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Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro Biomdico Faculdade de Enfermagem

Juliana Faria Campos

Trabalho em terapia intensiva: avaliao dos riscos para a sade do enfermeiro

Rio de Janeiro 2008

Juliana Faria Campos

Trabalho em terapia intensiva: avaliao dos riscos para a sade do enfermeiro

Dissertao apresentada, como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre, ao Programa de Ps-Graduao em Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. rea de Concentrao: Enfermagem, Sade e Sociedade.

Orientadora: Profa. Dra. Helena Maria Scherlowski Leal David

Rio de Janeiro 2008

CATALOGAO NA FONTE UERJ/REDE SIRIUS/CBB C198 Campos, Juliana Faria. Trabalho em terapia intensiva : avaliao dos riscos para a sade do enfermeiro / Juliana Faria Campos. - 2008. 121 f. Orientador: Helena Maria Scherlowski Leal David. Dissertao (mestrado) Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Faculdade de Enfermagem. 1. Enfermagem do trabalho. 2. Sade e trabalho Fatores de risco. 3. Segurana do trabalho. 4. Enfermagem de tratamento intensivo Aspectos sociais. I. David, Helena Maria Scherlowski Leal. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Faculdade de Enfermagem. III. Ttulo. CDU 614.253.5

Autorizo, apenas para fins acadmicos e cientficos, a reproduo total ou parcial desta dissertao. ___________________________________ Assinatura _______________________ Data

Juliana Faria Campos

Trabalho em terapia intensiva: avaliao dos riscos para a sade do enfermeiro

Dissertao apresentada, como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre, ao Programa de Ps-Graduao em Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. rea de Concentrao: Enfermagem, Sade e Sociedade.

Aprovada em 12 de dezembro de 2008. Banca examinadora: __________________________________________________ Profa. Dra. Helena Maria Scherlowski Leal David (Orientadora) Faculdade de Enfermagem da UERJ __________________________________________________ Profa. Dra. Mrcia Guimares de Mello Alves Instituto de Sade da Comunidade da UFF __________________________________________________ Profa. Dra. Lolita Dopico da Silva Faculdade de Enfermagem da UERJ

Rio de Janeiro 2008

DEDICATRIA

Aos meus pais, Sandra e Marcos, pelo exemplo e apoio incondicional nesta dura caminhada. Meu respeito e amor so eternos. Fernanda, minha irm, parceira e guerreira.

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Sandra Regina Faria Campos e Marcos Borges Campos, pela vida. minha irm, Fernanda, pelo carinho e apoio. Ao querido Julio, pela compreenso. s minhas mais que amigas, Carla Vianna e Ieda Pontes, pela lealdade. toda minha famlia, mesmo distante, pela fora. Aos trabalhadores do hospital pesquisado, pela disposio. todos os amigos e colegas de trabalho, pela torcida. Aos Wandos, por tornar tudo mais fcil e divertido. minha orientadora, Helena David, pela oportunidade, pelos ensinamentos e pacincia. Deus, por tudo e por todos.

melhor tentar e falhar que se ocupar em ver a vida passar. melhor tentar, ainda que em vo, que nada fazer. Eu prefiro caminhar na chuva a, em dias tristes, esconder-me em casa. Prefiro ser feliz, embora louco, a viver em conformidade.

Martin Luther King Jr

RESUMO

CAMPOS, Juliana Faria. Trabalho em terapia intensiva: avaliao dos riscos para a sade do enfermeiro. 2008. 121 f. Dissertao (Mestrado em Enfermagem) Faculdade de Enfermagem, Universidade do estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008. Estudo cujo objetivo foi mensurar e avaliar os riscos de adoecimento relacionados ao trabalho do enfermeiro de UTI a partir do Inventrio sobre Trabalho e Riscos de Adoecimento (ITRA). Pesquisa quantitativa realizada com 44 enfermeiros atuantes em Unidade de Terapia Intensiva de um hospital particular da cidade do Rio de Janeiro. Para a coleta de dados foram aplicados um questionrio scio demogrfico e o ITRA, composto por 4 escalas do tipo Likert. A anlise dos dados foi realizada por meio de estatstica descritiva e inferencial. A consistncia interna do instrumento foi medida atravs do Alpha de Cronbach. A discusso dos dados teve como base os referenciais da psicodinmica do trabalho. Com a Escala de Avaliao do Contexto de Trabalho (EACT) verificou-se uma avaliao grave para o fator Organizao do trabalho, moderada para o fator Relaes profissionais obteve e satisfatria para Condies de trabalho. Para a Escala de Custo Humano no trabalho (ECHT) observaram-se apreciaes graves para os fatores Custo cognitivo e fsico, no entanto, o fator Custo emocional contribuiu moderadamente para o adoecimento profissional. Os fatores que analisam o prazer da Escala de indicadores de prazer e sofrimento no trabalho (EIPST), Liberdade de expresso e Realizao profissional, foram avaliados de modo satisfatrio e moderado, respectivamente. J aqueles que avaliaram o sofrimento, Esgotamento profissional e Falta de reconhecimento, obtiveram apreciao moderada e satisfatria, respectivamente. Na ltima escala, EDRT (escala de Danos relacionados ao trabalho), todos os fatores obtiveram avaliao moderada, ainda assim indicando risco de adoecimento profissional. Verificou-se com esta primeira aplicao, que o ITRA um instrumento internamente consistente para a populao estudada. Este estudo contribui para uma melhor compreenso da subjetividade impressa no trabalho de enfermagem que nos remete urgncia de elaborao de medidas de segurana e sade no trabalho que contemplem no somente as questes fsicas e ergonmicas. Palavras-chave: Enfermagem do trabalho. Sade do trabalhador.

ABSTRACT

The objective of this research was to measure and evaluate disease risks related to work of Intensive Care Unit (ICU) nurses, based on Inventrio sobre Trabalho e Riscos de Adoecimento (ITRA). work psychodinamics theory. It is a quantitative study accomplished with 44 nurses in a private sector hospital's ICU of the city of Rio de Janeiro. To collect data it was used a demographic questionnaire and ITRA), composed by 4 scales, Likert type. The analysis was accomplished through descriptive and inferential statistics. The internal consistence was evaluated by Cronbach's Alpha. Using the Scale of Evaluation of the Context of Work (EACT) a severe evaluation was verified for Organization of the work, moderate for Professional Relationships and satisfactory for Work Conditions. Human Cost in Work Scale (ECHT) revealed severe evaluation were observed for all cognitive and physical factors, however, emotional factor contributed moderately to the professional sickness. Factors that analyze pleasure from Pleasure and Suffering scale in Work (EIPST), Freedom of Expression and Professional Accomplishment Scales revealed satisfactory and moderately severe results, respectively. Those items that evaluated suffering, professional Exhaustion and Lack of recognition obtained moderate and satisfactory appreciation, respectively. In the last scale, EDRT (Damages Related to Work Scale), all factors obtained moderate evaluation, nevertheless indicating risk of occupational sickness. This study contributes to a better understanding of subjectivity printed in nursing work, and indicates the urgency of elaboration of measures of safety and health on work that contemplate not only physical and ergonomic issues. Keywords: Nursing work. Occupational health.

LISTA DE ILUSTRAES

Grfico 1 Grfico 2 Quadro 1-

Composio por carga horria diria de trabalho.................................. Composio por rendimento salarial..................................................... Escala de avaliao do contexto de trabalho (EACT). Itens e dados da validao por Mendes, 2007.............................................................

37 38 43 45 47 49 53

Quadro 2 - Escala de custo humano do trabalho (ECHT). Itens e dados da validao por Mendes, 2007.................................................................. Quadro 3 - Escala de indicadores de prazer e sofrimento no trabalho (EIPST). Itens e dados da validao por Mendes, 2007...................................... Quadro 4 - Escala de Avaliao dos Danos relacionados ao Trabalho (EADRT). Itens e dados da validao por Mendes, 2007...................................... Quadro 5 - Resumo informativo sobre o ITRA, suas escalas, fatores e itens com maiores mdias para os enfermeiros intensivistas................................

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Tabela 2 Tabela 3 Tabela 4 Tabela 5 Tabela 6 Tabela 7 Tabela 8 Tabela 9 Tabela 10 Tabela 11 Tabela 12 Tabela 13 Tabela 14 Tabela 15 Tabela 16 Tabela 17 -

Distribuio das freqncias relativas s caractersticas scio demogrficas dos enfermeiros intensivistas............................... Composio por idade................................................................ Distribuio das freqncias relativas ao perfil profissional dos enfermeiros intensivistas............................................................. Composio por tempo de formado............................................ Composio por tempo de trabalho em terapia intensiva........... Composio por tempo de trabalho na instituio...................... Composio por carga horria semanal de trabalho.................. Estatstica descritiva referente aos fatores da EACT.................. Distribuio de freqncias relativas e mdias dos itens do fator Organizao do trabalho da EACT..................................... Distribuio de freqncias relativas e mdias dos itens do fator Relaes scio-profissionais da EACT............................... Distribuio de freqncias relativas e mdias dos itens do fator Condies de trabalho da EACT......................................... Estatstica descritiva referente aos fatores da ECHT.................. Distribuio de freqncias relativas e mdias dos itens do fator Custo emocional da ECHT.................................................. Distribuio de freqncias relativas e mdias dos itens do fator Custo cognitivo da ECHT.................................................... Distribuio de freqncias relativas e mdias dos itens do fator Custo fsico da ECHT.......................................................... Estatstica descritiva referente aos fatores da EIPST................. Distribuio de freqncias relativas e mdias dos itens do fator Liberdade de expresso da EIPST..................................... 78 73 76 70 68 64 67 61 56 35 35 36 36 37 54 33 34

Tabela 18 Tabela 19 Tabela 20 Tabela 21 Tabela 22 Tabela 23 Tabela 24 -

Distribuio de freqncias relativas e mdias dos itens do fator Realizao profissional da EIPST ...................................... Distribuio de freqncias relativas e mdias dos itens do fator Esgotamento profissional da EIPST................................... Distribuio de freqncias relativas e mdias dos itens do fator Falta de reconhecimento da EIPST.................................... Estatstica descritiva referente aos fatores da EADRT............... Distribuio de freqncias relativas e mdias dos itens do fator Danos fsicos da EADRT.................................................... Distribuio de freqncias relativas e mdias dos itens do fator Danos sociais da EADRT.................................................... Distribuio de freqncias relativas e mdias dos itens do fator Danos sociais da EADRT.................................................... 99 98 94 88 93 83 80

SUMRIO

INTRODUO................................................................................................... 1 1.1 1.2 1.3 2 2.1 2.2 2.3 2.4 REVISO DE LITERATURA............................................................................. Trabalho: histrico, organizao e significados.......................................... Enfermagem e o trabalho: uma relao de tenses..................................... Psicodinmica do trabalho: uma abordagem pela sade do trabalhador. MATERIAL E MTODO.................................................................................... Delineamento do estudo................................................................................. Populao, amostra e amostragem............................................................... Local.................................................................................................................. Instrumento de coleta de dados.....................................................................

