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JULIÃO COELHO – ADVOGADO SHIS QI 09, Comércio Local, Bloco J, salas 112/114 71655-250, Lago Sul, Brasília/DF Telefone/fax: 3248-2869 De: Daniel Braga [mailto:[email protected]] Enviada em: segunda-feira, 30 de abril de 2007 16:50 Para: AP006_2007 Assunto: Considerar esta: Complementação da Duke Energy à AP 006/2007 Prezada Vládia - Aneel, Gentileza considerar que essa complementação da Duke Energy, anexa, vai em nome de Carlos Rubens Rafael Dornellas. Atenciosamente, Carlos Rubens Rafael Dornellas Duke Energy

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JULIÃO COELHO – ADVOGADO

SHIS QI 09, Comércio Local, Bloco J, salas 112/114 71655-250, Lago Sul, Brasília/DF

Telefone/fax: 3248-2869

De: Daniel Braga [mailto:[email protected]] Enviada em: segunda-feira, 30 de abril de 2007 16:50 Para: AP006_2007 Assunto: Considerar esta: Complementação da Duke Energy à AP 006/2007 Prezada Vládia - Aneel, Gentileza considerar que essa complementação da Duke Energy, anexa, vai em nome de Carlos Rubens Rafael Dornellas. Atenciosamente, Carlos Rubens Rafael Dornellas Duke Energy

JULIÃO COELHO – ADVOGADO

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PARECER

Despacho de térmicas fora da ordem de mérito de custo econômico

Brasília Abril de 2007

JULIÃO COELHO – ADVOGADO

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ÍNDICE

I. CONSULTA .......................................................................................................... 4

I.1. Apresentação ................................................................................................... 4

I.2. Etapas necessárias ao desenvolvimento da resposta ....................................... 4

II. FUNDAMENTAÇÃO ........................................................................................... 5

II.1. A titularidade do bem energia elétrica ........................................................ 5

II.1.1. O artigo 176 da Constituição Federal............................................... 5

II.1.2. O produto da lavra e a distinção entre potencial de energia

hidráulica e energia elétrica............................................................ 6 II.1.3. A titularidade da energia resultante da exploração do potencial de

energia hidráulica............................................................................... 10

II.2. O regime jurídico de comercialização de energia elétrica....................... 13

II.2.1. O Ambiente de Contratação Regulada – ACR – e o Ambiente de Contratação Livre – ACL.............................................................................. 13

II.2.2. O mercado de curto prazo................................................................. 15

II.3. O descolamento entre a operação física e a operação comercial dos agentes geradores no âmbito do Sistema Interligado Nacional – SIN.................................................................................................................... 17

II.3.1. O despacho centralizado.................................................................... 17

II.3.2. O Mecanismo de Realocação de Energia - MRE........................... 19

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4

II.3.3. A exposição de gerador a PLD e os montantes de energia transacionados no mercado de curto prazo................................................ 20

II.4. A proposta de ato regulamentar submetida à Audiência Pública nº 006/2007.......................................................................................................... 21

II.4.1. Os eventos que antecederam a Audiência Pública nº 006/2007.............. 21

II.4.2. A proposta para a geração fora da ordem de mérito de custo ................ 23

II.5. Os aspectos jurídicos da proposta de ato regulamentar submetida à Audiência Pública nº 006/2007.................................................................... 25

II.5.1. A sistemática proposta pelo ONS e o uso dos reservatórios das usinas

hidrelétricas.................................................................................................... 25

II.5.2. A proposta objeto da Audiência Pública nº 006/2007 e os princípios da isonomia e da livre concorrência............................................................ 27

II.5.3. A metodologia proposta pela CCEE e o direito do agente de geração

à percepção do valor econômico da energia produzida............................ 33

II.5.4. A viabilidade jurídica da proposta de geração térmica fora da ordem de mérito de custo econômico............................................................... ... 35

III. CONCLUSÃO ................................................................................................. 36

JULIÃO COELHO – ADVOGADO

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I. CONSULTA

I.1. Apresentação

1. A Duke Energy Brasil e a Tractebel Energia formulam a seguinte

consulta:

“Há viabilidade jurídica para a geração térmica fora da ordem de mérito de custo econômico nos moldes propostos nos atos que instruem a Audiência Pública nº 006/2007?”

I.2. Etapas necessárias ao desenvolvimento da resposta

2. Para responder às questões formuladas, faz-se necessário:

(i) primeiro, demonstrar que o agente de geração é proprietário da

energia que produz e tem direito a ser remunerado por essa energia;

(ii) em seguida, analisar o regime jurídico de comercialização de

energia elétrica;

(iii) discorrer sobre o descolamento entre a operação física e a

operação comercial dos agentes geradores no âmbito do Sistema Interligado

Nacional e identificar como ocorre a exposição do agente de geração ao Preço de

Liquidação de Diferenças;

(iv) na seqüência, examinar a proposta submetida à Audiência Pública

nº 006/2007; e

(v) como último passo, explorar os aspectos jurídicos da proposta em

questão.

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II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. A titularidade do bem energia elétrica

II.1.1. O artigo 176 da Constituição Federal

3. Ao proclamar que “as jazidas, em lavra ou não, e demais recursos

minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da

do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União,

garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra”, o artigo 176 da

Constituição Federal:

(i) estabelece, para fins de atribuição de domínio, separação entre o

solo1 e os recursos minerais e potenciais de energia hidráulica nele instalados2; e

1 Conforme destaca Manoel Gonçalves Ferreira Filho:

“... a propriedade do solo não importa na propriedade das jazidas a ele subjacentes ou das minas que nele se contenham. Igualmente, não envolve também o direito ao aproveitamento do potencial de energia hidráulica que eventualmente esteja situado entre seus limites.

... a jazida, ou seja, toda a massa individualizada de substância mineral ou fóssil aflorando à superfície ou existente no interior da terra e que tenha valor econômico, não integra o patrimônio do proprietário do solo. Assim, este não pode dela dispor, nem autorizar a sua exploração. O mesmo se dá com relação à mina (a jazida em lavra) e ao aproveitamento do potencial energético das quedas d’água.

... a propriedade do subsolo e de potencial de energia hidráulica é da União, como parte do patrimônio nacional. É o que deflui deste artigo e do art. 20, VIII e IX.” (Comentários à Constituição Brasileira de 1988. – 2ªed. – São Paulo: Saraiva, v. 2, 1999, p. 187) 2 A separação entre o solo e os recursos minerais e potenciais hidráulicos nele instalados consta dos textos constitucionais brasileiros desde a Constituição de 1934:

(i) Constituição de 1934:

“Art 118 - As minas e demais riquezas do subsolo, bem como as quedas d'água, constituem propriedade distinta da do solo para o efeito de exploração ou aproveitamento industrial.”

(ii) Constituição de 1937:

“Art 143 - As minas e demais riquezas do subsolo, bem como as quedas d'água constituem propriedade distinta da propriedade do solo para o efeito de exploração ou aproveitamento industrial. O aproveitamento industrial das minas e das jazidas minerais, das águas e da energia hidráulica, ainda que de propriedade privada, depende de autorização federal.”

(iii) Constituição de 1946:

“Art 152 - As minas e demais riquezas do subsolo, bem como as quedas d'água, constituem propriedade distinta da do solo para o efeito de exploração ou aproveitamento industrial.”

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(ii) confere ao concessionário a propriedade do produto da lavra.

4. Há, no artigo 176 da Constituição Federal, menção a três bens

distintos:

(i) o solo, que pode ser de propriedade pública ou particular;

(ii) os recursos minerais e potenciais de energia hidráulica instalados

no solo, os quais, nos termos do artigo 20, incisos VIII e IX, da Constituição

Federal 3, são sempre de propriedade da União; e

(iii) o resultado, o produto da lavra, cuja propriedade é atribuída ao

concessionário.

II.1.2. O produto da lavra e a distinção entre potencial de energia hidráulica e

energia elétrica

5. Embora verse sobre os recursos minerais e os potenciais de energia

hidráulica instalados no solo, o artigo 176 da Constituição Federal, ao atribuir ao

concessionário o resultado da exploração, faz menção ao produto da lavra,

(iv) Constituição de 1967:

“Art 161 - As jazidas, minas e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo para o efeito de exploração ou aproveitamento industrial.”

(v) Constitucional de 1967, com redação conferida pela Emenda Constitucional nº 1, de 1969:

“Art. 168. As jazidas, minas e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para o efeito de exploração ou aproveitamento industrial.”

(vi) Constituição de 1988:

“Art. 176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra.” 3 “Art. 20. São bens da União:

VIII - os potenciais de energia hidráulica;

IX - os recursos minerais, inclusive os do subsolo; [...]”

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expressão que, conforme destacado pelo constitucionalista Celso Ribeiro Bastos,

não é adequada para designar o bem resultante da exploração do potencial

hidráulico:

“A expressão constitucionalmente utilizada, ‘garantida a propriedade do produto da lavra, não é muito adequada ao que se passa com a exploração da queda-d’água. Aqui não há um produto da lavra. Esta é expressão, tal como jazida, de acepção técnica muito precisa, inclusive com definição legal. O Decreto-Lei n. 227, de 28 de fevereiro de 1967, no seu art. 4º, estipula que: ‘Considera-se ‘jazida’ toda a massa individualizada de substância mineral ou fóssil, aflorando à superfície ou existente no interior da terra, e que tenha valor econômico; e ‘mina’, a jazida em lavra, ainda que suspensa’. Ora, é fácil observar-se que na exploração da queda-d’água não se configuram as mesmas características de uma jazida em lavra.”4

6. Diante da menção do artigo 176 da Constituição Federal ao “produto

da lavra”, duas interpretações podem ser cogitadas.

