julia latham - o cavaleiro dos meus sonhos (che 332)

245
O Cavaleiro Dos Meus Sonhos One Knight Only Julia Latham Inglaterra, 1486 Ela sabia que teria de arriscar a vida. Mas não o coração! Audaciosa e aventureira, Anne Kendall daria tudo para se juntar ao grupo secreto de guerreiros conhecido como Irmandade da Espada. Por isso ela concordou com um perigoso disfarce. Mas então, sir Philip Clifford, um cavaleiro implacável e irresistivelmente bonito, se integrou ao grupo, trazendo memórias de beijos roubados, de anseios apaixonados e de uma noite em que Anne teria feito qualquer coisa para pertencer a ele... Anne gostaria de se concentrar na perigosa missão que tinha pela frente, mas a paixão selvagem e gloriosa que

Upload: malu

Post on 03-Sep-2015

283 views

Category:

Documents


59 download

DESCRIPTION

m

TRANSCRIPT

O Cavaleiro Dos Meus Sonhos

Julia Latham - O Cavaleiro dos Meus Sonhos (CHE 332)

O Cavaleiro Dos Meus SonhosOne Knight OnlyJulia Latham

Inglaterra, 1486

Ela sabia que teria de arriscar a vida. Mas no o corao!Audaciosa e aventureira, Anne Kendall daria tudo para se juntar ao grupo secreto de guerreiros conhecido como Irmandade da Espada. Por isso ela concordou com um perigoso disfarce. Mas ento, sir Philip Clifford, um cavaleiro implacvel e irresistivelmente bonito, se integrou ao grupo, trazendo memrias de beijos roubados, de anseios apaixonados e de uma noite em que Anne teria feito qualquer coisa para pertencer a ele... Anne gostaria de se concentrar na perigosa misso que tinha pela frente, mas a paixo selvagem e gloriosa que florescia entre ela e aquele guerreiro indomvel poderia provar que ele era o cavaleiro dos seus sonhos... e das suas fantasias!Digitalizao e Reviso: Crysty

Querida leitora,Anne uma jovem de origem humilde que, disfarada de nobre, se envolve em uma perigosa misso junto aos membros de uma irmandade secreta. Durante a jornada, reencontra Philip, um corajoso cavaleiro que se dispe a proteg-la. A atrao entre eles ainda forte e, enquanto arriscam a vida pelo rei, precisam decidir se esto dispostos a mudar os planos que tinham para o futuro...Leonice Pomponio Editora

Copyright 2007 by Gayle Kloecker CallenOriginalmente publicado em 2007 por HarperCollins Publishers

PUBLICADO SOB ACORDO COM HARPERCOLLINS PUBLISHERSNY. NY-USA Todos os direitos reservados.

Todos os personagens desta obra so fictcios. Qualquer semelhana com pessoas vivas ou mortas ter sido mera coincidncia.

TTULO ORIGINAL: One Knight Only

EDITORA Leonice Pomponio

ASSISTENTES EDITORIAIS

Patrcia Chaves

Paula Rotta

Vnia Canto Buchala

EDIO/TEXTO

Traduo: Juliana Barbanogo

Copidesque: Maiza Prande Bernardello

Reviso: Giacomo Leone

ARTE Mnica Maldonado

MARKETING/COMERCIAL Andra Riccelli

PRODUO GRFICA

Snia Sassi

PAGINAO Ana Beatriz Pdua

2009 Editora Nova Cultural Ltda.

Rua Paes Leme, 524 10" andar CEP 05424-010 So Paulo - SP

www.novacultural.com.brImpresso e acabamento: RR DonnelleyCaptulo IYorkshire, 1486A primeira vez que a criada Anne Kendall fingira ser uma nobre fora trancafiada em uma torre e apenas mantivera o disfarce por causa de uma pessoa. E l estava ela novamente, cavalgando pelas plancies verdes prximas a York, entre os coloridos pavilhes do torneio, de cabea erguida e trajes finos, transmitindo a imagem de uma mulher rica e poderosa. Fazia-se passar por lady Rosamond Wolsingham, filha de um duque e viva de um conde, uma mulher conhecedora de segredos pelos quais os homens seriam capazes de matar ou morrer.

Anne no parava de pensar um s minuto nos perigos que a cercavam. Mas tinha seu pequeno cortejo de soldados que se mantinha por perto o tempo todo, bem como a criada de Rosamond, para dar mais veracidade ao disfarce. Todos a acompanhavam enquanto passava por entre o grupo de cavaleiros e escudeiros, damas e serviais, em direo muralha da cidade e estalagem onde se hospedariam. Ficara uma semana sob a tutela de Rosamond para aperfeioar sua interpretao, e assim poder visitar o primeiro castelo da lista de pretendentes da condessa. Graas a Deus, Rosamond tinha um roteiro para a jornada de Anne at Londres, caso contrrio no conseguiria manter o foco das pessoas nela enquanto fazia sua viagem secreta.

Mas aquele torneio de Yorkshire no estava nos planos de Rosamond. Ali, a comitiva poderia cruzar com pessoas que conheciam a verdadeira condessa, e que perceberiam a farsa. Por isso, Anne aceitou o conselho de seus soldados e comeou a usar um vu para esconder o rosto. No havia a menor possibilidade de assistir ao torneio, mas enquanto passava por um campo cercado de uma multido muito animada, ela pde ver dois combatentes em suas armaduras, investindo suas espadas um contra o outro. A batalha parecia intensa demais para um simples torneio. Um dos cavaleiros chegou a perder o elmo durante um golpe sofrido, mas apenas balanou os cabelos castanho-avermelhados que brilhavam ao sol, sorriu, e mesmo com a cabea descoberta continuou a atacar seu oponente. Era um combatente brilhante, mas inconseqente, pois pouco se importava com sua segurana.

Anne sentiu um calafrio ao reconhecer o cavaleiro: sir Philip Clifford. Aquele era um homem que poderia reconhec-la com facilidade, e talvez at cham-la pelo nome. Ela virou a cabea e deu um forte tapa nos flancos de sua montaria para sair rpido dali. Mas em seu ntimo ressurgia algo quente e latente, e Anne abominava a fraqueza que sentia com relao a isso. No se podia permitir tal distrao, principalmente com lembranas daquele cavaleiro e do dio que ele evocava dentro dela.

A taverna, no andar trreo da estalagem, estava abarrotada de homens e mulheres alegres, sorridentes e bbados, e Philip Clifford queria aproveitar cada minuto da festa. Naquele dia, ele derrotara todos os seus oponentes, e usava parte do prmio em dinheiro que recebera para comemorar. Satisfazia-se em manter seu nome comentado pela sociedade; se aquela seqncia de vitrias continuasse, com certeza, sua fama chegaria aos ouvidos do rei. Tinha inteno de ser um dos homens de confiana da realeza, quem sabe seu melhor cavaleiro, e assim viver na corte e conseguir um bom casamento. O rei assumira o poder um ano antes. E todo rei necessita de homens em quem confiar... Philip queria ser um deles.

Servir ao rei nunca foi meu verdadeiro objetivo, mas..., pensou, bebericando a cerveja enquanto puxava a saia de uma criada loira que saracoteava por l. Ela respondeu ao gesto com um sorriso e uma piscadela. Philip costumava preservar sua moral, focado em ser to digno quanto os cavaleiros da Irmandade da Espada, o misterioso grupo de homens que agia apenas em situaes extremas. Crescera ouvindo as histrias de sua me sobre a incrvel Irmandade e seus valorosos feitos, mas abandonara o desejo de se juntar a eles. Depois de acompanhar a servio seu amigo John Russell, que pouco antes havia se casado e se tornado o conde de Alderley, Philip no recebera o convite para se juntar ao grupo, embora John o tivesse recebido. Assim sentiu que era hora de comear a agir por conta prpria. Partira Inglaterra afora, procurando chances de demonstrar seu talento, ganhar algum dinheiro e, quem sabe, a ateno do rei.

s vezes a solido da jornada o incomodava. Sempre fizera parte de algum grupo, primeiro soldado, depois cavaleiro, mas naquele momento no estava submetido a ningum. Por vezes conseguia que uma linda servial tornasse suas noites mais agradveis, mas at isso comeou a perder a importncia. Queria que sua vida tivesse um sentido. Ento, quando a criada voltou a ateno outra vez para ele, colocando as mos em seus ombros, ele apenas sorriu, sem fazer nenhum tipo de convite moa.

Muitas mulheres passavam roando-se nele, at a esposa de um mercador, mas Philip apenas fazia charme e sorria para elas. At que resolveu agarrar uma delas pela cintura e coloc-la sentada em seu colo. Ouviu-se um urro de aprovao, e ele inclinou-se sorridente para analisar a presa. Porm, para sua surpresa, ela usava um vu que o impedia de enxergar-lhe o rosto com clareza. Via apenas cabelos negros bem escovados e presos sob um pequeno chapu. Por trs do vu conseguia visualizar olhos tambm negros, grandes e incompreensveis. Ao reconhec-la, encheu-se de desejo. Era Anne Kendall! No a via fazia vrias semanas, mas seu corpo lembrava-se muito bem dela. Quando a conheceu, acreditava que fosse lady Elizabeth Hutton, e de novo estava vestida com tanta elegncia quanto naquela ocasio, com uma longa saia de seda. As vestes dela deslizavam por suas pernas, suas coxas a acomodavam, seus braos a seguravam como se fossem amantes. Ela era ao mesmo tempo delicada e forte, uma mulher que conseguira enganar um visconde por vrios dias para impedi-lo de desposar Elizabeth. Era um desperdcio que fosse apenas uma servial. Antes que pudesse formular qualquer pergunta, ela encostou um dedo em seus lbios e ofereceu-lhe um sorriso atrevido.

Bem, senhor cavaleiro, por acaso est tentando conquistar um espao em minha cama?

Philip arqueou uma sobrancelha, surpreso, mas no pde responder porque um homem a arrancou de seu colo e o ameaou com um punhal no pescoo. Ainda sorrindo, ele levantou as mos vazias.

No tenho nenhum problema com voc, amigo!

Fique longe dela! o homem resmungou. Era um sujeito de meia-idade, mas parecia bastante experiente em batalhas. A condessa no para voc!

Talvez ela queira ter o direito de escolher Philip respondeu, sob aprovao de todos os presentes.

Ele ainda arriscou um olhar para Anne, mas ela apenas sorriu com malcia e balanou a cabea, enquanto dois homens armados a tiravam do salo. O primeiro ainda continuou com Philip, encarando de forma ameaadora todos ao seu redor; depois embainhou o punhal e saiu.

Os companheiros de farra de Philip ficaram boquiabertos, e ele arriscou um gracejo: Ela no sabe o que est perdendo, no ?

Ele se obrigou a participar do riso que ecoou pelo salo. Sir Peter, um de seus oponentes no torneio, o corrigiu:

Ao contrrio do que pensa, acho que ela j conhece algumas coisas da vida... Lady Rosamond viva, j ouvi falar dela.

Philip manteve o sorriso no rosto, prestando ateno ao que o cavaleiro lhe contava.

Quem era o marido?

O conde de Wolsingham. Morreu em um trgico acidente, bem jovem. Lady Rosamond uma mulher sem igual; enriqueceu por seu prprio mrito. Ouvi dizer que est em uma jornada procura de novo marido.

Philip lanou um olhar para a porta por onde Anne desaparecera. Em que confuso ela teria se metido dessa vez?

Anne entrou depressa em seu pequeno quarto e se deparou com Margaret, criada de lady Rosamond, esticando sua camisola sobre a cama. A servial, mida e sardenta, de cabelos castanho-claros, fitou-a espantada. Ao ver os trs soldados escoltando-a, Margaret deu uma tossidela sem-graa e escondeu a roupa em suas costas. Anne riu da reao da criada, mas parou ao ver a expresso carrancuda de sir Walter, o capito de sua pequena guarda.

