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A CRIANÇANO DISCURSO ANALfTICO

O presente volume reúne uma seleção de contnbuições clínicas apresentadas por ocasião das Jornadasde Estudos do Cereda Centro dePesquisas sobre a Criança no DiscursoAnalítico) e que foram publicadas emvários volumes da revis ta Analyt ica

O Cereda foicriadoem 1983, em Paris , dentro da Fundação do. CampoFreudiano, por iniciativade Enc Laurent, Robert e Rosme Lefort. Jacques-Aiain Miller Judith Mlller. OCereda não UrT}a associação, nemuma instituição. E um lugar de estudos, aberto a participantes de todos os

horizontes práticos.A psicanálise de crianças teve um lug r espec ial no ens inament o deFreud; esse lugar é particularmenteimportante no ensinamento de Jacques Lacan, ao longo de seus scri-

t s e de seus em ináno s : é estcontribUiçãoda psicanálise de cnanças ao discurso psicana lítico que oCereda pretende fazer pe rststtr. Dentro dessa perspectiva, o Cereda suscit ens in me ntos e pesqu is s ,recenseia atividades que interessama este domínio e organiza period1ca·mente Jornadas de Estudos.

A análise com a criança um destaque ~ o discurso analítico. já que oquestionamento sobre a constitu ãodo sujeito nela privilegtado. O fatode que a psicanálise com criançass ~ j ~ o b.o d o ~S aspectos . comparavel a ps1canahse com ad ultos, oque t e s t e ~ u n h ms contribuiçõesque compoem este livro: unidade da

psicanálise. Essas contribuições clínicas examinam a função do signific nte na e s c o l h ~d estrutur ;estudam a origem dapsicose infantil,estabelecendo que o tratamento psicanalítico se torna possível a partir domomentoem que o estatuto de Ujeito

reconhecido na criança. É atravésdas construções elaboradas nessasanálises que este fato se estabelece:a criança um ana lisando Integral.

Colaboradores

Aoslne LefortAobertLefortYvonne LachaizeOem ichenFrançoise KoelherEsthela Solano-SuarezAnnickAngladeMarc StraussJean -Jacques BouquierFrançoiseJosselinMichàle Faiv re-Jussiaux

Liia Mahjo ub-TrobasÉricLaurentGuyClastresPatrick ValasPaulo Fernando de Queiroz SiqueiraMarie-Hélene BrousseDominique MillerAlain GrosrichardFrançois Aegnault

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riançao Discurso nalítico

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Judith Millerorganizadora

A Criançano Discurso Analítico

TraduçãoDulee Duque strada

RevisãoManoel Barros da Motta

Jorge Zahar ditorR i o d e ~ i r o

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T r a ~mtori.zadade uma seleçãodt: tl:Ato&publicados emvírios aúmcros da n:visu MI f ica

de 1983• 1988,pocNIIYM'illÉditeur,deParis f r ~

Copyriabt c Navllria Éditc:ar

CopyriB)It c 1991 da cdiçio ~ liazuaportuaucsa:Jorge Zahar Editoruda.ma Méaico 31 sobreloj•2003l lo de Jaaeõm,RJ

Todos osdireõa reservlldo6.AreproduçãoIÚ0- 1.1110ftuda ôe5ll1 p u b l i ~ DO todoou em perw.. c:oastic:W violllçio do copyriaiiL(Ui :5.911)

d i ~eldróaic.: TopTcatos Edições Gráficu Uda.

Jmpmllio: Te.vllml eTriSlio Ltda.

ISBN:8.S-7110.1 1-7 (JZE,Rl)

91•DSIZ

Cl,• n.si \ CU lOI)loÇ'ier-U-fo-WStndi ut.o MKi OMl do1 (d t t Ol H clt Lfw-ros .

\ PsiQ.I\Ãliu io h n t t l , a. Ps tc•nills. . I. Mllt:rJudith. lt . Sfl-1t .

coo • 61a.,ZI917tDU • 1SO.II6• .2·0Sl.Z

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Apresentação 7

I. PONTOS NODAIS

Unidadeda psicanálise 11ROSINE LEFORT

Introduçãoà jornada de estudosdo 13ROBERT LEFORT

A pulsão em cwto-<:ircuito 5ROSINB LEFORT

Um ..passoa mais . cn.trea criança eo adulto:a estrutura do corpo 17

ROSINE LEFORT

Imagem eobjeto separadosou confundidos? 22ROBERT LEFORT

O St, o sujeito ea psicose 27RosJNB LEFOR.T

Sumário

O oorpodo Outro:do significante aoobjeto ede volta 34ROSINE LEFORT .

A criançasem o saber 4RosiNE LEFOR.T

Sobre o semblantee o objeto 5

RosiNE LEFOR.T

li. CASOS

Do Outroimpossível aoOutronão-barrado 61YVONNE LACHAJZE~ M I H E N

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oOutro quer me perder? 73FRANÇOISB KOEHI...IiR

O dejeto78

Es'rHELA SOLANO-SUAREZ

Em buscado sangueperdido 84ANNicK N G L ~ E

Semblantee transmissio 94.MARC STRAUSS

o trajeto de Aurelianona estrutura 102

JEAN-JACQUESBoUQUIEllA cicatriz.: as bolsase amorte. 110

FRANÇOISEJossELIN .

A criança-muda ll.SMICHELEFAIVRE-JUSSlAUX

Do semelhante o semblante. 122LIUA M.AIDOUB-TROBAS

ID. ESTUOOS

O gozodo débil 131ERJc LAURENI

A criançano adulto 136GUY CLASTRES

O q u e ~umaaiança? 141PATRICK VALAS.

A criançae o adulto reencontrados,ouO bom eocootrocom o objetosegundo Winnicott 147

. PAULOFERNANDODE QUEIROZ SIQUmRA

··umapsicanáliseé o tratamentoque se espcn de um psicaDalista 1S4.MAIUE -Há ÊNB BROUSSE· · .

A bela e a fera 163DoMINIQUE MILLER

À criança e o signiflcanteno mile 169A1 AIN GROS RICHARD

O corpomístico 176FRANÇO I.s lw:niAULT

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Apresentação

OCERED

O Cereda(O:nfro de Pesquisassobrea Criançano Discurso AnaHtico)foi criado em 1983, dentroda Fundaçãodo Campo Freudiano,poriniciativade Éric Lauren4 Roberte Rosine Lefort,Jacques-Alain Miltere Judith Miller.

O Ceredanãoé uma associaçao. Nãoé uma instituição.É um lugarde estúdos,abertoa participantesde todosos horizontes práticos.

A psicanálisede criançasteve todo um lugarno ensinamentodeFreúd;este lugar é particularmente importanteno ensinamentode Jacques Lacan, ao longo de seus Escritos e de seus Seminários: é estacontribuição da psicanálisede crianças ao discurso psicanalítico que oCered.J pretende fazer persistir.É nessa perspectiva queo Ceredasuscita ensinamentose pesquisas, que recenseiaas atividadesque interessam aeste domínioe organizaperiodicamente Jornadasde s t u d o ~

Este volumereúne umaseleçãode contribuiçõesclínicas aprc;sentadas por ocasião dessas Jornadase que foram publicadasem váriosvolumesda revistaAnalytica O fatode quea psicanálisecom criançasseja, sob todosos aspectos,comparávelà psicanálisecom adultos,é oque testemunhamessas contribuições: unidadeda psicanálise. Aanálisecom a criançaé inclusive um destaque do discurso analítico,já que oquestionamentosobre a constituiçãodo sujeitoé nela privilegiado

Essas comunicações clínicas examinam a funçãodo significantena-escolha da estrutura;estudam aorigemda psicoseinfantil,estabelecendo que o tratamento psicanalíticose toma possível apartir do

momento em que o estatutode sujeitoé reconhecidona criança. Ét r v ~ sdas construções elaboradas nessas análises queeste fato seestabelece: a criança~ um analisando integral.

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I Pontos nodais

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Unidade da psicanálise

Rosine Lefort

Cereda testemunha a unidade da psicanálise: a análise com a criançatem uin destaque especial em relação ao que nos_pode ensinar sobre ovivo do discurso analítico.

A criança nos ensina, não apenas no nível da nossa escuta em seutratamento, mas nos ensina mwto também, no que se refere aos tratamentos dos adultos lá onde isso é nesses tratamentos de adultos) e láonde sso se interpreta - o que constitui uma contribuição absolutamente

privilegiadaao disc

urso psicanalítico .Para chegar

a compreenderesse discurso da criança devemos, penso eu, antes de mais nada nosdistanciar da abordagem familiar, anamnésica, e social, onde o perso-nalismo a disputa com a psicologia, a menos que a criança, em caso depsicose se tome a causa viva, permanente, de um desvio semprerenovado do discurso de um dos pais - na maioria das vezes dos dois .

É pois, com o discurso da criança que lidamos . Um discurso que s ~

longe de ser o dos pais - aliás, em muitos casos, o discurso da criança,sua patologia seus sintomas assujeitam os pais quanto a seu desejo,seu gozo seu saber: nio se deve esquecer este assujeitamento dos paispela criança . ·

O ensinamento de Lacan - no qual a referên cia à criança i quaseconstante - desprezou essas figuras parentais derrisórias que são postas ·em evidência como todos sabem: o pai em casa, o pai omisso, o paiassustador, etc. Não é a isso que se refere nos tratamentos, mas ao

o m e d o ~ à estrutura, e também à topologia, pedra angular datransmissão da psicanálise.

A questão, por exemplo, do trauma sofrido por uma criança : comopodemos avaliá-lo escutando o discurso dos pais abalados, feridos ·emseu narcisismo pelo que aconteceu a ela? A criança, em análise, deverâjustamente se distanciar desse ferimento dos pais, e até J]lesmo de seugozo ocorre, com freqüência, quando os pais fazem o relatO, esse gozoparadoxal ligado ao trauma da criança); ela deverá, portanto, se afastardeste djscurso dos pais, desse gozo, para encontrar seu próprio discurso ,que será variável, aliás, conforme a idade dela no momento do trau .ma .

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12 a a iança o discu rso a na lflioo

Nas comunicações que se seguem vaise tratarainda do es tatutodoOutro c da transfonnação desseestatut o no interior, nodesenrolar do

tratamento analítico da criança.É est e estatuto que iremosques tionar,e veremosque a criança,justament e, está inteiramente apta a nos fazeracompanhar essatransfonnação do Outr o no interior de um tratamento,so b a condição,é claro, de que o analista ente nda a dim ensão datransferência. Mais do que a história da criança,é co m esse rea l quevamos nosdefrontar.

A·emergênciado Outro e de sua barra dependedo objeto a c atransferência demonstraque, ou o Outr o é afetado pela falta - e entãoa·demanda promove o significante da falta, o falo,sob alguma fonnapela qual o ob jeto tenhasido retirado do Outro- ou então ao Outro nadafalta o que me fez, por um momento, di?,er que em casos extr emos nãohav eria Outro na psicose) - o objeto, ne sse caso, não passa de umse mblante, retirado, não do corpodo Outro,mas do próprio corpodopsicótico, ao qual só resta, poderíamos dizer, de humanidade nestemomento,enquanto objetoa o dizer do analista,cujo invólucro é a voz..

Logo, o analistanes se caso deveradica lizarsua posição: não se r maisque esta voz de um dizer,cujo dito poderáser a chanc e do surgimento

de um sujeito, o suj eito. Estaposição tambémserá rad ical por parte doanalisando,onde a estruturasubs titui o imaginário, co mo testemunhamuitas vezes o eco topológicoqueconstatamosnas produções gráficasdessas crianças psicóticas que estãoà procura- poderíamos dize r deum vazio, de um conjunto vazioque lhes permitiriase co ntarem edescontar o Outro.

Esses desenhos me levam precisamentea dizer que a topologiarepre se nta a grande co ntribuiçãodo ensinamentode Lacan, que permite

superar nossas insuficiência s imaginárias para entender,no discurso -especialmente no do psicó tico- , o realemcausa,aqueledo co rt e, aqueleintroduzido pelo ato do analista,corte queé a chance de viradado toroe de reversão do a de uma estruturação propriamentesignificantedocorpo .

Radical interrogaçio do sujeito no ser demasiadamente pleno, doqual se deve excluir toda analo gia, qualquerque seja.coma neuro se: acriança o diz; cabe anós escutá-lasem nos apegarmos aum sabe r quepoderiaproduzir fechamento.que p r o d u ~f ~ c b a m e n t ocabe a nós nostomarmos disponíveis,fazer tábula rasade um discurso prematuroo

nosso. ou o dos pais - e não ser maisque uma v z para deixar lugar àcriança como analisandopor inteiro.

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Introduçãoà jornada de estudosdo CEREDA

RobertLefort

Ü objetivo daqueles aqui reunidos é dar à psicanálisede criançasaamplitud e merecidano campo freudiano, e renová-la segundo as perspectivas abertas peloens inamentode J. Lacan.

Os que aqui estão têm por bússola, em sua prática, es trutura esignificante - verdadeiroprogresso, diziaJ. Lacan - para alémdaexperiência imediatae de todaclivagementreclfnica eteoria.

Não há especificidade napsicanálise de crianças. A estrutura osignifi cante e a relação co m o Outr o não concemem de ma neira d{ferente à criança e aoadulto . É isto que faz a unidade da psicanálise.

Nadia e Robert,a ~ c r i n çdo Lobo",são testemunhasdisso.Nadiamostra a via de surgimentodo sujeito pela longa voltaque, em seutratamento,ela faz do se u encontronecessá rio com o espelho, decompondo suas fases. estabelecendoo caráter fundamentaldo especularcomo linha divisóriado que to ca ao su jeito, linha divisó r a que seenc ontra tambémem toda análisede adult o.

Quanto à psicose de Robert , por infantilque seja, como se di z. nempor is so deixa deesclarecer ce rtos aspectos da psicosede Schreber, masesse esclarecimentoé recíproco.

Há um aspecto da nossa práticade psicanálisecom crianças que éacentuado pelo fatode que não é a criançaque vemse queixar, mas seusfamiliaresé que vêm falar dela.

.. 0 que determinaa biografia infantil .. esc reve Lacan, ~ s e umotorestá apena s na maneirapela qual se apresentouo desejono pai, na mãee que, em co nseqüência,no s incita a explorarnão apenasa hist ória, maso modo de presençasob o qual cadaum destes três termos- saber, gozoe a - foramefetivamente oferecidosao sujeito'".

Acre scentemos A e sua topologia,já que o sujeitodepende deles.Sabe -se que o Outropod e não ser barrado, ou seja, não ser mar ca do pelafalta, eaparecer como um , o um do gozo: é o que demonstraRobert , aose oferecer como objeto do gozo do Outro . A criança pode tambémsepropor como a para preencher o Outto na situaçãoperversa. Esse lugar

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4 a ctiança o discurso analíti< o

da criança comoa do Outro deve sersempre questionado, sejanapedagogia, na ortopediaou na análise,mediante atransferência.

Não podemos, por outrolado, deixar de constataro fracasso dadescrição dodesenvolvimento da criançaa partirde um pontode vista·psicopatológico:é o da criançasemOutro.

É esta,até certoponto,a descrição deMelanie Klein,cujareferênciaao Outro claudica,na mesma medida emque o sujeitonão é representado ali por um significante para outro significante, nem que aalienaçãodo sujeito no significante oapague.

Enfim, a noção fundamental de gozo introduzida porJ. Lacan e a dos

objetos a como -mais-gozar só podem produzir compreensão doponto vital da dependência primeira quea criança temdo Outro.

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A pulsão m curto circuito

Rosine Lefort

G osta.rlade dizer algumas palavras sobre o que surgiu· em nossoe n c m i ~ m e n t osobre apsicose,ou melhor, sobre dois pontos:

- a,divisãodo sujeito- o circuito pulsional

No quese refereà divisãodo sujeito /chspaltun g), foi enfatízada,com freqüência,a clivagem do eu.Melanie Kleinfez delaum ponto

ce ntralde sua teoria.Lacan,em contrapartida, não deixoude observar,para alémdo título.. l chspaltung . do últimoartigode Freud, quese tratava nesse artigo da-reCendado objeto., istoé da passagemdopênis-órgãoao fa lo enquanto -<p.

Em caso algum o psicóticoindica qu possa atingir uma tal refendado objeto.

• Esta via, com efeito,pas sa pela aceitaçãode uma faltano Outro,

correlat ivaà promóção dosujeito do inconsciente.

.Essafaltaque ele produziriano Outrotema vercom a pulsãomaisradical,a pulsão demorte.

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t a aianc; a no discurso ana lítico

No que se refereà pulsão,se a refenda do objetonão se realizar e oobjeto pulsionalpennanecer no real, o circuitoda pulsãoé abortado.

Se a refenda nãose fez é porque não houvt redobramento: do

repre se ntante à repre sentação do representante,ou seja,à Vorstellung-reprãsa ntanz..Então, diz Lacan,produz-se~ es s ereção do objeto à luz do espanto,

uma for:macongelada numa inefáveles tranheza ..Certamente, a pulsão estáali, sob uma formatrun cada, reduzida a

um impulso que é o caráter primordialda pulsão.Afonte tambémestáali, já que é orgânic a. Ma s nemo objeto,nem o objetivotêm lugar .

Nem o objeto cujo ca ráte r indiferent e, no en tanto, fundaessa sucessão de um objeto ao outro,parao psicótico.

Nem o objetivo: é que não houve quedado objeto, istoé, a pul sãonão o circunda.

Então,à faltado que sejao objeto-eternamentefaltoso.:-enqua nto real,ele pod e permaneceracop ladoà superfície do suje ilo

(dafa importância,no psicótico, do -eu todo na superfície);- ou então,por culpa,ele é devido ao Outro, acoplado,simet ri camen

te, sobre sua superfície.Trata-se aí de um curto -circui to que bloqueiao circuito pulsional

com duas co nseqüências: .- 1 co nseqüência, no plano da alienação: o~ v e lnão se in screve sobo modo de um -nem ..nem , mas sim sob o modo deum -ou ...ou .mortífero,que remete o psicótico à perplexidade quanto asua sexuação,até me smo ao -e mpuxo à mulher' queé sua conseqüênciainevitávelembene fício do Outro.

Não há gozo do suje ito ligadoà pulsão, mas gozo do Outr o que nãoé pul são.

- 2 conseqüê ncia:o curto -circuit o corta o ci rcuitopulsional,que nãotem trajeto de volta:~ a verdadeirapulsão ativa-, diz Lacan, pois é estetrajetode volta que define o bordo da superfícieerógena,de onde partea invaginaçãodo ci rcuito pulsional, numabuscaa que o Outrore sponde .

Como poderia eleresponderse nãohouvessequeda do objeto ?O quaJ, além do ma is, lhe é devido,para quenão só ele não tenha

falta,ma s paraque ele não mona, de onde a referência à pulsão de morteque lh es fiz.

Por tan to, a ausência darefendado sujeito só alcança a identidadeentre o significa nte e a ·coisa" : o significantetomao lugar da -coisa",se rdend a não há.

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Um passo am a i s ~ ~entrea criançae o adulto: a estrutura do corpo

Rosine Lefort

A criança no adult o, é sempre o mes mo problema daunidade dapsica nálise, ou ainda da crian ça como analisandaintegral, porque aosolho s da psicanálise não há umacriança çu umadulto,há um sujeito.

A elaboração de Freud e de Lacan é inteiramentecentrada nesse·sujeito .,não apenasenquanto - se r falante. mas enquanto prematuroao nasce r, o que fazcom que seja atravésda imagemdo Outro que ohomem encontra o rec orte unitáriode se u corpo. -A realidad e ., dizLa ca n, -é conquistadainicialmentesob a forma virtualda imagemdo

corpo ..É a partir dessapr ematuração qu e Lacan vai se dedicar, nã o aodese nvolvimento da criança, noç ão psicogenética completamente excluída da psicanálise,mas à estruturaa partirdo estágio do espelho, quevai atravessar toda a sua ob ra, não apenassob sua forma primeira,refe rente ao narcisismo e ao reconhecimento pelo Outro.mas sob afonna do -esquema ótico 'que ultrapassaamplamentea fenomenologiado espelho e onde,no ~ e s p e l h oplano do Outro' ' , isto é, a função do

analistacomo espelho,não é da funçãoespecular que se trata, mesmoque até certo ponto estejaaí implicada aimagem virtual i ' (a).

Se, co m efeito,essa captação especular se produz, es tam os longe deuma estrutura acabadae, na pior das hipóteses, umfenômeno de transitivismo pode precip itar o sujeito nessa alienação naimagem do Outro,até mesmo confundi-lo Co m ela, me smo por intermédiode um significa nte como - a criançado lobo . nos mostra,no começo de sua análi se,quando gritava -senhora . sem se dirigir a ninguém, mas antes co mo

se anunciassea si mesmo confundido com o Outro.~ É

que a casa dohomem", diz Lacan, -e stá num ponto situado no Outro,para além daimagem e que, se for revelada, provocao fenômeno do duplo" .

O esquema ótico,ao contrário, está alipara figuraro quepode haverde furado no espelho -plano do Outro, espelhosem aço que porta osujeito num pontoI, di stinto do lugar de i (a) que permiteao suje itoap ree nder o que tem a suaidentificaçãode fundamentalme nte ilu sório,

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a criançano di CUrso analilíoo

na medidaem que ela é narcí.sica, oque já verificava acriança no CÓlodo Outro,ao se voltar para esseOutro que o portava. Mais além daimagemdo corpo investidacomo Eu Ideal, situa-se em Iesse IdealdoEu, isto é, aquilo a que o sujeitose identificaao entrar na estrun.irasignificante,paraalém da observação imaginária.

Mas dirão vocês, naquiloque lhes digo onde está a criança noadulto'?Pois bem elaes sempre ali,e esde o início,naobrade Lacan.Releiamos Complexos Familiares onde toda a patologiaé situadaprincipalmente a psicose, a partirdo lugar ocupadopelacriançaem seumeio; ou ainda, paracitar apenas um seminário,o das Formações doInconsciente onde se elabora o Édipo na perspectiva propriamentelacanianada topologiado significante. Deve-se ainda lembrarque

Freud descobriuos estágios libidinais das criançasnas análises deadultos. ·

.Enfun,de um modo mais geral, Lacao,situandoo sujeitono discurso,lembra que a neurose é uma -questãoque o ser coloca para osujeito ,uma questão,diz Freud,que ele colocaa partir ..dali ondeele estavaantesque o sujeito viesse ao mundo ..

Todos aquelesque têm a prática da análisecom criançasnão podemdeixar de se sensibilizarcom a proximidade desses elementosde estrutura com a maneira pela qualelas os demonstram, e isso tanto maisquanto menor for acriança.

Lembremos oque cada um pode conhecer na práticacom adultos,qwmto a essascenas que fizeramum pontode ancoramento, fixaçãonafascinaçãoque elas exerceramsobre o sujeito.Mas qual a reconstrução,para acompanhar Freud a propósitode sua -lembrançaencobridora' ;que o analista pode fazerentre o discurso manifesto da lembrança, oupelo menos relatadocomo tal, e a elaboração fantasmáticaque ali seesconde'?Ali onde se vê que uma r e o r ~ ç ã ode infância nãoé a dacriança que aquele adulto foi,mas que é necessárioencontrar,mais alémdo recalque, todosos estratosque recobriram o fascínio inicial.

A criançapequena,ao contrário, pode nosdar uma ilustração e umacesso mais diretos.

O bebêque eraNa dianos mostraao vivo,na cenade 10 de dezembro,o que podeser um tal fascíniodiante do quadrode umaenfermeiracomuma criança no colo, que ela contempla comfortes movimentosde ·sucção.Lembro a vocês queela só sai disso através do significantedoseu nome, isto é ela passa do seu olhar à minha voz. M2s, pelaoralidade,ela haviaencontradoa manifestação mais ativa,ou seja,seudesejo desejoque Lacan demarcade uma maneiraque vale para todosujeito, crianÇaou adulto:-odesejo encontraseusuporte fantasmáticonaquilo a que se chamade uma defesado sujeito diantedo parceirotomadocomo significantedo devoramento realizado ..

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pontos nodais 11

Vê-secomo,aqui, o fantasma fundamental,o de Nadia nesse caso,se revelana dialética dos objetosa o que em caso algum o objeto fálico

imaginário poderia fazer. Vê-se também como a criança pode nosencaminhar quantoao que deveser retirado,no adulto, parase reencontrar esse processodo fantasma fundamental deque dependea origemdo sintoma.

Lacan há muito tempo, nessesentido,articulou apulsio oral e ocomplexo de castração, em outras palavras, a passagem doa áo -q>.Essaé certamente,a articulação principalda criançano adulto,essa passagem do fantasmaque une o sujeito aoa à dialéticada castraçãoque une

o sujeitoao -<p.Como a o pontode angústiaestáno n.íveldo Outro, o corpoda mãedaí a situaçãoprivilegiada da análisecom crianças.Mas isso nãoexclui,evidentemente, aquestão do -rp sob a condiçãode que se veja que nãoé mais damãe que se trata,como no nívelda pulsão oral, esim numaposiçãoestritamenteinvertida, do próprio sujeito, isto é de seu órgãocomo experiência subjetivada falta. .

Ora, a pulsãooral nessasco ndições, longe deser um modo metafórico de

abordaroque se

passano

níveldo

objetofálico,levantatodaaquestão da relaçãocom o Outro,do corte e da promoçãoou não doobjeto a necessárioà aheridadedo Outro. Écerto que o que está emjogo nesse nível,é considerável, eas pulsões agressivasque aí seoriginampademestar na fonte das -claudicaçõesmais fundamentais- .A criançaes no primeiro plano para nosensinar,masela nossinaliza,também,que é bem disso quese trata no adulto.

Robert, a-criança do lobo . apareceassim como o modelode umSchrebercujas reconstruções megalomaníacas podem nos mascarar aessência deum retomo à impossib ilidade de umobjeto a oral entre elee o Outro. Certamente, essacriançanos dá imediatamentea dimensãode um debate quantoao seu pênis nasua relaçãocom o Outro, oquesignifica que,longede ser o significanteda falta, o rp é um órgãoquetoma o lugar deum a não para ele maspara oOutrona estrutura,naorigem do gozo e ~ eOutro. À falta do significante,o Outroaparececomo o sujeito míticodo gozo. Vê-secomo aquia dialéticaseio -pênis,cara a Melanie Klein, que confundeos dois emsua equação, prepara ocaminho da psicose,uma psicose nonnal para ela mas que é absolutamente m p e n s á v e l ~impensá vel,de fato, se que stio narmos osurgimentodo a essencial para abarrado Outro,bemcomo para aconstituiçãodosujeitono lugar desteI enquantosignificante,e se não tomarmoscomoverdadeiro, como na psicose,um órgão - o pênis não simbolizado-como a votadoportantoà quedae à mutilação . Nessesentid o o debatede Rob ert podeesclarecer o de Schreber.

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20 a iança no discurso n lítioo

Todoesse debatede Robert, aofund e umtempoemanálise, éporque· ele aceita ter esse órgão de menino, contrasua vontade,contraa do

Outro,já que está sempre disposto, à maneira psicótica primordial,aprivar-se dele para escaparà castração. É verdade que existe sempre,para o psicótico, a maior dificuldade para se situar noregistrodacastraçãosimbólica. AmetÁforadelirante podefazer concessões; apedrade toque permanecea foraclusão do Nome-do-Pai.

Vou lhes proporcomofunção doNome-do-Pai essa possibiJidadedeter umcorpo.Ora, ter um corpo só pode querer dizertê-lo pelo Outrono significante: o corpoé o significado dessesignificante naquilo que

Lacandefiniucomo ..ponto de basta.. Neste sentido, aforaclusão doNome-do-Paié a se paração radical entreo real docorpo eosignificantedo Outro.

O real do corpoé, na ausência de todo saber no Outro (S2 , nãoalgumacoisa de perdido,mas alg TUacoisa que tende para o vazio,numa perspectiva de continente-conteúdo,comefeitode vasocomunicante entreo sujeito co Outro: todos os conteúdos do corpo,produtose órgãos, est.ãoa serviço do gozo doOutro.Diz Scbreber:..Vivi pormuito temposempulmões, se m fígado,se m intestinos....Osignificantedo Outro,que vem do Outro enquanto tal enão de um mais-além,exteriorizaporsua vozos conteúdos do corpo dosujeito.

Se a primeira dimensão docorpo próprioé o significante- nãoes tamos af no níveJ do l.maginário -, é preciso ainda quehaja ai umsignificant e, ao menos um, que nãosejadoOutro, isto é,o significanteda falta, o -<p,senão osignificante do Outro equivale aorea l do corpodosujeitoe de suasfunções:o real e o significante sãocompletamentese parados,mas equivalentes. Sob omodelo do Outro, ..o sujeitonio é

mais, de algumamaneira,suportadoenquantoEu. diz Lacaoa propósito de Schreber , ..a não se r por essa trama contínuade alucinaçõesverbaissignificantes queconstitui,nesse momento. uma espécie deredobramentoem direçãoa uma posturainicialda gênese de seu mundoda realidade.. RedobramentoparaSchreber, mas pontode partidaparaRobert. Ele nos esclarece como,no espelho realcom o Outro, ele sepropõe em seuS, comoobjeto do Outro,colabandoemsuaequivalênciao significantedo S e o real do objetoa, que são, assim, todos dois doOutroe, de fato, um Outro absoluto.

É necessárioo redobramentodosignificanteno S2 paraque umsabersobreele possase destacardo Outro, paraqueele cessede ser o a doOutro e queestea se destaque e caiano intervaloentreS, e S2•

Seu pênisexerciaa função dea até então: ele devia,pois, perdê-loatéo momento em quepassa a poder tê-lopara queenfim se esboceumaoutra perda, a do objetodo qual o Outroé portador. Percurso queSchrebe r não atinge, poi s que, noespelhorealdo Outro, eleperdeo se u

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pontos nod is 21

pênis mas a fim de conservar o seio e mostrá-lo: perde aquilo quenãoé um a, seu pênis, para ter oa que o Outro deveria ter perdido, oseio.

A castração do-<p,fator de subjetivação,é referida ao corpo deDasDingque faz espelhoreal. ·Não se deve crerque o par S,-S2 seja suficientepara desataressa

equivalênciaentre o real e osignificante. Aso matização,ou maisexatamente o afetamentopsicossomático do corpe,es tá aí para nosco nfirmar- e essa é umaetapa inevitável de todoprogressona curadeum psicótíco- queS2 pode,comoS,,estar incluídono Outroe se tomarbolófrase, istoé, fazerefeitode real e não designificante.

Como, então, não passarpela topologiaà espreitade um discurso..omais esvaziado possível de sentido, dispensando toda metáfora? Acriança do lobo., por exemplo, demonstraisso numa sessão a quechameide ..batismo., que lhe permite adquirir umcorpode superfíciecujanomeação,por suaprópria boca, de..Robert., fazcomque, por essanova realidade de corpo, ..o que há de real seja inscrito .

Ensinamento da psicose, e especialmenteda psicose infantil,onde aquestãodo real e dosignificantese coloca,partindode suaseparaçãoradicalpara chegar asuaarticulação.

..Meu discurso demonstra poderse sustentar até mesmo pela psicose , escreve Lacan, ao fmal del Étourdit,nãosemacrescentar:..É deuma retomada da minhafalaque nasce o meuSchreber ,istoé, quer ossignificantese os maternas façam ai as vezes de real ou não.

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Imagem e objeto

separadosou

confundidos?Robert Lefort

A magem especular é o canalque toma atransfusãoda libidoemdireçãoao objeto. Vqc8sreconheceramuma frasede Lacanem Subversão do sujeito e dialéticado desejo-.No caso, a pontaé o objeto , odo fantasma,..essa parte. diz ele, -que fica preservada dessa imersãono especulàr. concentrandonela o mais intimodo auto-erotismo,operando a exclusão, ondeela se encontra,da imagem especular econstituindoo protótipodo mundo dos objetos..

É acompanhando Nadiano .decorrerde sua análiseque se podemapreenderas diferentes etapasdo surgimentodo objeto,tantono seucaráter fundamentalde não especularizável quantona alteraçãodoestatuto do Outro, que é ao mesmo tempocolocadoem su a alteridade epetdendo seu caráterde ·existente até advir,no progressodo tratamento, no fim da análise, ao lugar deobjetoa

O objeto enquanto caído

Numa primeirafase, a relação entre Nadiae o Outro, queera a analista,se davapelo objeto que aindanão caíra. No entanto,ele estavapor cair,como indicavam doisfatos patentes, tantode sua parte como da doOutro. · ·

Por seu lado. descrevemos longamente o sintOmade desligamentoque fez com que ela não pudesseapanhar o objeto que cobiçava, doceou brinquedo,sem ter imediatamente um movimento reflexode aberturada mão que a fazia largaro objeto,perdendo-o.Sob a transferência,istose radicalizaraaté o pontoem que ela se recusava a apanhar, impossibilidadeque demonstravacom os punhoscerrados- sintomatanto maismanifestoquanto ela se encontravano colo do Outro -, então, nãoapenasfecbavaos punhoscomo mantinhaos braços erguidoscomo quepara evitar qualquer contatocom o corpodo Outro,ou melhor,com oobjetoque esteportava. Apenasseu olhar,como sabemos,olhar intenso

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po tos nod is 23

que tanto espantou RosineLefortno começo, estavaem u ~ na s ~

relaçãocom a analista. Deveríamosdizer:objeto que o Outro é supostoportar, pois 'o traositivismose caracterizapelofatode que o objeto estáem posiçãoterceira. É o que mo strou a cena, pouco tempodepoisdocomeÇodo tratamento, quando, nãopodendo comerela mesmao doceque tinha na mão pós um pedaço nabocada analista.Então,se era aanalista quem comia,por pouco que fosse, era éla, Nadia,quem vomitava assimque era postàde voltaem suac ~ Mesmo ne ssa situaçãoem espelho,Nadia demonstrouque o objetonãodevia aparecer enquanto tal em seu real,mas devia ser de srealizado edar lugar a um vazio.Nenhuma simetriaentreo ter o objeto,por parte do pequenosujeito epelo seu Outro, abre o caminho paraesse estatuto vaziodo objeto,e otransitivismo emque ele'está implicado conceme à falta.

A psicose vainos esclarecer quanto aessadiferençaentresimetriaeo transitivismo,na medid·a em que,já neste último, por intermédiodafaltade que se trata, aestruturada mensageminvertida queo pequenosujeitorecebedo Outrojá está presente.

É a realizaçãode um tal lugar deobjeto enquantovazio, enquantocaído, que vai prosseguirao longo detodaa análisede Nadia,até a suaprocura eo seuencontrode sua imagemno espelho. Vamos reter,destetrajetoantes do espelho,apenas duascenas principais:umaé a de dedezembro, quando Nadía,crispando as mãossobre a blusada analistaàaltura do peito,passoudo objeto impossívelque ela queria tomaralipara a exclamação de .. mamãe ,que disse pelaprimeiravez, que lhepermitiu ali,depoisde suatensão,manifestarsua ternura:o significanteanulou o objeto, s maisainda, essa enunciaçãoteve efeitode sujeitosobre Na dia enquanto(-1 ). onde o significado concernetambémà quedado objeto do Outro enquanto(r- i ) na álgebra lacaniana.

No entanto, Nadiaresistiu a essaalienaçãono significante,já quecinco dias mais tarde, alO de dezembro,apegou-sepor viaescópicaaoobjeto faltosoque alucinou atéo pontode encontrara borda erógena dooriffcioda boca, por intensos Di.ovimentós auto-éróticosde sucção.Erao significanteda analista,•Nadia . que aseparavado objetoe faziacomque ela se propusesse metonimicamentecomo objeto de desejo, aomesmo tempo em que dava o sinal de uma aberturapara o. objetometonímicodo corpodo Outro.

O enconrro com o espelho

Ela só iria aperfeiçoar essa quedado objeto,essaquedade corpos.porocasiãode seu encontro·com o espelho,a 16de janeiro.~ a b e s eque,

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24 a alança no discurso analítloo

depois de se ter propostocomo objetocaído aos pésdo Outro para serapanhada, ela reclamouo espelho para af realizar imaginariamente aimagemque a fascinava, a dacriança nosbraços do Outro, mas só

encontrounele a execuçãoradical doobjetoperdido: seu boneco marinheiro. De fato, esse marinheiroque ela tinha na mãoe como qual iapara diante doespelho, elanão o viaali. Seria oseu objeto? Seria oseuduplo ? questãopermaneceem aberto, mas encontrauma respo stalógica no transitivismo anteriorde Nadia,onde ela era ·dois . ela e oOutro, mas onde o objeto já estava marcado pela perda, pois que seo Outro não era afetado por ela, era ela que o vomitava,isto é, que operdia.

Em seu encontro com o espelho,foi a pr ópria Nadiaque se defrontoucom a sua perda,não parase assegurarda perda do Outro, desta vez,mas no seu próprio nfvel,já que o Outro com oqual ela estava antesemespelho não aparecia nessa primeira imagem especular. Então,ele erasó a referência real, quandoela se voltava parase refugiarem seusbraço s.

Não é à toa que Lacan fala desse momento em que o pequenQsujeito se volta para o Outro como sendo o ·mais puro momento deexperiência do espelho . Como poderia ele falarassim, se se tratasseapenas do Eu Ideal da imagem, e não do fato primordial do objetoenquanto caído?

Não foi isso, absolutamente, oque Robert encontrou,quando ..acriança do lobo viuseu reflexo na vidraça pela primeira vez. Oque eleviu, com efeito - seriasua imagem?Certamentequenão - ele bateu naimagem. e se nio viu ali umaimagemque seria a do Outro,nem sevoltou para refugiar-se nos braços deste,como Nadia,é porqueo queele viu nada tinha aver comuma imagem narcísica, mas antescom oobjeto que era ele próprio eque deviacair,a ponto de RosineLeforttertido umaapreensão formidável elhe ter di t o que elenão estavanaquelereflexo do vidro,mas ali, realmente,ao ladodela.É que ela sabia,então,que a perda inerenteà imagemespecularnão tinhaparaRobert qualquerescapatória, no sig nificante, a não ser a de seu significante delirante•tobo-, que veio previamente preencher um furo,um furo no própriosignificante. É isso que fazcom que a imagem não venhacompensar aperda do objeto,mas se confundacom essa perda e só se revele nosignificante do furo.

O imaginário da imagemonde se compraz o sujeitosob os olhos doOutro, propondo-se co mo objeto imaginário para a faltado Outro. éreduzido a zero diantede um Outro não -banado a quem nada falta. Osujeito ~ i c ó t i c ose revela aosse us próprios olhoscomo o objetocafdo,submetido por Robert por seu significante-lobo .

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pontosnoo il 25

Foi precisoesperar vários mesespara que Robert, reencontrandosuaimagem num pequeno espelho; dialetizassede modo menosmaciço essaconfusão entre imagem e o j e t o ~e v e s e dizer, além disso, que osignificante '"lobo . desapareceubá muito tempo,pelo progressodotratamentoanalíticode Robert. Ele oio tem mais, então,paraservir detela, esse significantedo furo,e t sobre a própria imagem,isto é, sobrea superffciedo espelho,que tenta impor sua marcasob forma de umpequeno traço a lápis.que se verificaser impossívelde ser feitosobretal superfície.

Naquele momento, a imagem e o objetonão são mais confundidos,como demonstrou o b e ~repetindo Robert"sobre sua imagemdepois

que a analistalhe disseque aquelaé sua imagem,até mesmo beijando-a,por um lado, mas principalmente,por outro lado,·querendo introduzirnessa imagem o objeto faltososob a formado pequenotraço que queriafazercom seu lápis-pênis.

Seu fracasso o levou a fazerao Outroa censura maiorquanto a essaperda de objeto: ' É você quem me priva demeu pênis, que me fazmenina .. Ele o demonstrouindo buscar no armário das enfermeiras umpar de sapatos de salto .alto que ia calçar- que equívoco - b e m comoum cabide cuja pontachupavacomo a uma mamadeira, aliandocomosempre o seio e o pênis, expressãoparanóica, mas livreno entanto daopacidade e da confusão imagem-objetodo ~ f l e x ono vidro.

Além disso, o Outro ausente por ocasiãodesse primeiroepisódioestava bem presente quando dosegundo:tinha sua imagem. eRobenpôde dizer ..Rosine"paraessa imagem. Se ele procurouencobrira quedado objeto pelo seu traço no espelho. noque se referia à sua própriaimagem, nada veio testemunhartal preocupaçãoquanto à imagemdoOutro. e foiali que se situoua perda.Essa perdaera a do .Outro. que sedemonstrou por uma primeira demandaoral possívelpara Robert: pelaprimeira vez, elepediu a mamadeirae tomou alguns goles, calmamente.no s braços da analista. Se o Outro, pois, tinha a suaimagem,é porqueele perdera um objeto e era este mesmo o objeto de uma demandapossível.

lternativa

Como concluir, anão ser afirmando,conforme estesdois fragmentosdecasos clínicos, que o especular propriamentedito é tanto umaquestãode imagemquanto de objeto. Mas não é um paradoxoque a funçãoimagináriacentradapor Freud no investi mentodo objetocomo narcfsico seja correlacionada a esse objetoenquantoinapreensívelno espelhoe ao qual · a imagemespecularsó dá suas vestimentas ..

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26 a i nç no diswrso t ~ a l l t o o

De sorte que estamos diante dçsta alternativa: ouo objeto a nioadveioenquantocaído,e·é a imagem que cai- o psicóticonão temimagem- ou o objetoa caiu, masé inicialmenteno Outro que o sujeito

apreende essa causado desejo,da qual ele poderá,ao mesmo tempo,assegurar o lugar como objetoimaginúio do de ejo ao Outroenquanto(-tp)e encontrar a via significante desuas pulsões( . O D) no únicopontoque responde a isso: S ~ ) .

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o sl o sujeito e a psicose

Rosine Lefort

Lacan inttoduziuo Nome-do-Pai no nível da psicose, istoé, ali ondeele estáforaclufdo.É estaforachisão queordena apsicosee dá a medidado poder desse significante,t t a v é sdo efeito desuaausência. Ome smose dá como significante-mestre? Certamenteque não,J.ll S sua funç.ãoe seu estatutosó podemser afetadospelo remanejamento da estruturasubjetivaem relaçãocom essa foraclusão do Nome-do-Pai.É a clínicada '"criançado lobo" e a de Schreber que irãonos guiar.