13 18 18 23 26 31 31 31 38 40 40 41 49 50 51 53 54 54 67 75 93 106 114 115 116 121

2.4.1 Caracterizao scio demogrfica.................................................................... 2.4.2 Inventrio sobre o trabalho e riscos de adoecimento (ITRA)............................ 2.5 2.6 2.7 3 3.1 Procedimentos ticos...................................................................................... Estratgias para coleta de dados................................................................... Tratamento e anlise dos dados.................................................................... RESULTADOS E DISCUSSO........................................................................ Avaliao dos riscos de adoecimento relacionados ao trabalho...............

3.1.1 O contexto de trabalho dos enfermeiros intensivistas....................................... 3.1.2 O custo humano do trabalho............................................................................. 3.1.3 Prazer e sofrimento no trabalho........................................................................ 3.1.4 Danos relacionados ao trabalho........................................................................ 4

CONCLUSES.................................................................................................. 103 REFERNCIAS................................................................................................. APNDICE A - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido......................... APNDICE B - Pedido de autorizao institucional.......................................... ANEXO A - Questionrio Scio cultural......................................................... ANEXO C - Carta de aprovao do Comit de tica em Pesquisa..................

ANEXOS B - Inventrio sobre o trabalho e riscos de adoecimentos (ITRA)..... 117

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INTRODUO

O mundo do trabalho hoje marcado por transformaes como a globalizao e a insero de novas tecnologias e modelos de gesto. A isso se soma a reestruturao produtiva, processo iniciado nos anos 70 com o intuito de enfrentar a crise e criar novas formas de acumulao capitalista (ANTUNES, 1999). A reestruturao produtiva promoveu modificaes na natureza, contedo e significado do trabalho (CATTANI, 2002). Schimtd (2003) corrobora com essa idia afirmando que a modernizao tecnolgica e a reorganizao das estruturas permitiram mudanas bruscas no processo e organizao do trabalho caracterizadas por: ritmo de trabalho intenso, carga horria excessiva, padronizao e robotizao das tarefas, controle rigoroso das atividades, presso das chefias, necessidades de profissionais polivalentes, precariedade das relaes de trabalho, entre outras. Deve-se considerar que essas mudanas se deram no contexto de uma organizao marcada pelo taylorismo que persistiu com modificaes, mas ainda garantindo o controle sobre o trabalhador (ANTUNES, 2000). O trabalho passou a ocupar um lugar central na vida do homem na sociedade contempornea. Para Moreno (1991) o trabalho deve ser visto como parte inseparvel da vida humana, sendo talvez o principal meio para o homem adquirir sua identidade pessoal. Segundo Dejours (1992), o trabalho faz mais que gerar bens e servios. Ele determina valores culturais, sociais, religiosos, de qualidade de vida, entre outros. Com base na importncia do trabalho para o homem e considerando todas as transformaes que vem sofrendo, entende-se que esse pode repercutir de maneiras positivas ou negativas para o trabalhador. A organizao do trabalho, quando propicia o desenvolvimento do indivduo e do grupo, possibilita a criatividade e experimentao pode ser geradora de prazer. Ao contrrio, se imprime a inflexibilidade e a rigidez nas tarefas e relaes, pode favorecer o aparecimento do sofrimento, descompensaes psquicas, acidentes de trabalho, adoecimento e at mesmo mortes relacionadas ao trabalho (DEJOURS, 1999).

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O campo da sade do trabalhador deve, ento, adotar novas abordagens para dar conta das complexidades dos atuais contextos de trabalho que se apresentam sob novas formas de gesto e implicam em riscos e custos para o trabalhador. Com base nas relaes existentes entre contexto de trabalho e sade do trabalhador, observa-se uma mudana no padro de morbidade dos trabalhadores brasileiros. Isosaki (2003) identificou que, no Estado de So Paulo, nos anos 60, as doenas profissionais estavam relacionadas a dermatoses, saturnismos e intoxicaes. Na dcada de 70, por sua vez, as hipoacusias tiveram sua importncia. Nos anos 80 as leses por esforos repetitivos (LER) apareceram e permaneceram como a principal causa de adoecimento profissional nos anos 90 e 2000. No entanto, mais recentemente, as asmas ocupacionais e os transtornos mentais vm ganhando destaque no estudo da sade do trabalhador, visto que suas atuais prevalncias refletem a importncia que essas tero nas prximas dcadas. Gelbeck (1991) afirma que a enfermagem, enquanto fora de trabalho, explorada como qualquer outro componente da classe trabalhadora e tambm reflete as transformaes ocorridas na gesto do trabalho. A necessidade de fragmentao do trabalho da enfermagem para melhorar a organizao e a produtividade o caracterizou como mercadoria a ser comprada de acordo com a demanda da funo (BORSOI; CODO, 1995). Alm disso, as atuais discusses sobre o processo de trabalho vm focalizando a organizao do trabalho como capaz de influenciar de modo bastante especfico os trabalhadores de enfermagem. Jornadas de trabalho, remunerao, autonomia e relaes scio profissionais so exemplos de dimenses organizacionais do trabalho que afetam a sade desses profissionais. Muitos estudos sobre a sade dos profissionais de enfermagem foram desenvolvidos at hoje. Limitam-se, em sua maioria, a descrever a simples ocorrncia de doenas e riscos ocupacionais aos quais esto expostos esses trabalhadores (FELLI, 2002). Considera-se que esses estudos permitem uma viso parcial e dicotomizada da realidade, uma vez que no investigam os determinantes das morbidades que esto relacionadas ao processo de trabalho e se limitam a intervenes pontuais, no a origem real do problema.

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Atualmente, no Brasil, os trabalhadores de enfermagem constituem a maior categoria da fora de trabalho em sade (cerca de 35%), com cerca de 3 milhes de inscritos nos Conselhos Regionais de Enfermagem do Pas em 2005. A maior parte dos profissionais est trabalhando em hospitais (COFEN, 2006). Apesar do elevado quantitativo de profissionais, no existem dados estatsticos claros sobre os problemas de sade que acometem os trabalhadores de enfermagem. O Anurio Estatstico de Acidentes do Trabalho (AEAT) no nos permite avaliar os acidentes ocorridos especificamente com os profissionais de enfermagem, uma vez que esses so classificados segundo a Classificao Nacional de Atividades Econmicas (CNAE), ou seja, integram a categoria geral de profissionais de sade. Considerando a presena majoritria dos trabalhadores de enfermagem na fora de trabalho em sade, acredita-se que os dados referentes aos acometimentos sade dos trabalhadores da rea de sade obtidos pelo AEAT refletem de modo expressivo a situao da categoria de enfermagem. Os dados informam uma incidncia de total de doena de 3,08%; incidncia de acidentes de trabalho de 66,1%; incidncia de incapacidade de 46,45%; taxa de mortalidade de 9,87% e taxa de letalidade de 7,58% (BRASIL, 2004). Esses dados, contudo, no refletem a realidade, j que dependem da notificao de agravos por meio da emisso da CAT (Comunicao de acidentes de trabalho). Diante desse contexto, o estudo da sade do trabalhador de enfermagem despertou o meu interesse com o intuito de melhor compreender a problemtica que envolve o processo sade-doena desses profissionais. Neste estudo temos como foco o profissional enfermeiro atuante em unidades de terapia intensiva (UTI), ambiente no qual atuo h alguns anos. A prtica de enfermagem em UTI representa um segmento especializado da assistncia de enfermagem dadas as peculiaridades da estrutura fsica do setor e a dinmica do processo de cuidar, altamente instrumentalizado, racionalizado e tecnolgico. Dentre as caractersticas desse trabalho, temos: a incorporao de funes cada vez mais tcnicas e especializadas; a imprevisibilidade do servio com conseqente necessidade de rpida tomada de decises; eleio de prioridades e criatividade; a exigncia de competncias e habilidades que contemplem a dinmica da

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unidade e a sofisticao das estruturas e prticas. Tais fatores podem gerar uma dissoluo dos processos humansticos e psicossociais da assistncia que afetam, em diversas propores, o cuidador e o ser cuidado (LINO, 1999). As condies materiais e os ambientes de trabalho, como o acesso a recursos para o desenvolvimento adequado das atividades, iluminao, ventilao, cargas de trabalho, exposio a condies insalubres, posies de trabalho incmodas, entre outras, tambm foram constatadas por mim como queixas freqentes pelos enfermeiros, sendo muitas vezes motivo de afastamento do trabalho. No entanto, os determinantes dessas doenas e agravos s comeam a ser investigados e conhecidos muito recentemente e persiste uma realidade a ser desvelada, considerando-se que a perspectiva da sade do trabalhador inclui ainda a dimenso da subjetividade no processo sade-doena (BATISTA et al., 2005). Assim, a organizao do trabalho se reconfigura em bases que podem desencadear processos que afetam o trabalhador, em especial no que se refere sua capacidade cognitiva, emocional e fsica. O trabalho de enfermagem em UTI tambm encontra-se inserido nessa perspectiva. Questiona-se, ento: quais so, no trabalho de enfermagem em UTI, os elementos que apontam para riscos sade dos trabalhadores enfermeiros? Para que essa questo seja respondida tomou-se como base uma abordagem da psicodinmica do trabalho, por meio da utilizao de uma escala psicomtrica que analisa o impacto da organizao, das condies de trabalho, das relaes scioprofissionais e os custos humanos do trabalho sobre a sade do trabalhador, alm de avaliar as vivncias de prazer e sofrimento proporcionadas pela realizao das atividades e os danos sade relacionados ao trabalho. Adotam-se, ento, como objeto de estudo, os riscos de adoecer pelo trabalho do enfermeiro de UTI. So objetivos deste estudo: Geral: mensurar e avaliar os riscos de adoecimento relacionados ao trabalho do enfermeiro de UTI a partir do Inventrio sobre Trabalho e Riscos de Adoecimento (ITRA). Especficos:

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- analisar o contexto de trabalho na perspectiva da sade do trabalhador e no processo sade-doena; - avaliar as exigncias fsicas, cognitivas e afetivas requeridas dos enfermeiros que atuam em UTI; - analisar os indicadores de prazer e sofrimento no trabalho em UTI; - avaliar os danos fsicos e psicossociais que o trabalho traz sade dos enfermeiros de UTI. O primeiro captulo traz uma reflexo sobre o trabalho, apresentando um panorama histrico do seu significado e importncia desde a Antiguidade at a atualidade, que reflete sobre seus principais modelos de organizao e suas implicaes no modo do trabalhador vivenci-lo. A seguir, apresenta-se um histrico sobre a configurao do trabalho da enfermagem e sua conformao na contemporaneidade, refletindo suas repercusses sobre o processo de sade e adoecimento do profissional. Tambm caracterizado o ambiente hospitalar e de terapia intensiva, foco deste trabalho. Ainda no primeiro captulo apresentam-se as perspectivas tericas do modelo da Psicodinmica do trabalho, abordagem utilizada no estudo e no seu desenvolvimento referente s questes de contexto de trabalho, custos e danos relacionados ao trabalho e vivncias de prazer-sofrimento. A metodologia utilizada para o estudo est descrita no segundo captulo. Apresentam-se a populao, o local, os instrumentos utilizados e o modo como foi realizada a coleta e anlise dos dados. No terceiro captulo apresentam-se os dados e discusso referentes aplicao do instrumento ITRA (Inventrio sobre trabalho e riscos de adoecimento). Esse captulo subdividido de acordo com a apresentao dos resultados de cada escala: Escala de avaliao do contexto de trabalho (EACT), Escala de custo humano no trabalho (ECHT), Escala de indicadores de prazer e sofrimento no trabalho (EIPST) e Escala de avaliao dos danos relacionados ao trabalho (EADRT). Por fim, no quarto captulo so tecidas concluses finais, apresentando o resumo dos resultados encontrados, bem como as limitaes e contribuies do estudo.