O espao do aposento era quase totalmente tomado por uma cama, um ba com roupas de cama extras e uma pequena lareira. O pouco que sobrava foi preenchido pela fora dominadora que emanava de Walter. Era um homem grisalho, longe da juventude, mas no to perto da velhice. Os cabelos eram curtos e acinzentados, e aparentava ter sempre a barba por fazer, mesmo que tivesse acabado de barbear-se. Seus ombros eram largos como os de um guerreiro, o que fazia Anne imaginar o tipo de vida que ele levava quando no estava servindo Irmandade da Espada. Decerto estava acostumado a comandar. Anne nem sequer sabia os sobrenomes dos cavaleiros de sua escolta. A Irmandade prezava o anonimato.

A senhorita deveria ser mais cuidadosa em um lugar to pblico! Walter a repreendeu com severidade.

Os outros dois cavaleiros, sir David e sir Joseph, sentaram-se nos bancos, um de cada lado da porta, cruzaram os braos no peito e tentaram parecer to severos quanto Walter.

Sir Walter Anne comeou a falar com calma , o que eu poderia fazer? Fiz minha parte. Sei que deveramos ter evitado York, mas foram as chuvas fortes que nos foraram a parar aqui.

Mas o torneio...

Sim, eu sei, o torneio no estava em nossos planos. Mas eu estava coberta pelo vu. Alm do mais, iremos embora amanh bem cedo.

Por um momento, Anne pensou em mencionar Philip, mas logo desistiu. Quem sabe ele no a tivesse reconhecido... Ou ser que s estava envergonhado pela maneira como a tratara quase dois meses antes? Tinha esperana de que estivesse.

Jovens pajens entraram no quarto com a tina e a gua quente que ela pedira, passando, incertos, por entre os sisudos cavaleiros. Anne deu a cada um dos servos um sorriso e uma moeda, e pediu para no ser incomodada at a manh seguinte.

Enquanto os cavaleiros deixavam o local para se recolher, em aposentos de ambos os lados do quarto de Anne, David, um homem loiro e to alto que tinha que se abaixar para passar pelas portas, voltou-se para ela:

Lady Rosamond, lembra-se de qual a melhor maneira para se proteger?

Anne olhou ao redor e encontrou o que precisava.

Prometo colocar aquele ba atrs da porta.

Muito bem!

David sorria pouco. Todos os cavaleiros cumpriam suas obrigaes de maneira muito sria e gestos de delicadeza tinham que ser praticamente arrancados.

Era difcil viajar com eles. A Irmandade devia t-los treinado para focar sempre em suas misses e no estreitar as relaes. Nada de sobrenomes, brincadeiras ou acompanhantes. Sem ligaes emocionais, ningum sairia ferido. Anne compreendia, mas a situao trouxe tona pensamentos sobre Philip, que no momento estava em algum lugar naquela mesma estalagem. Na ltima vez em que haviam estado juntos, ela se sentia solitria demais para tomar decises inteligentes. Margaret a ajudou a desamarrar o vestido.

Precisa de algo mais, milady?

Ela era jovem, um pouco fria e distante, mas bastante zelosa por saber que aquele disfarce ajudaria sua senhora, a verdadeira lady Rosamond. Apesar de ter hesitado em chamar Anne de milady no comeo, com o passar do tempo fora se acostumando. Mas Anne entendia que Margaret a enxergasse apenas como uma pobre substituta de sua senhora. Em troca de seus prstimos, a criada exigira dormir sozinha em um quarto. Afinal, Anne e ela eram da mesma classe social, ambas meras serviais. Os Irmos, embora relutantes, tinham acabado aceitando a condio.

No, Margaret, pode ir se deitar. Obrigada pela ajuda Anne respondeu.

Quando a criada se retirou, Anne empurrou o pesado ba at a porta, indignada consigo mesma por se sentir to abalada. No queria pensar em Philip. Ele era uma conexo com o passado, com a ocasio em que vislumbrara pela primeira vez que poderia ser til, evitando um casamento no desejado para Elizabeth. Ela tambm era til agora, e to importante quanto antes. Tinha uma misso e um objetivo, e era muito bom se sentir assim.

Naquela poca, achara que Philip tambm precisava dela, e dividira com ele seus sentimentos mais profundos, uma paixo arrebatadora que lhe roubava a sanidade e o amor prprio. Lembrou-se do quanto estivera vulnervel, a rejeio de seus pais fazendo-a sentir-se revoltada e sem rumo. Precisava parar de pensar nisso.

A tina era maravilha, funda o suficiente para uma mulher mergulhar at o pescoo na gua tpida. Anne ensaboou-se com calma e recostou-se para aproveitar o calor da gua. Fechou os olhos e deixou os pensamentos vagar.

De repente, algo se mexeu na janela. Assustada, ela abriu os olhos e viu um dos lados da cortina se abrir. Em seguida, um p apareceu no batente. Sobressaltada, ela se sentou, puxando a toalha de linho para encobrir os seios.

No a primeira vez que isso acontece!, pensou, enraivecida.

Outro p apareceu, depois uma mo segurando a beirada da janela, e por fim um rosto. Embora a luz da vela fosse insuficiente para que enxergasse com clareza, soube de pronto quem era o visitante. Seu corao traioeiro comeou a bater descompassado.

Philip Clifford!

Ele se inclinou, colocou a cabea dentro do dormitrio e, rindo, perguntou:

Posso entrar? No v atirar o contedo do urinol na minha cabea...

No poderia apenas ter batido na porta?! Anne vociferou, afundando na tina o mximo que pde. A toalha e a gua escondiam-lhe o corpo nu, mas ainda assim ela se sentia exposta.

Eu no bati da ltima vez...

Da ltima vez eu era uma prisioneira, desesperada por companhia... E no estava tomando banho!

Philip entrou no quarto, mas no se aproximou muito da tina, para alvio de Anne.

Pois , foi por isso que vim... No para v-la tomar banho, embora deva confessar que este um bnus bastante interessante.

O cavaleiro baixou o olhar para seu rosto, e Anne tentou vislumbrar o que ele poderia estar enxergando.

A senhorita uma prisioneira outra vez... lady Rosamond?A voz dele agravou-se com a suspeita. Sarcasmo? Preocupao? Anne no o conhecia to bem para perceber a diferena... Mas conhecia o gosto de seus beijos, e os milagres que aquelas mos faziam em seu corpo. Respirou fundo para tentar se livrar das lembranas.

Estou aqui de muito bom grado.

Tambm estava da ltima vez que nos vimos, mas ainda assim era uma prisioneira.

Os soldados so meus guardies, no meus carrascos. Muito obrigada pela preocupao, sir Philip, mas pode ir embora agora.

Em vez de obedecer, ele andou em direo claridade da vela, permitindo que Anne enxergasse sua forma fsica. No era um homem de traos delicados; o rosto era anguloso, o maxilar quadrado, e a boca grande e carnuda. O corpo, embora musculoso, era mais magro do que o de vrios de seus oponentes que, portanto, o subestimavam.

Anne imaginou que muitos homens pensavam que apenas seus corpos mais pesados seriam o suficiente para derrot-lo, mas Philip era forte e gil, e ela sentiu um calor embaraoso ao lembrar-se da cena na taverna, de como ele a arrastara para o colo na frente de todos... E tambm de como ele a visitara em segredo por vrios dias no Castelo Alderley, enquanto era mantida prisioneira, em um jogo de poder e seduo no qual fora inconseqente o suficiente para gostar de participar.

E naquele momento l estava ele, encarando-a com os sagazes olhos verdes, reluzentes como um gramado iluminado pelo sol. Por que diabos ela se sentia to intimidada com sua presena? Sabia bem at onde podiam chegar... Para Philip o que acontecera tinha sido apenas uma diverso, nada mais do que isso.

E ento, l estava ela, nua. Ele no teria coragem de tirar proveito disso... Ou teria? Anne sentiu-se inquieta. Elizabeth Hutton, a quem servira desde a infncia e que se casara com o melhor amigo de Philip, lhe contara que lorde Alderley fora convidado para se juntar Irmandade da Espada, e ele no. Embora externamente parecesse o mesmo homem bem-humorado de sempre, sentia que Philip mudara depois disso, como se a recusa da Irmandade tivesse mexido com seus sentimentos mais ntimos.

O que ele faria se descobrisse que ela havia sido convidada para trabalhar para a Irmandade?

Apesar de ainda no ser um membro, Anne planejava se tornar um ao final daquilo tudo. Preparava-se para convenc-los de que tinha talento suficiente para ser a primeira mulher entre os Irmos. No podia dizer nada a Philip sobre isso ou sobre sua misso, pois prometera guardar o segredo de lady Rosamond.

Philip, de repente, aproximou-se da tina, colocando as mos na beira enquanto a fitava. Uma frustrante sensao de calor tomou conta dela. O cavaleiro j presenciara muito mais do que a viso de seu corpo nu, beijara-a to intimamente que Anne ainda sentia-se estremecer com a lembrana. Forou-se a ignorar tais sensaes, e como no podia afundar ainda mais na gua, encarou-o com frieza e procurou manter o tom de voz. Por que ainda no foi embora?

No posso deix-la aqui assim, se fazendo passar por outra pessoa.

No estou...

No menospreze minha inteligncia, condessa. No isso que est fingindo ser? Apontou para o vestido pendurado em um gancho na parede. Esses trajes finos obviamente no so seus!

Anne mordeu o lbio e arregalou os olhos. O que mais poderia fazer, a no ser contar-lhe a verdade? Ele poderia sem querer arruinar tudo para ela... e para lady Rosamond. Se sua verdadeira identidade chegasse ao conhecimento de pessoas erradas, ento a condessa estaria realmente em perigo. Pensou que talvez ele se contentasse com apenas uma parte da verdade. Seu olhar encontrou as ris verdes, implorando por sinceridade; a gua estava ficando gelada, e era difcil manter a compostura enquanto seus joelhos tremiam de frio, ainda mais sendo observada por um homem que sabia bem como transformar o olhar em uma verdadeira arma de seduo.

Ah, sim, as roupas... Elas pertencem a outra mulher, lady Rosamond Wolsingham.

o que me disseram.

Algum no salo sabe quem eu sou?! ela perguntou, atnita e preocupada. Ningum aqui deveria conhecer essa identidade. Philip arregalou os olhos.

E voc escolheu York deliberadamente?

No fui eu... comeou a dizer, mas calou-se, de sbito.

Lorde Alderley sabe disso?

Ela hesitou e percebeu que estava se traindo. Sentiu um calafrio, o que Philip notou. Inclinando-se, ele murmurou:

Prometo que vou deix-la sair da tina se me contar tudo.

Est me desafiando a levantar? ela perguntou, colocando as mos na borda como se fosse se pr em p. Era uma atitude arriscada e audaciosa, mas ela no tinha nada a perder; nenhum dote, nenhum futuro, apenas aquele disfarce.

Philip endireitou o corpo.

Voc vai morrer congelada se permanecer a.

Bem, e a culpa vai ser...

Tenho sua palavra que vai me dizer a verdade?

Sim.

Parte dela, Anne pensou.

Philip permaneceu ao lado da tina, olhando para Anne submersa na gua cheia de espuma. Naquele momento, o tempo pareceu parar: as mos dela segurando na borda, gotculas deslizando dos ombros at os seios escondidos nas bolhas de espuma. Ela no tinha idia do quanto ele podia ver-lhe do corpo, e Philip no tinha a menor inteno de deix-la saber. Era difcil manter a expresso de imparcialidade quando podia enxergar vagamente os mamilos rosados, e uma sombra escura onde as coxas se encontravam.