Cinco episódios dahistória de Robert ilusttamsua evoluçãoem sua

relaçãoao significante,na medidaem que o representa.

em queda

Logo que vi Roben, ele estava, evidentemente, no significante. Maisaindapor ser p5icótico: pode-se mesmo dizer queele era osignificanteque ele gritava sem parar,sem dirigir-se a ninguém: ·senhora . Ele era~ s e

hora" comóprovava seucomportamentodiantede mim, quandotomava·contadas outras criançasou lhes dava seus doces sem'guardarnenhum parasi.

..Senhora"era um significante-mestre? Pode-se dizer que sim, namedidaem que respondiabem à própria origem destesignificantenocampo do Outro. Maseste significante, comose sabe, tem por efeitoaafânise, a desapariçãodo sujeito, pela alienaçãosignificante.O únicos i g n i f i c a o ~então,que poderia fazer o 1 é o ..dá "alucinado, vindodo Outro, que implicano ..toma" deRoben, estendendoum doce, atrásdele,para uma criança que não estava ali, apenas para responder a umimperativo: o do Outto do supereu.

Tratava -se. pois, de uma montagem,onde todos os elementosestavam presentes,sem nenhuma queda. Se ó sigoificante-ID.estteera"Senhora", ele estava bem ali eRobert era ele. Já encontramos essac.onfusãoentre o real e o significante,que faz comque o seu ..Senbo -

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28 a criança no discurso n fítioó

ra,. tenh a a_ ver com se u ser, isto é, co m o que La can chama de -significante se-lo · . Eleé o Outro.

É tamb émo si gnificanteda rela çãoao sexo- um ce rto real e Robertiria mo strá- lo na terceira sessãode sua análise ao tentar cort ar se upên is. O quecai éo órgão,não osignificante. o d ~- s einclusive r t i c u l ~ ra. e ~ c o lh a d~ ~ o b_e r t comoa d~ eum i ~ n i f i c a n t esê -lo que nãoé desapanç ao o SUJeito,Ja lu e este nao adveto. Quanto aosentido, não se podefalar dtssona ~ l a ~ a ocomesteOutrodo supereu,absoluto,não descompletado.A ausenctade sentido,forado simbólico , nãoé o não-senso.

A confu são entre o reale o significante tem umefeito paradoxal des e p ar a ç ã ~dos d ? s ~na medida em que ficamambo s na presença, se mes.sa_funçao do stgntficantede r furar oreal. Osignificant e, então, não

e l u m ? ~o rea l, mas oredobra. ~ Is s oque dáesse caráter de exterioridadeao S eito: tanto as ordens dos outros paraRobert,no sen tido de dar osco nt eúdos ~ e seu corpo; quanto, em Schrcber, as funções corporaistomada s milagrosaspelos raios, são fala. ·

O se ntido propiciatório dococôpara Robert, devidoao Outro absolut o para co njurar qualquerin co mpletude sua, explodiu um dianasessão em que e l e f ~ zco cô semdizer o significante,e quando o ruídoda chave de uma VIZinha que entrou emcasalheso ara como a ordemde

ter que dar se u cocô ao Outr o.

O furo real

O apareciment o de se u ..lobo", a 6 de fevere iro diantedo buracodoWC, assumiuum sentido porque Robert estavae.;.análise. Se es te é ums i g n i f i ~ t ~que se pode qualificarde delirante, nempor isso ele deixa

de se dmg1raoOutro

que sou eu na transferência, eépor

issoqu

epodemos falar em -psico se de transferência".Na multiplicidade deempr egos de seu ..lobo" durantequatro anos e meio , o gozo do Outr oestevelonge de ser central.

Nu m primeirotempo , ele era a exp ressão de seu terror des te Outrono x t e ~ i or da sala de sessões,aquelecuja fala era só supereu e a quemele dev1atud o, po rque não podia tirarnadadele. Ma s na transferênciaele gritava,com seusignificante• l obo " , o furo que normalmente afetava o Outro atravésde um significanteque faltavae que fazia dele umOutro barrado ~ ) . sse furo, ainda que marcado pelosignificante-lobo", era real esó poderiaafetaro Outro descompletando-oo que eraimpossfv el para Robert e que fezcomque fosseele mesmo a ~ rafetado

* No original,signifi lll m fire , homófooo a lfiOiíre (merue).(N.T.)

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pontos nod ais 29

por este fur o real. Ele o era, porque não podiad i ~ rum significante-que aliás, nunca diria - , o significante'"mamadeira..o qual se odissesse,descompletariao Outro; e é por issoqueele r ~a mam ~ d ei rportanto, estavano lugardo furo no significante .

A exte r ioridade alter ada

O enco ntr o de Robcrt comseureflexona vidraça modifico u radicalmente a cx,terioridadena qual o -lobo . se aplicaria unicamenteao mundoex.terior- a ponto, mesmo,de umavez. ao fechar aporta, ele ter podidognta r: -lobo for a - Portanto, diante do reflexo , Robert manifestaraap enas recusa e, à falta extra-simbólica de poder aceitara perdainerenteà i m a ~ e ~ ,ele a ss i o usua imagem ao seu - lo bo ', isto é, ao furoqueesse s1gn ficante vmha tampar. Esse reflexonão dera lugar a qualquerr o n h ~J m ~ nt o ~ s pe cu l a r ,mas à associaçãocom o significante,o queme havia feltodtz cr-lhe que aquilo quevia nãoera ele, qu e ele estavarealm ent e ao meu lado,par a tentar dissociá-lo desse significante do furoe fazê ,-Jo tender para um lugarde a Vã tentativa,como pr ovo u a cenada noite de 5 de março, fora dasessão,quan do Robert foi levado a

encarnar essesi gnificante -lobo'"se m par (ou sem pai).Sabemo s qu e exi stem pelomenos dois significant es ímpar es: o faloe o Nome -do- Pai, mas qu e fazemparteda lógica do significan te e nã otêm sub stânciade encarnação, oqueé reservado a a

Na au sê ncia do a caídodo Outro, o psicótico ficareduzido a tentarco loca r, no própriofurodo significante, oprópriosignificante do de líriopara lh e dar um o r y o .O '"lobo" assome,de alguma forma, o lugar deSI, no lugardo s1gmficantese m par que falta e,co mo vimos,do objetoqu e nã o caiu.Um i g n i f í c a n t e . e x t r a~ si m b ó l i c ose tornareal,encarnando-se,e o S2 que vemdo Outro es tá completamente ausente.

Entretanto,a respostade Robe rt,quese acalmouquandoa enfermeiralbe deu a escolhaentre se r amarrado asua cama ou ficar quieto,restabelece u de alguma maneiraum par significante. Mas o lugar de S

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par ece u entãoestar ocupadopor umapalavrade ordemà qual Robertade rira, aliás de boa vontade,pois ela o reco nfortou ao mesmo tempoem que es boçara - é por isso que fo i tãoeficaz- um desejo do Outroq ~ efari a deleo seu objeto,e isso co mo um ecoà separaçãoque fiz entrese u co rpo real eseu reflexo na vidraça, queele identificavacom osignificante.. lobo".

Vamosreco rdar o percurso idên tico de um Schreberque,diantedasfalhas de Deu s , tem de buscar ele mesmo os significantesda -ordemdouniverso .: ~o x í m o r o ' ,diz ele, on de, no combatede Deus contraele,está emsit uação de portaros próprios atributos de Deus. Ali Deu s é, na

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3 aiança no discurso n lítico

sua história,a imagemde um pai, aparecido precocementeem suavidacomo Outro absoluto que o privara do desejode sua mãe, desejoque eteidentifica com a ..ordem do universo ..

Se o S1 d psicose redobra ofuro no significante,enquantosignificante ímpar,não é surpreendente que o psicóticoseja submetidoirremediavelmenteao Um unificador parase defender contra o Umcontávelque, fora do simbólico, seria apenas aexplosãoreal de seu corpoempedaços.

Tocamosai na articulação especificada psicoseentreo a enquantoobjeto perdido, e o significante, enquanto perfurado pelafalta de umsignificanteprimordial. Esta articulaçãose resolvena indecisãoem quefica o sujeitopsicótico quantoa encarnar-seno objeto, oque seria asolução de encarnar-se no significantede um furo que,por redobramento, é o significantedo furo nosignificante.Para Robert,é o · lobo demodo evidente;p r Schreber, é menos claro, a menos quese frise essareferência constante que ele fazà ·ordem do universo . que implicanuma dimensão excluída,sempreem referência nasua relaçãocomDeus.

Vamos retomar essa· dialéticaexclusivado · u m . unificadornarelaçãoao Outroque tem conseqüências consideráveissobre a estrutura

do corpo. Vamossubsumi-lasob

o termo -dialéticacontinente-conteúdo-, em oposição à superfície. Trata-se,para dizer tudo, da estruturadocorpona psicose,da qual asuperfícienão é excluída, masestá dentrode uma lógica diferente. Tudo depended estrutura do Outronãodescompletado que vimos,e da relaçãoentreo sujeito psic9 tico e esseOutro que funcionap r ele segundo omodo analda demandae daordem:todosos produtos docorpo,isto é, seus conteúdos,são para oOutro; logoo corpo se encontra inteiramente vazio eseus produtos lhesão estranhos.É o significante do Outro que faz esse esvaziamentodo

corpo, chegandoa atingirnão apenasos produtos docorpo,mas seusórgãos.

Quanto aos ~ j e t o snormalmente fornecidospelo Outro para ingestão , estes perderamseu caráter de ·satisfação, até mesmo para anecessidade,já que Robert nos diz que não pode tomar nadadoOutro . 'com efeito, este é o caráter do dpm simbólico que faltaao .objeto oral: ele só está submetido, portanto,como os outros, aosignificante do comando. .

A descrição feitapor Schreber da alimentação forÇadaé particularmente dramática; bem como,no Capítulo XI,sua conseqüência quantoao esvaziamentode todosos órgãosdo interiorde seu corpo. Elediz,alémdisso, quese trata de umfenômeno significante,no qualos -raios(portadoresdestesignificante)só se oeupam,essencialmente, depr ovoca r devastaçõesno corpode um dado indivíduo·. o que ele opõe ainda

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à ·ordem do universo". Passamospor cima da descrição da perdadocor lção, dos pulmões.do estôma1o, para sublinhar a ausência, topologicamente essencial, do furodo corpo,d boc::a ao ânus, e particularmenteda borda erógena deste, poisque, comodiz ele, •a difusão dobolo.alimentarse fazia alravésde qualquer partedo corpo eas substâncias impurasdo corpo eram reabsorvidas pelosraios·, ...·como por umapequena cavilha atravésd s paredesdo ventre ..

O significante,com efeilo, designa apenasos furos:não os orifíciosdo corpo - como demonstrou Marie-Françoise- mas a realidadedomundo exterior comoum furo. O •Jobo. vemaí se confundir ecolocaro significanteem exterioridadeao sujeito. Af está uma das falhas

específicasda psicose,ondenão funciona a separaçãodo que,como dizLacan,..está dentro,isto ~ do que está dentro dosaco de pele do queestá fora, todo o resto, pois normalmente faz-se a passagem, paraosujeito,do que ele representa deste'fora' que deveestar tambémnointerior". O significanteaí éo provedor, a menos que,como para Robert,seja o significante quem fazeste exterior,como para Scbreber.

A fronteiraentre o dentro eo fora, entre o conteúdo eo continentedefinidopor este saco de pele,é a superfície: ora, estaS\.lperfície,para

Robert,não erasua pele,mas como se sabe, seu avental, umasuperfíciequelhe era impostapelo Outro e que fazia barreira. real contra a intrusãodo exterior,à falta de .umaestruturasi gnificante.Á retirada doaventalo entregouao gozo, gozo hiper-masoquista quenão era o do Outro, maso se u próprio. Era também o de Schreber,cuja pele não era tanto umsaco quanlo um receptáculode nervos femininos,realmentepalpáveise fonte deste gozoao qualele estavacondenado.

A saída de Robert desse impasse de conteúdosem continente, istoé,

dos objetospara o Outro que não lhe permitiam ter um corpo seu,se fezentão por uma cenaque aconteceu depoisde minhas numerosas interpretações,e de minhas palavras que passavampor minha voz, n i ~ n o

minimamenteo desejodo Oútro.Duranteestapequenacena, elefundouo continentepor um redobramento, umpote cheio d• água dentrode umabacia cheiad'água, retirando a água de utncomumatoalhaparajogá -lana outrae me fazendo fazero inverso. ·

É este o modelo que lheexpliqueinuma ·construção em análise ., a13de maio. Pude dizer-lhe queele foi o conteúdodo corpo batemo queera seu continente, por intermédio do líquido amniótico. Robertmeseguiucom os significantes que dizia: ..Mamãe, Robert, água .. Oqueera impossívelna estruturacontinente-conteúdoreal, devido a umaausênciade significante entreele e o Outro, tomou-se, pelos própriossignificantesdessacena, uma articulação possíveld ~Roberte de seucorpo no Outro. Estecorpocessoude ser vazio, não porque tivesse sido

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32 a criança no discurso analítico

che io, mas porque enchera o furo de um Outro , que cessou de se r um atotalidade, não sem furo . O que contava, então, para Robcrt. nã o e rapr ee ncher o Outro, era que o Outro fosse furado.

Tratava -se pois da dial é tica de A e ~ isto é, aquela on.de o Outro éafetado por uma perda . Em três s ignificantes, .. Mamãe -R ober t-á g . , . , éevidentemente a água que co ns titui o objeto d perda. Ma s não apenasela, porque durante toda a cena eu falei a Robert, e minha vo1. à qualele é tão sensível, atento, era bem o objeto que se destacava de m im, oa no lugar do qual ele se alojava nonnalmente, por a ss im dizer. Ele sealojava aí, não sem perder, ele mes mo, se u objeto de cor po que estavaem causa desde o início : se u pênis; mas, aqui, nã o era por mutilação ,era se m que ele falasse ni sso, nem eu : ele simpl esmente fe z xixi se ntadona á gua, sem dizê-l o, e eu n ão lhe disse nada. Não era mai s de alienaçãoque se tratava , mas de simbolização . Isso queria dizer que o furo nãoestava mai s ligado ao seu s ignificante · tobo - na sess ão de dois diasdepois, quando ele o diria pela última vez - mas à perda de se u pênisenquanto objeto a. A dificuldade, sente -se bem, para dar conta daexperiência de Robert, era o intrincado de diferentes níveis, três aomeno s:

a) s ua relação com o Outro , absoluto ou não, segundo a emergênciado ob j eto a que faz alteridade do Outro. Para Robert , e na psicose , erao ob jet o pênis que estava em jog o;

b) a passagem da estrutura de co rpo co ntinente -<:on teúd o, própria àpsicose , a um corpo em superfície . Robert conseguiu isso pela cena dobati smo : fez escorrer uma mi stu ra de água e leite sobre seu corpo nu,até que o líquido pingasse de seu pêni s, na sess ão de 4 de junho;

c) o plano da alienação entre S e Sz que constitui o mai or problemana psicose, na medida em que não existe a isto é, nem encarnação dosujeito nem alteridade do Outro , e que o significante toma se u lugar.Fenômeno paradoxal onde o significante toma o lugar de um objeto afora do significante; daí a exterioridade: do significante na psicose.

·A linguagem desanimada do s ujeito fala do sexo, diz Lacan . Falaporque o corpo, isso goza, e quanto mais se dirige para o gozo mais éreduzido o significante, a pont o de Lacan ter podido dizer que osignificante primordial S, seria o significante do gozo , antes talvez queo a tenha caído e esse S 1 faça par ordenado com S 1, o saber do Outro

que passa, como s a b e m o ~por Robert, pelo meu dizer e a minha voz.Sabe -se que é este o caminho da constituição do sujeito pelo significanteno lugar do Outro e que faz parar o gozo. É também a passagem, porintermédio do significante, do gozo enigmático do Outro ao que restadele no gozo .fálico.

Mas Robert não estava af. Ele estava no pont o de queda do a ~ emsetem bro , sob a forma de seu avental, isto é, de se u envelope vindo

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do Outro, do qual ele se li vrara, aba nd on ando -o na bacia d'água ao fimda sessão.

En cont ro com a perda

Ma s no dia seguinte, ele e s tava doente: esvaziamento do co rp o, anginac síncope. Era a afânise, a de saparição. Mas, se ria ela ligada ao S2? Nãose podia dizer, também, qu e es te esvazia mento do corpo tinha a ve r comum S 1 no re a l do co rpo ? S 1 do ser do sujeito, o s ign ificante sê - lo, aomesmo tempo Senhora e · tobo , S 2 de envelope do Outro, caíram dam esma maneira. Não existe ai ess a apreensão em ma ssa, co mo dizLacan, da ca de ia s ignifi cante, primitiva, ·essa bolóf ra sc doS , e do S2? .Apenas a minha fala podia intr oduzi r um S 2•

Disse-lhe, em resumo, qu e ele se esvaziara de todo o mal, falei-lliede sua boca c da fala que ele não podia dar, porque nada tinha rec ebido.~ g o r avocê vai poder dar a fala por essa boca que aprendeu a co nhecerpela minha fala ... Ele me esc utou com a maior calma e recehc u nelecada palavra, sen tou -s e diante de mim, olhou -me intensamente, mea braçou. Deixei-o muito calmo . Na manhã segui nte es tava cu rad o -co mo um corpo que pode de sa parecer na fala do Outro e não mai s,so ma tic am e nte, em S ,.

Então, R oher t pôde agora f a ~ e rum novo encon tro com sua imagemespec ular , em outubro . Foi num pequeno espelho de bo lsa. Ai eleenco ntrou a perda que recu sa ra, depois de se ter nom eado -R obert "

' dia nte de sua imag em - mas a nomeaç ão não és. - procurando imporsua marca de menino, poderíam os dizer sob a superfície de ste espe lho ..em vão. Assim, ele me censurou por faze -lo menina, co mo se se ntiaob rigado a ser no pa ssa do . · s enhora" era seu S , e englobava um S2sup os to, não suposto-saber, ma s suposto-ser. O S 2 , pela minha voz, pódefazer o s . ca ir para for a do co rp o, como objeto caído, com o a OS, nolugar do obje to a é especí fi co da ps icose. O S 2 lambém é uma qu eda,mas a d o suje ito pela fala do Outro - o analista - a ponto de R obcrt,ne ssa divisão entre S e S2, poder reenc ontrar a memória, a do traumada antrotomia feita aos seis meses. É uma memória que está tipicamenteno Outro, pois um dia em novembro, enfiando o bico da m amadeira na

ore lha, ele me pediu eltplicação para ela .

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O corpo do Outro:

do significanteao objetoa

e de voltaRosine Lefort

Ü extra-simbólico da psicose com predominância doreal nãodeixadefazer com que rateie o suj eitodo real.Vamos partir do Um unificador, que já apontamos como o único

conhecido pelo psicótico,na ausênciado Umcontável que faz faltaa-ser.

O valorUm,diz Lacan na Lógica o Fan tasma , •é o pensament o doUm o par daordemdoOutro matemo ..O Umrepresenta oatosexualnoníveldo corpo;quando este Um fazirrupçãono campo doOutro,é no niveldo corpo. O Outroé o corpo. É pr ec iso que· ocorpocaia em pedaços.este corpodespedaçado •nas origens subjetivas, que rompe a belaunidade do impériodo corpo matemo .

Acompanhando Nadia de um ladoe aCriançadoLobopor outro lado.poderemos explorar, a partir do banho de linguagemem queestá todo

·suje ito, psicótico ounão,o modopelo qualo sujeito se insere nacadeiasig nificant e para fazerdiscurso,ou permanecerfora dodiscurso, e comoisso fazcorpo ou não.

Desdohrame nto

O Um unificadortemumaformasignificante,é a bolófrase,ou apreensãoem massanoOutrodos significantes primordiaisS e·S • Esse Outrodo significantegelificado é o do banho de linguagem, isto é, o dosignificante em seucaráter sincrônioo; é só com o corte queo significante doOutro vai fazercadt iae darse u caráter diacrônico ao discurso.Ora , o que faz co rte é o própriosignificante, e disso resulta um resto,oobjeto a que cai para fora dosignificante: ele cai nointervalo dos doissignificantes do par primordial,fa zendoefeitode encarnação, isto é, dereal, do sujeito e do Outro.

Este objetoa enquantoseparáveldo Outro, se não é alcançável pelosujeiLo - que fica reduzidonormalmente ao circuito pulsional -, t.ãodeixade fazer corpo paraesseOutro. Se eledeixa decair, com efeit o -

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e portanto, deixa de ficarna exterioridade tantodo sujeito quantodoOutro quandocair -, se ele não caí, então é todo o significante doOutr o, reduzidoa ser apenassignificante, que caic coloca o psicóticonessa pos ição específica: o significante na exterioridade,exterioridade que normalmenteé o lugardo obje to-causa. É o que se encontrana holóf ras e.

Esse caráter holofrásicodo significante, tão fixo na psicose, comoem Robe t mas tambémna debilidade e na psicossomática - , t e m noentantouma históriano advento do sujeito nonnal,como nos mostraNadla.

Nadiaencontrouseu primeirosignificante holofrásico mamã e em 5de dezembro. Sabe-se sob quecondições:foi apartir do objetopo rtadopeloOutro,quandoela crispavaas mãossobre meu peitoco m ar tenso.quese deu a jaculação desse primeirosignificante mamãe, o que aliv iarasua tensãoe acarretarauma cena de ternura no s braçosdo Outro. Osignificante que surgiu é aquele que designao Outro: ma mãe, e não odo objeto,ao qualela renunciarae que caiu.

Ela não deixoude alucinar,cincodias mais tarde,a 10 de dezembro,diante da imagemde uma criança que um adultotinha no colo (verNasci mento do Outro), o objeto de se u desejo quecaiu de ssa ve1. porcausa do significante Nadia , do meu apelo, tanto mais queo ca ráteralucinado do objetofacilitava oinfciode suaqueda.

Os dois signíficantesmamãe e Nadia introduziram um intervalo naholóf raseinicial do mamãe, comumefeit9 de separaçãoe de repartiçãoentre o significante unárioS, queé seu mamãe, e osignificante binárioS2, qu e é meuNadia , co m a quedado obje to a parafora dosignificante.

Es ta inversão, aparentemente paradoxal, estavaligadaao transitivismo inicialque tinha lugar aquino significante,depoisde ela ter mostradoes se transitivismo no real, quando vomitou depois queeu comium pedaço do biscoito que ela me estendia, transitivismo que só irádesaparece r como espelho.

Foi ju sta mente nesse lugar deobjeto a que elase alojouenquantocorpo, isto é, ela se encarnouaí e se propôsmetonimicamente a mim,estend endo-me se u pé. Tomou, assim, o lugar de um se mblante deobjetoa, causa do meu desejo.

Esse ape lo, Nadia, que faz S é o do saber do Outro, que se faztambém comando,ordem quando lhe digo queela não estavaali ondese compraz ia, noobjeto alucinado, mas sim ali onde eu falava. Meudiscurso,ce rtamente, fez supereu.

Os elemento s de umdiscursoquadrípode estão,pois,situados : S., SHa , $. De acordoco m os quatro disc ursos e sua estrutura,o queapareceaquicomoagenteé meu apelo,Nadia , quefazao mesmo temposaber -Sl,

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38 a criança no diSCllr$0 anatilico

e a verdade do sig nificante ·S ,, que Nadia lançou em min.M direção, se umamãe.

Temos, a partir dai, a parte esquerda de um discurso que se verifica ser o discurso universitário , coisa extraordinária A parte direita japarece também congruente: o a é o objeto que cai , não importa 9uaT,já que é a imagem da outra criança colada ao adulto . Quanto ao $, eleé bem a produçio.divisão que depende dos três primeiros elementos: osignificante binário do Outro, o significan te unárío que cai, ass im comocai o obje to, com uma conotação, a de impotênci a para voltar de $ aosignificante·mestre, o que o faria cair no real e o exclui ria do simbólico;veremo s isso com Robert.

Notemos o fato essencial de que a emergência do discurso se faz emduas partes que fazem redobrame nto, um red obra mento inerente àestrutura do ato, meu ato analhico, que faz também desdobramento dosignificante bolofrásico .

Seu S ,-verd ade, sob meu S2-agente dá o sujeito dividid o-$ sob oobjeto a .

Mudança de discurso

Mas sabe-se que a holófra se só se resolve com o encon tro do espelho .Nadia nos provou isso, qu ando do primeiro espelho, quando, mais alémdo recort e unitário de seu corpo ela só pôde se afasta r daquilo queen con trara ali, ou melhor, daquiJo que ela não encontrara, i s to é, o furono lugar do objeto não especulari:l.ável e que caiu, ou seja , um bonecomarinhe iro que ela tinha na mão c do qual não via a imag em.

Se não estava diant e do espelho, no júb ilo do r eco nhecimento de sua

imag em pelo Outro, enquan to eu-ideal - mas antes na vertente daquil oque viria a ser seu -eu . je) ela logo se refug iava em meus braços ,pois para e la o corpo do Outro existia. Ele não existia como umatotalidade, onde qualquer tran sitivismo poderia protegê·la da perda queacabava de encontrar no espel ho: ele existia como Outro do de sejo, is toé, como lo afetado por uma perda . Então, refugiando -se em meus braços,ela se propunha como objeto dessa perda que causaria meu desejo .

Ela só fez confirm ar o que mostrou.logo antes do espelh o quando,

deixand

o-se ca ir a meu s pés, quis que eu a segurasse. A existência decorpos tanto do sujeito quanto do Outro é função d e a enquanto caído .É no real que isso se passa. ·

Ao longo dos espelhos, ela ia marcar o Outro e o mund o por essaperda, assumindo o lugar de objeto a, objeto causa do dese jo do Outro .Er a uma mudança de discurso, e ra o amor de transferência no qual Í

se expand ia, em i a ). Ela estava , então, no discurso analítico: s ; 5 .

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Ali e la era o agente a para um ~ ( ) ,e o signifi cante binário S1 , o saberdo Outro , estava e m posição de verd ade. Quanto ao seu significante·mestre S ele era retomad o progres sivamente pela tran sformação daholófrase inicial mamãe qu e deixaria traços nos si gnificantes de Nadiadurante três meses . ·

Nadia , com efeito, falava bastante e escandia todas as suas sessõescom os significan tes a-ga, a-té, ·puro, a-ca, a -pa, para te rminar , no fimde cada período , por pa-pa-pa . e a -pum-ca -da- . Como não ver quetodos esses sig nifica ntes comportam a raiz úni ca em a, extraído do·mamãe primitivo, repre sentante daquilo qu e ela queria tomar doOutro e que' só tomava em seu significante, no insabido do inconscienteq ue passava ao ato.

A holófrase não dissolvida

Na psicose, veremo s que o trajeto é muito mai s longo e esba rra n o corpodo Outro. O Senhora que ele gritava todo o tempo, como uma interjeição, interje ição-holó.frase, mostra que o s. e o s2do par inicial seachavam reunido s nesse significant e que não fez, ahsolutamenlc, apeloao Outro, que el e não dirigiu a ninguém: em ou tras palavras, essesignifi cante do Outro ab soluto, ele o era, esse significante se confun deco m o real do seu se r - ..o signifi cante sê-lo- . Nesse prim eiro tempo,ele era com pletam ente reabso rvido nessa holóf rasc. Como poderia eleescapar então ao sign ificant e do Outro que fazia comando - como meudiscurso para Nadia - mas que aqui era s upereu absoluto na ausênci ado obje to caído entre esse Outro e ele, que faria sepa ração c lhe dariaum corpo, dele, certamente, mas do Outro tamhém?

O corpo do Outro permaneceu ause nte quand o o signifi cante ma esubstituiu Senhora, pois Rober l só o dirigiu, pateticamente, ao vazio noalto da escada.

Em contrapartida, seu encontro com o objeto ·mamad eira, durante astrês primeiras sessões de sua análise, não suscitou nenhum sig nifi canteque se dirigisse ao Outro, e o deixasse confrontado com o impossív eldo objeto : ele não quis ver que go staria de t omá -lo, o que lhe disse, ena mesma noite tentou cortar o pên is co m uma tesoura . Cortava nele o

que não pod ia tomar do Outro.Se o aparecimento da mamadeira acarretara um corte no real de seucorpo, esse objeto não tinha resp osta no sign ificante , on de ele nãonomeava nem o objeto nem o Outro. Ele se voltava , então, a 6 d efevereiro, para um produto do corpo, do qual ele tinha o si gnificante-xixi" - e que estava ligado ao único sintoma de Robert: a enurese -pa ra significar qu e era o seu objeto narcísico de corpo. Era o Outro,

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então,que era marcadopor um furo, o furodos WCque ele mostravaaterrorizado, gritandolobo. Este significante vinhano lugar do significante do Outro, o mamãe de Nadia, mas sem o efeito pacificadordeste; com efei to, estavaligadoao gozo e tomou o lugar de a a pontode Robert chegar mais tarde, em 5 de março, a encarnar esse significante num es tado de furor destrutivo,assinalando o aniquilamentodo Outro.

Assim, não encontrando em seu Outro o lugar do a que fariadesse Outro o Outro barrado I/. do desejo - o psicótico o introduz àforça, como Robcrt o evidencia, sob a formade um furo real que nãoperfura o Outro, mas, conforme o -tudo ou n a d a ~toma seu lugar eo aniquila.

É o que Lacanobserva também emSchrebcr eminári o lii, p. 119)a propósito das frasesinterrompidas: -Há, na relação do sujeito comalinguagem... um perigo, perpetuamente sabido,de que toda essa fantasmagoria se reduza a uma unidade (o lugar do a para Robert) queaniquila,não a sua existéncia,mas a de Deus, que é essencialmentelinguagem. Schreber oescreve fonnalmentc: os raios devem falar. Éprecisoque a todo instantese produzamfenômenos de diversão paraque Deus não seja reabsorvidona existência centraldo sujeito..

É assim,como diz Schreber,que Deusestá em perigose o psicóticoassumir o lugardo a quecausariaseu desejo, eRobcrtveio nos mos trarque a existênciado Outroestá ligadaà holófrase que fazUm c que, sese dissolver, põ em perigoa própriaexistência do Outro.

Quando, com efeito, ele viu seu próprio reflexona vidraça,em 3 de.março, não era de sua imagemcom uma perdaque se tratava, mas doencontrocom um furo que ele escandia,com seu significantedo furo:o lobo .

-oque sustentaa imagemé um resto diz Lacan,um resto que fazfu ro na própriaestruturada imagem especular e que a fundapor esserea l. Robert só apreendeu o furo rear específico desse objetoe, emconseqüência, ficou sem nenhumrecursoao real do corpo do Outro,para o qual não se voltava. O único recursoque lhe restavaera o seusignificante do furo, tanto que fuiobrigado a lhedizerqueele não estavaali onde se via, mas ao meu lado, realmente. Orealdo corponão era odo Outro do f. barradodo desejo com umaperdaque fazia furo, ondeosujeito podia vir se instalar, mas o do própriosujeito,corpo que fuiobrigada aapoiar para que ele não mergulhasseno furodo seu significante lobo

Entãonão é um resto, o a não especularizável, aquele quefaz comque a imagemse sustente,que está em causa, é o significantedo furo,ou ainda,como nosdisse umaoutracriançapsicótica, o queela via, sódiante do espelho,não erasua imagem, mas ade suamãe, compensando

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assim o vaziodo corpodo Outro, desta veznão por umsignificante,maspela imagemtransitivadesseOutro que elevia no espelho,à fa lta depoder se sentir visto.

Foi bema esse ponto quechegouSchreber diante do espelho,quandose esforçou para realizara imagem de uma mulhercom seus atavios,onde ele se compraziaem seu próprio olhar, esperando oferecê-lo aoolhar dos outros.Era a imagemde seu Outroprimordial de sua mãe,que.ele perdera emseu naufrágio.

As vezes,também, é a atinnação do Um unificador quevimosqueaparece, comoparaesse psicóticoque griiBpapai -mamãe. diantede suaimagem, na qual seu própriocorpo, enquantocorpodo Outro, escorreno significantefaltosoda cenaprimitiva.

Curto-circuito

Durantesua análise,Robe rt não deixou de dispendcr a maior energiapara tentar instaurar um objetoentre elee o Outroe dissolver,assim, aholófrase. Esse foi também meuobjetivono meu ato analíticoda

construção intra-uterina que fiz para ele a13 de maio. Tratava-se defazerRobertsair dessanecessidadede ter que dar todos os objetos-produtos do seu corpocomo sendo devidos ao Outro absoluto edar a sipróprio olugarde objeto a causa do desejo do Outro.

Para fazer isso, tendoseguidoRohertpasso apasso em sua busca, fiznesse dia a referência ao exterior eao interiorao mesmo tempo,isto é,à ex timidade do objeto com relação ao Outro. Em outras palavras,perfurei,então,essa totalidade do Outro semobjeto destacável.

É, de fato, como diz Lacan, -nesse exterior, antes de toda interiorizaçào, é lá que se situa o a enquanto causa, antes que o sujeitoo apreenda em x no lugar do Ou tro , e acrescenta: ..na sua formaespecular .

O objeto,nessedia, era a águaque Robertfez circular num circuitofechado, fazendo-me participar, entre dois recipientescheios: o potecheiod'água dentroda baciacheiad'água, ondea água recobria tantoa parede interiorquanto aparedeexterior do pote. Então,-o objetoasituar no exteriorjunta-se a alguma coisado interiordo corpo , dizLacan.É a condiçãoirredutível para queo objeto atinja a dimensãopulsional.

Esta trajetória,por mais queseja real, istoé, do registro do objetoenquanto forado significante, nempor isso deixade se traduzir nos trêssignificantesde Robert queescandem asessão:Mamãe, Rt>bert água.A água-objeto perfurando o Outro-mamãefaz a separaçãoentre os dois,tantoparao objetoa quanto parao significante-nome próprio-Robert-

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a criança no d is curs o analí tico

que veiodesignarseu lugar, articulandoa necessidadeda pres ença, aomesmo tempo, do real e do significante para que,vamosrepetir, ~

sujeito seapreendaem x no lugar do Outro- e passe do Um unificadorda holófrase ao Tr ês da es truturaternária,isto é,se u S1 mamãe, meuS -água e se u nome,Robe rt, designando olugardo obje to.

Faltava, no entanto, a essa estrutura, para assegurá-la, a verdadeiraquedado objetoa, tal comoNadiaconheceua 10 dedezembro, quandoperdeu,devido ao meu apelo Nadia, o objeto oral alucinado de seudesejo que provocavase us movimentos de sucção.Já Robert , partindodo significante, e não da qu eda do objeto, criou o objeto delirante apartirda homofonia entre l eau á g u ~ )e lolo (leite).Ele nãochegouao

recalque primordial mas a essa criação delirantede um objeto queconjuga os doissignificantes e vem obturaro furo real dose u lobo

mediante.o qu e ele se desembaraçoudeste e só iria dizê-lo depois dasduas sessões seguintes: este objeto era atorneira-pênis qu e daria leite

É a seurespeitoquenossasreflexõesnos conduziramà reconstruçãodo fantasmana psicose.Mas quem di:t fantasma, dizsuperfície, eRobertnão faltoua isso,aperfeiçoandosua superfíciede corpo esboçadaa 13de maio parachegar aoseu batismode 4dejunhoco m umavirada: não

era maiso pênis qu e dava leite,mas o leite que,s c o a n d o~ s

ao longodo se u pênis, ligava esteao corpo.Elecriou assimum portador-de -pênis,Um -pai, qu e o co nfinnou nasignificaçãode ser Ro bert , pelo qualele se des ignara então.

Para Nadia,o significantefaziacair oobjeto e a dirigia para o co rpodo Outro; para Robcrt, era o significante que promoviao objeto e oco locavano lugar do corpodo Outro. Nãoé de espantar,então, co mose viu, que nessa confusão entre o real do objeto e o significante, aafânisc, oumelhor, aimagem da alienaçãoaparecesseum pouco maistardena sua análisesoba forma psicossomáticade um esvaziamento docorp o: vômitos,diarréia, síncope. Seu S, tomou o lugar do objeto acafdo. Se Robcrt se curou disso por minhas palavrasqu e fizeram S2,

numasessão ao pé deseu leito de doente, mesmoassim ficousubmissoa essaconfusão entre S1 c a.

Se minhaconstrução e minhas palavras puderamfazer funçãode S2,

Robert, noentanto, estav·a colocado emlugar de a como agente.Conttariamente a Nadia, que atingiu primeiro aes trutura dodiscursouniversitário, apoiando-se em meu saber para encontrar o lugardoobjetoa caído no Outro, Robert fez um curto-cir cuito e encontrou aparte esquerda do discursoanalítico, onde sua sede do desejodo Outroo levoua tentar assurpiro lug lr do objetoque era a sua causa.. Robert, mais tarde, diante de um pequeno espelho, encontroua perdamerenteà imagemespecular,mas logoseapressoua querer preenchê-la,tentando fazer um traço com seulápissobrea superficiedo espelho, em

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pontos nodais 41

vão. A perdase revelava noreal: ele ficou desesperado. Faltou-lhepara que essa perda foss e velada pelo significante do Outro, te;co nhecido,como Nadia,a aluci naçãoescópicado objeto do Outro a

mamadeira. Só se tratava, para Robert, do se u objeto,fosse tê-lo: opênis,ou sê-lo,o a.Paravoltarà estruturado disc urso analítico,

i ::ibili dode

S7 SIera impossível,para Robert, queo Outro fosse marcado por uma perda,des completado: / . ou . Se Robertqu eria apagartoda perda porseutraço sobre asuperfíciedo espelho, era impotente paraisso. Pôde,decerto, encontrar no espelho a imagem doOutro: ela era somentesimetriacomasua, e elenãose refugiou,como todacriança-no-espelho,nos braços deste.

Em vez disso , censurou-me diantedo espelho, portê-lo privado doobjeto,que era então seu pênis, e depois foi buscar sapatosde mulherpara calçar,e ligou o pênis ã mamadeira,sugando ocabide de umacnfcnnciracomouma mamadeira ridícula.

Foisó depois doquarro encontrocom o espelho que elepôdevir parao meucolo eme fazer pela primeiraveza demandaoral da mamadeira.Bebeuapenas dois goles nomeucolo, mas já dera opassodecisivo deligar oobjeto primordial ao Outro, e encontrou suamemória, mediantea repetição,a memória do trauma da antrotomia: tomando a mamadeiraele enfiouseu bico na orelha, olhou para mim c esperou de mim um;explicação.

impotência e impossibilidade

Va mos nos aventurar no que indicamos quantoao quevem fazer discurso, a entrada numdiscurso em Nadia e em Robert.

Se o inconsciente é o discurso do mestre, sóse pode tratar dissodepoisdo Urverdr ãngu ng . Vê -se issoem Nadia, que sóentra no discurso pelo S2 do Outro e ondeo objeto, antes de cair, aparece sobreadiagonal a;a· imagináriado esquemaL, antes que se institua, atravésdo Outro presentificado porsua fa la, o sujeito dividido entre os doisp61os da outra diagonaldo esquemaL, a do inconsciente. ·Discurso deum primeiro tempo,no qual, já dissemos, a impotênciase situa por um retorno em direçãoao significante primordial S1, quenào teria caídopelo intermédio de Su o queviriacolocá-lo em lugar dereal c de objeto,comonos mostra Robert.

O desejo doOutro, a impotência do sujeito situamentãooanalisandoem lugar decausado desejo do Outro; é o efeito da análise: É apenas

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cri nç no discurso n litioo

atacandoo impossível emsuas últimas trincheiras que a impotênciatoma o poder de fazer o paciente tomar-seo agente , diz Lacan emRadiopho nie não semque umaparte do gozodosujeito ali se revele. Éa dimensão do fantasma..que realiza um tempo .. O último termoda

análise, com efeito,é a impossibilidadede ligarrealmenteo ao ~

Nadia vai, assitn,da impotênciaà impossibilidade.Roben, ao contrário,devido à ausênciade a inicialmente, e da

ausência desuaqueda, emseguida, quandoé substituído pors. parteda impossibilidadedessadisjunção entre o objeto enquanto agente, doqual eletoma o lugar, e osujeitodividido. Entãoele esbacra comaimpotênci1l paraumaconjunção, mediante atravessiada barra, entreae 52, umaconjunçãona qualo a do lado dosignificante transgrediria adisjunção primitiva entresignificante e significado.A verdade dosaberdo Outro falta, por não havere s bana oueste corte, comodemonstraessa reconstrução dofantasma de Robert, obtendo-se, finalmente, umsujeito não bartado, ligado aoa sem disjunção entre os dois: Sa,sig nificantee real confundidos. A impotência dapsicose surgeaí deumOutro não descompletado, sem referência possívelà falta-a-ser desteOutro,paraque osujeitoaí se instale,ou seja,um Outrosem corpo.

Nadia, partida da impotência, chegouà impossibilidade; Robert,

psicótico, partiuda impossibilidadeparachegar à impotência.E no entantotodà a análise de Robertestá aí para mostrar as transformações consideráveis atingidas por ele.

A topologia - e isso restaa ser feito - enquantociênciaque sedesenvolve na continuidade poderia dar conta disso. Darcontade quê,senãoda dificuldade para umsujeito de nascer sem corte?

É issoo que Robert nos diz,de saída, ao tentar cortarseu pênis.

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A criançasemo saber

Rosine Lefort

H á saber no analista, apesar das reservasdeste,e nãoé evidentequeele possa se manter no nível da..douta ignorância. , única a dar chanceã verdade. A verdade nãoé o saber, especialmente no lugar do Outroondeelase inscrevena falta do Outro, notada pelo maternaS ~ ) .

O objeto a mais

Dois episódiosprecocesna história deRobert, a Criança do Lobopermitem-nosob servar de pertoo que se passoucom ele quanto aosaber,à verdade e ao gozo.