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1 REVISO DE LITERATURA

1.1 Trabalho: histrico, organizao e significados

O trabalho um definidor do ser humano. Permite sua realizao pessoal, sua insero no mundo e a construo de sua identidade. Para Freud (1930), o trabalho um dos caminhos para a confirmao da existncia humana. De acordo com Marx (1982), o trabalho diferencia o homem de outros animais, pois planeja a tarefa e prev o resultado. Ao atuar sobre o mundo externo, modifica-o e altera sua prpria natureza. Albornoz (1986) refere que o significado atribudo ao trabalho depende da cultura, sociedade e rea de conhecimento. Pode ter como sinnimos: atividade, identidade, criao e realizao. Blanch (1996) afirma que a noo de trabalho de longa data, sendo que sua trama e autores modificaram-se ao longo do tempo e dos espaos socioculturais, impondo-lhe sentido, significado, valor e funes distintas. Apresenta-se, aqui, um breve histrico do trabalho para melhor compreenso do seu significado e importncia para o homem. Inicialmente, na Grcia Antiga, o trabalho era sinnimo de algo vergonhoso. A palavra trabalho vem do latim tripalium que significa tortura (ARENDT; 1987). Na sociedade feudal (493 - 1512 dC) o trabalho no se distanciou da Antiguidade, visto que suas principais caractersticas foram: economia rural e de subsistncia, poltica descentralizada, relao de servido entre servos e nobres, cultura teocntrica e alta religiosidade (CARMO, 1992; GUARESCHI; GRISCI, 1993). Segundo esses autores, o trabalho no propiciava satisfao aos trabalhadores, era realizado para atender aos objetivos da Igreja. O sentido do trabalho estava relacionado aos valores religiosos da poca, era visto como uma ocupao para livrar o indivduo das possveis tentaes. O trabalho era considerado uma punio para o pecado e, a partir dele, era possvel a purificao do corpo e alma (ALBORNOZ, 1986).

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Antunes (2000) afirma que o trabalho realizado como meio de subsistncia pode ser chamado de mediaes de primeira ordem, ou seja, aquele que tem como finalidade preservar as funes vitais de reproduo individual e societal. Com a mudana do feudalismo para os ideais capitalistas, houve a transio para as mediaes de segunda ordem. Configura-se ento uma nova forma de controle social e organizao da sociedade. D-se, ento, o incio da Era Moderna, onde o trabalho passa a ser visto como estmulo para o desenvolvimento do homem, alm da possibilidade de se expressar. As mudanas no sentido do trabalho esto relacionadas s perspectivas de acumulao e ampliao do mercado no modo capitalista de produo. H uma mudana do ambiente de trabalho, que antes era realizado no domiclio e passa, agora, a ser desenvolvido em locais centrais que facilitam a comercializao. Outra modificao trazida pelo contexto capitalista a venda da fora de trabalho dos indivduos em troca de salrios (ALBORNOZ, 1986). Inicialmente, a manufatura predominava como modo de produo capitalista, porm os trabalhadores detinham o savoir faire (saber fazer), gerenciavam o ritmo de trabalho, seu planejamento e execuo e acompanhavam os resultados. A manufatura criou bases que possibilitaram o desenvolvimento das indstrias, aperfeioando os instrumentos de trabalho (MERLO, 2000). O aumento da produo propiciado pelo sistema capitalista instiga o aparecimento de indstrias, que o cenrio das novas relaes de produo e onde o trabalhador submetido a uma nova ordem com ritmos e horrios preestabelecidos. A nova estrutura da Sociedade Moderna se configura pela explorao do trabalho operrio para gerao de capital (ANTUNES, 1999; CATTANI, 2002). Mediante a necessidade de acmulo de capital pela nova estrutura econmica vigente nessa poca, produziu-se um discurso extremamente favorvel ao trabalho. Antunes (2000) refere que esse novo modo de produo determina as mediaes de segunda ordem que determinam, por sua vez, uma hierarquia baseada em dominao e subordinao. H uma alienao do trabalhador que se separa dos meios de produo e passa a depender do capital para garantir sua sobrevivncia.

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O capitalismo, no sculo XIX, recebeu novo impulso com a Revoluo Industrial. A organizao do trabalho se transforma e torna-se mais sistemtica, obrigando o profissional a se adaptar a um novo ritmo: o da mquina. A mecanizao das indstrias permitiu o aumento da produtividade, do consumo e dos lucros (FREITAS, 2006). Para que esse processo de produo ocorresse de forma satisfatria foi necessrio pens-lo de modo cientfico. Surge, ento, Frederick W. Taylor, primeiro engenheiro a pensar em uma metodologia para trabalhar visando otimizar a produo para atingir o mximo de eficincia e explorando ao mximo os recursos de tempo (TAYLOR, 1990). Carmo (1992) refere que, a partir dos estudos de Taylor, trs princpios foram adotados para o desenvolvimento laboral: a separao da concepo e execuo das tarefas, intensa diviso do trabalho e controle de tempo e movimento. Esses princpios limitavam o trabalhador, que era sistematicamente treinado e aperfeioado, visando uma reproduo minuciosa dos micros movimentos, eliminando os movimentos inteis. No entanto, impedia-se o trabalhador de expressar qualquer tipo de criatividade no seu trabalho. A esse modo de organizar o trabalho deu-se o nome de Taylorismo, cuja caracterstica a racionalizao da produo com o intuito do aumento da produtividade e evitar o desperdcio de tempo. O Taylorismo tira a organizao do trabalho das mos do trabalhador, gerando dominao fsica, psquica e social. O trabalhador, assim, permanentemente controlado e vigiado em suas atividades. Outro modo de organizao de produo foi pensado por Henry Ford e levou ao maior crescimento da indstria automobilstica j conhecido. O Fordismo favoreceu a mecanizao do trabalho de forma mais acirrada, com maior padronizao do ritmo de trabalho e da mo-de-obra, diminuindo ainda mais a autonomia e iniciativa do trabalhador. Esse tipo de produo permitiu a gerao de produtos em massa e pouco diversificados (ANTUNES, 2000). O Fordismo foi fundamentado em transformaes. A primeira se configura na racionalizao das tarefas de modo a evitar desperdcios. O parcelamento das atividades, baseado nos ideais de Taylor, foi a segunda modificao proposta, gerando uma desqualificao do profissional. A terceira transformao foi a criao da linha de

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produo, caracterizada pela esteira rolante que, alm de interligar o trabalho, exigia uma cadncia de produo dirigida pela gerncia. Ford tambm padronizou as peas com o intuito de reduzir o trabalho do operrio a gestos simples. Por ltimo, o Fordismo implementou a automao nas indstrias, permitindo o aumento da produo com racionalizao e fluidez do trabalho (ANTUNES, 2000). Tanto o Fordismo como o Taylorismo favoreceram o acmulo e imprimiram na indstria capitalista vigente no sculo XX suas caractersticas. Contudo, a sujeio do trabalhador a essas formas de organizao de trabalho acarretaram em prejuzos sua sade. Esses modos de produo entram em crise em meados do sculo XX, quando ocorre uma reestruturao do capital com flexibilizao da mo-de-obra, desconcentrao do espao produtivo e o aumento da informatizao. O avano tecnolgico permitiu a insero da automao, robtica e a microeletrnica nas empresas (SENNETT, 1999). Nesse cenrio de transformao do mundo do trabalho surge o modelo de produo japons, mais conhecido como Toyotismo, marcado pela flexibilidade, ao contrrio da rigidez fordista. Esse novo sistema de produo traz como exigncia um trabalhador polivalente com o intuito de ampliar o consumo da clientela e a qualidade do produto oferecido (ANTUNES, 2000). As motivaes desse modelo de organizao do trabalho giram em torno do aumento da lucratividade e a possibilidade de maior competio no mercado. As empresas toyotistas valorizam as atividades centrais de produo e terceirizam as demais fases de produo e servios. iniciado, ento, o processo de terceirizao (GOUNET, 1999). Em decorrncia da informatizao, muito difundida nesse tipo de organizao do trabalho, vrias profisses deixam de existir e outras perdem seu contedo. Ocorre a perda, por parte dos profissionais, do controle do trabalho que passa a ser realizado pela mquina ou por quem as detm. O Toyotismo se apropria das atividades intelectuais do trabalhador, por exigir polivalncia e qualificao, possibilitando a intensificao do ritmo de trabalho, a diminuio do nmero de pessoal e a insero de novas tecnologias (mquinas

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informatizadas). Esse quadro propicia a sobrecarga e desgaste do profissional sem reconhecimento simblico ou matria (ANTUNES, 2000). Nesse processo de reestruturao produtiva, observa-se uma modificao da estrutura, significado, natureza e contedo do trabalho, aliado a descentralizao das relaes de trabalho e insegurana crescente (POCHMANN, 2000). Todos os modelos de organizao do trabalho mostrados aqui garantem e mantm o sistema econmico que tem como foco o acmulo de capital. Para isso exploram a mo-de-obra daqueles que no detm os meios de produo e necessitam vender sua fora de trabalho para sua sobrevivncia. Diante desses, fica claro que o trabalhador no sai imune a esse contexto de trabalho. De alguma forma, seja por estratgias defensivas ou mobilizaes coletivas, ele enfrenta o sofrimento gerado pela organizao na tentativa de no adoecer (DEJOURS, 1992). A idia de trabalho perpassa a finalidade exclusiva de sobrevivncia, sendo tambm unidade formadora de identidade, sociedade, atendendo a demanda de autorealizao (MARX, 1982; ALBORNOZ, 1986; DEJOURS, 1999; MENDES; PAZ; BARROS, 2003). Observa-se que o trabalho pode ser entendido, segundo Dejours (1999), como um territrio ambivalente, ou seja, pode ao mesmo tempo dar origem a processos de alienao e disfunes de ordem psquica, como ser fonte de prazer, sade e instrumento de emancipao. Essa idia afirmada por Silva (2004) quando diz que, ao permitir o livre funcionamento do aparelho psquico do indivduo o trabalho, pode ser gerador de prazer e gratificao. Essa liberdade possibilita o enfrentamento das cargas psquicas geradas pelo confronto dos desejos, valores, competncias individuais, interesses, ambies do trabalhador, ou seja, sua subjetividade com as exigncias do trabalho e imposies feitas pelo empregador. O trabalho, segundo o mesmo autor, torna-se local propcio de negociaes entre dominao e emancipao, real e prescrito, alienao e reapropriao. Ferreira e Mendes (2003) refletem que o trabalho tem como uma ltima finalidade a sobrevivncia fsica, psicolgica e social do trabalhador. As dimenses presentes no mundo do trabalho mostram-se estruturantes ou desestruturantes, visto

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que so agentes de insero e transformaes nos mbitos subjetivos e sociais referentes ao trabalhador.

