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Jurisprudência do STJ Publicado in www.verbojuridico.net Processo n.º 4540/2004 Data do Acórdão: 09-12-2004 Relator: Cons. Simas Santos Descritores: Princípio do juiz natural - Recusa de juiz desembargador – Requisitos - Revogação da aplicação da prisão preventiva - Recurso da decisão de não pronúncia - Imparcialidade objectiva. Sumário: 1 - A consagração do princípio do juiz natural ou legal (intervirá na causa o juiz determinado de acordo com as regras da competência legal e anteriormente estabelecidas) surge como uma salvaguarda dos direitos dos arguidos, e encontra-se inscrito na Constituição (art. 32.°, n.° 9 - "nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior"). 2 - Mas a possibilidade de ocorrência, em concreto, de efeitos perversos desse princípio levou à necessidade de os acautelar através de mecanismos que garantam a imparcialidade e isenção do juiz também garantidos constitucionalmente (art.ºs 203.° e 216.°), quer como pressuposto subjectivo necessário a uma decisão justa, mas também como pressuposto objectivo na sua percepção externa pela comunidade, e que compreendem os impedimentos, suspeições, recusas e escusas. Mecanismos a que só é licito recorrer em situação limite, quando exista motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade. 3 - A intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, com base na intervenção do juiz noutro processo ou em fases anteriores do mesmo processo fora dos casos do art. 40.º do CPP. 4 - A intervenção em recurso de Juízes Desembargadores que revogam o despacho que aplicou a prisão preventiva a uma arguido, por entenderem que se não verificam indícios suficientes da prática por este dos crimes imputados, num juízo autónomo e detalhado de tais indícios deve levar à sua recusa, nos termos do art. 43.º, n.º 2 do CPP, no recurso posterior interposto da decisão de não pronuncia desse mesmo arguido, por constituir um caso paralelo "inverso" do previsto na parte final do art. 40.º do CPP. 5 - Não estando em causa a imparcialidade subjectiva dos julgadores que importava ao conhecimento do seu pensamento no seu foro íntimo nas circunstâncias dadas e que se presume até prova em contrário, não se verifica a imparcialidade objectiva que dissipe todas as dúvidas ou reservas por forma a preservar a confiança que, numa sociedade democrática, os tribunais devem oferecer aos cidadãos. M . S. S.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Processo n.º 4540/04, 5.ª Secção. Única instância Relator: Conselheiro Simas Santos
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1.
Os assistentes, no processo n° 6882/04, 3 Secção da Relação de
Lisboa, vieram requerer:
«Os Assistentes, assim formalmente constituídos no âmbito dos
referenciados autos, no caso de não vir a ser atribuído efeito suspensivo ao
recurso pelos mesmos interposto do acórdão proferido em 06.10.2004 pelo
Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do processo n° 3 169/04, que corre
seus termos pela 3ª Secção do referido Supremo tribunal, vêm, por mera
cautela de patrocínio, expor e requerer a V. Ex” o que se segue.
1. O arguido P...., melhor identificado nos autos, por não se conformar
com a decisão judicial que decidiu pela aplicação da medida de coacção de
prisão preventiva, interpôs recurso junto do Tribunal da Relação de Lisboa.
2. O qual veio a merecer provimento, com os votos favoráveis dos
Venerandos Desembargadores C... e T....
3. Inconformados com a decisão instrutória relativa ao caso “Casa
Pia”, nos termos da qual foi proferido despacho de não pronúncia
relativamente aos arguidos P...., H... e F..., os aqui assistentes vieram a
interpor recurso ordinário.
4. O qual foi distribuído à 3” Secção do Tribunal da Relação de Lisboa,
sob o n° 6882/04.
5. Tendo sido, face a uma notícia do Jornal ‘Público”, oportunamente
deduzido incidente de recusa relativamente ao Venerando Desembargador
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Relator V….., interveniente no recurso que se irá pronunciar sobre a referida
decisão instrutória.
6. Incidente esse que, por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça,
não foi apreciado por alegada falta de objecto.
7. Sustenta, para o efeito, não ter o Venerando Desembargador
recusado intervenção no processo, nem como juiz relator, nem como juiz
adjunto, uma vez que, de acordo com a informação prestada pelo Venerando
Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, “O Relator do processo é o
Senhor Desembargador Dr. C..., sendo Adjuntos os Senhores
Desembargadores Dr. M…. e Dr. T....”
8. Precisamente os mesmos que, mediante intervenção em fase
processual anterior, à excepção do Venerando Desembargador M... que
votou vencido, colocaram em liberdade o arguido P...., com fundamento na
inexistência de indícios suficientes.
9. Pelo que é de esperar que voltem a considerar não existirem
indícios suficientes, e, nessa medida, venham a confirmar o despacho de não
pronúncia.
10. O que constitui motivo de preocupação dos aqui Assistentes.
11. Os quais consideram não se encontrarem reunidas as garantias de
imparcialidade e objectividade dos Venerandos Desembargadores C... e T...,
atenta a intervenção em fase processual anterior dos mesmos e o sentido do
acórdão atrás referido, relativamente à decisão final que venha a ser
proferida no âmbito dos autos de recurso.
12. Decisão essa que é definitiva, já que processualmente é
insusceptível de qualquer posterior reapreciação.
13. Pelo que torna-se bem evidente para os Assistentes que é maior a
injustiça resultante da absolvição definitiva daqueles a quem imputam os
crimes contra si praticados do que a submissão destes a julgamento, sede
própria para provar a sua inocência, caso ela exista.
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14. Daí que a Justiça do caso concreto imponha uma decisão
absolutamente isenta e totalmente imparcial quanto aos interesses em jogo,
de modo a não ser merecedora de qualquer reparo.
