julio medaglia - provocações (1)

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7/26/2019 Julio Medaglia - Provocações (1) http://slidepdf.com/reader/full/julio-medaglia-provocacoes-1 1/5 Julio Medaglia - Provocações 494 (14-12-2010) bloco 1 00:40 Paul Claudel: A música é a alma da geometria 1:30: JM: A música é a arte mais racional de todas [fala sobre o funcionamento de uma música] é a mais matemática de todas as artes 3:10 - 3:45 Abujamra: como se vai da vanguarda à bossa nova? JM: Não se vai de um lugar a outro, pq os dois são a mesma coisa, né? vanguarda é bossa nova e bossa nova é vanguarda. Quando surgiu esse movimento, ele meio que rompia com todo um bolerão interminável, um vale de lágrimas que existia no final dos anos 50, e chegou o João Gilberto com uma anti-música, com uma anti-voz, com tudo que era “anti” na época, silênci absoluto, com coisas mto delicadas, cisas mto finas e conseguiu enfrentar com seu grito silencioso aquele mar de boleros intermináveis… 3:49: Ab: E a passagem da regência da música de concerto para a Tropicális, como foi? JM: Foi que eu escrevi uma música uma vez para uma peça de Cacilda Becker, foi a primeira vez que ela cantou [...] o Caetano Veloso assistiu o espetáculo e no dia seguinte ele estava na minha casa aqui na Lapa e disse: “olha, eu tenho uma musiquinha aqui, parece que vai se chamar Tropicália e eu gostaria que você fizesse o arranjo” e aí surgiu um contato maior e, meses depois foi o tropicalismo nascendo.  Ab: Fale aos jovens sobre a pré-história deles, ou seja, os anos 60 JM: Os anos 60 foi um período assim, tão brilhante e iluminado como foram os anos 20 […] Em certos momentos parece que a humanidade dá uma sincronizada, assim, e resolve explodir de idéias. Em outras época, como o final dos anos 50, era uma época de implosão, uma época do cool, era a época da bossa nova, era época do Miles Davis, da poesia concreta, do dodecafonismo, com poucas ntas, tudo muito racional, era a implosão dos elementos da cultura. Os anos 60 foram o contrário, foi a explosão dos elementos da cultura, onde tudo passou a ser possível, e coisas absolutamente incompatíveis viviam em absoluta fusão, em absoluta troca de idéias, foi um período brilhante em que nós tivemos a chance de viver e… 7:55: JM: … os trogloditas donos dos meios de comunicação acham que, abaixando o nível do repertório, simplificando [incompreensível], vende mais depressa [...] para que as massa consumam aquilo com rapidez e joguem fora logo também, né? Bloco 2 1:39 JM: A música brasileira, que vem inclusive dos morros, onde esses negros tbm moravam, Neosl Cavaquinho, Cartola, etc., surgiu uma música de um refinamento fora do comum. Aliás, o mesmo ocorreu nos EUA, onde a gente viu p.ex., que quando o negro americano queria mostrar que era gente, [ele] que tinha sido massacrado ali do Séc XX pra trás, ele foi buscar o que havia de mais belo dentro dele. Então surgiram aquelas canções

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7/26/2019 Julio Medaglia - Provocações (1)

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Julio Medaglia - Provocações 494 (14-12-2010)

bloco 1

00:40 Paul Claudel: A música é a alma da geometria

1:30: JM: A música é a arte mais racional de todas [fala sobre o funcionamento de umamúsica] é a mais matemática de todas as artes

3:10 - 3:45 Abujamra: como se vai da vanguarda à bossa nova?JM: Não se vai de um lugar a outro, pq os dois são a mesma coisa, né? vanguarda é bossanova e bossa nova é vanguarda. Quando surgiu esse movimento, ele meio que rompia comtodo um bolerão interminável, um vale de lágrimas que existia no final dos anos 50, echegou o João Gilberto com uma anti-música, com uma anti-voz, com tudo que era “anti” naépoca, silênci absoluto, com coisas mto delicadas, cisas mto finas e conseguiu enfrentarcom seu grito silencioso aquele mar de boleros intermináveis…

3:49: Ab: E a passagem da regência da música de concerto para a Tropicális, como foi?JM: Foi que eu escrevi uma música uma vez para uma peça de Cacilda Becker, foi aprimeira vez que ela cantou [...] o Caetano Veloso assistiu o espetáculo e no dia seguinteele estava na minha casa aqui na Lapa e disse: “olha, eu tenho uma musiquinha aqui,parece que vai se chamar Tropicália e eu gostaria que você fizesse o arranjo” e aí surgiuum contato maior e, meses depois foi o tropicalismo nascendo.