1.2 Enfermagem e o trabalho: uma relao de tenses

Com as mudanas nas relaes de trabalho e com o advento do capitalismo, a sade tornou-se uma necessidade social com o intuito de manter os trabalhadores aptos a exercerem suas atividades. De acordo com Gomes et al. (1997), at meados do sculo XVII o conhecimento mdico era precrio, limitando-se a observar o doente e o curso natural da doena e a enfermagem, por sua vez, apenas realizava cuidados com a alma dos doentes. nesse contexto de reestruturao econmica que se observa na medicina o nascimento da epidemiologia e das primeiras aes de Sade Pblica (FACHINNI, 1994). Gonalves (1994) refere que o trabalho em sade nas sociedades capitalistas organizou-se em dois modelos com saberes e prticas distintas: o modelo clnico, que se fundamentava no atendimento individual, na demanda espontnea, observando as manifestaes orgnicas e o modelo epidemiolgico, que se baseava no conhecimento e na anlise das probabilidades de ocorrncia de doenas na populao de forma coletiva. No entanto, essas duas vertentes escolheram realizar suas prticas em locais distintos, sendo que a medicina clnica rumou para os hospitais. Com o surgimento dos hospitais no sculo XIX, houve a necessidade de que a enfermagem, que at ento agia de forma independente da medicina, fosse esses centros para prestar cuidado aos pacientes e atuar no restabelecimento dos indivduos. Dessa forma, a enfermagem atendia um projeto poltico-social da poca e garantia sua insero no processo de trabalho em sade, uma vez que os hospitais tornavam-se o centro de cura (GOMES et al., 1997). Com isso, a enfermagem, que era uma prtica independente, passou a ser subordinada prtica e ao saber mdico. Nessa forma de diviso tcnica e social do

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trabalho, cabe ao mdico o momento intelectual do trabalho e enfermagem a execuo da tarefa j pensada (ROCHA, 2003). A enfermagem, como profisso, insere-se no contexto de acumulao capitalista. Os trabalhadores oferecem sua fora de trabalho a ser objetivada e comprada de acordo com a demanda da funo. A formao do profissional de enfermagem est baseada na teoria de Taylor, na qual se exige do trabalhador uma dedicao extremada e onde seu trabalho encontra-se monitorado constantemente por supervisores, profissionais da equipe de sade, famlia e doentes (FIGUEIREDO; FRANCISCO; SILVA, 1996). A prtica de enfermagem em UTI representa um segmento especializado da assistncia de enfermagem visto as peculiaridades do ambiente e da dinmica de trabalho dessa rea. Esse setor tem por objetivo o tratamento e a monitorizao de pacientes com patologias graves e condies crticas de desequilbrio da sade. Para esse atendimento so necessrias concentraes de recursos materiais e humanos especializados em uma rea fsica delimitada. A prtica de uma assistncia altamente instrumentalizada e racionalizada exige dos profissionais atuantes nesses setores nveis elevados de conhecimento para acompanhar os avanos tecnolgicos e o progresso no diagnstico e teraputica. Alguns aspectos contribuem com o alto nvel de complexidade da prtica nesse setor: incerteza, instabilidade imediatismo, variabilidade e similaridade (MARK; HAGENMUELLER, 1994). Com os avanos da profissionalizao e qualificao docente-acadmica, a sade do trabalhador de enfermagem tem despertado maior interesse. Apesar de restritos, alguns estudos com abordagens variadas, tm sido realizados em busca de uma melhor compreenso do processo sade-doena dos trabalhadores dessa categoria. Felli (2002) refere que as primeiras dissertaes sobre o assunto incorporadas ao CEPEn Centro de Estudos e Pesquisas de Enfermagem foram feitos na dcada de 70 e 80. A mesma autora afirma ainda que aps a publicao da Portaria Ministerial n3214, que incluiu o enfermeiro na equipe de sade do Servio de Segurana e

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Medicina do Trabalho (SESMT), houve um aumento no nmero de publicaes sobre sade do trabalhador de enfermagem. No entanto, a maior parte desses estudos realizava uma abordagem positivista, ou seja, registrava a ocorrncia de doenas, explorava riscos ocupacionais e avaliava restritamente o ambiente (FELLI, 2002). Esse tipo de estudo permite uma viso parcial e dicotomizada da realidade, limitando as discusses e possveis intervenes. Alm dos estudos positivistas, Felli (2002) observou algumas pesquisas fundamentadas na determinao social, que buscavam a transformao da realidade em diferentes nveis e a identificao da exposio do trabalhador a cargas e processos de desgastes. O conceito de carga de trabalho desenvolvido por Laurell e Noriega (1989) definem essa categoria como a mediao entre o trabalho e o desgaste biopsquico do trabalhador. Para esses autores, no processo de trabalho que os elementos interagem entre si e com o corpo do trabalhador, gerando processos de adaptao que se convertem em desgastes. Os trabalhadores de enfermagem esto expostos a diversos tipos de cargas que podem ser agrupadas em: cargas fsicas (rudos, temperaturas extremas, radiaes e efeitos de eletricidade), carga qumica (gazes, vapores lquidos, medicamentos), cargas biolgicas (microorganismos patognicos), cargas mecnicas (leses por perfurocortantes, fraturas, luxaes), cargas fisiolgicas (esforo fsico, manipulao de peso, turnos de trabalho) e cargas psquicas (fadiga, estresse e tenso) (MARZIALE, 1995). Laurell e Noriega (1989) distinguem dois tipos de cargas de trabalho: as de materialidade externa, que interagem com o corpo do trabalhador, sofrem mudana de qualidade e adquirem materialidade interna; e as de materialidade interna ao corpo, que expressam transformaes nos processos internos do corpo. Silva (1996) refere que as cargas de materialidade externa s quais os trabalhadores de enfermagem esto expostos so: as cargas fsicas, qumicas, biolgicas e mecnicas. J as cargas de materialidade interna so: as fisiolgicas e psquicas. Afirma ainda que a exposio dos trabalhadores de enfermagem a essas cargas de trabalho determina processos de desgaste particulares desses trabalhadores.

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Mais recentemente o Ministrio do Trabalho veio demonstrar sua preocupao com a sade do trabalhador de sade atravs da criao da Norma Regulamentadora 32 (NR- 32). Essa teve como finalidade estabelecer as diretrizes bsicas para a implementao de medidas de proteo segurana e sade dos trabalhadores de estabelecimentos de sade (BRASIL, 2002). Apesar da importncia na criao desta NR, visto que inexiste legislao especfica para esse trabalhador, ela apresenta limitaes por ainda ter como foco a avaliao das repercusses do trabalho no mbito fsico, pouco considerando a sua influncia na psique do trabalhador.

1.3 Psicodinmica do trabalho: uma abordagem pela sade do trabalhador

A sade do trabalhador, frente s organizaes do trabalho a que est exposta, deve ser estudada sob uma tica interdisciplinar que permita compreender o trabalho como um espao de organizao da vida social em que os profissionais so sujeitos que pensam e agem sobre o trabalho, ainda que as relaes capitais o dificultem. Para isso, a psicodinmica do trabalho torna-se uma abordagem apropriada na tentativa de desvendar a dinmica das situaes de trabalho e os possveis agravos sade do trabalhador. A psicodinmica do trabalho uma abordagem cientfica proposta por Christophe Dejours, em 1990, na Frana. Inicialmente, foi desenvolvida com base nos referenciais tericos da psicopatologia, evoluindo, depois, para uma construo de objeto, princpios, conceitos e mtodos prprios (MENDES, 2007). A primeira fase do modelo desenvolvido por Dejours (1987) foi caracterizada pela preocupao que os sindicatos e instituies de sade tinham com as patologias mentais relacionadas ao trabalho no fim dos anos 60. Logo, as pesquisas dessa poca eram marcadas por uma grande preocupao com a organizao do trabalho, com base no modelo taylorista. O sofrimento foi entendido como medo, ansiedade e frustrao, sendo que o prazer no foi analisado (DEJOURS, 1992).

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As pesquisas desenvolvidas nessa primeira fase revelaram que os trabalhadores no apresentavam doena mental, mas sim comportamentos estranhos, paradoxais, especficos para cada profisso, que foram relacionados, ento, com as estratgias defensivas contra o sofrimento. Portanto, Dejours (1992) considera que no s as patologias deveriam ser estudadas, mas sim o estado de normalidade a que estavam expostos os trabalhadores e que os impediam de adoecer. Deve-se alertar que essa normalidade fruto de um equilbrio instvel entre o sofrimento psquico e as defesas utilizadas contra ele. O segundo momento dos estudos envolvendo a psicodinmica marcado pela incorporao da normalidade como objeto de estudo e o reconhecimento do trabalho como gerador no s de sofrimento, mas tambm de prazer, com direcionamento para a sade. Considera que a transformao do trabalho em um local prazeroso depende de uma organizao de trabalho que propicie uma maior liberdade ao profissional para modificar seu modo operatrio e usar sua criatividade e inteligncia na tentativa de vivenciar o prazer em suas aes (MENDES, 2007). Assim, a anlise do trabalho real como lugar de construo de identidade do trabalhador, o estudo da dinmica de reconhecimento, que possibilita ao sujeito a conquista da identidade no campo social e de seu papel frente s vivncias de prazer e sofrimento e a influncia das novas organizaes do trabalho na percepo dessas vivncias permanecem como foco central do estudo da psicodinmica (MENDES, 2007). A terceira fase, que teve incio no final da dcada de 90 at a atualidade, d nfase na maneira como os trabalhadores subjetivam as vivncias de prazer-sofrimento e o uso de estratgias defensivas. So tambm estudadas as patologias sociais (MENDES, 2007). A psicodinmica prope o estudo da inter-relao trabalho e sade a partir da anlise da dinmica inerente a determinados contextos de trabalho que constam de foras, visveis ou no, objetivas e subjetivas, psquicas, sociais, polticas e econmicas que podem influenciar esse contexto de maneiras distintas, transformando-os em lugar de sade e/ou de adoecimento (MENDES, 2007).

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Sznelwar e Uchida (2004) referem que o foco da psicodinmica consiste no estudo das relaes existentes entre a organizao do trabalho e os processos de subjetivao dos trabalhadores, que poderiam se manifestar em vivncias de prazer e sofrimento e afeces psicopatolgicas, como efeito resultante do confronto dos trabalhadores com os ideais da organizao do trabalho. Para Dejours (1992), a organizao do trabalho consiste na sua diviso, o contedo da tarefa e as relaes de poder que envolvem o sistema hierrquico, as modalidades de comando e as questes de responsabilidade. Dejours afirmava que os trabalhadores no so passivos diante das injunes organizacionais e por isso buscam se proteger dos efeitos nocivos, utilizando sua inteligncia, prtica, personalidade e cooperao (SZNELWAR; UCHIDA, 2004). O trabalho considerado como fonte geradora de prazer e sofrimento. O saudvel vivenciado quando as situaes onde enfrentamento das cobranas e presses do trabalho que causam instabilidade psicolgica podem ser transformadas (MENDES, 2007). Sznelwar e Uchida (2004) completam que a patologia surge quando se rompe o equilbrio e o sofrimento no mais contornvel, ou seja, quando os investimentos intelectuais e psicoafetivos dos trabalhadores no so mais suficientes para atender s demandas e tarefas impostas pela organizao. Dejours (1999) afirma que o sofrimento maior quando a organizao do trabalho impossibilita a negociao da divergncia entre o trabalho prescrito e o real. Mendes (2007) afirma que os modos de subjetivao no trabalho podem ser considerados ferramentas teis para a ideologia produtivista, sendo, dessa forma, explorados. Essa explorao s possvel pelas caractersticas controversas do sofrimento, que pode assumir simultaneamente funes de mobilizador de sade e de instrumento para aumento da produtividade. Dejours (1993, p.103) afirma que o trabalho no causa o sofrimento, o prprio sofrimento que produz o trabalho. Percebe-se, ento, uma relao ambgua onde as relaes capitalistas e os atuais modelos de produo, que propiciam situaes geradoras de sofrimento ao trabalhador e ao mesmo tempo se apropriam desse estado com vistas ao aumento da produtividade.