15. Nos termos anteriormente expostos, e ao abrigo do preceituado no
artigo 43°, n° 1, do Código de Processo Penal (CPP), requerem os Assistentes
que seja deferido o pedido de recusa de Juiz ora suscitado, uma vez que a
sua intervenção no processo corre o risco de ser considerada suspeita, por
existir motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua
imparcialidade.
Nos termos precedentes, e caso não venha a ser atribuído efeito
suspensivo ao recurso, relativo à recusa de juiz, interposto pelos assistentes
em 22.10.2004, por mera cautela de patrocínio, pedem os aqui assistentes o
deferimento do presente requerimento de recusa de juiz contra os exm°s
senhores venerandos desembargadores Dr. C... e Dr. T....»
Requereram, ainda, ao abrigo do disposto no art. 45.º, n°s 1 e 3,
do CPP, a instrução de tal requerimento com cópia do acórdão da
Relação de Lisboa que, em Outubro de 2003, colocara em liberdade o
arguido P.... no âmbito do processo 1718/02.9JDLSB e cópia do
acórdão de 6.10.2004 deste Supremo Tribunal de Justiça relativamente
ao incidente de recusa de juiz deduzido pelos assistentes.
2.1.
O Senhor Desembargador Relator Dr. C... pronunciou-se, ao
abrigo do disposto no art. 45.º, n.º 2 do CPP:
«1. A recusa e a escusa de um juiz, tal como o seu impedimento [basta,
para tanto, comparar o disposto nos artigos 390 e 400 do Código de Processo Penal] visam,
como se sabe, em determinados casos, garantir a imparcialidade do tribunal
[desiderato que não é apenas prosseguido por estes institutos mas também justifica o regime
estabelecido no artigo 23° do Código de Processo Penal] (artigo 430, n° 1, do Código de Processo
Penal) e, noutros, impedir a prática de uma pluralidade de actos processuais pelo mesmo
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magistrado como forma de assegurar o sentido de cada um desses actos e, assim, efectivar o
modelo processual que se quis erigir (artigo 43°, n° 2, do mesmo diploma legal) [Ver, neste
sentido, AROCA, Juan Montero, in «Sobre la Imparcialidad dei Juez y la Incompatibilidad de
Funciones Procesales», Tirant lo Blanch, Valência, 1999].
2. Os assistentes [note-se que, através do requerimento apresentado, fica-se sem
saber quais são os assistentes que suscitam o incidente. De facto, para além da «Casa Pia de
Lisboa» (admitida como assistente apenas quanto ao crime de peculato de uso imputado ao
arguido Carlos Silvino — v. fls. 16 323), foram, pelo despacho de fls. 18 412, admitidas 17 pessoas
singulares como assistentes, sendo que a maioria delas não tem qualquer relação com o
requerido], ao invocarem como fundamento do seu pedido o citado n° 1 do
artigo 43° do Código de Processo Penal e ao reproduzirem parte do seu
texto, afirmando que existe motivo sério e grave de suspeita, parecem querer
colocar apenas a questão da imparcialidade do juiz e já não a da eventual
incompatibilidade entre os actos por ele praticados.
3. Parece que, para os requerentes, a decisão de um recurso relativo à
prisão preventiva de um arguido deve obstar a que o juiz que a proferiu
aprecie posteriormente um outro recurso desse mesmo arguido, ainda que
interpostos ambos nas fases preliminares do processo [curiosamente, os
assistentes não suscitaram incidente idêntico relativamente à sr° juíza que presidiu à fase da
instrução se bem que ela tenha, depois de apreciar as medidas de coacção impostas aos arguidos,
vindo a proferir a decisão instrutória].
4. Em concreto, no entender dos requerentes, a imparcialidade do
signatário para a apreciação do presente recurso, interposto do despacho de
não pronúncia, estaria afectada pelo facto de ele ter subscrito, juntamente
com os seus colegas Desembargadores T... e M..., o acórdão n° 7002/03, que
revogou um despacho que tinha mantido a prisão preventiva imposta a um
dos arguidos que vieram a ser posteriormente não pronunciados e ordenou
que o mesmo fosse restituído à liberdade.
5. É, em primeiro lugar, curioso que este incidente apenas tenha sido
suscitado quanto aos dois juízes desembargadores que fizeram vencimento
naquele acórdão e não também quanto ao que nele ficou vencido, uma vez
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que todos, e não apenas os dois primeiros, se pronunciaram, embora em
sentidos diferentes, sobre as questões colocadas pelo então recorrente.
6. De facto, os requerentes não suscitam agora o incidente de recusa
daquele outro magistrado, embora considerem (se bem que erradamente
[Tendo-me sido distribuído o processo fiquei sendo o relator (corpo do n° 1 do artigo 7000 do
Código de Processo Civil), devendo intervir na conferência os juizes seguintes (n° 2 da mesma
disposição), que, no caso, são os Desembargadores T... e A…..]) que o Dr. M... integra o
colectivo a quem, por sorteio e em resultado do funcionamento das regras
legais, cabe apreciar o presente recurso, nem o fizeram anteriormente
quando suscitaram o incidente de recusa do Dr. V…, sendo certo que,
naquela altura, se esperava que o Dr. M... viesse a ter intervenção nos autos
uma vez que, durante as férias judiciais, tinha aposto o visto no processo e
se preparava para intervir na conferência em que o presente recurso deveria
ter sido julgado.