Ah, ele j provara a maciez daquele pele alva, tendo, inclusive, estado entre as coxas sensuais, mas sua honestidade o havia impedido de ir at o fim. Desde ento seu desejo por ela nunca o deixara em paz, ficando escondido no canto mais obscuro de sua mente, esperando a chance de vir tona e consumi-lo.

Voc precisa se virar... Anne disse, erguendo o rosto para encar-lo com firmeza.

Philip foi at a janela e ficou olhando para o estbulo iluminado apenas por uma tocha. Podia ouvir Anne se mexendo, o barulho da toalha de linho com que se enxugava, e o rudo das roupas sendo colocadas.

Pronto, estou vestida!

Quando ele se virou, Anne estava sentada em frente lareira, usando uma camisola branca com fitas amarelas que cobria suavemente a pele alva e parecia flutuar nas curvas delicadas de seu corpo. Escovava os cabelos, prxima ao fogo, soltando os cachos para sec-los. Nunca a vira de cabelo solto, embora j tivesse at sonhado com isso. Como criada, Anne precisava mant-lo sempre preso. Mais uma vez se viu fascinado por ela: cabelos to negros que a claridade chegava a deix-los azulados; os olhos eram to escuros quanto os cabelos, e cheios de segredos. A pele, por outro lado, era alva e uniforme, e os lbios, naturalmente rosados.

No vai fazer nada a no ser ficar a me encarando? ela perguntou baixinho.

Estou decidindo se posso acreditar em voc.

Eu nunca menti.

Anne parou de falar quando Philip arqueou uma sobrancelha. Ruborizada, voltou a olhar para o fogo e continuou a mecnica escovao dos cabelos.

Tudo bem, eu menti sim corrigiu-se , mas foi por uma boa causa. Salvei a vida de minha senhora ao me passar por ela trancafiada na torre, deixando-a livre para encontrar uma maneira de se salvar. Tambm ajudei lorde Alderley, no foi? Alm do mais, voc tambm mentiu!

Concordo. Ambos fizemos o que tinha de ser feito por nossos amigos. Eu tambm fingi ser outra pessoa.

Voc fingiu ser um excelente servial.

Anne sorria com calma, dando a impresso de que estava sempre no controle, nunca incomodada com nada. Philip passou a imaginar que tipo de treinamento uma criada como ela teria tido para chegar quele ponto, to talentosa ao fingir ser algum superior sua real condio social. Sabia que Anne fora criada o educada com lady Elizabeth, e que as duas mantinham uma amizade muito maior do que a mera relao entre uma dama e sua aia. Ainda assim havia algo mais em Anne. Ela exalava autoconfiana, e isso ainda o intrigava. Queria conhec-la melhor.

Philip se aproximou mais, mal conseguindo se controlar. A cada escovada que Anne dava nos cabelos, ele podia sentir o aroma da essncia de flores que ela usara. Seria to mais fcil se simplesmente esquecesse seus questionamentos... Apoiou-se no consolo da lareira e a encarou.

Pois bem, por que est fingindo ser lady Rosamond?

Porque ela me pediu.

Voc a conhece?

Ela foi dama de companhia da me de Elizabeth quando eu ainda trabalhava no Castelo Alderley.

Por que uma mulher nobre necessitaria de tal favor?

Anne mantinha o olhar fixo no fogo, o que o deixava ainda mais intrigado.

Milady deve ter suas razes. O fato que estou viajando para Londres, entrevistando maridos em potencial pelo caminho.

Entrevistando maridos em potencial? Philip zombou. Com certeza voc no sabe que tipo de homem agradaria lady Rosamond!

Ela me deu uma lista.

Pois ainda assim suspeito de algo mais srio que isso, e acho que John sabe do que se trata.

Anne o encarou com tamanha segurana que chegou a impression-lo.

Por que pensa que lorde Alderley estaria envolvido?

Porque voc hesitou quando eu perguntei se ele sabia de alguma coisa. Ou isso tem algo a ver com sua esposa ou com a Irmandade da Espada da qual faz parte. E em ambos os casos, ele saberia.

Mencionar a Irmandade encheu o quarto de uma tenso que at ento no parecia to bvia para Philip. Naquele momento, ele teve a certeza de que a Irmandade estava envolvida na encenao, embora Anne meneasse a cabea, negando.

Oh, sim, a Irmandade da Espada... ela atalhou, rindo com sarcasmo.

Philip estava impressionado com a habilidade daquela mulher em dissimular.

Sim, senhora, a Irmandade! Eles sabiam sobre seu disfarce no caso de lady Elizabeth. Quem mais poderia pensar em voc para este caso?

Elizabeth contou a lady Rosamond que...

Lady Elizabeth jamais a colocaria em uma situao arriscada como esta por vontade prpria, Anne. bvio que isso tudo foi algo que outras pessoas pediram a voc para fazer, e voc aceitou.

apenas uma brincadeira, uma travessura! Nada perigoso.

Ento por que h cavaleiros armados escoltando-a o tempo todo? Onde eles esto agora?

Anne empinou o nariz em sinal de obstinao.

Em seus aposentos, um de cada lado do meu.

Ento os famosos membros da Irmandade da Espada no me ouviram invadir seu quarto?

Philip, quem imaginaria que algum poderia descer do telhado at quatro andares antes do cho?

O cavaleiro sorriu, triunfante, e s ento Anne percebeu que, sem querer, havia esclarecido sua dvida.

Quero dizer, os guardas... tentou corrigir-se rapidamente, mas era tarde.

Os Irmos.

Philip chegou a sentir um aperto no peito ao se dar conta de que os Irmos tinham convidado outra pessoa que ele conhecia para uma misso. Anne era capacitada, e ele no invejava a oportunidade que lhe fora concedida. O que o incomodava era o fato de que, fazia pouco tempo, ele mesmo havia conhecido alguns dos membros, com os quais treinara, e ao lado de quem lutara. Achava ter conseguido provar seu valor, mas eles tinham resolvido convidar seu amigo John, o ento conde de Alderley, para se juntar ao grupo, e o haviam deixado de fora. Embora com dificuldade, decidira desistir do sonho de ser um membro da Irmandade.

No estava disposto a passar a vida toda tentando se mostrar merecedor de um lugar em meio quele misterioso grupo.

Mas por que a Irmandade teria se envolvido com Anne? Certamente no seria para algo inofensivo.

Ento os Irmos a esto escoltando numa falsa jornada procura de um marido... Philip ponderou.

Anne apenas suspirou, continuando a lenta escovao dos cabelos.

E voc est se passando por lady Rosamond a pedido dela, porque a dama no poderia cuidar disso sozinha...

Anne concordou.

No acredito que tenha aceitado essa situao sem saber qual o verdadeiro problema!

Philip ajoelhou-se diante dela, e Anne foi obrigada a encar-lo. Arregalou os olhos ao perceber o quanto estava prximo, ainda mais quando ele colocou as mos em seus joelhos.

O que est acontecendo Anne? No pense voc que vou deix-la numa situao como esta. Devo muito a John e Elizabeth. Respeito suas habilidades, mas no consigo entender por que est se arriscando tanto! Com certeza, alguns nobres de sua lista se sentiro muito ofendidos quando descobrirem que foram enganados!

Anne empinou o nariz outra vez.

Ningum vai descobrir! Treinei muitos dias com lady Rosamond. Aprendi muito bem seus trejeitos e a maneira como se comporta.

E por que tanto profissionalismo para apenas uma brincadeira, uma travessura?

A falsa condessa abaixou o olhar para o prprio colo e permaneceu em silncio.

Philip tomou-lhe as mos entre as suas.

Voc sabe por acaso o que os homens esperam de uma viva experiente? Como vai lidar com isso?

Anne libertou-se das mos tentadoras.

Da mesma forma como lido com qualquer homem que tente ultrapassar os limites! respondeu, consternada.

Assim como lidou comigo? Anne respondeu por entre os dentes:

Como ousa?! Fez uma pausa e respirou bem fundo para voltar razo. Lady Rosamond selecionou homens que no a conhecem.

Pior ainda! Como ela pode prever a forma como estranhos se comportaro com voc?

Philip, vamos parar por aqui... Anne implorou. Voc no vai me fazer desistir. Isto muito importante, e eles no tero xito sem mim.

Ter xito em qu, meu Deus?

Philip agachou-se, mantendo o rosto de Anne entre as mos. Sabia que no fundo estava se aproveitando da atrao que existia entre eles, mas precisava descobrir a verdade e mant-la a salvo. Tentava convencer a si mesmo de que era o que devia a John e Elizabeth, mas no fundo sabia que era mais do que isso. Tinha medo de que algum estivesse se aproveitando da ingenuidade de Anne. Devia isso a ela pelas liberdades que tomara semanas antes.

Os dois se entreolharam por alguns minutos. A luz da lareira iluminava metade do rosto de Anne, deixando o outro lado na escurido. Philip pde sentir o pulso dela e as rpidas batidas de seu corao. Viu-a estremecer quando acariciou a pele macia e a abraou. Ento achou melhor se esquivar.

Voc no pode contar nada a ningum ela disse.

Philip concordou. Parecia enfim estar prximo de entender tudo.

A vida do rei corre perigo!

Ele se sentou nos calcanhares, atordoado e confuso. Foi a vez de Anne confort-lo, tocando-o nos ombros.

Prometa, Philip, jure por tudo o que h de mais sagrado, que o que vou lhe contar no sair deste quarto.

Eu prometo.

H algumas semanas, em um torneio em Durham, lady Rosamond escutou trs homens discutindo uma conspirao contra o rei Henrique.

Eram seguidores do rei Ricardo? Embora tenha sido Henrique quem o matou em batalha, pode ser que se sintam os verdadeiros herdeiros do trono.

Lady Rosamond no sabe os motivos por que no conhece aqueles homens. Ela pde ver-lhe os rostos, mas no sabe seus nomes. Anne levantou-se e se distanciou.

Philip tambm se levantou, franzindo o cenho enquanto refletia sobre aquele dilema. Estava chocado, mas sentia dificuldade para raciocinar enquanto prestava ateno a Anne caminhando pelo dormitrio com graa, a barra da camisola ondulando ao redor de suas pernas. Era bastante alta para uma mulher, mas suas curvas eram proporcionais e provocantes.

Ento lady Rosamond precisa informar o rei sobre isso e, como no conhece aqueles homens, pois apenas os viu, ter de identific-los pessoalmente, concluiu.

Lady Rosamond corre algum perigo porque os homens a viram? Philip a encarou, tentando entender onde Anne entrava na histria. Por acaso voc est sendo usada como isca para os traidores?!

No! O olhar dela era sincero. Jamais me colocariam em tal perigo. Lady Rosamond tem certeza de que os traidores no a viram, nem imaginam o que ela sabe. A Irmandade no quer que nada d errado, ento est escoltando-a at Londres em segredo; mas ela no podia simplesmente "desaparecer" da sociedade logo aps ter anunciado sua procura por um novo marido.

E foi ento que resolveram pedir sua ajuda... Anne concordou com um sorriso de alvio.

Anne Philip murmurou, aproximando-se dela , bvio que voc se sentiu orgulhosa com o convite. Seu talento para se passar por outras mulheres deve t-los impressionado.

Em vez de se sentir lisonjeada com o comentrio, Anne parecia ainda mais retrada.

Mas ser que no consegue perceber o quanto isso perigoso? ele continuou. Voc est exposta enquanto lady Rosamond se esconde. Desconhece o que estes traidores esto sabendo. Veja s, eu poderia muito bem ser um deles e ter entrado pela janela sem que ningum me impedisse.

