julgar nos estados unidos e na franÇa
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JULGAR NOS ESTADOS UNIDOS E NA FRANÇA
Capítulo V – A prova: verdade ou verossimilhança?
O autor apresenta que a diferença entre a produção de prova da
common law e da civil law decorre da cultura e provavelmente nas tradições
religiosas. Na cultura jurídica romanista se procura a verdade substancial , tentando
estabelecer um relato oficial por meio da decisão do magistrado. Já no common law ,
a prova origina-se do confronto de duas versões para triunfar publicamente o
relato mais verossímil .
Para tanto, argumenta que na cultura católica há uma característicacentralização da autoridade na igreja e no chefe eclesiástico, que domina sobre a vida
social. As normas vêm do alto e são interpretadas e aplicadas pela igreja que detém a
verdade. Essa cultura foi transportada para a sociedade e assim a lei passou a ser
objeto de temor reverencial e o juiz como o representante do Estado, fonte última e
única da verdade, e não um mediador entre a lei e a sociedade . Nestes termos, o juiz
seria o prolongamento simbólico da Igreja.
Em contrapartida, o protestantismo é marcado por um forte
individualismo, havendo uma ligação direta entre Deus e o Homem, sem intermédio
de autoridade eclesiástica. É marcado por uma desconfiança em relação a todo tipo de
sacerdócio. Não é a igreja, mas sim o indivíduo que deve consentir e se sujeitar às
obrigações religiosas, havendo assim uma descentralização de uma verdade comum.
A sociedade passou a ser horizontal marcado pelo contrato (exacerbação do
individualismo protestante), onde cada fiel passa ser uma igreja em sim. Dessa forma, o
protestantismo tem uma atitude particular com a lei unilateral que é percebida como
perigo, como um intruso ao direito vivo: o contrato. Desconfia-se de regras abstratas.
Visualiza o autor uma ligação entre a confissão dos procedimentos
de inquisição e a confissão católica. A confissão na igreja católica é verticalizada
onde a igreja administra a verdade do fiel. Já no protestantismo é o próprio fiel que
faz um exame de consciência por introspecção e voltasse para dar testemunho à
congregação. Assim a verdade não é gerenciada, nem extirpada por um aparelho
oficial. Havendo, neste último caso uma confissão regularizada.
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A formalização processual da common law tem sua origem no
modo de conduta puritano. Para estes a salvação advém do cumprimento metódico de
regras procedimentos, e não de boas intenções, o que gera uma observação estritamente
rigorosa desses comportamentos. As regras de provas herdaram essa tradição, pela qual
na common law o método de obtenção da verdade é mais valorado que a própria
verdade. O comportamento é considerado como garantia da verdade. As regras do
devido processo legal na formação da verdade são necessárias para que a decisão
não fique ao arbítrio de uma só pessoa. Traz a idéia de regularidade da ação, fixar-
se nas regras, jogar conforme as regas. As versões dos fatos são postas em embates
pela iniciativa das próprias partes.
Assim, pelo modelo norte-americano a busca da verdade é muito
mais pela verossimilhança que pela verdade real. O teste da verdade é certificado
pelo respeito escrupuloso de regras processuais e pela impressão que o júri tem de
tais provas. A verdade é obtida pela análise fracionadas dos fatos pelos jurados, o
quem tese dá uma maior segurança às partes. Já no modelo francês de inquirição
busca-se eclodir a verdade, fazendo com que os depoimentos se fundam. Obtendo-
se a verdade é obtida pelo livre convencimento do juiz com base na fusão das
provas.
O acesso à verdade no common law é processual, porém não rígidos
dado a variação dos regimes de verdade: os padrões de prova. Assim, a rigidez do
modo de produção da prova pode ser maior, caso de processo crime, ou menor no caso
de um processo civil. Existem três padrões de prova. 1) Em matéria penal, cujo
padrão é estabelecido “ para além de uma dúvida razoável ”, com probabilidade maior
ou igual a 75%; 2) em matéria cível, cujo padrão é o da “ preponderância da prova”,
onde para ser admitida a probabilidade tem de ultrapassar 50%; 3) causa cíveis que
colocam em pauta a liberdade (internação psiquiátrica) cujo padrão é o da “ prova
clara e convincente”, com nível de probabilidade entre 60-65%. Esses padrões são
auferidos pelo regime de verdade em sua totalidade e não de cada prova isolada .