7. Perdoe-se-nos o desabafo. Mais parece que se está a tentar compor
um tribunal “à medida” [E, mais do que isso, sujeito a regras próprias. De facto, de uma
forma larvar, tenta-se inculcar a ideia de que, no nosso direito processual penal, um nível mínimo
de indícios seria suficiente para proferir um despacho de pronúncia (veja-se, sobre o tema,
recentemente, SILVEIRA, Jorge Noronha e, in «O conceito de indícios suficientes no processo
penal português», in «Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais», Almedina,
2004, p. 155 e segs.) e que seria na audiência que os arguidos deveriam provar a sua inocência! o
que consta do ponto 13 desse requerimento quando aí se afirma que, para os assistentes, ‘é maior
a injustiça resultante da absolvição definitiva daqueles a quem imputam os crimes contra si
praticados do que a submissão destes a julgamento, sede própria para provar a sua inocência,
caso ela exista»] do que a pretender salvaguardar a imparcialidade.
8. Feito este reparo, centremo-nos no essencial: a questão da
imparcialidade [para um amplo tratamento da imparcialidade à luz da Convenção
Europeia dos Direitos do Homem, veja se QUIROGA, Jacobo Lopez Baija de, in «Tratado de
Derecho Procesal Penal», Aranzadi, 2004, p. 355 e segs].
9. A imparcialidade pressupõe, de um ponto de vista objectivo, que o
juiz não tenha qualquer relação, ou pelo menos uma relação próxima, nem
com “as partes”, nem com o objecto do litígio [Veja-se, neste sentido, JUNOY, Joan
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Pico Y, in oLa Imparcialidad Judicial y sus garantias: la abstention y la recusación», J. M.
Bosch Editor, Barcelona, 1998, p. 23] ou seja, que se encontre numa posição de
«desinteresse e neutralidade» [veja-se ASENSIO, Rafael Jiménez, in o Judicial y
Derecho aI Juez Imparcial», Aranzadi, Navarra, 2002, p. 71].
10. Neste caso, há cerca de um ano, quando relatei o acórdão n°
7002/03, não existia nenhuma relação com “as partes” deste processo e com
o seu objecto.
11. Hoje, a situação mantém-se inalterada.
12. Diga-se, de resto, que nem mesmo os requerentes afirmam existir
qualquer relação desta natureza.
13. Por isso, não vejo que, de um ponto de vista objectivo, se possa
pôr em causa a minha imparcialidade.
14. Também nada afecta a minha imparcialidade subjectiva. No
acórdão que anteriormente relatei procurei respeitar escrupulosamente o
que entendi ser uma correcta realização do direito no caso concreto, não
tendo, minimamente, extravasado esse limite.
15. Por isso, não vejo como é que o facto de ter proferido aquela
decisão deva obstar a que intervenha no julgamento do presente recurso.
16. Essa decisão não constitui qualquer factor alheio ao exercício da
minha função que comprometa a minha imparcialidade [a imparcialidade
subjectiva estará garantida quando ‘o juiz não pretender servir os interesses de nenhuma das
partes no processo, isto é, quando o seu julgamento for apenas determinado pelo correcto
cumprimento da função que tem a seu cargo, quer dizer, pela realização do direito objectivo no
caso concreto, sem que qualquer circunstância alheia ao exercício dessa função influa na decisão
(Montero Aroca, ob. cit. p. 187 e 188)].
17. Não existe, portanto, em meu entender, qualquer fundamento para
o requerimento ora apresentado.»
2.2.
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O Senhor Desembargador Dr. T... pronunciou-se igualmente,
nos termos do n.º 2 do art. 45.º do CPP:
«Depois do Exmo. Desembargador Dr. C... se ter pronunciado, com
brilhantismo, sobre o requerimento apresentado pelos assistentes – ou por
alguns deles –, apenas diremos, pela nossa parte, nos termos e para os
efeitos do n.° 2 do art. 45° do Cód. Proc. Penal, que sempre procurámos
decidir, ao longo dos anos, apenas em conformidade com a lei e segundo os
ditames da nossa consciência, sem pré-juízos e sem reparar ao nome dos
sujeitos processuais.
Assim continuaremos a proceder, independentemente de quaisquer
posições, aliás respeitáveis, que outros possam tomar.»
3.
Recebidos os autos neste Supremo Tribunal de Justiça, o Relator
ordenou a junção de cópia certificada do segundo acórdão proferido
no processo n.º 3169/04, da 3.ª Secção.
Colhidos os vistos legais, foram os autos presentes à
conferência, pelo que cumpre conhecer e decidir.
3.1.
Os assistentes vieram, «por mera cautela de patrocínio»,
requerer a recusa de Juiz, «no caso de não vir a ser atribuído efeito
suspensivo ao recurso pelos mesmos interposto do acórdão proferido
em 06.10.2004 pelo Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do
processo n° 3 169/04, que corre seus termos pela 3ª Secção do referido
Supremo Tribunal».
Importa, pois, considerar a condição aposta ao requerimento
sujeito, desde logo, quanto à eventual ocorrência.
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Como se vê da cópia certificada que se mandou juntar, a Casa
Pia de Lisboa e os Assistentes, não se conformaram com o acórdão de
6.10.04 (proc. n.º 3169/04-3) que recaiu sobre o incidente de recusa
que haviam deduzido dela recorreram, nos termos dos art.ºs 69°, n.º 2,
al. c), 399.º, 400.°, n.° 1, a contrario sensu, 401°, n.° 1 al. b), e 411°, n.° 1
do CPP, para o Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de
Justiça (art.ºs 11°, n.° 2 al. b) e 433.º ), recurso a subir em separado e
imediatamente, com efeito suspensivo.
Mas, a 3.ª Secção deste Tribunal, por acórdão de 3.11.04,
decidiu não receber tal recurso.
Verificada está, pois, a condição aposta ao presente
requerimento, pelo que nada obsta ao seu conhecimento.
3.2.1.
E conhecendo.
A consagração do princípio do juiz natural ou legal (intervirá na
causa o juiz determinado de acordo com as regras da competência
legal e anteriormente estabelecidas) surge como uma salvaguarda dos
direitos dos arguidos, e encontra-se inscrito na Constituição (art. 32.°,
n.° 9 “nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência
esteja fixada em lei anterior”).