 Ab: Fale aos jovens sobre a pré-história deles, ou seja, os anos 60JM: Os anos 60 foi um período assim, tão brilhante e iluminado como foram os anos 20 […]Em certos momentos parece que a humanidade dá uma sincronizada, assim, e resolveexplodir de idéias. Em outras época, como o final dos anos 50, era uma época de implosão,uma época do cool, era a época da bossa nova, era época do Miles Davis, da poesiaconcreta, do dodecafonismo, com poucas ntas, tudo muito racional, era a implosão doselementos da cultura. Os anos 60 foram o contrário, foi a explosão dos elementos dacultura, onde tudo passou a ser possível, e coisas absolutamente incompatíveis viviam emabsoluta fusão, em absoluta troca de idéias, foi um período brilhante em que nós tivemos achance de viver e…

7:55: JM: … os trogloditas donos dos meios de comunicação acham que, abaixando o níveldo repertório, simplificando [incompreensível], vende mais depressa [...] para que as massaconsumam aquilo com rapidez e joguem fora logo também, né?

Bloco 2

1:39 JM: A música brasileira, que vem inclusive dos morros, onde esses negros tbmmoravam, Neosl Cavaquinho, Cartola, etc., surgiu uma música de um refinamento fora docomum. Aliás, o mesmo ocorreu nos EUA, onde a gente viu p.ex., que quando o negro

americano queria mostrar que era gente, [ele] que tinha sido massacrado ali do Séc XX pratrás, ele foi buscar o que havia de mais belo dentro dele. Então surgiram aquelas canções

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religiosas, os gospels, onde o negro canta Deus com uma alegria fora do comum. A Igrejacatólica parece velório, né? No entanto, você entra em uma igreja evangélica negranorte-americana, eles cantando Deus com aquela alegria, parece que estão em festa. E tbmsurgiu o jazz, aqueles negros maravilhosos, que tocavam aqueles trompetes todos tortos esurg’iu uma música que foi uma das maiores expressões culturais do sec XX, o grandesímbolo dos EUA cultural foi o jazz… então quando eu digo que foi mostrar o que tem demais belo, ele foi buscar dentro de si, o que havia, e fez muita beleza. Agora [exaltando]querem protestar? Quem quer protestar? Aqueles que ficam puxando fumo na periferia deLA?, dizendo que a humanidade está contra eles? E o negro atual, boa parte do negrobrasileiro, quer ser colono do negro que não deu certo… vai ser colono da CondoleezzaRIce, do Obama, do Miles Davis, querem ser colonos do que não deu certo, então ficamcopiando aqui essa verborragia interminável que é o tal hip-hop e o rap, que não é música,evidentemente, pq não tem música, é uma coisa primitiva, é uma coisa anti-africana, não éafricana, pq ela é pampampam [faz a batida c a mão e a voz]... pq a música que tem origemafro tem síncope, como tem o samba brasileiro, como tem os sambas maravilhosos dosnossos crioulos sensacionais… Então o brasileiro está em função desses movimentos deperiferia, que a esquerda festiva adora, pq existe uma provocação política daquele quenão…. entende? Então isso aí aparentemente resulta num manifesto social e político,através de uma mediocridade cultural, que não é a mesma que havia no tropicalismo, quetinha nas marchinhas do passado