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A precarizao da organizao do trabalho, o desemprego estrutural e a necessidade de sobrevivncia enfraquecem o trabalhador que se torna alvo de explorao, j que se rende facilmente a promessas de sucesso e reconhecimento em prol do aumento da produo. A psicodinmica consiste em uma abordagem de pesquisa e ao sobre o trabalho, onde uma anlise crtica deve ser realizada com o intuito de reconstruir a organizao do trabalho, que, devido s caractersticas da psmodernidade e do novo mundo do trabalho, geram sofrimento aos trabalhadores. (MENDES, 2007). Para que esse processo de construo-reconstruo das relaes entre sujeitostrabalhadores e realidade concreta de trabalho acontea necessrio um entendimento concreto, objetivo e realizado do sujeito enquanto subjetividade. A psicodinmica entende como uma das maneiras de enfrentamento dessa realidade a que esto expostos os trabalhadores, a utilizao de mobilizao subjetiva e estratgias defensivas. Essas, sejam individuais ou coletivas, permitem o enfrentamento das situaes geradoras de sofrimento e evitam descompensaes psquicas e o adoecimento (DEJOURS, 1999). A mobilizao subjetiva, de acordo com Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994), caracteriza-se pelo uso de recursos psicolgicos do trabalhador e pela discusso sobre questes de trabalho em um espao pblico, na tentativa de resignificar suas representaes sobre sua atividade, transformar as situaes de trabalho geradoras de sofrimento e buscar o prazer. As estratgias defensivas so construdas de comum acordo entre o coletivo de trabalhadores, e tem como alvo a eufemizao da percepo do sofrimento (VIEIRA, 2005). De acordo com a mesma autora, as defesas coletivas so especficas para diferentes profisses, sendo construdas e mantidas coletivamente mediante as situaes adversas enfrentadas no trabalho. No entanto, Dejours (1999) afirma que o uso permanente de estratgias defensivas pode acarretar em um processo de alienao e cristalizao do profissional. Os ideais capitalistas vigentes atualmente se aproveitam desse processo de alienao dos trabalhadores, j que no h interesse na mudana das relaes de trabalho. Logo, explora-se esse paradoxo e evita-se que discusses sobre a estrutura do trabalho

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sejam realizadas, mantendo os trabalhadores produtivos sem conhecimento da causa de seu sofrimento (MENDES, 1996). Ainda que algumas crticas apontem os limites da psicodinmica dejouriana, entendendo-a como a repetio de um modelo explicativo causal, reconhece-se que esse enfoque traz para o centro da discusso os sentidos e significados do trabalho para o trabalhador, permitindo-lhe ter voz no contexto dos estudos sobre a relao entre trabalho e processo sade-doena (BRANT; MINAYO-GOMES, 2004). Portanto, ao abordar a sade do trabalhador de enfermagem, a psicodinmica traz bases para a anlise e discusso das relaes de trabalho e suas repercusses para sua sade e adoecimento.

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2 MATERIAL E MTODO

2.1 Delineamento do estudo

Trata-se de um estudo exploratrio de abordagem quantitativa e desenho transversal, descritivo e inferencial. Apesar da preferncia por uma abordagem qualitativa nos estudos com base na psicodinmica dejouriana, esta investigao baseou-se numa opo quantitativa, proposta por Mendes (2007), atravs de uma escala psicomtrica do tipo Likert, que permite uma avaliao de itens organizados em dimenses do trabalho, denominados fatores, e a comparao futura com outros resultados j encontrados. Nas publicaes da autora da escala no foi identificado nenhum estudo com profissionais de sade. Alm disso, poucos estudos so encontrados na enfermagem utilizando avaliao por escalas, justificando a escolha para este estudo (CAMPOS; DAVID, 2007).

2.2 Populao, amostra e amostragem

A populao de estudo foi representada por 48 enfermeiros atuantes nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI) geral e cirrgica de um hospital privado do municpio do Rio de Janeiro. O hospital em questo possui em sua UTI geral uma equipe de enfermagem composta por 34 enfermeiros, sendo 3 enfermeiras da equipe da educao continuada e 1 gerente do setor; e 40 tcnicos de enfermagem. A escala de enfermagem nesse setor fixa, independente da taxa de ocupao, ou seja, sempre haver o mesmo nmero de profissionais por planto.

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J a equipe de enfermagem da Unidade Intensiva cirrgica constituda por 18 enfermeiros, sendo 2 da educao continuada e 1 gerente do setor; e 25 tcnicos de enfermagem, sendo 01 desses diarista. O nmero de funcionrios na escala calculado com base na taxa de ocupao, que de 60% em mdia. Quando a taxa de ocupao aumenta, outros funcionrios so escalados em regime de produtividade, ou seja, planto extra. Toda a equipe cumpre 40 horas semanais distribudas em turnos de 12 horas de planto e 60 horas de descanso, mais 03 complementaes mensais de 12 horas marcadas individualmente para os plantonistas e 8 horas semanais para os diaristas. Para seleo dos sujeitos utilizou-se uma tcnica de amostragem intencional com os seguintes critrios de incluso: estar atuando nesta UTI h seis meses ou mais. Esse critrio foi adotado uma vez que, por meio de nossa experincia profissional, consideramos que com esse perodo de tempo o enfermeiro est mais envolvido com a dinmica do setor sendo, portanto, mais representativo para o estudo. Os enfermeiros que realizam a educao continuada nesse setor foram parte da populao do estudo, pois esto envolvidos tambm com as atividades assistenciais. As gerentes dessas unidades no compuseram a amostra do estudo por estarem mais envolvidas com as atividades administrativas do setor; assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Nas Unidades de Terapia Intensiva apenas 01 enfermeira no respondeu o instrumento por estar de licena maternidade. Na UTI cirrgica 02 profissionais foram excludas do estudo por no devolveram os instrumentos preenchidos. Dessa forma, a amostra deste estudo compreendeu 44 sujeitos dos quais 29 pertencem UTI geral e 15 UTI cirrgica. Os resultados apresentados a seguir referem-se caracterizao dos enfermeiros atuantes nas Unidades de terapia Intensiva geral e cirrgica no ano de 2008.

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Tabela 1 Distribuio das freqncias relativas s caractersticas scio demogrficas dos enfermeiros intensivistas. Rio de Janeiro, 2008. (N=44)Variveis Sexo Masculino Feminino N de filhos 0 1 2 3 Estado civil Solteiro Casado Divorciado/separado Estrutura familiar Nuclear Extensa Variante (s, solteiro) Nmero de dependentes 0 1-2 3 ou mais Quem so os dependentes Esposo (a)/companheiro(a) Pais Filho(s) Netos Outros parentes Outras pessoas no parentes No se aplica 09 14 08 01 01 01 10 20,4 31,8 18,2 2,3 2,3 2,3 22,7 10 18 16 22,7 40,9 36,6 24 15 05 54,5 34,1 11,4 21 19 04 47,7 43,2 9,1 32 09 02 01 72,6 20,5 4,6 2,3 05 39 11,4 88,6 N %

Observa-se que a maior parte da populao do sexo feminino (88,6%). Esse dado reflete que a enfermagem ainda uma profisso predominantemente feminina. Na distribuio da incidncia da varivel estado conjugal, nota-se um equilbrio entre profissionais casados (43,2%) e solteiros (47,7%). No que diz respeito estrutura familiar, observa-se a predominncia do tipo de famlia nuclear (54,5%).

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Atravs da anlise da varivel nmero de filhos possvel verificar que 72,6% dos enfermeiros atuantes em UTI no possuem filhos. A maior parte dos enfermeiros (40,9%) apresenta entre 1 e 2 dependentes financeiros, sendo esses representados principalmente pelos pais (31,8%). Verifica-se que a mdia de idade da populao como um todo 32,1 anos, no entanto, h uma maior freqncia (29,5%) de profissionais que possuem idade entre 25 a 30, sendo a mediana 33 anos (Tabela 2). Tabela 2 Composio por idade. Rio de Janeiro, 2008. (N=44)Idade (anos) 21 | 25 25 | 30 30 | 35 35 | 40 40 ou mais Total F % 06 13,6 13 29,5 09 20,5 12 27,3 04 44 9,1 100

Sabe-se

que,

com

as

novas

relaes

e

organizao,

cobrado

o

aperfeioamento e especializao do profissional para o desempenho de suas funes. Verifica-se, na Tabela 3, que 81,8% possuem ps-graduao. Desses, 70,4% realizaram especializao do tipo lato sensu. 54,5% dos enfermeiros optaram por especializaes especficas para terapia intensiva. Em relao ao turno de trabalho, observa-se o predomnio, dentre os respondentes, dos que trabalham no perodo diurno (45,5%). Verifica-se que 25% dos profissionais exercem suas atividades em ambos os turnos de trabalho. Esse fato pode ocorrer por existir na instituio pesquisada uma poltica de regime de trabalho chamada produtividade, onde o funcionrio faz um nmero maior de plantes para cobrir a escala de profissionais que esto de frias e licenas. A seguir, podemos observar o tempo de concluso da graduao dos profissionais em questo. Constata-se que os enfermeiros tm, em sua maioria, entre 1 e 5 anos de formado (40,9%).

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Tabela 3 Distribuio das freqncias relativas ao perfil profissional dos enfermeiros intensivistas. Rio de Janeiro, 2008. (N=44)Variveis Possui ttulo de Ps-graduao? Sim No Tipo de Ps-graduao Stricto sensu Lato sensu Ambos No se aplica Ps -graduao especfica pra UTI Sim No No se aplica Turno de trabalho Diurno apenas Noturno apenas Diurno e noturno 20 13 11 45,5 29,5 25 24 12 08 54,5 27,3 18,2 03 31 02 08 6,8 70,4 4,6 18,2 36 08 81,8 18,2 N %

Tabela 4 Composio por tempo de formado. Rio de Janeiro, 2008. (N=44)Tempo de formado (anos) 1 | 5 5 | 10 10 | 15 15 | 20 20 ou mais Total F %

18 40,9 10 22,7 09 20,5 05 11,4 02 44 4,5 100

Na tabela 5 apresentado o tempo de trabalho em terapia intensiva em anos. Verifica-se a maior freqncia dos dados entre 3 e 6 anos (25%), com mdia de 9,2 e mediana de 8 anos. Nota-se, tambm, que o tempo de trabalho na instituio fica entre 5 anos ou menos (43,1%).