Mas a possibilidade de ocorrência, em concreto, de efeitos
perversos desse princípio, levou à necessidade de os acautelar através
de mecanismos que garantam a imparcialidade e isenção do juiz,
também garantidos constitucionalmente (art.ºs 203.° e 216.°), quer
como pressuposto subjectivo necessário a uma decisão justa, mas
também como pressuposto objectivo na sua percepção externa pela
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comunidade, e que compreendem os impedimentos, suspeições,
recusas e escusas.
Mecanismos a que só é licito recorrer em situação limite,
quando exista motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança
sobre a sua imparcialidade.
Dispõe o art. 43.º, n.º 1 do CPP que a intervenção de um juiz no
processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada
suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar
desconfiança sobre a sua imparcialidade (n.º 1), podendo constituir
fundamento de recusa, nos termos do n.º 1, a intervenção do juiz
noutro processo ou em fases anteriores do mesmo processo fora dos
casos do art. 40.º (n.º 2).
O que impõe, para que possa ser pedida a recusa de juiz, que:
⎯ A sua intervenção no processo corra risco de ser considerada
suspeita;
⎯ Por se verificar motivo, sério e grave;
⎯ Adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.
É, pois, imprescindível a ocorrência de um motivo sério e grave,
do qual ou no qual resulte inequivocamente um estado de forte
verosimilhança (desconfiança) sobre a imparcialidade do juiz
(propósito de favorecimento de certo sujeito processual em detrimento
de outro), a avaliar objectivamente.
Na verdade, não basta a simples discordância jurídica em
relação aos actos processuais praticados por um juiz, que podem
conduzir à impugnação processual; não basta um puro convencimento
subjectivo por parte de um dos sujeitos processuais para que se
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verifique a suspeição, tendo de haver uma especial exigência quanto à
objectiva gravidade da invocada causa de suspeição.
É que do uso indevido da recusa resulta, como se viu, a lesão do
princípio constitucional do juiz natural, ao afastar o juiz por qualquer
motivo fútil.
Neste sentido se vem pronunciando este Tribunal:
— «(4) - A regra do n.º 2 do art.º 43.º do CPP, agora introduzida pelo DL 59/98, de
25-08, só adquire sentido, como do próprio contexto do artigo dimana, se o fundamento da
recusa que nele se contempla se apoiar nos mesmos pressupostos - os da existência de
motivo sério e grave - que alicerçam aquele que se define no n.º 1 do referido normativo. (5)
- É precisamente a imprescindibilidade desse motivo sério e grave que faz não só avultar a
delicadeza desta matéria, como leva a pressentir que, subjacente ao instituto da recusa, se
encontra a necessidade (e a conveniência) de preservar o mais possível a dignidade
profissional do magistrado visado e, igualmente, por lógica decorrência e inevitável
acréscimo, a imagem da justiça em geral, no significado que a envolve e deve revesti-la. (6)
Por isso é que, determinados actos ou determinados procedimentos (quer adjectivos, quer
substantivos) só podem relevar para a legitimidade da recusa que se suscite, se neles, por
eles ou através deles for possível aperceber - aperceber inequivocamente – um propósito de
favorecimento de certo sujeito processual em detrimento de outro. (7) - As meras
discordâncias jurídicas com os actos processuais praticados ou com a sua ortodoxia, a não se
revelar presciente, através deles, ofensa premeditada das garantias de imparcialidade, só por
via de recurso podem e devem ser manifestadas e não através de petição de recusa» (Ac. do
STJ de 27-05-1999, proc. n.º 323/99).
— «(1) - O fundamento básico de recusa de juiz consiste em o mesmo poder ser
considerado suspeito, por existir motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre
a sua imparcialidade. (2) - Para a sua correcta processualização, haverá no entanto que
alegar sempre factos concretos que possam alicerçar tal desconfiança e indicar as normas
legais aplicáveis que fundamentam a recusa» (Ac. do STJ de 29-06-2000, proc. n.º 943-B/98).
— «(4) - A simples discordância jurídica em relação aos actos processuais praticados
por um juiz, podendo e devendo conduzir aos adequados mecanismos de impugnação
processual, não pode fundar a petição de recusa. (5) - Se o recorrente se limita
"objectivamente" a invocar simples discordâncias jurídicas e a partir daí, sem desenvolver
qualquer esforço probatório ou argumentativo, concluiu que o Senhor Juiz recusado se
colocou "decidida e decisivamente, do lado da sua Colega proponente da acção em causa",
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em seu favorecimento manifesto, denunciando claramente com esses despachos "a especial
afinidade, afeição e amizade", assim a "grande intimidade" entre o Juiz e o requerente, é de
indeferir a pedida recusa.» (Ac. de 16/05/2002, 3914/01-5, do mesmo Relator)
— (1) A consagração do princípio do juiz natural ou legal (intervirá na causa o juiz
determinado de acordo com as regras da competência legal e anteriormente estabelecidas)
surge como uma salvaguarda dos direitos dos arguidos, e encontra-se inscrito na
Constituição (art. 32.°, n.° 9 − “nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja
competência esteja fixada em lei anterior”). (2) Mas a possibilidade de ocorrência, em
concreto, de efeitos perversos desse princípio levou à necessidade de os acautelar através de
mecanismos que garantam a imparcialidade e isenção do juiz também garantidos
constitucionalmente (art.ºs 203.° e 216.°), quer como pressuposto subjectivo necessário a
uma decisão justa, mas também como pressuposto objectivo na sua percepção externa pela
comunidade, e que compreendem os impedimentos, suspeições, recusas e escusas.