7. De acordo com a primeira interpretação, “lavra” abrangeria o

resultado da exploração do potencial de energia hidráulica, pois o referido termo

teria sido empregado em sua acepção mais ampla, a qual significa “fabricação,

faculdade de criar, de conceber algo, autoria, elaboração, invenção”5.

8. Na segunda interpretação, seguida por Celso Ribeiro Bastos, o termo

“lavra” teria sido empregado em sua acepção técnica, que se refere à “operação

mediante a qual a substância, mineral ou fóssil, é extraída da jazida, sendo, desse

modo, o produto ou resultado da lavra, o estágio final da extração”6.

4 BASTOS RIBEIRO, Celso. MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil (promulgada em 5 de outubro de 1988). – 2ª ed. – São Paulo: Saraiva, 7º vol., 2000, p. 128. 5 Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 1732. 6 CRETELLA JR. José. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. – 2ª ed. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, vol. III, p. 4140.

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9. A interpretação de que o termo “lavra” foi utilizado em sua acepção

técnica leva à conclusão de que o artigo 176 da Constituição Federal não definiu o

titular da propriedade do resultado da exploração dos potenciais de energia

hidráulica.

10. Isso porque o potencial, cuja propriedade atribuiu-se à União, não se

confunde com o resultado de sua exploração 7 : a energia elétrica 8 , que,

diferentemente do potencial de energia hidráulica, “é objeto de comércio; é

mercadoria, bem apropriável pelo homem, bem no mercado, inclusive para fins

tributários [art. 155, § 2º, “b”, da CF/88 e art. 34, § 9º, do ADCT]”9, conforme

observa o Ministro Eros Grau:

“A energia elétrica é objeto de comércio. Recorro a JOSÉ XAVIER CARVALHO DE MENDONÇA1. A eletricidade ‘é coisa imaterial, imponderável, visto ser o efeito da combinação de meios mecânicos’. Não obstante, em razão da necessidade de regularmos este produto, impalpável mas sensível, e de protegê-lo como valor real em suas aplicações e manifestações concretas, somos forçados a reconhecer a eletricidade como coisa. Trata-se de uma mercadoria, bem apropriável pelo homem, bem no

7 Embora esteja a tratar dos recursos minerais, o Ministro Eros Grau faz advertência que também pode ser lançada contra eventual confusão entre o potencial de energia hidráulica e a energia elétrica que a partir dele se produz:

“É erro nefando confundir os recursos minerais - - - inclusive os do subsolo, que são bens da União - - - isto é, as jazidas, com o que se extrai delas.” (STF, Tribunal Pleno, ADI 3.273/DF, redator p/ acórdão Ministro Eros Grau, DJ de 2 de março de 2007). 8 Destaca o administrativista espanhol Juan De La Cruz Ferrer que “a energia elétrica é uma energia secundária, posto que não se obtém diretamente da natureza, senão da transformação de energias primárias” (La liberalización de los servicios publicos y el sector eléctrico: modelo y análisis de la Ley 54/1997. Madrid: Marcial Pons, 1999, p. 18).

Conforme observa o Ministro Sepúlveda Pertence, “os potenciais de energia elétrica, [...] sendo inesgotáveis, não sofrem qualquer diminuição ao serem explorados” (STF, Primeira Turma, RE 228.800-5/DF, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 16.11.2001). Já a energia elétrica resultante da exploração do potencial, uma vez transportada e consumida, desaparece. 9 Ementa do acórdão que consubstancia a decisão tomada na Ação Rescisória nº 1.607-1/MS. STF, Tribunal Pleno, AR 1.607-1/MS, Redator p/ acórdão Ministro Eros Grau, DJ de 29.9.2006. No referido caso, para definir se a ENERSUL estaria sujeita ao pagamento do FINSOCIAL com alíquota majorada, a controvérsia gravitava em torno de saber se a aludida concessionária de distribuição seria (i) exclusivamente prestadora de serviços, situação em que estaria sujeita à alíquota majorada do FINSOCIAL ou (ii) empresa comercial, situação em que não estaria sujeita à alíquota majorada. Prevaleceu o entendimento de que “o legislador conferiu às empresas distribuidoras de energia elétrica o mesmo tratamento tributário dispensado às empresas mercantis”, conforme demonstrado pelo Ministro Eros Grau.

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mercado. Assim a tomam, como mercadoria, a doutrina e o direito positivo.”10

11. Logo, a circunstância de o artigo 176 ter atribuído a propriedade do

potencial de energia hidráulica à União não significa que a energia resultante da

exploração do potencial também seja de propriedade da União11.

12. Vale registrar que a circunstância de a Constituição Federal não

definir a titularidade da energia elétrica produzida abre espaço para que a legislação

infraconstitucional o faça.

13. A propósito do tema, cabe ter presente que, no julgamento da ADI

3.273-9 – em que se examinava a possibilidade de a legislação infraconstitucional,

Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997, atribuir a propriedade de petróleo e gás natural

a concessionários –, prevaleceu o entendimento de que, em razão de a Emenda

Constitucional nº 9, de 9 de novembro de 1995, ter suprimido a vedação à

possibilidade de a “União ceder ou conceder qualquer tipo de participação, em

espécie ou em valor, na exploração de jazidas de petróleo ou gás natural”, a

legislação passou a poder atribuir a propriedade desses bens a particulares.

14. A ilustrar o quanto assentado no referido julgamento, vale reproduzir

trechos dos votos proferidos pelos Ministros Nelson Jobim e Sepúlveda Pertence:

“O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM (PRESIDENTE) – [...] Quero deixar claro o seguinte: não se leia, no artigo 177, parágrafo 1º, que ele tenha estendido todo o regime do artigo 176. O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – Mas, eliminou, sim, a proibição do primitivo art. 177 da Constituição. O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM (PRESIDENTE) – Eliminou a proibição, mas é fundamental deixar isso claro, porque, depois, pode-se

10 Trecho do voto lavrado pelo Eminente Ministro Eros Grau, voto esse condutor da decisão tomada na AR 1.607-1/MS. 11 Cumpre ressaltar que o artigo 20 da Constituição Federal não insere a energia elétrica no elenco de bens da União.

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entender que todos os contratos teriam que atribuir ao produto da lavra. Não. Uma das alternativas é essa. No caso do artigo 176, sim. Ali diz: ‘garante-se ao concessionário a propriedade do produto da lavra’. Nos casos do artigo 177 poderá ser isso ou poderão ser outras alternativas que a lei fixar. O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - Explicito neste ponto o meu voto. Não passa a incidir sem mais, sobre o petróleo, o disposto, no art. 176, sobre os minérios em geral: apenas se eliminou, com a alteração do art. 177, a proibição original de participação nos resultados da exploração petrolífera ou do gás natural, e, com mais razão, a transferência do produto às empresas contratadas. Mas a verdade que não o impôs: outros tipos de contratação podem ser possibilitados em lei, nos quais não haja a participação da contratada no produto da lavra do petróleo. O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM (PRESIDENTE) – Aí, deixa para que possamos e para que o País possa, na legislação, estabelecer alternativas de conveniência.”

15. Nesse contexto, assumindo, a título de argumentação, a premissa de

que o artigo 176 da Constituição Federal (i) teria empregado o termo “lavra” em sua

acepção técnica e, por conseqüência, (ii) seria silente quanto à propriedade da

energia hidráulica, cumpre examinar outros dispositivos constitucionais e legais que

revelam a titularidade da energia elétrica proveniente da exploração de potenciais de

energia hidráulica.

II.1.3. A titularidade da energia resultante da exploração do potencial de energia

hidráulica

16. Ao assegurar, “nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e

aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União,

participação no resultado da exploração [...] de recursos hídricos para fins de

geração de energia elétrica, ou compensação financeira por essa exploração”, o

artigo 20, § 1º, da Constituição Federal evidencia que o resultado da exploração

pertence ao explorador, o qual , conforme denota o artigo 21, inciso XII, alínea “b”,

da Constituição Federal 12, pode ser a União, caso a exploração seja feita diretamente

12 “Art. 21. Compete à União:

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por ela, ou seu concessionário, permissionário ou autorizado, caso a exploração seja

indireta.

17. Os artigos 1º e 3º da Lei nº 7.990, de 28 de dezembro de 1989 – a que

se refere o § 1º do artigo 20 da Constituição Federal –, e o artigo 17 da Lei nº 9.648,

de 27 de maio de 1998, também revelam (i) que o explorador do potencial de

energia hidráulica tem a prerrogativa de vender a energia produzida e (ii) o

resultado da exploração pertence ao gerador13:

“Art. 1º O aproveitamento de recursos hídricos, para fins de geração de energia elétrica e dos recursos minerais, por quaisquer dos regimes previstos em lei, ensejará compensação financeira aos Estados, Distrito Federal e Municípios, a ser calculada, distribuída e aplicada na forma estabelecida nesta Lei. [...] Art. 3º O valor da compensação financeira corresponderá a um fator percentual do valor da energia constante da fatura, excluídos os tributos e empréstimos compulsórios.”