 Ab: não tem nada de bom no hip-hop?JM: evidentemente, que tem talento o talento aparece [estas falas necessitam de conferir].O rock é uma porcaria, no entanto tem Jimi Hendrix, Duane Allman, Mutantes, Mahavishnu,Jean-Luc Ponty… Agora, vai assistir o Woodstock. Eu fui assistir outro dia o Woodstock,não dava pra ver até o fim, uma chatice! Agora, você pega as músicado Tropicalismo, atéhoje você ouve e se arrepia

Bloco 3

0:05 AB: qual a sua relação com o rock n roll?JM: O rock’n’roll é uma música pré-bárbara, anterior aos bárbaros, pq os bárbaros, você vêpor algumas figuras, tinham ainda, você que parece que ele tinham alguma coisa desuingue, ainda, vc vê certas incrustrações nas pedras, certas posições, que parece que o

ser humano já vinha tendo um pouco de suingue há mais tempo. Como o rock não temnenhum suingue, não tem nenhuma flexibilidade, é música pampam [faz novamente amétrica cru com as mãos], é música de tribal, então é mto fácil fazer, é que nem o hip-hop,é a música mais democrática, qualquer retardado mental pode fazer, e o rock é a mesmacoisa. Agora é claro {exaltando] que com a gigantesca indústria cultural atrás de tudo issoaí, fazendo e promovendo, a coisa cresce, muita gente fazendo….e no meio tem o Beatles,o JImi Hendrix, como já disse, tem os Mutantes, Duane Allman, tem gente maravilhosa, aJanis Joplin, uma figura [inportantíssima?], o Jean-Luc Ponty, cujo prmeiro disco fui eu queproduzi na Alemanha quando ele saía do COnservatório de Paris tocando Tchaikóvski…então, evidentemente, mesmo dentro dessa linearidade existe…

1:15 Ab: As vanguardas européias de concerto não existem mais?

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JM: Não existe mais vanguarda há muito tempo, desde o início dos anos 80. Ha 30 anosque não existe… o Séc XX teve duas correntes contrárias: o início do séc XX era a épocadas grandes idéias, por isso chama Belle Époque, o mundo vivia num grande delírio, Paris,Vienna, a criatividade, o que mandava ali era a realmente a criatiidade, a ação do homem[…] e ninguém levava a sério a tecnologia, né? [...] O próprio Santos Dumont, pra provarque a engenhoca dele subia teve que fazer um happening  naquela praça de Paris [...] Aarte, a cultura, as idéias mandavam, por isso chamava belle époque. E a tecnologia não eralevada a sério. O Ford não conseguia dinheiro pra industrializar o seu automóvel, pq diziamque aquilo não tinha futuro. [...] Foi virando o século, deu exatamente o contrário, atecnologia virou o grande barato. Hoje as pessoas adoram a tecnologia. Não interessa oque você fala no celular, o que vc ouve no celular, o importante é falar no celular, éconsumir [...] a tecnologia é que é realment o grande barato. E a cultura terminou o séculoXX sem grandes idéias, sem vanguarda, sem estilo, sem tendências. É claro que existemfatores, pode ser que alguém faça alguma coisa bonita [para citar, ouvir novamente]

3:50 Ab: O Penderecki passou a compor música sacraJM: Todos, TODOS esses vanguardistas viraram choramingões beatos [...] Stockhausentbm ia lá pra ìndia rezar, Arvo Pärt, que tbm foi um grande compositor, tbm virou umchoramingão beato, Gorecki também, um polonês que fez vanguarda nos anos 60 comBoulez lá em Darmstadt [...] todo mundo virou carola, virou beato

5:20 Ab: O que temos que fazer daqui pra frente?JM: Temos que fazer o que fez o pessoal da bossa nova, já que vc falou tanto de bossanova. Foram prum cantinho, pruma ruazinha estreita, onde jogavam garrafas, fazer umtrabalho intenso, como estamos fazendo aqui eu, vc e poucas pessoas e mostrar que agoraa mudança do mundo vem de um esforço individual pequeno que vem de baixo pra cima, eque de cima pra baixo só vem marketing, tecnologia, coisas horríveis, que o importanteagora é consumir e jogar fora logo.A coisa de baixo pra cima, a coisa que vem de dentro desi, de alguém que tem algo dentro de si para desenvolver, isso tem que ser do ser humanopara o todo e não do todo para o ser humano