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Tabela 5 Composio por tempo de trabalho em terapia intensiva. Rio de Janeiro, 2008. (N=44)Tempo em Terapia Intensiva (anos) 3,0 ou menos 3,0 | 6,0 6,0 | 9,0 9,0 | 12,0 12,0 | 15,0 15,0 | 18,0 18,0 ou mais Total F %

08 18,2 11 25,0 05 11,4 04 9,1 07 15,9 07 15,9 02 44 4,5 100

Tabela 6 Composio por tempo de trabalho na instituio. Rio de Janeiro, 2008. (N=44)Tempo na instituio (anos) 5,0 ou menos 5,0 | 10,0 10,0 | 15,0 15,0 | 20,0 Total F %

19 43,1 09 20,5 11 25,0 05 11,4 44 100

Observa-se com esses dados que, apesar de terem concludo a graduao h poucos anos, os profissionais atuam em terapia intensiva e na instituio h um perodo de tempo maior. Isso se deve ao fato do grande nmero de profissionais que eram tcnicos de enfermagem, terem se graduado e mudado de cargo no hospital. Existe um programa de ascenso de cargos na instituio que permite que tcnicos de enfermagem que estejam nos ltimos perodos da graduao faam um treinamento nos diversos setores do hospital e, dependendo da sua atuao, so aproveitados como enfermeiros.

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Referente carga horria diria de trabalho, verifica-se que o regime de planto de 12 horas o mais comum entre os participantes da pesquisa (88,6%). A carga horria de 8 horas dirias geralmente cumprida pelos diaristas do setor.

Grfico 1 Composio por carga horria diria de trabalho. Rio de Janeiro, 2008. (N=44) J a carga horria semanal cumprida pelos profissionais , em sua maioria, de 40 horas (95,5%). Os profissionais que cumprem 72 horas semanais so aqueles que fazem produtividade no setor. Tabela 7 Composio por carga horria semanal de trabalho. Rio de Janeiro, 2008. (N=44)Carga horria semanal 40 72 Total F % 42 95,5 02 44 4,5 100

Observamos, a seguir, o rendimento salarial dos enfermeiros intensivistas. A renda mdia dos profissionais da UTI geral fica em torno de R$ 2460, com mediana de R$ 2450. Valores parecidos tambm so percebidos para os da UTI cirrgica, com

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mdia de R$ 2763 e mediana de R$ 2450. Com relao ao rendimento salarial, podemos afirmar que os salrios oferecidos esto acima dos valores oferecidos nos hospitais particulares e no mercado de trabalho de enfermagem em geral e no sofrem grande variao entre os profissionais. Os salrios mais baixos so oferecidos para os profissionais que se encontram em treinamento. Esses aumentam medida em que o enfermeiro muda (sobe) de categoria. Correndo o risco de detalhamento suprfluo, vale ressaltar que os dados evidenciam que essa populao no enfrenta dificuldades comuns da categoria, como baixos salrios e diversos empregos.

Grfico 2 - Composio por rendimento salarial. Rio de Janeiro, 2008. (N=44)

2.3 Local

O estudo foi desenvolvido em um hospital privado do municpio do Rio de Janeiro. A opo por esse hospital foi feita por estar atuando nele e conhecer sua realidade. Trata-se de um hospital que conta com um total de 115 leitos. Oferece servios de emergncia geral e cardiolgica para adultos e crianas. Oferece uma ampla rede

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de exames complementares e diagnsticos como: hemodinmica, cintilografia, ressonncia magntica, tomografia, ecocardiograma, ultra-sonografia, prova de funo pulmonar, polissonografia, entre outros. O hospital possui um Centro de Eletrofisiologia e um Centro de Medicina Transfusional. A estrutura fsica de trs prdios interligados divididos em setores de internao, a saber: Unidade Clnica, Unidade de Curta Permanncia, Unidade Intermediria Cirrgica, Unidade de Terapia Intensiva Peditrica, Unidade de Ps Operatrio, Centro Cirrgico, Unidade Coronariana, Unidade de Terapia Intensiva I, Unidade de Terapia Intensiva II, Emergncia com Unidade de Dor Torcica, Unidade de Acidente Vascular Cerebral e Clnica de Insuficincia Cardaca. O Hospital tem como misso atender ao paciente de alta complexidade e referncia em cardiologia no Estado do Rio de Janeiro. A Unidade de Terapia Intensiva geral dividida em I e II, sendo as duas localizadas no primeiro andar do hospital, no estando interligadas. A equipe mdica e a de enfermagem atuam nas duas unidades. Os quinze leitos da unidade so divididos em: sete na Unidade de Terapia Intensiva I, onde so alocados os pacientes agudos e de maior complexidade, e oito na Unidade de Terapia Intensiva II, onde so transferidos os pacientes da Unidade de Terapia Intensiva I antes de receberem alta para outro setor. A Unidade de Terapia Intensiva geral tem leitos individuais (tipo quarto) com banheiro, telefone, geladeira e televiso a cabo. Os quartos possuem isolamento acstico e sistema de presso negativa, o que promove o mesmo efeito de um centro cirrgico, sendo indicado para receber transplantado. Todos os leitos possuem monitorizao invasiva e no invasiva, bem como toda a rede de gasoterapia. Todo o material de uso do paciente fica dentro do leito e reposto pelas secretrias, no sendo necessrio, assim, o deslocamento da equipe para um posto central. Para cada dois leitos existe um mini posto que permite visualizao completa dos pacientes por intermdio de um vidro, e, nesse mini posto, h uma bancada com um computador que permite acesso ao pronturio eletrnico do paciente, o que possibilita a solicitao de exames e sua visualizao.

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A UTI cirrgica tambm subdividida em Unidade Intensiva Cardio-NeuroCirrgica e Unidade semi-intensiva cirrgica (USIC), localizadas no segundo andar do hospital e estando interligadas. Essas compartilham tambm as equipes de enfermagem e mdica. A Unidade Intensiva Cardio-Neuro-Cirrgica composta por 10 leitos do tipo boxes e a USIC por 06 quartos. Todos os leitos possuem monitorizao invasiva e no invasiva, bem como toda a rede de gasoterapia. No entanto, os materiais de uso do paciente so alocados em um posto central na unidade, onde tambm so preparadas todas as medicaes. Os materiais do setor so repostos pelas secretrias. Esse posto central permite a visualizao total dos leitos mais prximos, e daqueles mais distantes. A vigilncia se d por meio de cmeras instaladas nos boxes. Todos os dados referentes monitorizao hemodinmica so visualizados em monitor central que permanece nesse posto, facilitando a observao de possveis alteraes.

2.4 Instrumentos de coleta de dados

2.4.1 Caracterizao scio demogrfica

Para caracterizao scio demogrfica do estudo foi utilizado um instrumento (ANEXO A) com perguntas objetivas e descritivas, de modo a produzir informaes sobre idade, sexo, escolaridade, estado civil, tempo de trabalho em UTI, de concluso de estudos e de trabalho na instituio. Buscou-se tambm saber se o entrevistado possua ttulos de ps-graduao, a jornada de trabalho, carga horria diria e semanal, rendimento salarial, filhos e tipo de famlia. Esse instrumento foi aplicado utilizando-se a tcnica de questionrio. A partir desses dados foi possvel traar o perfil de cada profissional participante do estudo e da populao.

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2.4.2 Inventrio sobre o trabalho e riscos de adoecimento (ITRA)

O ITRA (ANEXO B) um instrumento estruturado que tem por objetivo traar um perfil dos antecedentes, medidores e efeitos do trabalho no processo de adoecimento. Foi desenvolvido para atender uma necessidade gerada pelo aumento da pesquisas em psicodinmica do trabalho em grandes grupos de trabalhadores (MENDES, 2007). Esse inventrio avalia algumas dimenses da inter-relao trabalho e processo de subjetivao. Investiga o prprio contexto de trabalho e os efeitos que ele pode exercer no modo do trabalhador vivenci-lo (MENDES, 2007). Esse instrumento foi criado e validado, inicialmente, por Ferreira e Mendes (2003), tendo sofrido adaptaes e revalidaes no ano de 2004, 2005 e por ltimo, em 2006 (MENDES, 2007). Essa ltima validao foi a utilizada neste estudo. O ITRA, segundo Mendes (2007), composto por quatro escalas interdependentes para avaliar quatro dimenses da inter-relao trabalho e riscos de adoecimento que so apresentadas a seguir: o contexto de trabalho: so representaes relativas organizao, s relaes scioprofissionais e s condies de trabalho. Esses dados so avaliados pela Escala de Avaliao do contexto de Trabalho (EACT); as exigncias: so representaes relativas ao custo fsico cognitivo e afetivo do trabalho que sero avaliados pela Escala de Custo Humano no Trabalho (ECHT); o sentido do trabalho: so representaes relativas s vivncias de prazer e sofrimento no trabalho avaliadas pela Escala de Indicadores de Prazer e Sofrimento no Trabalho (EIPST); os efeitos do trabalho para a sade: so representaes relativas s conseqncias em termos de danos fsicos e psicossociais. Essas sero avaliadas pela Escala de avaliao dos Danos relacionados ao Trabalho (EADRT).

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A validao psicomtrica do inventrio realizada com base na tcnica de anlise fatorial. Como as escalas so interdependentes, utiliza-se o mtodo PAF (Principal Axis Factoring) de anlise, rotao oblimim, com anlise de correlao para cada uma das escalas e de confiabilidade que compem o ITRA (MENDES, 2007). Mendes (2007), em seu livro sobre a Psicodinmica do Trabalho, apresenta a validao de cada uma das escalas, integrando dados estatsticos com as definies conceituais. A ttulo de informao, em funo de ser esta a primeira aplicao com enfermeiros, sero reproduzidos a seguir alguns dados da ltima validao. A primeira escala, EACT, composta por trs fatores: organizao do trabalho, condies de trabalho e relaes scioprofissionais, com eigenvalues (autovalores) de 1,5, varincia total de 38,46%, KMO de 0,93 e correlaes de 0,25 1 . Por ser uma escala do tipo Likert, apresenta as seguintes opes de respostas: 1= nunca; 2 = raramente; 3 = s vezes; 4 = freqentemente; 5 = sempre. constituda de itens negativos, devendo sua anlise ser feita por fator e com base em trs nveis diferentes, considerando um desvio padro em relao ao ponto mdio. Como resultado para essa escala pode-se considerar: Acima de 3,7 = avaliao mais negativa, grave. Indica que o contexto de trabalho possibilita de forma grave o adoecimento do profissional. Entre 2,3 e 3,69 = avaliao mais moderada, crtico. Indica que o contexto de trabalho favorece moderadamente o adoecimento do profissional. Abaixo de 2,29 = avaliao mais positiva, satisfatrio. Indica que o contexto de trabalho favorece a sade do profissional. O quadro 1 apresenta uma sntese dos itens avaliados pela EACT, segundo os fatores, informando ainda os valores do Alpha de Cronbach encontrados pela autora:

O mtodo PAF uma tcnica estatstica de anlise fatorial multivariada para reduo e sumarizao de dados e tem como objetivo estudar as relaes de interdependncia que existem entre um conjunto de variveis ou indivduos (AAKER; KUMAR; DAY, 2004). Segundo Kageyama, Leone (1990), o mtodo PAF consiste em obter componentes (fatores) que so combinaes lineares das variveis originais, agrupando-se em cada fator as variveis mais correlacionadas entre si e fazendo com que os fatores sejam ortogonais (independentes). A principal inferncia estatstica a ser observada na anlise fatorial a medida de adequacidade de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO): ndice usado para avaliar a adequacidade da anlise fatorial. O valor do ndice KMO varia dentro do intervalo fechado de 0,0 a 1,0. A anlise fatorial apropriada, se 0,5 > KMO > 1,0.