“Art. 17. A compensação financeira pela utilização de recursos hídricos de que trata a Lei nº 7.990, de 28 de dezembro de 1989, será de seis inteiros e setenta e cinco centésimos por cento sobre o valor da energia elétrica produzida, a ser paga por titular de concessão ou autorização para exploração de potencial hidráulico aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios em cujos territórios se localizarem instalações destinadas à produção de energia elétrica, ou que tenham áreas invalidas por água dos respectivos reservatórios, e a órgãos da administração direta da União.”14

18. Na mesma linha, o artigo 11 da Lei nº 9.074, de 7 de julho de 1995, ao

definir a figura do produtor independente de energia elétrica, reforça a possibilidade

de o explorador de potencial de energia hidráulica vender o produto da exploração:

XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:

b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos; [...]” 13 No voto proferido na ADI 3.273/DF, o Ministro Eros Grau evidencia que “a propriedade do resultado da atividade” significa “propriedade dos produtos ou serviços da atividade”. (STF, Tribunal Pleno, ADI 3.273/DF, redator p/ acórdão Ministro Eros Grau, DJ de 2.3.2007). 14 Original sem destaques.

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13

“Art. 11. Considera-se produtor independente de energia elétrica a pessoa jurídica ou empresas reunidas em consórcio que recebam concessão ou autorização do poder concedente, para produzir energia elétrica destinada ao comércio de toda ou parte da energia produzida, por sua conta e risco.”

19. Cumpre notar que, sem a propriedade da energia elétrica, não seria

dado ao explorador vendê-la, pois vender constitui ato de disposição inerente ao

direito de propriedade, conforme se percebe (i) do artigo 1.228 do Código Civil e (ii)

de advertência do civilista Silvio de Salvo Venosa:

“Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.”15 “A faculdade de dispor envolve o poder de consumir o bem, alterar-lhe sua substância, aliená-lo ou gravá-lo. É o poder mais abrangente, pois quem pode dispor da coisa dela também pode usar e gozar. Tal faculdade caracteriza efetivamente o direito de propriedade, pois o poder de usar e gozar pode ser atribuído a quem não seja proprietário. O poder de dispor somente o proprietário o possui.”16

20. Considerando que a venda de um bem pressupõe sua propriedade pelo

vendedor, alcança-se a conclusão de que, ao versarem sobre a venda de energia por

explorador de potencial de energia hidráulica, os dispositivos legais em tela revelam

a propriedade do explorador sobre a energia por ele produzida ou, ao menos,

revelam o direito do gerador a ser remunerado pela energia que produz.

21. Embora seja proprietário da energia elétrica que produz, o gerador não

pode conferir à energia o destino que lhe convier, porquanto a legislação estabelece

a forma de uso e de comercialização da energia.

15 Original sem destaques. 16 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direitos reais . – 4ª ed. – São Paulo: Atlas, 2004, p. 179. Original sem destaques.

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II.2. O regime jurídico de comercialização de energia elétrica

II.2.1. O Ambiente de Contratação Regulada – ACR – e o Ambiente de Contratação

Livre – ACL

22. Além de poder destinar energia a uso próprio17, os geradores podem

comercializá-la, observado o regime jurídico de comercialização de energia elétrica.

23. Até o advento da Lei nº 10.848/04, os agentes de geração vendiam

energia mediante (i) os chamados contratos bilaterais, celebrados sob a égide do

regime de livre negociação introduzido pelo artigo 10 da Lei nº 9.648, de 27 de

maio de 1998, ou (ii) os chamados contratos iniciais, celebrados dentro de um

17 A destinação de energia a uso próprio é traço característico, embora não exclusivo, da atividade de autoprodução, conforme denotam os artigos 2º do Decreto nº 2.003, de 10 de setembro de 1996, e 1º, § 2º, inciso V, do Decreto nº 5.163/04:

“Art. 2º Para fins do disposto neste Decreto, considera -se: [...]

II - Autoprodutor de Energia Elétrica, a pessoa física ou jurídica ou empresas reunidas em consórcio que recebam concessão ou autorização para produzir energia elétrica destinada ao seu uso exclusivo.”

“Artigo 1º [...]

§ 2º Para fins de comercialização de energia elétrica, entende-se como: [...]

V - agente autoprodutor o titular de concessão, permissão ou autorização para produzir energia elétrica destinada ao seu uso exclusivo; [...]”.

Conquanto seja característica típica dos autoprodutores, a destinação de energia a uso próprio também pode ser feita por produtores independentes, conforme reconhecem o artigo 74 do Decreto nº 5.163, de 30 de julho de 2004, e o artigo 19, incisos II a IV, da Resolução Normativa nº 166, de /05, as quais assim estabelecem, respectivamente:

“Art. 74. Os autoprodutores e produtores independentes não estão sujeitos ao pagamento das quotas da Conta de Desenvolvimento Energético - CDE, tanto na produção quanto no consumo, exclusivamente com relação à parcela de energia elétrica destinada a consumo próprio.”

“Art. 19. As tarifas definidas conforme os arts. 15 a 17 deverão ser aplicadas ao consumo mensal de energia elétrica de cada unidade consumidora, observando os seguintes critérios: […]

II – TUSD – CCC isolado aplicada à parcela do consumo mensal, que exceda o atendimento feito por empreendimento próprio de produção independente e/ou de autoprodução, considerando todas as unidades consumidoras dos sistemas interligado e isolados.

III – TUSD – CDE S/ SE/ CO e TUSD – CDE N/ NE aplicadas sobre a parcela do consumo mensal que exceda o atendimento feito por empreendimento próprio de produção independente e/ou de autoprodução da unidade consumidora localizada nas respectivas regiões geoelétricas; e

IV – TUSD – PROINFA aplicada à parcela do consumo mensal, que exceda o atendimento feito por empreendimento próprio de autoprodução e/ou de produção independente, exceto aquela pertencente à Subclasse Residencial Baixa Renda cujo consumo seja igual ou inferior a 80 kWh/mês.”

JULIÃO COELHO – ADVOGADO

15

período de transição 18 de 4 (quatro) anos, contados da data da edição da Lei nº

9.648/98.

24. Conformando um novo regime aplicável à compra e venda de energia,

a Lei nº 10.848/04 proclamou, no caput de seu artigo 1º, que a comercialização de

energia elétrica ocorreria mediante contratação regulada ou livre19.

25. Nesse sentido, os §§ 1º a 3º do artigo 1º da Lei nº 10.848/04

instituíram os ambientes de contratação regulada – ACR – e de contratação livre –

ACL –, bem como apontaram os agentes envolvidos nas operações de compra e

venda de energia realizadas em cada qual desses ambientes20.

26. No ACR, os agentes de geração vendem energia aos agentes de

distribuição mediante os Contratos de Comercialização de Energia no Ambiente

Regulado – CCEAR 21 –, contratos esses que decorrem dos leilões de

18 A referida transição tinha por escopo fazer com que a introdução da livre negociação no setor elétrico fosse gradual, de maneira que fosse assegurada a livre concorrência no setor, pois uma mudança abrupta e imatura não permitiria o aperfeiçoamento de uma estrutura destinada a propiciar maior “imunidade antitruste”, expressão utilizada por Calixto Salomão Filho ao tratar das mudanças introduzidas pela Lei nº 9.648/98:

“Assim, embora as normas introduzidas pela Lei nº 9.648/98 reconheçam a aplicação da lei concorrencial ao setor elétrico, a conclusão é que o sistema atual é híbrido, oscilando entre a introdução gradual de livre concorrência. Em situações como essa só haveria imunidade antitruste se a ANEEL exercesse de forma profunda o poder de que dispõe.” (Direito concorrencial: as estruturas . São Paulo: Malheiros, p. 225). 19 “Art. 1o A comercialização de energia elétrica entre concessionários, permissionários e autorizados de serviços e instalações de energia elétrica, bem como destes com seus consumidores, no Sistema Interligado Nacional - SIN, dar-se-á mediante contratação regulada ou livre, nos termos desta Lei e do seu regulamento, o qual, observadas as diretrizes estabelecidas nos parágrafos deste artigo, deverá dispor sobre: [...]” 20 “§ 1o A comercialização de que trata este artigo será realizada nos ambientes de contratação regulada e de contratação livre.

§ 2o Submeter-se-ão à contratação regulada a compra de energia elétrica por concessionárias, permissionárias e autorizadas do serviço público de distribuição de energia elétrica, nos termos do art. 2o desta Lei, e o fornecimento de energia elétrica para o mercado regulado.

§ 3o A contratação livre dar-se-á nos termos do art. 10 da Lei no 9.648, de 27 de maio de 1998, mediante operações de compra e venda de energia elétrica envolvendo os agentes concessionários e autorizados de geração, comercializadores e importadores de energia elétrica e os consumidores que atendam às condições previstas nos arts. 15 e 16 da Lei no 9.074, de 7 de julho de 1995, com a redação dada por esta Lei.” 21 A definição de CCEAR é apresentada no artigo 2º, § 2º, da Lei nº 10.848/04:

“Art. 2º. As concessionárias, as permissionárias e as autorizadas de serviço público de distribuição de energia elétrica do Sistema Interligado Nacional - SIN deverão garantir o atendimento à totalidade de seu mercado, mediante contratação regulada, por meio de licitação, conforme regulamento, o qual, observadas as diretrizes estabelecidas nos parágrafos deste artigo, disporá sobre: [...]

JULIÃO COELHO – ADVOGADO

16

empreendimentos de geração existentes e de novos empreendimentos de geração 22,

de maneira que o valor de venda da energia corresponde à proposta feita pelo

gerador licitante que se sagra vencedor no certame 23.