Em 17 dejaneiro, na terceirasessão, quandotomoua mamadeira emsuasmãose apagou a luz, interpretei~ q u ele não quer vero quepegoue temao mesmo tempom u i ~vontade emuito medo de ter essa mamadeira .O quefiz, então,senãosupor-lheum saber quantoao seudesejo?Pelo menos, era isso que ele poderia depreender de minhas palavras.

Ora,o queele escutounão erao queestá implicado em meu dizer: umarelação ao objeto,na medida em que este lhe faltaria e queele oesperariado Outro, objetocausadorde seu desejo.

Na mesma noiteele tentoucortar opênis, edemonstrou bem,dessa ·forma,que não estavaabsolutamenteà espera deum objetoque lhefalt.avae que esperava doOutro, mas que, pelocontrário,já tinha esteobjeto, já o incorporara,e eleestava sobrando,devendose livrar dele.A equivalência seio-pênis, tão sensívelna psicose, pôde fazer-nosescrever: ele me restituiuo pênisemtroca de meuseio,que não pôderetirardo Outro para queeu fosse -toda e houvesseo Um,condiçãodeminha existência; oUm sem oqual o riscoseria aminha morte ou o meudesa parecimento enquanto Outro.

Depois dissoele não iria cessar,durante as sessões,de esvaziar amamadeira,não apenas do seu leite, mas da água e da areia queelemesmo iria pôr ali. questionandoo vaziodessa mamadeira. Em.6 defevereiro. da mesma maneira, depoisde ter esvaziadose u corpo do

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44 a criança no discurso a nalítico

objeto anal devido ao Outro,o que para ele era ..a ordem das coisas"co m a qua l se rejubilava pela de mandado Outro, nem por isso deixoude se aterr ori zar diante do vaziodo buracodas privadas, esse furo realdiantedo qual grit ou umsignificante novo: .. lobo"

Estaria ele sinalizando,ali, a relaçãoentreo Um eo conjunto vazio?De cer to. Mas seu significante ..lobo " não remetia a um outr o significante : co nfundia-se com o real imediato do furo e não com algumareprese ntação do conjuntovazio e sua congruênciacom o Zero.

Robe rt, além disso, demo nstrou um pouco m ~ s adiant e no se utratamentoqueà faltado Zer o ele podialero Um,mas não oDois. Nessedia, fortuitamente, enco ntra vam-se na salade atend imento dua s mamade iras. Entãoele se lançouà destruiçãoda se gunda mamadeira,co nservando ap enas a primeirapara incluí-la na vasilha-continente ondeempilh ou, junto comela,os pedaços de vidrodo Outr o, o beb ê, a águac a areia, Ele refez, co m essa vasilha co mpletamenle cheia, o Um, nãoo Um <io significante, mas o Um no real, cuja perdado menor grão deareia o faz se encher de pânico.

De t

ruir a seg unda mamadeir aFalei de meu saber, que implicavanuma circulação do objeto entreRobe rt e o 011tro, porint ermédiode meudizer. Implicava também numafalta ~ o nível do Um. Ora, Robert me res pondia por uma espécieinte iramente outra de saber,um saber que nãoesta va na linguagem - jáque, emmoment o algum, empregou, e nem empregaria,o significante-m amadeira". Este saber está no número. A resposta de Robe rt mereme tia a essaespécie de saber in.contornáveldo qua l eu deveria dedu zirtoda a es trutura para levar emcontac.<;sa presençade um objeto a maisnele - o pênis do pai no lugardo Nom e-do -Pai. Ele o impunhaa mim,de alguma forma. Ele me impunha este saber, porque era um saberdelirante, ext erior a todo sujeito, ele ou eu, que eu tinhaque tom ar comoum pouco de lógica, um po uco de real, como quiserem.

Seriapo ss ív el falar propriame nte emmímero apropós ito dessesabe r,quando o acessoao Zeronão es tá ali? Hiânciasimbó lica radicalque lhebarra oace sso-ao Dois, não simplesmente pelaimpossibilidade devidaà ausênci a do- Zcio , mas por uma escolha, a do gozo do objeto, um gozoque é -um .. não enumeráv el no real, um gozo que, mesmose ndo dosujeito, é salvaguardado Outro.Seja como for, se não há Doi s, não hádois sexos,mas por uma razão diversadaquelaque se aplica normalme nte. Is so sig nificaria que só existe o Um também para o psicó tico'lSeriaes tender abu sivamente afórmulaquánticada scxuação do home m:

t c q x (para todo x p hi de .x). A referência indevida ao falo p (grand e

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pontos nodais 45

phi asse melh and o-seao gozo, nãoadvém,por faltade o sujeito p r c e ~-

der-se metaforicamente, is to é, numa dimensão significanteda repeti·ção inauguraldo Um e do Outr o: el e .está relacionado.ao Um que é oOu tr o. O falo q (grandephi fi ca reduzidoao lugar de obJetoa _ que deveser rcslitufdoao Outro paraque este seja Um, sem que por Jsso entreem jogo qualquerdiferença entre os sexos : m.aisainda,se poderl_lOS dizerassi m, fica apenas umse xo, qu e abreo cammhoao transe xuah smo porid entidade co m o Outro.

É as si m·que Robcr t, diante das duasmamadeiras,deviaesvaziá -las,e mc..imo ass im seu sahcr estava fora de toda divisão entre ele e eu.Er a-lhe impossível passardo Um aosDois, pois ogozo nãocontava, oumelhor, co ntavaap enas como Um,e oZero,forado mb ó li c ~ ,equivaliaà não -ex istência,não apenas dele mas do Outro. Era prectsoque elegozasse para que o Outro existisse se m o Zero n e o co njunl o ~ a z i o :

ele teve de des truir realment e a segundamamadetrae co nseg mu , nomáximo, manter o Um através da vasilhacheia.

O qu e não pôde se r simbolizado na ses são logo reapareceuquandoele se esvaz iou na cama, xixie cocô, e sua tensãoinsustentável desapareceu ao ass umir el e es te lugarde co njunt o vazio, prefigur ando assim

o lugarde se u S1, em seu co rpo enquan to esvaziadoaté asín cope,queele iria encontraralguns meses mais tarde em seu t r ~a m e n t o .D?ss apr im eira vez ele acentuouo ..fazer-se o conteúdode se us con teudoscor porais ...

O sabe r apagado

A com paraçãode Robert com Nadiapodenos ensinaraindamai s sobreo sa ber, co mo aconteceuco migo enquanto analista.

Quando , a de dez embro,ela renunciou ao objeto do Outr o sobr e oqua l crispavaas mãos, à altura do peito e erp se u lugar s ~ r g iu .seuprime iro significante - ..mam ãe .. - no nive l de s, que fez, mclusJve,uma intimação ao Outro no se ntidode co mpar ecernes te. lugar. s t a m ~ s ,

aqui, mais pertodo significante que estavano Outr o no. mslanlcantc.riOte do qua l ela se ap rop riava, criandoo modelodo s i gm f ic ~n t e qu e l ~ t

ao Outro, S ~ ) ,mod el o de verdade, mas não saber.O obJelo que ca•.eo significante vêm aí se instalar para fazer do Outr o aqueledo deseJOmarcado pela falta.

Foisua vez a 1 de dezembro, de renunciara se u objeto oralque el aalu cinava, e ~ i sde minha intimaçãorepetida - ~ N a di .. - que sig nifi:cava para ela -voc ê não está aí,no objeto ondese co mpraz, mas aqutonde falo"'. Nessecaso,tratava-se bem da transmissãode meusaber,s2.que lhe fiz ao chamá -la.

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8 a criança no discurso anal íti o

Mas ela ainda não dera o salto do espelho, o que faria a 6 de janeiroco m a p e rda d o boneco q ue ali encontrara e onde , pela primeira vez elanão mai s s e prop ôs como objeto a ca usa d o desejo do Outro já qu e nãovia minha imagem.

Onde es tava meu sabe r, onde estava entã o o saber do analista, quandonã o apenas deixei de falar a Nadia da perda de se u marinheir o, masta mbém não tiv e a id éia de devolvê - lo a ela quando outra criança oa p anh ara ?

Estamos ali , no ponto em que o o bjeto condiciona enquant o c aídoum a relação ao sa ber nã o só do anali sa nd o que está ai, decerto, mai spróximo do sab er mas ta mbém do analista.

Nadia entret anto , antes de se r a manife s taç ão de um sa ber, estavanas múltiplas vias, múltip las facetas de um s uje ito nas s uce ss ivas prova sd e seuf ding qu e para além do s abe r, fazia, não a re ve laçã o do ob jetomas um ponto de fechamento e m t omo de um objeto já caído .

O objeto- nã o caíd o para R o bert - faz saber e o i mpõe .A falta de objet o em Nadi a apaga o saber, na ve rdade um saber que

não sabe em proveito de sua ve rdad e; e a analista a acompanha , nãodi ze nd o tud o de seu saber Sz em lugar de verdade, a qual só pod e se r

se mi-dita . O que significa qu e não d evíamo s reconhecer um saber semt ro peçar nesse momento de co ncluir que lh e faz recla mar o espel hodepois do prol ongado período de sofriment o conse c utivo à sua perda.

Fronteiras

Co mpre e ndem -se aí entre Robe rt e Nadia, a s fronteiras sensíveis entre

verdade e sabe r , ond e se mant ém o discurso analf t ico.O saber tem a ver co m a certeza do o bje to.A ve rd ade n ão é sa be r e se re fe re ao sujeito.A diferença entre o s doi s casos aparece ainda na resolução da h o ló

frase primordial.Sabe -s e com efeito , que Nadia in sc reveu sua trajetória inicialmente

- co isa extraordinária - n o di scurso univ ers itário, na medida em quemeu saber S 1 , através da queda do ob jeto constituía apenas um sem

blante . Ela o sublinhou, aliás, n essa troca , quando de um último encon

tro co m o espelho de um objeto met o nímico : a colher que ela dupli cavae repartia, uma para ela uma para mim antes de fazê - la cair sob a barrae promover seu prim eiro significante de ob j e to : "co lher" . Tudo es tavapronto nesse se mb lant e para que ela passa sse do disc urso universitárioao di sc urso analftico, num progress o, diz Lacan, n o qual se propunha as i mesm a como agente obj eto caus a do desejo do Outro enquantosemb lan te de a e não e nquant o objeto do gozo do Outro no ho rror .

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pontos nodais 47

Então o que era apenas se mblante, meu saber S2, pôde a r t ic i p ~de suaverdade no Outro , mediante o lugar que ocupava neste novo dtscurso .

Para Robert, na psico se , a au sê ncia da queda do objeto a não con s titufa no entanto au sê ncia de objeto - co mo pr ovo u Robert, quand o lhetiravam o avental ao de itar-se e ele entrava numa crise terrível : aseparação de seu objeto -avental punha em perig o s ua existência.

O sujeito psi có ti co é presa, não do mais -go zar que surge .para alémdo semblante ma s dirçtamente deste gozo. Este gozo que o amma c omose viu é a única prova da existência tanto dele mesmo c? mo do Outro.Sem esse gozo nos diz Schreber , seu Deus se re tira e detxa -o entre gueao s gritos de desespero .

Haverá um saber ne sse goz o? Sim na m edida em que o s aber do

ps icótico não passa de gozo do se u Outro , qu e só está pr ese n te pe lo gozoque lhe é devido . O saber deste Outro não é se mblant e , m as s ~ p e r ~ u

co mando . O saber desse Out ro não descompletado, qu e o ps tcóucocriou ao qual o o bjeto é devido no ho rror , toma o lugar da verdadee m t oda lógica , já que foi o ps ic ótico qu em o p ro m ove u a este lu ga r .

O s dois m

Co mo é qu e este gozo faz Um? Ele faz o Um pelo corpo porque o corpois so goza . Pelo lado da linguagem, se a oposição homem -mulher ~ b a r r a

num imp asse quanto ao matema da relação sex ual - porque o pnm ad ofáli co faz com que não haja dois sexos - há o Um, ma s o Um dos ignificante. O Um do gozo está · num i m p as s ~s i m b ó J i ~ oe opos:o àprimazia fática : ele faz o Um no real d o ser se ja como dtz Artaud fa zd e le s um um- seja acoitando -o sobre si mes mo num au to -engendra

m en to co mo di z Schreber .A psi cose nã o co loca relação se xual : ela co loca a e c ~ s s i ~e do Um

do gozo , a ponto de Robert, diante d as dua s m a m a d ~ t r a~ nao poderrepartir o gozo entte ele e o Outro. Não pode hav er at d ots gozo s doOutro e do Um : todo redobramento mata o gozo e anula a existên ci a.Ao contrário viu -se Nadia, com sua s co lhere s re parti - la s antes deanulá -la s para ati ngir o sig nificante ..co lher ..

Aí está toda a diferença entr e o go zo enqu anto única relação com o

corpo e o gozo d o qual apenas a palavra assegura a dim ensão de verda de:Tudo se opõe entre a linguagem, que dá a cesso ao Zero e ao Um , a

gênese lógica do Do is - poi s Zero e Um fa ze m D o is, com a exceçã ofundador a no entanto da lógica do a o- m no s - m.. edípico - e o realextra -simbólico do número , ante s da linguagem, onde se de se nvo lve ogozo da es trutura psicótica .

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a criança no discursoanalíti o

Eis o Umque não é aqueledo mito de Er os, caro a Fr eud, a men osque não se considere a identidadedo Um edo Outr o e se deslize, comodiz Lacan , em dir eção a um~ h o r i z o n te de deJirio ., que confunde aquestão do Um com a do ..ao -men os -Um .da fórmula quântícado Pai.

O -a o- menos- Um se escreve,com o sabem, 3x ,t (exis te um x parao qual nã o-p hi de .x . Para Lacan, existe ali apena s uma neces sidadelógica -que só se impõe no nívelde uma aposta' . É a exceção queconflnna a regra, a regra universal que querque r:/x jx (para tod o x, p hide x , para to do homemcj x , todo homem é se rvo da função fática.

Para o feminino , é do lado do un iversal que um quantificador novo ,-não toda. exclui a existê ncia d - A mu lhe r , e vemmarcar a div isão do-ser -mulher ao me smo tempo que, na particular 3x u (não exi ste xpara o qual não-phi dex) testemunha-se que nenhuma mulherpod eriase r castrada.

Na psicose c no delírio também, co mo se viu, há o Um. É mesmo aúnica fonna de exis tência que resta ao psicótico, e para o se u Outro,tanto com o para ele, já qu e ele se situa fora do simb ólico. Ele chega ase fazer a caução des se Um de seu Outro para que est e outro existaenquanto não marcado pela falta.

É o gozo que é a garantiadesse Out ro não descompletado:ele afe ta

o sujeito ao mes mo tempo em que é devido ao Outr o.

Um P a i

O simbó lico normalment e priva osuje ito de umsaber e fundaa exi stê ncia sobre um não ·-saber . O saber ca i, com efeito, no furo do simb ólico.

Fora do simbólico, o sa ber se manifesta no real. Há sab er no real ,seja, como mostra Robcrt, no significantepuro -senh ora . ou na mutilação de se u pênis, que não é tantodevi do ao Outroquanto excluído deuma dial ética propriamente sexual.

Quand o o gozo cobre todo o campo da relaç ão co m o Ou tro, issoexclui qu e haja -ao-m enos-Um qu e não seja as suje itado à funçãofáJica,ou à sua partede go1.o. que é recolhida pelo grande cjl quando oOutro é dese mbaraçado dess e goz o. Se não o for, ele o drena todo e ogrande > não advé m em se u lugar centr al, e são todos os outr os ob jet os,

os ohjeto s a que vêm para o primeiro plano da ce na e são o seu can al,em vez de caíre m: se ja o excrement o, a voz, ou o olhar.Quant o ao seio,objetomais primordialem relaçãoà inc orporação,é a se u nível que sepode compreende r, co mo se viu na comparaçãoentr e Nadia e Robert, amutação do real em significantena primeira,que nãose faz no se gund o,deixando o objetona po sição , não de ca usa do desejo , mas sim de umimpo ssível traum ático .

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pontos nodais

O trauma implica a incorporaçãodo um-a-mais, mas também namorte do Outro que é afetado edeixa de ser todo realmente,à falta deque o Zero possa subsumir simbolicamentesua não -existênci a peloconjunto vazio.

Se o co rte faz o Qbjet o separável,é sobre o co rpo do psicótico , porele nã o ter podido retirar do Outr o o objeto primordial, oseio, antes queeste caia - daí a preeminênciado obj eto anal que o psicótico deve e dáao Outr o, já que é nonnalmente o obje to da demanda ~ s t e .

Nessas co ndiç ões, o pênis-órgão se acresce nta à hsta do s outrosobjetos e funciona co mo tal, isto é, de ve ser res tituídoao Outr o co motodo s os outros objet os (A + a) .

Não é, pois, enquantofalo qu e o pênis entra em jogo, nem so bre ocorpo do Um ou do Outro, nem com o fator fundamentalda sexuação.De us, paraSchreb er, não temaliásatrib utos geni tais e Rober .t, pelodomda mamad eira que te nta fazerao Outro, mostra a mes ma cotsa .

O transexualismoé a tentativa de se fazero Outro livre do falo. Oregistrodemasiadam ente real no qual o psicóticopr os segue seu debatefaz co m que se possaescrever a fórmulaquântica do Pai, invertendo-a:de 3x (existe Um X para O qual não- phi de X) para 3..r ~ (não exis teum só x par a o qual phi de x).

Não apenas dev e o psi cótico se desembaraçardo objeto a maisco nfonnando-se a ele, ma s se, como Robe r t durante sua análi se, eleencontra alguma coi sa do pai, é sob a fonna do ..pênis que dá leite , ouseja, 3x (a)x (existeum x para o qual a de x), fónnula í m p l ic an ~ onoob jeto não caído em lugar de phi, qu e se toma um falso a e o Pat sobforma de - u m Pai ., em lugar do Nome-do-Pai.Pode -se ain da apo ntaraía função do Um enquantototalidade e não enquan to co ntávelco mo no~ a o me n os m

O pai do psicótico é, então, reduzido ao ob j eto- pênis. É isso que opsicótico incorporoue do que deve se livrar. No máxim o, ele .afeta oOutr o so b a formade um obje to a não caí do, excluindo o desejo,masreca indo so b esta lei im pla cáveldo Outro não barrado, não desco mpletado e dispcnsadordo supereu.

O real impõeao psicó tico umsaber, um sabe r de totalidadeque tomao lugar da sua verdade.Se ela só pode ser se mi-dita, por causa dosi mb ólico , ele não tem acesso a ela.

Tal é um dos aspectoslógicos da erwerfun g do No me-d o-Pai , co mum excesso de sa ber que a ela se liga, pode nd o causa r ilusão.

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Sobre o semblante e o objetoa

Rosine Lefort

P o r que essetenno, -semblante' ?Quando Lacano colocano próprio título de seu Seminário,-D un

discours qui ne serait pas du semblant (Sobre um discursoque nãoseriase mblante), instala o fundamentodo que será a clínicado real. Osemblante,com efeito,é o parecerque se opõe aoreal. Esta oposiçãoléxicaé bem insuficiente parademarcara torçãoentre os dois discursos:o do Mestre, cujo agenteé S., e o da psicanálise,cujo agenteé a É noníveldessediscurso que sefaza passagem dosignificanteao objeto,dosemblante aoreal.

O semblanteé o significanteem si mesmo. Nãohá outra viaparaa verdade quandoelafala -eu je) .. O semblanteé a funçãoprimária daverdade,e é porisso queela tem umaestruturade ficção,diz Lacan.

O discurso,qualquer queseja ele, implica sempreno objeto a:

notadamente, odiscurso do Mestre o produz,e o discursodo analistafazdeleo seu agente. É nessese ntido,atravésdessa presença doobjeto,quese pode falarde clínica do real, e mesmo de umaclínicado gozo.

Se o inconsciente,diz Lacan,é a emergência de uma certa funçãodosignificanteno principio dosemblante,umdiscurso será sempre centrado num impossfvel,a saber,o objeto,o ~ m a i s - g o z a . r...

Eis por que, hoje, interrogando a criança e osemblante,mutatismutimdi s , estaremosigualmente interrogando a relação da criançacomo discurso analítico,como anuncia opróprio. ítulo do Cereda.

Os dois tempos do significante

Ondeiráa criançaencontrar,de forma privilegiada, oobjetocomo impos

sível, comoreal quese recusa,senãoemseu encontro com oespelho?Quando Nadia reclamouo espelho, eralegítimo perguntar-se se erasua imagem - da qual ela tinha forçosamente ae ~ p e r i ê n c í a- que

I Vamosen con enr orelatoda aúlise de Nadiaena o i s s o n c ~ck ' AI I I T ~ .de obert e RosiucLefort,Seuil, 1980.

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reclamava,e nãomaiso objeto que a completava, seumarinheiro.Porque iria ela buscá-lo noespelho,quani:loo tinha na mão? É que, paraela, o objetojá não eraapenasum simples-estar-aí",mas já h ~ m ~ i s

de um mês emsua análiseque estavamarcado porseu caratermattn-gívelde objeto caído. . _ . .Foi, com efeito,a de dezembro queela feza expenencta dtsso,

quando, crispandoas mãos sobre meu peito, sua tensãod i : n t ~doimpossívelde retirar oobjetodo Outro,resolveu-se na eme.rge;'lcla deseu primeiro significante - -mamãe " - Se naquele diao s t g n i f i c a ~ t e

foi resolutivo,comosignificante primárioS que não era desprovidode gozo, nem porissoela deixoude sofrero golpeda e r ~do objetoreal. O único ganho quetirou disso é sua entradano significante,porum salto que a fez passardo objeto ao S., que faz modelo paraametonímia efaz lugar designificante ao objetona medidaem que elepermanecer, ainda que caído, nohorizontede um ..mais-gozar.,·.

Nadia o provou,cinco dias mais tarde, quandoreintroduztu esteobjetona cena da enfenneira coma criançano colo. Ela o reintroduziusob a formamais fundamentalpossível:alucinava-ocomomostravamse us movimentos de sucção. Meuapeloreiterado- ~ N a d i a "fez Sllqueteveo mesmo efeito de seuS17 o de fazercair o objeto.

Aquedadoobjetoé aperfeiçoadanessasucessãode significantes doparinicialS -S2 : o S se referia aseu objetono Outro, masao mesmo tempoarepresentava, enquanto deixava oOutroser o titulardeste objeto;meuapelo, S2, priva-a deste objetoque ela alucinavano Outro eao mesmotempopriva o Outro desse objeto,o t a n d o ~assim,de uma barra.

Vêem·se aqui os dois temposcb entradano significante: oS., querepresenta o sujeito enquantosignificante para~ m outro s i g n i f i ~ n t ~ ,

está de alguma maneiraà esperadestesegundo s1gntficante. Este stgnt

ficantebinário,este,vem do Outroe apagao significanteprimário.Elesó pôde fazê-lo porque Nadiavoltara ao objeto caído,e o representificara pelaalucinação. Dessa maneiraela mostrou como, pelaalucinação,pôde tentarconservar o~ g o z o - a m a i s "em se u S e comomeuS fezcair o objetoao mesmo tempo queseus . EsseSl,certamente,tinha~ o zde comando: eraele que lhe impunha estar láondeeu falavae nãono lugarondeela alucinavao objeto.Eisporque oS) faz recalqueoriginário. .

Momentocrucialque fundaosujeito,arrancando-oao real do-mai Sgozar. e instaurando-o no semblante,.mas também no desejo, indestrutível porque ligado aoobjetoque caiue faz falta.

Mais-gozar e sê mblante

Aseqüência,já se sabe,é a repetição. A repetição.diz Lacan, vaicontrao princípio deprazer, que nãose destaca dela.

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52 a criança no discursoanalítico

O pequeno sujeito, ele mesmo, tem bastante dificuldade para sedestacar,como mostrou Nadia durante omês que se seguiu, e que aseparava de seu encontrocom o espelho. Era no sofrimentoe nadepressão que ela tentava ao mesmo tempo conservar oobjetoe seuO ~ t r oEla voltou ao menos uma vez - por regressão, poderíamosdizer- a tomadada mamadeirano meu colo, ali reencontrando o prazer eseuprincípio,por umasatisfaçãoao mesmo tempoda necessidade ede umOutroà disposição, portadordo objeto. Mas o que tinha ela aver comeste o ~ j e t oreal, este .. mais-gozar .? - pois elejá caíra,o que o tomaraum objeto tmpossfvel, impossível dee n c ~ n t r a renquantotal,já que elaali perderiaseu Outrono aniquilamentode sua demanda. Eé por issoque, no dia ~ e g u i n t eàquele em que tomara essa mamadeira, elajogoufora esse objeto.

Este objetodo qual o Outroera portador fazia a presença deste Outro;a recusa e a destruiçãodeste objetofez com que ela nãotivesse maisOutro forada presença real deste: ne1 11um carretel. podia ainda devolvê-lo.

Então, é deseu próprio corpo que ela extraia o representante doOutro,sob a forma do cocô com o qual se lambuzava, e quecomia.

Entrada emjogo, certamente,de um real que não era semblante,masque preparava, pode-se dizer,o caminhopara o semblantepela novatopologiade corpo que se instaurara -oupelo menos quese demonstraranesse momento: a de uma garrafade Klein,cuja superfícieuniláterapunha em continuidade o exterior e o interiordo corpo, mas tambémpreparava a estruturafurada destecorpo,estrutura de bordaonde serefugiava ogozo, já que só há furo em superfície.

O semblantedo significantedo Outro deixa todo lugar aquiàquíloque, no corpo, nãoé semblantejá' que ele alise encama.É assimquevão coexistiro ..mais-gozar"que faz corpo e o semblante que faz oOutro.

A junção já se fez entre os dois, para Nadia, naquele dia1Odedezembro, quando renunciou ao objeto alucinado para, não semum certos ~ s t o ~ estender metonimicamente opé em respostaao meu apelo, estmetrtcamente mexer em meu anel antesde repetirseu ..mamãe"

Nadia demonstravaaí que o suportedo .. mais-gozar .é a metonímia.Ficou aberto o caminl:lo paraque ela se propusesse, a16 de janeiro,como objeto caído a meuspés para queeu a apanhasse,e para que aestaquestão, que me era assim colocadapor ela,eu respondesse que elamefaltava.

Mas a questãojá não era mais estritamente dual, uma vezque uma?erta _necessidadese fez sentirpara ela,que reclamavao espelho para1r v ~ r t f i c a r~ u eseu objeto, o marinheiro, a completavaassim como ela,Nadta, podtame completar. E vivenciava odesapontamentode ó

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encontrar sua imagem isolada, sem ado marinheiro, nem a minha.Omarinheiro ela não iria encontrar na medida em que ele eslava realmenteno lugardo objeto perdido,e a simetria queelaesperavacom o Outroe seu objetonão adviria. Em seu lugar, nosespelhosque se seguiram,viriam inicialmente aimagemdela mesmanos braços do Outro, e depoisa imagem isoladado outro, istoé, sem objeto.

Nos três primeiros espelhos, Nadia retomouassimséu trajeto entreo que é real e oque não é, pelo viés, propriamente dito,do especular: omais-gozar nãoé especularizável e o espelhotem uma função desemblante. Issonão é dizer pouco, pois queesta é a via do desejodoOutro;ela passa, essa via, de i a) embora i a) não seja apreensívelpelo sujeitode outra maneiraa não ·ser queno olhar do Outro matemo- a i (a ) , imagem virtual desrealizada ondeo sujeitose compraznorecorteunitáriode seu corposob o olhar do Outro - istoé, no sentidopróprio,recortando sua imagemi a) no olhardo Outroparaencontrarno espelho sua imagem i (a ) onde, ao voltar-se para o Outro, elaencontrao desejodo Outro. Neste momento, ..o mais puro momento .,diz Lacan, osemblantefaz lugar para o realno nível do Outro.

O apagamentodo Outro enquantoespelho, segundo a mon tagem da

ligura 3do esquema ótico,é representado fazendo-segirar este espelhodo Outro em 90°para ser horizontal.Sabe-se que então i (a) deixa todasua virtualidade para vir, sobi(a), em simetria, como aárvoreà beirad água e suas -raízes de sonho" .. Raf1.cs de sooho, o queserá isso,senão a lembrança daquilo que foi o primeiro objetoenquantoalucinado?É ainda,na metonímiado espelho, encontrar osuporte do mais-got a r.

É, portanto,no espelho,e apenasno espelho, que podemse conjugaro significante do desejodo Outroe o objeto caídocomomais-gozarquecausa o desejoenquanto faltoso. É pelo espelho que o sujeitovaiassumir esse lugarde objeto-causa,pois ele não tem outrasubstância,ao mesmo tempo em que se mantémno significante,ondese sabe oquantosua subslânciaé precária,e mais próximado vazio do que deumasubstância, mesmosignificante.

É o espelho que lhe dáseu verdadeirolugar, o de semblantede a

Densidade real do significante

É um semelhante lugar que fracassana psicose, como mostrao Meninodo Lobo2• Para ele, o efeito,seja na vertente do significanteseja na doobjeto, isso claudica.

2 Cf.R e R Lefon, ú s Structures t la psyc h e Paris, Seuil, 1988 .

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a i nç no dis curto n l i ~ o o

Não se pode reconhecer, emseu significante, o semblante: Robertgritava -senhora . inicialmente;de fato, ele estava no pontode serapenaseste significante sem objeto.Um significante mais perto do realdo que dosemblante.O significante sempreconservaráessadensidadeem si mesmo, que faz comque ele não seja o semblantede nenhumobjeto, ma s sim um objeto,ele próprio.Ele o é, a ponto de durantemuitass ssõ s Robert poder manipular diferentesobjetossob o signode um únicoe mesmosignificante, porexemplo,seu -lo . ou lo -lo quepode quererdizer leite, água, areia,cocô e até mesmo xixi. É que nãose trata paraele de semblante, mas de real, real do materialsignificanteque pode jogar, assim, com a homofonia. Ou bem, ainda, o objetonio

está ligado a nenhumsignificante, como a mamadeira, umobjeto queel e irá manipular muito, masque nunca terá seu significante. Elemesmo, aliás - isto é, seu co rpo -, não únha nenhumsignificante, eforam necessários cinco mesesde sua análisepara que ele se represe ntasse pelose u nome.

Em compensação,seu -lobo.,. surgiu depois de quatro semanas deanálisecomo a expressãomais radicalde um furo real,de certo,já queele mostra naquele momento o buraco da privada- mas bem mais umfuro no significant e, co mo se houvesse ali algumacoisa que úvesseca ído em lugar do objeto. Sejaco mo for, -lobo nada tem a ve r co m umse mblante.

Se inte rrogarmos os significantesde Rober t, é possfvel dizer queelepode ter um queo represente (S1 , mas ce rtamente não que o representeparaum outrosignificante. Isso dá lugara fenômenos de -pos sessão .,co mo por exemplo a noite emque Robert encarnavaseu -l obo , numacr ise destrutiva e -demoníaca .. no pr óp rio dizerdas enfermeiras.

O objeto a i s

Quantoao objeto,este nãoera ab so lutamente, para Robert, aquele queNadia queria retirar do Outro. Ele era mesmoseu oposto,pois Robertjá tinha o objet o; ele o tinha, por um lado, so b a formade seu avental,a propósitodo qual tinha crises elásticas terríveis quando o retiravamdeleparacolocá-lo nacama. O avental representavao objetodo Outro,

umenvoltório doco rpoque o Outro lhe impunhasem que ele o pedisse,ma s um objeto de reunião ede con tenção de seu corpo,que não tinhaoutro, e principalmente não tinhapele.

Mas o mais típico dos objetos naestrutura psicótica é o objetodoqual Robert tentavase mutilarbemno co meçode seu tratamento. Esteobjeto é o seu pênis, ou melhor, o pênisdo Pai queele in co rporou e quecons titui o objeto amais. Não é objeto de uma demandaou de umde sejo; não está ligado ao significante e não tem significante. É um

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pontosnoda is 55

objetoque , enquanto a mais ., resultade um traumaque ele o f r e ~ao sseis meses, quandode uma antrotomia bilateral durante aqual fot-lheimposta uma mamadeira para impedi-lo dechorar.

Por que tomou-se o pênis do pai? .Por um lado, porque Robert tinhauma mãe privadora, paranótca,que

o privavada mamadeira porque eraum menino e portanto tinhaP J d ~

principalmenteum pênis. Ela era supo5taquer er guardá-lo para st,colocando-oassimno nívelde objeto do desejoda mãe.

Por outro lado, durante a intervençãocirúrgica, a intensidade de excitação ligada àdor sem qualquer possibilidadede descarga motora -acompanhando-seaquios dizeresde Freud no Entwurf.- teve uma a idasexual, soba fonnade uma ereção, quepodemos conjeturarsem nsco .

Tai s são os doiselementos - mamadeira imposta ereção - que seco mbinamcom a ausê ncia da mãe, para que daí resulte queo objetoincorporado seja opênis do pai, objeto damãe. Sua incorporação, alémdis so, é relacionadaco mo desaparecimento desta;Robert dirá estefato,quandosó encontraro significante .. mamãe associado a ..embora ..

Estepênisdo pai é o objet o a mais quedeve ser restituído ao Outropara queo Outronão morra. . . _

Um outrofato clínico importante, constantena pstcose,é a coahzao-sei o-pê nis , de talsorte que o pênis incorporado toma imposs fvel todademandado objetooral primordial. Há, mesmo, uma inversão da demanda,que faz comque o psicóticoseja submetido b s o l u t m e ~ t eàsinjunções do Outr o dosupereu, ao qual eledeve todos os seus objetos -produtos do corpo.

Nessascondições, oestatutodo objeto,aindaque real, não podeemcaso algum ter a dimensão do restoda constituiçãode um sujeitopelosignificantedo Outro,não mais do que ser um mais-gozar. Entretanto,a au sê ncia dosignificante correlativoda mamadeira, bem como do

pêni s, põ esses objetosno campo definido por oposiçãoao i g n i f ic n ~ e

mesmoque não tenhamo lugarde objetosa eles m ter.a sua ~ u ~ ç o

até certoponto,na medidaem que são, ouse supoeque sejamextgadospeloOutro. .

Poderiam elesser considerados como acausa do desejo do Outro?Para isso, seria preciso que o especulartivesse fornecidoo logro

narc ísicode i a no desejodo Outro.Não é es te o ca so, e Rob ert nosdemonstrou isso , por ocasiãode dois

encontros como espelhoem seu tratamento.

Do r e l ao semblante da imagem

Foi depoisde três meses de análiseque eleencontrou, pelar i m~ i r avez.,seu reflexo na vidraça. Rejeitou-o violentamente, batendona vtdraçae

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pontos nod is 57

O fato de que Robert se servisseda escrita- digamosantes,aqui,doato de escrever, ondeo corpoé prolongado pelo instrumento, o estileteou o lápis, até mesmo o pincel- não deixade mostraresta funçãopr ópria

da escrita: a introduçãode um realdo traço que ass ume, em part e, oimpossível real de i(a ); o traço produzido presentifica o representantedaquilo que falta à imagemno espelho - e por que não à folha embranco ?

Todo s os paranóicos fazemessa experiência benéfica, para alémmes mo do co nteúdo daquilo que escrevem. A grafomaniade um JeanJa cques Rousseau,por exemplo,deixavaaindaespaço parasua ne cessidade depassar diversashoras por dia copiando música,isto é, para opuro ato de escrever. ·Se a escritaé uma represe ntação de palavras,a relação como espelhopode ser deduzidadaí, bem co mo a implicaçãodo Outro. A escrita, nose ntido pleno,é um sistemaco nstituído em relaçãoa umale i que instituia funçãodas letras, até mesmo da letra - mas Robertnos mo strou,co motoda criança,que o primeiro balbuciarda escrita vemdo Outro e passapelo corpo deste, oque não é um semb lante.

Pode -se no entanto,co mparandoem Roberto reflexona vidraça e ose gundo encontro com o espelho, ver o caminho percorridoque vai doreal de i(a) ao semblanteda imagemi (a), dian te da qualele pode pa ssa ro significante deseu nome, ..Robert ·,e mes mo dizero meu diante daminha imagem. A partede real irredutívelde í(a) era assumidapor elepela escrita.

Nadiaera capaz de chegar a se amar em i (a), so b o olhar do Outro.O real para ela não estavamenos diretamente prese nte nessemomentoem que ela se voltava para oOutro e se refugiavaem seus braços,mantendo ao mesmo tempo um olho umpouco tímido nltsua imagemno espelho .

Digamos, para concluir,que a clínicado real precisa.do semblante,e a conjunção dos dois só pode ser asse guradapelo estágiodo espelh o.O logro do desejo se instaurapor i (a), que implica noOutro e seudesejo, mas encontrasua causa em í(a). Esta é a via fundamentaldolugar do sujeito comreferência ao Outro, que é o de causar seu desejoenquanto a temperadopelo semblanteque é sua parte própriaonde elepode se amar e se pertencer.

O espelho conjuga o semblante eo real no se mblante dea.É isso que Robertnos demoastrouem negativo, quando era possuído

pela nece ss idade de restituirao Outro uma partedo corpo,esse pênisdo co rpo que ele incorporou,objeto amais que fazo falsoa de um co rpodespedaçado; mas que marca todo objeto a pelo real e pelo horrorquando o semblantenão advém ao espelhopara deixarao sujeito suaimagem, onde ele pode se amar -ape sa r do comando,..

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11 Casos

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Do Outro impossível ao Outro não-barrado

Yvonne L a c h a i z e ~ m i c

a ~ aseg uir o trajet o do Outro imp ossíve l ao Outr o não-barrado, aÚ onde malogra o desejo do analista, vou falar-lhes de duas crianças psicóti cas, Kacem e Cédric , que, em se us res pectivo s tratamento s , formamuma montagem de sessões prati camen te idên tica s . Identidad e que mequestionou quanto ao que constituía, para elas, a minha presença .

Sabe -se que, na p s icose, a foraclu são do sig nifi can te do Nome -doPai, perfurando o simbólico, deixa o ca mpo livre para das ing Vamosdistinguir a lei do capricho, do arbitrário e da onipotência imposta pordas ing da le i do desejo . A coisa é anlinõmica do grande Outro, lug a rda fala e da lei. Na psicose, o Outro permanece lugar do significantenão red ob rado pelo lugar da lei. O recalque primário e o interdit o doincesto não se inscrevem, portanto o real não se transmuta em significante e como este último perman ece uma injunçã o , não repre se nta osujeito para um outro sign ificante .

O psicó tico , preenchendo a mãe como corpo real, não pod e interrogar, já que não adveio corno sujeito, a falta materna, o u seja, seu de s ejo,e se encontra enquanto objeto a submetido ao seu gozo não barrado pela

lei . Vo u tentar dem onstrar que o anali sta é então, presença real, testemunha impotente do sof rimento em face do objeto tomado impossívelporque não transmutado e m significante .

Pode mo s dizer, com Robert e Ro s ine Lefort Ornícar? n 26/27 que,na psico se , · passagem do real ao um de significante, base do eu, sópode se fazer porque não há Outr o, enquanto os movimentos pulsionais,enquadrados num real opaco, deixam o corpo no despedaçamento . Oobjeto fica impossível, não tendo s ido sub metido à mutação significante

que inclui o Outro.Num seg undo tempo, vou evocar mais longamente o tratamento deDavid, menino de n ove anos crucificado, designado como o judeu dafamília, tratamento ameaçado pela intrusão materna intervindo em atopouco depois de ter emergido na transferência o significante •mãenazista . . Essa e fração interrompeu o tratamento que teria sem dúvidapermitido a David barrar o Outro .

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62 a CJ iança no díscurso analítico

acem

Kacem tinha dezesseis anos. Sua família desinteressara-se por ele, queestavahospitalizado em tempo integral desde a idade deseis anos.Umestadode doença teria interrompidoseudesenvolvimentocomum anode idade. Sabe-se pouco desua história, apenas que viveucoma mãeatéos quatro anos, quandosobreveioum sétimo eúltimo nasc imentodeum inn ão mongolóide,coinddindocom a chegada da famíliaà França,onde opai, até então, vivia só.A linguagemde Kacemera rudimentare estereotipada:

- ele não mastigava,chupava, suadentição inutilizada era defeituosa;- lambuzavasua pele desa livaou de açúcar;-ocorria-lhe jogar cocóno teto,e tãobem que,emvezde cair,ficavagrudado;- enfim,tampavaos buracos dos encanamentos.Durante duassessões seguidas,Kacem seapoderoude umacadeira,

que colocarasobreuma mesa baixa. Concordou que eu assegurasseseueq uilíbrio enquanto subiaali para tocara lâmpadado teto, prisioneirapor trás de grades. Ficousa tisfeitopor co nseguir. Na sessãoseguinte,repetiu a mesma cena, mas destavez indicou que queria lambera

lâmpada,o queera impossível. Iss o me fez lembrar umacena anterior,quando me mostrou que nãoconseguiacolocar seu sexona boca,comodesejava. O pênis tomouo lugar do seio quenunca foi dele. O cortesemprepassou entre elee o seio. O Outro primordial nuncateve fa ltaalguma eera ele,Kacem, queera irremediavelmente furado. Ocircuitopulsional não inclui o Outroe se rebatesobre oauto-erotismo.

édri c

Cédric tinha onze anos. Depois de um fracassona escola maternal,sempre esteve em hospital-dia. Falava muito, mas não sabia ler nemescrever. Sua psicose era complicadapor problemas psicossomáticosgraves: eczemageneralizado desde os seismeses, asma, e estadosconvulsivos generalizadosque faziamseupai dizer que Cédric morreraduas vezes. O pai era uma pessoa ttiste, violento, esgotando-seemquererimpor autoridadeao filho. Desempregado há cinco anos, queixava-se de estar com o corpotodo quebrado.A mulheracusava-o dealcoólatra e impotente.Única a trabalhar, ela bancava o homemeencontrava seugozo na manutenção de um homemservil,um desttoçode homemde cuja imagem, no entanto,ela cuidava, dando-lhe todoose u dinheiro e fazendo-o transportar-se de automóvel, mesmolhe recusa ndo quaisqueroutros transportes.

