colocadas. A denunciação da lide, por seu lado, foi também acolhida para ser condenada a denunciada a suportar os ônus da condenação da ré, "reconhecendo a sua responsabilidade a teor do art. 76 do CPC".
O Tribunal de Justiça de São Paulo, sob a relatoria do Des. Pereira Calças, deu parcial provimento às apelações da ré e da denunciada para reduzir '''o percentual da honorária para 10% sobre o valor da causa, devidamente corrigido, em face da sucumbência recíproca", determinando, ademais, que o autor arcasse com 50% das despesas pro-
cessuais e a ré com os outros 50% mantida a condenação da denun~ ciante nos mesmos termos em que se manifestara a sentença.
Do voto condutor do acórdão, destaco:
"Por outro lado, também não prospera a alegação alternativa de que o prazo prescricional da ação fundamentada na responsabilidade prevista no artigo 1.245 do Código Civil é de cinco anos. N a verdade, o prazo de garantia é que é de cinco anos. O prazo prescricional, porém, é de vinte anos, contados da data em que os defeitos se apresentem, desde que dentro do qüinqüênio legal de garantia.
Destaque-se ainda que a responsabilidade do incorporador e do construtor do edifício é solidária e ambos respondem pela garantia da construção pelo prazo de cinco anos, sendo que tal responsabilidade subsiste em relação ao que encomenda a construção, bem como a todos os adquirentes de unidades do edifício.
O prazo prescricional, portanto, seja para a incorporadora, seja para a construtora é de vinte anos e, evidentemente, no caso vertente, não se configurou a prescrição, seja em relação à ação principal, seja em relação à ação de garantia.
Masta-se, portanto, a alegação de prescrição formulada pela requerida e pela denunciada à lide.
Relativamente ao mérito verifica-se que a douta senten~ian-
266 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998.
te bem decidiu a espécie, reconhecendo a responsabilidade da requerida com base no bem fundamentado laudo do perito oficial, que por estar eqüidistante dos interesses das partes, teve suas conclusões acolhidas pela sentença".
Advieram recursos especiais interpostos pela ré e pela denunciada.
O apelo da ré, Entel Comercial Construtora Ltda., fundamenta-se em alegação de divergência jurisprudencial, colacionando paradigma oriundo do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (AC 19.272, Jurisprudência Brasileira 117/138).
A irresignação da denunciada, de outra parte, acha-se estribada na invocação de ofensa ao art. 1.245 do Código Civil, concluindo com a assertiva de que "a ação de garantia não pode ser exercida e, muito menos, fora do qüinqüênio legal, estabelecido pela norma em questão".
Contra-arrazoado foram ambos os recursos admitidos na origem.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA (Relator): O tema já foi enfrentado por diversas vezes nesta Corte, inclusive por esta Turma, do que é exemplo o REsp 5.522-MG (DJ l.7.91), por mim relatado. Do voto que proferi, ao ensejo desse julgamento, extraio:
"Ao votar, na condição de relator, na Apelação n Q 71.586, da ego Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, tive oportunidade de dizer:
"Como bem demonstra, em "Contrato de Construção e Responsabilidade Civil" e em "A Empreitada de Construção nas Decisões dos Tribunais", ambas pela Saraiva, o talentoso e jovem civilista mineiro, Prof. Marco Aurélio S. Viana, citado pela apelante, duas correntes principais se posicionam na interpretação do art. l.245 do Código Civil, segundo o qual:
"Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante cinco anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo, exceto, quanto a este, se, não o achando firme, preveniu em tempo o dono da obra".
Para Caio Mário, citando Espínola e Cunha Gonçalves, o prazo de cinco (5) anos seria decadencial. Escoado, extinguiria toda e qualquer obrigação do empreiteiro.
Para a corrente majoritária, no entanto (M.I. Carvalho de Mendonça, Pontes de Miranda, Hely Lopes Meireles, Washington de Barros
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998. 267
Monteiro, Serpa Lopes e Aguiar Dias, dentre outros), o prazo do referido artigo seria apenas de garantia, dentro do qual deverá ocorrer o vício. Verificado esse, tem início o prazo prescricional ordinário, de vinte anos.
A jurisprudência inclina-se nesse sentido" ("Revista Jurídica Mineira", 30175).
Outra não foi a decisão da mesma Câmara na Apelação n° 73.134, de 24.9.87, relatada pelo em. Desembargador Lauro Pacheco Filho (DJMG, de 4.12.87):
"O prazo de cinco anos previsto pelo art. 1.245 do Código Civil relativo à responsabilidade do construtor pela solidez e segurança da obra efetuada, é de garantia e não de prescrição. Destarte, desde que aqueles defeitos se apresentem dentro do mencionado período, poderá o construtor ser acionado pelo prazo prescricional de até vinte anos".
Naquele julgado, anotou o revisor, Desembargador Régulo da Cunha Peixoto:
"Sobre este assunto, sustenta ojá citado Prof. Luiz Olavo Batista em seu excelente trabalho sobre "A Responsabilidade Civil do Construtor":
"O prazo de cinco anos a que se refere a norma em ex a-
me é de garantia e não de prescrição. Desde que a falta de solidez ou de segurança da obra se apresente dentro dos cinco anos contratados na conclusão dos trabalhos, a ação para efetivar a responsabilidade persiste pelo prazo de vinte (20) anos que é da prescrição (in "RT", voI. 470/22; idem Carvalho Santos, in "Código Civil Brasileiro Interpretado", voI. 17/349; idem Sobral Pinto, in "A Responsabilidade dos Construtores", "Rev. For.", VoI. 88/536; idem Lauro de Camargo, in "Rev. For.", 88/ 537).
Na mesma linha de entendimento, doutrina o saudoso e autorizado Hely Lopes Meireles, in "Direito de Construir", RT, 1961, págs. 319/320.
"O prazo qüinqüenal é de garantia e não de prescrição, como erroneamente se tem dito em alguns julgados. Desde que a falta de solidez ou de segurança da obra se apresente dentro de cinco anos da conclusão dos trabalhos, a ação para efetivar a responsabilidade do construtor persiste pelo prazo comum de vinte anos, que é o da prescrição ordinária (Cód. Civil, art. 177), a contar do dia em que surgiu o defeito dentro do qüinqüênio legal (STF RF 127/433 - TJSP 1781789-275/352). Recebida a obra, permanece ela como que em obser-
268 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998.
vação por cinco anos, sem admitir interrupção ou suspensão desse prazo, visto que não se trata de lapso prescricional, como já advertimos de início. Trata-se de prazo extintivo da garantia. Se durante este tempo a construção não apresentar vício ou defeito que afete a sua estabilidade ou comprometa a sua estrutura, ficará o construtor exonerado de responsabilidade perante o proprietário e seus sucessores".
N esta mesma linha, desta Turma, cito, dentre outros, os REsps n!.lli 5.522-MG, DJ (1 º. 7 .91), de que fui relator, 72.482-SP, DJ (8.4.96), da relatoria do Ministro Ruy Rosado. Da jurisprudência da Terceira Turma, de outra parte, destaco os REsps. 8.489-RJ, DJ (24.6.91), 73.022-SP, DJ (24.6.96) e 62.278-SP, DJ (21.10.96),
relatados pelos Ministros Waldemar Zveiter e Nilson Naves. De tão reiterados esses julgamentos, essa orientação veio a cristalizar-se no Enunciado nº 194 da Súmula deste Tribunal, que expressa:
"Prescreve em vinte anos a ação para obter, do construtor, indenização por defeitos da obra".
Em razão disso, não logra ser conhecido o primeiro recurso, alicerçado na alínea c do permissor constitucional, incidindo, no particular, o Verbete Sumular nº 83. Quanto ao segundo, arrimado na alegação de negativa de vigência do art. 1.245, CC, com base na argumentação acima, também ele não merece ser conhecido.
Em suma, dos recursos não conheço.
RECURSO ESPECIAL Nº 84.079 - SP
(Registro nº 95.0070050-6)
Relator: O Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira Recorrentes: Michiyuki Muto e outros Recorrida: Empresa de Mineração Joseph Nigri Ltda. Advogados: Drs. Cícero Duarte Ferreira e outro, e Ricardo Arouca e
outros
EMENTA: Processual Civil. Sentença. Intimação. Modo. Carga dos autos. Ciência inequívoca. Advogado que não representa a totalidade dos recorrentes. Particularidade. Litisconsórcio recursal. Efeitos. Arts. 242 e 509, CPC. Aproveitamento a todos. Recurso provido.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998. 269
I - Considera-se intimado da decisão o advogado que, antes da publicação no jornal oficial, teve ciência da mesma por carga dos autos.
H - A ciência há de ser inequívoca, porque, em se tratando de presunção, deve-se prestigiar a regra geral, pela qual a intimação se dá pela publicação no jornal oficial ou autorizado.
IH - Os réus, cujo procurador não retirou os autos da serventia, nem teria tido ciência inequívoca da decisão, não podem ser prejudicados por atos do advogado dos outros réus que, antecipando-se à publicação, fez carga dos autos.
IV - Não é a característica de ser necessário o litisconsórcio que o recurso de um a todos os outros aproveita. O ponto nodal da questão está no caráter unitário do litisconsórcio, de modo que, se a situação jurídica tiver de ser decidida uniformemente para vários litigantes em determinado pólo da demanda, a insurgência de um deles beneficiará os demais.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento. Votaram com o Relator os Ministros Cesar Asfor Rocha, Ruy Rosado de Aguiar e Bueno de Souza. Ausente, justificadamente, o Ministro Barros Monteiro.
Brasília, 10 de março de 1998 (data do julgamento).
Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Presidente. Ministro sÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Relator.
Publicado no DJ de 25-05-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: Cuidase de recurso especial interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, na parte em que não conheceu da apelação manifestada pelos ora recorrentes, por intempestividade. Entendeu a Turma que a intimação da sentença teria se dado pela carga dos autos à advogada de dois dos seis apelantes, colega de escritório do advogado dos outros quatro, desconsiderando, com isso, a data da publicação da nota do jornal oficial.
Apontam os vencidos violação do art. 242 do Código de Processo Civil, dizendo que a intimação válida seria a feita pelo Diário da Justiça, não podendo alguns dos requeridos ser penalizados por ato da procuradora dos outros.
270 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998.
Contra-arrazoado, foi o recurso inadmitido na origem, vindo os autos por força de provimento de agravo.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA (Relator): 1. Afluência do prazo recursal se inicia a partir do dia seguinte ao da intimação das partes da decisão judicial. Essa intimação, hoje feita quase que totalmente viajornal oficial de publicação dos atos do Poder Judiciário, tem a finalidade de dar conhecimento às partes, por meio de seus advogados, do que se resolveu no feito. Assim, ela se consideraria feita quando o diário publicasse o resumo da decisão.
Todavia, a intimação pode se dar antes mesmo que a nota conclusiva da decisão seja publicada no periódico, como nos casos em que o advogado se antecipa ao jornal e dela toma ciência inequívoca, o que ocorre, por exemplo, ao retirar os autos da serventia com carga.
Em se tratando de exceção, porque a regra é a da intimação via publicação, deve-se ter em conta que a mencionada ciência foi inequívoca. Caso haja dúvida nessa ciência do advogado, torna-se necessário prestigiar a norma que prescreve o procedimento intimatório regular.
A questão j á mereceu debate nesta Turma, tendo sido decidido diferentemente do aresto estadual, como se vê dos REsps 14.939-PR (DJ
24.2.92) e 58.275-MG (DJ 4.9.95), relatados respectivamente pelos Ministros Athos Carneiro e Antônio Torreão Braz e assim ementados:
"-A tese de que os prazos começam a correr também a partir da data em que o advogado toma ciência informal da decisão, antes mesmo de intimado na forma da lei, tal tese somente é aplicável aos casos de ciência inequívoca do conteúdo da sentença ou decisão recorrível. Nas hipóteses em que remanesce alguma dúvida, inclusive por não haver o advogado recebido os autos em carga, cumpre afastar a presunção e simplesmente aplicar a lei".
"- A intimação da sentença somente deve ser presumida na hipótese de ciência inequívoca, sendo difícil a sua ocorrência fora do caso de recebimento dos autos em carga".
No caso em exame, a advogada que retirou os autos da secretaria do juízo, com carga, somente tinha poderes para agir em nome de dois dos seis então apelantes, embora os outros quatro estivessem representados por colega seu de escritório. Por não ser inequívoca a ciência por parte do subscritor da apelação (que não foi a mencionada advogada), deve-se aplicar a regra geral e considerar as partes intimadas pela publicação da decisão no Diário Oficial.
É de ressaltar-se que, em se admitindo a intempestividade da apelação, estar-se-ia tolhendo o direito
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998. 271
de quatro dos apelantes, que, por não estarem representados pela advogada que retirou os autos, somente foram intimados da decisão dos embargos declaratórios na data de circulação do jornal oficial local.
Tenho, destarte, por malferido o art. 242 do Código de Processo Civil.
2. Resta saber se os dois apelantes que perderem o prazo, em razão de sua advogada ter tido ciência da decisão antes de sua intimação regular, seriam ou não beneficiados pelo recurso dos outros quatro.
A hipótese vem regulada pelo art. 509 do Código de Processo Civil, que, a despeito de sua redação falha, e das diversas que têm suscitado (v.g. Pontes de Miranda e Amaral Santos), vem sendo predominantemente interpretado pela doutrina nacional como aplicável ao litisconsórcio unitário. Com efeito, não é a característica de ser necessário o litisconsórcio que o recurso de um a todos os outros aproveita. O ponto nodal da questão está no caráter unitário do litisconsórcio. Assim, se a situação jurídica tiver de ser decidida uniformemente para vários litigantes em determinado pólo da demanda, a insurgência de um deles beneficiará os demais.
Barbosa Moreira, ao comentar referido dispositivo legal, ensina:
"A extensão subjetiva de eficácia, vale recordar, justifica-se pelo propósito de obstar à ruptura da homogeneidade na disciplina da situação litigiosa. A ratio
legis ministra o critério de discriminação dos recursos cuja interposição por um ou por alguns dos co-litigantes há de produzir efeitos quanto aos omissos. Essa extensão apenas ocorrerá quando o objeto do recurso e, portanto, o resultado do julgamento pelo órgão ad quem, interessar diretamente à formulação da norma jurídica concreta a que deve submeter-se a situação litigiosa. Tira-se daí que o recurso (independente ou adesivo) interposto por um ou alguns dos litisconsortes unitários é eficaz para os restantes:
a) quando a impugnação verse matéria pertinente ao próprio mérito da causa. Exemplo: na ação proposta pelos sócios A, B e C para anular deliberação da assembléia social, que reformou os estatutos, julgando improcedente o pedido em primeira instância, a apelação de A aproveita a B e a C;
b) quando a impugnação verse matéria que, estranha ao mérito, se sujeita contudo, excepcionalmente, ao regime especial do litisconsórcio, por sua repercussão na disciplina da situação litigiosa. Exemplo: na ação proposta contra A, B e C para anular contrato em que são figurantes, mediante despacho saneador, em vez de extingui-lo desde logo (art. 329, combinado com o art. 267, n Q
V, fine), o agravo, que A sozinho interponha, surte efeitos igualmente para B e C; na verdade, não poderia o tribunal prover o
272 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998.
recurso para declarar apenas quanto ao agravante a existência da res iudicata sem pôr em risco, de imediato a imprescindível homogeneidade da regulamentação" (Comentários ao Código de Processo Civil, v. V, Forense, 7ª ed., 1998, n. 213, pág. 380).