Est errado, Philip. Estou aqui justamente para distrair as pessoas do desaparecimento da condessa, para que ningum desconfie do que ela est sabendo.

Nem sequer destinaram uma tropa inteira para proteg-la!

No poderiam! Se eu aparecesse com uma tropa de soldados, sem mais nem menos, seria muito suspeito! Todas as atenes se voltariam para lady Rosamond, no mesmo?

Mas uma escolta com apenas trs soldados, Anne?!

Trs cavaleiros, membros da Irmandade da Espada, qualificados e treinados. Eram quatro, mas um deles quebrou a perna em uma queda e teve de ser mandado para casa.Ao terminar de falar, ela se lembrou da frustrao de Walter ao ter que mandar de volta um de seus homens. Contatar outro membro da Irmandade levaria muito tempo e, apesar de nunca demonstrar nenhum tipo de sentimento, ela sabia que o capito estava bastante preocupado com a segurana de todos. Agora, por ironia do destino, l estava Philip, um cavaleiro qualificado, que j havia trabalhado para a Irmandade... Anne quase gritou de desespero ao pensar em passar o dia todo ao lado dele, arriscando-se a ter uma recada. Era melhor no contar a Walter sobre ele. Precisava permanecer firme em sua misso. O que sentia por Philip s atrapalharia seu caminho.

Mas e se algum for ferido ou morto porque no h homens suficientes na minha escolta?, ponderou, suspirando. Deveria contar a Walter sobre a visita de Philip, e deixar a deciso por conta dele? Concluiu que seria o melhor a fazer, apesar de desejar que Walter o recusasse! Se Philip se juntasse a eles, fatalmente acabaria descobrindo seus planos de se tornar a primeira mulher membro da Irmandade. Ser que tentaria impedi-la?

Philip, confio na minha capacidade de cumprir a misso.

E s por isso devo ignorar tudo o que me contou?

Anne colocou as mos no peito dele.

Voc me deu sua palavra! lembrou-o. Pretende quebr-la e contar tudo isso para algum?

No, claro que no! Mas no posso continuar minha prpria jornada assim, preocupado com voc e sem notcias.

Oh, sim, certamente est preocupado, assim como quando me seduziu em Alderley! Anne no conseguia se livrar daquela lembrana que tanto a magoava.

Vai ficar hospedado aqui?

S mais alguns dias.

Ento prometo que entro em contato se precisar de algo. Pegou-o pelo brao e o conduziu at a janela. Quando ameaou empurr-lo, ele a segurou.

Sabe que no estou preocupado com voc apenas por remorso pelo que aconteceu entre ns, no sabe?

Anne ruborizou.

Sim, eu sei...

Por um breve momento, ambos ficaram em silncio. Depois, Anne tentou se livrar dele outra vez, mas Philip segurou-a com mais fora, encostando seu corpo ao dela.

Anne...

No, no faa isso! ela o repreendeu, consternada. Eu jamais deveria ter imaginado que poderia ser mais do que uma simples criada para voc!

Anne, voc no...

Acredite em mim, sou-lhe grata por ter tido a hombridade de me dizer que no se casaria comigo antes de consumarmos aquele ato.

E por que no sinto orgulho nenhum por isso?

Ao menos voc foi honesto!

Na ocasio em que Anne se vira nua, aninhada nos braos fortes, to perto de se entregar a ele, a revelao a fizera se sentir humilhada e furiosa. Mas quando tinha se afastado e se acalmado, sentira-se grata por saber a verdade antes de se apaixonar perdidamente, ou pior, antes de entregar-se a ele.

Tenho certeza de que se sair bem em sua procura por uma mulher nobre para se casar ela continuou, antes de conseguir se esquivar e sair de perto dele.

Voc aceitaria um pedido de desculpas?

O assunto est encerrado para mim.

Ento por que continuo achando que no?

O que mais posso dizer para convenc-lo a ir embora? Anne comeava a se sentir acuada.

Philip meneou a cabea, como se tivesse o dom de ler pensamentos, subiu no peitoril da janela e se agarrou ao n da corda que vinha do telhado. Virou-se para Anne.

Por favor, me avise se precisar de mim, lady Rosamond.

Ele tomou impulso no parapeito da janela e segurou a corda. Anne sentiu um frio na espinha s de imaginar o que aconteceria se ele casse no cho, quatro andares abaixo, mas apenas uniu as mos em uma prece e ficou olhando.

Philip jogou as pernas para o lado e foi descendo pela corda at atingir uma altura segura para saltar. Uma vez no cho, comeou a escalada para o telhado, por um lugar onde no podia ser visto.

Anne ficou na janela at perceber a corda sendo puxada para o telhado antes de desaparecer. Ela fechou as cortinas e ficou parada, olhando o aposento deserto. A princpio, pensou no luxo que era no ter que dividir o quarto com ningum. A nica vez que gozara de tal regalia fora ao ser mantida trancada na torre e, claro, no tinha sido nem de longe a mesma coisa. Nas noites que haviam antecedido aquela jornada, dissera a si mesma que era uma viva rica e renomada, que podia fazer o que quisesse, inclusive dividir o quarto com quem bem entendesse; pensar assim fazia parte da preparao para se tornar lady Rosamond. Mas, de repente, a ausncia de Philip fez o quarto parecer frio e solitrio... Odiava se sentir daquele jeito, uma mulher sozinha e desesperada.

No, no estava desesperada! Tinha um projeto para sua vida, e Philip no fazia parte dele. Tudo que queria provar para a Irmandade era que podia ser um membro valoroso, de grande ajuda e, acima de tudo, permanente. E se tivesse que conviver com Philip para isso, o faria sem problemas!

Anne dormiu mal aquela noite. Antes mesmo de amanhecer estava acordada e vestida, e j tinha dado um lao meio desajeitado no vestido.

Milady? Margaret, que costumava acord-la, bateu porta antes de entrar. Levantou cedo, milady!

Preciso falar com sir Walter. J comecei a arrumar minhas coisas. Se puder terminar, eu agradeo. Voltarei o mais breve possvel.

Sim, senhora.

Anne estava quase pedindo para que Margaret fosse menos formal, mas percebeu que seria imprudente faz-lo. O uso dos ttulos fazia com que todos se lembrassem do quanto era importante que Anne parecesse ser quem dizia ser. Suspirando, foi at o quarto ao lado e bateu porta.

Sir Walter apareceu, to carrancudo que quase a fez dar meia-volta.

Milady? ele a cumprimentou, arqueando a sobrancelha.

Sim, eu sei, acordei muito cedo. Posso falar com o senhor em particular?

No adequado a uma mulher nobre o... Anne entrou no quarto sem mais delongas.

Mas eu sou uma viva, acostumada a fazer o que quero. Pouco me importa o que os outros vo pensar sobre meu comportamento.

Ele fechou a porta devagar.

Sim, claro!

O aposento era ainda menor que o dela, mas ele o ocupava sozinho, j que sir James deixara a comitiva por causa da perna quebrada. Anne parou perto da cama, j arrumada, e respirou fundo.

Sir Walter, se o senhor pudesse substituir sir James, faria isso?

Ele a encarou, alisando o queixo recm-barbeado.

Claro que sim, mas at a Irmandade mandar um substituto j teremos chegado a Londres. Portanto, melhor seguirmos com apenas trs guardas. J no tnhamos conversado sobre isso?

Sim. Porm, achei que seria interessante lhe contar que h outro cavaleiro hospedado aqui, e que ele j esteve em uma misso com a Irmandade antes.

Walter cocou a cabea, intrigado.

E como reconheceu um membro da minha Irmandade?

Ele no um dos membros da sua Irmandade. O senhor se lembra do homem que me puxou para o colo ontem?

Sim, eu me lembro. A voz de Walter assumiu um tom ainda mais srio; Anne achou que ali comeariam os protestos, mas ele apenas esperou que ela continuasse a falar, demonstrando um ar cada vez mais desaprovador.

Ento, eu o conheo de outro lugar. Mais do que isso, ele me reconheceu.

A expresso no rosto de Walter no mudou, mas os olhos deixavam claro que estava surpreso.

Como sabe?

Ele esteve em meus aposentos ontem noite.

E como ele conseguiu entrar se a senhorita colocou o ba atrs da porta conforme orientamos?

Pela janela. Walter franziu o cenho.

E a senhorita no gritou por socorro?!

Ele meu conhecido, sir Walter. Seu nome Philip Clifford. Era o homem de confiana de lorde Alderley e j atuou em uma misso com os Irmos.

Mas no um de ns.

No, de fato no .

J ouvi falar de sir Philip. Fui informado sobre seu passado.

mesmo? Anne perguntou, intrigada.

A senhorita concubina dele?

Anne deu um passo para trs, chocada com a pergunta. Tinha esperanas de que o rubor que aparecia em seu rosto fosse por causa dessa reao, e no por seus prprios sentimentos de raiva e culpa.

No, nem pense nisso! Ele veio ao meu quarto preocupado por eu estar abaixou o tom de voz me passando por lady Rosamond.

E o que disse a ele? Anne empinou o nariz.

Tentei dissuadi-lo, mas ele percebeu que havia algo errado. Por fim, achei que se no contasse tudo, sir Philip tentaria descobrir sozinho e poderia colocar nossa misso em risco.

Walter fechou os olhos e falou por entre os dentes:

Ento esse estranho sabe de tudo!

Ele sabe o que eu sei... O que, convenhamos, no tanto assim. Anne continuou: Achei melhor contar o que est acontecendo. Afinal, foi ele quem ajudou a me resgatar do cativeiro e unir lady Elizabeth e lorde Alderley, seu amigo e atual membro da Irmandade. Ela suspirou.

H motivos para que sir Philip no seja um de ns.

Anne ficou em silncio, esperando que Walter no aceitasse a ajuda de Philip. Sentiu-se um pouco culpada ao saber que a Irmandade tinha restries a ele.

Em primeiro lugar, sir Philip no se mostrou um homem digno Walter afirmou. Alm disso, a reputao dele de ser um homem que corre riscos inaceitveis, que no pensa antes de agir, est se espalhando cada vez mais. Essa no a conduta apropriada para um Irmo; o fato de ter invadido seus aposentos ontem noite apenas prova o que digo.

E como o senhor sabe de tudo isso?

Sou informado sobre tudo que diz respeito senhorita.

O senhor se informa tambm sobre a histria de todas as pessoas que j passaram pela minha vida?

Walter no respondeu. Anne colocou as mos no quadril, frustrada, tentando imaginar quantos boatos eleja ouvira sobre ela... e Philip. O velho cavaleiro suspirou.

Milady, a senhora me trouxe um dilema nada bem-vindo. Por um lado, sir Philip um excelente cavaleiro e um homem inteligente, que seria til em nossa jornada. Por outro, temo que ele possa nos trair de alguma forma, seja por vontade prpria ou de terceiros.

Ele jamais faria isso. Nem sequer sabe que vim falar com o senhor! Meu Deus, no acredito que estou defendendo aquele homem, pensou assim que pronunciou a frase.

A senhora , de fato, muito esperta, milady. Anne estremeceu.

No tive inteno de parecer esperta, apenas quis ser honesta.

E olha que tem motivos suficientes para no querer a presena dele tanto assim!

Dessa vez, Anne achou melhor nem responder.

Mas infelizmente nem sempre podemos fazer s o que queremos ele concluiu. Encaminharei uma missiva a sir Philip, pedindo que nos encontre na taverna Micklegate, fora dos muros da cidade. Se ele concordar, viajar conosco. Assim, poderei mant-lo sob minha vista; afinal, trata-se de um homem que sabe demais.