1

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Fatores da EACT

Itens avaliados - o ritmo de trabalho excessivo; - as tarefas so cumpridas sob presso de prazos; - existe forte cobrana por resultados; - as normas para execuo das tarefas so rgidas; - existe fiscalizao do desempenho; - o nmero de pessoas insuficiente para realizar as tarefas; - os resultados esperados esto fora da realidade; - existe diviso entre quem planeja e quem executa; - as tarefas so repetitivas; - falta tempo para realizar pausas de descanso no trabalho; - as tarefas executadas sofrem descontinuidade. - as condies de trabalho so precrias; - o ambiente fsico desconfortvel; - existe muito barulho no ambiente de trabalho; - o mobilirio existente no local de trabalho inadequado; - os instrumentos de trabalho so insuficientes para realizao das tarefas; - o posto de trabalho inadequado para realizao das tarefas; - os equipamentos necessrios para realizao das tarefas so precrios; - o espao fsico para realizar o trabalho inadequado; - as condies de trabalho oferecem riscos segurana das pessoas; - o material de consumo insuficiente. - as tarefas no esto claramente definidas; - a autonomia inexistente; - a distribuio das tarefas injusta; - os funcionrios so excludos das decises; - existem dificuldades na comunicao entre chefia e subordinados; - existem disputas profissionais no local de trabalho; - falta integrao no ambiente de trabalho; - a comunicao entre funcionrios insatisfatria; - falta apoio das chefias para o meu desenvolvimento profissional; - as informaes que preciso para executar minhas tarefas so de difcil acesso.

Alpha de Cronbach

Organizao do trabalho

0,72

Condies de trabalho

0,89

Relaes scioprofissionais

0,87

Quadro 1 Escala de avaliao do contexto de trabalho (EACT). Itens e dados da validao por Mendes, 2007.

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A Organizao do trabalho o primeiro fator dessa escala, sendo definida como a diviso e contedo das tarefas, normas, controles e ritmos de trabalho. composta por 11 itens. O segundo o fator da EACT, composto por 10 itens, o fator Condies de trabalho, que pode ser definido como a qualidade do ambiente fsico, posto de trabalho, equipamentos e material disponibilizados para a execuo do trabalho. As relaes scio-profissionais consistem no terceiro fator dessa escala e podem ser conceituadas como os modos de gesto do trabalho, comunicao e interao profissional. Possui 10 itens. A Escala de Custo humano do Trabalho (ECHT) tambm composta por 3 fatores: custo fsico, cognitivo e afetivo. Apresenta eigenvalue maior que 2, varincia total de 44,98%, KMO de 0,91 e 50% das correlaes acima de 0,30. Essa escala tambm apresenta 5 opes de respostas, onde 1= nunca, 2 = pouco exigido, 3 = mais ou menos exigido, 4 = bastante exigido e 5 = totalmente exigido. Sua anlise segue o exemplo da primeira escala e seus resultados podem ser classificados em: Acima de 3,7 = avaliao mais negativa, grave. Profissional exposto a um alto custo humano pelo trabalho favorecendo gravemente o adoecimento do mesmo. Entre 2,3 e 3,69 = avaliao mais moderada, crtico. Profissional exposto a um moderado custo humano pelo trabalho favorecendo criticamente o adoecimento do mesmo. Abaixo de 2,29 = avaliao mais positiva, satisfatrio. Trabalho gerando baixo custo humano ao profissional, diminuindo, assim, os riscos de seu adoecimento. O primeiro fator dessa escala o Custo fsico, definido como dispndio fisiolgico e biomecnico imposto ao trabalhador pelas caractersticas do contexto de produo. Composto por 10 itens. O Custo cognitivo constitui o segundo fator da escala ECHT e significa o dispndio intelectual para aprendizagem, resoluo de problemas e tomada de deciso no trabalho. Possui 10 itens.

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Fatores da ECHT

Itens avaliados - usar a fora fsica; - usar os braos de forma contnua; - ficar e m posio curvada; - caminhar; - ser obrigado a ficar em p; - ter que manusear objetos pesados; - fazer esforo fsico; - usar as pernas de forma contnua; - usar as mos de forma repetida; - subir e descer escadas. - desenvolver macetes; - ter que resolver problemas; - ser obrigado a lidar com imprevistos; - usar a viso de forma contnua; - usar a memria; - ter desafios intelectuais; - fazer esforo mental; - ter concentrao mental; - usar a criatividade. - ter controle das emoes; - ter que lidar com ordens contraditrias; - ter custo emocional; - ser obrigado a lidar com a agressividade dos outros; - disfarar os sentimentos; - ser obrigado a elogiar as pessoas; - ser obrigado a ter bom humor; - ser obrigado a cuidar da aparncia fsica; - ser bonzinho com os outros; - transgredir valores ticos; - ser submetido a constrangimentos; - ser obrigado a sorrir.

Alpha de Cronbach

Custo fsico

0,91

Custo cognitivo

0,86

Custo afetivo

0,84

Quadro 2 Escala de custo humano do trabalho (ECHT). Itens e dados da validao por Mendes, 2007. O terceiro fator o Custo afetivo, possui 12 itens e definido como o dispndio emocional, sob a forma de reaes afetivas, sentimentos e de estados de humor. A terceira escala a Escala de indicadores de prazer e sofrimento no trabalho (EIPST). constituda por 4 fatores: dois avaliando prazer, realizao profissional e liberdade de expresso; e dois avaliando sofrimento no trabalho que so Falta de

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reconhecimento e Esgotamento profissional. Apresenta eigenvalues de 1,0, varincia total de 59,80%, KMO de 0,92 e 50% das correlaes acima de 0,30. Consta de uma escala que apresenta 7 opes de respostas, cujo objetivo avaliar nos ltimos seis meses a ocorrncia das vivncias dos indicadores de prazersofrimento. Dessa forma, 0= nenhuma vez, 1= uma vez, 2= duas vezes, 3 trs vezes, 4= quatro vezes, 5= cinco vezes, 6= seis ou mais vezes. Para os fatores de prazer, considerando que os itens so positivos, a anlise diferente das escalas anteriores. Tambm deve ser feita por fator, para melhor especificao e qualificao da freqncia com que experimentada a vivncia, deve ser classificada em trs nveis diferentes, com um desvio padro para cada um. Considera-se como resultado para a vivncia de prazer: Acima de 4,0 = avaliao mais positiva, satisfatrio; Entre 3,9 e 2,1 = avaliao moderada, crtico; Abaixo de 2,0 = avaliao para raramente, grave. Para os fatores de sofrimento, considerando que os itens so negativos, a anlise deve ser realizada baseada nos seguintes nveis: Acima de 4,0 = avaliao mais negativa, grave; Entre 3,9 e 2,1 = avaliao moderada, crtico; Abaixo de 2,0 = avaliao menos negativa, satisfatrio. Nesta escala o primeiro fator a Realizao Profissional que pode ser definida como a vivncia de gratificao profissional, orgulho e identificao com o trabalho que faz. Composta por 9 itens. O segundo fator a Liberdade de expresso, conceituada como liberdade para pensar, organizar e falar sobre o seu trabalho. Possui 8 itens. O Esgotamento Profissional o terceiro fator, possui 7 itens e pode ser definido como uma vivncia de frustrao, insegurana, inutilidade, desgaste e estresse no trabalho. O quarto fator a Falta de Reconhecimento, vivncia de injustia, indignao e desvalorizao pelo no reconhecimento do seu trabalho. composto por 8 itens.

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A ltima escala do inventrio a Escala de Avaliao dos Danos relacionados ao Trabalho (EADRT), composta por 3 fatores: danos fsicos, psicolgicos e sociais, com eigenvalues 1,5, varincia total de 50,09%, KMO de 0,95 e correlaes acima de 0,30.Fatores da EIPST Itens avaliados - satisfao; - motivao; - orgulho pelo que fao; - bem-estar; - realizao profissional; - valorizao; - reconhecimento; - identificao com as minhas tarefas; - gratificao pessoal com as minhas atividades. - liberdade com a chefia para negociar o que precisa; - liberdade para falar sobre o meu trabalho com os colegas; - solidariedade entre os colegas; - confiana entre os colegas; - liberdade para expressar minhas opinies no local de trabalho; - liberdade para usar a minha criatividade; - liberdade para falar sobre o meu trabalho com as chefias; - cooperao entre os colegas. - esgotamento profissional; - estresse; - insatisfao; - sobrecarga; - frustrao; - insegurana; - medo. - falta de reconhecimento do meu esforo; - falta de reconhecimento do meu desempenho; - desvalorizao; - indignidade; - inutilidade; - desqualificao; - injustia; - discriminao. Alpha de Cronbach

Realizao Profissional

0,93

Liberdade de expresso

0,80

Esgotamento Profissional

0,89

Falta de Reconhecimento

0,87

Quadro 3 Escala de indicadores de prazer e sofrimento no trabalho (EIPST). Itens e dados da validao por Mendes, 2007.

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Tambm constitui-se de uma escala com sete opes de respostas, cujo objetivo avaliar os danos provocados pelo trabalho nos ltimos seis meses. Assim, 0 = nenhuma vez, 1 = uma vez, 2 = duas vezes, 3 = trs vezes, 4 = quatro vezes, 5 = cinco vezes, 6 = seis ou mais vezes. Como essa escala retrata situaes muito graves relacionadas sade, sua anlise deve ser realizada de forma diferenciada. A apario e repetio num nvel moderado dos itens j significam adoecimento, logo, o ponto mdio da escala, embora matematicamente seja 3,0 para fins desse inventrio, desdobrado em dois intervalos com variao de um desvio padro. Dessa forma, os resultados devem ser classificados em quatro nveis: Acima de 4,1 = avaliao mais negativa, presena de doenas ocupacionais; Entre 3,1 e 4,0 = avaliao moderada para freqente, grave; Entre 2,0 e 3,0 = avaliao moderada, crtico; Abaixo de 1,9 = avaliao mais positiva, suportvel. O primeiro fator dessa escala Danos Fsicos, definido como dores no corpo e distrbios biolgicos. composto por 12 itens. Os Danos Psicolgicos constituem o segundo fator da escala, engloba os sentimentos negativos em relao a si mesmo e vida em geral. Possui 10 itens. O terceiro fator, composto por 7 itens, o fator Danos sociais, conceituado como isolamento e dificuldade nas relaes familiares e sociais. Mendes (2007) afirma que o ITRA de grande utilidade para se investigar grandes populaes e organizaes, bem como para pesquisas envolvendo diagnsticos em sade do trabalhador, visando a implantao de programas de preveno e de sade ocupacional.