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casos 63

Cédricorganizarauma encenação· dênticaà da sessãode ·Kacem:cadeira em cimada mesa para alcançara lâmpada,ele estava munidode ferramentas paraconsertá-la,masera ela queo agrediae ele fmgiuuma eletrocução. Em seguida,voltou, desta vezcom uma pequenaescadade madeira, pois era muito pequeno para alcançar o teto. Comeste instrumento, que prendeu na grade dalâmpada, conseguiutocar noobjeto; foi,então, buscar a boneca-menina, queera -uma tremendasem-vergonha"e a pendurou entre dois degrausda escada,ficando tudopendurado no tetoe evocando dessa maneirao seio, que reintegr a seuproduto. Cédric saiu, emseguida,da sessão para gritar no vaz1o docorredor:~ s tetas, os peitos "

Essas duas criançasme colocaram na posiçãotestemunha deseusofrimentodiante da impossibilidade do objeto que ficou no real e queos destrói,ou que eles destroem. A pulsãosexualestáagindoem todaa sua selvageria,não temperadapelavertentesignificante.Há Repra-sentanz mas não Vorstellung não há metáforasignificantepossível,poiso slgnificantenãoé af, sinal deum sujeitoparaoutrosignificante.

A cenaprimitivaé constituída pelo empilhamento deumacadeira cuma mesa, onde meu nome, Lacbaize1

é tomado como objeto narealidade.

Entretanto, Kaceme Cédric me permitem assegurar seu equilíbrio cme incluem como testemunha que pode falar: além disso, vêm comprazeràs sessõese seutratamento, por tanto, vai prosse guir.

Da vi

O tratamento de David, de noveanos, desenvolveu-se numdispensárioduranteum ano e foi interrompidopor ocasião das férias escolares deverão, pouco depoisde se ter formuladoclaramente paramim osignificante~ m ã enazista. esclarecendo,a pos teriori meulugarna transferência. Significanteque se voltou, então,contra mim, com ospaisdenunciando minha intrusão nosegredode sua história, daqual nãosepodia tratar. O único discurso possfvelera oda ordem e da desordem,da vontade ou da indolência. Alémdisso,se David havia feito progressos na escola,e se donnia melhor,era devidoao Neurocalciumquetomava há algum tempo.

David foi trazido ao dispensário pelos pais, pois nãoia bem naescola.da qual estava ameaçadode expulsão. ~ l eé do contra,teimoso, não

1 Trata-se da homofoniaenu-e Lachail.e e la c ht iu a cadeira (N.T.)

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casos 65

primeira sessão

Em se u primeiro desenh o (Desenho I), David repr ese nt o u um mundoque não existia, onde o Sol, de cabeça para baixo, coexistia com a Luae as estrelas deformadas . A isso se acrescentou um homem .. que não deucerto . (ele queria fazer karatê, mas seus pais só lhe permitiram aprenderjudô, que começou a fazer ao mesmo tempo que iniciou a terapia).Aquele curioso personagem, com quatro asas em vez de braço s, era umtema que ele iria retomar e complicar ao longo das sessões. Já se podiareconhecer aí o que iria aparecer mais tarde, em seu tratamento: uminseto, e uma cruz gamada. Sua cabeça, dizia ele, foi defonnada emconseqüência de um acidente, no qual houve fogo. Ao desenho, acrescentou uma ·casa impossfvel e, num balão, o nome da cidade n s f o r -

meges .

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rf11 -

o

o

Desenho I

Neste homem estranho, pode-se entender, sem dúvida, a repre;entação que ele tinha do desejo de sua mãe: que seu irmão e ele fossemum só. David, com efeito, teve que se separar deste duplo perseguidor,com relação ao qual se negativizava: .. Ele faz tudo ao contrário . me

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a criança no discursoanalltioo

diria a mãe . ·Além disso é canhoto .. Veríamos esta forma tomar-se umanjo sem cabeça que subia ao céu e, mais tarde, r e p r e s e n ~ r i aaquilo aque chamava de ·um inverossímil . (Desenho m que se podia entendercomo ·um verdadeiro semelhante .2, e, se era esta sua busca desesperada, era também a imagem da família ou da mulher-ele\ cujo troncofá l ico atravessava desta vez três membros duplos. Talvez fosse esta umarepresentação dos três homens da família. Esta figura terminava poruma cabeça cujo pescoço era trespassado por uma flecha em forma dep onde o nariz proeminente tomava o lugar de pênis e a boca estavaausente.

DesenhoU

2 Jogo de palavns entre · n llvroiMiflbUJbte• uminverosslmil) e·.,,. W i umblal>k (unaverdadeiro semelhante . N.T.)3 l ogo com a homofonia m t r e f o , d / 1 ~(famJUa) ~ l l l l l l e · i l n w l h e c - d e ) N.T .).

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casos

Ainda nesta primeira sessão, ele queria copiar uma tira de quadrinhose quando lhe dizia que não se tratava de copiar. guardava isso como umainjunção contraditória à ordem familiar.

De saída, David sustentava uma demanda com relação ao tratamento.Se devia renunciar a vir duas vezes por semana, pois sua mãe se opunhaa isso, fazia questão de an o tar seu nome em minha agenda, nas datasdos próximos encontros .. Ummenino que faz furos nas vespas para tirarleite delas. É preciso que as vespas alimentem os bebês .

Não seria esta a ilustração de uma mãe fálica, da qual é preciso tomaraquilo que ela guarda para si mesma? Esta mãe da qual se dev e desconfiar, porque tem um dardo, como se proteger dela ? Para se defender, eletentou inicialmente tapar todos os orifícios de seu corpo, com exceçãodas orelhas, mergulhando, durante uma parte da s es são, na leitura dehistórias em quadrinhos, enchendo, assim, seus olhos de imagens. Aofazer isso, enfiava dois dedos de Úmadas mãos na s narinas, um outrona boca, e enquanto se entregava a esse exercício, dizia estas palavras:·A merda no cu .

Contra este Outro matemo intruso, que eu representava na sessão,ele ia lutar: primeiramente, faz explodir, num desenho, a mulher nuaque lhe revelou sua emoção, diante da descoberta de que aquilo poderiafaltar . Depois, trouxe armas para a sessão: uma faca, que ele voltoucontra mim para me abrir o ventre e retirar meu apêndice , mas ao aplicaruma injeção ele se enganou de lado e foi ele quem adormeceu; depois,revólveres. Em seguida, introduziu a clave de sol, chave mágica com aqual se pode fazer tudo meno s abrir portas. Na sessão seguinte meconfiou uma ilha do tesouro com cinco furos, feito s provavehriente comum cigarro aceso, sob a qual ele assinou Barba Azul o homem que mataas mulheres, talvez porque elas façam furos n e le \ porque condenam o

homem a ser mulher como elas.David, com efeito, não assinava Barba Azul o que aliás eu não lheapontava, e sim Borda Azul pondo-se do lado daquele que tinha a chavedo tesouro para melhor negar seu receio de não tê -la . Qual é o segredodo Outro ? Com que se deve pagar o acesso ao tesouro da linguagem queabre ao mesmo tempo o furo e a borda à qual se a g a r r ~ r? Acesso quevai permitir escapar à ordem do mestre, que designa um lugar, etornar -se um sujeito pelo manejo pessoal dos signos, para além do risco

de morte incorrido pela transgressão, como testemunha o conto. .Pela magia, e por uma idéia de onipotência - .. David é o re i dos r e 1 s ~

-,ele procurava negar sua angústia de castração. Quando o m t ~ r p r e t e 1

na sessão seguinte - ocasião em que ele se precipitou sobre mtm para

4 Trata-se ainda da bomofonia Q1tre u ~ (Ilha) e il (ele). (N .T.)

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68 cr i nç no discurso n líti X>

tran sfo rmar minha écharpe em gravata, pois seria menos peri goso par ael e se cu fosse um homem e e ra co ntra esse perigo que ele trazia toda ses sas arma s pa ra a se ssão- , de se nhou um veleiro Desenho l l l ) ~ oqualha via um vigia ao lado de um capitão todo armado, o que entendt como :0 perigo ve m d o Iri am apare ce r em se guida, na sucess ão de desenh os,de alg uma man eira, os dentes do mar : tubarões, ca rne, uma cabeça d evampiro qu e ele assoc iou a dois .. dod óis . que m e mo stro u em seu corpo.

E T

lMl

t-ni

De se nh o DI

Uma ou tra qu es tão se impunha , paralelamente , a David : como sese parar d e se u dupl o fraterno? Como, a p r t ~ rdo i d ê n t ~ c ofazer odif e rente? E le desenhou, então, um homem -pas sa ro: um ho mem-ela ,se ria isso poss ível ?

5 Ou tro par de homófon os: mer ma r) c mir mãe) . N.T.)

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•Depoi s, a questão do furo se tomou central . A mãe de David havia

frisado , no começo do tratamento, o medo que seu filho sentia debunicos, suas vertigens, o medo de cair, de morrer.

No fun de uma sessão, David escreveu furtivamente •buraco , noquadro . Depois, transformou o pano de um cinto de judô, que apagouparcialmente, numa ferradura de cavalo, arma do cavalo, sem dúvida,mas cujos furos eram tampados por cnvos.

E.T., o extraterrestre, teria um furo em cima da boca . Este extraterrestre, ·um robô , me dizia ele, como se u pai era para a mãe, ia apar ece r,separando o nome do seu pai do seu, tomando-se assim e 6 : o pai e David,os dois robôs matemos .

Enquanto isso, apareceram desenh os de cruzes gamadas De se nho

IV ), sobre as quai s o homem crucificado tinha cravo s na s mãos e n os

Desenho IV

6 No origina l: le pir e r Dovid N.T.)

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70 a criança no dlsc:orso analítico

pés . Nesse se ntido, ele me dizia que houve a guerra entre os alemães eos poloneses, me falava de crucificações, de flagelos, tortura s e acre scentava que os judeus foram mort os pelos alemães .

Foi então que vi sua mãe, que veio só porque David estava d ~ n t e .Agressiva e apressada, pensava não ter nada a se censurar, e dtzta quenão ped ia de David ' a cruz e a bandeira.. . Descreveu o filho comorebelde e sujo, com os dedos que chupava. Ele se r ~ c u ~ v aa co me demanhã, então ela o forçava . Quanto a mim, encamtnhet mal as c 0 1 ~ s

interrogando-a sobre a infância de se us pais na Polônia . O_endJ -a,fazend o alusão a uma eventual origem judaica . Ela deu aos dots filhosnomes que estavam, na época, em moda . Nada tinha a dizer u a n t oa

isso , e também não sab ia por que sua mãe teve um membro muulad o nopassa do . . .

Diante desta hostilidade ma ciça , d es ta ordem melutá ve l, sugert quese u filho teria necessidade de que ela lhe consagrasse algun s minuto spor se mana . Este modesto pedido foi r e j ~ i t a d oc o ~ oabsurdo: ela n ~ o

estava interessada n o que ele contava ; alem do mais, ele lhe respondia,e isso era intolerável.

O Cru cific o

David esteve ausente por três semanas, teve febre e uma verruga J a n t a r :

o furo se inscreveu em seu corpo. Na volta, desenhou um croc1ficadode cabelos compridos: sangue negro escorria de seu lado, ele tinhacravos nas mãos e nos pés. Falou -me, em seguida, de sua e r r o gc r a ~ o ,

da qual fez três desenhos : um círculo redondo com um furo no meto,que ele perfurou, realmente , no papel; seu pé todo, com um furo dentro,e finalmente os instrumentos para tratar dele.

Na sessão se guinte, me trouxe, e fez com que eu observasse, umbone co Goldorak ao qual faltava uma perna e um robô que tinha umamão só . Falou-me em seguida das mulheres esquisitas de um falsoamericano, que podia ser um nazista disfarçado. Sublinhei que isso demulheres podia ser perigoso, eu mesma era uma, e ele ~ aum hom em.Ele, então, fez dois desenhos : a cabeça de uma ratazana g1gante com umenorme focinho e dentes impre ssio nantes, diante de um pedaço dequeijo gruyire cheio de buracos; depois, um segundo de se nho, quedizia de sua impossível virilidade: ele estava condenado a ser umamulher . Impossibilidade que, a partir deste desenho, ia ba scular parauma possibilidade .

Este desenho -pivô repre se ntava um pirata com uma caveira no chapéu : sem dúvida, estava armado : dentes, dois revólveres, u ~ g ~ ebarba, ma s não podia alcançar sua espada : cada vez que quena apanhá-

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casos 71

la batia -se contra a parede , pois ela estava atrás de uma porta que, apesarda maçaneta, só podia se r aberta se fosse calçada por um prego embaixo . Nessas tentativas, ele ficava com um olho preto, pois, estávamosem guerra, recebia uma flechada na s costas, uma facada na barriga, seusang ue escorria e suas pisto las se descarregavam sobre seus própriospés : ele não tinha chance.

Disse-lhe, então, que talvez David também tivesse a impressão denão ter uma chance, mas que isso podia mudar, e ele saiu muitoemocionado.

partir daí as coisas iam se construir para ele . Encontrou sua boca,qu e nio era mais apena s um buraco passivo que precisava obstruir paranão

ser invadido . Bu sco u, depoi s, um mode lo de identificação : umverdadeiro semelhante . Deveria ele copiar uma imagem e tornar -se umfantasma impecável", que daria prazer à mãe, mas estaria morto? Ou setrataria, antes, de alguma outra coisa? Sem dúvida, o triângulo dasBermudas é um lugar perigo so no mar, onde os barcos desaparecem, sãotragados, mas o lugar é localizado e pode -se escapar dele. Para isso eledesenhou um avião-tubarão que podia atacar no ar e na água, evocandoa ereção onde ele tinha um lugar protegido . Existia o monstro do LagoNess, mas podia-se matá -lo ou evitá-lo e ele encontrou um suporte nalenda d e David e Golias .

Neste ponto o tratamento foi interrompido pela intrusão materna .

mãe toda

Este trabalho feito com David é um questionamento da castração e dodesejo m 'atemo. No começo do tratamento, ele se defendeu contra a mãeimaginária, não-barrada, fáHca, tampando todos os orifícios de seucorpo, com exceção das orelhas. e assim ele se fez parede, fugindo parao irreal, o extraterrestre: ele era o •homem que fracassou·, e assimfracassava em toda a parte_ mas recebia na sessão, logo de saída, ainjunção contrária à da mie : você não deve copiar, não lbe p ço queseja meu espelho, nem que seja uma mulher . Durante algum tempo, emseguida, saindo de suas leituras - que dizia fazer para que todos tivessem sossego - interrogou -se sobre como, com uma chave qu e nio abriaporta alguma, se podia, a partir do mesmo, fazer a diferença .

Num terceiro tempo, para agradar o Outro matemo, desvhilizou -sefez-se furo, e foi inclusive atingido em seu corpo. um cravo o trespassou . Foi então que sua mãe me disse : David quer ser o mártir, e Pbilippequer arrasar o mundo" . Lembremo -nos de que o irmão mais velho éaquele e quem a mãe se reconhece.

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74 a criança nodiswrso analítico

como out ra s tantas respostas ao Che vuoi? Diante da questão do queo Outro queria dele, encontrava o nada . Diante dessa não-respo sta doOutro, lá onde os sig nificante s da demanda faltam, o que a criança vaipôr em jogo é um fantasma que se poderia enunciar assim: o Outr o querme perder?

Nas primeira s sessões, Stépbane mostr ou que tinha acesso ao simbólico, utilizando a bola que ofereci como uma arma . Atingiu-me com abola, e quando a devo lvi, atirou-se no chão, fazendo -se de morto . Ocomeço do tratamento instituiu o equív oco significante: tu és. Serácomo morto que o Outro o deseja? Atra vés desses jogos , ele institui natransferência o .anali sta no lugar do Outro, a quem poderia dirigir essas

perguntas .Depoi s de alguns meses de tratamento, Stéphane, que já adquirira umcert o número de signi ficantes, me contou hi stórias . Desenhou um anima4 do qual me di sse : ·É uma cobra que come cocô . , e depois, f a zen dopont os numa folha: -sei escrever o meu nome·, e se desenhou . Apareciam desd e então em se us desenh os traços e cruzes, prenúncios de umaescrita .

Na sessão seguinte Stéphane fez tris desenhos. Prim ei ro desenhouum círculo vazio, enunciand o: sto é a mamãe, não tem nada . depois,com grande júbilo, preencheu o círculo, desenhou enumerando: -Eis osolhos, o nariz, a boca . em seguida, fez um sol. No seg undo desenho,fez uma mamã e cocô . Depoi s desenhou dizendo: -Na barriga d mamãetem um tudo, um tudo é isso.,.

A cobra que come cocô remete à teoría cloaca . Esta teoria traz umaso lução ao enigma da origem da s crianças, so lução que nã o oferece maisnada de o riginári o. Come-se uma ce rta co isa, e isso faz co m que se tenhaum bebê . Stépbane se identificou ao órgã o fálico da mãe, a cobra quecome cocôs, sua maneira própria de fazer filhos no Outro, na tran s ferência.

Sei s m eses depo is do começ o do tratam ento, Stéphane empre ende uuma importante atividade de re co rte: ini ci almente, desenhou s ua mãe,da qual cortou as extremidades. Numa sessão posterior, começou acortar tira s de papel. Perguntei -lhe o que fazia e me respondeu quecortava peixes. -mes estão mort os , os peixe s . dizia ele, recortando S'l as

tiras com extremo júbilo, fazendo barulhos, -clack, clack, cla c k . so l

tando gritinhos agud os visando imitar o grit o do peixe que se mata . Épreciso que eu diga, aqui, que os pais de Stépbane faziam comércio depeixes e foi devido a este comércio que a mie ficou totalmente assoberbada depois de seu casamento e mais parti cu larmente quando do nascimento d e Stéphane .

Na sessão seguinte, Stêphane brincou de me matar com a bola, depoisapagou a luz e indicando -me o divã, obrigou-me a deitar, d i ~ e n d o

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·Dona Cólera vamos mimir .. Reagi, e ele respondeu por um · num~ u m.. voltou a acender a luz e me disse : .. Acorde .. Bu lhe perguntei;Quem tem medo do lobo ? . Respondeu : ·o galo" . Seu sobrenome

evocava o nome de um predador de galinheiros . Em seguida, ele apanhou uma caixa cheia de contas, esvazi ou-a e disse: '"Não tem nadaaqui .. Depois saiu e foi até a sala de espera constatar a au sê ncia da mãeque fora fazer compras. Chamou -me , para que eu constatasse com e l ~

aquela ausência, e voltou a entrar tranqüilamente n o consultório.. Essas sessões foram um momento crucial n o tratamento. Elas permi

tiram co mpreender aquilo que Stéphane atualizou desde o início de seutra Jimento, nesse movimento que consistia em m aw - ser morto . Elepermanecia estancado na imobilidade do peixe morto identificado

. .~ m ~ g t n a r t a m e n t ecom o objeto do de sejo de s ua mãe . A criança nos~ n d t ~o lugar que o fantasma matemo visava lhe indicar, procurandotde nufi car-se com o objeto que Lacan d esig na como objeto a do fantasma . Procura, iden tificando -se com esse objeto, saturar o modo de faltano qual se especifica o desejo da mãe. Se a ausência vem indicar que éo falo que a mãe de seja, então, para agradar a mãe e a f1m de retê-la ac riança n ão . r ~ is ma is do que se identifi car com o falo, ou ao o b j ~ t oque o. s ub s titui No caso, para Stéphane, o que atraía a mãe para juntodo pat e a mantmha afastada dele eram os pe ixes .

A sessão em que Stéphane cortou os peixes veio introduzir umavir:-da ~ ms ~ aposição subjetiva. Stéphane pôde passar d posição doo bjeto Jd ennficado com o objeto do desejo da mãe a uma pos ição deagente, identificado então com aquele que operava o corte. Houve umefe ito de corte entre a mãe e o objeto, e a criança pôde constatar quetem poder sobre o mundo . Essa hipótes e pareceu se confirmar nassessões seg uintes : q u ~ d oele me mandou deitar no divã estava m ~

pondo n o lugar de obje to, n o luga r onde se tem que assumir a angústiada castração de que ele se fez o agente. Era este poder sobre o mundoque lhe permitia aceitar a au sência da mãe, a mãe pôde então se ausentarse m deixá -lo presa de uma angú stia dilacerante.

O que aconteceu no tratamento naquele momento iria ter um efeitosingular sobre a mãe. Ela me explicou qu e durante as festas de Nata)havia sido p resa de uma estafa qu e a obrigara a interromper seu traba lho.Efeito de fading sem dúvida, p r o d u z i ~ opela mudança de lugar de

Stépbane, ocas iona ndo para e la uma perda de gozo.

Uma falta vem cob r r outra

Na sessão seg uinte , ele desenh ou um men ino e o re cortou, operando ocorte em diverso s níveis do corpo, dizendo -me : -EJe está morto, ele está

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76 a criança no discurso anal í o

ferido .. Perguntqucomo me chamava, desenhandoum homem. Dissemeu nome e lhe perguntei: e você? Ele me respondeu: .. Stéphane".Repeti seu nome, acot:npanhadodo sobrenome. Entãoele riscou seuhomem, amassouo papel e ojogou no lixo, dizendo-me algoque nãoentendi. Econstatei, depois desua safda, que carregarao de senho semque eu visse.

Esta seqüência, a propósito da nomeação, pôs em jogo a vertentesimbólica. Ele pôde, assim, tantose considerar como mortoou feridopor intermédiodo desenho como se fazer desaparecersimbolicamente.Era o fantasmade sua morte e desaparecimento queele encenava. OOutro podia perdê-lo?No começodo tratamento tínhamos o fantasmaem sua vertenteimaginária;agora ele podiase r retomadona vertentesimbólica.Quando escamoteou o desenho, deixou-me privada, faltosa,uma falta recobrindooutra.

Durante assessõesseguintes, de senhou inicialmenteum robô, quecortou, dizendo: ..É um robô que tem mais", deixando o equívoco entre~ m a i s.. e "'mais", pondoem jogo sua castraçãode ·menino. Depois,pegou bichosde pelúcia: um peixe,uma abelha que prudentementechamoude libélula as libélulasnão picam), dizendo-me: .. A libélulacome o peixe .. Apanhou garrafasde boliche, que guardavana caixa,dizendo: ..Que ótimo ". Depois contou, 1-2-3, perguntando-me: .. Edepoisde três, quanto é?" eem seguida,depoisde 4, de 5 até 9 Entãome disse: ..só faltaum. só um .. O um, daqui por diante, pôde faltar, elepôdecontar a partir da ·falta,do zero.

Duranteas sessões que iriamse seguir,apanhou livroscom figurase ·fingiu ler. Leu Pinóquio para mim:~ i n ó q u i oapanhouos peixes1-2-3, e comeu, e agoraa baleia malvada vaicomer Pinóquio", eencadeou: .. Papai caiu na água e morreu". Recuperou-se depressa:..Mas existeuma mágica, eassimPinóquionão morreu". Tomou,então,um catálogode brinquedos e fez a listade todos os brinquedos quequeriaque eu comprasse paraele, eliminando aqueles queconsideravacomo sendo para bebês esó deixandoos que julgavaserem parameninos, dos quais dizia:~ s s oé para meninos". Quandosua mãe veiobuscá-lo no f1nalda sessão,ele pegou ocatálogo e enumeroupara elaos brinquedosque queria ganharno seu aniversário. A mãe disse: ..stábem, mas não tudo". Fui escandiro ~ n ã otudo",e então eleme olhoudizendo: .. Esqueci meus revólveres em casa . , indicando-meque o quetinha estavaem casa. Stépbane exprimiuao mesmo tempo quenão eramais um bebê,que era um meninoe por issoestavaconfrontadocom acastração,como todos os meninos de cinco anos às voltas com aproblemática edipiana. Introduzia pela primeiravez o significante·pai .nas sessões,num registro que unia a morte ea paternidade.

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casos

Ele construiu uma casa em Lego e instaurouum jogo.Fez entraremdois ratinhos, dizendo: .. Ding, ding, entre, quemestá aí? Sou eu ..Inr.talou uma mesa nacasa,dizendo-me: .. Olhesó, Dona Cólera, estoupondo a mesa eos pratos, vamoscomer os peixes e as galinhas . pondoem jogo os significantes nos seus valoresde uso.

Se a questão inauguraldo tratamentode Stéphane era ado autismo,~ Scoisasse resolveram muito depressa. Stéphaneestá estruturado no

registro neurótico. No entanto, quandoveio me ver, Stéphane pareciafixado sob o significante·unário, o S.,o que lhedava essa aparentepetrificação,essapresença maciça. Parecianão haver possibilidade paraelede advir como sujeitobarrado. Stéphane havia feito a escolhado ser.Fazer a escolhado sentidoo teria remetido, pelo lado do Outro, a umaresposta mortífera. O trabalhodo tratamentoia lhe pennitir escolher osentido colocando abarra no Outro.

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O dejeto

Esthela Solano-Suarez

O encontro

Marine não falava. Tinha quatro anos e meio. Seu olhar era selvagem,assustado. Ela foi tratada de uma suposta surdez não constatada pelosexames realizados.

Embora tivesse aprendido a andar, caía a toda hora. Isso acaboupreocupando seus pais. Insônia, enurese, encopresia e anorexia vinhamcompletar esse quadro inicial. ..Não há causa orgânica . diziam os médicos do hospital de Trousseau, que recomendaram uma psicoterapia.

O im cio da análise

A análise começou na presença da mãe, pois qualquer tentativa deseparação provocava em Marine o maior tenor.

Num primeiro tempo, ela dedicou-se energicamente a rasgar em dois

as folhas nas quais acabava de rabiscar uma série de traços. Seguiu-seuma tentativa fracassada de colagem: a fita gomada era impotente,depois de cada corte, para ftxar o nada, os pequenos traços ou o rasgado.Isso não colava, e Marine caiu.

Mais tarde, inventou um jogo que ia lhe dar grande satisfação: umobjeto era modelado; depois ela ia arrancando pedaços dele, atirando-osao chão um após o outro, com gritos de alegria e excitação . Dessespedaços que caíam, separou um. Dessa vez, sim, ele foi ftxado com

durex na folha de papel, tal como um ponto que viria estancar acachoeira de pedaços que se precipitavam numa queda infinita.

Desse ponto, ela não deixou de tirar conseqüências: uma formaemergiu dentre os traços que escreveu, uma forma que denunciava oscontornos de um rosto patético. Este era seguido por quatro círculos,cada um diferenciado por sua cor. Marine fez um corte no meio de cadacirculo, o que os dividiu em duas metades.

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c sos

s leis da linguagem

Vamos acompanhar Marine no caminho que ela abria a golpes detesoura, e saibamos reconhecer nos pequenos traços que desenhava napura diferença introduzida pela cor, no corte de superfície que x e ~ t -va, as próprias leis da linguagem.

Mesmo que ~ i s s onão falasse .. nela, em sua volta .. isso falava delae ia se verificar que nossos encontros tinham o lugar de campo ~

linguagem. Por ai se abriu um caminho onde se destacava que, entre osujeito e o Outro, o inconsciente é o seu corte em ato, tal como Lacano definia em Posição do Inconsciente .

Que nossa preocupação de nada querer saber não nos faça esquecer

de que este corte em ato, até mesmo o conceito do inconsciente sãodirigidos ao analista: ele faz parte deles, diz Lacan.

"Pontinha "

Marine modelara um anel, que depois achatou (I); em seguida, fez umcorte nele 2 ); tomou a fechar o anel (3); cortou-o de novo, em dois

Figura l Figura 2 Figura 3

© QJFigura 4 Figura

ooo.o or o

igura 6 Figura 7

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80 a c:rianQI no disrurso analítico

pontos d ife rentes (4); depois , fechou o anel mais uma vez (S) ; co r t ou -oem se is luga res (6 ); fech ou-o ainda uma vez (7).

Duran te todo esse tempo ·eJa chupou a própria lfngua ; em se guida ,coloco u um pedaço de massa de rtrodelagem no bura co central do anel,o furo de sa pareceu e ela pr o nun c io u a primeira palavra : "Pontinha "'

O que hav ia ali de pront o a falar, diz Lacan, desapar ec i a por nã o sermais que um significante. O que havia em Marine de pront o a falar,falou, depois deste curioso trabalh o on de o c orte de spertou o batimentoque ca rac teriza a pul sação tempo ra l d o in conscie nte. po ntinha é on ome daquilo que vem no lu ga r do furo ce ntral, furo delimitado pelabo rda de ssa s uperfície q ue se abre e to m a a fec har nu m a alternância d esu cção.

Fort/Da

Marine brinc ava: a pontinha e ra co lad a na palma da mã o de s ua mãe, ees ta devia bat er palmas de m odo que a pontinha aparec esse e des aparecesse e ntre suas m ãos. Marine, exult ant e, p edia par a rep e tir Em se guida , e ra e la quem vinha pre se ntificar a po nt inh a , esco nd endo -se edesapare ce nd o para reapar ece r, cha mada pel os -pár a " e nun c iados pelamãe. Este jogo de apa rece r e desa pare ce r foi s uce did o por uma sessãona qual Marine brincou de nos faze r desaparece r, eu e sua mãe. Ela nosmat ou. Nos d ias qu e se se guiram, ê e eu apa re ce ram em sua s frases.

Esse an iqui la m ento qu e e la ope rou po r int erm édio de seu jogo fezco m qu e se se ntisse culpada, cu lpada dessa fa lta que consis tia em nadamais do que aquilo qu e fazia fa ltà. A falta da qual ela no s iri a tratar erachamada -dodói .. Apesar dos cuidados, um -dodói . voltav a se mpre aomesmo lu gar, e m s ua mãe. -Mam ãe dod ói . , disse Mari ne , ao mesmotempo em que indicava o seio da mãe . Chupou o poleg a r e rasgou um afolna em d o is.

part ir daí M arine fez s sessões sozi nha, i s to i decidiu deixar amãe na sa la de esper a. Esta aceitou , imp e rturbáv el, tal como se manifes tava desde o começo da análise da filh a. Esta se paraçã o produzid ae ra, po rtan to, co rte , já observáv e l ne ss a possibilidade de co r te introduzida pe lo s ignificante o real.

O objeto o ral

O - dodói . no se io indi c ava , talvez, esse co rte que devia pa ss ar entre os eio e a mãe, para que aquele pud esse se r dado à c ri ança. O es forço d eM arine no que se segu iu fo i co nce ntrado em produzir a qu eda des teobje lo .

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O ·dooói . se deslocou. entã o , para a boca. Ela brin cou de comidinhae reprodu ziu uma cena o nde o bebê não qu eria comer, mostrou -seviolenta e brutal : · voc ê nã o quer • J ogou tudo no chã o e acrescentou:"Ag ora é você quem vai apanhar "'

Uma outra cena : ela deu de comer à rãzinha de brinquedo e, quandointroduziu um bocado na boca d es ta. e s treme ce u e di sse "Ai " : Em seurosto podia -se ler uma expressão de hoiTor . De qu e bocado se tratavad e faz er engolir, para produzir tamanho hottor ? Seja como for, o bebêpreferiu não se alim entar de nada . E com razão

Nesse ponto Marine voltou às superfícies . Numa fo lha de papel ,dese nh o u um círculo (o fon ema rond (círcul o] faz par te de seusobre n o me) . borda do c írc ulo foi del imita da vá ri a s vezes com umlápi s; depo is co rtou o interi o r do cí rc ulo, um pedacinho ce ntral sedestacou dele e Marine caiu, se gurand o o pedaço de papel. .

Ela o bse rvou o furo fe ito na folha e apanhou uma o utra , que dividiucom um traço para ali in sc rever uma escrita em quatr o lugare s:

L

LLJ tL L L

O que ela lia assim: ~ Maladoé o n ome peloqualdesig-

. mama c matauonava s ua anahsta . .Logo depois de ter produzido este corte, que in sta urou o furo, Mario e

o rd eno u a escrita, na qu a l pudemos reconhecer aquela ..es trutura quadripartite desde o i nco nscie nt e, semp re exigível na cons tru ção de umo rdenamento subjetivo . tal co mo nos indica Lacan em Kan t o m Sade.Par a Mar in e , isto fo i a esc rita de um nome .

Marine conto u Jltla primeira vez uma hi s tóri a: uma m enina come ,man(ge ). O -je . (eu) era elidido de todas as palavra s em que apareciacomo fo nema; um bebê dorme no berço, o bebê to ma se u · r o n .(ab rev ia tura de bib e r , mamadeira), mamãe dá bron", papai dá

ron".Ne ssa série de enunciado s podemo s ler um d esejo s ubm e tido ao

fa ntasma. A mamad e ira entrou na dialética do dom . O objeto c au s a dod esej o é acessíve l na med ida e m que é tomado no mov iment o pacificador instaurado pel o sig n ifican te fático.

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O objeto anal

Um outro objeto veio ocupar Marine: o objeto anal. Durante esse

período de sua análise, grande parte de seu trabalho seria feita fora doalcance de minha visão.Marine escreveu numa folha com um lápis branco e constatou,

espantada, que sua escrita não deixara traços. Quando refez os traços alápis preto, gritou .. enganada", apagou os traços e a folha, tal comodejeto da operação de apagamento foi para o lixo. Dedicou-se a e s v ~

ziar. Esvaziou s potes de massa · de modelagem. O conteúdo caiu aochão. Em tomo da borda de um desses potes ela colou durex . Seu dedo

e meu dedo deviam girar sucessivamente em tomodo

bordo assimdefinido. Cada volta era escandida por um Ai ., proferido por Marine .Do conteúdo do pote ela fez um presente para mim, envolvido em papele bem amarrado com durex . Verificou que o pote estava vazio, jogou oresto no lixo, foi ao quadro e escreveu seu nome e o meu. Como meunome, escreveu: .. Eo". E isso não se fez .

Podemos observar, nas duas seqüências transmitidas em que se tratade objeto, primeiro oral, depois anal, o que é que se repete: a produçãode um vazio. No primeiro caso, é o furo na folha, e no segundo caso,cria volume, pois é o vazio de um pote, seguido por uma queda que sepontua pela escrita de um nome.

O j eu

Dissemos acima que nos enunciados de Marine o e - eu -era elidido,bem como na enunciação.

Um dia, ela nos mostrou um boneco que trouxera e a que chamavade menino Jesus" . Era, portanto, inaugural.

Bem mais tarde, desenhou duas casas, a casa da mamãe e a minhacasa .. Daquela que representava a sua casa ela cortou o teto, pondo-ode lado, e me disse: ~ teto eu vou colar noutro lugar". O eu }e) vinhaà luz em seu enunciado. ·

O agente do tormento

E ste tratamento, que já está durando quatro anos, ainda não terminou.Encontra dificuldades que têm a mais estreita relação com o lugarocupado por essa criança no fantasma de sua mãe.

Dizer que sua queda era comandada pelo fato de sua posição, emlugar de objeto, que pudemos destacar desde o inicio do tratamento,

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casos 3

não nos parecia suficiente. A questão permanecia, portanto, a de saberem que economia, e em favor de que gozo ela tinha vindo ocupar estelugar .

mãe nos veio dar a resposta, acompanhada de seu marido. Erasurpreendente, sua filha não apresentava mais nenhuma das d i f i c u l d ~

des que haviam motivado a demanda de análise . No entanto, elesvinham me dizer que as coisas corriam muito mal.

Para o pai, isso se exprimia por um vel: · s e continuar assim, ouminha mulher vai enlouquecer, ou então a menina vai para uma instituição para débeis mentais .. Para a mãe, essa criança era .. o pior dostormentos .. Nos últimos dias, ela dissera a Marine : Venha fazer sualeitura, minha querida .. Esta lhe respondeu: Não quero .. A mãe retorquira : Se você não fizer sua leitura, mamãe vai chorar". E Marine:-chore se quiser, eu não vou ler". Uma vez relatada essa anedota, a mãeacrescenta : Eu sempre sofri tanto . .. meu pai me batia, isso me levou asair de casa e me refugiar no casamento ..

Marine estaria no lugar de agente do tormento de sua mãe? Seja comofor, a petrificação de que dava provas no começo de seu tratamento., omutismo, ao mesmo tempo que o destacamento e a total i m p e n e t r b i l i

dade, presentificavam nela esta pura presença do dejeto, que nos remeteao .. mpensável da coisa em si", cujo lugar Lacan designa em Kant comSade.

É certo que ela mudou de posição, pois está tomada no movimentode alienação inerente a toda emergência do sujeito no campo do Outro.Por esse fato, uma aparelhagem de gozo se operou na linguagem.

Entretanto, a revelação do fantasma da mãe e do lugar nele ocupadopor Marine nos fazem crer que, se Marine não contribui mais com seugrão de areia para o gozo dela, uma perda de realidade- se o fantasmafalhar é de se temer pelo lado da mãe, a menos que, para preservaressa realidade, Marine siga definitivamente o caminho dos dejetos e vápara uma instituição de anormais .

Constatamos desse modo que a análise de crianças, mais alémdo objetivo terapêutico, não cessa de se inscrever contra os ideaisestabelecidos .

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casos

motores eram considerávei s. Eram atribuído s a uma intoxicação pelauréia, assim como seu odor, quase insuporlá vel.

s primeir s s essões

A primeira vez que a vi, estava com seis anos e meio . Seu aspecto eramiserável, es tava caqu étíca não pesando mais que doze quilos. Seuros to, no entanto, estava edemaciado . Sua mím ica era inexistente- elanão olhava para ninguém - , mantinha os olhos baix os, a boc a caída .Quando se deslocava , com dificuldade , era de uma maneira totàlmentede scoordenada, com o se a fizessem andar contra a vontade . No entanto,seguiu -me, resignada .

Na sala de atendiment o, dispus l g u o sobjetos para ela . Não os viu.Ajoelhou-se no chão e procurou com os olhos o que era inacess ível. Nasprateleiras do alto, flxou os olho s numa caixa que lhe ofereci, emboraela não manifestasse demanda alguma. Era uma caixa de peões de coresdiferentes ; ela os jogou n o chão, olhou para eles c atirou para longe oúnico peão branco.

..É porque ele não é da mesma cor? Ela fez sinal que sim . ' Então,quem vai ficar com ele? Surpresa, ela me olhou pela primeira vez,depois baixou os olhos e viu, no chão um objeto que ficara, pode-sedizer que por acaso , ao lado do aque cedor: e ra um a régua cilíndricaoca, aberta nas duas extremidades . Apanh ou-a e fez pa ss ar por dentrodela , maquinalmente, tudo o que pôde encontrar d e mi croscópico :pontas de lápis, migalhas de massa de modelagem, poeiras, etc . Foium longo j ogo, obse ss ivo, que ela repetiu inc ansavelm ente , sem omenor prazer.

Falei-lhe de seu sangue que passava por um tubo e depois v oltavapara dentro dela. Ela se imobilizou, parou seu jogo, olhou-me por ummomento e concordou com a cabeça . Perguntei -lhe se aquilo doia . Elasacudiu a cabeça negativamente e coçou a cabeça, depois .as bochechas,ao mesmo tempo em que percebia pela primeira vez que seu nariz estavae s c o r r e n d o ~fungou um pouco, levantando a cabeça e olhando para umaoutra caixa . Mas desta vez olhou para mim logo depois, como que parapedi -la. Estava feito o laço entre sua demanda para mim, a diálise, acaixa. Dei-a, ela a abriu. .

Era uma caixa retangular formada por quatr{) compartimenaos, duaspanes ocas servindo de reserva para os. peõe.s e duas .perfuradas porpequenos buracos de encaixe, n os quais se pode dispor os peões . Essescompartimentos ficavam dispostos especularmence com relação ao cent r da caixa, de tal maneira que os dois vazios e os dois com encaixes

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86 a cr ança no discurso analilioo

estavam em diagonal. Essa caixa continha dois tipos de peões: cilindros e pequenas pessoas rudimentare s , de seis cores diferentes (cemao todo) .

Num dos compartimentos, Yohanna colocou os peões cilíndricos,noutro as pessoas. Mas tomou muito cuidado em alinhá-los por cores,o que lhe fiz observar. Ela continuou seu jogo, mas alternando-os, ereprimiu um leve sorriso: todos os peões estavam arrumados.

o o o o o o o o o o o o oo o o o o o o o o o g o oo o o o o o o o o o

o 0 0 o o o o o o o o oo o o o o o o o o o o o

ooooooooooo ' 'o 0 0 0 1 ~

o cilindro

peões

ôpessoa

Figura 1 - A caixa

o

1-

1 . compartimentoe reservapara os peões

1

encaixes des-tinados aospeões

Restavam buracos vazios dos dois ladoS, pois ba _via mais buracos doque peões. Ela disse, agora para minha grande surpresa, com umaespécie de voz de siotetizador, como a que sai dos computadores, suasprimeiras palavras: ·Faltam outros . fazendo beicinho . . Você não gosta

de lugare s vazios ? Fez sinal que ·não . . E onde seria o seu lugar?Surpresa, ela completou com algumas pessoas o compartimento doscilindros, significando-me dessa forma que não seria ali, e me mostrou,no compartimento das pessoas, os buracos. Hesitou e ·mudou váriasvezes cada uma das pessoas de lugar. Disse-lhe que ela mesma mudarafreqüentemente de lugar, de quem a cuidava, de cidade, e que isso nãodeve se r fácil de recuperar .

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oooo

O : lugares deixados vazios

1 1 : encaixes preenchidos com cilindros

encaixes preench i os oom pessoas

Figura 2 Faltam outros

Ela apanhou um lápis preto, uma folba de papel e desenhou umaespécie de triângulo de onde partiam dois traços paralelos - como umcordão . Enquanto eu olhava pan seu desenho, ela se encolheu emposição fetal e começou a coçar, lentamente, meticulosamente, diriamesmo que religiosamente todo o corpo, principalmente as pernas. Saiu,levando seu desenho apertado contra si.

Revi-a um mês depois, para uma segunda sessão. Ao entrar na sala,ela apanhou uma caixa colocada em cima do aquecedor e levou-a paraa sala de atendimento. Ali encontrou, misturados, cartas de jogo e três

peões. Tirou em primeiro lugar o peão preto e o pôs no chão, mas semjogá -lo. Tirou, do mesmo modo, o peão vermelho, depois o amarelo.Colocou, em seguida, todas as cartas no mesmo sentido e procurou ocompartimento que lhes convinha. Ali elas ficavam bem guardadas,bem juntas. Disse isso a ela.