A propósito, aliás, decidiu esta Turma, no REsp nº 9.702-0-PR, relator o Ministro Barros Monteiro, DJ de 17.8.92, verbis:
"Devendo ser uniforme a decisão para os litisconsortes, o recurso por um deles interposto a todos aproveita. Aplicação do art. 509 do CPC".
No caso dos autos, a ação, ajuizada com suporte no Código de Mineração, tem por finalidade apurar indenização e arbitrar renda para os proprietários e arrendatários de uma sorte de terras que englobajazida de areia quartzosa e argila, cuja exploração fora concedida à recorrida por concessão do Ministério de Minas e Energia.
Após apurados os valores, recorreram os requeridos visando: a) ao
exame do agravo retido contra decisão saneadora; b) ao aumento da indenização pela inclusão de valor correspondente à renda dos imóveis e das culturas neles produzidas, bem como à inutilização para fins agrícolas de toda a área objeto da concessão; c) à majoração do valor do metro quadrado apurado; d) à declaração de que eles teriam participação nos resultados da lavra; e) à modificação do valor dos honorários periciais fixados pelo juiz.
Constata-se, portanto, que as insurgências eram comuns e não específicas a cada proprietário ou arrendatário. Assim, o que se decidir na apelação interposta pelos quatro litisconsortes passivos que não estavam representados pela advogada que retirou os autos de cartório antes da intimação oficial, aproveitará os outros dois, dada a situação peculiar da homogeneidade da discussão posta nas razões recursais.
3. Em face do exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento para anular o acórdão, na parte em que não conheceu da apelação dos ora recorrentes, ensejando seu exame, salvo se outro pressuposto de admissibilidade o impedir.
RECURSO ESPECIAL Nº 102.259 - RJ
(Registro nº 96.0046926-1)
Relator: O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha Recorrente: Ilza de Paula Ramos Recorrido: Aloysio Gonçalves Leite - espólio Advogados: Drs. João Carlos Alves Massa e Luiz Geraldo Gonçalves Leite
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998. 273
EMENTA: Civil. Família. Concubinato. Sociedade de fato. Partilha de bens. Serviço doméstico. Contribuição indireta.
A contribuição da concubina, para se ter por configurada a sociedade de fato, quando reconhecida a convivência more uxorio e a existência de bens adquiridos nesse período, pode decorrer das próprias atividades exercidas no recesso do lar e não apenas pela entrega de dinheiro ou bens ao companheiro.
Recurso conhecido e parcialmente provido nos termos do voto do relator.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento parcial, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Ruy Rosado de Aguiar, Sálvio de Figueiredo Teixeira e Barros Monteiro. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Bueno de Souza.
Brasília, 25 de novembro de 1997 (data do julgamento).
Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Presidente. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, Relator.
Publicado no DJ de 06·04-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA: A recorrente aforou "ação ordinária de reconhecimento de sociedade de fato" contra o espólio recorrido alegando que manteve durante mais de onze anos, com o
autor da herança, que era desquitado, uma união estável, em cujo período adquiriram os bens que arrola, pelo que requereu o reconhecimento da sociedade de fato e, em face do seu término pelo falecimento do companheiro, a partilha dos bens, concedendo-se à autora, ora recorrente, "o seu quinhão equivalente a 50% (cinqüenta por cento) de todo o patrimônio que foi amealhado durante a união estável com o inventariado" (fls. 6).
Em primeira instância, a ação foi julgada improcedente já que "o patrimônio relacionado não foi um produto do esforço comum, como também não restou clara a posição da autora na vida de Aloysio" (fls. 159).
A apelação foi parcialmente provida como se depreende do seguinte sumário:
"Extinta por morte a união estável, não faz jus a companheira supérstite à meação dos bens deixados pelo de cujus, se positivado ficou não haver ela contribuído efetiva e diretamente para a aquisição dos mesmos. Mas, em se tratando de união duradoura,
274 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (l07): 239·318, julho 1998.
com convivência more uxorio por longos anos, durante os quais a mulher dedicou-se inteiramente ao extinto consorte, cuidando do lar e da família, dando-lhe apoio moral e satisfação pessoal, é justo que se lhe garanta, a título de amparo social, o direito real de habitação, em caráter vitalício, sobre o imóvel no qual com ele residia e onde ainda permanece morando." (fls. 190).
Daí o recurso especial em exame com base na letra c do permissor constitucional por sugerida divergência com o julgado desta Quarta Turma, da relatoria do eminente Ministro Barros Monteiro.
Sem resposta, o recurso foi admitido na origem.
Recebi o processo no dia 25 de setembro do corrente ano de 1997 e enviei-o para pauta em 13 de novembro.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA (Relator): Recolho do r. aresto hostilizado as seguintes passagens:
"A autora pediu, em propriedade, 50% dos bens deixados por Aloysio Gonçalves Leite, com fundamento em sociedade de fato, alegando haver mantido com ele união estável e colaborado para a aquisição do patrimônio hereditário.
Dois aspectos cruciais, então, afloram em importância, ambos logicamente interligados.
De um lado, o problema da união estável. De outro, a contribuição da Postulante na formação do acervo amealhado pelo de cujus.
Só com a presença desses fatores é possível falar-se em sociedade de fato.
A matéria cognoscível submeteu-se à regra do art. 333 do CPC, vale dizer, o ônus da prova tocava à parte alegante. Traduzindo, à Autora incumbia provar a existência da sociedade de fato bem como que colaborou com a formação do patrimônio.
Os autos demonstram que da primeira tarefa ela se desincumbiu satisfatoriamente." (fls. 191).
E mais adiante:
" ... não pode o Tribunal igno-rar [ ... ] a existência de uma união realmente estável, more uxorio, que perdurou por mais de onze anos, durante os quais a Autora dedicou-se ao extinto companheiro, cuidando do lar, dando-lhe apoio moral, satisfação pessoal. Esse companheirismo verdadeiro, essa convivência prolongada deve engendrar algum efeito a favor do parceiro supérstite. Não é justo que, depois de tanto tempo, a mulher perca o consorte e fique sozinha, desvalida. Não é uma vantagem que se lhe deve garantir, mas um amparo" (fls. 193).
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998. 275
Não obstante isso, concedeu à autora apenas o direito real de habitação sobre o imóvel indicado.
Apesar de sintético o confronto analítico, conheço do recurso pela divergência que resulta clara com relação ao REsp n Q 20.202-8/SP, desta Quarta Turma, da relatoria do eminente Ministro Barros Monteiro.
É que o v. acórdão atacado, embora tenha reconhecido, conforme assinalado, "a existência de uma união realmente estável, more uxorio, que perdurou por mais de onze anos, durante os quais a Autora dedicou-se ao extinto companheiro, cuidando do lar, dando-lhe apoio moral", não teve pela existência de uma sociedade de fato a fim de possibilitar à recorrente ter direitô a uma parcela dos bens amealhados pelo casal na constãncia do concubinato, porque "a autora, com parcos rendimentos, não tinha como dar aporte de recursos ao extinto companheiro" (fls. 192).
Verifica-se, assim, que a douta decisão recorrida não deu a colaboração indireta prestada pela mulher no exercício da atividade doméstica o efeito de fazê-la partilhar dos bens amealhados pelo companheiro ao longo da vida em comum, mas apenas a ter o direito real de habitação sobre o imóvel que servira de morada para o casal.
Recolho do judicioso voto do eminente Ministro Barros Monteiro contido no v. aresto trazido a confronto, as seguintes preciosas colocações, que se ajustam com acurada harmonia à hipótese sob exame, a saber:
"Neste Superior Tribunal de Justiça, desde os primórdios de sua instalação, vem sendo proclamada a admissibilidade da formação do patrimônio comum, entre os concubinos, mercê da contribuição indireta da companheira, dando-se relevo, pois, à colaboração efetiva da mulher para economia doméstica (REsp n Q
483-RJ, relator designado o Ministro Nilson Naves, in "Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e Tribunais Regionais Federais, "Lex", v. 20, págs. 62-75).
Em outro pronunciamento, a Eg. Terceira Turma desta Casa assentou a propósito do mesmo tema:
"Concubinato. Sociedade de fato. Partilha de bens.
O concubinato, só por si, não gera direito a partilha. N ecessário que exista patrimônio constituído pelo esforço comum. Daí não se segue, entretanto, que indispensável seja direta essa contribuição para formar o patrimônio. A indireta, ainda que eventualmente restrita ao trabalho doméstico, poderá ser o bastante. (REsp n Q
1.648-RJ, relator Ministro Eduardo Ribeiro, in RSTJ vol. 9, pág. 361).
Ressalte-se que, no caso em exame, o Acórdão recorrido não negou que a concubina tenha de qualquer forma, colaborado para o aumento do patrimônio do ca-
276 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998.
sal. Antes, como já frisado acima, admitiu essa colaboração c. .. ) através do exercício das lides domésticas. A conclusão extraída pelo V. Acórdão é que não se compadece com os fatos incontroversos coligidos no feito.
A diretriz supramencionada não se cinge ajulgados da C. Terceira Turma, que aliás reiterara a orientação na oportunidade de julgamento do REsp n Q 33.291-0/ SP, relator Ministro Eduardo Ribeiro. Também esta C. Quarta Turma tem esposado idêntico entendimento, de tal modo a refletir ajurisprudência hoje pacífica nesta Corte a respeito do tema. Assim é que no REsp n Q 38.657-8/SP, julgado em 22 de março p.p., o ilustre Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira lavrou a ementa seguinte:
'Constatada a contribuição indireta da ex-companheira na constituição do patrimônio amealhado durante o período de convivência more uxorio, contribuição consistente na realização de tarefas necessárias ao regular gerenciamento da casa, aí incluída a prestação de serviços domésticos, admissívelo reconhecimento da existência da sociedade de fato e do conseqüente direito à partilha proporcional.'
A participação, ainda que indireta da concubina na formação do acervo patrimonial, restou admitida no REsp n Q 1l.660-0/SP, de que foi relator por igualo Sr. Mi-
nistro Sálvio de Figueiredo Teixeira (julgamento em março de 1994).
Além disso, novo precedente ainda há pouco foi registrado nesta Turma:
"Concubinato. Sociedade de fato. Partilha dos bens.
A simples convivência more uxorio não confere direito à partilha de bens, mas a sociedade de fato que dela emerge pelo esforço comum dos concubinos na construção do patrimônio do casal. Para a formação de tal sociedade, contudo, não se exige que a concubina contribua com os rendimentos decorrentes do exercício de atividade economicamente rentável, bastando a sua colaboração nos labores domésticos, tais como a administração do lar e a criação e educação dos filhos, hipótese em que a sua parte deve ser fixada em percentual correspondente à sua contribuição" CREsp n Q 45.886-2/SP, relator Ministro Antônio Torreão Braz).
Sendo assim, a recorrente faz jus à partilha dos bens adquiridos pelo esforço comum em percentual correspondente à sua contribuição, mesmo indireta.
Como as instâncias ordinárias, por não terem admitido a existência da sociedade de fato, não cuidaram de aferir quais os bens adquiridos na constância do concubinato, não se pode desde já fixar que
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (l07): 239-318, julho 1998. 277
parte dos bens do espólio cabe à recorrente.
Deixo desde logo registrado, contudo, que se a recorrente entender que o valor apurado for menos proveitoso para ela que o que já lhe foi assegurado pelo acórdão recorrido (direito de habitação sobre o imóvel indicado), poderá ela optar por isto, vale dizer, pelo direito de habitação, a fim de se evitar que esta decisão importe em reformatio in pejus.
Diante de tais pressupostos, conheço do recurso pela divergência e lhe dou parcial provimento, nos termos acima explicitados, devolvendo o processo ao juízo de primeiro grau para reconhecer à recorrente o seu direito a participar da partilha dos bens, em quantum a ser apurado em liquidação e no juízo de primeiro grau.
Pelo recorrido, custas e honorários, estes fixados em 10% sobre o valor do que couber à recorrente.
RECURSO ESPECIAL NQ 118.449 - GO
(Registro n Q 97.0008609-7)
Relator: O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha
Recorrente: Marcílio Inácio de Sousa
Recorridos: Sueli Cândida da Silva e outros
Advogados: Drs. Irineu Batista e outro, e Ivo Vilela de Figueiredo e outro
EMENTA: Civil e Processual Civil. Sentença criminal absolutória. Legítima defesa reconhecida. Efeito na pretensão indenizatória. Causa superveniente. Arts. 65/CPP, 160/CC e 741, VI/CPC.
A absolvição criminal com base em legítima defesa exclui a actio civilis ex delicto, fazendo coisa julgada no cível.
A absolvição no juízo criminal, pelo motivo acima apontado, posterior à sentença da ação civil reparatória por ato ilícito, importa em causa superveniente extintiva da obrigação, por isso que pode ser versada nos embargos à execução fundada em título judicial, na previsão do art. 741, VI, do Código de Processo Civil.
Recurso provido.
278 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Votaram com o relator os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira e Barros Monteiro. Ausentes, justificadamente, o Sr. Ministro Bueno de Souza e, ocasionalmente, o Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar.
Brasília, 26 de novembro de 1997 (data do julgamento).
Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, Relator.
Publicado no DJ de 20-04-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA: O recorrente opôs embargos à execução alegando nulidades do processo de conhecimento e da sentença e ocorrência de causa superveniente extintiva da obrigação.
É que ele se viu envolvido por crime de homicídio, mas, antes que fosse levado a júri, as recorridas, dependentes da vítima, propuseram contra ele ação reparatória por ato ilícito.
Citado por edital, não compareceu para defender-se, por isso que
lhe foi nomeado curador, que concordou com a sua condenação.
A sentença cível condenatória transitou em julgado.
No juízo criminal, o recorrente foi absolvido já que excluída a ilicitude do fato, por ter sido reconhecida a ocorrência de legítima defesa.
Os embargos foram julgados improcedentes em ambas as instâncias ordinárias.
A uma (quanto à negativa de vigência aos arts. 160, I, do Código Civil e 65 do Código de Processo Penal), porque:
"com a sentença absolutória no crime, por excluída a ilicitude do fato, adquire o acusado um título judicial que pode ser apresentado como defesa nos embargos. Não é, porém, o simples fato de ter sido absolvido no crime que desconstitui o título executivo cível, visto que a indenização, para ser excluída, imprescinde da prova cabal da ausência de culpa do réu nesta ação.
N o campo cível, o conceito de responsabilidade é amplo, e a presença da culpa, ainda que leve, enseja a indenização. Reside, pois, a questão, na prova da inexistência de culpa do apelante. A este compete, exclusivamente o ônus probandi pois a culpa já foi definitivamente decidida na ação indenizatória.