27. Já no ACL, os agentes de geração vendem energia a outros geradores,

a agentes comercializadores, a consumidores livres e a consumidores especiais,

mediante contratos bilaterais em que o preço da energia é livremente negociado

entre os contratantes24.

II.2.2. O mercado de curto prazo

28. Há, ainda, a comercialização de energia elétrica no mercado de curto

prazo, assim considerado “o segmento [...] onde se negociam a energia não

contratada bilateralmente e as eventuais sobras de contratos bilaterais”25.

§ 2º A contratação regulada de que trata o "caput" deste artigo deverá ser formalizada por meio de contratos bilaterais denominados Contrato de Comercialização de Energia no Ambiente Regulado - CCEAR, celebrados entre cada concessionária ou autorizada de geração e todas as concessionárias, permissionárias e autorizadas do serviço público de distribuição, devendo ser observado o seguinte: [...]” 22 Vale conferir o disposto no artigo 11 do Decreto nº 5.163/04:

“Art. 11. Para atendimento à obrigação prevista no inciso II do art. 2º , cada agente de distribuição do SIN deverá adquirir, por meio de leilões realizados no ACR, energia elétrica proveniente de:

I - empreendimentos de geração existentes; e

II - novos empreendimentos de geração.” 23 É o que se verifica da Portaria nº 242, de 5 de setembro de 2006, cujo anexo versa sobre a “sistemática para os leilões de energia proveniente de novos empreendimentos de geração”. 24 Conforme proclama o § 3º do artigo 1º do Decreto nº 5.163/04, a comercialização de energia no ACL ocorre nos termos do artigo 10 da Lei nº 9.648/98, o qual estabeleceu que passaria a ser de livre negociação a compra e venda de energia elétrica entre os agentes do setor:

“Art. 10. Passa a ser de livre negociação a compra e venda de energia elétrica entre concessionários, permissionários e autorizados, observados os seguintes prazos e demais condições de transição: [...]”

Ainda sobre o ACL, vale conferir o disposto no artigo 47 do Decreto nº 5.163/04:

“Art. 47. A contratação no ACL dar-se-á mediante operações de compra e venda de energia elétrica envolvendo os agentes concessionários, permissionários e autorizados de geração, comercializadores, importadores, exportadores de energia elétrica e consumidores livres.

Parágrafo único. As relações comerciais entre os agentes no ACL serão livremente pactuadas e regidas por contratos bilaterais de compra e venda de energia elétrica, onde estarão estabelecidos, entre outros, prazos e volumes.” 25 Definição constante do rol de definições apresentadas no Título I do Acordo de Mercado homologado pela Resolução nº 018, de 28 de janeiro de 1999.

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17

29. O mercado de curto prazo tem caráter residual, é um mercado de

diferenças, conforme esclarece a seguinte passagem da “Visão Geral das Regras do

Mercado”:

“As relações comerciais entre os agentes participantes do MAE são regidas principalmente por contratos bilaterais, sendo que a liquidação financeira destes contratos é realizada diretamente entre as partes contratantes. A comercialização de energia resultante da diferença entre a energia contratada (via contratos bilaterais) e a efetivamente realizada (podendo esta ser a energia produzida ou consumida) terá sua comercialização e liquidação feitas através do MAE. Dentro deste contexto, as regras do MAE tratam quase que exclusivamente do chamado ‘mercado de diferenças’ ou ‘mercado residual’.”26

30. Pela energia vendida no mercado de curto prazo, o agente gerador

recebe o valor correspondente ao Preço de Liquidação de Diferenças – PLD27 –, que

é assim definido no “Módulo 1 – Preço de Liquidação das Diferenças” das Regras

de Comercialização aprovadas pela Resolução Normativa nº 254, de 27 de fevereiro

de 2007:

“O PLD é um valor determinado semanalmente para cada patamar de carga com base no Custo Marginal de Operação, limitado por um preço máximo e um mínimo vigente para cada Período de Apuração e para cada Submercado, pelo qual é valorada a energia comercializada no Mercado de Curto Prazo.”28

26 Vale anotar que, com o advento da Lei nº 10.848/04, o Mercado Atacadista de Energia Elétrica – MAE –, citado na transcrição acima, foi sucedido pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica – CCEE –, conforme se verifica do artigo 5º da referida Lei:

“Art. 5º. A CCEE sucederá ao Mercado Atacadista de Energia Elétrica - MAE, criado na forma da Lei nº 10.433, de 24 de abril de 2002, cabendo-lhes adotar todas as medidas necessárias para dar cumprimento ao disposto nesta Lei.” 27 De acordo com o disposto no artigo 57 do Decreto nº 5.163/04:

“Art. 57. A contabilização e a liquidação mensal no mercado de curto prazo serão realizadas com base no PLD.” 28 P. 5 do Módulo 1.

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II.3. O descolamento entre a operação física e a operação comercial dos agentes

geradores no âmbito do Sistema Interligado Nacional – SIN

II.3.1. O despacho centralizado

31. Nesse ponto, cumpre ter em perspectiva que há um descolamento entre

a operação comercial e a operação física das usinas hidrelétricas e térmicas no

âmbito do Sistema Interligado Nacional – SIN.

32. Isso porque, “com vistas à otimização dos sistemas eletroenergéticos

interligados”29, foram atribuídas ao Operador Nacional do Sistema Elétrico – ONS

– as atividades de coordenação e controle da operação da geração e da transmissão

de energia elétrica integrantes do SIN 30 , bem como o despacho centralizado da

geração 31.

33. Com efeito, a operação física das usinas de geração integrantes do SIN

é centralizada no ONS, que toma em consideração “condições técnicas e

econômicas para o despacho das usinas”32.

29 Artigo 13, parágrafo único, alínea “a”, da Lei nº 9.648/98. 30 Artigo 13, caput, da Lei nº 9.648/98:

“Art. 13. As atividades de coordenação e controle da operação da geração e da transmissão de energia elétrica, integrantes do Sistema Interligado Nacional - SIN, serão executadas pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico - ONS, pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, mediante autorização do Poder Concedente, fiscalizado e regulado pela ANEEL, a ser integrado por titulares de concessão, permissão ou autorização e consumidores que tenham exercido a opção prevista nos arts. 15 e 16 da Lei nº 9.074, de 7 de julho de 1995, e que sejam conectados à rede básica.” 31 Artigo 13, parágrafo único, alínea “a”, da Lei nº 9.648/98:

“Parágrafo único. Sem prejuízo de outras funções que lhe forem atribuídas pelo Poder Concedente, constituirão atribuições do ONS:

a) o planejamento e a programação da operação e o despacho centralizado da geração, com vistas a otimização dos sistemas eletroenergéticos interligados; [...]” (Original sem destaques). 32 Artigo 1º, § 4º, inciso I, da Lei nº 10.848/04:

“Art. 1º [...]

§ 4º Na operação do Sistema Interligado Nacional - SIN, serão considerados:

I - a otimização do uso dos recursos eletroenergéticos para o atendimento aos requisitos da carga, considerando as condições técnicas e econômicas para o despacho das usinas; [...]”

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19

34. Logo, o proprietário de uma usina sujeita a despacho centralizado não

tem controle sobre sua produção, produção essa que não necessariamente

corresponderá aos compromissos mercantis do gerador. A propósito do assunto,

vale conferir passagens do “Módulo 4 – Energias Asseguradas” e do “Módulo 5 –

Encargos de Serviços do Sistema” das Regras de Comercialização/Versão 2007:

“As gerações das usinas hidrelétricas e térmicas estão sujeitas ao despacho centralizado efetuado pelo ONS, considerando as disponibilidades das usinas que estão em condições de geração. Estas usinas são despachadas de modo a se obter minimização dos custos operativos e o menor custo marginal, em vista das afluências hidrológicas e armazenamento de água dos reservatórios, dos preços ofertados pelas usinas térmicas e as restrições operativas. Dessa forma, os perfis de geração dos Agentes sujeitos ao despacho centralizado, independente de seus compromissos de venda de energia baseados em seus certificados de Energia Assegurada, não têm controle sobre seu nível de geração.”33 “O Brasil, devido à predominância hidráulica do parque gerador, decidiu adotar o modelo de despacho centralizado (‘tight pool’), em que o Operador Nacional do Sistema (ONS) decide o montante a ser despachado por cada usina integrante do sistema interligado, com base em uma cadeia de modelos de otimização do uso da água estocada nos reservatórios.”34

35. Embora o proprietário não controle sua produção, a usina sujeita a

despacho centralizado tem de estar disponível para gerar. Isso porque a operação

comercial da usina pressupõe a disponibilização da energia ao sistema, conforme

denotam os artigos 2º, inciso II, e 6º da Resolução nº 433, de 26 de agosto de 2003,

a qual “estabelece os procedimentos e as condições para início da operação em

teste e da operação comercial de empreendimentos de geração de energia

elétrica”:

“Art. 2º. Para os fins e efeitos desta Resolução são estabelecidas as seguintes definições: [...]

33 P. 19 do “Módulo 4 – Energias Asseguradas” das Regras de Comercialização/Versão 2007. 34 P. 5 do “Módulo 5 – Encargos de Serviços do Sistema” das Regras de Comercialização/Versão 2007.