Seu rosto se iluminou, olhou para mim e sorriu longamente. Emseguida, arrumou os peões: o vennelho e o preto juntos num compartimento, o amarelo à parte, e me olhou de novo, encantada. No final destasessã o, descobriu que não estava bem instalada. Deslocou sua cadeira,que estava em falso, encostou-se confortavelmente e quando lhe apresentei, sem nada dizer; a caixa, deu um grande sorriso de beatitude .Tomou as pessoas e as dispôs em duas filas, uma com as vermelhas,outra com as amarelas. ·

Na terceira sessão, Yobanna marcou a primeira escansilo e decidiupermanecer no escritório. Dispunha de duas peças contiguas: o escritório, onde recebia a nutriz para combinar horários - era a abertura para

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a criança no disQ.Irto analílioo

o real - e a sala onde se passavam assessões.Esta só tinha saída parao escritório.Ali recebia sempre Yohanna sozinha: erao lugar doimaginário .

Ora, por cinco vezesno deco rrer de sua análise,Yohannairia escolher o escritórioco mo lugar da sessão, escandindo assim,ela mesma,os grandes movimentos dessa análise.Era ali que ela vinha medizer aquantasandavaseu esforçode amarrar o real, o imaginárioeo simbó lico.

Essa terceirasessão foi notávelpor essa primeiraescansão e peloencadeamento direto com a sessão anterior, e pela aparição da falaespontânea: ..Quer o sentar direito,aproxime minhacadeira,estou desenhando um castelocor de laranja,é a minhacasa, está estragada, voujogar no lixo - Levantou-se e foi buscar a caixadejogos na sala vizinha.Dessa vez, a caixa foi vistaem duas partes,uma para ela e uma paramim. Tomouos peões amar elos . me deu os vermelhos - porquenãogosto de misturar cores - disse e a. Mistu rou, no entanto,os cilindr ose as pessoas, co loco u os seus e pr.diu que eu pusesse os meus ' igual -o que quer diz er em frente, simelricamente,mas não invertidos.

Dep ois, introduziuem seus peões um ci lindro m rom era o bebê.Após um moment o, ele preferiu ir-lá fora . Ela o fez entãopassar parao meu lado e o instalouentre uma pessoa vermelha, minha, e umaamarela , dela, qu e tambémdeu para mim.

Era o fim do primeiro períodode sua análise,per íodo muit o curto,ao fun do qual Yohannaconseguiuchegar à representaçãodo se u co rp ono espaço, c reen co ntrara fala.

sangue perdido

Num seg undo movimento Yohanna iriamedizero que fora feito de seucorpo, c principalmcnte.de sua doença.Ela guardouduascoisas:

- no ho spital, lava-se o seu saiwue. Se o lavamé porqueele é sujo,ma s é também porqueel e estána superf ície. Aliás ela o viu no dia desua hemorragia,ele estavapor toda a parte;

- o aparelho de diálise: é ligadaa ele por um cateter que ·parte dopulso, mas não vê o sa ngue dentrodo tubo: sente,confusamen te, queele cir cula no intcríorda máquina, mas, principalmente, nãosabe que

ele vol ta .A lavage m do sangue e a máquinaconstituíamo hospital -eau-pitalcomo ela dizia. Iria desenhar alémd i~ s o a lápis de cor, um coelhovermelho, esquartejado,coin umenonne olhoúnico, como um a manchade sa ngue. Penseique fosse ela mesmano leitode diálise.

A s mãos do co elho cs1avam sep .ar adas dos seus braços por umintervalo liv re como se, para além do cateer ·de diálise, ela nãose

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pertencesse mais. Mo st rando-me o olho ensangüentado, eladisse: -Tenho medo, queriaque você me ajudasse aapagar isso ..

Num segundo movimento,bastantelongo,quechamareide .. sangue

perdido . Yohanna fez uma tentativadesesperada parareartt cular adiálise à oralidad e perdida .Ela me anunciou sua intenção a partir da quarta sessão quando,

tendo-me faladopela primeiravez do •h os pit.dde Paris . , viu pr ecis amente neste dia, pela primeiravez também,a m a m a d e ~ r ana .sala dassessões. Algunsdias mais tarde, retomando a famosacatxa, almhou aspessoas amarelasnumdoscompartimentos: •são crianças .. eles pa ss ampara o outro lado .. vão à piscina.. mas estãoem perigo etalvez um loboas coma ..

Na décima sessão Yobanna mepediu para seg urar a co lher diantedo quadro -negro, pois queria desenhar seu contorno: ' é difícil. noentanto ela iria tra ça r duas, du as colheres iguais. Di sse- lhe que , quandoera pequena, era uma outra pessoaque seguravaa c?lher para que ~ l a

come sse, numa épocaem que se ntia fomee achavatsso bom . ~ gmsade resposta,trocou de giz etraçou, em vermelho um grandetrtangulocujo vtrtice subia até oalto do quadro. Ficouna pontados pés, perguntei -lh e aonde ele ia dessejeit o. -A Paris, ver o lobo ..

Alguns dias mais tarde,diria que o quadroesta va chei? de san.gue.Ela passo u a esponja, ·porque es tá sujo, é o sa nguedo bebe,ele vat ver

o lobo .Na vez seguinte, explicou-me qu e em Paris há uma mulher que

lavava. Respondi-lhe que no hos pital,de fato, lava-se o s e ~sangue elhe perguntei oqu e era que o bebêda outra vez perderacom se u sangue :-ooldorack-. Ela pegou então umgiz amarelo e desenhou duasbo las:~ É para o lobo , mas eu vou:eficonder .Mordiscouo giz rindo, e bemereta, diant e de mim, canto u uma canção inteira.Di sse a ela qu e, nohospital,se m dúvidadevia pensar:- se minhamamã e es tivesse aqui elanã o me deixaria morrer . Talvezela tivesse imaginado tambémque olobo poderia te r comido sua mãe? ·

Ne sse dia Yohanna encontrou, então, coragem pararepre sen tar olobo e sua b ~c agrandeque lhe davamuito medo,em seguida a m a s s ~ ua folha e me anun ciou: -Não tem mais lobo-. Com o mesmo gtzve rmelho, desenhou grandesondas.Di sse -lh e que era o mar . -N ão, ã ~

ondas .. Di sse- lhe que as ond.as estavam no mar. ' Não, ~ o r n ov o ~eboba são as meninas que estão dentrodo mar" .. -e os memnos tamhem,hem'Í.1 Ela pôso desenho na boca e uivoucorr endopor toda asala.

1 Trata-s e do parde homófonosmert (mãe) em r (mar).a m b o ~~u bs c a n t i v os felllininosem francês N. T.)

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casos

Era, portanto,para uma criançainconsciente, s olhosrevirados,tãobranca quanto podiaser, em estadode colapsoperiférico(mais sangueso br e a pele),que iriaevocar longamenteseu episódio regressivo.Iria

falar-lhe de sua mãe verdadeira, que ela perdera, paraser confiada auma outramulher que nãoa haviacarregadono ventre. lria dizer-lhetambémde toda asua cólera,que a fizera perdera fala equase a vida.Ela se levantousozinha,penosamente, eveio soluçarpor muitotemponos meus braços .

O quarto movimento é muitocurto: vou chamá-lo de sangue reenco ntrado . Durante trêssessões,devidoàs festasde Natal, Yohanna iriaevocar os Reis Magosdo presépio,o bolode Reis com a fava dentro.Curiosamente, iria usar duranteessas três sessõesumavoz que não eraa sua - nem a minha,que ela utilizava às vezes - , que era, muitodistintamente,a voz de umamulher negra.

A vigésima-sétima sessãofoi fundamental.Yohannachegou transformada,bem plantada naspernas afastadas,as mãosnos bolsos;olhoume com ar de desafio: ~ Es t á vendo, estoude calças".De fato,era aprimeiravez. Neste dia, i n d ~ ela escolheumeu escritóriocomo localda sessãoe desenhou,cantando,um grandesol preto. Ao lado,no céu,uma casa tambémpreta.Pergunteia ela oque aquelesol estavaaquece ndo: -um papaie uma mamãe.. Isso lbe escaparae ela se espantou,vivamente:·Ora essa, nuncavi isso .. - ~ Éverdade que você nuncaviuseu papai e sua mamãe de verdade· .

Ela se precipitou sobre odesenho: ..Nbam Nbam Comi tudo". Foibuscar um giz brancona sala vizinha etentou embranquecero sol e acasa:não conseguiu. Qui s desenharum grandecoelho branco,mas issotambém não deu parase ver. Experimentou, então,vários lápisde corsucessivamente, mas eles não lhe agradaram:·Ha Hal Estoumudandode cores o tempo todo "- ..Seu papai esua mamãe mudaramde cor,mas você não ..Ela riu e terminouo coelho grandeem preto, depois,naparte inferior da folha, desenhouum pequenocoelho negro deitado.

•Ete está deitado,este aí?. - ..Sim, ele está doente."- ~ o e n t ee

quê ?" - .. stá com dor de cabeça .. - ·Talvez, quandoele tiver compreendido todaa sua história, nãotenhamais dor de cabeça 7" - Ela merespondeu, gravemente: ..É.por issoque eu digo "

Apanhou ogiz vermelhoque lhe haviaservido para desenharotriângulogrande no quadro, aquele queia ver o lobo,e tambémo ~ l b oesquartejadocom seu olho único, e acrescentou,ao pé do codhinh;opreto, uma espéciede poça.·Traçou, em seguida,as bocas dos dotscoelhos, com o mesmogiz. e depoisficoudeprimida, a c b e ç ~entreasmãos deitada sobreo desenho, cansada,esgotada:.. Ab, nao possomais .:.não sei mais ..é duro, bem " Então,lhe disse: '"Escute, r o ~ v e l

mente é algumacoisa que elegostariade comer,já que sua boca é Jgual,

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a criança no díscurso anal ítico

talvez ele nã o este ja co nse guindoal ca nçá-la" . Ela se levantou, numímpeto: ·M a s ele pode alcançar,olhe só - De pé, tr aço u um grandecordão de fumaça que partia dacasa preta eenvolveuo coelho pequeno,até en cos tar na poça vermelha.Não co nseguiu mais falar, tamanha erasua emoção . '

Depois dessa sessão,Yohanna passo u a comer normalmente eseu sdistúrbiosmotores foram progressivamente desaparece ndo . Ela voltouà caixade jogos algum tempo depois, masparase interessar pelatampada caixa. Co loco u-a ao seu lado eolhou para ela, pela primeira vez ,atentamente.

Viam-se ali crianças e adultos jogandouma partida. Ela tentouse rvir -se daquilo como modelo, para representar as mesmas disposições. Depo is, improvisou, alinhandoo pai,o bebê, amã e: .. papaie obebê são pretos, a mamãeé azul.. Deslooo14em seguida, o bebê e o pôsmais para a frente;em seu lugar, n t ~ os pais,pôs um peão marrom .Depois, ao lado do bebê preto,sozinh o à frente,colocou um outro peãonegr o: É porque es te é como ele" .

Tentou emseguidaadivinhar,no desenhoda tampa, quem era filhode qu em: Aqueleali é filho deste, porquetem ocabelo igual" E você,tem o cabelo como o de quem?" - Co mo o seu " Ela teve, então, umgrande ímpeto de ternura em direção a mim, envolveu-me em seusbraços e veio ap oi ar a cabeçano meu ombro. Retirandoentão a mamãeaz ul, ao lado do bebê marrom, diss e muitocomovida:..Você não podiame dizer que você não tinha mamãe?

A inv ersão especular

Yohanna iria passar, em seguida,num erosassessõesasse gurando-s e deque era capaz de abrir facilmente a portaentre a sala de atendimento eo escritório,diante da qual se havia chocado como impossívelerevividosua regressão. ·

Enftm,um dia, ela decidiu deixaressa porta aberta. ô s a caixadejogos entre as duas salas, eela mesmase instalouno escritório.Numada s extremidades da caixa ela di spôs três peões manons : o papai, obebê, a mamãe . O bebê está entre os pais. Na outraextremidade,reproduziu inicialmente amesma disposição, depois, corrigindo-se,decidiu inverter especularmeme: deixouo bebê no centro, mas permu-touo papaie a mamãe .

Esse detalheera o t á v l ~porque os peões eram absolutamenteidênticos. Para ela, entio, era só o peso da sua f l que contava. Os doisco mpartimentosva .ziosenm piscinas Preencheu,em seguida, um com -

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casos

o : lugar dei xad o vazio

• : cilindro mar rom

1 1 : encaixes c he io s de cilindr os

: encaixes cheios de pes soas

Figura 3 -A inversãoes pecular

parti.mentocom cilindros, como na primeirasessão , e me pediu parafazer a mesm a coi sa do out ro lado , com as pessoas. Rindo, ela dis se:.. Vocêse lembra, antes, aquelesalinãopodiamandar.Agora eles podemcair na piscinae vo .ltar."

Yobanna serviu -se entãod caixa par a articularsua relação co m oespelh o. A inversãosó pôd e se produzir através d representação doret omo do sangue para o int erior do se u co rpo . Assisti u-se, talvez,graça s a uma patologia umpouco particular,a um remanejamento queevocava o rolar da esfera.

O cír culo se fechou. A caixade jogos, agora, perdeu osentido.Elanão a utilizou mais.

A não ser umavez , em formade brincadeira,co m um piscar de olhospara mim, a frm de me mo strarque ela agora sabia co ntar os peões: um,dois, três, quatro..

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Semblante e transmissão

Marc Strauss

Vo u lhes falar de uma pessoa normal. Entendamos, normal na medidaem que está normativizada, normalizada mesmo, a ponto de, à primeiravista, nada a distinguir particularmente das outtas crianças de sua idade:doze anos. No máximo, para particularizá-la, pode-se observar que elaé de origem norte-africana, que está vestida de maneira simples, mascuidada, e que seu olhar arregalado, um pouco assustado talvez, lhe dêcerto encanto .

Quando lhes tiver indicado que ela se comporta com perfeita discrição, sem parecer, no entanto, ausente, que cumprimenta com cortesiaquem se dirigir a ela, terei descrito essa pessoa.

Quebrad o a)

Nem sempre ela foi assim. Aos dois anos, não falava. O médico,consultado por esse motivo, assegurou ao s pais que ela falaria bem cedo .Aos quatro anos, como continuasse sem falar, foi colocada num externato, com uma tarde de psicoterapia de grupo por semana. Mostrou -seali, por certo, silenciosa, arredia, solitária, com uma predileção particular pelos brinquedos com água e areia. Rabiscava alguns traços sobreuma folha de papel quando lhe pediam que desenhasse . Traços, mas nãosuperffcies fechadas, e menos ainda esse homenzinho disforme chamado de cabeçudo" pelos especialistas .

Quando a vi pela primeira vez, encaminhada pelo MPP• após umamudança de residência de seus pais, estava frágil, curvada, corcundaquase como se ao mesmo tempo em que avançasse desejasse fugir àspressas, ao mesmo tempo em que olhava para o outro de um modo

,. •een1re Medico-Psydm-Pedagogique· (Cenlro Médico·Psico-Pedag6gico) . Ambula·tório que recebe e encaminha crianças para consultas médica s psicológicas, psiquiátrica se psicanalíticas na França. (N.R.)

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c sos 85

suplicante e espantado. Em suma, tinha todo o comportamento dessesanimais domésticos, cães ou cavalos, de que se diz que foram quebrados'", por terem sido demasiadamente espancados por seus donos. Quebrado, justamente, foi uma das primeiras palavras que ela pronunciou.Mas no início, durante algumas sessões, preencheu com rabiscos todas,absolutamente todas as folhas à sua disposição, e se dedicou mais tardea tirar de suas caixas os brinquedos que ali estavam guardados, enomeá-los. Quando não conhecia algum, perguntava, apontando o dedo:0 que é?" Parecia não escutar a resposta e continuava, até que a caixa

ficou vazia; depois, arrumou meticulosamente todos esses objetos, destavez sem nomeá-los e ficou aguardando, passiva.

Em seguida, desenhou uma forma vagamente arredondada, que chamou de mamãe, e fez um homem com a massa de modelagem . Não omoldou, mas foi pondo os pedaços de massa uns sobre os outtos.Quando o homenzinho ficou pronto socou-o raivosamente, num júbiloque não deixava de ser mesclado por um toque de inquietação: ·Ele estáquebrado .

Um pouco mais tarde ela quebrou, desta vez sem querer, um lápis.Engoliu em seco, ficou paralisada e deixou escapar, penosamente, apalavra •quebrado Mais tarde ainda, desenhou uma casa, sem porta,como a fiz observar. Desenhou então um homem que ia quebrar a portae a casa, pintando -o depois de vermelho. Nesse ínterim, mostrou -mecom insistência uma pequena pele peri-ungueal que a incomodava de

maneira obsessiva e que tocava, fascinada. Diversas vezes desenhouuma mulher, que em seguida riscava com raiva, dizendo: Ela estámorta, ela fez bobagens, brigou".

Modificaç ões

À medida que o tempo passou, foi ficando mais ousada, e entre o momento em que apanhava alguma co isa e aquele em que a largava,poderíamos dizer que estava ganhando tempo .. Levava todo um tempopara desenhar, manipular os brinquedos, explorar as gavetas às quaistinha acesso . Não era fácil, aliás, limitá -Ja a essas gavetas a que tinha

direito.As

outras, as gavetas proibidas, eram objetode

investidasfuriosas ou jubilosas, mas ela sabia também se fazer suplicante, imperiosa ou amuada, muito feminina, p<}rtanto Essas condutas repetitivasem face do interdito foram aparecendo progressivamente, para desaparecerem ~ modo ainda mai s progressivo .

Vou comentar, neste trabalho, apenas duas condutas particulares,extraídas de um material que não é muito considerável.

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a criança o discurso analítico

A primeirase refere aos seus desenhosde pe sso as . Assim queacabavade desenhar uma, ela a recobria co mpletamentede traços delápis. Agora este hábito desapareceu, e ela desenha pessoas e casasbonitas,verossímeis, mascompletamente estereotipadascomo fazemalgumas criançasque aprenderam ade se nhar na escola. Ve-seumacasa,a árvoree o automóvelao lado, o jardim com pequenasflores, umamenina, osol, tudo estáali, menosela.

A segunda dessas condutasse refere aos seusjogos ~ e e s c r i ~ .~ o

começo escrevia, diziaela, o que significaque p r e ~ n~ b t au m ~pagmainteirade linhassinuosas,antes depassarpara a pag10asegutote.Aomesmo tempo, aprendeu aescreverse u nome,ou melhor,seu prenome,que cercavade uma linha, como a um hieróglifo. Ae ~ c r ~ t ad? nomeera,

manifestamente, decorada, sem queela pudesse dtstmgutr as letrasdessenomeou reconhecê-lasnum outt o contexto.Sei di sso porque elame pedia paraensiná-laa escrever,ou pelo menos enunciava essademanda.Era assimqueme pedia paraescreverum A, umO, etc.,numasit uaçãoem queapenasa repetiçãoda ordeme sua execução contavam.Quando apanhava o papel, decidindoque erasua vez de escrever,eudevia dizer-lhe queletra escrever, mediante oque rabiscava qualquerco isa, dizendo~ d enovo ..É preciso dizer queminhas tentativasde

co rreção pedagógicase chocavam comuma o m p l e ~i n d i ~ e r e nç a~ ~se guida,ela pre enchia folhascom -cálculos",ou seja, sénes de smats+, - e - , co m umaaplicaçãoentusiástica.

Ainda agora,seis anos passados, acontece-lhe apanharas canetashidrográficasquandoestão bemarrumadasem seusestojos de plásticotransparente(as canetasavulsas não têm absolutamentea mesma funçãoinc itadora). Ela apanhauma, fazum traçonumafolha, torna a tampar acane ta, arruma-a, toma a se gu inte e recomeça. Em geral, basta-lhe

percorrero estojo uma só vez.Se faltar umano conjunto,ela nãodeixade perceber e a procurapara colocá-la em seu lugar, assim como seaplicaa tamparas canetas queoutrosantes delatenhamdeixado negligentemente abertas.

Continuemos aexplicar oque faz atualmente e oque podemosnotarde diferenteco m relaçãoao quadro inaugural.Está infinitamentemenosteme rosa. Ao contrário, está so rridente, contente de ree ncontrar osobjetos conheddos, retomar seus~ g o sprincipalmente os desenhos,que cons istem num arranjo de pontos ou traços numa folha. Raramente me pergunta o nomede algum objeto, elaos conhece bem, e seuvocabulárioé exten so, ma s me pergunta, a propó si to dos objetosnovos:~ o quem é? É seu?Vou pegar . meio sorridente, meio séria .Quando encontra um objeto quebrado, não ficamai s petrificada,masan ima-se ativamen te na procura de se us pedaçosesparsos para conser tá-lo. Se nã o co nsegue, considera quecabe a mim fazê-lo imedia -

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c sos

tamente. Ofatode que nem tudoseja consertávelnão aangustia,masésimplesmenteignorado. .

Notemos aindaque ela é, ocasionalmente,capaz de atitudes dese dução inequivocamente provocantes,o quearriscaa lhe trazer algunsaborrecimentos futurosse perseverar,o queé provável.

Portanto,são sensíveisas modificaçõesevocadasno iníciocomo umanormalização; está atéfreqüentando a escola, semresultados notáveis,massem problemas.

oraclusão irremediáv e l

Vejamosagorao quenão mudou,que é no fundoa q u i l ~que enqu_adra,que constituia bordado espaçode mudança,e quepodena se classtficarsob dois títulos: a demanda e o jogo, situando-os com r e l a ç ~ o ~ aummesmo termo:a trama. .

Primeiro a demanda. Essa menininha não demanda nada. ·Pode. . .exigir, ma s não tem uma demandaque seJa uma expectativa, UJa

satisfaçãodependa do outro.Assim,não manifesta aquilo que caracte

riza a demandado neurótico dirigidaa quem contapara ele, qualquerque seja amaneira,de autentificarde voltasua identidade,_ seuc ~ i s t e ,

su as proezas, sua infelicidade... Esta demandade autenuficaçaoaoOutro se situa na ordem da verdade, mais do queda exatidãoou darea ldade, eé necessária para que osujeitose reconheça, assimcom? énece ssária a a s s a g ~ mpel o outrono circuitoda fala.Umaoutramaneuade dizê-lo é que não há, nela,apelo ao significantesegundo S 2) dosaber, ao sujeitosuposto saber.O Outronio é convocado are_Presentareste sujeitosupostosaber.Também nãohá apelo nessa mentna aquelhesejadada assistência emsua tentativa,quena psicose também podeser uma tarefa,de en co ntrar o ideal. Esta tentativade igualar-se ao idealé ocasionalmente ovoto enunciado pelo neurótico, mas. nãoé seu

: é l ~ s e j o. É umvoto queelenão quer . Por menos quese ergan o b o r i Z ~ t ea poss ibilidadede sua realização, a angústia aparecee lembraao SUJeitoque sua demandaera só de fazer de conta, ..fazer s e ~ D ; b l a n t ~ .O quecaracteriza oneuróticoé o fracasso: por umpouco,sena aqutlo.. masnão é. O fracassoé devidoã defesa queé o próprio e s e j oque preserva.o desejo,esquivando-sediante da satisfação,do devoramentoou da·impossibilidade desta insatisfação. Mas unir-se ao ideal podeser :o votoe o desejo, a tarefa imperativado psicótico. François Leguilo p ~ aaneurose como clínica da identificação. à psicose,como a clínica doideal. ~ ao neurótico, viu-seque a identificaçãoé sempre significante,que , pelo próprio princlpioda recorrênciado s i ~ n i f i ~ n t e ~a verdadeestásempre alhures.Se o neurótico procura,por tdenuficaçao,superar

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Ctlança no disc u rso analitioo

a falta-a-ser instaladaem seu coração pelo significante,ao mesmotempo ele não quer a petrificação, a alienação que oOutro lhe prometepelo fato dessa identificaçãosignificante. Isso lhe dá o seu estilo de

valsa-hesitação , sua fraqueza,e também seu lado sem -nome . de quenos fala Lacan. A verdadeestá sempre alhures, eonde encontra ele'?No referente do discursodo Outro, naquiloque faz a sua verdade . Estereferenteé o objeto, que é pulsional,na medidaem que é perdido,e éem torno dessa perdaque se constitui a troca.

O sujeito se faz esta parte, objeto parcial e não-eqüitativo, parareencontrar o ser que o significantelhe furta. Ora,esse objetonão é umobjeto da realidade,um objeto do mundo, masum objetoperdido, nem

de um nem de outro.O fato deser perdidofaz, inclusive,a localizaçãodo furo deixadopor ele, e a partir daíde sua borda.Neste sentido, ébemao corpo, enquanto furado, que se devolvepor esta perdao significanteque é ao mesmo tempo aquilo que institui a perda efaz o seu lugar. Éum circuito do furo à perda, pelosignificante,fórmulaque evoca paranós, mais imediatamente,a castração. Mas para queo furoseja o lugarda perda, do um da parcialidade, paraque o objeto da pulsãosejaconvocado como representantedo sujeito junto ao Outro, a partir da sua

demanda, paraque o significantefaçaapeloao Um como referente, istoé, ao Um como totalidade,e não seja apenasrecorrenteou inconsistente,despedaçado, produzindoo Um da fragmentação,é necessário o princípio bem conhecido do Nome-do-Pai, oü do falo, já que Nome-do-Pai efalo são a mesma coisa, como precisa Lacan no Semináriodo ano1970/71.

O furo se faz perda pela operaçãodo significante,do significantefático como podemos precisar agora,e ao mesmo tempo esta perda étambém, para'o sujeito, aperdado significanteda relação sexual edooutrosexo, o acesso a este só sendop o s s i ~ lpela pulsão. .

Algumas frases desse Semináriode 1970/1971,~ v un discour s qune serait pas du semblanr- dizem isso muitoclaramente. Lacan fala darepartição entre homens e mulheres,e articulà o fato de que essarepartição só pode ser estabelecidaa partir daexperiênciada fala: -paradizer tudo, encontramo-nos de saída na dimensãodo semblante e éigualmente testemunhadisso a referênciaà exibiçãosexual( ..) a saber.

um nível etológicoque é propriamenteo do semblante. É ce rto que ocomportamento sexual humano consisten l manutenção dessesemblante anima).A única coisa que o diferenciadele é que esse semblante éveiculadopor um discurso .

Mais adiante, apropósito do objeto pulsiooal, o objeto a ele sublinhaque o mais -gozarsó se nonnalizapor uma relaçãoque se estabelececomo gozo sexual, que ele próprio só se articula pelo falo. O falo, o

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Nome-do-Pai é propriamente ogozo sexualenquanto coordenado,enquanto solidário um semblante.

O semblante não é, pois,apenas a irrealização~ osimbólico,ou aimagem ilusóriasujeita todasas variações,mas imagem enquantoorganizada pelo significante, e enquanto precipitaum real do corpo emato. É, mais do que uma imagem falsaou enganadora,a im.ago fundadora do primeiro tempo do ensinamento de Lacan. Nadamais verdadeiro, pois,que o semblante,intersecçãoentre o real e a verdade, qualestá do lado do significante.

É por isso que podemos fazerequivaler a proposiçãode que a neuroseé uma clínica de identificaçõescom a de que a neuroseé uma clínica dosemblante. Pois,na neurose, oque é transmitido pelosignificante- isto

é, pelo pai, mais além das identificações- é a falta,como castração.Transmite-se a barraque afeta o significante. Assim,em Scilicet n° 5,Lacan nos diz, a propósitodo Um: ..Estelugar é o do semblante, ou seja,de lá onde o ser se faz letra,pode-se dizer .

Na psicose, em compensação,esta foraclusàoda barranão irrealizao significante, mas o congela num ideal,ao mesmo tempoem que nãoirrealiza oobjeto. O psicótico,portanto, é destinado arealizar suasidentificações;da mesmaforma,não é como semblante namontagempulsional que ele é objeto de gozo do Outro.

Fazer igual

Ele pode, ocasionalmente,solicitar o outro - e o psicanalista,por quenão1 não para autentificar suas identificaçõesnumcircuitode retomo,mas para atestá-las, certificá-las,do lugar de expert que o discursosocial lhe confere . Ele podedemandar um certificado,maspode tambémsolicitar este outro comoumespecialistaparaajudá-loa melhor realizarsuas identificações. Concebe -se, assim,que um paranóico redentor douniverso não terá o mesm0 tipo de atestação,de certificado,que o transexual, assim como não terá omesmo tipo de dificu ldadesa enfrentar.

Evocarei, rapidamente, nesse sentido, umtransexualque nos foiapresentado na Sessão Clínica1• Veio pedirum certificado,mas o quedemandava, de fato,era um significado - o signifi cado do significantenão-dialetizado que era o seu ser de mulher . Testemunhavaperfeita

mente, por sua dor, o desvio entre seu eu e seu ideal, eo lugar ondecolocava o outro, seu analista,no desvio entreo eu e o i a), assegurandoa articulação entre os dois, bem como apromessaassintótícade seureencontro numa realização total.

I Seção dúüca e de estudos aprofundadosda Universidade deParisVIIJ.

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C85 S 101

diante da casttação que é implicada pela função paterna, sempre prese nte na obsessão. Mais inter essa ntes me parecem suas sugestões sobreo objeto fetiche. es te objeto necess ário à es tabilização do lf. Comefeito, é patente que a realidade de um outro é necessária para temperara devastação de um g ozo intrusivo, quando a suplência pela identificação, ou _ elo delíri o, isto é pelo si gnificante , não permitem o afastamento entre o suje ito e o real. Mas ganharíamos algo convocando o fetiche,convocando a perversão? Decerto. o gozo está em jogo - é bem isso quenos diz o conceito de objeto condensador de gozo. a propósito desseobjeto de suplência que pode se tomar o terape uta, um objeto extraídodele ou d e seu meio . Mas a que stão do estatuto deste objeto pennanece,ficando ent endido que não podemos nos contentar em chamá-lo de

objeto a .Dece rto , esta cria nça realiza o objeto do fantasma da mã e e eu

poderia ter mostrado co mo operou a transmissão, tanto para o transexual pelo lad o da identificação aos s ign ifica nte s ideai s da mãe, quantopara no S8a jovem paciente, pelo lado do impossível de dizer matemo.que evoca o que Rosine Lef ort cham ou, em Toul ouse 3, de · objetoauto-erótico da mã e-. Pelo tratamento, é possível uma realização redobrada, como se viu, por um objeto qu e permita esta normalização

ilusória, mas não inútil. Assim, uma criança .que, entregue ao outrocomo estava, pôde chegar não a fazer semblante, mas chegar a isso queela mesma f ormul ou um dia , quando fazia traços repetidos sobre umafolha: ..Eu faço igual ..

Não -razer semblante . portant o, mas -raze r igual . poderia ser umaexce lente definição da suplência na foraclusão do tipo autista .

3 Nas Jorna das de Pri mavera d Cau sa Fmldiana, em maio de 988 . Cf . cres de I E CFvol. XIII.

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O trajeto de Aureliano na estrutura 1

Jean-Jacques Bouquier

Aurelian o v. tinha quatro anos quando do nosso primeiro en co ntro,em 1978 . Sua mãe dizia que quando nascera era um lindo bebê . Ela oamamentou nos primeiros dias, mas foi só a partir da seg unda ou terceir atentativa que ele não vomitou. À noi te, as enfermeiras da maternidadederam-lhe uma mamadeira e não assinalaram nada de especial para amãe. Esta, então, pensou tratar -se de má relação entre ela e o filho.Sentiu -se e m falta .

Tal é o mau en co ntro entre o sintoma de Aureliano e a ausência demediação do Outro entre filho e mãe, mediação que poderia, no caso,ter sido exercida pela s enfermeiras ou pelos médicos .

Jacques Lacan nos ensina que, na ausência de tal mediação, assegurada nonnalmente pela função do pai, a criança realiza a presença doobjeto a do fantasma matemo .2

De volta para casa, a Sra . V. cons tat ou que se u filho tinha as mesma sdificuldades de alimentação à noite. Mantendo Aureliano de pé duranteas refeiç ões , e fraciona ndo-se estas entre a noite e o dia, era po ss ívelfazê-lo reter algum alime nt o, ao preço de extrema fadiga para os pais,principalmente para a mãe. .

Como havia uma hi stó ria de difi culdades semelhantes no filho deuma irmã da mãe , o Sr . e a Sra . V. acharam que o tempo iria consenaras coisas. Por motivos análog os, não se inquietaram demais com outrossintomas apresentados por Aureliano: temperatura anonnalmente baixa,de 3S,5 °, numa n oite em que foram acordados por seus gritos. retardo

1 Texto redigido a pertir das not s pen uma comunicação feita ao Cereda em 5 de maio de1984 . Ele inteara os elementos da intervenção feita no flll81 d jornada por Jacques·AI.ainMil.ler, que respondia a diversas questões abot'dadas na Jornada, mais particularmente a da

existência de una sujeito \ psicose. Corno os &f1Umentos de Jacques -Alain Millec, elltraídosdo ensl.rulment o de Jacques ~ c a n ,tornavam insuslentávellogiçamen.te cciU pasiçi o lna pru ·denternmte fonuulada sobre esle pont o precisa, est não foi mantida n a t e texto .2 J. Lacan. carta sobceo sintoma da criança ( 19S9), in 1 Aubty, EnjrJttee abondtmnie Paris ,Ed . S<:arabé . Cie.

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104 a criança no discurso analítico

telefônico tiveram um c hoque ao desc ob rir que se tratava de um Centropara retardados graves.

Entrada na psicosede transferência

Aureliano e os pais reagiram muito rapidamente às primeiras entrevistas. Co _nsiderando -o irrecuperável, seus pais lhe dirigiram um mínimode demanda . Por t er falado com ele, um p sicanalista os fez recomeçara se interessarem mais pelo filho . Aureliano respondeu tornando-semais hostiL Depoi s da primeira entrevista, acendeu a luz, em casa, pela

primeira vez. Uma noite, falou sozinho durante duas ou três horas.Por ocasião da terceira entrevista, pela primeira vez deixou de pegar

seu ..guigui . ao sai r de casa. Na mesma sess ão, andando de um lado paraoutro na sala onde o analista fala va com ele e se us pai s, pronuncioudistintamente: ' Lobo, papai lobo, papai , há o lobo .

Os maternas de discurso s lacan ianos, 3 dos quais o analista só iriadispor alguns ano s depois do s desenvolvimentos dessas sessões, podemnos ajudar a acompanhar Aureliano na es ttutura .

Com essas primeiras entrevistas, uma outra cadeia significante quenão a da mãe se dirigiu a ele, fazendo Aureliano entrar na tran s ferênciapela que stão da separação: .. 0 que quer de mim o Outro'? .

Com ·lobo . Aureliano deu a respo sta na qual o sujeito reúne-se aoobjeto que ele é, resposta do real, ou seja, um objeto oferecido aodevoramento pelo Outro:

Aurelianoa

sl

psicanalista.S (S1, Sz .. S )I

Articulando esta resposta coro as palavras que enco ntra no Outroprévio, Aureliano passa, por sua vez, à posição de sujeito ao qual sedirige o analista, es te advindo à posição de objeto a, ou seja;

Psicanalistaa

sl

Aureliano1.S (St, S2, ..Sn)

I

3 Com todas as ttSetYa s que se impõem ao extra-diicurso da psioose : ~ a nio incluia castnçio e S 1 S2 sio holófnse6, daí alftl5ên.çía do impassível entn o agente e o a ~ ~ t r o eda

impotência entre a verdade e a produçio. Robert L.efort o ~ u n uma 16/2/84, riscando asfleclwi e as banas no materna do discurso do analista .

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Precisamente, ..lobo aparece na própria sessão em que Aureliánoe s q u e ~ e us ~ u~ g u i g u i ,seu objeto traosicional, emblema de objeto a .

Aurehano tndtcou, dessa maneira, que é o analista que se toma ocupante

desse lugar do objeto a, designado ainda por Jacques Lacan como~ l a m í n u l a ,..omelete , ' escabelo . A partir daí, é em tomo deste ser~ q u efaz o hábito do psicanalista • que Aureliano iria ' s entir se reuni:rem os elementos de se u ser cuja dispersão no infinito de seu delírio fazseu sofrimento .' .

~ L o b ose observa então como significante da transferência, marcando o enganchamento na cadeia s ignificante do analista . Vai-se notar aanalogia com o que se passa com o pequeno R ober t, sobre o qua l RosineLefort dizia, no Encontro Internacional de 1982, que o significante• Jobo . marcava para ele a entrada na psicose de transferência. Oestatuto deste significante deve ser. certamente, questionado em s uarelação com o real. 6

Esse engatamento de duas cadeias significantes se inscreve no primeiro estágio do gráfico. S, .... ~ é situáv el no circuito que vai de s(A)a A: - : [Há o] lobo' co .rresponde a s(A), o saber do Outro ( Quero tecomer ) correspoode a A; sobre o vetor retrógrado a não incluindo. .(-<p), s atua -se no ponto de partida, e s ujeito da p sicose) na chegada.Observa-se aí que o analista virá ocupar ini cialmente os pontos S, ecomo lugar de endereçamento para Aureliano, para passar em seguidaa Sl e a como destinatário . Reencontram -se ai os dois tempos datransferência descritos por Jacques Lacan em 1966 . A mensagem : ·to • - •[Há oj lobo • - lhe vem do Outro, sob uma forma não invertidamas transformada ..

Es te eogatamento na transferência permitiu a Aureliano a construçãode seu eu. Esta será a segunda resposta que ele vai trazer ao enigma dodesejo do Outro .

Do verão de 1978 até o ftm do ano de 1979, Aureliano, com efeito,brincou, com intenso júbilo, de e ncher e esvaziar recipientes ao mesmotempo em que falava sozinho. Bebia, de preferência numa mamadeira;às vezes com o bico . Só minha presença lhe importava . Não pareciaprestar atenção ao que lhe pudes se dizer.

Nesse esvaziameriw, reconhecemos ..o modo de manifestação de umsujeito na psicose . Essa operação de esvaziamento presentificava essafunção do sujeito e o esforço de Aureliano era o de fazê-la passar,

4 E Laurent, Actes e L ECF, o o s ~de o n t p e l l i ~ maiode 1983, p. 33 .S J . Lacan. ·unt questio11 pt ili111inaire ...- (19S8) in Écrits, Paris , Seuil, 1966 , p. S82,nota 2.6 R. Lef on ·un cas e psychose,fev . 84, in Quarto, Boletim da ECF oa B é l g i a ~ ,o• IS.

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106 a criança no discurso analitioo

inscrevê-la no campo do Outro, oque, precisamente,o fatode se dirigira um psicanalistana transferência permitia.

É essa inscriçãono campodo Outroque condicionao reconhecimen

to no espelho. Aureliano iriaencontrá-loem 17-deoutubro de 1978.Sorriu para sua imagemno espelho, brincou dese fazer desaparecer,dizendo ao mesmo tempo: ..Tem não . Umpouco mais tarde, iriapararde beber e diria· eu . aos pais, designando asi mesmocom o dedo.

Ele situou, portanto, aetapa seguintedo gráfico,ou seja, alinhaquevai de i a) até m A seqüência levaa tomareste ' temnão como ..nãotem . osignificanteque permitiriaao sujeitoAureliano identificar-secom seu próprio desaparecimento. Estesignificanteé o equivalente do

o o o o do neto de Freud,fazendo-se desaparecerdo espelh o, o o o opreviamente observado no jogo do carretel.É este o significante queAurelianovai adquirir em seguida.

O jog o do carretel

Por volta do fim do ano de 1979, Aurelianoapoderou-se de jornais

velhos. Rasgava-ose, deixando-oscair, gritava~ c r a c ,

manifestandoum intenso júbilo. Pedaçosde jornal recobriam a superfícieda sala.Continuava a não prestar atençãoao que eu dizia. Na vez seguinte,jáveio gritando ..crac . desdeque começoua subir a escada: subiu correndo os três andares, precipitou-separa o local onde estavamos jornais erecomeçoua mesma atividadecom omesmo gozo.

Durante as férias anteriores, Aureliano havia pronunciado·crac .com freqüência,vendo as ondas que se quebravamno s rochedo s. Apalavra ..crac . apareceranele por ocasião de relatos deviagens de trem.Dizia isso tambémcada vez que deixavacair algum objeto.

Com este ..crac . Aurelianoentrouno jogo dofortjda. Freud observara que muitasvezes só se vê o seu primeiroato . Lacan n()taque oimportanteé o fort mais que o da poiseste é o significanteque diz quehá ausência da mãe, e portanto. o significantedo desejoda mãecomoenigma . -crac . viria responderao m não do espelho, indicandoque-há ,agora,o significanteque lhe assegura sua representação.-crac .

_seria o I(A) quepermite

a Aurelianoidentificar -se com seu própriodesaparecimento.

Colette Soler frisavarecentementea importânciadeste significante.Com efeito.temos com ele:

7 C. Soler, SerninârioIRMA, 2Sde abrilde 1984, inédito.

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casos 107

l ) uma perda de gozo ligado à presença materna, ogozo míticosuposto primeiro;

2 uma identificação comeste traçosignificantedeste gozoopaco,

indizível;3) uma recuperaçãode gozonumgozo do significante,aqueleque se

observa em Aurelianoquandoele gritaessapalavra.Ali, ele gozapelosignificante:o gozo se liga ao significante. motor da repetiÇãoé ogozo que se realizano significante.É um processono qual o gozo passaao inconsciente,operação produzidapela metonímiae observada porLacan na viradados anos 70.8

..Crac . seriao precursordo significantefálico,se a metáforapaternapudesse funcionarpara Aureliano.

Demanda e de sejo

Em setembro de 1981, Aureliano paroude brincar com os jornais. Eleme deu a entenderque queria consultara Encyclopaedia Univusalisnas prateleirasde meus livros.