Ainda que o art. 160, I, do Código Civil, estabeleça não constituir ato ilícito o praticado em legítima defesa, mister observar
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998. 279
que, in casu, a culpa do apelante é certa. O só fato da absolvição criminal não importa na exclusão da culpa, mesmo porque não se pode olvidar que a sentença criminal proferida por tribunal do júri (composto na maioria das vezes apenas por leigos), que tem por princípio dominante o da íntima convicção, muitas vezes tem por supedâneo o poder de convencimento exercido pelas partes acusadora e defensora.
Reforça este ponto de vista o fato de que o primeiro julgamento do apelante foi anulado por manifestamente contrário à prova dos autos (fls. 58/64). Novamente submetido a julgamento, foi mais uma vez absolvido (portanto, outra decisão contrária ao conjunto probante), mas, por força do disposto no § 3Q
, do art. 593, do CPP, impossível outra apelação pelo mesmo fundamento." (fls. 148/149).
A duas (pela ofensa ao art. 469, IlI, do Código de Processo Civil), porque referido dispositivo "fala em questão prejudicial, decidida incidentalmente no processo, o que, a toda evidência, não é o caso aqui discutido" (fls. 152).
A três (no atinente à sugerida vulneração ao art. 741, I e lI, do Código de Processo Civil), por não ter feito prova do quanto que alegara e porque nada teria dito quanto à inexigibilidade do título.
A quatro (referentemente à afirmada afronta ao art. 741, VI), porque a absolvição no juízo criminal,
em face do reconhecimento da ocorrência de legítima defesa, não torna ineficaz o título executivo decorrente da ação cível.
Os declaratórios, indicando omissão por não se ter decidido sobre a nulidade da sentença prolatada no processo de conhecimento, decorrente da concordância do curador com o pedido das ora recorridas ali formulado, e porque não recorrera da sentença condenatória, foram rejeitados, à consideração de que essa matéria não foi agitada na apelação e nem seria conhecível de ofício.
Daí o recurso especial em exame com base nas letras a e c do permissor constitucional por sugerida divergência com os julgados cujas ementas são transcritas e por alegada violação: a) ao art. 515, § 1Q
,
do Código de Processo Civil, por nada ter decidido sobre a questão referente à concordância do curador, acima referenciada; b) aos arts. 160, I, do Código Civil, e 65 do Código de Processo Penal, por ter sido afirmado que a legítima defesa, reconhecida no juízo criminal, não exclui a culpa para fins de responsabilidade civil; c) ao art. 741, II e VI, do Código de Processo Civil, por não ter reconhecido a alegação de fato superveniente que torne ineficaz o título executivo; d) ao art. 741, I, do Código de Processo Civil, por não ter sido admitida a nulidade da citação; e) aos arts. 265, VI, a, e 469, IlI, do Código de Processo Civil, por não ter sido proclamada a indispensabilidade do sobrestamento da ação civil até o julgamento da penal.
Devidamente respondido, o recurso foi admitido na origem, tendo
280 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998.
a douta Subprocuradoria Geral da República opinado pelo seu não conhecimento, de lá retornando o processo ao meu gabinete em 16 de junho do corrente ano de 1997, sendo remetido para pauta no dia 10 de novembro.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA (Relator): É certo que o Código Civil estabeleceu, como regra geral, no art. 1.525, a independência entre a responsabilidade civil e criminal.
Mas há hipóteses em que o julgado criminal repercute na ação civil reparatória por ilícito criminal.
Uma delas é a de que trata o art. 65 do Código de Processo Penal segundo o qual faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em legítima defesa.
Assim, a absolvição criminal com base nessa causa de exclusão da antijuridicidade exclui a actio civilis ex delicto.
Aliás, esse mesmo entendimento pode ser extraído do art. 160, I, do Código Civil, que também exclui a responsabilidade pelo dano decorrente da legítima defesa.
Desse modo, laborou em equívoco o r. aresto hostilizado na medida em que adotou tese contrária, violando, assim, as regras contidas nos arts. 65 do Código de Processo Penal e 160, I, do Código Civil.
Com efeito, a absolvição no juízo criminal pelo motivo acima apontado - legítima defesa - posterior à sentença da ação civil reparatória por ato ilícito, importa em causa superveniente extintiva da obrigação, por isso que pode ser versada nos embargos à execução fundada em título judicial, na previsão do art. 741, VI, do Código de Processo Civil.
Diante de tais pressupostos, dou provimento ao recurso para, reformando os decisórios das instâncias ordinárias, julgar procedentes os embargos e extinta a execução, com a condenação dos recorridos nos honorários advocatícios fixados, pelas suas condições desfavoráveis, em R$ 500,00 e custas.
RECURSO ESPECIAL Nº 124.220 - MG
(Registro nº 97.0019165-6)
Relator: O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha
Recorrentes: Destilaria Lindóia Ltda. e outro
Recorridos: Maria de Conceição Belo Lisboa e outros
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998. 281
Advogados: Drs. Osmar Brina Correa Lima e outros, Carlos Mário da Silva Velloso Filho e outro
Sustentação Oral: Dr. Carlos Mário da Silva Velloso Filho, pelos recorridos
EMENTA: Civil. Doação de ascendente a descendente. Ausência de consentimento de um dos filhos. Desnecessidade. Validade do ato. Art. 1.171.
Não é nula a doação efetivada pelos pais a filhos, com exclusão de um, só e só porque não contou com o consentimento de todos os descendentes, não se aplicando à doação a regra inserta no art. 1.132 do Código Civil.
Do contido no art. 1.171 do Código Civil deve-se, ao revés, extrair-se o entendimento de que a doação dos pais a filhos é válida, independentemente da concordância de todos estes, devendose apenas considerar que ela importa em adiantamento da legítima.
Como tal - e quando muito - o mais que pode o herdeiro necessário, que se julgar prejudicado, pretender, é a garantia da intangibilidade da sua quota legitimária, que em linha de princípio só pode ser exercitada quando for aberta a sucessão, postulando pela redução dessa liberalidade até complementar a legítima, se a doação for além da metade disponível.
Hipótese em que a mãe doou determinado bem a todos os filhos, com exceção de um deles, que pretende a anulação da doação, ainda em vida a doadora, por falta de consentimento do filho não contemplado.
Recurso não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Barros Monteiro e Ruy Rosado de Aguiar.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Bueno de Souza. Impedido o Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira.
Brasília, 25 de novembro de 1997 (data do julgamento).
Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, Relator.
Publicado no DJ de 13-04-98.
282 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA: Os recorrentes Destilaria Lindóia Ltda. e seu sócio, João Maria Belo Lisboa promoveram uma ação ordinária contra os recorridos, mãe e irmãos e cunhados do segundo recorrente, objetivando a anulação da escritura de doação pela qual a mãe do recorrente doou aos demais réus 42 hectares onde se acha encravada a referida "Destilaria Lindóia Ltda.", à consideração de que esse imóvel não mais lhe pertencia uma vez que ele já teria se incorporado à referida empresa ora recorrente pela só razão de que as edificações efetuadas e os equipamentos lá existentes superaram em muito o valor da terra nua, motivo esse que também os levou a requererem a acessão de referido terreno à recorrente Destilaria Lindóia Ltda.
Em princípio, a ação foi julgada procedente em primeira instância, mas essa sentença foi reformada a fim de que fossem processadas as provas indicadas, já que houvera cerceamento de defesa.
Essa decisão foi prestigiada pelo então Desembargador Sálvio de Figueiredo Teixeira (fls. 311), hoje eminente Ministro integrante desta Turma.
Baixado o feito à origem, e lá devidamente processado, nova sentença foi prolatada, desta vez dandose pela improcedência da ação.
Ao apelar, os autores postularam pela nulidade da doação já aí pelo argumento de que o ascendente não
poderia, sem motivo justo, doar os seus bens para descendentes, excluindo um deles.
A sentença foi confirmada pelo ego Tribunal a quo.
No que diz respeito à nulidade da doação, a decisão foi por maioria, tendo o voto vencido considerado que, assim como, "os ascendentes não podem vender aos descendentes sem que os outros descendentes expressamente consintam", também não podem doar, que seria uma forma de alienação.
J á no atinente à acessão, a mesma foi negada, sem discrepância, com fincas em lição de Washington de Barros Monteiro, a saber:
"no regime anterior do Código, houve quem sustentasse não se operar acessão quando a construção, ou plantação fosse de valor superior ao solo, hipótese em que o dono da construção, ou da plantação, adquiria o solo. Em face do Código, porém, a acessão processa-se em favor do dono de imóvel, de acordo com a regra accessorium sequitur suum principale, sem que exerça qualquer influência o valor das acessões" (Curso de Direito Civil, 3Q voI., Saraiva, 27ª ed., pág. 120)." (fls. 6411642).
Para atacar a decisão no ponto referente à acessão, foi interposto recurso especial, a que foi negado seguimento e improvidos os agravos de instrumento e interno (AgnQ 124.787/ MG), por decisões minha (monocrática) e desta Quarta Turma, respectivamente.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998. 283
J á o tópico respeitante à doação, foram lançados embargos infringentes, conhecidos e desprovidos, por maioria.
Daí o recurso especial em exame, com base nas letras a e c do permissor constitucional, por sugerida divergência com o julgado cuja ementa é transcrita (referente ao art. 458/CPC) e por alegada violação aos artigos: a) 458 do Código de Processo Civil ("desconsideração do princípio jura novit curia"); b) 1.132 e 1.164 do Código Civil, porque "se os ascendentes não podem vender aos descendentes ou permutar com eles valores desiguais nas circunstâncias descritas nos dispositivos legais, com muito maior razão não podem doar sem o consentimento expresso de todos os descendentes" (fls. 730/731).
Após pedido de vista, o processo retornou ao meu gabinete em 25 de setembro do corrente ano de 1997 e indiquei-o para pauta no dia 14 de novembro.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA (Relator): 1. O recurso não pode ser conhecido pelas alegadas ofensas aos arts. 458 do Código de Processo Civil e 1.164 do Código Civil, pois as normas neles insertas não mereceram a mais mínima interpretação por parte do acórdão recorrido.
Para que a matéria objeto do apelo nobre reste prequestionada, há
necessidade tanto que seja levantada pela parte quando da impetração do recurso comum na Corte ordinária, quanto que seja por esta efetivamente debatida ao decidir a apelação.
Ausente o debate, inexistente o prequestionamento, por isso que obstaculizada a via de acesso ao apelo excepcional.
2. O recurso também não pode ser conhecido pela pretendida dissensão.
É que, além de o tema tratado pelo art. 458 do Código de Processo Civil não ter sido analisado pelo r. aresto recorrido, não foi observado o disposto no § 2Q do art. 255 do RISTJ, apresentando-se falha a comprovação da desinteligência dos julgados, sendo deficiente para evidenciá-la a simples citação de ementa, quando não se trata, como no caso, de notória divergência, não tendo o recorrente procedido à demonstração analítica das circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados, impossibilitando a evidência da moldura fática norteadora das decisões que afirmou discrepantes, pois é imprescindível para a caracterização do dissídio jurisprudencial, por lógico, que os acórdãos ostentadores de díspares conclusões hajam sido proferidos em idênticas hipóteses.
3. Aprecio agora a sugerida violação ao art. 1.132 do Código Civil segundo o qual "os ascendentes não podem vender aos descendentes, sem que os outros descendentes expressamente consintam".
284 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998.
Não se pode dar a essa regra a extensão que, em verdade, ela não tem, para se ter também como nula a doação efetivada pelos pais a filhos, com exclusão de um, só e só porque não contou com o consentimento de todos os descendentes. É que não se aplica à doação a regra inserta no art. 1.132 do Código Civil.
Aliás, do contido no art. 1.171 do Código Civil deve-se, ao revés, extrair-se o entendimento de que a doação dos pais a filhos é válida, independentemente da concordância de todos estes, devendo-se apenas considerar que ela importa em adiantamento da legítima.
Como tal - e quando muito - o mais que pode o herdeiro necessário, que se julgar prejudicado, pretender, é a garantia da intangibilidade da sua quota legitimária, que em linha de princípio só pode ser exercitada quando for aberta a sucessão, postulando pela redução dessa liberalidade até complementar a legítima, se a doação for além da metade disponível.
Aplicar-se-ão, aí e então, as regras concernentes à redução das disposições testamentárias.
Nunca, porém, ter-se a doação por nula.
4. Diante de tais pressupostos, não conheço do recurso.
RECURSO ESPECIAL NQ 135.551- SP
(Registro nQ 97.0040023-9)
Relator: O Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar
Recorrente: Companhia Açucareira São Geraldo
Recorrida: Cooperativa de Produtos de Cana, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo - Copersucar
Advogados: Candido Rangel Dinamarco e outros, e Maria Cristina Irigoyen Peduzzi e outros
Sustentação Oral: Athos Gusmão Carneiro (pela recorrente) e Luiz Carlos Lopes Madeira (pela recorrida)
EMENTA: Cooperativa. Retirada de sócio. Quotas-partes. Pagamento pelo valor histórico.
Recurso especial interposto apenas pela alínea a, não conhecido por falta de prequestionamento.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998. 285
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira, Barros Monteiro e Cesar Asfor Rocha. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Bueno de Souza.
Brasília, 29 de outubro de 1997 (data do julgamento).
Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Relator.
Publicado no DJ de 19-12-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: A Companhia Açucareira São Geraldo promoveu ação ordinária de cobrança contra a Cooperativa de Produtores de Cana, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo - Copersucar, alegando que se retirara da cooperativa em junho de 1989, recebendo a restituição das quotas-partes, que integralizou durante anos, sem qualquer correção monetária, na forma do disposto no art. 11 do Estatuto Social da ré. Entende que tal cláusula estatutária é lesiva e anacrônica, cuja aplicação permitiu o enriquecimento sem causa da Cooperativa.
Ao contestar a ação, a Copersucar argüiu as preliminares de decadên-
cia, - porquanto a autora teria dado quitação, sem reclamar da diferença no prazo legal, - e a de prescrição em quatro anos para anular deliberação de assembléia geral. No mérito, enfatizou sua condição de sociedade civil sem fim lucrativo, a adesão da autora aos seus estatutos, os benefícios fiscais que a autora obteve com as integralizações, resultando do consenso a restituição das quotas sem correção.
A sentença julgou procedente a ação e condenou "a ré ao pagamento da diferença relativa à correção monetária dos valores das quotas restituídas à autora, desde as respectivas integralizações".
A ré apelou, tendo a ego 17ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por votação majoritária, dado provimento ao recurso, para julgar a ação improcedente. O voto majoritário, do em. Des. Oetterer Guedes, está assim fundamentado:
"Afasta-se desde logo as alegações de decadência e prescrição na ausência de quitação relativa à pretendida correção de pretensão ou desconstituição de qualquer ato.
Não se desconhece as razões que fundamentam os votos de ilustres ministros do Superior Tribunal de Justiça. Todavia, não se vê como desprezar uma convenção livre e aceita pelas partes.
Fala-se e argumenta-se com cláusula leonina. Mas, quando houve adesão, tal cláusula não era
286 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998.
leonina, máxime tendo-se em mente que todas as cláusulas, em casos como o dos autos, são estipuladas apenas por uma das partes. Por outro lado, a adesão poderia ser recusada e, portanto, inocorre vício de vontade.