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Fatores da EIPST

Itens avaliados - dores no corpo; - dores nos braos; - dor de cabea; - distrbios respiratrios; - distrbios digestivos; - dores nas costas; - distrbios auditivos; - alteraes do apetite; - distrbios na viso; - alteraes do sono; - dores nas pernas; - distrbios circulatrios. - amargura; - sensao de vazio; - sentimento de desamparo; - mau humor; - vontade de desistir de tudo; - tristeza; - irritao com tudo; - sensao de abandono; - dvida sobre a capacidade de fazer as tarefas; - solido. - insensibilidade em relao aos colegas; - dificuldades nas relaes fora do trabalho; - vontade de ficar sozinho; - conflitos nas relaes familiares; - agressividade com os outros; - dificuldade com os amigos; - impacincia com as pessoas em geral.

Alpha de Cronbach

Danos Fsicos

0,88

Danos Psicolgicos

0,93

Danos sociais

0,89

Quadro 4 Escala de Avaliao dos Danos relacionados ao Trabalho (EADRT). Itens e dados da validao por Mendes, 2007.

2.5 Procedimentos ticos

O estudo fundamentou-se nos preceitos ticos da Resoluo 196/96 do Conselho Nacional de Sade, que incorpora, sob a tica do indivduo e das

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coletividades, os quatro referenciais bsicos da biotica: autonomia, no maleficncia, beneficncia e justia. Tanto a pesquisa quanto o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (APNDICE A) utilizados foram submetidos aprovao Institucional atravs da Carta de Autorizao Institucional e ao Comit de tica em Pesquisa do Hospital em questo (APNDICE B). Os profissionais que participaram do estudo receberam explicao verbal dos procedimentos a serem realizados e foram solicitados a assinar o TCLE, onde constam os seguintes aspectos: justificativa e objetivos da pesquisa, liberdade de recusa em participar ou a retirada do consentimento em qualquer fase da pesquisa e garantia de sigilo quanto a identidade e resguardo durante e aps a realizao da pesquisa. A instituio pesquisada autorizou a operacionalizao do estudo e seu comit de tica considerou o projeto, bem como o TCLE aprovados (APNDICE C). O retorno das informaes obtidas atravs desta pesquisa foi garantido para as pessoas e instituio onde a pesquisa foi realizada.

2.6 Estratgias e tcnica para coleta de dados

Aps a aprovao do Comit de tica, foi realizado contato prvio com as gerentes dos setores e agendado um dia para exposio dos objetivos do estudo e da maneira como se daria a coleta dos dados. Foram acordados, ento, os melhores horrios para a coleta dos dados de acordo com a dinmica de cada setor. A visita aos setores realizou-se em todos os plantes diurnos e noturnos. Ao chegar ao setor, os profissionais disponveis eram abordados. Se esses preenchessem os critrios de incluso, eram convidados a participar do estudo, entregando-se o TCLE e o instrumento de coleta de dados (ANEXOS A e B). O profissional era adequadamente informado sobre o objetivo da aplicao do instrumento, o modo de aplicao e o destino dos dados, deixando-o vontade para esclarecer quaisquer dvidas.

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Enfatizou-se que o profissional deveria responder o instrumento baseado somente na sua vivncia no hospital em questo, desconsiderando vivncias de outros hospitais. O instrumento de caracterizao scio demogrfica e o ITRA so auto-aplicveis, logo, utilizou-se a tcnica de aplicao de questionrio para a coleta de dados. No caso do ITRA, um inventrio desenvolvido para aplicao em grandes populaes, a recomendao de que, em sua aplicao, seja apenas entregue aos sujeitos, entendendo-se que o instrumento suficientemente auto-explicativo (MENDES, 2007). Dessa forma, evitei influenciar o profissional na escolha das respostas, no discutindo as questes ou o significado dessas, tampouco as escalas de respostas. Ao trmino dessas orientaes, agendava-se uma data para recolhimento do mesmo. As dvidas que surgissem durante o preenchimento do instrumento poderiam ser esclarecidas no momento da sua entrega, ou por telefone. Ao receber o instrumento preenchido, foi verificado se o profissional havia deixado questes sem respostas e se apenas uma alternativa estava marcada para cada item da escala. No momento, aproveitei para perguntar sobre como os enfermeiros percebiam o instrumento, sobre as dificuldades encontradas em seu preenchimento. No foram relatados problemas na leitura ou entendimento das questes, mas sim alguma dificuldade de recordar ou quantificar eventos ocorridos nos ltimos seis meses, como pedem as duas ltimas escalas.

2.7 Tratamento e anlise dos dados

O processamento dos dados obedeceu seguinte seqncia: codificao, tabulao, organizao e tratamento estatstico. Inicialmente, foi feita a anlise estatstica descritiva, atravs das freqncias simples, absolutas e mdias, dos dados scio demogrficos gerados mediante a aplicao do instrumento Caracterizao scio demogrfica (ANEXO A).

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A aplicao do ITRA gerou um banco de dados, fazendo a utilizao do software SPSS (Statistical Package for Social Science) verso 12.0 para sua construo, no qual foram realizadas estatsticas descritivas, tais como freqncia, mdia e desvio padro, e calculado o Coeficiente Alpha de Cronbach, com vistas ao estabelecimento da consistncia interna. O Alpha de Cronbach uma das medidas mais usadas para a verificao da consistncia interna de um grupo de variveis (itens), consiste em um procedimento estatstico comumente utilizado para esse tipo de anlise em escalas do tipo Likert. Entende-se por consistncia interna o grau de uniformidade ou de coerncia existente entre as respostas dos sujeitos a cada um dos itens que compem as escalas (VIEIRA, 1998). Esse ndice varia de 0 a 1 e, quanto mais prximo de 1, maior a confiabilidade do instrumento (PESTANA; GAGUEIRO, 2005). Justifica-se o clculo desse coeficiente nesse grupo por ser a primeira vez em que foi aplicado o ITRA com enfermeiros, e com base na caracterstica exploratria do estudo. Em termos de procedimento, esse mtodo requer apenas uma nica aplicao da prova. A discusso dos dados fundamentou-se no referencial terico da psicodinmica do trabalho.

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3 RESULTADOS E DISCUSSO

O quadro 5 resume o ITRA e suas escalas e fatores, trazendo ainda os dois itens com maiores mdias dentro de cada fator. No so trazidos os resultados em termos de mdias.Organizao do trabalho Relaes scioprofissionais Condies de trabalho Custo afetivo Custo Humano no Trabalho ITRA Custo cognitivo Custo fsico Liberdade de expresso Realizao profissional Esgotamento profissional Falta de reconhecimento Danos fsicos Danos relacionados ao Trabalho Danos sociais Danos psicolgicos - Existe forte cobrana por resultados - As normas para execuo das tarefas so rgidas - Os funcionrios so excludos das decises - Existem disputas profissionais no local de trabalho - Existe muito barulho no ambiente de trabalho - O mobilirio existente no local de trabalho inadequado - Ter controle das emoes - Ser obrigado a cuidar da aparncia fsica - Usar a viso de forma contnua - Ter que resolver problemas - Usar a memria - Usar as mos de forma repetida - Caminhar - Solidariedade entre os colegas - Cooperao entre os colegas - Orgulho pelo que fao - Identificao com minhas tarefas - Estresse - Esgotamento emocional - Falta de reconhecimento do meu desempenho - Falta de reconhecimento do meu esforo - Dores nas pernas - Dores no corpo - Impacincia com as pessoas no geral - Vontade de ficar sozinho - Irritao com tudo - Mau humor

Contexto de Trabalho

Prazer e Sofrimento

Quadro 5 Resumo informativo sobre o ITRA, suas escalas, fatores e itens com maiores mdias para os enfermeiros intensivistas. Rio de Janeiro, 2008.

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Na seqncia, os resultados e a discusso esto organizados de acordo com as escalas do inventrio. Cada escala traz, inicialmente, uma tabela resumo-descritiva. Na anlise por fator, a tabela correspondente apresenta a freqncia relativa de cada item e sua mdia. Em funo do grande nmero de dados foram destacados e assinalados com sombreado para discusso os dois itens cujas mdias foram maiores em cada fator. Embora muitos temas e questes sejam recorrentes nas anlises de cada escala e fator, optou-se por trazer os resultados e a discusso, apresentando-os em separado, mesmo correndo o risco de repetir comentrios, uma vez que se trata de explorar a aplicao pela primeira vez entre enfermeiros.

3.1 Avaliao dos riscos de adoecimento relacionados ao trabalho

Nesta parte do captulo encontram-se os dados referentes aplicao do Inventrio sobre trabalho e riscos de adoecimento (ITRA) e suas discusses.

3.1.1 O contexto de trabalho dos enfermeiros intensivistas

No que se refere ao Alpha de Cronbach os valores obtidos demonstraram uma boa consistncia interna da escala. Tabela 8 - Estatstica descritiva referente aos fatores da EACT. Rio de Janeiro, 2008. (N=44)Fatores Organizao do trabalho Relaes scio-profissionais Condies de trabalho Mdia Desvio padro 3,74 2,47 2,04 0,68 0,27 0,54 Alpha de Cronbach 0,66 0,78 0,84

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Os resultados para o fator organizao do trabalho situam esse item na categoria grave, representando riscos severos sade dos profissionais da UTI ( =3,74 e = 0,68). Com relao ao fator relaes scio-profissionais os itens apresentaram avaliaes moderadas crticas ( =2,47 e =0,27). O fator condies de trabalho foi o melhor avaliado, ou seja, pelos resultados obtidos, as condies de trabalho so satisfatrias e oferecem baixo risco para o adoecimento dos profissionais. Para esse fator apresentou-se = 2,04 e = 0,5. Esses resultados denotam a existncia de problemas relacionados organizao do trabalho dos enfermeiros intensivistas, que podem ser relacionadas s novas demandas requeridas pelas empresas.

- Organizao do trabalho O fator organizao do trabalho se refere s concepes e modos de gesto de pessoas e do trabalho que permeiam o contexto de trabalho. Os resultados das mdias gerais mostram que existe uma percepo negativa desse fator pelos setores pesquisados. O item que obteve a maior mdia foi Existe forte cobrana por resultados com = 4,63. O hospital pesquisado uma instituio privada acreditada como nvel 3 pela Organizao Nacional de Acreditao (ONA), ou seja, uma instituio que procura sistematicamente a melhoria contnua do seu atendimento e atinge padres de excelncia na prestao de assistncia mdico hospitalar (BRASIL, 2002). Segundo o Manual Brasileiro de Acreditao Hospitalar (BRASIL, 2002), o processo de acreditao um mtodo de consenso, racionalizao e ordenao dos estabelecimentos de sade realizado mediante a avaliao dos recursos institucionais que visam a garantia da qualidade da assistncia tendo como base padres previamente estabelecidos. A acreditao tem suas avaliaes definidas em trs diferentes nveis de complexidade, sendo que o primeiro observa a segurana e cumprimento de todas as determinaes da legislao da rea sade, avaliando sobremaneira o controle da infeco hospitalar. No segundo nvel, questes da organizao institucional, com

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acompanhamento do treinamento e capacita