O padrão variará de acordo com o bem jurídico tutelado e de
modo a diminuir os riscos de erros em julgamentos , pelos prejuízos potenciais dos
indiciados. O universo da common law põe na balança o interesse privado ameaçado
e o interesse público a ser protegido para avaliar o risco de erro aceitável na
determinação da prova. Três fatores são analisados na balança: o interesse privado, o
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risco de uma privação injustificada desse interesse e o interesse público . Princípio
da precaução nos casos de incerteza.
O devido processo da common law traz a idéia de regularidade da
ação pública: conformidade com as regras de boa conduta e previsibilidade da ação
decorrente. O que se busca não é a decisão de fundo, mas os meios de se chegar a
ela, que só será aceitável após ultrapassar todos os obstáculos processuais.
O que guia o magistrado da common law é a repartição igualitária
dos riscos entre as partes e a adaptação de suas ferramentas processuais à
complexidade do real. E as seguintes razões explicam isso: 1) o caráter simétrico de
todos os interesses, privados e públicos e são divergentes, e se não puderem ser
colocados em pé de igualdade estarão ao menos em situação simétrica pelo padrão
de prova a ser exigido. Assim uma situação assimétrica em favor do poder estatal
exigirá um padrão mais exigente que o da preponderância da prova (que é de apenas
50%). 2) esforço para repartir igualmente os riscos entre as partes. Aufere os riscos
envolvidos e da capacidade de cada parte gerenciar seu próprio erro na apreciação. 3)
abordagem econômica. Prevenir erro do judiciário. Um padrão de prova deve ser
mantido enquanto não se puder imaginar outro padrão que produziria mais
exatidão. As partes devem demonstrar a necessidade de meios de prova mais avançados
que o normal, e da ausência de custo financeiro e de tempo. 4) princípio da
modalidade política. Idéia de força de atração, pesos dos princípios de Dworkin,
pelo qual o magistrado deverá estar mais inclinado a seguir um sentido já
determinado que tomar uma decisão particular. Marca os limites da
inventabilidade do juiz em matéria de provas para evitar erros.
Este sistema fere o modelo francês que se satisfaz com a verdade
una e indivisível, não concebendo graduações da verdade. O recorte dos fatos
inspira desconfiança para este sistema que busca a unidade da verdade.
Outro ponto interessante destacado pelo autor é a flexibilidade da
common law em matéria de provas pelo uso da presunção . O juiz pode modificar a
exigência de prova exigida pela lei quando esta lhe parecer inadequada para o caso
individual. Pode assim transformar presunções legais irrefutáveis em contestáveis pela
parte contrária, pela administração individualizada da prova.
Por fim aponta o autor que, malgrado a flexibilidade e a eficácia do
sistema de prova da common law , seu funcionamento continua rígido, fundado no
processo equânime e da igualdade de armas na administração da prova.
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Entretanto, há uma dificuldade em construir pontos de interseção entre processos
judiciários e político. Há uma desvantagem, pois o sistema acusatório de iniciativa
individual de administração da prova é inapropriado para defender interesses
privados em face de uma burocracia estatal, pois a eficácia dessa técnica somente é
alcançada se as partes tiverem recursos equivalentes. Sendo assim, inicia um
indicativo para uma racionalidade burocrática onde o juiz passaria a ter uma
participação mais ativa no processo, podendo, por exemplo, determinar produção
de provas e não somente as analisar passivamente, aproximando-se assim do sistema
investigatório. O juiz deve assim não apenas estatuir a admissibilidade de prova,
mas buscar a verdade, descobri-la e expô-la oficialmente. Entretanto a cultura da
common law desconfia desse tipo de administração burocrática da prova, o que
poderia relativizar os excessos próprios de uma cultura de separação dos poderes.
O formalismo da common law em matéria de prova ainda mantém o juiz dentro do
modelo de arbitro passivo do processo equânime, mas o aparecimento do estado
administrativo erodiu lentamente esses sistema de busca da verdade, havendo uma
inclinação de convergência entre as culturas francesas e norte-americanas nesse
domínio.