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20

II - operação comercial: situação operacional em que a energia produzida pela unidade geradora está disponibilizada ao sistema, podendo atender aos compromissos mercantis do agente e/ou para o seu uso exclusivo. [...] Art. 6º. A liberação do início da operação comercial será por meio de Despacho do Superintendente da SFG, até 5 (cinco) dias após a protocolização do pedido, e contemplará a data e hora a partir das quais a energia produzida pela unidade geradora estará disponibilizada ao sistema, podendo atender aos compromissos mercantis do agente e/ou para o seu uso exclusivo, além de informação se o fornecimento de combustível será em caráter firme ou interruptível.”35

II.3.2. O Mecanismo de Realocação de Energia - MRE

36. Em virtude da centralização do despacho das usinas, o Decreto nº

2.655, de 2 de julho de 1998, criou, com vistas à mitigação do risco hidrológico, o

Mecanismo de Realocação de Energia – MRE –, o qual assim funciona36:

(i) “a energia assegurada de uma usina corresponde à fração a ela

alocada da Energia Assegurada do Sistema”37;

(ii) “todas as usinas participantes [recebem] seus níveis de Energia

Assegurada independentemente de seus níveis reais de produção de energia, desde

que a geração total do MRE não esteja abaixo do total da Energia Assegurada do

Sistema”38, ou seja, “o MRE realoca a energia, transferindo o excedente daqueles

que geraram além de suas Energias Asseguradas para aqueles que geraram

abaixo”39; e

35 Original sem destaques. 36 Vale conferir a redação dos artigos 20, caput, e 21, caput e § 2º, do Decreto nº 2.655/98:

“Art. 20. As regras do MAE deverão estabelecer o Mecanismo de Realocação de Energia - MRE, do qual participarão as usinas hidrelétricas, com o objetivo de compartilhar entre elas os riscos Hidrológicos. [...]

Art. 21. A cada usina hidrelétrica corresponderá um montante de energia assegurada, mediante mecanismo de compensação da energia efetivamente gerada. [...]

§ 2º Considera-se energia assegurada de cada usina hidrelétrica participante do MRE a fração a ela alocada da energia assegurada do sistema, na forma do disposto no ‘caput’ deste artigo.” 37 P. 3 do Módulo 4 – Energias Asseguradas das Regras de Comercialização/Versão 2007. 38 P. 19 do Módulo 4 – Energias Asseguradas das Regras de Comercialização/Versão 2007. 39 Idem.

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21

(iii) “se o total da produção destinada ao MRE das usinas

participantes for maior ou igual ao total das Energias Asseguradas (Energia

Assegurada do Sistema), cada usina terá alocação igual à sua Energia Assegurada,

mais uma parte do excedente, chamada de Energia Secundária”40, que “é alocada

a todas as usinas, na proporção de suas Energias Asseguradas”41.

37. Vê-se, portanto, que o total da produção de energia das usinas

integrantes do MRE é alocado a cada qual das usinas na proporção da respectiva

energia assegurada.

II.3.3. A exposição de gerador a PLD e os montantes de energia transacionados no

mercado de curto prazo

38. Para identificação do montante de energia transacionado no mercado

de curto prazo por uma usina participante do MRE, toma-se a diferença entre a sua

energia gerada ou alocada e os montantes comprometidos com os contratos de

venda de energia que celebrou.

39. Caso a energia gerada ou alocada seja superior à vendida em

contratos, a diferença representa o montante de energia vendida no mercado de

curto prazo, venda essa feita a PLD.

40. Caso a energia gerada ou alocada seja inferior à vendida em contratos,

a diferença representa o montante de energia comprada no mercado de curto prazo,

compra essa feita a PLD.

41. A corroborar o exposto, vale conferir passagens dos Módulos 3 e 7 das

Regras de Comercialização/Versão 2007:

40 P. 20 do Módulo 4 – Energias Asseguradas das Regras de Comercialização/Versão 2007. 41 Idem.

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22

“A Venda Líquida de Energia equivale ao saldo vendedor de todos os contratos registrados para o Perfil de Geração do Agente em cada Submercado, em cada Período de Comercialização. A Venda Líquida é deduzida do total de energia gerada/alocada do Perfil de Geração do Agente para se obter o Montante de Energia Transacionada no Mercado de Curto Prazo da CCEE.”42 “O Perfil de Geração do Agente está exposto ao PLD em cada Submercado quando o seu total gerado/alocado é diferente do total comprometido em contratos. A diferença pode ser positiva (venda de energia ao PLD no Mercado de Curto Prazo) ou negativa (compra de energia ao PLD no Mercado de Curto Prazo). 2.3.2 Para o Perfil de Geração do Agente, o total gerado representa a produção de todas as suas usinas localizadas no Submercado, mais os ajustes de MRE, naquele Submercado, de suas usinas hidráulicas.”43

42. Constata-se, assim, que o agente gerador recebe pela energia vendida

em contratos e fica exposto a PLD quanto às diferenças entre a energia gerada ou

alocada e a energia comprometida com os contratos.

43. Examinados (i) os dispositivos que revelam a titularidade da energia

elétrica produzida por geradores, (ii) o regime jurídico de comercialização de

energia elétrica e (iii) a exposição dos geradores a PLD, é possível avançar para a

análise da proposta de regramento submetida à Audiência Pública nº 006/2007.

II.4. A proposta de ato regulamentar submetida à Audiência Pública nº

006/2007

II.4.1. Os eventos que antecederam a Audiência Pública nº 006/2007

44. A proposta submetida à Audiência Pública nº 006/2007 descreve uma

disciplina para a geração de usina termelétrica fora da ordem de mérito de custo

42 P. 29 do “Módulo 3 – Contratos” das Regras de Comercialização/Versão 2007. 43 P. 6 do “Módulo 7 – Consolidação dos Resultados” das Regras de Comercialização de Energia Elétrica/Versão 2007.

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23

econômico, geração essa que seria destinada a compensar eventuais

indisponibilidades futuras.

45. A sugestão ocorreu em razão de, na falta do gás natural, as usinas

termelétricas chamadas a gerar por ordem de mérito de custo econômico não terem

acatado a ordem de despacho, conforme estampado no item 2 da Nota Técnica que

instrui a audiência pública:

“A programação da operação nos meses de agosto e setembro de 2006 indicou despacho de diversas usinas termelétricas por ordem de mérito econômico de custo. Devido à indisponibilidade de gás natural os Agentes não acataram a ordem de despacho, ocasionando a desotimização energética do Sistema Interligado Nacional - SIN. As disponibilidades de geração das usinas termelétricas são dados de entrada importantes nos modelos de otimização hidrotérmica e nas regras de comercialização.”

46. A primeira providência tomada pela ANEEL frente à situação acima

descrita consistiu na edição da Resolução nº 231, de 19 de setembro de 2006, a qual

“estabelece procedimentos e critérios para determinação da disponibilidade

observada de usina térmica despachada centralizadamente, em função da falta de

combustível”.

47. Já a segunda providência consistiu na edição da Resolução Normativa

nº 237, de 28 de novembro de 2006, a qual, a par de estabelecer “critérios para

consideração das usinas térmicas na elaboração do Programa Mensal de

Operação Eletroenergética - PMO e suas revisões, em função da indisponibilidade

por falta de combustível”, estatuiu, em seu artigo 2º, que, “com a prévia aprovação

do ONS, o agente de geração poderá gerar energia fora da ordem de mérito de

custo de modo a compensar eventuais indisponibilidades futuras”.

48. No § 1º de seu artigo 2º, a Resolução nº 237/06 estabeleceu que o

ONS e a CCEE deveriam, “no prazo de 30 dias, submeter à aprovação da ANEEL

para apuração da geração fora da ordem de mérito de custo”.

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24

II.4.2. A proposta para a geração fora da ordem de mérito de custo

49. Atendendo ao disposto no § 1º do artigo 2º da Resolução nº 237/06:

(i) “a CCEE apresentou sua proposta de metodologia para apuração

da geração fora da ordem de mérito de custo econômico e para compensação

futura quando da ocorrência de eventuais indisponibilidades”44; e

(ii) o ONS apresentou a NT 3/032/2007, “com o detalhamento de sua

proposta para os ‘Princípios, Procedimentos Operativos e de Apuração Referentes

à Geração Térmica Fora da Ordem de Custo, Para Compensar Eventuais

Indisponibilidades Futuras de Combustível’”45.

50. Em linhas gerais, a sistemática proposta pelo ONS pode ser assim

descrita:

(i) a energia gerada por uma térmica fora da ordem de mérito de custo

econômico é revertida em armazenamento em reservatórios do subsistema em que a

usina estiver instalada46, constituindo um saldo de energia térmica acumulada no

“armazenamento real”47; e

(ii) caso seja chamada a despachar por ordem de mérito do custo

econômico, “a usina térmica que dispuser de saldo de energia térmica acumulada

no armazenamento real”48 pode utilizá-lo para não ter de despachar.

44 Fl. 2 da Nota Técnica SRG/ANEEL. 45 Idem. 46 Fl. 3 da Nota Técnica SRG/ANEEL. 47 Conforme disposto na Nota Técnica em referência. Ainda segundo a Nota Técnica SRG/ANEEL, Armazenamento Real é “aquele efetivamente disponível para geração do SIN”, ao passo que Armazenamento Teórico é o “utilizado pelos programas de otimização e formação de preços, sendo obtido subtraindo do Armazenamento Real o volume decorrente da geração fora da ordem de mérito de custo econômico”. 48 Fl. 4 da Nota Técnica SRG/ANEEL.