Aberto o livro, indicouuma imagem que eu nomeei, ou que elenomeou de ~ t r m... depois, algumas páginas maisadiante,.. tremelétrico . e em seguida, .. rempassandona ponte :. Chegouna sessão seguintecom a mesma exaltação que demonstrara quandodo jogo dos jornais.Entrando na sala, gritou para mim ..rem , mostrando aEnciclopédia.Depois de reencontrar a fotodo trem,me pediu .. tremelétrico'.,depoiso ~ t r mpassandona ponte .Exultavadiantede cada foto, particularmente ao

pronunciaras

palavras correspondentes.Por essa demandaendereçadaao Outro,com este resto significanteretirado de ste lugardo Outro por excelência quepodemser os livrosdoanalista, Aurelianose experimentoucomo sujeito de um desejo.Porocasião da s se ss ões seguintes,ele iria se precipitar sobre estelivro,tomando na sua demandade outro cadeiassignificantescom o mesmojúbilo : ..papa Paulo 11 o mesmo, Paulo VI,o outro ....

Aureliano conseguiu, assim, amarrar a cadeia significantedo sujeito

na cadeia do Outro,nó cuja representação intuitivaé dada por dois torosenlaçados, o torodo sujeitocom o torodo Outro.Ele se engaja nos elosda demanda, girandoem tomo do furo central desenhadopelo desejo doOutro .

8 J. Lacan•RJUJjopN mic• (1970),in Scilicet n• 2/3. Paris, Seuil, 1970, P- 70-71.

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108 a aiança no dise11rso an a lítico

Co m esse corpodo Outro,o sujeito poderiafazer umco rpo? Tal era,a partirde então, a etapa abordada por Aureliano.

er um corpo

Em 17 de fevereirode 1982,mostrando-me a foto do trem, Auretianome disse .. evar e aproximoua teso ura. Disse-lhe quepodia lev ar apalavra trem .masnão um pedaço do livro. Ele insistiu, depois gritou:..Eu quero. e rasgoua página. Foi a primeira vez queAureliano diss e..eu . Ter um corpo exigeretirar um significantedo Outro,fazendoassim oco rte que permiteao sujeitointroduzir-se aí pela virada desseOutro, afirmando-sesob o aspecto do negativo, domen os um•?

Essa virada·que correspondeà passagem da identificação simbólica.paraa identificaçãodita realpor Lacan dá aosujeitoum corpo, superffcie de inscrição.Estaoperaçãonecess ita do Nome-do-Pai e da operação da metáforapaterna.

Observa-se,nessa sessãode 17 de fevereiro,como Aureliano nãopôderet irar um significantee este lhe voltouno real, soba fonua dessepedaço de página realmentearrancado: ' Essesujeito que nãoconseguese inscrever no simbólico volta noreal como desc ontinuidade,num

·esforço para perfurar, e também paratransbordar. É, igualmente, afunçãodo sujeito emergenteno real .10

Em 23 de novembro de 1982, Aureliano me pediu •J oão Paulo I lEspanha . Pensando queele deviate.r visto na televisãoas imagens doPapa naEspanha,e x p l i q u e i~l b eque o volume daEncyclopaedia Uni-ve rs a lis que ia tratar desta visitaaindanão saíra.Sorriu aessa resposta.

Nasessãoseguinte, sorriu aindapedindo- me ..PapaEspanha. . Exultou quandolbe disse que eleestava pedindo precisamenteo livroquesa biaqueeu nãotinha:estanão era, co m efeito,uma demandaqualquer.

Seu júbilo estavaligado. portanto,ao enconb'odessealgoque podiavir a faltarem seu lugar: oencontro co m o simbólico.

O fa to de encontcarumsignificante que faltavanoOutro interrompeua cadeia.Isso fez deslanchara co locação de uma pesquisa de continentes. Aureliano tomouumsaco pl ás tico noqual colocoulivros erevistas,fe.

chando em seguidao saco e dobrandosuas pontas de modoa acompanhar aomáximo o fonnato das revistascontidasnele.Aurelianopôde, assim,fazer umcertotrajeto naestrutura, e continua

a fazê -lo. O fatode que tenha; mesmo,podido dizer, nummomentode

9 E. laurent, Semináriode 22 de maiode 1983, inédito.lO J . A. M.ill er , ln te rvettçàono Cercda,S de maio de 19 84,inédito.

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casos 109

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sessão, i n t~ co mo papai não nos autoriza a dizer que eletenhaco nseg uido a ·\ncocporação de um significanteretirado do lugar do

Outro paterno.·Aurelianoindicouisso dramaticamente. Em27de setembrode 1983,chegou antes dahor a e pedi-lheque esperasse um pouco.Entrou, então,numa crise terrfvel, arrancando as roupas, arranhando-se, tapando osouvidos. Logo lhe propus queentrasse,já queesperarlhe era tão penoso:acalmou-seimediatamente. Manifestavaassim até que ponto voltavaaencontrar-se naquela posição de abandonado,por um mínimo defaltaque o analista viesse a fazer. .

Ele seriaaindamais preciso quantoaoque pôde faltar. A 17 de maiOde 1983, tivemos a últimasessãoantes de umalongaseparação dos paise do analista,já que Aureliano partiu para umaco lônia de férias poralgumas semanas. Ele foi diretose sentar e, pela primeir a vc2., d e s ~ u

so bre a mesa, sacudido por grandes soluços. Inter rogado por m1m ,respo ndeu: -papa na minhacabeça. Matar o Papa.

Ele testemunháva, desta maneira,o quanto ter um papa nacabeçaédiferenteda incorporação de umsignificantetomado do pai, um significante reduzido ao Nome-do-Pai e que viria barraro desejo da mãe.

Era, mesmo, exatamenteo oposto, já que isso assinalava a pr esençade um perseguidor,à qual Aureliano reagiu poresse-matar o p ~ i - quedevia ser escutadono infinitivo, e sobre o qual qualquer JOgo depalavrassó fariaacentuaro horror . ÉricLaurent observavase u paralelismo co m este ' mataro rei-, podendocompreende r o regicida.

-Para reen contrara identificação como pai morto no fim do Édipo,é precisoainda que se o tenha incorporadocomosignificante,peloam or, desde a origem. Aureliano testemunha que este não é o caso

para ele. O que não impede de continuarmos, juntos,este ca minho naestrutura.12

l l li.l..-arav. Seminário de 31 dejaneirode 1984, inédito.12 A . , allli l i l i io de29 demai o de 1984 : Háalgumtempo,Aurelíanofalava em co mprara - . lllldrô, RER, ban::a , ônibus, caminhi.ode lixo .. e •t111zer •qui . com ele ~ es m o

•cte.ro•. Ela 29 de maio ele v.i açi 'CSCrl l ( l r : um violão a c: sa l.isfa. e c:begar •· trem,

saw.s 4o um · .

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A cicatriz: as bolsas e a morte

Françoise Josselin

A morte está no nív el de significante me s tre para Noel, cujo .nomee cob re um interval o sig nifi cante na his tória traumática de seu pai. O

amposs ível de sua escrita es tá realizad o no traço de uma c icatriz qu emarca a sutura pela qual o obsessivo co bre sua divisão, como preci souJa cq ue s- Alain Mill er .

Na neurose obsessiva, no lugar do Outro há um morto, diz Lacan.Noel está no lugar d o pai morto, os doi s s ignificante s do Homem d osR a tos. Ele deve , como frisa s eu nome, morrer como o Cristo para a

gl ó ria de seu pai. Foi o que me di sse sua mãe, no início de seutratamento: ..Arranjei um marido , e depo is tive um filh o para chorarmenos pela morte de meu pai , o que Noel imaginarizava assim : ·Quand o na sci eu r bran co como um morto, me deram palmada s para chorar,porque eu nao chorava . Pesava 2,8 kg, nã o era muito pesado ..

Esta criança de de z anos estava à esp_ ra da morte do Outro, eenquanto esperava id entificava-se a ele enquanto morto, mediante oque ele pr ó pr i o já estava morto (c f. •Função e campo da fal a e da

linguagem . . Ele exprimiu esta anulação do semelhante desde suaprimeira sessão, num de seus raros desenho s , o nde um cow boy de olhosvazios combatia um outro diante de si. ·Eu não o desenhei p orque nãop odia , marcando assim, se nos referirmos aos estágios construídos pelobebê Nadia O Nas cimento d o Outro), a falha do primeir o estágio doe s ~ e ~~ o aqQele _n? qual o sujeito encontra sua imagem só, a imagemumtana, metomma ca de se u co rpo com exclusão da imagem do Outro .A co n se qüência para Noel é que o punhal de s tinado ao pequeno outrodo es pe l ho, ele o voltou contra si, vi sand o a região genital, mar cada pelovermelho do real da s intervenções para ectopias testiculares .

Se use i com o subtítulo • as bolsas e a morte , e não .. a bolsa e am o ~ t e.. ~ g u n d oa versão modificada da alienação dada por JacquesAlaan Maller para a neur ose obsessiva, foi p ara ace ntuar o redobramentod ~ rea l que maroou o trauma in.augurador da neurose obse ss iva destacnança . Quand o ela tinha quatro anos , sua irmã Anne, doi s anos maismoça, operou-se de um ..rim duplo . (cito Noel), ou seja, de um quisto

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casos 111

embrionário, que tomou a crescer, nece ss itand o uma se gunda intervenção dois anos depois , da qual ela quase morreu. Dupla intervenção queNoel retomou tm espelh o real com uma dupla interv enção ao s se te eaos oito anos, po t ter testículos "muito subidos • como ele di sse , em vezde "não des cido s" , tradução de uma grande angú stia de que o castrasse m, como a sua ikroã co m risco de morte . Sem dúvida , ele não queriasacrificar s ua castração a o gozo do Outro : quanto mais seus te s tículossubissea:n, mais estariam aparentemente abrigados. A segunda intervenção foi ela própria red o brada por uma apendicectomia .

Uma colibacilose transmitida por ele à irmã é que teria permitido odiagnóstico. Sua culpa era tanto maior quanto a chegada desta irmã,"única menina da família . (sic) , que ele era capaz de recordar com

precisão de minuto s, estava carregada de pulsões de morte; uma lembrança anteri or às intervenções : .. Ao s do is an os , quando ela pa sso u parao m eu qparto, tinha tanto medo de m e mexer qu suei a ponto de teremque trocar meus lenç ó is ... como se eu tive sse feito xixi . É por haveranulação do grand e e do pequeno outr o que não se inscreveu simbolicamente esta morte na relação ao Outro . A cicatriz veio marcar no reala sutura entre S , e Sz mas, à diferença da holófrase que é soldadura,pois o objeto permanece do Outro, aqui o intervalo persiste, marcado

pelo traço cicatricial d o ob jeto caído. Esta sutura está ali para manterS , e ~ em presença, e impedir a queda do significante binário noUrverdrangung, parêntes es enigmáticos onde Freud coloca o saber. EmNo e l , a divisão estava inscrita num corpo c indido como a Terra, da qualele tentava .. desesperadamente (si c ) calcular o diâmetro: ele é canhotopara comer e escrever, dextro de olho e pé, cindido.

O preço é o do não -senso neste menino, de resto muito int e ligente,que sofre de uma inibição da compreensãe . Noel, -por essa cicatriz,

realiz o u o aquilo que nã o pôde ser simoolizado do apagamento do traço,is to é, do nasciment o do significante, já que a letra é a localização dosignificante no real. Seus avós paternos f4íttam deportados, desapareceram sem deixar traços, quando o pai de Noel tinha quatorze meses: osanais de sua história são impossíveis de escrever. De saída ele me disse:..Tenho dificuldades em francês .. Meu pai é de 9rigem russa" . Suaorientação para a pré-história o impedira de estar em sua história: elenunca soube em que tempo dissertar . Ali, também, se defendeu sob omodo de uma obsessão por datas e haras.

Ele me foi encaminhado em razão de numerosas dificuldades paraescrever, quanto à caligrafia e ao sentido. Diante do vazio da piginabranca, ficava .. bloqueado", ' perdido . só podia escrever, e oom grandelentidão (lentidão da qual me disse um dia que poderia acanetar amorte), quando estava certo _da resposta. O objeto do corpo .duplo erafonte de confusão entre o sinsulu e o plural, o .. é .. e o ' e . o '"tu" e o

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112 a criança o discurso analitioo

-ele . Preferia, aliás, os números às letras (o céu de Jeu primeirodesenho estava cheio de números-letras) e a emergênciade qualquerafeto deslanchavacálculos cosmológicos.A questãodo número predominando sobrea letra,eu seriatentada adizer que ela surgeneste pesarpouco dos 2,8 kg de seu nascimento, númeroque reencontranum 208que me parece resumir a difícil abordagemdo espei OO: a insistênciadonúmero dois sem ooito da superfícieda bandade Moebius, superfícieproblemática paraele: ..Tenhoum problema de área . Sua organizaçãoespacial era deficitária, eum de seus primeir05 personagens foiumesqueletosem envoltório.

O objetopennaneceu em jogo apesardas tentativasde fazerdele umobjeto significantemetonfmico. Diantedo horrordo real da castração,Noel deslocou para a perna e opé a questão fálica, que verbalizavaassim: ' Depoisde minha operaçãoeu tinha que andarcom a pernadobrada,por causa do elásticocosido emminha perna... Obebê nocarrinho era representadopor seu pé.

O oral e o escópico

A suturaentreS , e S engendrou aqui confusõesentre o oral e escópico:o escópico,que mascara todaperda,é uma questãoessencialna neuroseobsessiva. Ofascínio por essa innâ menor, girl phallus da mãe, oimpediu de ver por causa deSsacompulsãoa ver:se não vissesua irmãela morrería. O nascimentoda irmã o remeteu ao seu próprio, aoaniversáriodesta colusão entre o nascimento e a morte,da qual osignificantede seu nome portava a marca.Ele voltou esta funçãoescópicado olho para o ventre: em sua segundasessão,modelou um ·olho a partir de um furo feitocom uma tachinha,do qualele tapou ..umfuro a mais . Esta manutençãodo escópico bloqueou oespelho daescrita:um colega seu tinhaum retardamento escolarporque ão enxergava.

Colocandoo S, à frente, o analista permitiuao sujeito que encontrouo lugar de.sua divisãoocupar o lugar de interpelação para produzir osignificantemestre.No começode seu tratamento, elenão sabiaem que

cena se situar (cf. Hamlet): um dia chegouà sessão pálido por terassistido,na rua des Déportés, aum acidente, que odeixou fixadonoimagináriode umacenaprimitiva: umoutro acidente,no qual o choferteve 05 olhos furados e a perna quebrada. Nessaesperada morte doOutro, Noel renunciouao seu gozo: ele espera,se entedia e se queixa.Retém todaagressividadeaté o ponto de uma granderigidez do corpoe fica em casa com medo da agressividade doo outr05.

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Mas Noel só poderia encontrarsua escrita pela histerizaçãododiscurso, pois a C5Crita do sujeito é ado discurso histérico,onde o sabervem no lugar do gozo, pois ao Outroé dado o lugar dominante. Otrabalhodo tratamentoiria permitir instauraro distanciamentoespacial,depois de uma travessia fóbicado espaço, earticular o intervalotemporal: Noel iria passarda contabilidadeforçadadas medidas,em particular a do tempo,à articulação significantedo intervalode quatorzediasque separam o diade Nataldo de seu aniversário, número quemarcoua história traumáticade seu pai. Mas issoao preço de uma perdaessencialmente escópica. Poderíamosdizer que não pode haver aí passagem ao (-rp), ao não-especularizável,de tanto queo sujeitofica nofascínio. É isso, seja comofor, queessa criançanos iria demonstrar.

Tratou-se para ela,em sua travessiado espelho,de ligar o -ve deontemao vê . de hoje (a propósitode veleirosantigose modemos),apré-históriaà história. Falando-medo nascimento,à maneira científica,abordoupela primeira vezum problema noo olhos que o fez referir-seà infância: ..0 Sol faz malaos olhos dos bebês. Ás vezesquando dunnoesfrego os olhos.. Seguindoo efeitodo S., o sujeitohistéricose recusaa fazer-seseu corpo. Noel iriase desvanecerno encontrocom S,. O traçoinapagável, para ele a cicatriz, fezcom que fosseele a apagar-se inteironuma síncope,na noitede seu aniversário. Na mesmasessãoele associou o intervalode tempo que separava oNatal deseu aniversáriocomseu medo da operação na holófrase.

O neuróticoobsessivoé a sede do ( 1 do gozo. Aincorporaçãodaestruturatem um efeito mortífero, traduz-se por um esvaziamentodogozo. A quedado objeto s ó p i ~não se fariasem dor : •Minha cabeçase esvazia, gira, dói muito, tenho uma barra diantedos olhos .. Estemal-estar que marcavacada escansãode sua análise,sobreum fundo e

pesadelosde devoramento,de esmagamento. Ele associouseu segundomal-estar coma visão de um selo marcadocom a datét do ano denascimento de seu pai, eà imagemdo túmulodo Dr . Perspicaz. A visãodo acidente no ~ o m e ç odo tratamento deslanchou uma fobiade seresmagado na rua, apontode faltara várias sessões; aintençãoagressivade inibidase tornou manifesta:ele rasgou oretradode Anne, acusando-ade tê-lo tomado doente; e seuscolegas,quandoo procuraram,passarama encontrá-lo.

A angústiade morte ligadaà travessiado espaçoera acompanhadapor medos de perdersua faca,seu boné.. atéchegar ao medo pânico deperder a vista. Por duas vezes acordou,à noite, com violentasdoresretro-oftálmicas:-Tenho dor de cabeça,dor nosolhosquando olho paralonge .. para o barcoque mamãe me deu , pois eramos barcosdo a ~ e l

de parede do seu quarto que ele tinha o hábito de fixar,desde ~ u t o

pequeno, para obter o relevo da região que decoravaseu a m ~ t e n t e :

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4 l nç no íswrso n lítioo

~ e n h omedo de ficar cego, a visão é tudo para mim . para poder sercozinheiro . (como sua avó materna) . Enquanto falava, deixou cair umlápis amarelo e observou a queda . Disse -lhe que não é a mesma coisaperder a vista e perder de vista o objeto que se olha. Ele iria poder, entã o,articular o escópico e o oral : a propósito dos dent es de leite que foiobrigado a arrancar, porque não queriam cair, ele esfregou os olhos eme falou da s gotas que devia pingar no s olhos ou na bo ca para curar seuastigmati smo . O astigmatismo tomou -se um traço de identificação queo ligava a se u pai, ao passo qu e Anne , míope como a mãe, não podiaver .. a torneira, Arme, sobre quem ele se perguntou se é ou tem um falo.Ele terminou, lindamente , sobre a perda de seu livro de leitura , A

Cicatriz cuja his tória contou assim : um menino com lábio leporino sepropõe a ajudar uma menina a desenhar os lábios d figura que estádesenhando . Seus colegas zombam dele, dizendo: ~ v a m o sesperar qu eele não se tome como modelo . . Isso o fez lembrar que lhe roubaram acaneta. : ' Não tenho um duplo dela ..

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A criança muda

Michele Faivre-Jussiaux

D onde vem a inquietante estranheza que emana do silêncio, dasolidão, d obscuridade'? ·

Esta pergunta de Freud surge em se u artigo de 1919, Das Unheimli-c Nesse texto, que precede um pouco e pare ce abrir o caminho paraMais Além do Princlpió do Praz e r Freud persegue um significado queescapa a toda compreensão, e veto constantemente se chocar com umreal, sob a forma de um impossível de se dizer

Em muita s línguas , constata, ~ f l t uma palavra que designe estanuance particular do horror . Ele parte, portanto, de um significanteaproximado, dos Unheimli c he utilizado em lugar de um outro, faltoso, e para rastrear essa espécie d e horror ligada às coisas há muitoconhecidas, e familiares desde sempre'., Freud pass a de uma línguapara outra, de uma significação ao seu contrário, numa constantederiva do sentido.

Um relato fantástico, tirado dos Contos Noturnos de Hoffmann,permite -lhe entã o abordar a inquietante estranheza em sua relação como escópico . Dos olhos vazios ou chei os de desejo, até os olhos queimados, os olhos loucos, a história de Nathanael - onde é dito que , realm ente, o Homem da Areia arranca os olho s das criança s - é inteiramenteatravessada pela que s tão do olhar correlativo da morte , tal como aparecena psicose.

E bem so bre este lugar de mqui e tante estranheza, o lugar de umarepetição cega, que vai surgir o conceito freudiano de pu1são de morte.

Por ora, vou partir também do silêncio e da obscuridade, com umoutro Nathanael, meu paciente . Ele tinha d oze ano s, quando começou oseu tratamento, e parecia ter saído de sua posição auti s ta primitiva.

Nathanael entre duas mortes

Sei pouca coisa de sua históri a, que aparece, co mo a da maioria dascrianças psicóticas, cheia d e furos , de acidentes sobre o fundo do

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116 a criança no diSQ rso analítico

s Hên cio opaco, sem c ontornos, ond e as palavra s só fazem de s lizar, aomesmo tempo loquazes e desprovidas de sentido.

Para a mãe, aos quarenta e sete anos, o nascimento de Nathanael ede seu irmão gêmeo, em si mesmo acidental, inscreveu -se entre duascatástrofes: a morte de seu filho mais velho num acidente automobilís-•tico, e o s uicídio da filha, que se afogou com seus dois próprios filhos .Disse ela : ~ bom Deus me tomou dois, e me devolveu dois".

Este duplo nascimento entre duas mortes anulou toda a perda erealizou, ao mes mo tempo, a desapari ção da s crianças como sujeitos,para tomá-las objetos miraculosos da onipotência do Outro.

Quanto ao pai, este também desapareceu, nem tanto por sua mortereal, ocoiTida pouco depois do na scimento do s gêmeos, mas por umapagamento de seu nome no discurso de sua mulher, que fez dele ..umpensionista inválido ..

Nalhanael, o primeiro a nascer dos dois meninos, era também aquele· que a mãe designava como o mais , :;tranho, o mais louco. Um dia ele

me diria: ..Eu estava muito perto do coração, e sai porque tinha medo" .Parto por cesariana, procedendo de um corte real . Sob o bisturi docirurgião, cada um caiu por seu lado : a mãe no sofrimento aneste siadoa criança desdobrada no autismo. '

Da primeira infância dos gêmeos, essa mãe diz apenas que eles nuncaa olhavam e não tinham necessidade d ela. Logo, ela poderia se separarrapidamente deles, e Nathanael iria caminhar com seu irmão por crechese estabele cimentos até o IMP onde seriam inicialmente tratados ambospelo mesmo analista.

Depois, encontrei Nathanael a pedido dele mesmo, formulado assim:..Eu quero fazer terapia com a moça", o que iria ent ender como uma

verdadeira demanda, descolando-<> enfim de seu gêmeo.No entanto, iria precisar de muito tempo até chegar a ele . Durante

quase um ano foi preciso ficar ali, presente e radicalmente ausentada,enquanto a criança - fora do tempo - efetuava de sessão em sessão omesmo d es enho, sem que jamai s a repetição fizesse surgir nele algumalembrança .

m ponto impossiv l

o longo de toda essa sessão etemizada, a abundante atividade gráficade Nathanael só fez traduzir a impossibilidade em que ele se encontravade definir o tema de seu desenho. Por falta de ser circunscrita por uma

o ~ m ~precisa , essa matéria se encontrava confundida com o corpo ·pr opn o, que ela ultrapassava e desorganizava no próprio movimentoque tenderia a constituí -lo .

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casos 117

Para de senhar, eis como ele procedia . Sobre a folha em bran co ,apoiava uma das mãos, com os dedos às vezes espalmados, às vezesjunto s dois a dois. polegar afastado,

ecom uin traço seguro, surpreen-

dentemente r ápido , fazia o seu contorno . ·Depois se imobilizava. Com uma intensa crispação de todo o corpo,

arran cava es sa mão do poder capturante da linha traçada, gritando esta spalavras: '"mão cortada".

Então ele podia começar a desenhar de verdade, pois era com essaferida alucinada que Nathanael pagava a inscrição de um traço significante . Que traço?

Via -se, então, sobre uma superfície, não mais uma mão mas umalinha , des falcada de seu corpo próprio, recurvada sem que as suasextremid ades se tocassem, abrindo o espaço necessário para o deSenvolviment o de uma figura que pennitia uma abordagem original daquestão: o que é um corpo?

Ma s seria inexato dizer que Nathanael ficava na mesma, enquantosujeito, c olocando essa questão e aguardando a resposta do Outro . Aresposta já estava lá, totalizante, incoercível, na qual ele se debatia,como qu e imantado por seu campo de atraçã o, enquanto a que s tã oexpulsa permanecia para ele impossível de situar . era com umaespécie de paixão que ele desenhava, esforçando-se, numa necessidadeabsolula, para pensar a origem, apreender aquilo que fundava a conjunção do corpo e da fala .

Sobre o contamo da mão cortada ele iria fazer aparecer alguma coi saque se assemelhava a pontos, e que ele chamava de -pontas ., ou aindade .. buracos pontudos .

O fat o é que esses pontos se tomaram imediatamente brot os de onde

partiam caules que se ramificavam e terminavam em botões, folhas,flores com espinhos, enquanto a significação global do graflsmo evocava, claramente , o nascimento dos vegetais, a partir de uma operaçãobem particular a que Nathanael chamou de ..uma muda .

Ora .. pontas brotos mudas .. já estavam lá . Essas palavras criadas tinham, manifestamente, um caráter de injunção, a ponto de suaexpressão gráfica parecer decorrer diretamente de uma prescriçãosuperegóica.

Procedendo de uma técnica rigorosa, praticamente invariável, odesenho se desenvolvia em segmentos contíguos, diferenciados pela core por um sinal sonoro, um ..corta ", aquele do cineasta depois de umatomada. Cada segmento possuia esta particularidade de ser cortável,suscetível de criar, por contigüidade, um novo individuo, esboço de umamuda numa muda.

Ma s , vindo desorganizar o projeto de um crescimento puramentevegetal, aparedam aqui ali formas que lembravam as da anatomia

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8 criança no dl ourso n lílioo

humana . Nathanael designou-as, de passagem, como ·uma boca bigodes coração pulmões dedos do pé " e foi colori-las em vermelho vivoporque ele gritava : "isso sangra .. · '

o ~ d o sd ~ seus laço s com o corpo pr óp ri o esses pedaços sangrentos e gntantes unpunba.m brutalmente vi são de um corpo de s pedaçado .Ne sses momento s ac ontecia de Nathanael se r arran cado ao seu desenho . Comandado por uma força mecâni ca, executava movim ent os bruscos ges to.s de autômato, ao ft.m dos qua is ree ncontrava o balan cea-mento u t i s t aem bus ca de um hipot é tic o ponto de equilíbrio.

As hnhas que ele traçava não se cruzavam, dividiam -se. E, no lugar~ m q ~ ese operava essa divisão, onde um se tomava doi s Nathanael

1ns1s tta, passava e repassava a es ferográfi ca, duplicand o a espessura do~ r a ç o Para obter paralelas, servia-se de d u a~ caneta s que mantinhaJ ~ n ~ s ~apertadas numa das mão s, efetuando ass im linhas perfeitamentes1m etncas . Nunca parava nos limites da fo lha d e papel. Quand o c hegavaneles, encostava um a outra folha n o pr olongament o da primeira eprosseguindo sua linha , estabelecia um acordo impecável. •

Quando nã_o tinha mais folhas à sua disposição, Nathanael voltava aopon to de parttda , ao traçado da mão cortada, cujo esquelet o faria entãoa p ~ r e c e r

desf:B ca ndo co m surpreendente exatidão os detalhes implac áveiS do agenciamento dos ossos, ao qual acrescentava a rede de veias enervos.

Só ~ p o i sse produzia um balanceamento, uma espécie de ex pec tativa . ~ o Instante em que este percurso parecia estar a ponto de se fechareu: Sl mesmo, Nathanael dispunha suas folha s , uma encostada na extremidade da outra , e examinava longament e o conjunto do de se nho feito.V o l~ v aaos pontos em qu e apareciam elementos do co rpo human o,r e ~ vt v av a ~ cores, acentuava seus co ntornos , repetind o: ..boca queg n ~ co raçao qu e sang.ra pulmão qu e respira . - como se tentasse, coma a J ~ d ade encantamentos, animar esses fragmentos anat ômic os.

M a ~o corpo que s e revelava assim espremido nes sas representações~ e g e t a 1 sera p r e s ~de uma morte estranha . A animação do real vinhaJUnto _com a mortificação das forma s e esse corpo difralado no espaçopar ec ta gozar de uma morte interminável.

. Nathanael ficava ne ssa expectativa tomado por um frenesi. Aqui eah ele acrescentava um ponto, aquel e famoso buraco pontudo que setran sf ormava em broto, reiterando um circuito idêntico ao s anteriorespontuado da injunção "cortar . que só servia para in ci tar um o v ~br o tar.. Todo o movimento do desenh o tendia para a apre ensão de um pontotmpos s ível. Qual seria esse ponto?

. Freqüentemente os artistas nos revelam, para além de toda pedagogia. as tramas da criação e as novas d es c ~b e r t a sque ela realiza . Num

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casos 9

artigo de 1912, Paul Klee se perguntava, a propósito do cub is mo e doexpression ismo: ..Será preciso decompor o o bjeto até sua des truiçãopara destacar s uas linhas de construção? .

Tod a a obra pictóri ca desse artista é voltad a para a pesquisa daquiloa qu e ele chama · o ca rá ter pacífic o do equilíbrio". Ele parte do pontomatem átic o ..o ponto ce ntral onde dormitam as noçõe s . , que de meainda como ·nada materializado, conceito inconcebível caracterizadopela ausência de contra ste . . Segundo ele, ..a co nstatação da pr ese nça deum ponto no caos ( ... ) .ba sta para dar a esse mesmo pon to um caráterconcêntrico original . .

Vamos colocar. aqui, a questão de s aber se esse pont o ao qual faltao c on ceito, ma s que contém virtualmente todas as significaç ões possíveis, não recobriria, para o pintor , a ausência do que L .acan designaco mo ..o campo ce ntral, ond e o poder separador do olho se exe rce aomáxim o na visão .. ·Em todo quadro'" . obse rva ainda La can, ..ele sópode esta r a use nt e e s ubsti tuíd o por um furo - reflexo , em s uma, dapupila por detrá s da qual es tá o olhar ..

Rem etendo ao desejo do Outro, este pont o pennitiria a ss im cons llUira •te la centtal . pela qual se estabelece a fun ção de ·captura de olhar"inerente à arte pic tórica.

Enlào, co mo não ve r na expressão gráfica de Nathana el a te nta tiv ade aceder a esse ponto paci fica dor ? Igual mente, como não e nt ende r .pel o lad o do seu se r psicó tico, as causas de seu fracasso em apreendê-lo?Ser na morte, pr osseguir a vida até a mo rte sem que nada f aça ruptura.Nada n e m ninguém .

Não pode falar

Duran te se manas e meses es ta ce na se repetiu, co m o mesmo traj e to qu ese fec ha sobre si me smo, sem jamais incluir o Outro que o analistarepr es entav a.

Ne sse tempo eterni zado, minha única intervenção efetiva se res umiaa pôr, não se m difi cu ldade, um ponto fina l em cada sessão .

Com relaçã o a mim , Nat hanael observava essa atitude tã o particularàs crianças autistas , nas quais uma vigilância discr eta , m as tena z , seassoc ia à mais radi ca l da s ex clusões .

Falar com ele equivalia a tentar quebrar essa relação c ir cular com alíngu a que era a sua, cons tituída por um m o nó logo a dua s vozes, umaabafad a, ventríloqua , serv indo de comentário -respo sta a urn a o utra voz,mai s fort e e rouca, com o que quebrada pelo esforço que tal red o bram e nto exigia .

Este diá lo go, que não era um diálogo , imped ia -o ao mes mo tempo defalar e de me ouvir. Se insistisse em romper essa barreira sono ra, minha

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120 a aiança no disoui So analílioo

própria vo z fa z ia uma e(raçã o, e ele me olhava, por um instante mudo,siderado . Aquilo que percebia vindo de mim como injunção fascinantee perigosa, respondia por outra injunção : "Não pode fa lar " - ou ainda :' Você fala demais .. ·

Uma vez que a mai o ria de minha s interpretações esbarrava nes s aau sê ncia de re c eptividade, o olhar iria se tomar o que prevale c e entrenó s, inaugurand o a transferência num espaço de vigilância . Agoraque o anali s ta pa ss ava pelo trajet o da pul s ão, alguma c oi sa ia s ermodifi c ada .

O olho que a d ema is

Os primeiros te mpo s de ss a outra hist ória f o ram precedid os por umpedodo de extrema confusão, durante o qual Nathanael parou compl etamente de de se nhar . P ercorria a s ala em todos os sentido s, esbarrand onas paredes, jog ava as coi sas no chão, esmagava-as sob os pés, e redu z iaa ma ssa de modelagem a pr ojé teis que atirava em torn o de si, principal 7mente na minha direç ão. Girava sobre si mesmo, produzindo com a bocaruído s de sucçã o qu e acaba vam numa es pécie de estert or. Muitas vezesera tomad o , co mo qu e tragado pelo s movimento s pendulare s do auti sm o.

Esse dese ncad eam e nto s úbit o, m u ito se melhante à cri se d e lo ucur aque aco mete o her ó i d o co nt o de Ho ffmann ao encontrar seu duplofemin in o es tranham e nte anim ado, veio j un to co m a obriga ção que mea t ribuí a de fi car to talmente im óve l. O men o r moviment o de minha partedes p ertav a se u fur or . A t odo in s tan te me fulminav a com o o lhar, gritando : -N ão pod e m exer - - e ao a proximar -se o fim da sessão : -N ão ol hepara o r elógi o .

A fúria de d es truiç ão só interv é m r e lacio nada a uma impo ss íve lperda , e ac re dito q ue se trat ava an tes de tudo de tomar a medida dem inha r esis tênc ia , a tuand o a p ul são de mo rte a tr avés de um ol h o qu evia demai s c pareci a d ecomp or s eu o bjeto ao procurar fixá -lo no lug a r.

Expli cava então a Nath ana e l o qu anto m e parecia impos s ível nosolhann os se nã o nos fa la ndo , e qu e eu não renunciava , por minh a part e ,a t entar ouvi -lo .

la nt as de voc ê

Foi durante uma ses s i o particulannente tempestuosa que ele con se guiude repente sa ir do re gi s tr o esc ópic o, pela media çã o de uma demanda .~ o pr óxima ve z., - ord enou - ~ m etraga al guma c o isa Você templanta s em casa ? Tr a ga plan tas de você, par a tirar uma muda "

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Do semelhante ao semblante

Lilia Mahjoub-Trobas

P a r a abordar es te tema, da crianç a e do semb lante, par eceu -me nt:c essá rio em prim ei ro lugar se guir a indi caçã o de Lacan quanto à abordagemda qu es lào do se m b lant e, a sabe r, qu e é p reciso passa r a ntes por umadi sti nção severa entre o imaginári o e o real. ·

Esta di s tin ção , resolvi faze-la a par tir d a noção d e se melhante, que éem si me sma uma boa abertura p ara a d o s embl ante.

Pode-se, ce r ta mente , co nsi der a r qu e a alienação na imagem d o c orpopr ópr io re pr ese ntada pelo se melhante faz parte do s ·h o rs o e u v r e ~doensinamento de Lacan . P oderíam os tamb ém sentir - já qu e é fá cilpercebê-lo nos di ferent es fen ômenos de imp os ição, co n front os e outrastensões - que isso nã o pa ssa de uma es puma im :aginária, bem sec undáriaem relação àquilo em que o semblante implic a.

No entanto, o bs ervando m ais de perto, po r exemplo, com a vinhetaagostiniana que encontramo s com tanta freqüência em La can a partir de1963 e até 1973, constatamos que ele continuou a se interessar por essanoção d e se melhante , justamente para f aze r em er gir aquilo que elapoderi a encobri r de real. Partindo do · re sse nti mento", d ·agre ss ividade ambivalente . ou ainda do ódio cium e nto , Lacan - se acompanharmos suas própri as formulações - passa à i11vidia para atingir ao que sei17Ulgina riza do olhar e à •jalouís sa nce' . do próximo .

Não vou me engajar num comentário aprofundado dessa mudança deregistr o em Lacan, até me s mo do s desenvolvimentos contrastantes queele faz sobre uma mesma c ena , a do pequeno que contempla, pálido ecom um olhar amargo, seu irmã o se ndo amamentado . Esses contrastesse desta cam de um progresso que tem sua lógica, que não desmente asprim eiras elaborações em ben e fício das se gundas.

• Pal avra co mp osta por jfJlousie, cíümc:, c j ~ i ss o n c egozo. (N.T. )

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24 a i nç no discurso analítico

Logo, é mais para o lado do ser, enquanto falante - aliásele poden ~ ofalar ainda, como em noss o exemp lo - e enquanto p ~ e s onumdts curso, que se trata de v o à r ~ s e

~ o mp o d. e~ o sver, t r a v é sda vinhetade Santo Agostinho,o homem

esta mat s proxtm o de Sl mesmo em seu se r do que de sua imagem noespelho; o que faz, além di sso , que todo mandame nt o de -amor aopróximo , se fundado nessamiragem , leve aodiar o semelhante.

Há, o rt a ~ t o~ ~ g u mcoisa que se ama ainda mais, para cada um, doque a sua proprJaam agem co mo tal, a saber, como pura supe rfície, masque ?o entant? a sustenta, c queLacandcfmirá nesses termos:· ( ...)amoem algo ma t s do que tu - o ohjeto a - e u te mutilo"' - ou seja, o objetoa falta real ã cau sa do desejo- este últimoencontrando-seaindaassimalienado na imag em que o semelhan te dele oferece.Por reves tiresse real em causa,digamos, essatestemunha da divi sãodo sujeito correlativa de urna perda deser, a qual é igualmente umape.rda .degozo, a ~ m a g e mdo co rpo próprioé aquilo. quepermitiu umapnmena apre cosao do mundo tomado como totalidade. O real emcompen sa ção, não pode ser apreendidocomo tal.Daí este u r t o c i r ~ u i t o

imaginário,preferido, imediatoma s que se verifica ser finalmenteapesar de s u ~afinidadecom o real , um ohstácu lo lant.oà abordagemd ~r e ~ l

quanto a dog o ~ o

- este gozoinaprecnsível,que nã o poderia sede1xarcaptur ar peta tmagem, mas apenas pela rede do semblan te.

O que ocorre co m o sembla nre a c ria11ça ?

<;:>ra o que é então este se mblante ? Uma noção delicada ·de se manej ar,e verdad e. Sem fa.-.er sua exegese em Lacan, a part ir do final do s anos

sessen ta, gosta ria no entantode lhes passar isso, antes deretomar a vi ada clínica.Se ~ s e m b l n t eé ess a fu?ção que podeno s permitir dirigir-nospara

~ r ea l .1sso n à ~ s ~ dá, todavta,sem o simbólico c o que dele re suha . Elec .. ass tm,_o s1gmficante em si me smo, se m Outro, o queco loca anao -relaç ao sexua l; ele é essa parte de verdadeque diz "Eu falu", talcomo um oráculo ou porta -voz, mas ainda umamáscaraque faz comque q ue l ~ qu.e a portan à~ seja nemrea lista nempa l ético.A partir daí,

como no s md1caLacan num pequeno esqucma2

encontrado no Seminá -

~ 1 Ulcan,lL i m i ~ 1 a i r e; l i v r oXI, St:uil 19 73. p. 241 Versão hrasilcim:O Seminário. li vroI, Os Quatn>ConcettosFundamentaisda Psicaoálisc; ZaharEditoresRiodeJaneiro 1979

2. 1 La c an. lL Sétnit Jai re. livro XX. E t •ore. Seuil, 197S. p. 83. V ~ n i ó i ohrasilcir.t : Mai:;..A111da Zahar. Rio, 1982.

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casos 125

rio Mais Ainda, o real .t um espaço aber to entre o se mblante c area lidade, ao passoque es ta, conLrariamenteao semblante, se di stanciado real, dirigindo-se ao imagin ário .

S(t )verdade iro

Imag inár io

semblantea

realidadec}

Real

Ass im,o semblante é aquilo pelo qual tudose suste ma - n o simbólico- para recomeçar no fantasma,o qual organ iza a realidade. Assim se

es clarece queo semblantenão

é aquilo qu e se sustenta, ao contrário doque se di1 . comumente, pela realidade, como reflexode ou tra coi sa. Ora,o fantasma é aqui Óque faz tela paraessa outraco is a, qu e é aqui o real.Ele o torna, portanto , supo rtáve l, e ao me smo tempo · captura o gozoque a í se opera. Logo, se a questão do fantasma fundamental nacriançaé uma qu es tã o em aberto,prohl emá tic a quanto ao gozo queali se fixaria,ela está ligada, seja como for, nec ess ariamente, a esse funcionamentodo se mb la nte na criança, e portanto à marg em, que vou frisar, dosemelhante ao semblante. Assim podemos situar a per tinência de umainterrogação so bre o que se passa co m o se mblante na criançã , namedida mesma em que ele pare ce mais par ticularmente fixado nacooptaçà o imaginária.Aí está algo que pode nos fazer ayançar nadireção do tratamen to com crianças .

Fr acasso e re sTauração

Nessa linha, ch ego agora adois fragmentos clí nicos, queescolhiporqueimplicam também na ques tão daescrita , que não deixa de ter relação -co mo vere mo s - com nosso ques tionamento do semblante .

Esta jovem analisanda tinha cinco anos por ocasião do primeirofragmento que se segue à sua entrada em análise.O seg undo ocorreudois anos depois.

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28 a criança no discurso analítico

Eis o primeiro:na parede de um cas telo que acabava de desenharnuma folha depap el - um castelo do qu al deveria vir a des truição detudo aq uil o que o rodeava - ela fez uma insc riçã o que esco ndeu do olharda ana listae, enverg on hada,emb araçada,camuflou -a sob uma camadade co lorido , dize nd o: ·eu escrevi... eu tinjo que não seiesc rever, masse i. Eu tinj o .

Dou-lh es agorao se gundo fragment o: ela decidiuescrever uma ca rta .Fez um envelope com uma folh a de papel e rec obriu-o,em cima, embaixo, por fora e por dentro comuma escritaque não passavade ligaçõesde si nais, letr as, traços onde nada podia se r lido, istoé, ser co m preendi do . Essa carta, inicialmente dirigida àmãe, encontrou outr o des tinatário, a analista, e isso se m come ntário s além de um ..dou para você .