Mecanismos a que só é licito recorrer em situação limite, quando exista motivo sério e grave,
adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade. (3) A intervenção de um juiz no
processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir
motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, com base
na intervenção do juiz noutro processo ou em fases anteriores do mesmo processo fora dos
casos do art. 40.º do CPP. (4) A simples discordância jurídica em relação aos actos
processuais praticados por um juiz, podendo e devendo conduzir aos adequados mecanismos
de impugnação processual, não pode fundar a petição de recusa, pois não basta um puro
convencimento subjectivo por parte de um dos sujeitos processuais para que se verifique a
suspeição. Tem de haver uma especial exigência quanto à objectiva gravidade da invocada
causa de suspeição, pois do uso indevido da recusa resulta, como se viu, a lesão do princípio
constitucional do Juiz Natural, ao afastar o juiz por qualquer motivo fútil. (Ac. de 9.12.2004,
proc. n.º 4308/04-5, do mesmo Relator).
Posições que, como também já ponderou este Tribunal, se
compaginam igualmente com a Convenção Europeia dos Direitos do
Homem e jurisprudência sobre ela tirada.
— «(1) - O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) já foi chamado a
apreciar vários recursos em que se suscitaram questões semelhantes - chegando a
conclusões diferentes, em consequência de o Tribunal de Estrasburgo, nas suas sentenças,
não se vincular a uma jurisprudência de conceitos ou a raciocínios dedutivos, concluindo de
proposições tomadas como premissas outras proposições através de simples regras lógicas;
método que não convém à argumentação filosófica, irredutível a um simples encadeamento
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formal que representaria completamente o conhecimento de ligação entre conceitos,
preferindo uma metodologia que se traduz na análise de cada caso nas suas particularidades
para, em função destas, decidir se se mostra violado o art. 6º, § 1 da Convenção Europeia que
garante o direito a um tribunal independente e imparcial. (2) - O TEDH, relativamente à
imparcialidade garantida no referido art. 6º, § 1, entende que esta deve apreciar-se de um
duplo ponto de vista: aproximação subjectiva, destinada à determinação da convicção
pessoal de tal juiz em tal ocasião; e também, segundo uma apreciação objectiva, isto é se ele
oferece garantias bastantes para excluir a este respeito qualquer dúvida legítima. E também
tem dito que o Tribunal não tem por missão examinar in abstracto a legislação e a prática
pertinentes, antes a de averiguar o modo como elas são aplicadas ao interessado ou
infringem o art. 6º § 1. (3) - O que conta é a extensão e a natureza das medidas tomadas pelo
juiz antes do processo. O simples facto de um juiz ter tomado decisões antes do processo não
pode justificar, em si, as apreensões quanto à sua imparcialidade. (4) - É esta jurisprudência
da maior relevância no caminho a um tempo construtor do princípio da imparcialidade
objectiva do tribunal e da sua aplicação à diversidade dos casos concretos, que vem trilhando
a jurisprudência da instância europeia. A imparcialidade, como exigência específica de uma
verdadeira decisão judicial, define-se, por via de regra, como ausência de qualquer prejuízo
ou preconceito em relação à matéria a decidir ou às pessoas afectadas pela decisão. (5) - O
TEDH tem entendido que a imparcialidade se presume até prova em contrário; e que, sendo
assim, a imparcialidade objectiva releva essencialmente de considerações formais e o
elevado grau de generalização e de abstracção na formulação de conceito apenas pode ser
testado numa base rigorosamente casuística, na análise in concreto das funções e dos actos
processuais do juiz. As dúvidas sobre a imparcialidade no plano objectivo apenas se poderão
suscitar formalmente sempre que o juiz desempenhe no processo funções ou pratique actos
próprios da competência de outro órgão ou tenha tido intervenção no processo numa outra
qualidade; não integrando qualquer destas hipóteses o caso em que o juiz exerce no
processo uma função puramente judiciária, integrada tanto processualmente como
institucionalmente na mesma fase para a qual o sistema nacional de processo penal lhe
atribui competência.» (Ac. do STJ de 13-01-1998, proc. n.º 877/97).
3.2.2.
Como se viu, de acordo com o n.º 2 do art. 43.º do CPP, a
intervenção do juiz noutro processo, ou em fases anteriores do mesmo
processo fora dos casos do art. 40.º do mesmo diploma, pode
constituir fundamento de recusa.
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Processo n.º 4540/04, 5.ª Secção. Única instância Relator: Conselheiro Simas Santos
14
Ora, no caso sujeito, os requerentes invocam exactamente a
intervenção dos mesmos Senhores Juízes Desembargadores em outro
recurso atinente ao mesmo processo de inquérito e instrução e a um
arguido também recorrido no recurso onde foi deduzida a recusa.
Dispõe-se naquele art. 40.º que nenhum juiz pode intervir em
recurso ou pedido de revisão relativos a uma decisão que tiver
proferido ou em que tiver participado, ou no julgamento de um
processo a cujo debate instrutório tiver presidido ou em que, no
inquérito ou na instrução, tiver aplicado e posteriormente mantido a
prisão preventiva do arguido.
Na dimensão que aqui releva, importa reter que nenhum juiz
pode intervir no julgamento de um processo em que, no inquérito ou
na instrução, tiver aplicado e posteriormente mantido a prisão
preventiva do arguido.
Este segmento da norma resultou da alteração introduzida pela
Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto que introduziu a expressão «ou em que
tiver aplicado e posteriormente mantido a prisão preventiva» indo ao
encontro da declaração do Tribunal Constitucional, com força
obrigatória geral, da inconstitucionalidade da norma constante do art.