Na hipótese, a apelada quer a diferença de correção monetária do valor das quotas sociais, pagos pelo valor nominal, conforme estatutos da Cooperativa.
A adesão às normas da Cooperativa não foi imposta, o Estatuto não oferece dúvidas e, se houve adesão, esta ocorreu por oferecer benefícios à apelada que poderia, como de fato fez, abrir mão de eventuais direitos, sem ofensa a qualquer dispositivo legal.
Cooperativa não traduz investimento de capital, pois esta visa a prestação de serviços, não ficando evidenciado que a Cooperativa se beneficie da correção de seu capital.
Sem dúvida, os sócios podem se retirar. Todavia, não podem dificultar o funcionamento da Cooperativa, mesmo porque o objetivo dos sócios são os serviços e vantagens que receberá enquanto cooperado. Não é o lucro e nem a recuperação do capital investido.
Assim, o ingresso poderia ter sido recusado ou, exercendo seus direitos, ou seu direito de livremente contratar, desistir da correção monetária, atendendo às normas da Cooperativa.
Optou pela segunda hipótese e não se vê como e nem por que reclamar." (Fls. 575/756).
A autora opôs embargos infringentes para fazer prevalecer o d. voto minoritário, do em. Des. Vicente Miranda:
"Devida a correção monetária.
É conhecida a doutrina dominante sobre a natureza e finalidade da atualização monetária.
Visa ela somente a atualizar o valor monetário diante da inflação. Não interfere com a essência do fato societário ou negociaI. Visa apenas a recompor o valor da moeda, a manter o valor real da quantia devolvida, a evitar que uma parte entregue à outra um simples valor nominal da obrigação.
A discussão sobre a natureza jurídica da Cooperativa-ré não altera a situação fático-jurídica do litígio.
Quer se destine a fins lucrativos quer não possua tal finalidade, verdade é que recebeu ela certo valor na data do ingresso da autora. Agora, com a retirada desta, devolve-se o valor à associada, que se retira. Ora, a devolução pura e simples do valor histórico e nominal não constituiria verdadeira e real devolução. Traduziria mero ato simbólico, porque entregaria à autora quantia afastada da realidade econômica na qual vivemos. É a razão pela qual essa devolução, para ser real,
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deve se sujeitar à correção monetária.
O Estatuto da suplicada, ao negar a atualização do valor das cotas, não impede a pretensão da autora.
Trata-se de contrato de adesão a que o associado se agrega, aceitando, sem discussão, seus termos. Não traduz, por óbvio, pacto consensual com amplo e prévio debate das cláusulas formadoras do contrato. A parte adere simplesmente a uma estrutura jurídico-econômica sem possibilidade de modificar sua organização e suas regras.
Daí a razão pela qual o associado pode discutir judicialmente a validade de regra contratual ou estatutária que venha posteriormente a lhe causar prejuízo ou dano.
Na espécie, bem concluiu o MM. Juiz sentenciante que a proibição da correção monetária constitui cláusula abusiva e leonina, sem validade, porque possibilita verdadeiro enriquecimento indevido à suplicada e impõe injustificado prejuízo à autora." (fls. 579/580)
A ego 17ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo rejeitou os embargos, assim fundamentando o r. acórdão:
"2. A autora, que participou da fundação da ré, da qual foi cooperada desde 1960, ao desligarse de seu quadro social, emjunho de 1989, recebeu, em restituição,
os valores das quotas-partes integralizadas sem correção monetária.
Daí a propositura da presente ação, que visa à cobrança da diferença correspondente à atualização desses valores, com invocação do artigo 159 do Código Civil.
A pretensão, no entanto, foi bem repelida pelo v. acórdão embargado, data venia do douto voto vencido.
Com efeito, o estatuto social vigente à época do desligamento da embargante - aprovado, diga-se de passagem, por unanimidade de votos, em Assembléia Geral à qual esteve presente o representante legal da autora, então eleito para o cargo de vice-presidente da cooperativa (fls. 364 e segs.) - dispõe expressamente, no parágrafo primeiro de seu artigo 11, que 'a integralização das quotaspartes subscritas, desde a época de sua efetivação, assegura ao associado, em caso de demissão, eliminação ou exclusão, crédito equivalente ao respectivo valor nominal, sem correção monetária, contra o capital social, não lhe assegurando nenhum direito a participação nas reservas de qualquer natureza'.
A embargante sustenta que se trata de cláusula leonina, sem validade, por implicar em enriquecimento ilícito da sociedade.
Sem razão, porém.
N a realidade, não se pode perder de vista que a cooperativa é uma sociedade sui generis de
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pessoas 'que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem o objetivo de lucro' (art. 3º da Lei n. 5.764/71). Sua finalidade específica é a prestação de serviços aos associados, aos quais não pertence o capital social, nem mesmo na hipótese de dissolução (artigo 68, IV da citada lei).
Assim sendo e como bem anotado pela embargada, o capital aportado pelos cooperados não tem sentido de investimento, mas apenas objetiva propiciar à sociedade meios para consecução de seus fins, daí resultando que a contrapartida do sócio não é o lucro, nem a recuperação integral do capital aplicado, mas os serviços e vantagens que receberá enquanto cooperado (fls. 620/621).
Dadas estas características da sociedade cooperativa, lícito era aos associados, com vistas à consecução dos objetivos sociais, deliberar que, em caso de demissão, eliminação ou exclusão do cooperado, suas quotas seriam restituídas sem correção monetária. A questão é de caráter meramente patrimonial, encerrando direito disponível pelas partes, não havendo como afastar a disposição estatutária sem violação do princípio da autonomia da vontade, que rege o direito contratuaL
Daí haver a Egrégia Décima Terceira Câmara Civil deste Tribunal concluído com acerto que 'cuidando-se de regra de caráter
nitidamente patrimonial, nada impede que os associados abram mão de direitos comuns, dispositivos, até mesmo porque infringência inexiste de qualquer regra de direito cogente.
'É verdade que a correção monetária é mera atualização de valores não significando qualquer acréscimo na dívida. Não menos verdade, outrossim, que se trata de benefício de caráter patrimonial, sendo lícito aos contratantes desprezá-la, ainda que sejam eles os únicos prejudicados.'
'Inexistindo regra de direito co gente impondo a aplicação da correção monetária é perfeitamente possível a subsistência da regra contratual que a dispense, ainda que prejudicial a um dos figurantes e favorável a outro. Entender o contrário seria comprometer sem qualquer argumento jurídico o princípio geral da liberdade contratual.' (Apelação Cível nº 205.879-2, São Paulo).
Neste sentido, decidiu este E. Tribunal na Apelação Cível nº 256.226-2, de São Paulo, que 'ao associado que voluntariamente aderiu, implicitamente, aos 'propósitos sociais', e, notadamente, aos termos estatutários, sem qualquer restrição, por ocasião de seu ingresso na sociedade, descabe pretender, unilateralmente, alterar disposição estatutária expressa. E, tampouco, compete ao Judiciário, ao ensejo de interpretá-la, determinar que se faça ou se proceda de modo diverso ou contrário do que restou definido
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e estabelecido no respectivo estatuto da cooperativa, que, a termo legal, permanece subordinado, na parte normativa, ao Conselho Nacional de Cooperativismo, ressalvadas as exceções expressamente previstas.'
E, igualmente, na Apelação Cível nº 257.779-2, de São Paulo, ficou assentado que 'não se nega que a correção monetária não constitui um plus, mas mera atualização do valor da moeda aviltada pela inflação. Todavia, à evidência, podem os associados, pelo princípio da autonomia da vontade, aprovar em Assembléia Geral Extraordinária regra estatutária de dispensa da correção monetária das quotas-partes nos casos de demissão, eliminação ou exclusão, em benefício da sociedade civil da qual fazem parte, não havendo qualquer afronta a dispositivo de ordem pública.'
N em se diga que a alteração introduzida no estatuto social, excluindo expressamente a correção monetária das quotas-partes, não seria aplicável a período anterior, sem afronta ao princípio de resguardo do direito adquirido.
É que, em primeiro lugar, o estatuto anteriormente vigorante não previa a correção monetária das quotas-partes, no caso de demissão do sócio (cf. fl. 36); por outro, a alteração de disposições contratuais, convencionada pelas partes com amparo no princípio da autonomia da vontade, não encontra óbice na regra do resguar-
do do direito adquirido, que diz respeito à aplicação de disposição legal. Por isso, é aplicável à espécie a disposição vigente à data em que o cooperado se desligou da sociedade." (Fls. 642/647).
Rejeitados os embargos de declaração, a autora ingressou com recurso especial pela alínea a, alegando negativa de vigência aos artigos 159 e 940 do CC; 37, inciso IH, da Lei nº 5.764/71; 4º e 6º do DecretoLei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942; 131,332 e §§, 333, inciso H, 535 e §§, do CPC. Diz a recorrente que "o recurso especial tem duas linhas mestras: a primeira volta-se contra a afronta cometida pelo v. acórdão ao direito adquirido da recorrente; a segunda funda-se no enriquecimento sem causa prestigiado pelo Tribunal a quo. Apresenta as seguintes teses: a) - ao contrário do que a recorrida afirma, as despesas operacionais (inclusive aquelas relativas ao desenvolvimento de tecnologia) eram pagas à parte e não tinham qualquer relação com o valor integralizado pela recorrente; não tendo a recorrida prova de que fornecera serviços e vantagens ao cooperado, houve ofensa ao art. 333, H do CPC; da falta de prova sobre esse ponto, resultou vulneração aos arts. 332 e seguintes do CPC; b) ao entender que as partes poderiam livremente pactuar acerca da correção monetária, o v. acórdão ofendeu disposições legais (art. 159 do CC; 4º, a, LICC); c) inexiste quitação (art. 940 do CCivil); d) é lesiva a cláusula de contrato de adesão que exclui a atua-
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lização da dívida; e) ao tempo de seu ingresso na cooperativa, inexistia a cláusula restritiva, daí o seu direito adquirido de receber de forma atualizada (art. 69 da LICC); f) a ausência de correção propiciará o enriquecimento ilícito da ré; g) assim como acontece com os consórcios, as quotas das cooperativos devem ser restituídas devidamente corrigidas; h) foi negada vigência ao disposto no art. 37, IH da Lei 5.764/71, inibindo a retirada do cooperado.
N o decorrer de seu arrazoado, a recorrente afirma que a circunstância de ser ou não uma sociedade civil não dá direito a qualquer pessoa de pagar menos do que deve. No caso, a Copersucar é um imenso grupo econômico, detentor de vasto patrimônio, inclusive com empresas regidas pela Lei das Sociedades Anônimas, e atua exatamente como qualquer outro conglomerado, objetivando lucro e melhor posição no mercado. O manto da sociedade sui generis não tem o condão de autorizar o enriquecimento sem causa, mesmo porque ele não existe em relação à ré.
N as contra-razões, insiste a recorrida em que o capital integralizado pelos sócios não é um investimento, apenas objetiva propiciar à sociedade os meios para a consecução de seus fins; a retirada desse capital, devidamente corrigido, inviabilizaria a existência da sociedade. Os recursos não aplicados em seus ativos e despesas, já foram devolvidos aos cooperados, sob forma de adiantamentos; a contrapartida
do sócio, nas sociedades cooperativas, não é o lucro, nem a recuperação integral de seu capital, mas os serviços e as vantagens que irá receber enquanto cooperado.
Inadmitido o recurso especial na origem, manifestou-se o Agravo de Instrumento n 9 133.032/SP (autos apensos), provido para melhor exame.
Recebi substanciosos memoriais das partes.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR (Relator): 1. A recorrente afirma que o art. 11 do Estatuto da Cooperativa é abusivo, ensejando o enriquecimento injusto da entidade.
O v. acórdão recorrido, porém, negou essa qualificação, e para chegar a tal conclusão fez a interpretação do contrato social, apreciando suas cláusulas, a finalidade e o funcionamento da entidade. Essa assertiva, constante do julgamento proferido nos embargos infringentes, poderia ser reexaminada em recurso especial fundado exclusivamente na alínea a do permissivo constitucional caso demonstrado que tal abusividade resultava de ofensa a algum preceito legal, uma vez que a simples interpretação da cláusula dentro do contexto do contrato e das circunstâncias em que ele foi rompido não poderia servir de fundamento ao recurso.
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No caso, a recorrente apontou para o art. 159 do CCivil, que trata do ilícito absoluto, dizendo que ali estava a proibição do abuso (o art. 4º da LICC não foi prequestionado). É certo que aquela regra constitui uma cláusula geral de responsabilidade civil dentro do sistema, mas pressupõe a prática de um ato culposo cometido por aquele a quem se atribui a responsabilidade de indenizar o dano. Bem se vê que não é disso de que se trata nos autos, nem assim foi visto o referido preceito legal, seja pela recorrente, seja pelas instâncias ordinárias, que nada disseram sobre responsabilidade civil. Segundo a autora, o abuso ensejaria enriquecimento ilícito, que estaria vedado pelo disposto no art. 159. O enriquecimento injusto é defeso no nosso ordenamento, mas o seu suporte legal, no âmbito do Código Civil, está no art. 964, intocado pelas partes. Por isso, o art. 159 do CCivil não nos auxilia a encontrar uma solução para a lide, assim como posta.
Ainda segundo a recorrente, o abuso resultaria do confronto da cláusula 11 com a norma do art. 37, UI, da Lei 5.764/71, que instituiu o regime jurídico das entidades cooperativas. De minha parte, ainda poderia lembrar o disposto no art. 73 da mesma lei, que prevê o reembolso dos cooperados até o valor (presume-se real) de suas quotas-partes, em caso de dissolução. Acontece que o art. 37 não foi examinado pelo ego Tribunal, nem o tema lhe foi proposto pela autora, quando de suas contra-razões de apelação, daí a ausência do prévio prequestionamento.
N o seu fundamentado memorial, assinado pelo em. jurista Athos Gusmão Carneiro, que até há pouco engrandeceu este Tribunal, de quem, honrado, visto a toga e ocupo a cadeira, demonstrou exaustivamente a constante orientação deste Tribunal em assegurar a correção monetária das prestações em dinheiro, citando as Súmulas 8, 14, 16,29,35, 37,43,67,141 e 148, além de julgados. Porém, o recurso veio apenas pela alínea a, sem pretender a parte, quando ofereceu a sua irresignação, fundá-la também na divergência.
Outro ponto abordado no recurso diz com a aplicação do art. 6º da Lei de Introdução ao Código Civil, que ao menos implicitamente foi examinado nos embargos infringentes, tendo a ego 17ª Câmara Civil do TJSP considerado que a alteração contratual "não encontra óbice na regra de resguardo do direito adquirido". Houve, como se vê, prévio exame do tema, mas não encontro razão para modificar o aresto. É que a alteração resultou de decisão unânime de assembléia geral da qual participou o representante legal da autora, então eleito para o cargo de vice-presidente. Nesse caso, concorrendo a autora com a sua vontade para alterar o contrato, não pode vir alegar ofensa a um direito que ela mesma tratou de modificar. Incide a teoria dos atos próprios.