Se Anne tinha inteno de causar uma boa impresso Irmandade, definitivamente no estava conseguindo. Naquele momento, a nica coisa que podia fazer era concordar.

A partir de agora a senhorita deve fechar muito bem a janela.

Sim, eu prometo.

Anne deixou o quarto de Walter sentindo-se humilhada e com raiva. Porm, uma vez que tinha contado tudo a ele, o jeito era seguir adiante. Se Philip concordasse em se juntar comitiva, ela teria que manter distncia e jamais se permitir perder o controle outra vez.

A ponte levadia foi erguida, retraindo-se junto aos portes. Philip desmontou do cavalo. Um nevoeiro encobria a rea do gramado, descendo at o rio Ouse, o que o fez decidir parar prximo aos portes e esperar. Seu desejo de se juntar Irmandade parecia ter acabado de fato porque, embora os heris de sua infncia estivessem de novo em seu caminho, no se sentia ansioso ou empolgado, apenas curioso e preocupado com a segurana de Anne.

Por que ser que ela foi contar a eles sobre minha visita? No devem ter ficado satisfeitos por eu saber de tudo, muito menos por ter que me encontrar. Preocupava-se com o quo longe os membros da Irmandade da Espada poderiam chegar para se proteger.

O solitrio cavaleiro passara a vida toda tentando ser algum. A princpio, um soldado; depois, j tinha qualificaes suficientes para ser um cavaleiro, mas em vez disso aceitou servir a seu mestre. Foi nomeado por acaso, e aquilo o fez acreditar que todos os seus sonhos poderiam se realizar, desde que trabalhasse duro. Exceto, claro, os sonhos com a Irmandade... Era um homem prtico, e sabia que era a hora de seguir adiante com sua prpria vida. Proteger Anne poderia ser um recomeo e, quem sabe, conseguiria aliviar sua culpa. Apenas desejava que os Irmos no tentassem impedi-lo.

Um pequeno grupo atravessou a ponte levadia. Eram trs homens e duas mulheres a cavalo, com mais trs animais carregados de bagagens. Enquanto os homens examinavam tudo ao redor, em visvel estado de alerta, a mulher mais alta ajeitava o capuz que encobria o rosto, e ele percebeu que era Anne. Sentiu o sangue ferver, e uma reao desconcertante nas partes ntimas. Sempre sentia quando aquela mulher estava por perto. No tinha sido toa que puxara justamente ela para seu colo na taverna.

Conduzindo o cavalo pelas rdeas, Philip se aproximou do grupo devagar. Ao perceber isso, os trs Irmos colocaram as mos na espada, pois no esperavam encontr-lo ali.

Sou de paz, senhores Philip disse, e depois se voltou para Anne com uma mesura. Lady Rosamond...

Um dos Irmos, alto e forte, aproximou-se dele e apeou. Philip reconheceu o homem que havia posto a faca em seu pescoo quando ele agarrara Anne na taverna.

Sou sir Walter. Lady Rosamond me contou sobre a inspita visita que recebeu em seus aposentos na noite passada.

Inspita? Philip imaginou o quanto Anne ainda devia estar zangada com ele, e meneou a cabea.

Estava preocupado com ela. Foi muito fcil entrar ali.

Walter fez uma carranca, mas no olhou para Anne.

Pedi a ela que feche bem as janelas de agora em diante. Cometi um erro ao achar que poderia se proteger sozinha, mas isso no acontecer outra vez.

Havia um certo tom de ameaa na voz de Walter. Estaria ele o avisando para se manter longe de sua protegida? Ou seria uma indireta para Anne? No agradava a Philip a idia de deix-la sozinha na companhia daqueles homens. Estava decidido a acompanh-la, mesmo distncia, para se assegurar de que estaria bem. Devia isso a ela, mas jamais poderia contar isso quele Irmo orgulhoso.

O capito deu uma tossidela e reassumiu a expresso tranqila de costume.

Um de meus homens se acidentou h pouco tempo. Eu o conheo, sir Philip, e tambm as suas habilidades como cavaleiro. Gostaria de se juntar a nossa comitiva para proteger lady Rosamond?

Philip nem se preocupou em tentar esconder seu espanto com o convite.

Eu?! Por que no outro de vocs?

No conseguiremos alertar ningum a tempo. Alertar? Philip ficou ainda mais intrigado.

Voc nosso conhecido Walter continuou , e agora j sabe sobre nossa misso. Quer vir conosco ou no?

Era bvio que convid-lo seria melhor do que chamar um estranho, ou ao menos era o que Walter fazia parecer. Ou talvez aquela fosse apenas uma maneira de mant-lo sob vigilncia, j que sabia demais. Seus planos para o futuro teriam que ser temporariamente colocados de lado. Philip lanou um olhar para Anne, que no demonstrava nenhum tipo de reao. Claro que ela era contra aquele convite! Seria perigoso ficarem to prximos... Se em Alderley, mesmo estando aprisionada, no conseguira manter-se longe dela, imagine a cu aberto! Mas o que importava era que Anne precisava dele, e devia isso a ela por todas as bobagens que havia feito.

Philip devia t-la encarado por muito tempo, porque percebeu que Walter prestava ateno demasiada ao seu olhar.

E ento, qual sua resposta?

O que terei de fazer?

Proteger lady Rosamond o tempo todo, at o final de nossa jornada.

E para onde iremos?

Por que quer saber?

Philip se preparou para responder, mas achou melhor manter a boca fechada. Estaria o tempo todo sob o comando daquele homem, e era melhor no se indispor com ele logo no comeo.

Tem razo... Pode me dizer ao menos quanto tempo ir durar a viagem?

Vrias semanas. Talvez mais de dois meses.

Nossa...

Por acaso o incomoda a idia de ficar de fora dos excitantes torneios, sir Philip?! Havia um tom de sarcasmo na voz de Walter. Para executar bem seu trabalho conosco melhor que no chame ateno, a no ser em casos extremos, apenas para proteger nossa condessa.

Walter devia ter ouvido falar sobre as recentes aventuras de Philip, e parecia no aprov-las. Bem, ele no esperava mesmo nenhum tipo de aprovao vinda da Irmandade da Espada.

Fui treinado muito tempo como soldado antes de me tornar cavaleiro. Conheo os cuidados a serem tomados numa misso como esta, e posso muito bem cumprir ordens. Aceito a oferta.

Walter esboou uma reao como a de quem j sabia a resposta desde o incio da conversa.

Talvez minha resposta fosse mesmo previsvel, Philip pensou, enquanto encarava Anne. Ela estava montada com graa em seu cavalo, porm no tipo de sela usado pelos homens. De fato, no era uma mulher comum, assim como a verdadeira lady Rosamond. Era um enigma, uma servial que se fazia passar por nobre com muita facilidade. No conseguia ler os olhos dela, mas tinha uma vontade imensurvel de poder faz-lo.

E os senhores j esto de partida, claro. Preciso de algum tempo para pegar minha armadura e pagar a conta. Podemos nos encontrar na estrada?

Walter concordou com um gesto de cabea.

E por onde iro?

Ferrybridge, que cruza o rio Aire.

E depois por Pontefract?

No respondeu Walter. Lady Rosamond no deseja passar por l.

uma cidade de tamanho considervel, com um castelo real. Seria difcil uma condessa viva passar despercebida, Philip pensou.

Entendo. Em poucas horas eu os alcanarei, senhor.

Para Anne, o tempo parecia passar lentamente. Os trs Irmos falavam muito pouco, atentos aos arredores, o que a fazia pensar em quanto estariam desapontados com ela. Margaret quase no dizia nada.

Portanto, Anne se forava a admirar o verde intenso dos campos de Yorkshire e a bela paisagem das montanhas a oeste. No se permitia pensar em Philip.

Mas enfim o viu se aproximar.

Walter fez uma parada para todos tomarem um lanche, alimentarem os cavalos, e para apresentar Philip a seus companheiros. Anne pensou em ignor-lo, mas concluiu que levantaria muitas suspeitas. Ele no era to bonito quanto Joseph, nem to alto quanto David, muito menos forte como Walter. Sua brigandina, a armadura que protegia o peito e as costas, aumentava o tamanho do trax, e ele tinha uma capa presa sobre os ombros e jogada para trs. Certa feita, ela j se aninhara naquele peito, sentindo por ele um desejo to esmagador como nunca sentira por nenhum outro homem. Fechou os olhos, determinada a se concentrar apenas em sua misso.

Philip foi apresentado a Margaret e aos outros cavaleiros, que o rodearam cheios de suspeita e preocupao. Walter aproveitou para perguntar com fingida inocncia:

J foi apresentado a lady Rosamond?

Philip olhou para Anne, com uma sobrancelha erguida. Teria que se acostumar a jamais cham-la pelo verdadeiro nome.

Sim, h algumas semanas, quando ela realizou uma grande proeza a servio de lorde Alderley. Tenho certeza de que j ouviu falar a respeito.

Walter concordou e ofereceu um pedao de queijo a Philip. Como de costume, ningum falava durante as refeies.

Anne inclinou-se para beber o que havia em seu copo, mas vacilou ao perceber que Philip a observava escorado em uma rvore do outro lado da clareira. Por um momento, presa a um encantamento inexplicvel, parecia que o conhecia muito bem, embora no soubesse quase nada a respeito dele.

Na hora de partirem, Philip parou ao seu lado e se ofereceu para ajud-la a montar. Anne pisou nas mos em concha, apoiou-se em seus ombros e, com facilidade, passou a perna para o outro lado do animal, o que fez com que a barra da saia se erguesse um pouco. No tivera muita dificuldade em aprender a cavalgar como um homem, e gostava de se sentir no comando do animal, mas sempre havia o problema de desarrumar a saia; rapidamente a puxou para cobrir a parte das pernas que ficara mostra antes que ele visse mais do que deveria. O cavaleiro, porm, j se afastara. Ficou tensa quando viu a comitiva se posicionar, achando que ele viajaria a seu lado. Porm, como de costume, a silenciosa Margaret se colocou junto dela, e Philip dirigiu-se para perto de Walter. Melhor assim!, pensou.

Philip viajou atrs de Anne, analisando com cuidado cada lugar por onde passavam. Atrs deles, bem longe, podia-se ver um fazendeiro em uma carroa, e, mais distante ainda, um pastor conduzindo ovelhas.

Em busca de perigos, sir Philip? Walter perguntou.

Philip encarou o Irmo, que parecia ser dez ou quinze anos mais velho que ele. Cada linha que circundava seus olhos e boca parecia trazer sinais de experincia e cautela, e Philip j reparara na gola elegante da veste que ele usava debaixo da tnica. Parecia ser um homem de posses e se portava com muita dignidade. Seria mais do que um simples cavaleiro? Nunca se sabia nada sobre os homens que pertenciam quele misterioso grupo.

No tenho que estar sempre atento segurana da condessa? retrucou.

Sim, faa isso! Walter respondeu, tambm observando os arredores.

Philip ficou em silncio bastante tempo, enquanto analisava o comportamento do grupo. De vez em quando, Anne comentava alguma coisa sobre a paisagem com a criada, mas, fora isso, ningum falava nada. Ele sabia que no conseguiria manter-se em silncio por muito tempo, ento resolveu tirar a limpo algumas questes. Diminuiu a velocidade com que cavalgava e, quando Walter notou, fez o mesmo.

Viu alguma coisa? o velho capito indagou, alarmado.

No, apenas gostaria de fazer algumas perguntas, se no se importar.

Franzindo o cenho, Walter respondeu:

S vou responder o que puder!

Lady Rosamond me contou alguns dos detalhes desta jornada.

Falou porque quis ou foi forada a isso? Philip sorriu.