Julio Medaglia - Provocações 016

bloco 1

3:50-5:11 Ab: Fale sobre a música hoje.JM: A música hoje vai muito mal. Mto, mto mal, nunca esteve tão ruim em toda a história dahumanidade como está nos dias de hoje. Na realidade, o ser humano, esse monstrodevastador [...] tudo de ruim o ser humano faz. Mas ele tem uma única coisa que separadifere ele dos outros animais e que faz dele uma figura maravilhosa, que é o talento. O serhumano tem talento e o talento é criador. A indústria cultural dos dias de hoje desaprendeua lidar com o talento. Então criou-se uma produção musical no mundo inteiro hoje, das maisvariadas maneiras que, não só devastou as culturas regionais, como tbm, nessaincapacidade de lidar com o talento humano, começou a simplificar os processos para que a

indústria cultural sobrevivesse e não o talento humano. Então vc corre hoje o mundo inteiroe quanto mais vc ouve música, mais enojado vc fica e no Brasil isso é mto triste pq é um

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país extremamente rico musicalmente, a biodiversidade musical brasileira é a mais rica domundo, não há nenhum país que tenha tanta provocação musical nos quatro cantos e, noentanto, vc liga o rádio, televisão hoje, compra disco e o mais impressionante lixo bemempacotado que já se produziu na história da humanidade está sendo feito aqui.

5:45 - 6:44 JM: tudo o que está sendo feito criativamente em várias partes do mundo, não ésó aqui no Brasil, está fora dos grandes circuitos de circulação de música, de veiculação demúsica. Então ela é duvidosa pq ela é fruto expressivo do talento e da matemática. É umaarte muito complicada, onde não tem embromação, onde as notas são colocadas com aprecisão de 1|16 de segundo aqui, que é toado com outro instrumento ali, que reflete, quetem uma harmonia complicada, quer dizer, é a mais complicada das artes e, ao mesmotempo, é a mais espontânea, aparentemente. Então, por essa dubiedade de

funcionamento que ela tem na sua criação e no seu consumo, ela se torna difícil

como realização, no seu consumo, na sua existência propriamente dita. Então ela nos diasde hoje está sendo vítima de um processo cultural que, infelizmente, não sabe lidar com ela.

9:48 - 11:47 AB: …vecê falar [que] o Caetano tinha se transformado no Edir Macedo damúsica brasileira.JM: depois de tantos e tantos anos eu fui asssitir um show do Caetano Veloso no Palace evi aquela tietagem toda, as menininhas abaixando bracinho, ele mandando beijinho, ecantando canções latino-americanas etal, e quando eu saí do teatro uma moça do jornal doBrasil me perguntou o q q eu achava do espetáculo. Eu falei “olha, eu me lembro doCaetano Veloso quando eu trabalhei com ele, tive a felicidade de pegar ele nos grandesmomentos da sua carreira, e que, no momento em que ele compunha uma canção eu ficavatres dias sem dormir, de tanta inquietação, pelo que me provocava, seja pelorelacionamento literário, musical, pela relação da música com a sociedade, com o queaocntecia na época, com a cultura, etc. E hoje o que eu vejo [é] uma tietagem desenfreadae ele fazendo média com aquele pessoal todo, e é o que eu disse: “parecia mais um templodo Edir Macedo do que um show de um revolucionário que ele foi”, e continua sendo, pq naverdade é um talento astronômico o Caetano Veloso, desconheço no mundo outrocompositor popular com o talento dele. O proglema é que esse compositores, ele, chico [...]atuaram numa época no Brasil em que o Brasil realmente precisava deles do ponto de vistaideológico, político por causa da ditadura, etc, e ees foram brilhantes, eles foram maisimportantes do qualquer outra faixa da manifestação cultural e artística do Brasil, pq a

música naquela época é que realmente puxava o carro de uma inquietação que fazia ocmque militares não dormissem noites e noite. Mas passou o tempo e eles evidentementeoptaram por uma carreira de popstars, de fazer seus showzinhos anuais, no Canecão,ganhar mto dinheiro - não tenho nada contra ganhar dinheiro, mas de qualquer maneiraoptaram por uma carreira individual de popstars e com isso api, as preocupações que elesdemonstravam pela música brasileira, pela cultura brasileira, de repente parece quedesapareceram. O Brasil nunca esteve tão ruim como está, em sua história, e, no entanto,eles estão aí cantando suas cançõezinhas pras tietes.