As regras sobre prova (arts. 131, 332, 333 do CPC) não foram invocadas pela autora nas suas contrarazões de apelação, não constituíam ponto que necessariamente deves-
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se ser objeto da atenção da Câmara, daí porque extemporânea a sua apresentação apenas a partir do julgamento de fl. 575. De qualquer modo, sobre a alegada necessidade de provar o fato de que a cooperada pagava pelos serviços e benefícios recebidos, é preciso dizer que apenas constituía matéria para argumento de reforço utilizado pelos julgadores, daí a sua irrelevância. Tanto que a prova desse fato, a autora se dispôs a fazer em liquidação (fl. 400), sinal de que não esperava, menos exigia, ficasse provado já agora por iniciativa da ré.
A ego Câmara afirmou que a autora, ao se desligar do quadro social da ré, "recebeu em restituição os valores das quotas-partes integralizadas sem correção monetária" (fl. 642). Repetiu o que a autora já admitira na sua petição inicial: "O procedimento adotado pela ré, de restituir pelo valor histórico o crédito ao qual a autora tem direito, constituiu verdadeiro enriquecimento sem causa" (fl. 5). Sendo assim, sem realce a existência da quitação, pois não é sobre isso que ainda litigam as partes - sobre a quitação do valor histórico - mas sim a respeito da insuficiência do pagamento feito.
Por fim, a recorrente deixou de indicar as razões pelas quais considerou omisso o julgamento dos embargos de declaração, pelo que não examino essa sua manifestação, feita genericamente no final de seu erudito arrazoado.
Observo que nesta 4ª Turmajá foi julgado recurso versando sobre re-
tirada de associado da mesma cooperativa, ao qual a instância ordinária deferira correção monetária, - o que não me parece seja contrário à lei, - mas naquele caso o recurso não foi conhecido, entre outras razões, porque o estatuto social, àquele tempo, antes de 1987, não continha cláusula determinando a devolução pelo valor histórico. Constou do voto que proferi no REsp 101.409/SP: "E se esse patrimônio não é corrigido contabilmente, nem por isso se pode proibir, à falta de lei ou de cláusula estatutária, que o seja a quota do sócio que se retira".
Por tudo isso, não conheço do recurso.
É o voto.
VOTO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: Srs. Ministros, as circunstâncias peculiares da espécie conduzem-me, também, a acompanhar o pronunciamento do Eminente Ministro-Relator não conhecendo do recurso.
Para ficar apenas nas duas linhas mestras referidas no recurso especial manifestado, penso igualmente que não se pode falar no caso em direito adquirido, em virtude de ter a própria autora participado, com sua presença, para a alteração do contrato.
N o que diz respeito ao art. 159 do Código Civil, parece-me também impertinente à espécie debatida, mesmo porque não diz respeito ao
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alegado enriquecimento sem causa, mas sim à responsabilidade daquele que causou dano a outrem.
Não vejo, tal como os Srs. Ministros Relator e Sálvio de Figueiredo Teixeira, qualquer ofensa à lei infraconstitucional invocada.
VOTO
O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA: Sr. Presidente, também acompanho o eminente Relator e os demais eminentes Ministros que o acompanharam, mas devo dizer que, como destacado pelo Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, fiquei muito impressionado, no primeiro momento, com a decisão, ora recorrida, que não deu pela incidência da correção monetária na devolução de uma importância que fora entregue em 1960. Está tão consolidado nesta Corte o entendimento de que a correção monetária não importa num acréscimo que se faz, mas numa diminuição que se evita, que tive a impressão, inicialmente, que a questão teria sido mal destramada pela decisão recorrida.
Todavia, vejo, como destacado pelo eminente Ministro-Relator, que o feito tem muitas peculiaridades, exatamente por envolver uma cooperativa da qual se pretende a devolução de uma importância utilizada para a formação dessa entidade. Que, como se sabe, tem apenas como finalidade a contraprestação de serviços aos seus associados e aquela importância inicialmente entregue não se destina a emprés-
timos a serem posteriormente feitos, nem para aquisição de bens.
Conseqüentemente, todos os precedentes desta Corte, atinentes à correção monetária trazidos à colação, não têm aplicação à questão sob exame.
Por outro lado, não estranho, data venia, o fato de aquele que permanecer mais tempo como associado receberá uma importância que tem o seu valor aquisitivo menor do que aquele que permanecer por menor período. É certo que isso ocorre, mas é preciso perceber que o associado que permaneceu maior tempo na cooperativa, se por um lado está recebendo, quando de sua saída, uma quantia efetivamente menor, por outro lado foi, certamente, mais contemplado com os serviços prestados pela cooperativa. Afinal, é a esse objetivo que ela se presta.
Ademais, impressiona-me o argumento de que a devolução sem correção importaria em enriquecimento ilícito. Creio, contudo, que, apenas por isso, a devolução sem correção não importaria em enriquecimento ilícito, exatamente, porque no período em que a recorrente estava associada foi, por certo, contemplada com os serviços prestados pela cooperativa. Quanto mais tempo permaneceu associada, mais benefícios recebeu.
Com esses adendos, acompanho o voto do Sr. Ministro-Relator e dos demais Srs. Ministros que o sucederam.
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RECURSO ESPECIAL NQ 137.802 - RJ
(Registro n Q 97.0043821-0)
Relator: O Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar Recorrentes: Ela Transportes e Comércio Ltda. e Ormec Engenharia
Ltda. Recorridos: Indústria Emanoel Roeeo S/A Fundição Máquinas Papel e
Papelão, e os mesmos Advogados: Roberto Benjo e outros, Onurb Couto Bruno e outros, e Ma
noel Benedicto Lima
EMENTA: Transporte. Responsabilidade. Estiva. Mau acondicionamento da máquina. Culpa do transportador. Responsabilidade solidária. Cláusula 'posto fábrica'.
Participando o fabricante da máquina também do trabalho de estiva, acondicionando no caminhão transportador a máquina "furadeira" com 12.000 kg, e reconhecido que tanto o carregamento feito pelo fabricante quanto o transporte foram executados com culpa, o fabricante (carregador) e o transportador respondem solidariamente pelos danos decorrentes de acidente acontecido durante o transporte. Tendo o fabricante realizado os trabalhos de acondicionamento da máquina, a cláusula constante do contrato "posto fábrica" não o desonerou da responsabilidade pela má estiva.
Art. 1 Q, incisos 4 e 6, do Dec. 2.681/1912. Art. 168 do Dec. 51.813/63.
Primeiro recurso da transportadora não conhecido. Conhecidos o segundo recurso da transportadora e o da autora (adquirente), e providos.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso interposto por Ela Transportes Comércio Ltda., conhecer do segundo recurso interposto pela mesma, bem assim o recurso interposto por Ormec Engenharia
Ltda. e lhes dar provimento. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira, Barros Monteiro e Cesar Asfor Rocha. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Bueno de Souza.
Brasília, 29 de outubro de 1997 (data do julgamento).
Ministro BARROS MONTEIRO. Presidente. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Relator.
Publicado no DJ de 16-03-98.
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RELATÓRIO
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: Ormec Engenharia Ltda. propôs contra Ela Transportes e Comércio Ltda. (transportadora) e contra Indústrias Emanoel Rocco S/A (fabricante) ação de reparação de danos causados em uma máquina "furadeira", pesando 12 toneladas, fabricada pela segunda ré, que se desprendeu das amarras durante o transporte rodoviário entre a sede da fabricante (Rocco) e o estabelecimento da autora e adquirente (Ormec). Pediu a condenação solidária das duas empresas demandadas ao integral ressarcimento dos danos, inclusive com a devolução dos salvados.
Apresentada exceção de incompetência, a ego 2ª Câmara do TJ fixou como competente o Foro de Volta Redonda/RJ, conforme cópias de fls. 189/199.
Houve denunciação da lide à Seguradora Brasil Companhia de Seguros Gerais, à Cigna Seguradora S/A, à Amazonas Seguradora S/A e à Secoa Seguros S/A.
Nos apensos há exceção de incompetência e agravo de instrumento, apreciados pelo ego TJ, que definiu a Comarca de Volta Redonda/RJ como competente para o processo.
A sentença julgou extinto o pedido de reparação de danos contra a fabricante (art. 267, inciso VI, do CPC), admitindo a sua ilegitimidade passiva. Também julgou extinta, por falta de objeto, a denunciação da lide que ela fizera à seguradora Brasil Cia. de Seguros Gerais, com
a condenação da denunciante ao pagamento de honorários advocatícios à litisdenunciada.
De igual modo, julgou extinto o pedido de devolução dos salvados, por faltar à autora interesse processual, considerando que não restou comprovada a efetiva recusa da segunda ré em devolvê-los, até porque eles estariam à disposição da Suplicante.
Finalmente, a sentença julgou procedente o pedido contra a transportadora, condenando-a a indenizar a autora em danos emergentes e lucros cessantes, tudo a ser apurado em liquidação de sentença, com incidência de correção monetária a partir do evento. Condenada, outrossim, nas custas processuais e honorários advocatícios. Também acolheu o pedido de denunciação da lide das Seguradoras Cigna Seguradora S/A, Amazonas Seguradora S/A e Alcoa Seguradora S/A.
Foram opostos embargos de declaração pela Alcoa Seguradora S/A e Ormec Engenharia Ltda. (fls. 1.040 e 1.043/1.045), acolhidos para alteração da sentença (fls. 1.041/ 1.041 vQ e 1.046/1.046vQ
).
Ela Transportes e Comércio Ltda. (fls. 1.049/1.060), Alcoa Seguradora S/A (fls. 1.061/1.067), Cigna Seguradora S/A e Amazonas Seguradora S/A (fls. 1.069/1.075) e Ormec Engenharia Ltda. (fls. 1.078/1.086) apelaram e, adesivamente, a empresa Indústrias Emanoel Rocco S/A (fls. 1.088/1.092).
A ego 7ª Câmara do Tribunal de Alçada Cível do Estado do Rio de J a-
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neiro, por votação majoritária, deu parcial provimento à apelação da autora (4ª apelação), para incluir na condenação a fabricante; ainda por maioria, negou-lhe o direito aos salvados, mantendo nessa parte a sentença; quanto ao mais, conheceu das outras apelações, inclusive o recurso adesivo, mas lhes negou provimento, em acórdão assim ementado:
"Ação de responsabilidade civil por dano causado a equipamento de grande porte quando de seu transporte ao local de destino. As provas documental e oral conduzem ao reconhecimento de responsabilidade solidária da fabricante do equipamento e da transportadora. Entendeu a Câmara, por maioria, dar provimento ao quarto recurso para condenar solidariamente também a Empresa fabricante do equipamento. Improvidas as demais apelações, inclusive o recurso adesivo. No mais, mantida a sentença." (fl. 1.246).
Indústrias Emanoel Rocco S/A opuseram embargos de declaração, acolhidos para condenar a denunciada Brasil Cia. de Seguros Gerais ao pagamento dos honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor que for obrigado a pagar. (fls. 1.271/1.273).
Os embargos de declaração opostos pelas denunciadas Alcoa Seguradora S/A, Cigna Seguradora S/A e Amazonas Seguradora S/A foram rejeitados (fls. 1.274/1.276).
Foram interpostos dois embargos infringentes. No primeiro, com base no voto vencido do em. Dr. N ascimento Vaz, Ormec Engenharia Ltda. (fls. 1.278/1.283) pleiteia a modificação do acórdão no ponto em que o mesmo prestigiou a sentença, que considerou não ter a autora comprovado tivesse havido recusa por parte da segunda ré em devolver os salvados.
N o segundo, a Indústria Emanoel Rocco S/A, com sustento no voto vencido do em. Dr. Gualberto Miranda, afirmou "que ao condená-la solidariamente, presumindo uma solidariedade inexistente, o v. acórdão embargado desconsiderou uma claríssima cláusula contratual inalterada - venda posto-fábrica -, fez tábula rasa da insofismável e abundante prova produzida nos autos, esteou-se no depoimento do principal culpado pelo evento e negou vigência a toda uma série de preceitos legais pertinentes, como referido ao longo destas razões, pelo que não pode, data venia, subsistir." (fls. 1.285/1.299).
O ego 3º Grupo de Câmaras do Tribunal de Alçada Civil do Estado do Rio de Janeiro acolheu os primeiros embargos, à unanimidade e reconheceu o direito de a autora receber os salvados; por maioria, acolheu os segundos, excluindo a responsabilidade da fabricante, em acórdão assim sumulado:
"Responsabilidade civil. Transporte rodoviário. Dano em máquina de grande porte. Responsabilidade exclusiva do trans-
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portador. Cláusula FAF (free alongside factory) ou posto fábrica, que isenta o fabricante da obrigação de proceder à estiva, o embarque e da obrigação por qualquer risco ou sinistro da máquina até chegar ao comprador.
Inexistência de solidariedade: a solidariedade ou resulta da lei ou do contrato (art. 896, Cód. Civil).
Salvados: Encontrando-se o equipamento acidentado no estabelecimento do fabricante, para onde foi levado de volta, cumprelhe devolver os 'salvados' ao comprador, pois dele recebeu o preço." (fl. 1.348).
Há nos autos três recursos especiais.
O primeiro foi interposto pela transportadora Ela S.A. contra o julgado proferido na apelação, onde, por unanimidade, ficou reconhecida a sua responsabilidade solidária. Alega violação ao disposto no art. 1º, itens 4º e 6º do Dec. 2.68111912, que isenta o transportador em situação como a dos autos, o que também está referido no art. 168 do Dec. 51.813/63. O art. 896 do CCivil assegura que a solidariedade não se presume, resultando apenas da lei ou da vontade das partes. Traz em seu abono lição da doutrina e um precedente, citado por ementa, sobre culpa concorrente em acidente de trânsito.
Contra o acórdão proferido nos embargos infringentes, a transportadora Ela SI A ingressou com um segundo recurso especial, por am-
bas as alíneas, alegando ofensa ao art. 100 do CComercial, que dispõe sobre a responsabilidade do carregador e do condutor, e ao art. 1 º, itens 4º e 6º do Dec. 2.681/1912, além de divergência com o RE 30.937/DF.
A autora também ajuizou recurso especial, pelas alíneas a e c do permissivo constitucional, por negativa de vigência aos arts. 100 e 101 do Comercial, e 1.518 do CCivil, além de dissídio com julgado publicado na RT J 1/680.
O primeiro recurso especial interposto por Ela Transportes e Comércio Ltda., contra o acórdão da apelação (fls. 1.301/1.314) e o recurso de Ormec Engenharia Ltda. (fls. 1.36111.370) foram declarados desertos por insuficiência de preparo (FI. 1.381).
Contra a decisão que julgou desertos os dois recursos especiais, e contra a que inadmitiu o segundo recurso de Ela, as partes agravaram de instrumento, todos providos, subindo os autos.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR (Relator): 1. Reitero o julgamento proferido nos agravos de instrumento, afastando o decreto de deserção de um dos recursos da transportadora Ela e do especial de Ormec, autora, uma vez que houve simples insuficiência no recolhimento do numerário destinado ao preparo, o que tem sido considerado irrelevante por esta ego 4ª Turma.
298 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998.