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25

51. Já a metodologia proposta pela CCEE é a seguinte:

(i) na chamada fase de “Ida”, o montante gerado pela usina térmica

fora da ordem de mérito do custo econômico é atribuído a uma usina hidráulica

virtual, a qual é modelada em nome do proprietário no mesmo submercado da usina

térmica, com energia assegurada igual a zero49;

(ii) como a energia assegurada da hidráulica virtual é igual a zero, a

energia a ela alocada também é igual a zero50, de maneira que a energia gerada pela

térmica fora da ordem de mérito do custo econômico é alocada entre as usinas

participantes do MRE naquele submercado 51;

(iii) a Tarifa de Energia de Otimização – TEO – que seria recebida

pela usina virtual em contrapartida à transferência de sua energia às usinas

participantes do MRE é conferida a essas usinas do MRE, na proporção de suas

energias asseguradas mensais52;

(iv) na fase de “Volta”, quando a térmica é chamada a despachar por

ordem de mérito e não o faz por dispor de saldo de energia térmica acumulada no

Armazenamento Real, as usinas do MRE geram aquele montante de energia

associado à compensação feita pela térmica53; e

49 Fl. 7 da Nota Técnica SRG/ANEEL. 50 Nesse ponto, cumpre resgatar que o total da produção de energia das usinas integrantes do MRE é alocado a cada qual das usinas na proporção do valor da respectiva energia assegurada em relação à Energia Assegurada do Sistema. Logo, se a energia assegurada da usina é igual a zero, a energia que lhe é alocada também é igual a zero. 51 Fl. 7 da Nota Técnica SRG/ANEEL. Tal sistemática, de acordo com o disposto na Nota Técnica SRG/ANEEL, permite “que o conjunto de usinas do MRE seja ressarcido pelo deslocamento causado pela geração da usina térmica”. 52 Item 5.1 da CT -0845/07-CCEE. 53 Item 5.2 da CT -0845/07-CCEE.

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(v) ainda na fase de “Volta”, o PLD, que será maior ou igual à

declaração de preço da usina térmica, é atribuído à energia produzida pelas usinas

do MRE, as quais, na proporção das respectivas energias asseguradas mensais,

devolvem à térmica a receita correspondente à energia compensada multiplicada

pela sua declaração de preço.

52. A proposta da CCEE pode ser assim resumida:

(i) na fase de “Ida”, a térmica gera no lugar das integrantes do MRE

como se fosse uma delas, razão pela qual se lhe atribui a TEO, que é dividida entre

as integrantes do MRE; e

(ii) na fase de “Volta”, as integrantes do MRE geram no lugar da

térmica e recebem PLD, mas apropriam-se apenas da diferença entre o PLD e o

preço declarado da térmica, a quem deve ser devolvida, a título de ressarcimento, a

receita correspondente ao seu custo de geração fora da ordem de mérito.

53. Verificadas as particularidades físico-operacionais e comerciais da

proposta submetida à Audiência Pública, afigura-se possível avançar para o exame

de sua viabilidade jurídica.

II.5. Os aspectos jurídicos da proposta de ato regulamentar submetida à

Audiência Pública nº 006/2007

II.5.1. A sistemática proposta pelo ONS e o uso dos reservatórios das usinas

hidrelétricas

54. De acordo com a sistemática proposta pelo ONS, a energia gerada por

uma térmica fora da ordem de mérito de custo econômico seria revertida em

armazenamento em reservatórios do subsistema em que a usina térmica estiver

instalada.

JULIÃO COELHO – ADVOGADO

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55. A propósito dessa sistemática, impende salientar que, embora as águas

sejam de propriedade da União, o reservatório – bem imóvel em que se armazena a

água destinada à produção de energia elétrica, ou seja, bem vinculado à atividade de

geração – é de propriedade do gerador54.

56. Sugere a sistemática do ONS que, para o efeito de compor um saldo

de energia em favor das usinas térmicas, armazenar-se-ia nos reservatórios um

volume de água correspondente à energia gerada fora da ordem de mérito, ou seja, a

parte do reservatório correspondente à energia gerada fora da ordem de mérito seria

utilizada em favor da térmica.

57. Observa-se, portanto, que, segundo a sistemática em exame, os

reservatórios das usinas hidrelétricas seriam utilizados, à revelia de tais usinas, para

armazenar água destinada à produção de energia em favor das térmicas, de maneira

que ocorreria o uso, ainda que parcial, de um bem imóvel de propriedade da

hidrelétrica, em benefício de um outro agente: a usina térmica.

58. Além de a efetivação da proposta do ONS significar a cessão

compulsória do uso dos reservatórios das hidrelétricas, não está prevista

remuneração por essa cessão, pois os ajustes propostos em relação à TEO e ao PLD

dizem respeito à venda de energia, e não ao uso dos reservatórios.

54 Faz-se necessário ressaltar que os bens e instalações vinculados ao aproveitamento hidrelétrico passam a integrar o patrimônio da União somente com a extinção da concessão, quando ocorre a reversão. A corroborar o exposto, vale reproduzir o artigo 35, § 1º, da Lei nº 8.987/95 e a subcláusula segunda da cláusula décima segunda do Contrato de Concessão nº 17/2002-ANEEL AHE São Salvador:

“Art. 35. [...]

§ 1º Extinta a concessão, retornam ao poder concedente todos os bens reversíveis, direitos e privilégios transferidos ao concessionário conforme previsto no edital e estabelecido no contrato.”

“Subcláusula Segunda - No advento do termo final do Contrato, todos os bens e instalações vinculados ao Aproveitamento Hidrelétrico passarão a integrar o patrimônio da União, mediante indenização dos investimentos realizados e ainda não amortizados, desde que autorizados pela ANEEL, e apurados em auditoria da ANEEL.”

JULIÃO COELHO – ADVOGADO

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59. Vale destacar que, para a construção do reservatório, os proprietários

das usinas hidrelétricas incorrem em custos com a promoção de desapropriações,

bem como com a própria construção e conservação do referido bem.

60. À vista dessas circunstâncias, compelir os proprietários das usinas

hidrelétricas a suportar o uso gratuito de seus reservatórios por outros agentes

implicaria enriquecimento sem causa das usinas térmicas, as quais seriam

beneficiadas sem a respectiva remuneração pelo uso de que se valeriam com o fim

de constituir o saldo a que recorreriam para não ter de despachar quando ordenadas

a tanto.

61. Nesse ponto, convém ter presente o magistério jurisprudencial do

Ministro Marco Aurélio no sentido de que “o sistema da Constituição Federal

obstaculiza o enriquecimento sem causa” 55 , pois consagra “a garantia

constitucional implícita vedadora do enriquecimento sem causa”56.

II.5.2. A proposta objeto da Audiência Pública nº 006/2007 e os princípios da

isonomia e da livre concorrência

62. A efetivação da proposta objeto da Audiência Pública nº 006/2006

também faria com que as usinas térmicas beneficiadas fossem os únicos agentes de

geração que, a um só tempo, teriam controle sobre sua produção e perceberiam os

bônus do despacho centralizado.

63. Na NT 3/032/2007, o ONS ressalta que “o agente de geração térmica

somente poderá efetuar geração térmica adicional para compensar

indisponibilidades futuras de combustível quando sua geração térmica despachada

fora da ordem de mérito de custo exceder à inflexibilidade declarada para o

55 Trecho da ementa do RE 275.840/RS. STF, Segunda Turma, redator p/ acórdão Ministro Marco Aurélio, DJ de 1.6.2001. 56 Trecho da ementa do AI-AgR 182.458/SP. STF, Segunda Turma , relator Ministro Marco Aurélio, DJ de 16.5.1997.

JULIÃO COELHO – ADVOGADO

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cálculo de sua garantia física, cujos valores e procedimentos devem estar em

conformidade com o estabelecido pelas Resoluções emitidas pela ANEEL”57.

64. Ocorre que, fora essa restrição, a usina térmica passaria a decidir o

momento em que iria gerar, ou seja, seria o único agente sujeito a despacho

centralizado que detém controle de sua produção.

65. Essa prerrogativa de operação teria repercussão comercial e financeira,

pois a térmica poderia gerar em um momento de PLD inferior a seu custo – fase de

“Ida” – e receberia o valor correspondente a seu custo de geração quando a

hidrelétrica do MRE gerasse em seu lugar.

66. Ademais, a proposta em tela também subverteria a ordem estabelecida

na Resolução nº 433/03. Consoante destacado, os artigos 2º, inciso II, e 6º dessa

Resolução estabelecem que a operação comercial das usinas pressupõe a

disponibilização da energia ao sistema.

67. É certo que, por vezes, uma unidade geradora fica indisponível, mas a

regra é a disponibilidade, ao passo que a indisponibilidade é eventual, episódica.

Com a efetivação da proposta sob exame, a disponibilidade seria episódica e

asseguraria a indisponibilidade da usina térmica em momentos em que ela deveria

gerar.

68. Não há como deixar de reconhecer que a resolução que aprovasse a

proposta objeto da Audiência Pública nº 006/2007 não poderia ter sua validade

questionada à luz da Resolução nº 433/03, porquanto o controle da validade de atos

normativos deve ter como parâmetro atos que lhes sejam hierarquicamente

superiores.

57 Fl. 5 da NT 3/032/2007.

JULIÃO COELHO – ADVOGADO

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69. No entanto, as usinas térmicas teriam, no que diz respeito à vinculação

entre disponibilidade e operação comercial, uma prerrogativa que nenhum outro

agente sujeito a despacho centralizado detém.

70. Cumpre ter em perspectiva que à ANEEL foi cometida, pelo artigo 3º

da Lei nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996, a atribuição de promover concorrência

efetiva entre os agentes do setor e zelar pelo cumprimento da legislação de defesa

da concorrência58.