40.º do CPP, na parte em que permitia a intervenção no julgamento do
juiz que, na fase de inquérito, decretou e posteriormente manteve a
prisão preventiva do arguido, por violação do art. 32.º, n.º 5, da
Constituição (Ac. n.º 186/98 de 18.2.98, DR-ISA de 20.3.1998) e ainda da
intercalação da expressão «o inquérito ou na instrução» a seguir a «em
que» feita pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro.
Escreveu o Relator noutro local (Leal-Henriques e Simas Santos, CPP
Anotado, I volume, pág. 238-9) sobre essa evolução legislativa:
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«Acompanhamos o Conselheiro MAIA GONÇALVES, quando em anotação a este artigo escreve: «não descortinamos porque é que um juiz de instrução fica necessariamente preso a um pré-juízo só porque aplicou ao arguido uma qualquer medida de coacção, ainda que seja prisão preventiva.». Com efeito, e como defendíamos no STJ, o impedimento mesmo nestes casos dependeria das circunstâncias, v.g. de ter sido formulado pelo juiz um juízo autónomo, divergente do que lhe era proposto e que implicaria um mais elevado grau de envolvimento.
Se o juiz de instrução aplicou uma outra qualquer medida de coacção, que não a prisão preventiva, não fica automaticamente impedido, impondo-se uma análise casuística a poder originar o pedido de suspeição. O mesmo se diga de outras intervenções do juiz de instrução, como autorização de escuta telefónica ou busca domiciliária.
Como dá notícia o STJ (Ac. de 98-01-13, proc. n.° 877/97), o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, relativamente à imparcialidade garantida no art.° 6.°, § 1, da Convenção Europeia, que garante o direito a um tribunal independente e imparcial, entende que esta deve apreciar-se de um duplo ponto de vista: aproximação subjectiva, destinada à determinação da convicção pessoal de tal juiz em tal ocasião; e também, segundo uma apreciação objectiva, isto é, se ele oferece garantias bastantes para excluir a este respeito qualquer dúvida legítima. E também tem dito que o Tribunal não tem por missão examinar in abstracto a legislação e a prática pertinentes, antes a de averiguar o modo como elas são aplicadas ao interessado ou infringem o art.° 6.° § 1. Conta, sim, a extensão e a natureza das medidas tomadas pelo juiz antes do processo. O simples facto de um juiz ter tomado decisões antes do processo não pode justificar, em si, as apreensões quanto à sua imparcialidade.
E tem entendido o mesmo Tribunal que a imparcialidade se presume até prova em contrário; e que, sendo assim, a imparcialidade objectiva releva essencialmente de considerações formais e o elevado grau de generalização e de abstracção na formulação de conceito apenas pode ser testado numa base rigorosamente casuística, na análise in concreto das funções e dos actos processuais do juiz. As dúvidas sobre a imparcialidade no plano objectivo apenas se poderão suscitar formalmente sempre que o juiz desempenhe no processo funções ou pratique actos próprios da competência de outro órgão ou tenha tido intervenção no processo numa outra qualidade; não integrando qualquer destas hipóteses o caso em que o juiz exerce no processo uma função puramente judiciária, integrada tanto processualmente como institucionalmente na mesma fase para a qual o sis tema nacional de processo penal lhe atribui competência.
Como considerou o STJ (Ac. de 98-01-13, proc. n.° 8 77/97), a esta luz, mesmo o facto de o juiz instrutor ter intervindo somente em actos processuais isolados, nas fases anteriores ao julgamento (v.g. na “aplicação de uma medida de coacção”), em tal caso não ficará ele impedido de participar no mesmo julgamento; sem prejuízo, em todo o caso, de os sujeitos processuais interessados poderem requerer a recusa de um tal juiz — e ele próprio poder formular um pedido de escusa sempre que a participação anterior no processo, se bem que meramente incidental, esteja rodeada de circunstâncias susceptíveis de gerar desconfiança sobre a imparcialidade do julgador (art.° 43.°). Assim tomou o Código de Processo Penal posição equilibrada sobre a noção de “tribunal independente e imparcial” para efeito do disposto no art. 6.° § 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, referindo-se então o STJ à redacção anterior deste artigo.»
Mas, voltemos ao mencionado acórdão com força obrigatória
geral, dada a sua influência na alteração legislativa.
Escreve-se aí, citando o Ac. n.º 935/96 do mesmo Tribunal (de
10.7.96, DR IIS de 11.12.96):
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Processo n.º 4540/04, 5.ª Secção. Única instância Relator: Conselheiro Simas Santos
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«Pretende a Constituição que os arguidos, que hajam de ser
submetidos a julgamento, acusados da prática de uma infracção criminal,
tenham um julgamento independente e imparcial, que é justamente o que
também se lhes garante no artigo 6. º, n.º 1, da Convenção Europeia dos
Direitos do Homem, aprovada pela Lei n.º 65/78, de 13 de Outubro, quando
aí se dispõe como segue: “Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa
seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um
tribunal independente e imparcial [...]”.
Num Estado de direito, a solução jurídica dos conflitos há-de, com
efeito, fazer-se sempre com observância de regras de independência e de
imparcialidade, pois tal é uma exigência do direito de acesso aos tribunais,
que a Constituição consagra no artigo 20.º, n.º 1 (…). A garantia de um
julgamento independente e imparcial é, de resto, também uma dimensão – e
dimensão importante – do princípio das garantias de defesa, consagrado no
artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, para o processo criminal, pois este tem de
ser sempre a due process of law.
Para que haja um julgamento independente e imparcial, necessário é
o que o juiz que a ele proceda possa julgar com independência e
imparcialidade.
Ora, a independência do juiz "é acima de tudo, um dever – um dever
ético-social. A “independência vocacional”, ou seja, a decisão de cada juiz
de, ao “dizer o direito”, o fazer sempre esforçando-se por se manter alheio –
e acima – de influências exteriores é, assim, o seu punctum saliens. A
independência, nessa perspectiva, é sobretudo uma responsabilidade que
terá a “dimensão” ou a “densidade” da fortaleza de ânimo, do carácter e da
personalidade moral de cada juiz" (…).