2. A primeira inconformidade de EUa Transportadora é com a sua condenação, como responsável solidária pelos danos causados à carga que transportava, o que ficou definido na instância ordinária já no julgamento da apelação. Assegura que, nos termos da legislação aplicável ao caso (arts. 1 Q do Dec. 2.681/ 1912,168 do Dec. 51.813/63), o transportador não responde pelo caso fortuito ou força maior, nem quando a avaria deriva do mau acondicionamento da mercadoria, feito pelo seu remetente.
Ocorre que o v. acórdão admitiu expressamente a participação culposa também da transportadora, como se extrai da seguinte passagem: "Bem patente, encontra-se configurada a participação culposa das duas empresas (fabricante e transportadora) que assumiram solidariamente a responsabilidade no transporte, cada qual comprometida :pelas circunstâncias de fato j á salientadas e comprovadas" (fl. 1.258).
Assim definidos os fatos, não há como fazer prevalecer as ressalvas previstas na lei, porquanto não admitida na instância ordinária a causalidade única de algum desses fatores, em especial do mau acondicionamento da mercadoria.
Concorrendo culposamente para o dano, a transportadora responde solidariamente, nos termos do art. 1.518 do CCivil.
3. O segundo recurso da transportadora Ela S/A, e o da autora, Ormec Engenharia Ltda., contra o julgamento dos infringentes, têm o objetivo único de restabelecer a res-
ponsabilidade solidária da fabricante, reconhecida pelo v. acórdão que julgou a apelação.
Penso que têm razão.
Celebrada a compra e venda mercantil com a cláusula "posto fábrica" - free alongside factory, dela não decorre necessariamente que a estiva devesse ser realizada sob a responsabilidade única da transportadora. Nas circunstâncias dos autos, tratava-se de uma máquina com 12.000 kg, que não foi nem poderia ter sido movimentada pelo motorista do caminhão, preposto da transportadora, o qual não dispunha de força física nem de conhecimento técnico para tanto. Na verdade, "a estiva foi realizada por pessoas da própria fabricante", como afirmado no acórdão de fl. 1.256, tendo a mesma empresa celebrado contrato de seguro sobre a mercadoria, inclusive pela "má estiva" (apólice de seguro de fl. 34). Nesse contexto, não podendo a máquina ser movimentada e instalada no caminhão senão com a participação dos prepostos da fabricante, o que realmente aconteceu, e tendo ela o cuidado de se resguardar quanto aos riscos da má estiva, não há como não considerála no desempenho das funções de carregador, assumindo a responsabilidade pelo mau serviço. Da sua concorrência causal decorre a responsabilidade solidária definida na regra geral do art. 1.518 do CCivil, acima invocada em relação à transportadora.
Isso em nada contraria a regra de que os riscos do transporte são do transportador, pois estamos a tra-
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998. 299
tar do defeito no carregamento, executado pela fabricante.
Acredito que, de um modo geral, tratando-se de mercadorias que exijam tratamento especial para serem acondicionadas e preparadas para o transporte da sede do estabelecimento fabricante, nada mais razoável do que esperar deste o cuidado de entregar a mercadoria em condições de bom transporte.
Tudo o que se disse a respeito da tradição também em nada afeta essa conclusão, pois na entrega do bem é que teria havido a negligência.
Assim, o v. acórdão deixou de aplicar ao caso a regra do art. 1 º, itens 4º e 6º do Dec. 2.681/1912, e a do art. 168 do Dec. 51.813/63, que dispõem:
"Art. 1 º - As estradas de ferro serão responsáveis pela perda total ou parcial, furto ou avaria das mercadorias que receberem para transportar.
Será sempre presumida a culpa e contra esta presunção só se admitirá alguma das seguintes provas:
1 ª - caso fortuito ou força maior;
2ª - que a perda ou avaria se deu por vício intrínseco da mercadoria ou causas inerentes à sua natureza;
3ª - tratando-se de animais vivos, que a morte ou avaria foi conseqüência de risco que tal espécie de transporte faz naturalmente correr;
4ª - que a perda ou avaria foi devida ao mau acondicionamento da mercadoria ou a ter sido entregue para transportar sem estar encaixotada, enfardada ou protegida por qualquer outra espécie de envoltório;
5ª - que foi devido a ter sido transportada em vagões descobertos, em conseqüência de ajuste ou expressa determinação do regulamento;
6ª - que o carregamento e descarregamento foram feitos pelo remetente ou pelo destinatário ou pelos seus agentes e disto proveio a perda ou avaria."
"Art. 168. Não haverá responsabilidade das empresas, quando:
a) Tratar-se de caso fortuito, ou de força maior;
b) a perda, ou avaria, for devida a vício intrínseco da mercadoria, ou a causas inerentes à sua natureza;
c) a fuga, lesão, doença, ou morte tratando-se de animais, for conseqüência de risco, que tal espécie de transporte faz naturalmente correr;
d) a perda ou avaria for devida a ter sido transportada a carga em vagões abertos, em conseqüência de ajuste, ou de disposições deste Regulamento;
f) o carregamento, a descarga, ou a baldeação, for feita, pelo remetente, ou pelo destinatário, ou respectivo preposto, sem a assistência da empresa, salvo se ficar provada a culpa dos agentes desta;
300 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998.
g) a mercadoria for transportada em veículo especialmente fretado pelo remetente, sob a sua custódia e vigilância, sendo a perda, furto ou avaria, conseqüência do risco que essa vigilância deveria ter evitado;
h) a diferença de peso verificada estiver dentro da tolerância prevista neste regulamento;
i) a empresa tiver aceito a indicação condicional do peso feita pelo expedidor, na procedência;
j) a perda, furto ou avaria, verificar-se após a entrega efetiva da carga, ser reserva, ou protesto, ou destinatário ou seu proposto;
k) existir no contexto dos documentos de despacho cláusula de garantia das empresas, devidamente assinada pelo expedidor;
1) o dano for, provadamente anterior ao transporte;
m) quando o volume, no destino, não apresentar indícios de violação ou avaria;
n) o dano for conseqüência provada de culpa do expedidor, ou destinatário, ou respectivos prepostos;
o) a perda, furto ou avaria for de bagagem não despachada, conduzida pelo próprio passageiro, salvo se se provar culpa, ou dolo, da parte dos empregados da empresa;
p) se for o transporte realizado em veículos não adequados, por solicitação do expedidor, constante da nota de expedição."
Reconhecido o fato de que a fabricante colaborou na colocação da mercadoria em condições de embarque ("ainda que tenha ajudado a acondicionar o equipamento", como constou do r. acórdão de fl. 1.349), e "se a estiva não foi bem feita", o que serviu de pressuposto do julgamento que isentou a fabricante, a conclusão a alcançar, diante desses elementos, é que o ego Grupo afastou a hipótese de responsabilidade da fabricante ainda que tenha ela participado do trabalho de má estiva, o que permite o conhecimento do recurso pelo fundamento legal invocado.
O v. acórdão também diverge do que ficou antes decidido no ego STF, trazido a confronto pela autora (RE 30.575, reI. em. Min. Afrânio Antonio da Costa).
4. Posto isso, não conheço do primeiro recurso de Ela S/A, contra o julgado na apelação; conheço do segundo recurso de Ela S/A (alínea a) e de Ormec Engenharia Ltda. alíneas a e c, ambos contra o acórdão dos embargos infringentes, e lhes dou provimento, para restabelecer o julgado na apelação.
É o voto.
VOTO
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: Acompanho o Sr. Ministro-Relator. Quanto ao primeiro recurso, dele não conheço, porque, consoante acentuou S. Exa., as instâncias de origem reconheceram a ocorrência da culpa, tanto do fabricante quanto do transportador.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998. 301
Quanto ao segundo recurso, porque, em face dos fatos delineados no julgamento, não se aplicou nas instâncias de origem, especialmente no acórdão recorrido, o disposto na legislação pertinente, conforme acentuado. A culpa, nos termos da legislação vigente, somente seria presumida se não tivesse sido demonstrada a culpa do fabricante no carregamento da mercadoria. Como assinalado, trata-se de carregamento de material pesado, aproximadamente doze toneladas, o que importaria, pelas suas próprias características, na participação do fabricante no acondicionamento dessa mercadoria.
Assim estabelecidos os fatos, é de se conhecer do segundo recurso e lhe dar provimento na mesma linha, aliás, do que se decide em relação ao terceiro recurso interposto pela autora.
Em conclusão, e em síntese, acompanho o Sr. Ministro-Relator.
VOTO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: Srs. Ministros, também acompanho o Sr. Ministro-Relator, entendendo como pertinentes, outrossim, as observações feitas pelo Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira.
RECURSO ESPECIAL Nº 138.096 - SP
(Registro nº 97.0044434-1)
Relator: O Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar
Recorrente: Banco Fiat S/A
Recorrida: Maria Oneide Ribeiro de Matos
Advogado: Paulo Eduardo Dias de Carvalho
EMENTA: Alienação fiduciária. Equivalente.
Incluídos no valor do financiamento concedido os encargos do contrato, o valor do equivalente em dinheiro a ser entregue pelo executado em cumprimento ao mandado expedido na forma do art. 904 do CPC (que corresponde ao valor atualizado do débito, segundo orientação predominante nesta 4ª Turma), não deve incluir acréscimos de juros, multas, comissão de permanência, etc., limitando-se à soma das prestações vencidas, corrigidas desde o respectivo vencimento.
Recurso conhecido, pela divergência, mas improvido.
302 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecar do recurso, mas lhe negar provimento. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Barros Monteiro e Cesar Asfor Rocha. Ausentes, justificadamente, o Sr. Ministro Bueno de Souza e, ocasionalmente, o Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira.
Brasília, 10 de novembro de 1997 (data do julgamento).
Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Relator.
Publicado no DJ de 09-02-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: Banco Fiat S/A agravou de instrumento contra a decisão de fls. 44/46 que fixara o critério para o cálculo do débito na execução da sentença que julgara procedente ação de depósito (art. 904 do CPC), determinando que o equivalente em dinheiro correspondesse ao saldo contratual em aberto, devidamente atualizado a partir do inadimplemento das prestações, excluídos os juros de mora e a multa contratual.
Sustentou o agravante, em consonância com a Súmula 20 do TACSP e outros julgados, que a estimativa deve corresponder a todo
o saldo devedor em aberto, apenas excluídas as custas e honorários advocatícios, daí porque deve prevalecer o cálculo de fls. 40/43.
A ego 7ª Câmara do 2º Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo negou provimento ao agravo, em acórdão assim ementado:
"O equivalente em dinheiro, para a hipótese de não devolução do bem pelo depositário, não pode compreender os encargos contratuais, notadamente, os juros e multas." (FI. 53).
O banco ingressou com recurso especial por ambas as alíneas, sob a alegação de afronta ao art. 4º do Decreto-Lei nº 911/69. Comprova dissídio com oAgnº 37/82 do TJPR, entre outros julgados.
Admitido o recurso especial na origem, subiram os autos a este ego STJ.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR (Relator): 1. Esta ego 4ª Turma já examinou a questão concernente à disputa entre qual dos valores deveria constar do mandado expedido na forma do art. 904 do CPC, se o valor do bem ou o da dívida, e decidiu, de acordo com os precedentes, com ressalva do subscritor, que deveria ser entregue pelo executado o valor da dívida, sem esclarecer como deveria ser computado o valor desse débito:
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998. 303
"1. Trata-se de saber se na ação de busca e apreensão de bem alienado fiduciariamente, convertida em ação de depósito por não ter sido encontrado o bem, a devedora pode consignar o equivalente ao valor da coisa, para isso adredemente avaliada, ou deve oferecer o valor total da dívida, com seus acréscimos. O recurso veio apenas pela divergência, que ficou bem demonstrada. 2. Esta 4" Turma tem posição firmada sobre o ponto, já expresso nos REsp's 49.649-MG, reI. em. Min. Sálvio de Figueiredo, e 54.515-SP, reI. em. Min. Barros Monteiro, com as seguintes ementas: "Frustrada a busca e apreensão e convertida em ação de depósito, o equivalente em dinheiro de que falam os arts. 902 e 904, CPC, corresponde ao valor do saldo devedor em aberto." (REsp n Q
49.649-MG). "Ação de depósito. Alienação fiduciária. Valor do saldo devedor em aberto. Nas ações derivadas de alienação fiduciária, o valor da coisa e o correspondente ao do débito contratual. Precedentes do STJ. Recurso especial não conhecido." (REsp n Q
54.515-SP). Obediente a esses precedentes, estou conhecendo e provendo o recurso, para restabelecer a decisão impugnada. 3. Devo, porém, deixar registrado meu ponto de vista pessoal, que consoa com o acórdão recorrido e com o precedente do ego Supremo Tribunal Federal: "Razoável o entendimento de que o equivalente em dinheiro, de que trata o art. 902, I, do CPC, é o exato co-
respectivo do valor pecuniário da coisa, sem os acréscimos e encargos do financiamento, cobráveis em outra ação." (RTJ 118/639). Ainda que se admita existir um depósito na alienação fiduciária, como é do pensamento majoritário inclusive nesta ego Turma, com ressalva da posição do relator, ele incidiria exclusivamente sobre o bem dado em garantia, objeto da alienação, não havendo nenhuma razão legal para estender esse ônus a um valor superior ao que lhe corresponda. Se a lei permite a consignação do equivalente ao valor da coisa a entregar (art. 902, I do CPC), a tanto deve se restringir a exigência do credor." (REsp 101.095/RS, de 25.11.96).
2. Cuida-se, agora, de definir quais as parcelas que devem integrar o cálculo do débito. O v. acórdão recorrido decidiu que o equivalente em dinheiro não pode compreender os encargos contratuais, notadamente os juros e multas.
Colocou-se ao lado de precedente deste Tribunal, como se vê da ementa do RHC 1.163/SC, da ego 5" Turma:
"Alienação fiduciária em garantia - Ação de depósito - Exigência além do valor da coisa depositada - Prisão civil - Ilegalidade. - Na ação de depósito, é permitido depositar-se o equivalente em dinheiro em substituição à coisa, entendendo-se daí, exatamente o valor do bem, não as parcelas acessórias, que poderão ser exigidas em ação própria,
304 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998.
tendo em vista a natureza da ação de depósito, que se exaure com o alcance do objeto, não visando, por isto mesmo, execução do crédito total. - Sujeitar o devedor ao depósito da coisa ou o equivalente em dinheiro, acrescidas de parcelas que exorbitem ao valor do bem, sob pena de prisão, e medida ilegal que merece ser coibida. - Recurso conhecido e provido. Relator: Ministro Cid Flaquer Scartezzini".