71. A finalidade colimada com a promoção da livre concorrência entre os

agentes de um dado setor da economia e com o impedimento à concentração

econômica consiste em “criar uma igualdade jurídica material e não meramente

formal entre todos os agentes econômicos”59, de maneira que a competitividade

garanta preços módicos, “liberdade de escolha e informação mais abundante

possível para o consumidor”60.

72. A propósito, vale conferir o magistério de Tercio Sampaio Ferraz

Junior:

58 “Art. 3º. Além das atribuições previstas nos incisos II, III, V, VI, VII, X, XI e XII do art. 29 e no art. 30 da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, de outras incumbências expressamente previstas em lei e observado o disposto no § 1º, compete à ANEEL: [...]

VIII - estabelecer, com vistas a propiciar concorrência efetiva entre os agentes e a impedir a concentração econômica nos serviços e atividades de energia elétrica restrições, limites ou condições para empresas, grupos empresariais e acionistas, quanto à obtenção e transferências de concessões, permissões e autorizações, à concentração societária e à realização de negócios entre si;

IX - zelar pelo cumprimento da legislação de defesa da concorrência, monitorando e acompanhando as práticas de mercado dos agentes do setor de energia elétrica;" 59 SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da atividade econômica (princípios e fundamentos jurídicos). São Paulo: Malheiros, 2001, p. 30.

Pontua Calixto Salomão Filho que “igualdade material quer aqui significar igualdade efetiva, e não meramente formal, de oportunidades. Como se pretende demonstrar abaixo, isso só pode ocorrer com a difusão forçada do conhecimento econômico entre os indivíduos, que, por sua vez, só pode ser assegurada através de uma garantia firme de existência de concorrência.” (Ob. cit. p. 30). 60 Ob. cit. p. 33. Observa Calixto Salomão Filho que “a afirmação da concorrência como valor fundamental (modelagem) garante a liberdade de escolha e informação mais abundante possível para o consumidor” (Ob. cit. p. 33).

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“É este elemento comportamental – a competitividade – que define a livre concorrência. A competitividade exige, por sua vez, descentralização de coordenação como base da formação de preços, o que supõe livre iniciativa e apropriação privada dos bens de produção. Neste sentido, a livre concorrência é forma de tutela do consumidor, na medida em que competitividade induz a uma distribuição de recursos a mais baixo preço. De um ponto de vista político, a livre concorrência é garantia de oportunidades iguais a todos os agentes, ou seja, é uma forma de desconcentração de poder. Por fim, de um ângulo social, a competitividade deve gerar extratos intermediários entre grandes e pequenos agentes econômicos, como garantia de uma sociedade mais equilibrada.”61

73. É sabido que, segundo definição aristotélica universalmente aceita, o

princípio da igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os

desiguais, na medida de suas desigualdades62.

74. A partir da concepção de que o princípio da igualdade convive com as

diferenciações – e até mesmo as pressupõe63 –, difundiu-se o entendimento de que o

estabelecimento de distinções, para não violar o princípio da igualdade, deve ser

racionalmente justificável64.

61 Apud GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988 (Interpretação e crítica). – 10 ed. – São Paulo: Malheiros, 2005, p. 210. 62 Vale conferir a lição de Manoel Jorge e Silva Neto acerca da matéria:

“... ultrapassado o modelo de Estado burguês, que se ocupava da dimensão meramente formal do postulado isonômico, passou o ente estatal a interferir na vida em sociedade para efetivar a isonomia de natureza substancial, que vem a ser a intervenção do estado para, ao reconhecer diferenças essenciais entre os indivíduos, tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades, segundo a célebre definição aristotélica.” (SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de direito constitucional . – Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p. 478). 63 Defendendo que a busca da igualdade material exige diferenciações, o constitucionalista português José Joaquim Gomes Canotilho observa:

“Exige-se uma igualdade material através da lei, devendo tratar-se por igual o que é igual e desigualmente o que é desigual. Diferentemente da estrutura lógica formal de identidade, a igualdade pressupõe diferenciações. A igualdade designa uma relação entre diversas pessoas e coisas. Reconduz-se, assim, a uma igualdade relacional, pois ela pressupõe uma relação tripolar: o indivíduo a é igual ao indivíduo b, tendo em conta determinadas características.” (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 4ª edição, 418). 64 A propósito, vale conferir o magistério doutrinário do constitucionalista espanhol Antonio López Pina:

“... a validez das normas e das decisões judiciais está referida à coerência interna da ordem estabelecida, e permite expulsar da mesma os elementos estranhos. Mas a coerência só pode se sustentar a partir da generalização e tipificação de condutas similares, o que dá lugar a uns mínimos de igualdade, só quebrada pelas diferenças que, por razoáveis no sistema dado, parecem admissíveis.” (PINA, Antonio López; GUTIÉRREZ, Ignacio Gutiérrez. Elementos de derecho público. Madrid: Marcial Pons, 2002, p. 34).

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75. Nesse sentido, adverte o ministro Eros Grau que a distinção

estabelecida por uma dada norma deve observar, entre outros fatores, o nexo lógico

entre o objetivo perseguido e a discriminação que permitirá alcançá-lo:

“... pode, a lei --- como qualquer outro texto normativo --- sem violação do princípio da igualdade, distinguir situações, a fim de conferir a um tratamento diverso do que atribui a outra. Para que possa fazê-lo, contudo, sem que tal violação se manifeste, é necessário que a discriminação guarde compatibilidade com o conteúdo do princípio. [...] Dir-se-á, pois, que uma discriminação será arbitrária quando ‘não seja possível encontrar, para a diferenciação legal, alguma razão razoável que surja da natureza das coisas ou que, de alguma forma, seja concretamente compreensível’. ... E os seguintes fatores devem ser considerados: a) razoabilidade da discriminação, baseada em diferenças reais entre as pessoas ou objetos taxados; b) existência de objetivo que justifique a discriminação; c) nexo lógico entre o objetivo perseguido e a discriminação que permitirá alcançá-lo.”65

76. Na espécie, a situação que determinou a apresentação da proposta

objeto da Audiência Pública nº 006/2007 decorreu da circunstância de térmicas

chamadas a gerar por ordem de mérito de custo não terem acatado o comando do

ONS ao argumento de que não haveria gás natural.

77. Logo, caso se entenda que essa situação pode ser tomada como

elemento legitimador de uma proposta para geração de térmicas fora da ordem de

mérito, afigura-se inquestionável que essa proposta, para não se revelar ofensiva ao

princípio da isonomia e, por conseguinte, ao princípio da livre concorrência, deve

ter seu alcance restrito ao necessário para solucionar o problema verificado.

65 STF, Tribunal Pleno, ADI 3128/DF, Redator para o acórdão ministro Cezar Peluso, DJ de 18.2.2005.

De acordo com o magistério doutrinário de Celso Antônio Bandeira de Mello, “... o reconhecimento das diferenciações que não podem ser feitas sem quebra da isonomia se divide em três questões: A) A primeira diz com o elemento tomado como fator de desigualação; B) A segunda reporta-se à correlação lógica abstrata existente entre o fator erigido em critério de discrímen e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado; C) A terceira atina à consonância desta correlação lógica com os interesses absorvidos no sistema constitucional e destarte juridicizados.” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade . – 2ª ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984).

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78. Portanto, a proposta não pode consistir em uma regra geral

contempladora de toda e qualquer térmica, mas somente das térmicas existentes

movidas a gás natural. Deve a proposta, ainda, ter vigência por um período reputado

adequado para a solução do problema, ou seja, deve consistir em uma regra

transitória, excepcional.

79. Cumpre ter presente, ainda, que, consoante entendimento largamente

difundido na doutrina e na jurisprudência, a razoabilidade da diferenciação deve ser

aferida a partir do princípio da proporcionalidade. É o que observa o jusfilósofo

alemão Karl Larenz:

“... pode haver motivos encartados na estrutura da comunidade em questão ou atinentes à distribuição de funções dentro da comunidade que podem justificar ou fazer necessária uma parcial de desigualdade. Quanto estes motivos existem, o princípio da igualdade queda substituído pelo da proporcionalidade. Segundo este último princípio, a desigualdade não pode ir além do que a causa objetiva justifique. A diferenciação só pode se realizar no que concerne a essa causa e só de maneira que não ultrapasse a medida exigida por ela. Desse modo, no lugar da igualdade estrita se coloca uma igualdade relativizada pela proporcionalidade.”66

80. Ensina o Ministro Gilmar Mendes que o princípio da

proporcionalidade:

“pressupõe não só a legitimidade dos meios utilizados e dos fins perseguidos pelo legislador, mas também a adequação desses meios para consecução dos objetivos pretendidos e a necessidade de sua utilização. Um juízo definitivo sobre a proporcionalidade ou razoabilidade da medida há de resultar da rigorosa ponderação entre o significado da intervenção para o atingido e os objetivos perseguidos pelo legislador (proporcionalidade ou razoabilidade em sentido estrito)”67.

66 LARENZ, Karl. Derecho justo: fundamentos de etica jurídica. Madrid: Civitas, 1985, p. 138. 67 MENDES, Gilmar Ferreira. Moreira Alves e o controle de constitucionalidade no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 83.