Admito que no pude conter minha curiosidade. Milady foi, digamos, "coagida". Estava preocupado com a segurana dela.

Ningum suspeita de nossos verdadeiros propsitos. Walter abrandou a expresso. Lady Rosamond uma mulher muito conhecida por sua inteligncia, excentricidade e riqueza. Esta jornada foi bem planejada e temos viajado em paz, mesmo que nem sempre estejamos confortveis.

E os senhores esto acostumados ao conforto?

O Irmo apenas o encarou e voltou a olhar ao redor.

Ah, sim, desculpe-me, esta pergunta muito pessoal para um membro da Irmandade. Pois bem, vou focar meu interesse na misso e no nas pessoas que fazem parte dela Philip falou com leve cinismo. Considerando-se que apenas recebe ordens de seus superiores, no lhe parece muito perigoso envolver uma criada inocente nisso?

Walter no desviou o olhar do horizonte, mas Philip percebeu uma mudana em sua expresso.

Sir Philip, estamos vivendo tempos difceis no incio deste novo reinado. A Irmandade pouco se importa com o ttulo das pessoas a quem ajuda, mas, neste caso, o xito de nossa misso vai ajudar a estabilizar a Monarquia. Os perigos a que nossa lady Rosamond est exposta so os mesmos de todos os que viajam por essas estradas. Ningum sabe o que h por trs de nossa misso, e estamos tomando todos os cuidados para que a identidade de nossa condessa seja mantida sob o mais absoluto sigilo.

Aquele vu que ela usa no me impediu de reconhec-la.

Porque o senhor indelicadamente se aproximou demais. Um verdadeiro cavalheiro seria mais contido, jamais faria isso.

Philip conteve a vontade de soltar uma gargalhada. Ento ele no era "cavalheiro" o suficiente na opinio de sir Walter?

H homens no reino que podem no ser to "cavalheiros" assim, especialmente os tais traidores.

por isso que tomamos bastante cuidado no planejamento desta jornada.

Ah, sim, a lista de nobres aprovados... Como vai saber se eles no estaro com visitantes inesperados?

Um de meus homens partir frente da comitiva para cada uma das residncias, anunciando a chegada iminente da condessa e verificando a segurana do local.

E qual o nosso papel enquanto lady Rosamond estiver entrevistando os pretendentes?

Ficaremos com ela o tempo todo. Planejamos passar apenas uma ou duas noites em cada local, para minimizar os riscos, e depois partimos para o seguinte.

Philip abaixou o tom de voz:

E como saberemos quando nossa misso no for mais necessria?

Receberei um aviso quando a outra parte for completada.

E como funcionar essa outra parte? Walter o encarou com frieza.

Isso no da nossa conta.

Ento nem mesmo o senhor sabe?

Sir Philip, sugiro que preste mais ateno aos perigos da estrada. O capito estava claramente tentando encerrar o assunto.

Sou capaz de fazer duas ou mais coisas ao mesmo tempo, sir Walter Philip respondeu. Por exemplo, vi que a carroa do fazendeiro que est atrs de ns acabou de ser ultrapassada por um homem a cavalo trotando em nossa direo.

Walter virou-se na sela e depois olhou de volta para Philip, que apenas sorria. Embora o Irmo tivesse sinalizado aos outros para ficarem alerta, o homem apenas os saudou e passou por eles.

Provavelmente um mensageiro afirmou Philip.

Walter parecia no querer mais conversar.

Essa viagem no vai ser fcil!, pensou Philip, olhando ao redor outra vez. Se os traidores descobrissem algo, o nico aviso que Walter receberia seria um ataque. E como uma grande tropa levantaria suspeita, os meliantes contratariam poucos homens, mas bem violentos, todos capazes de matar.

Quando pararam para almoar, Philip viu um dos Irmos, David ou Joseph, ajudar Anne a descer do cavalo. Apesar de ter sido seu primeiro impulso, achou melhor no ajud-la desta vez. Naquele momento, era um soldado, um de seus protetores, e no podia ter devaneios acerca de sua senhora, embora fosse difcil evitar, principalmente por causa de tudo o que acontecera entre eles. Ademais, havia um verdadeiro muro de impedimentos entre os dois, e Philip sabia que deveria respeitar isso; era vaidoso demais para admitir a si mesmo que no queria que a Irmandade se arrependesse de t-lo convidado para aquela misso.

Margaret esticou um tecido e ajudou Anne a se sentar. Depois pegou biscoitos, mas secas e queijo. Como uma condessa, deveria ser servida por sua criada, mas em vez disso Anne ajudava Margaret a servir os Irmos, para surpresa de Philip. Todos eles sentaram-se juntos e pareciam se comunicar sem palavras enquanto comiam. Depois de tantas horas de silncio, Philip precisava usar sua voz; sentou-se, ento, na beirada do tecido, atrs das duas mulheres.

Margaret o encarou com espanto, enquanto Anne parecia desconfiada e procurou nem encostar nele. No se conformava como ele ainda mexia com seus sentimentos, mesmo depois de t-la magoado!

Gostaria de mais um pouco, sir Philip? perguntou Margaret.

No, ainda no acabei de comer o que me serviu. Philip mordeu um pedao de ma, olhando fixamente para Anne.

Ah, como adorava ficar olhando para ela! Quando a conhecera, achando que era lady Elizabeth, noiva de seu amigo John, chegara a invej-lo. Anne parecia uma mulher ardente, inteligente e bonita, uma combinao rara de talentos. Ao descobrir a farsa, ficara ainda mais intrigado, pois ela no havia conseguido enganar somente a ele, mas tambm quele visconde oportunista. Nas semanas que se seguiram descobrira que toda aquela inteligncia e fulgor eram parte dela, mas percebia tambm uma tristeza que ele no conseguia entender, e achava melhor no perguntar. Havia certo desespero, algo que at ento no admitia que tambm sentia. Por fim, tudo aquilo acabara explodindo em encontros clidos que ainda habitavam seus pensamentos mais ntimos. Anne tinha sido uma mulher passional como poucas, ao passo que ele pensara que estavam apenas se divertindo um com o outro. Antes de possu-la, pressentiu que talvez a inocncia da criada a tivesse impedido de entender o tipo de relao que ele queria. No que a achasse sem importncia, mas... Jamais conseguira esquecer o olhar aterrorizado de Anne e a humilhao que ela demonstrara sentir antes de o orgulho falar mais alto. No quisera mago-la daquela forma!

Se Anne ainda estava triste com o ocorrido, no demonstrava. Os olhos escuros brilhavam, iluminados pela luz do sol. Philip iniciou uma conversa inofensiva: Como estavam as coisas quando saiu do Castelo Alderley, condessa?

Anne no demonstrou nenhuma surpresa quando ele usou o ttulo. Realmente interpretava muito bem seu papel; apenas olhou para ele sem sorrir.

J soube que lady Elizabeth est esperando um beb?

Surpreso, Philip relaxou, apoiando-se em uma das mos.

No sabia. Que tima notcia! John deve estar muito feliz.

Sim, mas... Ele passou a proteg-la demais desde que soube da novidade. Parece at ter ficado feliz com minha sada do castelo, assim poderia cuidar dela sozinho.

O que os dois acharam desta sua viagem? Margaret no conseguia disfarar a ateno que prestava conversa enquanto cortava mais queijo. Anne hesitou.

Eles compreenderam minha necessidade de ser til.

John? Bem, pode ser, ele pertence Irmandade.

Voc sabe que faz muito pouco tempo que sir John foi convidado a se juntar aos Irmos, mas ele pareceu entender. Anne parou de falar, baixando os olhos para que Philip no percebesse o quanto a perturbava.

Ser que John entendeu tambm o que h por trs de sua necessidade de ser til?

Anne repetiu a si mesma o quanto era ridculo ficar aborrecida com os questionamentos de Philip. Claro que ele estava curioso sobre suas razes para aceitar aquela misso, e sobre a reao de lorde Alderley, seu senhor. Porm, no queria falar sobre sua famlia, pois aquele era um assunto ainda muito doloroso. Ele no merecia saber que, no fundo, passar-se por outra pessoa era melhor do que ser ela mesma. Assim, ofereceu ao seu interlocutor um sorriso brilhante e atrevido, digno da verdadeira lady Rosamond.

Lorde Alderley compreendeu que eu estava entediada.

Entediada?! No creio que seja isso o que realmente quis dizer.

Margaret os observava com franca fascinao, at Anne lanar um olhar para ela.

Voc se importa de ir guardando a comida, Margaret?

A criada meneou a cabea, visivelmente desapontada.

Pois no, milady!

Anne ainda no estava acostumada com outras pessoas obedecendo s suas ordens. Quando fingira ser Elizabeth, apenas a verdadeira lady Elizabeth e o visconde Bannaster tinham presenciado seu desempenho, alm de Philip, claro, mas nenhum deles lhe devia obedincia. s vezes sentia-se poderosa por saber que aqueles cavaleiros e a criada estavam ali para servi-la... De qualquer forma, naquele momento a nica coisa que precisava era mudar de assunto com urgncia.

E por falar no visconde Bannaster... Anne comeou a dizer mais alto, para disfarar.

Quem foi que falou nele? Philip indagou, sufocando uma risada.

Anne sentiu o rosto avermelhar de raiva, pois tinha se esquecido de que estavam cochichando at aquele momento! Baixou o tom de voz.

Sua conversa sobre Alderley me fez pensar nele.

Bom, de qualquer forma, continue...

Philip no estava usando o senso de humor para tentar seduzi-la. Era um homem genial, hbil em fazer as pessoas relaxar. Conseguia isso at mesmo com ela, que estava sempre na defensiva. Os fascinantes olhos verdes a faziam se lembrar dos dias despreocupados daquele vero em que apenas um olhar dele fazia seu sangue aquecer e a induzia a querer um contato mais ntimo. Ela o encarou, sria, mas tudo que o cavaleiro fez foi inclinar a cabea, com inocncia pueril.

Visconde Bannaster?... ele a encorajou a prosseguir.

Ah, sim, ia dizer que ele estava na lista original de pretendentes.

Estou certo de que ficaria feliz em saber disso! Philip zombou. Afinal, ele no obteve xito ao tentar se casar com Elizabeth.

Mas agora eleja est fora da lista, porque eu avisei... ah... as pessoas que precisavam saber disso.

Voc j o rejeitou uma vez no papel de Elizabeth. No seria divertido se pudesse...

Sir Philip, isso est fora de questo Anne respondeu, consternada. No vamos ver Bannaster, e ponto final.

Que pena...

At mesmo quando conversavam sobre amenidades, a voz de Philip a tocava de uma maneira profunda... e indesejvel. Ela passaria meses junto a ele. Precisava encontrar um jeito de controlar suas emoes. Ter controle sobre minhas emoes ser uma habilidade que me ajudar muito nas misses com a Irmandade, lembrou-se.

Suspirando, olhou para Walter e seus homens preparando os cavalos para retomarem a viagem.

Margaret fechou o alforje e ficou observando o horizonte com uma expresso triste.

Ela sente falta da verdadeira senhora?

A intimidade do tom de voz de Philip a deixava arrepiada, embora Anne soubesse que ele falava daquela forma apenas porque no queria que ningum o ouvisse. Sabia que deveria se levantar e sair dali, mas algo a impedia; no estavam sozinhos, embora s vezes sentisse como se estivessem.

Ah sim, ela sente. Margaret sabe muito bem que somos da mesma classe social, e no a agrada ter que servir algum igual a ela.

Ser que Philip no percebia que a maneira como a tratara no Castelo Alderley tambm servia como um eterno lembrete de sua inferioridade?