3. Penso que assim deve ser, e me socorro da fundamentação do r. acórdão:
"O valor da coisa, para efeito de estimação do equivalente em dinheiro, corresponde ao saldo devedor em aberto, excluídos os encargos contratuais. Bem a propósitojájulgou o mesmo Col. Tribunal que o depositário infiel só poderá ser preso se não entregar o bem ou o seu valor equivalente e nesse caso não podem ser incluídos juros, custas, despesas e honorários. Essas verbas podem ser exigidas, mas não sob pena de prisão. A prisão não é pela dívida, mas em razão do desvio do bem depositado. Destarte, deve a apelante comprovar o valor do bem e dele deduzir o correspondente às prestações já pagas, a fim de evitar-se o enriquecimento ilícito" (JTAC-SP 158/37-40)." (fls. 54/55)
4. Tenho para mim que deve prevalecer, em quaisquer circunstân-
cias, a idéia de que o devedor ameaçado de prisão não pode ser constrangido a entregar o valor do bem, quando a dívida é relativamente pequena, nem o valor da dívida, quando muito superior ao do bem dado em garantia, especialmente naqueles casos em que não foi o objeto financiado. No primeiro caso, a pretensão do credor fica satisfeita com a quitação da dívida, no segundo, evita-se injusto e grave dano ao devedor, cuja prisão somente pode decorrer do desvio do bem, não da inadimplência.
5. No caso dos autos, a r. sentença confirmada em segunda instância, afastara a inclusão de acréscimos porque:
"O exeqüente, corretamente, abriu mão de cobrar, nestes autos, a comissão de permanência. Mas insiste na cobrança de juros e multa, o que também não se pode tolerar.
Ante o exposto, fica, e agora definitivamente, fixado o critério para a execução. O valor a ser cobrado sob pena de prisão é o saldo contratual em aberto (Súmula 20, do I Tribunal de Alçada Civil do Estado), atualizado, e nada mais. E a atualização darse-á a partir do inadimplemento, e não a partir da celebração do contrato. E isso porque: conforme mencionado à fl. 84, o valor do empréstimo é de R$ 4.609,44, para ser devolvido em 18 prestações de R$ 417,74 cada uma, cujo resultado é muito superior ao valor emprestado (R$ 7.519,50).
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998. 305
É preciso, repita-se, analisar a questão sempre em termos do valor do carro. O valor ajustado para devolução é muito superior ao valor do empréstimo, pelo que é muito superior ao valor do veículo. Na diferença, já estão incluídas as vantagens com o empréstimo, e que não guardam relação com o valor do carro, mas apenas com os encargos do contrato. Logo, o reajuste dar-se-á a partir de 01/05/95, sobre o valor de R$ 417,74 para cada prestação." (fls. 45/46)
Assim posta a matéria de fato, tenho que o modo pelo qual deve ser composto o valor a ser exigido do executado o equivalente a que se refere o art. 904 do CPC, deve corresponder ao valor atualizado da dívida assim como determinado pelo Dr. Juiz de Direito, da soma das parcelas não pagas, corrigidas desde o respectivo vencimento.
4. Posto isso, conheço do recurso, pela divergência, mas lhe nego provimento.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL NQ 146.720 - RJ
(Registro n Q 97.0061800-5)
Relator: O Sr. Ministro Barros Monteiro
Recorrente: Arki Serviços de Segurança Ltda.
Recorrida: ltaú Seguros S/A
Advogados: Drs. Ana Cristina Ulbricht da Rocha, e Sérgio Ruy Barroso de Mello e outros
EMENTA: Citação. Recebimento por funcionária na sede da empresa. Teoria da aparência.
Em casos especiais, é admissível a citação da empresa na pessoa que, em sua sede, se apresenta como sua representante, recebendo a contrafé e apondo a nota de "ciente" acima do sinal identificatório da pessoa jurídica, sem nada argüir a respeito da falta de poderes de representação.
Decisão recorrida que ainda se reporta à circunstância de que atos processuais relevantes foram praticados, na mesma causa, por pessoas qualificadas como funcionárias da mesma empresa em questão.
Recurso especial não conhecido.
306 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas:
Decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do recurso, na forma do relatório e notas taquigráficas precedentes que integram o presente julgado. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Ruy Rosado de Aguiar e Sálvio de Figueiredo Teixeira.
Brasília, 18 de novembro de 1997 (data do julgamento).
Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente e Relator.
Publicado no DJ de 15-12-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: Arki Serviços de Segurança Ltda. opôs embargos à execução contra Itaú Seguros S/A, com fulcro no art. 741, inc. I, do CPC, alegando nulidade da citação efetivada na ação ordinária de cobrança que lhe moveu a embargada.
Julgados procedentes os embargos em primeiro grau, a Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade, deu provimento ao apelo da embargada, em acórdão cujos fundamentos se resumem na seguinte ementa:
"Execução judicial. Embargos. Citação no processo de conhecimento, apontada como nula, por
ter sido efetivada através de funcionário da empresa executada. Teoria da aparência a dar validade à citação. Reforma da sentença que julgou procedentes os embargos. Recurso provido."
Rejeitados os declaratórios, a em-bargante manifestou o presente recurso especial com fundamento na alínea a do permissivo constitucional, apontando violação dos arts. 12, VI, e 215 do CPC. Insistiu na alegação de nulidade da citação: a funcionária que recebeu a citação pertence ao quadro de outra pessoajurídica, a qual, por sua vez, se encontrava àquela época executando tarefas de caráter transitório para a recorrente. Não possuía ela, portanto, poderes para representá-la. Acentuou que, embora reconhecendo não constar dos autos a outorga de poderes para receber citação, o acórdão aplicou inadequadamente a teoria da aparência. Quanto ao fato de ter a recorrente oferecido bens à penhora antes de ter sido citada, argumentou que a nulidade do ato citatório no processo de conhecimento vicia todos os demais atos subseqüentes. Por fim, afirmou que, para que houvesse citação válida, cabia à recorrida, como autora, indicar os representantes legais da recorrente.
Contra-arrazoado, o apelo extremo foi admitido na origem.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO (Relator): O Acórdão
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (07): 239-318, julho 1998. 307
combatido acolheu a denominada teoria da aparência para arredar a argüição de nulidade da citação. Arrimou-se o decisório sobretudo na circunstância de que o ato citatório recaiu na pessoa de Dorcelina Flávia de Paula, funcionária da empresa embargante - ora recorrente. Asseverou, mais, o V. Acórdão que tanto a citação como a posterior intimação da penhora se operaram nas pessoas de funcionárias da mesma empresa, havendo uma delas até mesmo servido como depositária dos bens penhorados.
A assertiva de que Dorcelina Flávia de Paula é empregada de uma outra pessoa jurídica acha-se em contraposição ao que afirmou o julgado recorrido. Para certificar-se acerca da veracidade da alegação feita no REsp preciso será adentrarse na análise do quadro probatório, o que, entretanto, não se compadece com a natureza do recurso especial (Súmula n Q 07 desta Corte).
A teoria da aparência tem merecido o beneplácito deste Tribunal em casos especiais, conforme se pode verificar do decidido nos REsp's nQE 5.276-SC e 6.631, ambos oriundos da C. Terceira Turma, relatados, respectivamente, pelos Srs. Ministros Waldemar Zveiter e Cláudio Santos. Desta Eg. Quarta Turma, podem ser enumerados os REsp's nQE 14.515-SP e 26.610-SP, ambos da relatoria do em. Ministro Athos Carneiro. Ainda há pouco, este órgão fracionário teve ocasião de reiterar o seu entendimento ao apreciar o REsp n Q 103.624-GO, por mim relatado, que oferece situações de si-
milaridade com a espécie presente. Eis a ementa daquele julgado:
"Citação. Recebimento por gerente de atendimento da sucursal de pessoa jurídica. Teoria da aparência.
Em casos especiais, é admissível a citação da empresa na pessoa que, na sua sucursal, se apresenta com poderes de gerência ou de administração, recebendo a contrafé e apondo a nota de ciente no mandado, sem nada argüir a respeito da falta de poderes de representação.
Recurso especial não conhecido" (in DJU de 09.06.97).
Nesse precedente supramencionado, reportei-me ao aresto de que fora Relator o il. Ministro Waldemar Zveiter (REsp n Q 5.276-SC), no qual a Eg. Terceira Turma dera como válido o ato de citação havido na pessoa do subgerente, quando ele próprio o aceitou, ficando ciente de todo o processo e nada comunicando ao oficial de justiça sobre a eventual ilegitimidade.
A base empírica desta lide não se oferece como muito distante das acima retratadas. A decisão recorrida ressaltou que dois relevantes atos de comunicação processual foram praticados por empregadas da ora recorrente. Atentando-se para a forma como foi levada a efeito a citação no caso em tela, constata-se dos autos em apenso (ação ordinária de cobrança) que ao oficial de justiça encarregado da diligência, Dorcelina Flávia de Paula apresentou-se na sede da entidade como sua re-
308 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998.
presentante, pormenor que se confirma pelo fato de haver ela aposto o "ciente" acima do carimbo identificatório da pessoa jurídica Arki -Serviços de Segurança Ltda., tendo ainda recebido a contrafé. Ademais, em nenhum momento ressalvou não deter poderes para representar a empresa.
Assim, ao aplicar a chamada teoria da aparência, o decisum hosti-
lizado não malferiu os indigitados arts. 12, inc. VI, e 215 do Código de Processo Civil. Antes, a diretriz traçada encontra-se em harmonia com a jurisprudência dominante nesta Casa, conforme acima assinalado.
Ante o exposto, não conheço do recurso.
É como voto.
RECURSO ESPECIAL NQ 150.379 - MG
(Registro nQ 97.0070657-5)
Relator: O Sr. Ministro Barros Monteiro
Recorrentes: Danubio de Azevedo e cônjuge
Recorrido: Condomínio do Edifício Maria Virginia
Advogados: Drs. Osiris Rocha e outro, e Ana Eteluina Lacerda Barbato e outro
EMENTA: Penhora. Bem de família. Contribuições condominiais. Art. 3~ inc. IV, da Lei nf! 8.009, de 29.03.90.
É passível de penhora o imóvel residencial da família, quando a execução se referir a contribuições condominiais sobre ele incidentes.
Recurso especial não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas:
Decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do recurso, na forma do relatório e notas taquigráficas precedentes que integram o presente julgado. Votaram com o
Relator os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Ruy Rosado de Aguiar e Sálvio de Figueiredo Teixeira.
Brasília, 24 de novembro de 1997 (data do julgamento).
Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente e Relator.
Publicado no DJ de 15·12-97. Republicado no DJ de 09-03-98.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998. 309
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: Danúbio de Azevedo e Vera Lúcia Reis de Azevedo opuseram embargos à penhora realizada nos autos da execução de sentença, proferida em ação sumaríssima de cobrança de contribuições condominiais, que lhes move o Condomínio do Edifício Maria Virgínia.
O MM. Juiz de Direito julgou improcedentes os embargos, declarando subsistente a penhora.
A Sétima Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, por unanimidade, negou provimento ao apelo dos embargantes. Os fundamentos do acórdão acham-se resumidos na seguinte ementa:
"Execução. Impenhorabilidade. Lei n Q 8.009 1 90. Abrangência.
Quando a execução se faz com base em taxas condominiais, o apartamento integrante da universalidade-autora, mesmo sendo 'bem de família', por único do casal executado, responde, sendo penhorável, abrangido como está pela exceção contida no art. 3Q
,
da Lei n Q 8.009/90, vez que foi em função dele o surgimento do débito" (fls. 37).
Inconformados, os executados manifestaram o presente recurso especial com fulcro nas alíneas a e c do permissor constitucional, apontando violação do art. 3Q
, inc. IV, da Lei 8.009/90, além de dissídio interpretativo com julgado desta Corte.
Alegaram, em síntese, que a contribuição condominial, por ser de caráter particular, não está abrangida pela exceção prevista no referido dispositivo, que cuida exclusivamente de dívida de natureza fiscal.
Contra-arrazoado, o apelo extremo foi admitido, subindo os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO (Relator): A despeito dos precedentes emanados desta C. Turma acerca da matéria (REsp's n llli
52.156-4/SP e 82.563-RJ), penso que é caso de reformular-se a diretriz então traçada e conferir-se ao disposto no art. 3Q
, inc. IV, da Lei n Q
8.009, de 20.03.90, uma interpretação compatível com a realidade dos dias atuais; que permita a preservação do condomínio e obste o enriquecimento indevido de uma das partes envolvidas.
Assim, na locução "taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar", empregada no referido inc. IV, devem entender-se como abrangidas as despesas condominiais, conforme, aliás, teve ocasião de sustentar o ilustre Juiz singular na sentença de fls. 20/21:
"Em estudo publicado na Revista dos Tribunais (v 01. 679), Ernesto Lippman conclui que a expressão 'contribuições devidas em função do imóvel familiar' abrange 'também as contribui-
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ções, que são pagas ao condomínio no caso de imóvel consistente em apartamento' (pág. 31).
O nosso colendo Tribunal de Alçada, através de sua Quarta Câmara Civil, também posicionouse no mesmo sentido, ao decidir, com o acerto de sempre, que, 'tendo em vista a preservação do interesse dos condôminos, possível a penhora do bem de família para garantir execução de despesas condominiais, incluindo-se estas dentre as exceções previstas no art. 3º da Lei 8.009/90' (RJTAMG, 54-55/93).
Em seu voto, como Relator, o em. Juiz Célio César Paduani observou, com a sua conhecida acuidade, que 'não é justo que o proprietário de uma unidade deixe de participar do rateio de despesas comuns, fazendo com que os demais condôminos suportem a parte dos encargos que toca ao comunheiro inadimplente. O bem de família, nesta hipótese, deve responder por tais despesas, que são feitas em função do imóvel familiar e são imprescindíveis até mesmo para a preservação deste'" (fls. 21).
Nessa hipótese, portanto, para atender às despesas comuns de condomínio, ou seja, à cota-parte que cabe à unidade habitacional, o bem residencial da família é penhorável, de acordo com a ressalva inserta no art. 3º da Lei nº 8.009, de 1990.
Atribui-se à indigitada expressão um alcance genérico, sem a conotação de caráter fiscal que qualifica,
de forma restritiva, as demais ressalvas insertas no mesmo inciso IV. Alexandre Mars Carneiro, Advogado no Rio de Janeiro, vincula tais contribuições condominiais às obrigações propter rem, observando mais que "como, pois, admitir-se, senão ab absurdo, que um condômino inadimplente não possa ser coertado a satisfazer sua co-participação nas despesas comuns, que resultam da interpenetração de direitos proporcionais e coexistentes, e tenham os demais condôminos, ad aeternum, que suportar esta desigualdade de conduta? Mutatis mutandis, ter-se-ia, por parte do condômino inadimplente, relapso, um enriquecimento sem justa causa e em prejuízo dos demais condôminos, a desigualar os direitos iguais de todos" (ALei nº 8.009/90 e a penhorabilidade de unidade condominial familiar, in Rev. Forense, voI. 327, pág. 9).
Não se mostra equânime, efetivamente, que o devedor passe a usufruir do condomínio às custas dos demais condôminos, sem quaisquer ônus. Não há falar no caso, por conseguinte, em contrariedade ao preceito de lei federal apontado, nem tampouco em dissenso interpretativo, desde que os recorrentes se cingiram a transcrever o aresto paradigma tão-só por sua ementa, desconsiderando o estatuído nos arts. 541, parágrafo único, do CPC, e 255, § 2º, do RISTJ.
Ante o exposto, não conheço do recurso.