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81. Discorrendo sobre os pressupostos da adequação e da necessidade de

que se devem revestir os atos estatais, o Ministro Gilmar Mendes assinala que:

“O pressuposto da adequação exige que as medidas interventivas adotadas mostrem-se aptas a atingir os objetivos pretendidos. O requisito da necessidade ou da exigibilidade significa que nenhum meio menos gravoso para o indivíduo revelar-se-ia igualmente eficaz na consecução dos objetivos pretendidos. Assim, apenas o que é adequado pode ser necessário, mas o que é necessário não pode ser inadequado.”68

82. Com efeito, além de ser apta a solucionar o problema verificado, a

proposta a ser adotada deve corresponder ao meio menos gravoso par a todos os que

sofrem a repercussão da disciplina a ser editada.

II.5.3. A metodologia proposta pela CCEE e o direito do agente de geração à

percepção do valor econômico da energia produzida

83. Ainda quanto à proposta objeto da Audiência Pública nº 006/2007,

vale discorrer sobre a forma como a metodologia proposta pela CCEE repercute

sobre o direito de as usinas hidrelétricas integrantes do MRE receberem pela

energia que geram.

84. Na chamada fase de “Ida” da metodologia proposta pela CCEE,

atribui-se às participantes do MRE a energia gerada fora da ordem de mérito de

custo pela térmica, de maneira que (i) aumenta o montante de energia a ser vendido

pela hidrelétrica a PLD, caso sua energia alocada seja superior à comprometida com

contratos, ou (ii) diminui sua exposição ao pagamento de PLD, caso a energia

alocada seja inferior à comprometida com contratos.

85. Assim, para o efeito de identificar o total de energia transacionada

pelas hidrelétricas do MRE no mercado de curto prazo, acresce-se à energia alocada

de cada qual uma energia que não foi gerada pelas integrantes do MRE.

68 Idem.

JULIÃO COELHO – ADVOGADO

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86. Ocorre que, na fase de “Volta”, em que a usina térmica usa o seu saldo

para não gerar quando ordenada a tanto, as hidrelétricas do MRE geram no lugar da

térmica e, embora recebam PLD por essa geração, têm de “devolver” o valor

representativo do custo variável da usina térmica – CVU –, apropriando-se apenas

da diferença entre o PLD e o CVU. Há, nessa fase de volta, o que a CCEE

denomina de “compartilhamento financeiro dos benefícios da compensação”.

87. Consoante já destacado, a legislação prevê que os agentes de geração

podem vender a energia que produzem – ou que lhes é alocada. A venda é feita

mediante contratos bilaterais celebrados no ACL, mediante CCEAR ou no mercado

de curto prazo.

88. Na dicção do § 5º do artigo 1º da Lei nº 10.848/04, “nos processos de

definição de preços e de contabilização e liquidação das operações realizadas no

mercado de curto prazo, serão considerados intervalos de tempo e escalas de

preços previamente estabelecidos que deverão refletir as variações do valor

econômico da energia elétrica”.

89. A consideração de intervalos de tempo e escalas de preços

previamente estabelecidos tem por escopo fazer com que o PLD reflita as variações

do valor econômico da energia elétrica. Constata-se, assim, que o PLD deve refletir

o valor econômico da energia elétrica naquele exato momento em que ela é

comercializada.

90. Logo, se um agente de geração produz energia e recebe PLD por essa

produção, a quantia de que se apropria o gerador como contrapartida por ter gerado

deve, a teor do disposto no § 5º do artigo 1º da Lei nº 10.8484/04, refletir o valor

econômico da energia elétrica no momento em que ela é comercializada.

JULIÃO COELHO – ADVOGADO

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91. Com efeito, qualquer medida infralegal que impeça o agente de

geração de se apropriar do PLD viola o § 5º do artigo 2º da Lei nº 10.848/04, pois

impede que o agente de geração perceba o valor econômico da energia por ele

produzida.

92. Não há como perder de vista que o artigo 4º, § 7º, da Lei nº 10.848/04

considera “disponíveis os direitos relativos a créditos e débitos decorrentes das

operações realizadas no âmbito da CCEE”, ou seja, o agente de geração pode

renunciar ao PLD a que faz jus. No entanto, o agente de geração não pode ser

compelido a renunciar a seu direito de se apropriar do PLD pela energia gerada.

93. Verifica-se, portanto, que a metodologia proposta pela CCEE, ao

compelir os integrantes do MRE a compartilharem a quantia – PLD – representativa

do valor econômico da energia que geraram, afronta (i) o direito de propriedade do

agente de geração sobre a energia por ele produzida e (ii) o § 5º do artigo 2º da Lei

nº 10.848/04, o qual assegura que pela comercialização no mercado de curto prazo o

agente perceberá quantia correspondente ao valor econômico da energia.

II.5.4. A viabilidade jurídica da proposta de geração térmica fora da ordem de

mérito de custo econômico

94. Afigura-se seguro afirmar, portanto, que a viabilidade jurídica da

proposta submetida à Audiência Pública nº 006/2007 pressupõe:

(i) que as integrantes do MRE concordem com a cessão gratuita de

seus reservatórios ou que seja prevista, em favor delas, remuneração pelo

armazenamento, em seus reservatórios, do volume de água correspondente à energia

gerada fora da ordem de mérito;

JULIÃO COELHO – ADVOGADO

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(ii) que seu alcance esteja restrito ao necessário e seja o meio menos

gravoso para solucionar o problema identificado – indisponibilidade de térmicas em

razão da falta de gás natural; e

(iii) que as integrantes do MRE concordem com o “compartilhamento

financeiro dos benefícios da compensação”.

III. CONCLUSÃO

95. Ao cabo de todo o exposto, alcançam-se as seguintes conclusões:

(i) dispositivos constitucionais e legais revelam a propriedade do

agente de geração sobre a energia por ele produzida ou, ao menos, revelam o seu

direito de ser remunerado pela energia que produz;

(ii) no ACR, os agentes de geração vendem energia aos agentes de

distribuição mediante os CCEAR’s;

(iii) no ACL, os agentes de geração vendem energia a outros geradores,

a agentes comercializadores, a consumidores livres e a consumidores especiais,

mediante contratos bilaterais, em que o preço da energia é livremente negociado

entre os contratantes;

(iv) pela energia vendida no mercado de curto prazo, o agente gerador

recebe o valor correspondente ao PLD;

(v) há um descolamento entre a operação comercial e a operação física

das usinas hidrelétricas e térmicas no âmbito do SIN, porquanto o despacho é

centralizado, de maneira que os proprietários das usinas não têm controle sobre sua

produção;

JULIÃO COELHO – ADVOGADO

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(vi) o total da produção de energia das usinas integrantes do MRE é

alocado a cada qual das usinas na proporção da respectiva energia assegurada;

(vii) para identificação do montante de energia transacionado no

mercado de curto prazo por uma usina participante do MRE, toma-se a diferença

entre a sua energia gerada ou alocada e os montantes comprometidos com seus

contratos de venda de energia, de maneira que, caso a energia gerada ou alocada

seja superior à energia vendida em contratos, a diferença representa o montante de

energia vendida a PLD no mercado de curto prazo, ao passo que, na hipótese

inversa, em que a energia gerada ou alocada seja inferior à vendida em contratos, a

diferença representa o montante de energia comprada a PLDno mercado de curto

prazo;

(viii) de acordo com a sistemática proposta pelo ONS, a energia

gerada por uma térmica fora da ordem de mérito de custo econômico seria revertida

em armazenamento em reservatórios do subsistema em que a usina térmica estiver

instalada;

(ix) a proposta da CCEE é marcada pela fase de “Ida” – em que a

térmica gera no lugar das integrantes do MRE como se fosse uma delas, razão pela

qual se lhe atribui a TEO, que é dividida entre as integrantes do MRE – e pela fase

de “Volta” – em que as integrantes do MRE geram no lugar da térmica e recebem

PLD, mas apropriam-se apenas da diferença entre o PLD e o preço declarado da

térmica, a quem deve ser devolvida, a título de ressarcimento, a receita

correspondente ao seu custo de geração fora da ordem de mérito;

(x) compelir os proprietários das usinas hidrelétricas a suportarem o

uso gratuito de seus reservatórios implicaria enriquecimento sem causa das usinas

térmicas, as quais seriam beneficiadas sem o respectivo desembolso pelo uso de que

se valeriam com o fim de constituir o saldo a que recorreriam para não ter de

despachar quando ordenadas a tanto;

JULIÃO COELHO – ADVOGADO

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(xi) para não se revelar ofensiva ao princípio da isonomia e, por

conseguinte, ao princípio da livre concorrência, a proposta objeto de Audiência

Pública deve ter seu alcance restrito ao necessário para solucionar os problemas

verificados;

(xii) a metodologia proposta pela CCEE, ao compelir os integrantes do

MRE a compartilharem a quantia – PLD – representativa do valor econômico da

energia que geraram, afronta o direito de propriedade do agente de geração sobre a

energia por ele produzida e o § 5º do artigo 2º da Lei nº 10.848/04, o qual assegura

que, pela comercialização no mercado de curto prazo, o agente perceberá quantia

correspondente ao valor econômico da energia; e

(xiii) a viabilidade jurídica da proposta submetida à Audiência Pública

nº 006/2007 pressupõe (a) que as integrantes do MRE concordem com a cessão

gratuita de seus reservatórios ou que seja prevista remuneração pela cessão, (b) que

seu alcance esteja restrito ao necessário e seja o meio menos gravoso para

solucionar o problema identificado e (c) que as integrantes do MRE concordem com

o “compartilhamento financeiro dos benefícios da compensação”.

É o parecer, s.m.j.

Brasília, 26 de abril de 2007.

Julião Silveira Coelho

OAB/DF nº 17.202