E continua a citar o mesmo aresto:
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Processo n.º 4540/04, 5.ª Secção. Única instância Relator: Conselheiro Simas Santos
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«Com sublinhar estes pontos não pode, porém, esquecer-se a
necessidade de existir um quadro legal que “promova” e facilite aquela
“independência vocacional”.
Assim, necessário é, inter alia, que o desempenho do cargo de juiz
seja rodeado de cautelas legais destinadas a garantir a sua imparcialidade e
a assegurar a confiança geral na objectividade da jurisdição.
É que, quando a imparcialidade do juiz ou a confiança do público
nessa imparcialidade é justificadamente posta em causa, o juiz não está em
condições de “administrar justiça”. Nesse caso, não deve poder intervir no
processo, antes deve ser pela lei impedido de funcionar – deve, numa
palavra, poder ser declarado iudex inhabilis.
Importa, pois, que o juiz que julga o faça com independência. E
importa, bem assim, que o seu julgamento surja aos olhos do público como
um julgamento objectivo e imparcial. E que a confiança da comunidade nas
decisões dos seus magistrados é essencial para que os tribunais, ao
“administrar a justiça”, actuem, de facto, “em nome do povo” (cf. artigo 205.º, n.º
1, da Constituição)»
Ainda citando o mesmo Acórdão n.º 935/96, refere que o
impedimento previsto na versão originária do art. 40.º do CPP tinha
como objecto obstar a que o juiz de instrução pudesse “eventualmente
vir a ser influenciado pelo conhecimento dos factos do processo no
decurso da fase instrutória, com vista a garantir a imparcialidade e a
independência do tribunal”.
E frisa o mesmo Acórdão com força obrigatória geral,
acompanhando a posição de Jorge Figueiredo Dias, que «a solução do
impedimento expresso por participação em processo anterior já não se
justifica se atentarmos em actos isolados (v. g. aplicação de uma
medida de coacção) que o juiz de julgamento tiver praticado na
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Processo n.º 4540/04, 5.ª Secção. Única instância Relator: Conselheiro Simas Santos
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qualidade de juiz de instrução» (Direito Processual Penal, lições coligidas por Maria
João Antunes, Coimbra, 1988-1989, pp. 101-102), admitindo aquele Autor que os
sujeitos processuais pudessem apresentar um requerimento de
impedimento ao juiz que se limitasse a praticar um acto isolado de
instrução – ou mesmo que o próprio juiz pudesse formular um pedido
de dispensa, «sempre que a intervenção anterior no processo
comportasse circunstâncias que impliquem desconfianças quanto à
imparcialidade do juiz».
Citando novamente o Ac. n.º 935/96:
«Quando o juiz reaprecia a subsistência da prisão preventiva que
antes decretou, num momento em que o inquérito está a chegar ao seu
termo e em que já existem no processo quase todos os elementos que é
possível carrear sobre a autoria do crime imputado ao arguido e sobre a sua
gravidade, pode dizer-se que fica com uma convicção de tal modo arreigada
quanto a estes aspectos do processo que, objectivamente – e sem prejuízo da
independência interior que ele for capaz de preservar –, fica
inexoravelmente comprometida a sua independência e imparcialidade na
fase do julgamento.»
Conclui-se, assim, que a norma do artigo 40.º do Código de Processo
Penal, na parte em que permite a intervenção no julgamento do juiz que, na
fase de inquérito, decretou e posteriormente manteve a prisão preventiva do
arguido, é inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 5 da
Constituição.».
3.2.3.
No caso presente, relembre-se, os dois Senhores Juízes
Desembargadores, cuja recusa se pede, decidiram, na Relação de
Lisboa – acórdão de 8.10.04 proferido no recurso n.º 7002/03, 3.ª
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Processo n.º 4540/04, 5.ª Secção. Única instância Relator: Conselheiro Simas Santos
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Secção, «revogar o despacho recorrido e, consequentemente, a medida
de coacção por ele mantida, ordenando a imediata libertação do
arguido P….», tendo o Senhor Juiz Desembargador Dr. M... votado
vencido, pois, de acordo com a declaração que juntou, revogaria o
despacho recorrido, substituindo a medida de coacção de prisão
preventiva pela obrigação do arguido permanecer na habitação, art.
201.º, n.º 1 do CPP.
Nesse acórdão são analisados detalhadamente os indícios
documentados, referentes àquele arguido, designadamente os
depoimentos de seis testemunhas e o valor dos reconhecimentos em
geral e dos reconhecimentos fotográficos em particular.
E escreve-se naquele aresto, na «avaliação global desses
indícios»:
«16 – Do que se disse, resulta por demais evidente que todos os indícios recolhidos são claramente insuficientes para imputar ao arguido a prática de qualquer crime concreto. Isto bastaria, só por si, para revogar a prisão preventiva que lhe foi aplicada e determinar a sua libertação imediata (artigo 27°, n° 3, alínea b), da Constituição da República Portuguesa e artigos 202°, n° 1, alínea a), e 212°, n° 1, alínea a), do Código de Processo Penal).
Mas, mesmo que se entendesse que existiam indícios com algum grau de consistência, ou mesmo que eles eram suficientes para deduzir uma acusação ou suportar um despacho de pronúncia, nunca seriam “fortes”, como exige a lei para a imposição das três medidas de coacção mais graves, entre as quais se conta a prisão preventiva
Contrariamente ao que se diz no despacho prévio à solicitação de levantamento da imunidade parlamentar, a expressão “fortes indícios” representa uma exigência acrescida de probabilidade de condenação relativamente ao conceito de “indícios suficientes”
E, note-se, que, de resto, já este conceito pressupõe «a mesma exigência de verdade requerida para o julgamento final. A diferença está apenas na maior fragilidade dos elementos considerados, uma vez que resultam de uma actividade não contraditória, sem imediação, nem oralidade.