É como voto.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (107): 239-318, julho 1998. 311
VOTO-VOGAL
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: Já votei, em recurso do qual fui relator, no sentido dos precedentes desta Turma, sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial da família, por dívidas do condomínio. Tenho, porém, refletido sobre os efeitos dessa decisão e estou hoje convencido de não ter sido a melhor e aproveito esta oportunidade para reconsiderá-la. A desobrigação do condômino de contribuir para as despesas comuns levará a duas situações indesejáveis: lançará à conta dos demais a sua quota, o que é injusto; prejudicará a conservação dos prédios, o que é socialmente inconveniente.
A liberação do imóvel, em casos tais, significará - para aqueles que não disponham de outros bens penhoráveis - verdadeira imunidade diante das despesas condominiais. Sabendo-se que estas surgem necessariamente todos os meses, - com gastos de água, luz, limpeza, etc., além das despesas que ordinariamente decorrem do próprio uso do prédio, que exige conservação e reformas, a falta da participação de um ou de algum acarretará apenas um acréscimo na parcela das outras, mas a inadimplência de muitos poderá significar a inviabilidade da manutenção dos serviços básicos, tornando insuportável a vida em comum. Em grandes construções
condominiais, com dezenas e às vezes centenas de unidades habitacionais, onde a maioria não tenha outros bens penhoráveis, a falta de eficácia da cobrança das despesas comuns levará à degradação do prédio.
Além disso, devemos considerar dois pontos: a obrigação surge da própria coisa, vinculando o proprietário ao pagamento das despesas que decorrem da existência do bem imóvel e do seu uso, sendo razoável acreditar que o imóvel é a garantia do pagamento das despesas que ele gera; o crédito em favor do condomínio não decorre de uma opção do credor (que por isso, na normalidade das relações obrigacionais, deve sofrer as conseqüências de haver escolhido negociar com um devedor inadimplente), mas se impõe pela só existência do condomínio, conforme acentuado pelo em. Min. Cesar Rocha.
Assim, tenho que a Lei 8.009/90 deve ser interpretada no sentido de que a cobrança da contribuição devida para a cobertura das despesas de condomínio pode levar à penhora do imóvel que gerou a despesa, ainda que sirva de residência à família do devedor, sem excluir a possibilidade de examinar, a cada caso, a hipótese de ser a cobrança abusiva.
Posto isso, acompanho o em. Min.Relator.
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RECURSO ESPECIAL Nº 164.729 - SP
(Registro nº 98.0011852-7)
Relator: O Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira
Recorrente: União Federal
Recorrida: Sociedade Educacional Soibra S/C Ltda.
Advogados: Drs. Gilberto da Silva Filho e outro
EMENTA: Processual Civil. Usucapião. Antigos aldeamentos indígenas. Falta de interesse da União. Ato jurisdicional que exclui litisconsortes. Prosseguimento do feito. Naturezajurídica do ato: decisão interlocutória. Interposição de apelação equivocada. Fungibilidade. Recursal. Inadmissibilidade. Inexistência de dúvida objetiva na doutrina e na jurisprudência. Prazo do recurso adequado não-observado. Necessidade de sua observância. Dissídio superado. Recurso desacolhido.
I - O ato pelo qual o juiz exclui litisconsorte tem natureza jurídica de decisão interlocutória, sujeita, portanto, à interposição do recurso de agravo.
U - Não se admite o princípio da fungibilidade recursal se inexistente dúvida objetiva na doutrina e na jurisprudência a respeito do cabimento do recurso na espécie. Inaplicável, ademais, referido princípio, em virtude do recurso inadequado não ter sido interposto no prazo próprio.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso. Votaram com o Relator os Ministros Barros Monteiro, Cesar Asfor Rocha e Ruy Rosado de Aguiar. Ausente, justificadamente, o Ministro Bueno de Souza.
Brasília, 29 de abril de 1998 (data do julgamento).
Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Relator.
Publicado no DJ de 01-06-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: Junto aos autos da ação de usucapião movida pela recorrida, manifestou a União interesse, o que provocou o deslocamento do feito para a Justiça Federal. O Juiz Federal, entretanto, entendeu inexistir interesse
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da União, excluindo-a do processo e determinando o retorno dos autos à Justiça Estadual.
Contra essa decisão, interpôs a União apelação, que deixou de ser recebida ao fundamento de que o recurso adequado seria o agravo.
Insatisfeita com a negativa de seguimento de seu recurso, manifestou agravo, ao qual pediu fosse conferido efeito suspensivo. A Juíza Suzana Camargo, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região indeferiu o pleiteado efeito suspensivo, asseverando que não haveria aparência do bom direito, haja vista a natureza de decisão interlocutória do ato judicial que exclui um dos litigantes do processo, sem extingui-lo.
Atacando essa decisão monocrática da Relatora, manejou a vencida agravo, que restou desprovido pela Quinta Turma daquele Tribunal.
Irresignada, a União interpôs recurso especial alegando, além de dissídio, violação dos arts. 165 e 458-II do Código de Processo Civil, porque padeceria o acórdão de falta de fundamentação, uma vez que a Turma se limitou a manter a decisão da Relatora sem levar em consideração suas alegações como agravante, bem como dos arts. 162, § 1 Q
e 513 do mesmo diploma legal, por ser terminativa a decisão que exclui do feito um dos litigantes.
Sem contra-razões, foi o recurso admitido na origem.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA (Relator): 1. Inviável a discussão a respeito da suposta ofensa aos arts. 165 e 458 do Código de Processo Civil. A matéria não sofreu debate no acórdão recorrido, estando ausente o requisito do prequestionamento, que a jurisprudência da Corte vem exigindo mesmo para os casos de violação surgida no próprio acórdão da segunda instância.
É de aplicar-se, portanto, o verbete sumular n. 282 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.
Mesmo que assim não fosse, constata-se que o acórdão não pecou na fundamentação, assinalando-se que se trata de agravo ("interno") contra decisão que indeferiu liminar para conferir efeito suspensivo a agravo. Embora não tenha a Turma mencionado e refutado as alegações da agravante, a decisão hostilizada continha o fundamento básico e suficiente para rechaçar a insatisfação, qual seja, a inexistência de aparência do bom direito em razão de o ato atacado no agravo consistir em decisão interlocutória.
2. No mais, a discussão cinge-se à natureza jurídica do pronunciamento judicial que exclui da relação processual um dos litigantes situados no pólo passivo da causa.
Apesar de inicial divergência no tema restou assentado, e com inteiro acerto, ser o agravo o recurso cabível contra a decisão que exclui da relação processual litisconsorte, seja ativo ou passivo (a propósito, den-
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tre muitos, os REsps 78.041-RS (DJ 18.3.96), 14.878-SP (DJ 16.3.92), 34.309-PR (DJ 2.8.93) e 3.504-RJ (DJ 16.5.94), relatados respectivamente pelos Ministros Ruy Rosado de Aguiar, Eduardo Ribeiro, Cláudio Santos e Fontes de Alencar.
Simplificado é o sistema recursal do Código de Processo Civil. Os atos do juiz estão conceituados e a cada ato corresponde um recurso cabível. Assim, a sentença se caracterizaria como o ato que põe termo ao processo, com ou sem exame do mérito. E o processo, nesse caso, deve ser visto de forma ampla. Se efetivamente houve extinção, sem prosseguimento do feito, foi proferida uma sentença. Se, ao contrário, determinou-se a continuação do processo para resolver qualquer situação pendente, ainda que tenha sido extinto o feito em relação a um dos litisconsortes, a decisão tem naturezajurídica de interlocutória, agravável, portanto.
Esse é o caso dos autos. A decisão atacada por apelação não extinguiu o processo de usucapião, mas tão-somente determinou a exclusão da União, por não ter interesse na causa. Logo, se não se pôs fim ao processo como um todo, de sentença não se trata, não podendo, destarte, ser cabível o recurso de apelação.
Recentemente, esta Turma abonou novamente a referida tese, no AgRg/Ag 126.734-SP (DJ 18.8.97), de minha relatoria, com a seguinte ementa:
"I - O ato pelo qual o juiz exclui litisconsorte tem naturezajurídi-
ca de decisão interlocutória, sujeita, portanto, à interposição do recurso de agravo.
II - Não se admite o princípio da fungibilidade recursal se inexistente dúvida objetiva na doutrina e na jurisprudência a respeito do cabimento do recurso na espécie. Inaplicável, ademais, referido princípio, em virtude do recurso inadequado não ter sido interposto no prazo próprio".
N o mesmo sentido, o escólio de Cândido Rangel Dinamarco, apontando entendimento doutrinário:
"Um relevante reflexo prático dessa colocação é o recurso cabível no caso de indeferimento parcial da petição inicial, para que algum litisconsorte passivo não seja citado (ou, inversamente, para que um dos co-demandantes não fique como parte). Se a demanda fosse repelida por inteiro, ter-se-ia ali um caso de extinção do processo sem julgamento do mérito (arts. 267, inc. I, c/c 295), a desafiar recurso de apelação (art. 513, c/c 296). No indeferimento parcial acima figurado, entretanto, o processo vai prosseguir, apenas com menos figurantes do que o autor pretendia inicialmente; se o processo era um só e não se extinguiu, é meramente interlocutória a decisão que indeferiu a inicial em parte, sendo por isso cabível o agravo de instrumento (arts. 162, § 2Q
, e 522). O mesmo se dá, quando uma oposição interventiva é indeferida, ou quando o litisdenunciado é
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excluído do processo etc." (Litisconsórcio, 3ª ed., Malheiros, n. 9, pág.36).
E dessa posição também não discrepa Barbosa Moreira, ao sustentar, enfaticamente, que "não se qualifica como sentença, nem portanto, é apelável a decisão que exclui do feito algum dos litigantes, determinando que ele prossiga com relação aos demais" (Comentários ao Código de Processo Civil, v. V, 7ª ed., Forense, 1998, n. 231, pág. 409).
3. Quanto a uma eventual aplicação do princípio da fungibilidade, na hipótese não há como se lhe fazer valer.
Este, embora não mais normatizado no ordenamento positivo vigente, como o era no derrogado (art. 810 do Código de Processo Civil de 1939), vem sendo consagrado pela doutrina processual, com aplicação da antiga teoria do "recurso indiferente". Entretanto, condiciona-se sua adoção além da boa-fé que deve estar presente em todo o iter procedimental, a dois requisitos primordiais: a) existência de dúvida objetiva na doutrina e na jurisprudência; b) não ter ocorrido erro grosseiro na interposição. Um terceiro - interposição do recurso impróprio no prazo certo - surge em alguns segmentos da doutrina, que, em função disso, ainda se encontra vacilante na sua adoção.
Assim, pelo simples fato de não estar presente um dos requisitos, no caso a dúvida justificável no cabimento do recurso, não merece ser acolhido o mencionado princípio.
N a espécie, além da inexistência de substancial dúvida na doutrina e na jurisprudência patente o erro inescusável no comportamento da recorrente, tendo em vista que, diante do sistema recursal adotado pelo Código de 1973, que busca definir os atos judiciais (cfr. art. 162), é cediço que contra decisão que não põe termo ao processo em definitivo não cabe apelação.
Desta forma, a acolhida da fungibilidade, in casu, estaria a contrariar o sistema adotado e os próprios objetivos do legislador de 1973. Neste sentido, decidiu a Segunda Seção desta Corte, no AgEREsp 3.815 (DJ 25.3.91), do qual fui relator e que consigna na ementa:
- "Não obstante o direito brasileiro agasalhe o princípio da fungibilidade recursal, segundo entendimento consagrado na atual doutrina, com respaldo jurisprudencial, não se pode, no entanto, conhecer de inconformismo manifestado no arrepio da sistemática processual vigente".
No que concerne ao prazo, uma vez não afirmada a má-fé, colhe-se de lição de Nelson Nery Jr.:
"A regra da fungibilidade é ditada no interesse da parte, que não será prejudicada pela interposição errônea de um recurso por outro, quando houver fundada dúvida sobre o cabimento do meio de impugnação. Se o recorrente, convicto de que o recurso correto seria o de apelação, o in-
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terpõe no 15Q dia, por que retirar-lhe o direito de assim proceder, subtraindo-se-Ihe dois terços do prazo, a pretexto de que o recurso correto seria o de agravo? Em havendo os pressupostos para a aferição da dúvida objetiva, ou, da inexistência do erro grosseiro, o prazo se nos afigura absolutamente irrelevante. O recorrente deve, isto sim, observar o prazo do recurso efetivamente interposto, havido por ele como o correto para a espécie" (Princípios Fundamentais - Teoria Geral dos Recursos, 2ª ed., Revista dos Tribunais, 1993, n. 3.5.2.3, pág.337).
N a mesma linha, a lição de Alcides Mendonça Lima (Introdução aos Recursos Cíveis, 2ª ed., Revista dos Tribunais, 1976, n. 172, pág. 255).
Esta Turma, por sua vez, já teve oportunidade de defender igual posicionamento, como se vê do acórdão colacionado pelo recorrente como divergente, REsp 12.610-MT (RSTJ 30/474), relator o Ministro Athos Carneiro, assim ementado:
- "Se a lei é dúbia, se os doutrinadores se atritam entre si, e a jurisprudência não é uniforme, o erro da parte apresenta-se escusável e relevável, ainda que o recurso dito impróprio tenha sido interposto após findo o prazo assinado para o recurso dito próprio. Prevalência da regra maior do duplo grau de jurisdição, e aplicação da antiga teoria do 'recurso indiferente', consagrada no
Código de 1939, artigo 810, nos casos de ausência de má-fé e de erro grosseiro. A fungibilidade recursal é aceita na sistemática do vigente Código Processual Civil".
Posteriormente, no entanto, firmou-se a Turma em exigir o requisito da interposição no prazo do recurso próprio, em observância ao princípio da preclusão e sob o fundamento de que, havendo a dúvida, o correto seria o recorrente acautelar-se.
Neste sentido também é o entendimento da Primeira Turma, a exemplo, dentre outros, do REsp 53.645-SP (DJ 24.10.94), da relatoria do Ministro Cesar Asfor Rocha, quando a integrava, verbis:
"A aplicação do princípio da fungibilidade recursal reclama a observância do prazo previsto para o recurso próprio".
Dentro dessa orientação, aliás, se filia parte da melhor doutrina, como anota Sérgio Bermudes, em comentário ao art. 496 do Código, assinala:
"Arruda Alvim, Revista de Processo, 1/193, entende que se deve conhecer do recurso inadequado, mesmo quando interposto depois de chegado a termo o prazo para utilização do recurso próprio. A opinião parece infundada porque a decisão se terá tornado preclusa e, como tal, irrecorrível" (Comentários ao Código de Processo Civil, v. VII, 2a ed., RT, 1977, pág. 44).
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Desta forma, seja pela inocorrência de dúvida objetiva na doutrina e na jurisprudência a respeito do cabimento do recurso, seja pela não interposição do recurso inadequado no prazo daquele que seria o próprio, não há que se prestigiar o princípio da fungibilidade recursal.
4. No pertinente ao dissídio, não se configurou, haja vista estar a decisão recorrida em consonância com a jurisprudência iterativa desta Casa (Enunciado n. 83 da Súmula! STJ).
5. Em face do exposto, não conheço do recurso.
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