Isso difere, em primeiro lu gar, do ·deixo ele para o c ê ~que me tinhadit o a propó sito do desenho do cas telo, então considerado co mo umfracassoe deixado por es te mot i v o - inaugurando a partir daí todaum asé rie de desenhos malsuce didos. Ela instaurava, assim, um lugar dofracasso,lu gar •ta ta de lixo . mas ao me smo tempo um outr o lugar id ea lond e não haveria fracasso , no caso, pelo lado de sua mãe, já que erapara esta que reserv ava os dese nhos sem defeitos,onde reinava a boafo rm a.

O que se pass ou, pois, no nív el do enunciado do primeirofragmento,e, pr ec isamente , em relaçãocom a margemdo se melhante ao sem blantede qu e falei?

Em primeirolugar,vamos notar queo suje ito rccobri u o fracasso(ains crição na parede) para restaurar a unidadeda imagem aos olhos daanalista tomada aqu i co mo semelha nte. Se nos referirmos ao es tágio doespel ho, pode -se di ze r que ela denegou o de spedaçament o s imbóli copulsional do corpo, unificando -o pela imagem.O cas telo foi restaurado

(com .a cor ) e aquele qu e veio servir de escora para essa re stau raç ão daimage m foi o se melh ant e, o que é sup osto co mpl eto. El a pr oss eguiu -nã o é me smo? - co m es te enuncia do para explicar se u ges to : ·Euescrevi . Trata va-se de uma afirmaçãoqu e não poderia ser co ntestada,já que ca mufl ava a insc rição. Vamos salie ntar qu e ne ss a época ela nãosa bia es cr eve r, só conseg uia repr oduzir o se u nome.

Num segundo tem po, anulou es la afirmação: · u tinjo não sab ere s c r e v er ~ O que era poder de escrita foi re duzid o a uma den eg aç ão daimp otênciaque o outro poderiarecon hece r em se u ato. Este en unciad o,porLanto, introduziu a impotên cia sob o modo clássicoda denegação ;em outras palavras, o se mblante foi colocadono reg is tro da impotên cia:o s\Jjcito imaginarizo u aqui o semblantea partir da ide nt ificação co m ose melhante. Mas, como vimos , o se mblante nã o poderia se co nfund ircom a realidade que se enraizava no fantasma.Um efeito de ver dad e seproduzi u, no en tant o, pela men tira que se desvelou na denegação .

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casos 27

Sem dúvida, pode -se diz er que ele se pr oduziu co mo uma os ci laçãoent re dois disc ur sos, o do Me:slre c, o da Histé ri ca, 3 segun do quatr otempo s.

- Com o pr imeiro, -eu esc rev i vem em luga r de semb lante . É umsign if i ça nt e me stre idea l, S, - a escritaoc upandoeste lugar para .a mãe- que se in stala pcrfcilame nl e nesse lugar dese mblant e, na medtdaemque dem onstra bem a incapacidade,par a todosujc ilo, de esc rever co mou tro flm qu e não seja a superaçãoda impossibilidadede escrever arela ção sexual.

- Pass amos em seg uida, co m · eu tinjo não sa ber esc rever ., aoseg und o discurso,ou seja, a essa pos ição histérica que co nsi ste p a r~ osujeito em fingirescreve r j ~ onde o sa ber denegadoé produztdo

co mo recalq ue,IS;- É bem isso oque ob temos num terceiro disc urso, onde ela rea firma,

a parti r de uma pos ição onde o saber amerio rmentc p r o d u ~ i d oé dominado, S2: mas cu sei esc reve r ' ' , para restabe lece r aqUilo qu e. foraabaladoem se u fingirque n ão E. \t.amos, pois,de voltaa u ~ n o ~ odascurso de me s tria, ouse ja, o di scurso , dito por Laca n, da Um vers1dade .

- Enfim último temp o, ela re pet e: ·Eu finjo , mas desta vez se mdc nega ção. 'o que caiu, co m efei to, fo i o não sa ber escrever , u e ~oseu caso. Nessa oscilaçãode disc ursos, produz-se, portanto, um efettode ve rdade .

De qualque r maneira, há nos quatro tempos desse enu nciado umcv itamcnto da ca stração, evitamentoque pass a, não por umsemblante,mas por um -nngimento , um falso s e mb l a n ~e que não é a i nd ~ poderíamos db-.cr, mais que um •fa:t-er sem elhante . O que esta em jogo emwrno da ques tão do se mb lante é a castração,ou ainda, aausê ncia derelação sex ual. Aletra é qu e es tabelece a disjunçãoent re o semblan te< o gozo , ou sej a, es te último é sempre co rr elativo de um s em b l ~ nt e -cor relativo e não equi valente.Se no s remetermos aos lugares do dt sc urso, segundo os quadrípodes de Laca n, o.s lugares do se mb lante e d?gozo- o qual é fá lico, já que estamos no s dt scursos - se repartem asstm:

se mblantej p ~

Assim se subli nha, nessa di sjunç ão, que não u i ste um lugar ondeexis tiriaa relação se xualcomo go 1 o pleno e inteiro. Todavia, é isso que

nos..-;a jovem pacie nt e arranja, ou seja, a ex istência de um lugar ond e

J V < ~ mo snosreferiraosqua1rodiscursos de Lacanem - Rc ut í o p h o n í e ~ .cilicet n•2/3, e u ~I,p. 99. Co n o crvamos,para designaros lugaresdos diferentesi S < . \ J t s ~semle rque e p r o d ~ ~ : ·

a c ; ~ l l ave z, oquadripo<ln com plell). ot cscri1a seguincc: j para emctma , ilesquerda,ou J •~ lugarun g e n l < ~ ;L para em cimail direita,ou seja o lug11r do Outro; I p a ~o:m batxo~ CS tJliCrtlll. cl lugar da verdade;Cr paraClll l > : ~ i x oà dirt:ita. O lugar daproduçao.

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128 etl nç no disourso n l ítico

isso não fracassaria onde a relação sexual poderia se insc rever . De fatotocamos í no saber que d supõe ao Outro quant o à escrita - este Outroque no caso é a mãe e que pode ju lgand o o sucesso do s desenhos

recebidos manter a crença nessa existência.

obre a mutilação do semelhante

Pa ssemos agora ao segundo fragmento .Poderíamos dizer que estamos lidando com um discurso sem palavras

o qual se poderia paradoxalmente aplicar a fónnula anterior da

posição histérica com a única diferença de que ela então realmente -co m relaçã o àquilo que eu dizia no co meç o a respeito do real - fingianão sabe r escrever. Mas ela não dizia nada. Não tentava ju stifica r o queescrevia e nem tentava dá -lo a co mpreender. Ela o fazia. Assím a cartachegou ao destino e fez a analista ocupar o lugar do semblante . Aanalista não era mais ne ss e caso a semelhante esse corpo do semelhante tão freqüentemente desenhado - mulher ideal mas felizmentefalha muitas vezes rasurada mulher adorada diante da qual ela sorriacomo que se mirando mas um sem blante de corpo a se escrever comoa A carta veio rasurar a boa forma - é a famo s mutilação do semelhante- e nesse sen tido não é para se r compreendida . Ela é ruptura dosem blante que dissolve toda fonna mas também efeito da experiênciada escrita à qual o sujeito acedeu ou seja a experiência daquilo quepermanece impossível de se escrever e que destitui a partir de então oescrito como ideal I).

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111 studos

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132 a criança no discurso analilico

essas defini.,ões externas ao seu próprio campo, depois tentando darconta dela mediante suas próprias categorias.

Depois de 1969, Lacan utiliza o termo •ctebilidade,. num outro

sentido. Ele nos introduz à nossa re.lação com a d e b i l i d a ~c defin ida emtermos de relação ao saber insc rito num discurso. Antesdesse corte de1969,um ce rto número de discípulosde Lacan havia se interessado pelosujcilo débil na experiência psicanalítica.M. Mannon i esforçou-se porintrodu zir este sujeito na psk análise. Em 1964, s us t e 1~t ou a tese de queo modo do Um part icular à criança retardadaé o de fa zer apenas umcom o corpo de sua mãe, · o desejo de um confundindo-se com o doOutro ..2

A essa tese, Lacan responde em seu Seminário XI que isso que fa zUm não é o corpo, mas a bolófrase da língua.1 Ele apresenta c s s ~

consideração como o ponto de partida para umasérie clínicaque incluia psicose, fenómenos psicossom áticos e debilidade mental. Alexandr eStevcns, num trabalho de DEA. muito preciso sobre o sentido do termoholófrase, nota que,nos anos cinqüenta, Lacan utili:r a o termo numsentido próximo aodo uso lingü istico. A consideração de uma língu.ainteira em holófrase rompe com este uso. Este novo emprego, generah

zado, faz uma ünicaaparição no ensinamento de Lacan, e não volta asurgir . Acompanhand o o trabalho de Jacques-Aiain M\llcr, compreendémos o porquê. Depois do Se minári o XI o novo nome da holófrase éo Um, oS , inteiramente só. E é bem a partirdeste termo que Lacan iráabordar a debilidade depois do corte de 1969.

O Um do débil não é o do psicótico. Ele se impõe p<l r um feito doimaginário . s e o ser fa lantese demonstravotado à debilidade mental,isto é obra do imaginário. Essa noção, com efeito,só tem como saída a

referênciaao corpo. E a menor das suposições que implicano corpo éesta - o que, para o ser falante, se representa é apenas o reflexo de seuorganismo ..• Vamo s sublinhar aí a funçãoeminente da debilidade queleva o ser falante a pensar que o universo é somen te o reflexo de seucorpo, o macrocosmo reflexo de um micro. O débil se apega a isso,encarniçadamentc, mas vamos frisar com Lacan que se trata de umcorpo enquanto Um, não fundido com o da mãe, mas consigo mesmo.

2 L enftmt arr u l et sa mire Seuil Pllris,1964. p. 61.3 ú Sém inaire , LivroX I, p. 215.4 Sim ina ire RSI, IOde dezembrode 1974,in Ornic or ? n1 2,ci tado in P. Bruno.• ~ i p l o m ed ÉtudesApprofondiesM- O Dip loma de Estudos Aprofundadossancionaumtrabalho de pesquisa no Campo Freudiano. Foi criado em 1973,no DepartamentodePsicanálise de Paris Vfll , sob a responsabilidadecientíficade JacquesLacan. juntocomo Oouto :lld o de Psicanálise. (N.R.)

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estudos

Ele põe no lugar do ideal, que sustenta naestruturao despedaçamento,a verdade do Umdo corpo.

Não é porque o sujeito se coloca no lugar de uma verdadeque ele diz

a verdade. É, antes, porque ele se identificacom este lugarque ele nãoé inteligen te, que não pode suportar ler entre as tinhas a falha do outro .Saber do que se fala é saber que ludo o qU<: é ditosó r.em sentido fálicoc só tem como referência o objeto. Para ler entre as linhas, é prec isopoder suportar a suspensão da suposição do reflexo do corpo. Este é oreal impossível de suporlar para o suje ito déhil.

oi s d o dé i l

Àquele que lé nasentrel inhas, Lacan opõe aquele que flutua entre doisdisc ursos. · h amo de debilidade mental o fato de que um ser, um serfalante, não es teja solidamente instalado num discurso. É isso que dáao débil um caráter espec ial. Não há nenhuma definição que se lhe possadar , a não ser a de ser aquilo a que se chama de estar um pouco ·porfora·, isto é, ele flutua entre dois discursos . 5 Flutuar supõe ao menos

dois discursos, daí essa relação aos dois que é necessário examinar .Vamo s começar por uma indicação que Pierre Bruno dedu zia dotex to de Lacan. Os débeis - são assinalados por uma resistência,ocasionalmente genial, mantida contra tudoo que poderia contestar a veracidade do Outro do significante, para melhor se prevenir das dúvidas queos assaltam , concernentes ao Outro da Lei . 6 Parece-me que aí o Outroda Lei , o mestre, é o mestredo saber. Bruno frisa bem a impossibilidad ede isolar a relação ao saber, do lugar da verdade. Poderíamos acrescen

tar que o paradoxo do déb il é que ele se mune antec ipadamente do saber,identificando-se a um lugar no qual, entretanto,não está solidamentefixado. É isso que ·o distinguiria da debilidade neurótica.

Para precisar essa distinção, gostaria de lhes apresentar as dificuldades quanto ao saber de uma menina neurótica. Ela tinha acabado depassar por uma prova terrível: perdera sua irmã num acidente. Anteriormente, decerto , havia desejadoa perda dessa rival. Seu luto se articulavade uma maneira particular. Fazia questão de dizer que não acreditava

na morte da irmã, pois não ac reditava mais em nada . Retomava aí, porsua conta, uma declaração da mãe: •Não acredito em ma is nada , nãocreio mais em Deus... Para sustentar sua incredulidade, a menina me

5 ~ n r i r á r io ~ ... Ou p irt , aul1de t5 de marçode 1912, ínédilo. Citado n P. Bruno, P· 45.6 Art.c1t. p. 39

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cri nç no discurso n lítico

explico u que,quandoadonn ecia, voltava a falar coma innã sem saberse se tratavade um sonho ou da realidade.

Veio umasérie desessõesnas quaisnão falou mais da irmã, mas simdo fato de que sua melhor amiga men tia sempre, o que a levava averificar incess antemente,junto à mã e da amiga, o fundamento de se usdi ze res . Encorajei-a a me dar um exemplo dessesfatos, e logo de poisela meco ntouum em que se enganar a. Frise i a contradiçãoe depressachegamos a nos perguntarse ela acreditava no que dizia sua própriamãe.

Era interrogando ass im a verdade quea meninase destacava de umsabe r que a embaraçava muito, saberrefe rente à nova gravidezda mã e.Esta in sislia em informar a filha, minuciosamente, do processo desubstituição em curso. Essesaber se tornava tão invasorque a meninanão co nseg uia mais se interessar pelosaber escolar. Seriainterrogandoa ve rdade do relato da mãe junto ao pai que ela podia dar o passo quelhe permitiria voltar a se interessar pel o saber sublime. Vemos a diferençaen tre a debilidadeneu róticaque inte rrogao verdad eir o, quequerjustificá-lo,e o déb il co mo tal que seidentificacom o lugar do verdadeir o de um modo apaixonado.

Pr oponho o reco nhecimento de uma paixão no débil, a de quererreservaro verdadeiroà demonstraçãodo corp o. É isso que podeco nstituir a obscenidade particular dessesujeito,distinguindo-a da masturbaçã o psicó tica. É umaobscenidadeà qual alguns são se nsíveis: elesce dem à sedução do débilà sua maneirade aprese nt ar o Umdo gozodocorpo . É um modo muitodif erente daquele,dist ribuído, que relata aneurose.

Só há distribuição do gozo, do que testemunham o túmulo e osobjetos que cercam >S defuntos, quandohá o zero. O déb il, es te seaprese nta sem objetos,absolutamentede sprovido.É este o seuladosemteto e sem lei,co mo Agnes Varda inlitulou seu último filme.

Umaoutraco nse qüênciase impõea partirdessapaixãodo Um. É elaque faz o débil calculador, e nãomatemático. É um paradoxo que jásurpreendeu muito, desde oiso lamento da ca tegoria clínica . O mesmosujeito que tem tanta dificuldade paraentrarno discursose revelacalcular muito melhor do quepessoas ditas inteligentes. Se ca lcula tãobem é porquenão distribui o gozo. É um calculador porquenã o é umdecifrador.O deciframentoimplicana distribuição de gozo e sua passagem àcontabilidade. Aí lidamos com um modo de cálculoque ó se refereàimp oss ibilidade·da distribuição.

Pod eríamos, alémdisso, propor umaclínicado modode contagem.O su jei to obsessivoque entra numa salaco nta todosos objetos, verificando se estão em se us lugares. O sujeitohi stérico,entrandona mesma

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estudos 135

sa a: c o ç~ _por verificar que eleco nta bem aos olhos do Outro. OSuJeito pstcoltco, por e ~ e m p l oo paranóico , podese pôr a quebrartudona me sma sala acomet1dopelaangústia dianteda obscenidade dogozono O_utro A se c ~ c d i t rnuma entrevista dada por sua mãe, o lóg icoamen can? Saul n p ~ ~ quando pequeno iniciadopelopai nos parado-xos da.onJpresençad1vma,teriaperguntado aelase quandoele entravana cozm ha, Deus saía. Como se vê, é muitodiferente contar oque estáde.ntroe o que não pode,em casoalgum, ser contado a nãoser quandosa1.

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A criança no adulto

Guy Clastres

Ü tírulo dado a esta jornada de reflexão su põe um tema imen so, porque

me parece recobrir -toda a psicanálise. Evidentemente , este toda . apsicanálise é uma expressão a ser evitada, já que, se bá alguma coisaque a psicanáli se rev ela, é que não há •todo .

Este título, · A Crianç a no Adult o . é uma expressão que faz sentido,talvez até demai s, porqu e pare ce demarcar o objeto em cau sa naquil ode qu e se trata na análise de um sujeito suposto adulto. Digo sujeitosup os to adult o, e esta é uma s upos ição inteirament e gratuita ., porque sóse liga a c oord enadas imaginárias. Pois o fat o de que um hom em ou umamulher se apre sente demandando uma análi se não é devido a que ele ouela seja uma p ess oa grande - como dizem , precisamente, as crianças -mas ju stamente porque não consegue atingir este ideal é que vemdirig ir -se a uma pessoa sob re a qual supõe, bem erradamente, teratingido este famoso ideal. O pr oblema já é dístorcido de saída, porqueexistem pouca s chance s de que el e, ou ela , venha algum dia a encon trares te idea l diante do qual sofre, por um lado porque um ideaJ é coloca dopara jamais ser alcançado, e, por outro lado, porque o que a psicaná lisepode concluir de sua prática é que não bá pessoas grandes.

Não é hem uma grande novidade o que anunci o, nenhum furo dereport age m, já que todo s os que aqui estão leram omentári o sob re orelatório de Daniel Lagache'', onde Lacan se dedica a demon strar que apes soa, grande ou pequena, não passa de uma máscara . e que não é pelavia do p e rsonali smo que a psi canáli se deve guiar sua pesqui sa. Não hápessoa grande, como não há pul são genital acabada , nem há relaçãosexual. A psicanálise não se interessa pelo adulto biológico, ainda quelutand o com a dificuldade de sua maturidade sexual. Ela se interessa

pe la demanda e pelo que a s ustenta, e é ai que se encontra, infalivelmente, a criança.

O eve o ~ c r i an ç ·

Entã o, es ta criança suposta estar no adulto, aquele que fala, sempreestev e a li? Have rá um a c riança imutável na hi s tória ' Evocar a história,

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estu os 137

o tempo passado, como se diz, não é forçosamente me distanciar o

tema, porque essa expressão, •a criança no adulto . , em sua dimensão~ i g n i f i c a n t ejoga com a sincronia e a diacronia, e evoca portanto,

Igualmente , um lugar e um momento, ou seja, aquilo que temos o hábitode matemizar como A e S (A) no gráfico. Mas se essa criança é um servivo, biologicamente situável, ela é sobretudo um s ignificante, elemesmo ligado ao que se aloja no Outro: a criança freudiana nem semp reesteve Já , pois que, justamente, ela estJí ligada ao surgimento de Freud.Pode-se colocar a questão do que era feito da criança antes de Freud.Vou me abster de responder à questão que acabo de levantar, mas dareiassim mesmo elementos de .respo s ta, que tirei de um livro conhecido

por tod os: L Enfant et l vief milia.le sous l A

ncien Régime (A Criançae a Vid a Familiar so b o Antigo R egi me), de Philippe A.ríes.O que es te livrinho nos ensina é que a crian9a, tal c omo acreditamos

conhecê -la, tal co mo p olariza hoj e todas as atenções d os e du cadores ,dos psic ó logos, dos médicos , dos analistas, esta crian ça nem sempree ~ t e v enesse lugar . Digam os, para r epelir Arie s, que houve um tempo,slluado por ele na Idade M édia, no qual não se tinha pr evisto um lugarparti cular para a criança qu e, uma vez desm amad a, tornav a-se s impl esmente uma espécie de companhia natural d o adul to.

Foi n ecessári o que se operasse, na idade clássica, entre os SéculosXVI e XVII, o su rgiment o de uma nova pre ocupação, ligada pr ovavelmente à emergência de uma nova cla sse social, preocupação nova queera a educativa. Ess a preocupação educa tiva se propõ e como objetivo aprodução de adultos conv enientes, i sto é, c onveniente s para os ideaisda socied ade que cons tituem, e para fazer um adu lto adequado, aque lesque se encarregaram desta tarefa - os morali stas, os educadore s todosre ligio sos e jesuítas - pen sam que é necessário educar a r i n ~a instruí-la, c riá-la. O projeto é claro: tr;.ta -se de harmonizar a criança parapr epar ar o adu lto a fim de moldá-l o aos ideai s da burguesia em a sce nsão.E é surpreendent e que a clivagem de classe vai reper cutir no estabe lecimento dess a edu ca ção, já que se deixará às clas ses populares o que secham a de uma ed ucação prática (ainda chamada , em nossos dia s, deaprendizagem), e aplicar às crianças da cla sse burgu esa uma edu caçãono va, implicand o e m vigilância, di sci plina e segregação, is to é, a realização de ins tituiç ões, os co légios, para aplicar essa disc iplina.

O qu e Arie s demonstra é que es te novo lug ar devolvido à criança temcomo efeito cri stali zar o conjunto familiar, r ece ntrá·l o em to rno dessanova criança em s urgimento : a criança esco lar.., . se des locam ento emnome do ideal do -adulto aprimorado . vai dizer respeit o ã sociedade emsu a totali dade.

Não me parec e excessivo, aqui, utilizar o s te rmos que Lacan f orjou,o -discu rso do me stre e o -discurso da unive rs idade , para co locar que

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138 cri nç no d iscurs o n l ítioo

a promoção d o s igniti c ante ·educa ão fa7 aparecer o da criança q u~ ,

duran te todo um p e ríodo hav ia desaparecido de ce na, e qu e es te s urgiment o no vo ope ra um de ~ l o c a m e n o no qual se fun da a ordem fa mili armo d erna, qu e va i modificar a soci ab ilidad e a n l e r i o ~a q u i < ~a. u ~

chamamo s elo soc ia l). A ope raç ão dos morali s tas da tdadc class1ca euma o peração nonnativa, vi sando aperfeiçoar o p ~ ó p r i of l m c i o ~ a mc n to

do discurso do me stre ; es ta nonna tem po r coro láno a segrcg a çao, achoque não preci so insi s tir nisso.

uo evento Fr e

Vam os frisar, aqui, que o que La can chama de - even to Freud" éimpensável antes da reali zaç ão deste novo elo s o c ~ a lem tomo dacriança educada, evento que, em nome de um q u e ~ t to n a mc ~ to dcs_tanorma imposta , anun c ia a v erdad e que se impõe no smtoma e tss o, naoem nome de uma n ov a moral, mas de uma colocação em cau sa de stamoral, pela inversão da é tica implic ada no pa sso freudiano, que ~ p e ~ a

no sentido oposto ao dos ideais. Sua redução se r ~ d u zno ~ t o r : n o~ cnança, mas não à criança poli c iada , educada, dt sc ipltnada, e s1m a cnan ça

visada pel o gozo, g ozo qu e deixa seus tcaços nod ~ l t o ,

:m seuss ~ c e s-

sos e se us fracassos, suas perve rsões ou sua s s ubhmaço es. A cnan çaque Freud põe em cena, se ass inaJa o fracasso dos educadores, e ~ 1porisso é uma criança livre, d es ejo se lvag e m entravado pel a repr essao doadulto como ac reditam alguns anali stas. Ela é o significante do re tom odo ec~ l c a do d ~um saber in sa bido , ao qual está ligada toda a si ntomatolog ia d o adulto.

Esta nova criança devida a Freud, vamos dizê-lo, é a.nte s de rud o ~

co rpo , ma s um co rpo que nã o conse gu e fazer a a p r e n ~ t z a g e m. da satt sfaç,1o, que n ão consegue regrar seu praz c:r e g u n ~ o~ svt:-s prevt s tas e l ~

Outro (sempre é muit o pou co, ou demats, ou n a ~e . ~ s s t m ) ,e?t s uma, eum corpo ineducável que faz fra cassar todas as 1detas re ceb tdas ~ b r e

uma progr essão harm onio sa. Fr eud anuncia tranqüilamente qu e a ~ t a n-

ça goza, e.de maneira perversam ente polimorfa: não agrada ao s p ~ ts defamília. E, ju s tamente, o que Freud f a:r subir à cena com essa c r t ~ n ç a

suja é o pai, ma s C pai enquanto inconscie?te- , isto é, a ~ r ~ o n s t r m do .

Enrio será esta hiância do lado do pa1 que leva penodtc ame nte op e n s a m e ~ t odos analistas a situar, ao lado da c r i n ~.freudiana • a mãe,a dar con sistência ao par mãe-criança? Será o fascmto p ~ l aongem oua nostalgia da substància7 O fato é que este esquecimento t ~ v~ comoefeito a promoçã o do co nceito de frustração que tinha por obJettvo noimaginário do s analistas que se tornaram seus p r o m o t o r ~s r e d u ~ uodesejo à nece ss idad e e suste ntar a hipótese dita da rclaçao de objeto.

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140 a aiança no discurso analítico

simples de compreender, pois sua produção, afinal, está ligada a doisparâmetros: o lugar e o tempo. Foi necessário a Lacan desarticularpreviamente o eixo imaginário do lugar do Outro para fazê-lo emergir,

o Outro, e num outro tempo demarcar por seu discurso o lugar de a oqual repito, é um lugar sem nome . A criança, se não nomeia o Outro,encontra ocasionalmente sua estranheza, para além das suas figurasparentais, pois estas não contêm o Outro. Inclusive, é essa a censuraessencial que o analisando, no só-depois, consegue formular a seurespeito .

Daquele que é suposto guiar a criança na sua relação ao Outro, seupai uma análise poderá permitir-lhe medir os limites. Lembrarei aquique numa lição do Seminário consagrado à ética, Lacan situava omomento do final de um tratamento quando o sujeito conseguira situarseu pai pelo que este realmente era : um pobre sujeito, um imbecil, atémesmo um ladrão. Com efeito, ao pai pode-se dar atributos cômicos outrágicos, mas ele é enfim, qualificávet. Não o Nome -do -Pai . O Nomedo-Pai é aquilo que regula a relação entre o sujeito e a estrutura, poisnão se pode dizer dele que seja um canalha, por exemplo. Pode-sededuzir que ele funcionou ou não.

O que me faz voltar, para concluir , à clínica e ao título . ·A Criançano Adulto . é essencialmente a criança da neurose. Entre a criança quefoi e o adulto neurótico, há um nó, um nó que faz a histeria e seuhi s tórico, a obsessão e seus anai s. Não existe ruptura no real queconstitua obstáculo à concatenação significante onde o sujeito vai tentarse constituir na sua fala. Quanto a isso, o adulto neurótico não parecelivre, está aco rrentado. No fund o , o único .realmente livre é o psi có ti co :est á, de alguma fonna , liberto da criança que foi. E. ;sa liberdade dolouco é o que Lacan já sustentava contra Henry Ey em seus · ro possu r

la causalité psyc hique . à pág. f76 dos Écrits:~ o n g e

de s er um insultoà liberdade, (a loucura) é sua mai s fiel companh eira , segue seu mov imento como uma sombra .. A psicose , no fundo , é a impossibilidadepara um vivente falante demarcar pela fala a met onímia de seu desejono s· intervalo s significantes do discurso que constrói. Impo ssi bilidadepara ele d e se manter finnemente ligado ao sintoma, na via do adultoque acredita ser, à criança que foi , impossibilidade de ali construir ahistória fracassada das duas gerações que o condu zi ram até ali : a via doretorno lhe está para sempre fechaJ <, como indica o tenno -roraclu são . .A questão do estatuto da pulsão como tal não se coloca mais, a partirdaí : da pulsão como montagem traçando o circuito onde se veicula od ese jo a partir do corpo. Pois é a partir do corpo que o sintoma seconstitui, c o inc onsciente também , como a histeria demonstrou e deu aentender a Freud. Mas é verdade que o histérico não é justamente umsujeito muito facilmente educável, e é realmente resistente ao objetivonormativo do saber .

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O que é uma criança?

Patrick Valas

tal pergunta, ouve-se freqüent emente responder : É um sujeitointegral . mas se rá que isto e s tá ce rt o?

Do termo - su jei to , ne m sempre fa ze mo s um uso pertinente, comose pode compreender quando sai da caneta do analista , a propósito deum tratamento de criança, o termo ~ j o v msujei to.,. Nessa ocasiã o,confunde-se o s ujeito, a pe sso a e o indívídu o que se trataria, ao contrário, d e di st inguir, para co nsegu ir dar uma definição sa tis fatc>rí a dacriança a partir de coordenadas e struturais.

Nosoutr os discursos

No decorrer da história, a definição da crianç a foi modificada em funçãode id eo log ia s, so br e as quais se dev e lemb rar q ue quaisqu e r que tenhamsido as variações , têm um ponlo em comum que é menos o da idade queo da refer éncia ao trabalho.

Este é um fato d e estrulura, na med ida em que o trabalho socialmentereconhecido na tro ca é a colocação em jogo de um sa ber como meio degozo. Nesse sentido, o trabalho é estruturado so bre a exploração dohomem pelo homem.

A criança se ria aquela que nã o trabalha, qu e nã o pod e me smo nãodeve trabalhar . Pod e-se , d ecerto, pó -la num ofício, ma s como se considera que seu saber não vale nada , chama -se a isso de aprendizagem. Adita criança não poder ia fazer um contrato social válido, porque não éco nsid e rada um se r comprometido com s ua p a la vra, me smo qu e ocasionalmente consi ga atuar. E sta noção da palavra infantil, como testemunha da recusa de engajar-se no mundo do trahalbo para um adulto, éuma referência de Lacan.

S eg undo o Código Napoleônico de qu e somos herd e ir os , define -secomo criança ou em estad o infantil aquele que não trabalha. As mulheres entendem disso, e não foi por acaso que, para sair das reservas emque es la vam confi nadas (p ode- se evocar aqui at é mes m o o muito tedio -

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142 a criança o discurso analítico

so Jardim de Luxemburgo) sua primeira reiv indicação tenha sido ado direito ao trabalho. O direito ao gozo é outra coisa, sempre reclamad o justamente por aque les que não têm vontade de trabalhar . É

um erro, já que o trabalho e o gozo se conj ugam, a começar pelo níveldo inconscien te.No Direito, que sempre tem uma relação, ainda que no llorir.on tc,

com a Lei, ou seja, com o discurso do Mes tre, cada um é definid o porseu ser socia l como cidadã o, indivíduo.

O sujeito integralé o indivíduo no nível do qua l é feitauma coa li71ioentre o enunciado e a enunciação, eis o que exprime o -Ninguém podealegar desconhecer a lei . Sabe -se bem que, em caso de delito, àscircunstân cias atenuantes só podem se r levadasem conta sob certascondições precisas e, principalmenr.e, se em primeirolugar houve um aadmi ssão de cu lpa.

Existe uma jurisdição especial,com suas lacunas,que se aplica àcriança, pelaqual ela não é considerada para efeitos civis e penais comoresponsável por seus atos, salvo exceções . Mas sobretudo - e é isso oimportante - o Direito não lhe dá os meios de dispor de seus atos, suaassinatura não vale nada. Não ex istem escrituras ou matrimõnio paraela. Na realidade , é mais uma prevenção, até mesmo uma interdição deato para ela do que uma verdadeiraabsolvição de suas conseqüências.

Neste registro, a distinção entreo adulto e acriançaé precisa, e temosque levar em conta esses dados, na medida em que o discurso analíticonão inva lida os outros discursos, mc.smo que não estejamos no mesmoterreno . Assim, quando Lacan profere -oanalítico tem primazia sobreo jurídico , também não é um encorajamento à de linqüê ncia genc::ralizada para os psicanalistas.

Chegamos agora à pessoa, cuja etimologia remonta à pers01w máscara . A máscara de que se reveste o ator na Antiguidade lhe permiterepresentar um personagem tipificado . O trágico, o cômico. É umapersonagem , a pessoa cuja conduta é codificada, fixada, sempre amesma, qua lquer que seja o contexto - o que lhe dáuma presença , umaconsistcncia es táve l, seu desejo e ·seu gozo estão em jogo.

Quanto a isso, se o eu é o duplo imaginário do sujeito, apessoa vaimais além e Lacan não retiroueste termo de seu ensinamento. A pessoaé o sujei to correlato ao seu gozo; elaé, pois, referidaao fantasma . Apessoa é, como o indivíduo, um falso -ser, mas inversamente sua definição leva em conta, ao mesmo tempo em que a mascara, a divisão dosujeito entre o significante e o real do gozo. Sua confusão é mantidapelo nome próprio, cuja função é a de suturar a hiânciado ser do sujeito .

u a n ~ oLacan definiu, ao lado do cómico,do trágico ou do héroi,outros tlpos humanos, parece -me que foi sempre uma referência àpessoa, tal como acabamos de abordar sua definição.Assim,

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e s t u o ~ 143

O débil é aquele que, por não estar so lidamente instalado numdiscurso, não é correlativo de um goz.oespecífico.

O id iot um pouco diferente, é aquele cujo gow é propriamentemas turba tó rio.

O r ico é aquele que não pode gozar.O cw wllw é o que quer roubar o gozo sem jogar o jogo do discurso

que o ordena . .O buhaca é aquele ass im des ignado por go:tarsempre da mesma

mam:ira, invariavelmente . Quanto a isso, é sem d vida por causa dasmoda lidades de se u gozo não fixado,devido à sua disposição pc rvcrsopolimorf:l, que n t r a m e n l ~ se diz de uma criança que ela é habaca .

Definitivamente , é a partir das coordenadas estruturais da pessoa, enão apenas do s ign ificante, que se deveria tentar dis tinguir a criança doadulto , o que não quer dizer que isso seja simp les, nem sempre muitosat isfat6rio.

Co m Fr eud

A distinção é precisa em Frcud, c se ele acentua aconstituição 'doa p a ~ c l h op s í ~ u i co mais do que o desenvolv imento de um ser que serealiza, scgumdo a ordem da maturação do corpo - o rochedo dohiol<ígicosendo, para Frcud , sua maneira de tomar a r c f e ~ : ê n c i aao realco_mo aquilo contra o qual vamos nos chocar - , não distingue apenas acnança do adulto em torno da puberdade biológic a realizada , masr ~ l t v a ~ c ~ t ea ela, as definições que dá dos estados do sujeito (infânCia, latencta, puberdade, adolescência, maturidade ) são ainda assimreferida s a momentos cruciais do movimento da estrutura que se incor

pora seg undo a diacronia do desfile edipiano.É na assu nção do complexo de cast ração no menino e do P e11is-Neidna men ina, através do Édipo, que se traça paraFrcud a linha div isóriamai s certa entre acriança eo adulto , via remanejamento s estru turais doperíodo de latência e da puberdade.

Para Freud, antes do Édipo não haveria recalque. A disposiçãoperverso -polimorfa da sexualidade infantilconstituiuma pré-história,que só va1,no entanto, se historiciza r, isto é, estruturar -se aspirada pelo

primado do falo, a partir do Édipo.Pode -se, ainda assim, co loca r que em seu texto .sobrea De 1tegaç ão1925) Freud, situando a Bej luw g primordialnum momento mítico,

vem ao contrário afirmar que a estrutura é incorporada muito maisprecocemente, cons tituindo o recalquesecundário, propriamente freudiano, analisável, enquanto o reca lque originário é inacessível. Vamo sobservar que se Frcud considera o pequeno Hans como uma criança,

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144 a criança no discurso analilico

traia-ocomo um analisandotolalmentesensívelà sutilezas dos efeiLosde fala, de forma quese ele recomenda acompanhar os tratamentos decrianças por medidas educativas,nem por issoparticularizauma ~ p s i -

canálise de criança.. para fazerdela umapsicanáliseinfantil, isto é,débil. Esta maneira de procederleva em contao lugar da criança naestruturafamiliar, bem como outros discursos que não lhe dãoos meiospara dispor deseusatos.

Com Lacan

Se Lacan fala debomgrado sobre acriança,raramente fazusodo tenno

adulto. e quandoo fazé na maioria das vezescom umacerta ironia.No começo deseu ensinamento,ele não descartaos termos d e s m a ~

me , -pub erdade , -maturidade , -clímaxinvolutivo, mas vaise esforçar principalmente para acentuaras relaçõesdo desenvolvimentocom a estrutura. Frcud fonnulou sua diacroniano Édipo,Lacanarticulasua sincroniana metáforapaterna,o que o leva a afastartoda noçãodepsicogênesc.

Nele, ain corporação da estruturaé muito mais precoce, o Outro·dalinguagem pré-existindoao sujeito, apalavradeterminando desde antesde seu nascimento,não apenas seuestatuto mastambém avinda aomundode seu s r biológico.

Ele vai situarem dois momentos genéticosde importância desiguala incorporação da estrutura, o estágio do espelho e ojogo do ort -dadeslocadocom relação ao anterior eque testemunhariaum ponto deinseminação de ordemsimbólica.

Evidentemente, a ênfase será dada cadavez mais à sincronia,sem

que seja descartadaa diacronia,a historinha própria decadaum, o realdo tempo. Lacan vai repassar o Édipo apartirda sucessãodo s conceitosde castração,frustração,privação, ordenando-o em tomo desses temas.Em grandem e d i d a ~leva tambémem conlaa ordemde maturação doco rpo.

Ele fala da prematuração noestágiodo espelho, antesde relacionara noção de corpodespedaçadocom oefeitode corteda estrutura.

Em 1957, aborda, com opequeno Hans, o problemadüícil e nãoresolvido dosurgimentodo orgasmo com seus efeitos de abalo nacriança.

Em I966, indica que acriançanão dispõe do atosexual,a ser tomadoaquino sentidode relaçãosexual,não tendo Lacan ainda enunciado que~ n ã ohá relaçãosexual , ou nãohá ato e J ~ u a l.. enunciados que virãomais tarde.

Estas sãoapenas brevesrecordações.

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estt dos 145

O est ágiodo espelho permanece uma referênciacentralna qualseencontramos argumentos desse debate.Do estágiodo espelhoresu ltaque:

- d o ponto de vistado adulto, a criança éum fanlasma,o de umserqueé amado, ou que deveriat ê ~ l osido,desejado ou não. Mas é tambémum ser que podeser dominado, presa ideal para todas astentativasdedomesticação de seugozo.

- do ponto de vista dacriança,o adulto representa umideal demestria.

É bem nesse estágio,a partir da estruturajá incorporada, que secristalizamas identificações egóicas dosujeito,constituintesdos ideais

da pessoacuja posição sexuada vaise regular no desfileedipianoLacanvai dar sua sincronia pela montagem do gráfico do desejo.Em seu ensinamento, ofantasmavaimudar deestatuto.De seu valor

imaginárioinicial,ele passaao valor simbólico,para tomar-se.fixion deum real próprio ao sujeito emsuadefinição de axioma. Estamos apenasindicando,aí, as diferenteselaboraçõesde Lacan articulando as relaçõesdo sujeito como Outro,encontrando,atravésdas operaçõesde alienação -separação,sua realização conceitualmais asseguradano desenvol

vimento da lógicado fantasma, oobjetoa sendoelaborado para permitiro reordenamentoda economia dos gozos.Voltamos a encontrar aqui asó lidaobservaçãodos fundamentosda

pessoa, referindo-aao fantasma.A criançaou o adulto são tiposde pessoa,logo, é evidente,~ f a l t ao

tempo . para passar de umao outro,e ~ é por isso que é necessárioformular aqui uma definição, sem dúvida bem enganosa, mas difícildese expor de outra maneira: A criança nãoé uma pessoa grande ...Resta, para sermos mais precisos, distinguir acriançado adulto emtomo de quatropontos.

m torn o de quatro pontos

No nível do significante

Acriançaé umser falante, dividido pelo significante. Pode-se,portanto,adotar aqui umaescala diferencialde tipos decriançasna sucessãotemporalque vai da criança que fala,passando pelo momento deestrutura que constitui paraelaa descoberlada castração materna, paraatingir oponto de aprendizado da escrita (deve-se estaobservaçãoaColette Soler). Issoé da experiênciacotidiana,ao nível fenomenológico, pelo menos; seriapreciso dar-lhe umaabordagem estrutural.

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146 a i nç no discurso analítioo

No nível do gozo

A criança não dispõe do ato sexual, não tendo a cesso ao gozo sexualque pas sa pela atuação do desej o do Outro, e deve se contentar com umgozo puramente masturba tório . Aqui se encontra a incidência da cas tração como limite entre a criança e o adulto.

No nível da história

A matur ação biológica do corpo é um traço distintivo difícil de contornar, ma s o que objetivamos aqui é antes em referência ao que se

chamaria , esquematicamente, a experiência de vida .. A noção deaprendizado vem em primeiro plano. A criança pode aprender a saber,mesmo que esta aquisição de um sabe r suplementar não seja homogêneaao saber inconsciente. Neste sentido, não se pode dispensar o disc ursouniversitário na formação do sujeito. Nesse encaminhamento, o adultose caracterizaria por um assim está bem , ao passo que para a criança,isso nunca é o bastante.

No nível do ato

O fato de que no discurso do M es tre a criança se defrna por não poderdispor dos meios de sustentar seu ato não quer dizer, no entanto, queela não possa colocá-lo. A questão é saber se o ato analítico é possívelcom a criança. A resposta é sim, uma criança pode entrar no atoanalítico, condicionada pe la colocação do sujeito suposto saber. É a

saída do ato que permanece problemática para ela . De que fins deanálise se pode falar, com a criança? Este é um problema crucial paraa psicanálise. Tratar -se -ia de um fim suspenso na realização do ato, nosó-depois da puberdade, ou ao contrário, poderia haver ali cons truçãodo fanta sm a fundamental e travessia deste, num passe que comporta adestituição subjetiv a? Estes são os dois pólo s extremos da questão, nãovamos discuti-los por ho je. Eu havia apresentado um tratamento comuma criança cujo final teria sido a segunda alternativa . Um simples

adendo, felizmente sem importância, cuja elaboração teórica só veiomuit os anos depois do fim desse tratamento e, portanto, não teveincidência direta sobre ele. O erro foi às minhas custas.