12:00 … Caetano, Gil, CHico, Capinam, todo aquele pessoal, além de serem pessoas de

um talento astronômico, [...] eles representaram a área inteligente da música brasileira, e é

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essa cobrança um pouco a que eu faço deles e gostaria de vê-los preocupados num país dexitaozinho e chororó, numa país de um pagode vagabundo, de um sambinha de merda[...]

12:50 JM: As pessoas sabem, mas tá todo mundo querendo ganhar dinheiro com essa

porcaria aí, então as lideranças que estão nas gravadoras e nas rádios e televisões hojeestão mais preocupadas em achar que quanto mais se abaixa o nível, melhor, mais elesvendem. Quer dizer: na realidade é um país que soube demonstrar que é sensível. Se vocêvir, nos anos 40, 50 e 60 o que a cultura popular produziu no país dentro [enfatiza o dentro]de uma indústria de comunicação, como eram as rádios, Rádio Nacional, as televisões,Record e boa parte do que a TV globo faz hoje, a gente vê que o brasileiro sabe identificaruma coisa interessante. Agora, saber trabalhr com o talento e colocar esse este talento àdisposição do público é uma coisa que infelizmente não se tem feito nos últimos tempos esó o lixo está À nossa disposição.

Bloco 2

7:30-10:00 Jm: as cantoras de boa qualidade realmente saíram dos grandes circuitos decomunicação. Também não souberam trabalhar direito, vc vê cantoras maravilhosas aqui[...] mas que não fazem tbm o projeto cultural, o artista tbm é culpado nisso, viu? O artistatbm tem a sua responsabilidade e ele tem que se dar conta que acabou o romantismo naárea da produçaõ musical, não se imagina mais o cara ficar num castelo de marfim, decristal, boando coisas e achando q um dia povo vai entender o que ele estava fazendo. Nosanos 60 vc abria a janela e as idéias caíam [em cima de vc, faz o gesto com as mãos vindopro colo]. EU me lembro quando eu fiz o arranjo da música “tropicália” pro Caetano Veloso,nós estávamos fazendo a ordem das músicas, de repente começou a tocar no alto falante láa morte do Che Guevara, vinha pra gente de graça, o Caetano pegou o telefone, em 10minutos ele falou com o Gil, no dia seguinte 8 horas da manhã estava lá “soy loco por ti,

 América” [canta], tava tudo pronto. Quer dizer, aquela generosidade que havia naquelemomento brilhante, os mais brilhantes momentos da segunda metade do século,comparável só com os rollin’ twenties, era fácil vc ter idéias. Quer dizer, vc trabalhava, etc.,mas o mundo estava inspirado. Passou esse tempo, agora o nosso trabalho tem queduplicar em intensidade de pesquisa, de trabalho, de esforço, de inquietação pra poderfazer uma arte que tenha a ver com a nossa época e que tenha algum interesse cultural

neste final de século e que, como eu disse num artigo pra Folha e que infelizmente foitrocado o título, que era “da belle époque à belle merde”, a gente vê que o início do séc XXfoi primordialmente um século cultural, todas aquelas loucuras que aconteciam em Paris,aquele ballets, aqueles Stravinskys da vida, Picasso, todos juntos, ali, revolucionando, a artnouveau, a art déco, e a tecnologia ninguém acreditava nela [...] No final de século éexatamente o contrário: estão se vendo coisas absurdamente geniais tecnológicas [...] e, doponto de vista musical, um lixo, inclusive nos países mais culturalmente evoluídos, como ospaíses europeus, vc liga o rádio e ouve uma porcaria pior que a do Brasil ainda, pq o Brasil,por pior que seja a produção existe uma musicalidade natural das pessoas.