Vocs duas no esto servindo aos propsitos da Irmandade? Philip perguntou. Com certeza, Margaret j entendeu e aceitou sua parte na encenao.

Anne o olhou de relance.

Imagino que esteja certo.

Como sempre.

Philip no sorria, apenas a fitava com intensidade, como se tentasse entender os segredos que havia no fundo de seus olhos. Por fim Walter os chamou:

Vamos, lady Rosamond. Mandarei sir Joseph na frente para anunciar sua chegada.

Estamos perto do Castelo Birkin? ela perguntou, ignorando Philip que estava pronto para ajud-la a se levantar.

Ns ainda estamos a vrias horas de l. Talvez consigamos chegar antes que o sol se ponha.

E l encontraremos lorde Milforth?

Walter concordou com um gesto de cabea, e Philip se espantou.

Ele no um baro? Um nobre com ttulo inferior ao dela?

Milforth muito rico Anne afirmou.

E muito velho tambm! Philip parecia no gostar da idia, mas Anne deu de ombros.

Sou uma viva. No posso ser to exigente em minhas escolhas. Caso contrrio, corro o risco de ser escolhida.Ao entardecer, os homens comearam a discutir a possibilidade de acampar, em vez de tentar chegar ao destino ainda naquele dia. A noite se aproximava, e Anne insistia que no se importava em dormir fora do castelo, ainda mais que a chuva que tanto os incomodara nas ltimas horas havia parado. Subitamente, Walter levantou o brao e de imediato os quatro homens ficaram em silncio, preparados para sacar as armas.

Margaret ficou apavorada. Philip e David se posicionaram atrs delas, enquanto Walter pediu a Joseph que fosse cavalgando na frente. Anne ajeitou seu capuz e virou-se para Philip, mas ele no a olhava; j desembainhara a espada e olhava para trs. De repente, Joseph surgiu de volta na curva da estrada, e Anne se assustou ao ver um homem sair de trs de um pequeno rochedo e saltar sobre ele. Mantendo-se sobre o cavalo, o Irmo arriscou um golpe com o ombro e derrubou o meliante, que saiu rolando pelo cho at cair desacordado. quela altura, trs bandidos estavam trotando em direo comitiva pela frente, enquanto outros trs vinham por trs. Anne dominou seu cavalo enquanto os quatro cavaleiros rodeavam Margaret e ela. Dizia a si mesma que precisava manter a calma para que seu cavalo no se agitasse, mas como manter a calma estando sob ataque?

Se falharmos, milady Walter comeou a falar , deixe-nos aqui e corra para um lugar seguro. Estamos a menos de uma hora do Castelo Birkin.

Margaret comeou a chorar, enquanto o Irmo oferecia seu punhal para Anne.

Use isto se precisar.

Anne olhou para o punhal, chocada, mas procurou se conter. Afinal, como futuro membro da Irmandade, teria que estar sempre pronta para se defender. Percebeu que aqueles homens haviam atacado de fato, ocupando todos os seus cavaleiros. Philip e Walter estavam enfrentando dois inimigos cada um. O cavalo de Margaret se descontrolou, mas Anne conseguiu agarrar as rdeas e segur-las em uma das mos enquanto mantinha o punhal na outra. Naquele momento, sentiu-se feliz por cavalgar em sela masculina, pois assim conseguia controlar seu animal. Ao redor das duas, Ouvia-se o barulho de metal batendo, o grunhido dos homens, gritos de triunfo e de dor.

Por um momento, Anne perdeu Philip de vista, pois seus dois adversrios o haviam forado a se afastar dos outros cavaleiros. Porm, David derrotou o homem que enfrentava e ps-se a ajud-lo, encarregando-se de um dos bandidos. Anne sentiu-se aliviada, linda que a situao no permitisse nenhum alvio. Os cavalos mantinham-se numa estranha dana, pressionados pelas pernas dos cavaleiros, levantando uma ou duas patas a cada investida contra os inimigos. Independentemente de quem fossem aqueles homens, no tinham a mesma experincia dos valentes membros da Irmandade, e um a um foram derrotados. Dois deles conseguiram fugir, e Philip saiu em disparada atrs deles, sem dar ouvidos a sir Walter, que gritava seu nome; Anne observava em pnico enquanto ele desaparecia pela estrada.

Milady, a senhora est bem? sir Walter perguntou.

Anne concordou com um gesto de cabea e saltou do cavalo. Tentou abraar Margaret, que soluava de medo, mas a criada apenas a afastou e cruzou os braos, inconsolvel. A falsa condessa voltou-se para os trs cavaleiros, que tentavam recuperar o flego enquanto examinavam os cavalos e um ao outro. Joseph tinha um ferimento no antebrao, mas no sangrava muito. O olho de Walter comeava a avermelhar e inchar. David tocou com a ponta da lngua o sangue que escorria pelo canto da boca.

Ainda bem que no acertaram seu lindo rosto, sir Joseph David provocou. J pensou que estrago seria se isso acontecesse?

Joseph apenas deu uma risada sem-graa. Anne percebeu que Walter se afastou do grupo, sem tirar os olhos da estrada por onde Philip desaparecera.

O senhor acha que ele est bem? ela sussurrou ao se aproximar do capito.

Walter franziu o cenho, sem encar-la.

Foi uma tolice da parte dele ter ido atrs do bandido sozinho!

Talvez tenha pensado que, capturando os que escaparam, estaria garantindo nossa segurana.

Se que so mesmo apenas bandidos...

Anne sentiu o pavor tomar conta dela. Ser que algum havia descoberto que ela no era a verdadeira lady Rosamond? Ou ser que acreditavam que era a condessa, e que conhecia os traidores?

Philip retornou algum tempo depois, para alvio de Anne. Ela sentiu vontade de perguntar o que diabos ele tinha na cabea para cometer tamanha insanidade, mas se conteve. Seu cavalo estava fatigado, e ele prprio tinha marcas de sangue no cabelo, bem acima da orelha. Walter caminhou at encontr-lo, e Philip desceu do cavalo meneando a cabea.

No consegui alcan-los. Eles parecem conhecer a regio muito bem. Simplesmente desapareceram!

Foi uma grande tolice sua segui-los sozinho! Walter o repreendeu com severidade.

Philip encarou o capito, espantado.

Achei que gostaria de saber quem nos atacou. Se algum desconfiou da verdadeira...

A segurana destas mulheres nossa maior responsabilidade. E se uma tropa estivesse nos arredores, pronta para atacar, esperando apenas que nos dispersssemos?

Philip meneou a cabea outra vez.

No pensei nisso. No acontecer de novo.

Obedea a mim, e no a seus instintos! Margaret passou um pano mido na cabea de Philip para remover o sangue e poder examinar melhor o corte, enquanto Anne se ocupava em cuidar do brao de Joseph.

Ser que ns fomos descobertos? questionou Joseph.

Eles estavam bem armados e pareciam treinados, mais do que simples ladres de estrada David respondeu.

A mera hiptese de que poderiam no ser apenas bandidos fez Anne sentir-se tensa. Ser que havia mais algum escondido, espreita?

Sir Walter tinha uma expresso carrancuda enquanto a noite, enfim, caa sobre eles.

Quero acreditar que sejam apenas bandidos, mas no posso afirmar. Olhou para os dois Irmos. Chequem os corpos, talvez haja alguma pista. Sir Philip, o senhor e eu continuaremos alerta, caso acontea outro ataque.

Como j tinha terminado de cuidar dos ferimentos dos cavaleiros, Anne pensou que deveria tentar consolar Margaret, que ainda tremia de medo; mas tambm queria acompanhar o que David e Joseph estavam fazendo, e ver o que havia nos cadveres. Foi se aproximando, sem tirar os olhos de Walter e Philip, e percebeu que ambos estavam prestando ateno aos morros ao redor, e no a ela. Aproximou-se o suficiente para ver os Irmos alinhando os corpos e vasculhando as vestimentas, uma tarefa medonha que ela se obrigou a assistir. Ao final, os dois cavaleiros se entreolharam, meneando as cabeas.

E quanto ao homem que pulou em cima de sir Joseph? Anne perguntou.

Imediatamente, David e Joseph saram correndo, procurando-o em valas e atrs dos montes de feno. Gritaram ao encontr-lo, e Philip e Walter juntaram-se a Anne para ver os dois carregando o primeiro homem que os atacou. Eles o sentaram na beira da estrada, prximo aos cavalos. Ainda est vivo, mas moribundo David afirmou, balanando o ombro do bandido.

Enquanto Margaret permanecia encostada em seu cavalo, Anne se forou a ir dar uma olhada naquele homem ferido de morte. O sangue jorrava por sua boca e nariz, bem como pelos ouvidos. Um dos cavaleiros o despertou com um cutuco, e, quando Anne se aproximou, ele piscou os olhos, confuso. Ao perceber que ele a encarava, sentiu-se insegura.

Quem voc? Walter interrogou.

O homem continuou olhando fixamente para Anne e murmurou:

Mas... a senhorita... no ... lady Rosamond ele disse. Temos que vigiar... lady Ro... Com um estranho engasgo, ele parou de respirar.

Um calafrio de medo percorreu Anne. De repente, ela passou a se sentir vulnervel a cu aberto.

Eles estavam procurando por mim! Walter meneou a cabea, forando um sorriso.

Bem, ao que parece nossa misso no mais to secreta, afinal. Temos que encontrar abrigo. O castelo est a apenas uma hora daqui e...

Espere um pouco Philip o interrompeu. Ainda pensam que ela a verdadeira lady Rosamond, e este homem o nico que chegou perto o suficiente para perceber que no.

Joseph concordou:

verdade, mas mesmo assim sabemos que h algum procurando por ela.

Ele disse que estavam vigiando, no procurando Philip considerou. Joseph, voc deve t-los surpreendido, ento se sentiram obrigados a atacar em vez de fugir, para que pensssemos que eram apenas ladres. Se estavam somente observando lady Rosamond, provvel que ningum saiba o que realmente est acontecendo.

Assim como ns tambm no sabemos Walter salientou. Temos que considerar que os traidores sabem que algum escutou a conversa.

Por um momento, todos se entreolharam em silncio at Margaret falar:

Isso significa que minha senhora corre grande perigo? No... Anne tentou confort-la. Isso quer dizer que eles ainda acreditam que eu sou sua senhora.

E, portanto, quem est correndo grande perigo voc. Philip voltou-se para Anne.

Ela estufou o peito, tentando disfarar a voz trmula.

Mas, como voc mesmo disse, se estavam apenas nos observando, no devem saber ao certo quem os ouviu conspirar contra o rei.

Philip cruzou os braos.

De fato, mas ainda assim a consideram suspeita. No podemos adivinhar quando tentaro nos atacar outra vez.

Vamos ficar atentos Walter ordenou.

Atentos?! Philip repetiu, incrdulo.

Principalmente com nossos anfitries ele continuou. Agora que sabemos que h suspeitas sobre lady Rosamond, temos que considerar que cada um dos nobres que visitaremos um traidor em potencial. Nenhum deles seria tolo o bastante para agir em seu prprio territrio Philip afirmou por entre os dentes. No com tanta gente sabendo que lady Rosamond est presente.

Exatamente Walter concordou. Tambm precisamos considerar que todos da lista foram escolhidos a dedo, porque no conhecem a verdadeira condessa.

Mas e se os soldados a viram de perto? Philip continuou. A situao est muito perigosa para An... lady Rosamond.

No podemos interromper nossa jornada Anne entrou na conversa. Alm do mais, tudo isso no passa de meras conjecturas. Temos que arriscar. De qualquer forma, muito obrigada pela preocupao.

Walter retomou a palavra:

Joseph, v na frente para preparar o castelo para nossa chegada. Tenha cuidado.