Essa maior exigência, de resto, bem se justifica já que é muito mais grave sujeitar uma pessoa à prisão preventiva do que deduzir contra ela uma acusação, por muito relevante e pernicioso que isso mesmo possa ser. O entendimento contrário, levado até ao absurdo, legitimaria que se prendesse preventivamente uma pessoa em relação à qual não existiam sequer indícios para, contra ela, deduzir acusação. A prisão preventiva nesse caso só poderia servir, então, como meio de obter indícios, o que, pelo menos desde 1972, é expressamente proibido, legal e constitucionalmente.».
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O que vale por dizer que os Senhores Desembargadores cuja
recusa se pede, formularam, naquele recurso, um juízo autónomo e
fundamentado sobre a (in)existência de indícios suficientes para a
dedução de acusação contra o arguido P…..
E fizeram-no no processo de inquérito onde veio a ser proferida
a decisão de não pronúncia relativamente aos arguidos P...., H... e F....
Dessa decisão foi interposto recurso para a Relação de Lisboa (3ª
Secção, n° 6882/04), no qual se pede a recusa agora em apreciação.
Na impugnação pendente é colocada à Relação de Lisboa, que
decidirá sem recurso, a questão de saber se os autos contêm ou não
indícios suficientes da prática pelos recorridos, entre os quais se inclui
P….., dos crimes que lhes são atribuídos na acusação deduzida.
Nesse recurso têm intervenção os dois Senhores
Desembargadores que concluíram naqueloutro recurso pela
inexistência de indícios da prática daqueles crimes pelo arguido P…..,
num juízo autónomo e divergente do despacho que aplicara a medida
de coacção de prisão preventiva.
Fazendo uma aproximação ao segmento do art. 40.º do CPP, que
destacamos, o julgamento da questão de saber se verificam aqueles
indícios suficientes, que estiveram na origem da aplicação da prisão
preventiva, é atribuída aos Juízes que já decidiram revogar
exactamente esse despacho por entenderem que inexistem tais
indícios suficientes.
Como vimos, aquele segmento do art. 40.º do CPP dispõe que
nenhum juiz pode intervir no julgamento de um processo em que, no
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inquérito ou na instrução, tiver aplicado e posteriormente mantido a
prisão preventiva do arguido.
Ora no caso presente são chamados, sem possibilidade de
revista, ao julgamento da existência de indícios suficientes, os mesmos
juízes que revogaram a prisão preventiva do arguido. O que constitui
como que um lugar paralelo inverso do expressamente previsto na
parte final do falado art. 40.º
Que cai igualmente na alçada do n.º 2 do art. 43.º do CPP,
podendo constituir fundamento de recusa enquanto intervenção do
juiz noutro processo ou em fases anteriores do mesmo processo.
É que importa notar, de acordo com a posição que se já
adiantou, que os dois Senhores Juízes, cuja recusa se pede, tiveram
uma intervenção anterior de fundo sobre a matéria em apreciação que
não se confinou a um universo formal e esporádico, mas antes se
revelou detalhada e autónoma num juízo divergente daquele que então
apreciaram. Na verdade, não se limitaram a confirmar medida
aplicada sem proceder a uma análise crítica autónoma, nem a discutir
a legalidade da medida, por outros parâmetros que não os dos indícios
da prática dos crimes.
O que permite, dentro do entendimento deste Supremo Tribunal
de Justiça (Ac. de 98-01-13, proc. n.° 8 77/97 citado por Leal-Henriques e Simas Santos,
loc. cit.), que se considere que esta intervenção dos dois Senhores
Juízes, no anterior recurso no mesmo processo criminal, se rodeou de
circunstâncias susceptíveis de gerar desconfiança sobre a
imparcialidade do julgador, por forma a poder fundar um pedido de
recusa pelos interessados, à luz do art. 43.º do CPP, conjugado com o
disposto no art. 40.º, parte final do mesmo diploma.
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De notar, aliás, que o art. 122.º do Código de Processo Civil, no
seu n.º 1, al. c) diz textualmente que [nenhum juiz pode exercer
funções em jurisdição contenciosa ou voluntária]: «quando tenha
intervindo na causa como mandatário ou perito ou quando haja que
decidir questão sobre que tenha dado parecer ou se tenha
pronunciado, ainda que oralmente».
Não está em causa a imparcialidade subjectiva dos julgadores
que importava o conhecimento do seu pensamento no seu foro íntimo
nas circunstâncias dadas e que, aliás, se presume até prova em
contrário.
«Mas – como refere Ireneu Barreto (Notas para um processo equitativo,
análise do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, à luz da jurisprudência da
Comissão e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, in Documentação e Direito Comparado,
n.ºs 49-50, pp. 114 e 115) – esta garantia é insuficiente; necessita-se de uma
imparcialidade objectiva que dissipe todas as dúvidas ou reservas,
porquanto mesmo as aparências podem ter importância de acordo
com o adágio do direito inglês justice must not only be done; it must
also be seen to be done.
Deve ser recusado todo o juiz de quem se possa temer uma falta
de imparcialidade, para preservar a confiança que, numa sociedade
democrática, os tribunais devem oferecer aos cidadãos.»
Como acontece, como se viu, no presente pedido de recusa.
4.
Pelo exposto, acordam os juízes da 5.ª Secção do Supremo
Tribunal de Justiça em deferir ao pedido de recusa dos Senhores
Juízes Desembargadores C…. e T..., no recurso n.º 6882/04-3 da
relação de Lisboa.