O Irmo ajeitou a sela, montou e saiu em disparada. Anne o observou at onde sua vista alcanava, temendo pela segurana daquele cavaleiro. Porm, entendia os motivos de Walter para querer trs homens protegendo-a.

Vamos colocar este corpo com os outros Walter voltou-se para seus dois homens , e escond-los o mais rpido possvel, j que no vamos ter tempo para enterr-los.

O semblante de Philip estava ameaador ao olhar para as costas dos Irmos que se retiravam dali. Voltou-se para Anne, postando-se atrs dela.

Olhe para mim ele pediu em voz baixa. Quando Anne o encarou, ele a observou com olhos bem abertos e cheios de compaixo. Voc quer mesmo continuar? Ou est tentando demonstrar uma coragem que na realidade no tem? Ela sorriu com frieza.

Vou ficar bem. Estava apenas... assustada.

Isso bem mais perigoso do que pensava, no? Philip se aproximou ainda mais, o rosto anguloso bem acima do dela. Diga apenas uma palavra e eu a levo para bem longe daqui!

O simples fato de pensar em estar sozinha com aquele cavaleiro e a salvo a acalmava. Cus, apenas um ataque a fazia questionar seu comprometimento com a misso? Desapontada consigo mesma e enraivecida com a compaixo repentina de Philip, Anne esquivou-se dele.

Vou terminar o que comecei. J voc est apenas no incio, caso sinta que demais...

Philip desviou o olhar e saiu de perto de Anne, indo ajudar a esconder os corpos. Mais uma vez, ela se arrependia de ter falado a Walter sobre ele. Com certeza, se sairia melhor com a segurana dura de Walter do que com a compaixo daquele cavaleiro, mas seus medos ainda estavam ali, escondidos no fundo de sua alma, prontos para atrapalhar. Philip tinha razo, a misso de repente havia se tornado bem mais perigosa. Mas se Anne queria provar para a Irmandade do que era capaz, tinha que aceitar a situao e aprender com ela.

Philip sentiu-se desconfortvel e chocado com as boas-vindas que Anne, ou lady Rosamond, recebeu ao chegar ao castelo. Uma fila de soldados e cavaleiros formou-se nas ameias, e na escurido ele no conseguia ver com clareza o que pretendiam. Naquele instante, colocou-se em prontido para uma eventual batalha, caso houvesse arqueiros dispostos a atacar a falsa Rosamond. Empunhou a espada e viu que os outros trs cavaleiros fizeram o mesmo, mas ento os soldados do castelo comearam a aplaudi-la e saud-la. Ele percebeu que os portes estavam abertos e decorados com arcos de flores e centenas de tochas acesas, tornando o anoitecer mais claro do que o amanhecer.

Anne e Walter trocaram um olhar, e ela tomou a frente de sua pequena comitiva, com o capito logo atrs. Philip disse a si mesmo que aquilo era uma tolice: e se algum que conhecia a verdadeira condessa tivesse escapado da vigilncia de Joseph? E se lorde Milforth achasse que ela j estava morta?

No, nada disso, o atacante moribundo havia dito que ela estava sendo apenas observada.A tenso de Philip aumentou quando a comitiva atravessou a ponte levadia, mas tudo que viu foi um amontoado de pessoas, alguns vestidos como simples lavradores, outros servos do castelo. Todos gritavam e saudavam lady Rosamond como se ela fosse a salvao!

Philip encarou Margaret, que trotava a seu lado. Parecia que ela ia cair da sela a qualquer momento. Resolveu puxar assunto para tentar aliviar o medo da criada.

Ser que lorde Milforth est to desesperado para se casar a ponto de preparar tudo isso?

Margaret deu um tnue sorriso e murmurou:

Homens...

Como se aquele sorriso explicasse tudo... Philip continuou a examinar a multido. Ser que havia algum ali que no estava contente em ver lady Rosamond?

Todos se afastaram e silenciaram quando o baro apareceu na entrada do salo. Ele apenas acenou, em vez de descer para conhecer Anne. Ser que estava ferido ou doente e no queria que ningum percebesse? Assim que Philip e seus companheiros desmontaram, foram cercados por jovens serviais que levaram dali seus cavalos. Ele ajudou Margaret a desmontar, sem tirar os olhos de Anne, que era auxiliada por um homem do castelo trajando tnica curta e meias justas, e que se portava como se fosse um dos homens de confiana do baro.

Ser o conselheiro do baro? Philip murmurou para Margaret, que se encolheu.

No ltimo castelo, o prprio visconde a ajudou a descer do cavalo e a carregou nos braos pelos jardins enlameados do castelo, para que no estragasse sua roupa.

Philip arqueou a sobrancelha, incrdulo.

Eu disse ao senhor... Homens! Margaret parou de falar como se fosse sua palavra final sobre aquele assunto.

Anne subiu as escadas para conhecer o baro, segurando no brao do conselheiro, ou o que quer que ele fosse. Philip alinhou-se a sir Walter, e ambos a escoltaram bem de perto. Anne permitiu que o baro pegasse sua mo e a beijasse antes de coloc-la sobre o prprio brao para conduzi-la ao interior do salo. No estava ferido ou doente, e andava a passos largos.

Philip notou que, embora o baro tivesse uns trinta anos a mais do que ele, havia poucos e esparsos cabelos brancos em sua cabea. O sorriso que oferecia a Anne era o de algum que se mostrava realmente interessado, o que parecia inocent-lo. Mas muitos homens eram capazes de se portar da maneira que os outros esperavam.

Ao entrar no salo, Walter se dirigiu ao conselheiro e fez um gesto indicando a Philip e a David que seguissem Anne. Philip sabia que ele estava relatando quele homem o ataque na estrada; ele o ouviu chocado, e depois fez um gesto para ordenar que vrios soldados sassem em uma busca. Philip duvidava que encontrassem alguma coisa, mas nunca se sabia.

O ar estava mais frio dentro do salo, e o cheiro de madeira nova subia do cho. Embora os olhos de Philip j tivessem se acostumado com a claridade do aposento, estava to tenso quanto se sentia antes de uma batalha.

Joseph estava esperando pelos companheiros, e tambm se aproximava de Anne.

Philip virou-se para ver dois trovadores tocando para a bela visitante, enquanto ela andava por entre a multido que lotava o salo. No olhava diretamente para ningum que se aproximasse muito. Havia mesas postas para o jantar, mas lorde Milforth no a conduziu at l.

Gostaria de banhar-se e descansar um pouco antes do jantar, milady? perguntou o baro.

Anne lhe ofereceu um largo sorriso.

Perceber que no sou uma mulher que necessita de muito descanso, lorde Milforth.

Vrios risinhos foram ouvidos ao redor deles. Lorde Milforth tambm sorriu, surpreso.

Mas eu gostaria de me banhar para tirar a poeira da estrada Anne continuou. H aposentos arrumados para mim, meus homens e minha criada?

Oh sim, milady. Por favor, permita que Gwen a leve at l. Estaremos todos aguardando seu retorno, ento poderemos nos conhecer melhor.

Philip seguiu Anne, que acompanhou a jovem criada Gwen at as escadas no final do salo.

Sir Walter, que havia se juntado a eles, o impediu de continuar.

Sir Philip, o senhor e Joseph ficam aqui e cuidam da segurana do salo. David e eu escoltamos lady Rosamond.

Philip no gostou da imposio de Walter, mas era bvio que algum tinha que ficar atento ao movimento do salo, para evitar surpresas desagradveis. Ele concordou e olhou para Joseph. Embora o jovem cavaleiro visivelmente se envaidecesse com os olhares admirados das mulheres presentes, tentava ignor-los e observar a multido. Era muito bem treinado, e ajudou a salvar a vida de Anne, pelo que Philip era grato.

Sir Joseph, quando chegou aqui encontrou tudo em ordem? Philip perguntou, casualmente.

Joseph virou-se para ele. Embora seu rosto fosse delicado demais para um homem, seus clarssimos olhos azuis encaravam Philip de maneira incisiva, surpresos com as demonstraes de uma inteligncia fora do comum. Em voz baixa, respondeu:

Sim, no havia nenhum visitante inesperado. E aparentemente nenhum soldado desaparecido, embora eu no tenha tido tempo de perguntar de todos. Vou continuar investigando enquanto estivermos aqui.

Philip concordou.

Gostaria de ajud-lo, mas parecer suspeito demais se ambos indagarmos sobre o mesmo assunto.

Claro! Joseph colocou as mos nas costas e voltou a examinar as pessoas no salo.

Quando Anne retornou, Philip sentiu parte de sua tenso se dissipar. Walter e David se mantinham ao lado dela. A falsa Rosamond dirigiu-se ao topo da escadaria; usava um vestido verde bordado com fios dourados desde a barra at a gola. O decote em "V" apontava para seus seios de uma forma provocante, e, embora estivessem bastante cobertos, no parecia haver nenhuma proteo entre eles e o vestido.

Um pouco escandaloso, Philip pensou, mas reparou que todos os outros homens presentes pareciam t-lo aprovado. Na cabea, Anne usava um pequeno arranjo, do qual saa o vu semitransparente que escondia seu rosto e cabelos, presos na frente com uma fita, o que os fazia deslizar pelas costas em uma cascata reluzente. Considerando-se sua viuvez, aquilo era ainda mais escandaloso.

Anne desceu as escadas com calma, de nariz empinado, como se gostasse de estar mostra daquela maneira. Em nenhum momento demonstrou no ser quem dizia ser. Soube lidar com os olhares admirados de todos os homens presentes, e Philip sabia que era um deles.

Graciosa, ela andou at o tablado onde estava a mesa principal, sendo recebida por lorde Milforth. Philip seguiu Walter at a mesa mais prxima, pensando em como deveria agir. Com certeza haveria vrias criadas para jogar seu charme; se flertasse o suficiente, poderia descobrir tudo sobre o baro e sobre os homens com quem se relacionava. Ao sentar-se, enquanto chegavam tigelas de gua quente para lavar as mos, ele constatou que conseguia ouvir a conversa de Anne com o baro Milforth.

Lady Rosamond, sinto-me privilegiado por ter sido escolhido, em meio a tantos homens elegveis Inglaterra afora, para receber sua visita.

Anne sorriu.

Milorde, o senhor foi um dos primeiros escolhidos. Meu finado marido falava muito a seu respeito.

Philip percebeu o sorriso satisfeito do baro. Ser que era verdade o que Anne estava dizendo, ou ela tambm estaria autorizada a embromar os nobres?

Eu disse a meu filho que sua visita seria tima! Milforth continuou.

Philip ficou tenso. Ento o filho do baro tivera de ser "convencido" da visita de lady Rosamond?

Seu filho est aqui? Anne perguntou espantada. Mas no est aqui mesa conosco, est? Olhou para os outros trs homens sentados junto a eles, que pareciam ser do alto escalo da corte.

No. Charles est sentado com seus homens Milforth respondeu, apontando para o filho. Tive de convenc-lo que sua visita era importante.

Philip seguiu o gesto do baro com os olhos e viu Charles, que no era muito mais novo do que ele prprio, sentado junto a outros cavaleiros. Ele encarou o pai, evitando olhar para Anne, e deu um grande gole em sua caneca de cerveja. Seria ele o traidor? Estaria nervoso por algo que seus homens haviam descoberto sobre aquela jornada ou apenas bravo porque seu pai estava procura de uma nova esposa? Charles teria que ser observado de perto.

Anne tocou o brao do baro com certa intimidade.

Diga a seu filho que estamos apenas nos conhecendo... Com um sorriso, ajeitou-se na cadeira. Embora j d para perceber que temos muita coisa em comum. O senhor um guerreiro conceituado, assim como meu primeiro marido