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A criança e o adulto reencontrados,ou O bom encontro com o objeto

· segundo Winnicott

Paulo Fernando de Queiroz Siqueira

A mãe é certíss ima lembrava Freud no Romance Familiar d o Neurótico.Ma s se rá ela segura1 Poderá ela assegurar sua presença sem falta nosencontros entre as demanda s e as necessidades da criança? Em outraspalavras, será que o Outro pode não apenas não se enganar mas não serenganador no jogo de passa-anel em que ele está capturado com osujeito? O Outro sob medida, capaz de estar ali, no bom momento, nobom lugar, não será este o que é suposto por Winnicott em sua maneirade conceber os primeiros enconlros do sujeito com o objeto real?

O verdadeiro se f e o falso

Eis como Winnicott concebe esses encontros: -sob o ângulo da criançae do seio da mãe .. a criança tem pul sões instintuai s e idéias predatórias.A mãe tem um seio e o poder de produzir leite, e a idéia de que gostariade ser atacada por um bebê faminto. Esses dois fenômenos só vêm em

relação um com o outro no mom ento em que a mãe e a criança têm umavivência comum .

-o processo, para mim , diz ainda Winnicott , -é como se duas retasviessem de direçõe s opostas e fossem suscet ívei s de se aproximar; se sere cobrirem, há um moment o de ilu são - uma parcela de vivido que acriança pode tomar, seja como s ua alucinação, seja como uma coisapertencente a uma realidade exterior .. •

Tal encontro é segundo ele, fundamental para o devi r da criança. Eleconstitui a sede para esse significante mestre do pensamento winnicottiano, que é o verdadeiro -self: ·um dos pontos essenciais d minhateoria - diz Winnicott- ~ é que o verdadeiro-sei fsó pode se tomar uma

I ~ Winnicou. é veloppemenl a ~ t i fprimaire- ( 1945), in Dt Ú pidintrit: tp s y c i Y J n ~ J y ~p 42 , Payot. 1971.

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148 a cnançano dis urso analítico

realidade vivase a mãe conseguir,de forma repetida,ir ao encontrodoge sto espontâneo eda alucinaçãosensorialdo bebê- .1

Este Outro sob medidase distingue, evidentemente,da boamãe e da

má, segundo Melanie Klein. Winnicott toma muitocuidado emdistingui-los,situandoo Outro materno numa função dejusto meio, nomeadaadequadamentegood enough mother, mãe suficientementeboa. Asmães para Winnicottnão são nada más.Se nãosão sob medida,se a mãefalta ao encontro com a alucinação do bebê, poi ;; bem, é que ela énot -good-enough Não é boa o bastante Umamãe que nã o é boa obastanteacabapor induzir, mediantese dução, umasubmissãoda criança à demanda materna. A conseqüência paraacriançaéque elanãopode

manifestarseu verdadeiroself, oúnico real,diz Winnicott. Para proteger seu verdadeiroself, a criançafaz,então, sua entradano semb lante,á se uma aparênci& de realidade,co nstitui parasi um falso self,cuja

função édi ss imularo verdadeiro-,diz W nnicolt.Esta divisão do self em verdadeiroe falso, operada a partir do

encontro com o Outro matemo, p:·deria ser consideradacomo umequivalente dadivisão do sujeito se gundo a operaçãode alienaçãode sc rita por Lacan. Entretanto,em nenhum momento oOutro primordial de Winnicott étomado comolugar do significante,e, em consequência, nãohá ali qualquer lugar paraa investidurada mãe co moagentedo simbólico. Ora, a co nst ituição da mãe simbólicacomo agenteda frustração é necessária para oadventodo par de significantesS1 -S2 , cujo efeito é a constituição dosujeito dividido.

De fato, essadivisãodo se f winnicottianodeve ser antes aproximadada operaçãode clivagem do eu se gundo Freud,cujo resultado t ase paraçãoentreo eu e o eu ideal.

Longe de ser identificávelao sujeito, o self, tal comoWinnicoudefiniu emsua função,tanto nasua teoria quanto nasua prática, devese r situadona dimensão imagináriado sujeito. Além disso, as definiçõesdadas por ele não são todas homogêneas. De acordocom as indicaçõesque transmitiu asua tradutorafrancesa,Jeannine Kalmanovitch, podemo s situar ose l f, segundo Winnicott, no pontodo esquemaótico queLa can designa comoi a que,justamente,preenche a função deeu -idealdo sujeito.3

Eis comoWinnicottde f meo se lf numa carta asua tradutorafrancesa:~ se lf encontra-selocalizadono corpo,por sua natureza; todavia,sobcertas circunstâncias, dissocia·se deste,e vice-versa. Oself reconhece

Z Idem. ·La distorsÍQfl du moi emtermes de vrai et faux-selr,•Bullezin de /'Associationpsychanalytiquede France",1969.3 J. U can, Re marque sur Ie rappo n de Daniel Lagacbe , Ecrir.s p. 677 . Seuil, 1966.

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estudos 149

essencialmente suaexistêncianos olhose expressãodo rostoda mãe,bemcomono espelhoque vem representar orostomatemo ._

Toma-se então necessáriosaber por que Winoicott defme,não sem

ambigüidade,as funções imaginária e realdo objeto na ausênciadequalquer marcação simbólica.É que ele se refereà criançacommaiorfreqüência na idade da lactação, no período em queela aindanão fazuso da palavra. É sua adesãoao preconceito fenomenológicode umperíodo soi-disant pré-verbaldo infans que impede Winnicottde admitir que o sujeito já está instaladoem seu habitat da linguagem antesmesmo que saiba articulá-lo em sua fala_

Pode -se , pois. dizer que por falt.a de reconhecerexplicit.amenteo

campoda

linguagem e olugar devolvidoao Outrodo simbólico,Winnicou só pode desconhecer a diaféticado desejo na quales,tão capturadas a criançae sua mie em sua relaçãocom o objeto da necessidade.Ele o diz, aliás, semrodeios: ·parece -me queo empregoda palavra'n ecessidade·, em lugarda palavra·desejo·, é muito importante para oestabelecimentoda minha teoria",e acrescenta:·responde -se ou não auma necessidade, o efeito nãoé o mesmoque o da satisfaçãoou dafrustraçãoda pulsãodo id ..3 É assimque Winnicott estabelece mais oumenos bem a diferençaentrea privação e afrustração,sem levar emcon ta a distância queexiste en tre a demanda e o apaziguamentodanecessidade,onde o desejoe a castraçãose encontramcorrelacionados.

No fundo, Winnicottpar ece esquecer de um dadoessencialda teoriafreudianado desejo.Recordemos queFreud fazcoincidir a emergênciado desejo com oinvestimentodo traço mnésico deixado pd a sat isfaçãoda nece ss idade. Esta articulaçãone cessária do de sejo coma insc riçãodo si gnificante retiradodo Outrorealque obtém asatisfação da neces-

.sidade, eis o que introduzas distinçõesentreo objetoda necessidade eo do desejo,mas igualmentecom o objeto da pulsão. Resulta daí,comonota Lacan, -que nenhumobjetode nenhuma necessidadesa tisfaz apulsão".6 É justamente porque nenhumobjetode nenhumanece ss idadesatis faza exigência pulsio nal quesedestacaum vazio, um furoocupadooc asionalmentepor um objeto emtomo do qual gira apulsão pararealizar seu caminho devolta emdireção asua fonte corporal.Esteobjeto colocadono lugardo objeto perdido é oobjeto causa do desejo.7

4 A.Clander e J. Kalmanovitch,le s Paroc/Qxes de Witmi co /1 Payot, 1984.5 D.W. Whmkoll, La préocupatiQflmatemellep r i m a i r e~ (1956)in lH lo pidítmie à lo

psychcmcl.vse. op . cit.6 J. L..acan ·Desmontagem da pulsão•,cap.XIIIdo Siminair e XI, Seuil,1973. Em línguaport\Jguesa, O Semituír io. Livro I 1 JorgeZahar,4• ed • 1990.7 Idem, cap.XVlll do SemiNirioXI, ·R espostaa umaquestãode M. Safouan·. op. cit.,p.no.

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estudos 151

e a criança forade todo circuito pulsional.É que essa operação deajustamento dependede uma espécie de es tado de graça em que seencontraria a mãe no s primeirosmom entos da vida do bebê, o queWinnicott chama de preocupaçãomaternaprimária da màenonnalmente dedic ada. Esses fenômenosse passampara a criançanum momento·anterior . cito Winnicott, '"à instalaçãodos esquemasinstintuais-, emOUtraS palavras, mmomentOante-puls iona J. II

Log o, se ria num segu ndo tempo, depois de instauradoeste campo deilu são, que a mãe não so mente pode masdeve , segundo Winnicott, semo stra r falível, faltarao encontroentre a criançae o objeto.Nessabrecha deixada pelas falhasda mãe se produz a desilusãoe, no mesmolugar,se instaura o campode ondeemerge o OT . Mas da mesma forma

que o campo de ilusão é definido forada pulsão,o campo dito transicional que dele derivaé defmido fora do conflito.Winnjcott define ocampo transicionalcomo ' uma áreaneutrade experiênciaque não se rácontestada ..12

Podemos dizer que, definido nessestennos, o campo transicionaldeWinnicott toma -seo lugar de um acordotácitoentre osujeito e o Outro,a fim de evitar que a questão seja levantada. Winnicou o diz, nossegu intes tennos: ·Pode -se dizer apropósitodo OT que existeali um

acordo entre nós e o bebê,pelo qual jamais colocaremos aquestão:•Esta coisa, você a concebeuou ela lhe foi apresentadade fora ?,. Oimportante é que nenhuma tomadade decisãose ja esperadanesseponto.

própria questão não deve ser formulada... O que equivalea d i z ~ remnosso sentido, que o OT é aquiloque tem por funçãoobturar a questão.Mas a questão,sabemos por Lacan, nãose refereao estatutosubjetivoou objetivo do objeto, como diz Winnícott.A questão fundamental, arazão dos porquês repetidosda criança,é o ch vuoi? O que quer?,colocado pelo sujeito ao Outro para situar nele sua falta, a do faloimaginário.

Além disso, Winnicott reconheceque é por sua atividade pulsionatque a criança produz uma faltano Outro matemo. É quandoele fala deum tipo especial de angústia despertadana criançaquandoo objeto deamor se tornaobjeto da experiênciapulsionalda criança:' Sequisermos- diz Winnicott- podemosnos servir de palavras para descreveraquiloque as crianças sentem e dizem: existe alium furo,onde haviaanterior

mente um corpo completocheio de riquezas..~

Maneira imagináriade

11 O. W. Winnicott,· priocupationmatemelleprimaire·.in De la pidúurie ti lo psycM-nalyM op. c:it.12 Jdern, •Objetstransiti01111els et phm omenesuansitionnels·. in Jeu et Reoliri op. cit.13 Ibidem. La position~ v cS.ns le développementaft'ectif nonnal , in De ltJ

pidiarrie d la psy chonalyse op . c L

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152 a criança no discurso analitico

Winnicott de dar conta da correlação entre a atividade pulsionaldacriançae o furodo Outro constitufdopelo tesouro dossignificantes.

Esta confusão de registro em Winnicottnão é estranhaao fatode que,

por falta de levar em conta o significante, elenão podeconceber ainscriçãodo Outro no simbólico. Correlativamente, não lhe é possíveldistinguirsem ambigüidades ocampo do gozo e odo desejo.No entanto,ele não está longede compreendera necessidadede uma tal bipartição.Vê-se isso no momento emque Winnicott procura definir oestatutoparticular do OT; quandoele procura distinguirsua função daquela dosoutros objetosr e c e n s ~ a d o saté entãono campo analítico. Ele começa,no subtítuloque dáà primeiraversãode seu artigosobre os objetostransicionais,por definir oOT como:firsr not-me possession primeirapossessão não-eu. Acrescenlaa isso duas notas de pé de página. Aprimeira para explicitar o que querdizer a primeira possessão não-cu,nu seja: -a primeira coisa possuída propriamente e que o indivíduodistingue desi mesmo .. Nasegundanota, Winnicottsublinhaque ..otermo empregado aqui é possessão e não objeto1•

De fato,o que Winnicott tenta introduziraqui é a distinçãoentreobjeto auto-erótico e oOT, chamando aeste possessão não-eu e nãouhjeto. Essacontradiçãonos parece revelarsua intuiçãoda função dedestacamento operada peloOT com relaçãoao campodo gozo. O quefaz, também, toda a diferançaentreo OT e o seioque ai se encontra,enquanto objetonãoseparadodo sujeito,incluído.

Diríamos, pois,com Lacan que oOT se toma o representante~ o

ganho obtido sobre a angústiano lugarda necessidade .1s em outraspalavras, daparte arrancada pelosujeito ao Outrodo gozo. Nessascondições, entende-se que o sujeito encontra nesse objetoum reconfortoe uma investidura, comodiz Lacanem seu Semináriosobrea angústia{1962-1963). OOT assume a funçãode suplentedo sujeito, no sentidoem quesupreo que falta ao sujeitoparaser.

Mas Winnicou só pode desconheceresta funçãode suplênciado seuOT. Esse desconhecimento ésem dúvida ligadoà sua maneira deconstruir esteobjeto, fazendoo impasse sobre a questãodo desejo doOutro,de sua falta, a única que pode introduzir o sujeitoà castração.

Sem o osso do desejo e o rochedo dacastração,a análisecomWinnicottsó pode tender para a feliz descobertada criançano adulto.O tratamento fica, então, imerso numa sorte de generosidade oblativa.Harry Guntrip, psicanalista e teórico anglo-saxãode renome,em análise

4 D.W. Winnicou,•Objets transitionnels et phénomênestransitionneh;•,versãode 195 1-1953,ver n()(as2 e J in e lo pédiotrie à kl psychonolyst op . ci t . ·l 5 J. Lacan ·subversão do su jeito .. tcrirs op. cit.

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esll ldos 153

com Winnicott, relata esta interpretação dadapor ele: Você tambémtem um seio bom. Vocêsempre foi capazde dar maisdo que tomar. Soubom para você, masvocêé bom para mim.Fazer sua análise talvez seja

a coisamais confortadora quejá me aconteceu . 6

É que, para Winnicott, o analista tem a oferecer o objeto,nãoadequado, mas real, que faltouà críançano começo desua vida,porfalta de uma mãe boa o bastante. E esteobjeto que o analistatem aoferecer não é um semblante de objeto: é nada menosque ele mesmo,o analista, quese tomapor um verdadeiroself. Éisso,sem dúvida, queleva Lacan, falandodo ato psicanalítico, adizer que Winnicott -acreditou dever contribuirparaele com oseu próprioself ... 1

16 H. Guntrip, •Mon expériencede l analyse avec Fairbaimet Winnicott in NouveUe Revuee psychoMiy se n• 15, GaUirnard, 1977.

17 J. Lacan. •compte rendu du Séminairesur l acte psichanalytique ,in Omicor n• 29.

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Uma psicanálise é o tratamento que

se espera de um psicanalista (Lacan)Marie -Hélene Brousse

N ossa j ornada tem como tema a crian ça analisaoda, e vou lh es falard e Margaret Malber, ou melh o r, d e um caso supervisi onado por Margare t Malher. Isto parece um parad o xo. Par a come çar, o estil o d e M argaretMalher nunca inclui a relato de um tratamen to ao longo d e seu percurso,mas s im o caso c om o vinh eta c Hn ica . Entretant o, no qu e se refere aStanley, não se trata apenas di sso, o qu e tes temunha a man e ira r epe tidapela qual e ssa criança apare ce em s eu trabalho: não som ente em seulivro sobre o autism o , mas em outra s du as ve zes, em 1953 e 1959, em

artigos publicad os em The P syc ho nalytical Stud y of th e Child artig ose m colabo raç ão com a anali sta d e c riança s Paula El kisch .

É, pois, um caso qu e re presenta par a Mar garet Malher uma articu laç ão teórica: um a teoria da ps icose i n f~ n t í l Te o ria não -kle inian a , ev identeme nte não- lacaniana , ma s e m o posição a um a teorização d apsicose pela p sicanálise d o eg o. Posterio rmente , Margar et M alhe r e s uaequipe publi cara m uma o utra obra, de tJ tu lo evoc ador : O Nasci mentoPsico lóg ico do Ser Humano . De pois do patológico, o n orma l, segund o

a maneira de Anna Freud . Do lad

o do patol ógico, a p s ican

á lise, o es tudodo caso, mas do lado d o norm I a psico logia e se us métod os d e o bs erva ção.No en tan to , essa tendência à psicologi zação, isto é, à fo rm ulação daconsciê ncia como inst.ànci a de sín tese, j á é central na tes e sobre a psicose.

Q uem é Marg aret Malh er? Form ada e m Vi ena, onde foi r es po nsáve lpo r um centro ho spitalar infantil , lec iona no s EUA e toma-se pro fesso rade Psiquiatri a na Universi dade Albert E ins tein . Em 1955 , é no meadadi re tora de pesqu isas no Ma sters C hildren Center de Nova York. Publica , e n lào , ess a Histó r ia Na tur a l da Psicose S imbi6ri ca em 19 68 , mas j áa d e fin iu desde 1952 . Apre senta -se co mo psiquiatra, psicanali s ta, pe squi sa dora (c om grand es créd itos) e docente .

Sta nley

Q ue m era Sta n ley Um gar otinh o de seis a nos, no c ome ço de uma-terapia de orie ntação anaUti ca . q ue iri a durar pou co ma is de três an os.

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e s tudos 155

Margarel Malher e Paula E lkisch iriam se gui -lo, no entanto, até aadolescê ncia, quando, alun o do curso secund á rio com um r e ndi m entoescolar bastant e bom -com o e las fris am - , ainda lh es parecia psic ó ticoem fun ção da pers istência de certos mec ani sm os e de uma inadap taçã osocia l. Aliá s, e las não tran sbo rd avam de otimi smo terapêuti co, com oconvém quando se atribui à psico se uma cau salid ade que dá lugarpreponderante ao inato . Qual era a sua h is tória? Ei s o que n os dão a ver :Stanley, no começo de sua vida, m orou com os avós mate m os . Se u avônão podia ser perturbad o de fonna alguma, já qu e so fria de ·um princípio de doença mental . Sua mã e es tava d ividid a entr e se r m ãe e se r filha .Por volta dos seis meses, e le so freu de uma -hérni a ing uinal": · do r oacome tia quand o es tava f e li z e b rin cava tranqüilament e" . Su a mãe,e ntão , o punha no colo para impedi -lo d e c horar , passe ando pe la casaco m e le e enfiando -lhe uma mamadeira n a boc a p ara ra zê- lo ca la r.Durante o s egundo semes tre do se u segundo a no, d e diz ia a lg um aspalavras e, segundo di z M argar et Malher, come ça ra a utilizar a mã epatologicament e. Aos trés ano s, pr oduziu -se um a rup tura familiar ; eles aiu, com a mãe, da casa da família, seu a vô s e torn o u p s icó tico, su abisavó morreu, oca s ionand o um a depres são em cadeia e m sua mã e e suaavó. Ainda qu e Stan ley já tivesse man ife s tado um ~ pe g op to ó g c o ~

à mã e (d iferente , para Margar et M alher, da dependência dos pe quen os),esta iria permane ce r ain da muito tempo s em se da r conta di sso e era otio , innão da m ãe, quem cha mav a sua ate nçã o para a s pa rtic ularid adesdo comportament o de Stanl ey. Não há sinal d e pai n este re lat o, por tanto.Essas particularidad es, vam os a e las: Marg aret M alh er o bserv a os s into ma s através de uma grade, a d os ~ d i s t ú r b io s fundam entai s do eucorporal" construidos conforme o modelo dos m ecanis mo s de defesad e Anna Freud e a os quais c hama m e ca n is o s de ma nut enção : par a

e la, eles não são, com efe ito , nem meios de adaptação , n e m me ios d edefesa na me dida e m qu e a c riança e o mund o estão - di z e la -indiferenciados.

Tra ta -se da per da da dim ensão a nimada : Stan ley não di scrim inav ao vivo do inanimado . Exempl o: ex is ti a um inte rfo ne no cons ultório daterapeuta; ele questi o nav a · o que fará o te le fone da par e de q uand o otempo (da sessão) a cabar? . ..E le hoje não está mu ito fo rte, porque j ásabe que estamos esperand o que t oque ..

E da diferenciaç ão subjetiva : Stanley restaur a a unidade dual mãecriança de modo d elirante . .....Ele utilizava sua mãe c omo exten sã o d es i mesmo como um utensíli o inanimado e não com o um objeto de.amor . . Ele pensava que s ua mãe e a terapeuta s abi a m as mesma s c ot sasque ele . Não tinha c o nsci ência de s uas fronteira s co rporai s , _ a c r c d i l~ v

qu e os feijõe s que comia a ssumiam a c o lora çã o de seu t r s ~t ro n h ~

ele não fazia, p a ra Margaret M a lher, dife ren ça en tre s ua ma e, o bebe e

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158 a criança o discurso analitico

creve, por sua própria observação, no regi s tro da compreensão so bre oqual Lacan fala no s eminári o sobre a s ps icos es: a co mpreen são é aquil oque lhe permite pensar ·que há coisas e v iden tes po r si mesma s , ·porexemplo, que quand o alguém es tá tri s te é porque não tem aquilo queseu coração deseja . ... Lacan acrescenta : ·Quer o insi s tir: quando vocêsdão um tapa numa criança, é claro, ela chora, se m que ninguém re flitaque não é absolutamente obrigatório que el a chore : lembro-m e de ummenin o que , quando levava um tapa, pergunta va se aquil o e ra umacarícia ou uma palmada . . A terapeuta estava no se io da c ompreensão ,Stanley não . O tratamento con sis te em en sinar-lhe crit érios. O primeir oplano dado ã relação de obj eto no tratamento, e o manejo qu e ela fazde le - dual - é, como mostra Lacan ne sse me smo seminári o so bre a spsic ose s , sempre fundado no d es conhecim ento da ordem simb ó li ca, queacarreta automaticamente uma confusão entre o plano imaginári o c oplano real.

Est e d esconhecimento do s imbóli co manifesta -se e m sua crença nacomunicação, em particular não -verbal, e na tran s parência do pens amento . Assim, tratava-se de ensinar S tanley a raci ocinar . Tudo dalinguagem era re duzido a um puro e simple s instrumento destinad o a sefazer co mpreender . Ela etidia , assim, a rea lidade da fala . Tanto que sechega a e s te re sultado paradoxal de um tralam e oto que, confundindo oImaginário e o Real, é uma clínica sem fantasma : s ua referência aoc ognitivo - uma palavra tem uma signifi cação - pr o tege-a, se a ssimse pode dizer , da proliferação kleiniana das s ignificações ; é umtratamenlo que, s ítuando a cau salidade d a psi cos e no Real - aqui,biológico-, evita os obstáculos da crença na mãe. Em compen sação,só resla à anali s ta inclinar -se para o dis curso univer s itário . Saber, enão supos ição d e ·saber. Enfim, querendo corrigir a simb io se com a

mãe pel a simbiose com a terapeuta , ocorre que ela faça uma br echanesta simbiose impossível : é assim, aliás, que se pode explicar suaeficácia terapêutica .

Mas, para nós, isso fala de outra man eira e gostaria de mostrar como ,baseada em pont os.

O li vro de gra vuras

Desde que começou a ler para Stanley, sua mãe sempre lia Whe n YouWere a Baby (Quand o você era um bebê) . Stanley reclamava sem cessara leitura deste livro, e sempre se punha ao s gritos ao ouvir a palavra-bebê . ou ·panda . (com o , aliá s , sempre ocorria quand o ouvia em outra scircun s tâncias falar em ..bebê ) .

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estudos 5 ~

Duas páginas

Bebê Pandachorando num cercado, seus b r i n

quedos do lado de fora.na jaula, com um ,prato de comida, sem chorar.

E mamãe pensou :-Esse bebê se parece com o grande panda do zoológico,

sentado em sua jaula ..

Vimo s como Margaret Malher relata as reações de Stanl ey . Elereparou na semelhança das situações, ma s não pôde discriminá-las :ligação sincrética bebêj chorar, panda/alimentado, quando deveria saberpor que se chora ou por que se pára de chorar . Alimentar-se acalma anecessidade que fa z c horar .

Este termo, ' bebê . que dese ncadeava os grioos de Stanley, era oúnico significante a o qual ele podia p g r s e de fato, por um ladohav i a o bebê - separado da COJ lÍda e por outro lado o panda -completad o pela comida, imagem deste g o zo atroz a ser ligado à alimentação forçada traumática que fazia des aparecer o o bjeto cau s a dedesejo . O terror de se ver ass im an iquilad o le vava -o, po rtanto, a seagarrar ao sign ificante bebê qu e, continuando a chorar, pôde assim nãodesapare ce r nesse alimento: o s grito s se produziam quando o significante se retirava . É dessa maneira que no li vro da anali sta ele escolheum bebê em lágrima s para alimentá -lo e in s iste no fato de que elecontinua, ainda a ss im, a chorar depoi s .

Os livr os de gravuras são numerosos na literatura analítica, desde odo Ho me m d os Lo bo s até o do Pequen o Han s sobre o qual Lacan , numseminário d e março de 1957, di z: •é numa página de s eu li v ro, aqu e la

que es tá bem e m fre nte à caixa venn e lba na qual a ceg o nha traz a scrianças pe la chamin é , que está um cavalo ao qual, como por aca s o,es tão ferrand o. A partir de ss a imag em , o im aginári o se organiza emsimbóli co e se elabora a con s trução mítica da fobia d o cavalo, comosignificant e f z t u d o Aqui, ao co ntrário, o livro de gravura s de Stanleynão lhe pennitiu, evidentement e, construir uma fobia : não se produziuqualquer pr o lif eração imaginária em tom o do panda . Em ca so algumes te signifi cante foi capturado na si gnificaçã o fática que tomaria possível

o desenrolar de uma co nstrução mítica . Só um pedaço de fala e grit os .

Osfen 6 men os d e apar içã o e de sa pariçã o on -off

Margaret Malher e Paula Elki sc h enfati za m a m emória prodigi os a d eStanley como fracasso do recalque na psico se . Elas viram, pois, Stanle y

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160 • illnç no discurso analitioo

imerso naquilo a que chamam de traços mnésicos sincréticos, em flux oininterrupto . Isso as deixa atentas para o automati smo mental a quechamam de ' mecânica m n ~ i c... Mas is so assi nala a falta de operacionalidade do ponto de v im psicossocial que é delas.

Quanto a nós , podemos associar a esta prodigiosa memória o Outrodo significante, o que é demonstrado por dois elementos .

O homem da bicicleta - Trata -se de um anúncio luminoso n o qualum autômato pedala fazendo a propaganda da cerveja Esslinger, o quegerara, em Stanley, uma série de neologismo s (Barlinger, Hun ge rbeerSmearbeer .. ) ao mesmo tempo que gerara nele um desejo de ficar ,fascinado, contemplando esse autômato . Seus pai s o levavam regularmente para vê -lo (para Margaret Malber, este é um outro fetiche psicótico, um pouco incômodo). Ora, Stanley chegou à sessão, um dia, comessa frase : Ele estava parado hoj e , estava parado, é meu dia de so rte .A partir desse dia, ele nã o parou de falar sobre o homem que estava ounão ligado, e ficou obcecado pela idéia de desligá-lo.

A este fascínio pelo autômato se acrescentaram inúmeros f enômenosde atração pelas máquina s. Stanley estava capturado no desenrolar semfim do s ignificante, não podia deixar de aceder a ele: efetivamente, elenão pensava . Como escreve Eric Laurent, a psicose simbiótica é apsicose com o significante. A questão de Stanley é: como se desligar ?Como se se parar da cade ia significante para que, como com o autômato,isso pare? Margaret Malher lhe fabricara um fetiche ps icótico , falsotelefone de parede, para ensiná -lo a servir-se dele corretamente; constatara, então, que ele ni o fez o uso que esperava. Ele só pôde se esforçarpara fazer ex -sistir o objeto ca usa d o desejo em j ogo nesses fenômenosde ligar, des ligar, abertura, fechamen to: sa be-se que a primeira leiturade Lacan do jogo do carre tel fazia do significante o próprio objeto, ma s

posteriormente ele re introduz o objeto.Aqui , abrindo e fechando a geladeira, fascinado por um alimento para

bebê es tragado, spoiled baby food, Stanley se interrogava so bre a so rtedaquilo que co mera. e cuja perda imp oss ível não conseg uia evocar . Poi sos fenômen os on-o se referiam igualmente ao próprio Stanley . Elepassara de atividades moto ra s, que o faziam assemelhar-se a um r i n

quedo mecâni co, a uma apatia total, que o deixava numa condutaautística de indiferença . Para sair desse estado de estupor, era pre ciso

ligar- se novam ente: tocando a terapeuta ou pronunciando deliberadamente a palavra ~ e ê.. (começava então a gritar).

Sacudido, possuído pelo s ignificante, ele parecia um brinqued o mecâ nico ; largad o pelo significante , jazia, extático. Era ligado e des ligadono e pel o Outro . Ne ssas diferentes atividades, ele tentava dar lugar àdialética alienação -separação, para romper a simbiose com o Outro queo mecanizara . Separou -se , então, e le mesmo co mo o bjet o a do funcio -

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estudos 161

n m ~ n t os ignificante . Des ligand o-s e, e le ope rava com sua própria perda , á que não havia possibilidade de rep res entação significante dosujeito.

ad o s· ·fimemor o: SUJeito esta 1gn1 1cado Imag inárioTl Mo pai bate presente no odiar h inuma criança Mque eu odeio Im aginário

In consciente : O sujeito está ali: Significado Momento do ri

T2 Sou espan- é ele quem se amar ca lque originário.cado pelo pai sub mete à barra, O significante re- e co ns ído recebe os gol pe s presenta o su jeito.

do pai Re lação edipianacom o pai. Opera-ção do Nome -do-Pai.

Consciente: O sujeito desa · SignificanteT3 Bate-se pareceu puro: sujeitonuma criança do sig nifi cante

correla cio nad oao su rg imentodo objeto.

O pai

Gostaria de terminar por uma referência ao pai - a úni ca, oes te caso .Margaret Malher anota isso: .. m casa, acontecia com freqüência oseguinte: Stanley exigia que seu pai lhe batesse e ficava encolerizadoporque este não o fazia . Quando, catiSado, o pai acabava lhe batendo ,de leve, Stanley punha -se a gritar numa crise difícil de ser acalmada .Este fenômeno de gritos, ele tentou, então, desencadeá -lo também porintermédio do pai. Para esclarecer este ponto, gostaria de pas sa r pelareconstrução freudiana do bate -se numa criança . que Jacques-Alain

Miller reavivou para nós há doi s anos, em seu curso . Se estio lembrados,existe um axioma que é o fantasma e que conjuga uma satisfaçãoauto-erótica de uma zona erógena (a) com uma representação de desejotomada de empréstimo ao amor objetai: a ser inscrita como$ do desejo.

Minha hipótese é de que Stanley tent ou aqui uma substituição derecalque, uma substituição desse TI . Sucumbindo sob o significante, oque pôde ser observado na sua maquini zação, ass ujeitou -se a ele em seupróprio corpo: nada pôde ser retirado del e, por fa lta de recalque origi-

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162 aiança no discurso n lítico

nário . Assim se colocou par a e le a questã o dos feijõe s que comera : eleseram os mesm os, atrave ssa nd o-o; seus excre ment os não exi s tiam : elenão pôd e perder nada. Stanley não conseguiu também ser o panda, co monã o co nse guiu se r uma máquina. Margaret Malher a ss inala, além disso,que ele não tirou n en hum pra ze r de suas montagens , isso na medida emque o prazer s upõe sempre a retirada de algo d o corpo. Toda suaatividade se dese nvo lveu como abordagem da perda (recurs o ao bebêque chora, parada do autômato, tentativa de se fazer apanhar pelo pai),mas em função do fracasso da metáfora paterna, a s imbiose pennaneceu,intocada, aquilo no qual está co lado o suje ito, que não advém e ficaaprisi ona do num gozo que co incide com o Outro . ·

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A bela e a fera

Dominique Miller

M . Magoo saiu para passear uma noite, no escuro, no escuro. Parasua surpresa, encontrou uma moça ... Sentiu que estava apaix ona do,apaixonado, apaixonado. Era tão longe. tão tarde . Será realmente possível que esteja apaixonado, apaixonado afinal?

Este prólogo - alguma s palavras de um jovem psicótico - secásuficiente para esclarecer este titulo, com ecos da infância , a bela e afera? Escolhi -o, ou melhor, ele me foi imposto pela leitura de u relatode tratAmento, o de Barry . Esse relato me deixou a impre ssão de um

conto anaütico: um monstro, um gorila que entra no consultório de umaanalista, Doreen Weddell, e dali sai nove anos mais tarde, transformadoem Mr . Magoo domado, vencido pelo am or de ttan.sferênda . Decerto,agora que trabalhei nesse relato , ele perdeu algo de seu mistério . Masjulguem vocês mesmos.

Este relato figura no livro de Donald Meltzer, xploração no Mundodo Autism o A psicanálise feita com Doreen Weddell durou cinco anos,mas foi só a partir do quinto ano que ele foi ao seu consultório particular,de onde saiu aos vinte e um anos . Com efeito, os quatro primeir os anosdo tratamento de Barry se passa ram na instituição em que ele vivia, aLondon Clinic of Psychoanalysis.

Quando Barry encontrou Doreen Weddell, tinha doze anos . Sabe-semuito pouco sobre sua infância . Nada havia pelo menos, em sua anamnese, que 'constituísse um evento. Apresentava um quadro dito autista .Era uma criança que chorava sem parar, que não falava, mas sabia sefazer entender, que ignorava as outras crianças en io suportava qualquerfrustração . Uma criança que surpreendia, também, por seu olhar intensoe sua compulsão irrepressível a olhar para a televisão . Um tratamentofeito aos seis anos na Hampstead Clinic, no dizer de Doreen Weddell,o teria melhorado : agora ele era apenas psicótico

Este tratamento deu oportunidade a Doreen Weddell de ilustrar asteses kJeinianas sobre a identificação introjetiva. Pois Doreen Weddellse reconhece, sem qualquer dúvida, na corrente kleioiana, a de DonaldMeltzer, seu supervisor, mas também de Esther Dick e Wilfred Bion. A

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164 cri nç no disourso n lítico

tes e que ela sustenta, portanto, é a seguinte: a identificação introjetivatorna possível o estabelecimento de um mundo interno contendo bonsobjetos, eles também internos. Barry, segundo ela, chegava a isto emquatro fases.

Fa se I - Bany con siderava a analista como um objeto-pele, capaz deser ferida e curar-se ao mesmo tempo.Fase H - Barry punha um mundo interno em imagens, isto é, iniciava

um delírio. Era a fase de identificação projetiva intrusiva.Fase - Centrada sobre a conduta de um Barry tomado afetuoso e

cooperativo, a analista aparecendo -lhe desta vez como um objeto capazde aliviá-lo . Foi a fase de identificação projetiva auxíliadora.

Fase IV - Enfim , Bany pôde sonhar . Eis por que Doreen Weddell a

designou, desta vez, como umafa

se de identificação projetiva. .Para ma ior clareza des se relato, vou -me permitir reduzir essas quatrofa ses a três, reagrupando em uma só as fases e III.

Nos so fi o de Ariadne será a tran sfer ência, caricatura nesta cura, épreciso que se diga, pelo seu manejo kleiniano.

As trê s s es

Na primeira fase, apareceu uma criança cujo aspecto e conduta justificavam o qualificativo 'pouco genero so que repito de Doreen Weddell:uma verdadeira fera, um ..gorila-, algo de ~ r e p u l s i v o.. e de '*monstruoso - -uma criança d e doi s anos no corpo de um menino obeso de doze" .A criança-monstro se precipitava pelos corredores da instituição, esbarrando em tudo e tud o destruindo à sua pa ss agem, aterr orizando a todo sos que encontrava Uma criança atacando o mundo que a cercava. Nestafase e le não parava de sujar as paredes, os móveis, o divã da sala daanalista, c om giz vermelho , a tal ponto que ~ s paredes pareciamescorrer sangue . observa Doreen WeddeiL Ela sabe do que está falando: ocorreu a e ssa criança esmurrá -la, apertá-la, arranhá -la, agarrandose aos seus cabelos. suas ~ m a sseus seios.

Desde o começo dessa análi se , Doreen Weddell se mostrou muitopródiga em interpretações: Barry era um bebê frenético e voraz, ela, um

objeto-pele que podia ser ferido, mas resi stia ... Ela não deixava decomentar as separações no final das sessões , e com certeza os cortes de

·fim de semana.Entretanto, a massa considerável de notas escritas durante as sessões

nos permite constatar, mais uma vez, que a clínica está nas anotações ..de Lacan . Quando ele apresenta a criança psicótica como um objetocondensador para o gozo . (Discurso de fechamento das Jornadas sobreas Psicoses na Criança), Lacan situa a causa na impossibilidade de toda

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'1M cri nç no disoor 0 n lítico

Eis um trecho dele: TV Psycboanalytic DWTV: à 6 .30 h, seio; setehoras, segure se u pênis; oito e meia, masturbação, só um pou co .. Eterminava com a .. hora de Freud .. Em suma, um verdadeiro trabalho dapsicose. Atravé s 'do delírio, Barry tentou esiAncar o gozo . Ele constituiuse u delírio no lugar deiudo vago pelo o m e ~ d o P a i .

Este deHrio mostra de maneira exemplar o peso da b'ansferência naco nstituição de s te Outro do significante, verdadeiro anteparo na psicose. Pela primeira vez, as palavras vinham assumir um sentido para el e,que no entanto estivera desde sempre imerso na linguagem. E essaspalavras só tinham valor para Barry como sig nificante s da analista, natransferência.

Este mundo si gnifi ca nte , nossa analista, como boa kleiniana, faz

mais que sustentá-lo. E quando ela apresenta sua concepção de transferência, fazendo do analista ·um objeto apto a aliviar . sen te -s e aí todaa distância qu e a separa de nós. Ma s isso ex plica qu e a transferênciapareça não se operar sem uma dose maciça de interpretações . Ofereç olhes um fragmento : ·Quando interpretei que ele tinha a impressão deme ter comido e estar roend o meus ossos, tossiu e sufoco u -se, depoisenfiou o dedo no olho. Sugeri que ele sentia o que eu di sser a entalad oem s ua garganta, e depoi s dentro de seu olho. Ele con tinuou t ossindo.

oque

tom e icomo

vomitar aco

isa má, os

bebês fezesque

a boca

aspiradora hav ia devorad o , estabelecendo um laço com a sessão anterior(furto na igreja?), com a ma stu rb ação do fim de semana e talvez da noitepassada. El e tossiu de nov o, tirou alguma s melecas e engoliu, depoi spareceu respirar mai s fac ilmente .- A isso tudo, Barry respondia: ·Bomdia, pênis "

Em uma palavra, o Sujeito Suposto Saber era ela. Ela encarnava esteOutro do significa nte. E por ma is que Barry lhe dissesse: -voc ê falademais , ela ainda encontrava meios de int erpretá-lo . É certo que estainj eção de sa ber produziu um efeito apa zig uador sobre esta c r iança atéentão abandonada pelo signifi cante . Este efe ito se produziu pela prim eira vez quando e escreveu na pared e -sigmund Freud .. Entã o, · aatividade de sujar e destruir começou a diminuir . , escreve D o ree nW cd dell. De staca-se então um lugar do sabe r, que repr ese nta a analista .A partir dai o saber qu e ele constrói se reduz à analista, tomadaintegralmente co mo sede do código .

Doravant e o Outro teria uma nova fo rm a, não se nd o ma is aquele

abismo invi sível que engo lfav a seu ser, mas um mundo de tráf egoregu lamentad o.

Barry, poré m, não estava separado de s te Outro. Estava contido nele' .Ele permanecia o policia) que controlava o se u trân si to , ou o repórt erque criava o seu programa. Esta separação não se dava porque a anali staestava inc luída, total e realmente, no seu sinto ma . Era difícil constata ra menor posição de semb lan te na sua direção do tratamento

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estudos 167

Seria por isso que cJe se punha a dormir no divã, sobre o qual sedeitava, após quatro anos de tratamento? Como se lbe fosse necessáriofurtar -s e ao empreendimento interpretativo de sua analista. Este fato é

surpreendente: na fase final do tratamento, todo seu discurso se construía fora dali. Com efeito ele sonhava, adormecido na sessão ou emcasa, mas não mais se arriscava a delirar no consultório. Fazia calar suaanalista . Ausentava -se da realidade . Para efetuar uma separação doOutro, se u único recurso era dissociar seu mundo significante da pessoado anali sta. Assim .. ele dormia .

A analista relata quatro sonhos de Barry, que, como ela diz, revelamuma verdade ao sujeito . O primeiro é su ficiente para demonstrar isso :

-Ele devia ir a um laboratório. Havia lá um computador, que deveriaalim e ntar com o nome e o endereço da anali s ta . Havia muita gente ali,e todos tinham aparelhos de escuta e receptores. Ele voltava mais mese sdepoi s e diante de cada pessoa hav ia uma caixa. Ao olhar para suaprópria caixa, viu se u rosto, uma espécie de máscara mortuária, ummonstro horrível ."

Este so nho, como os outros, é um sonho de transferência . Aí estárepre se ntada a analista que alimenta esta máquina signifi cante, o computador

.Em ou tros so

nh os,ela

é oamigo

que o ajuda asair do caix ão,

ou ainda a locomotiva diesel que lhe permite escalar a colina. Quanto a.Barry, este se s ituava entre os a ter gos todo s ligados à máquina depalavra s. Este sonho é o estágio do espe lho de Barry , um estágio doesp e lho e m versão psicótica, ou seja . destacado da ilusão narcCsica. Aimag em fazia surgir sua própria efígie, uma má sc ara mo rtuár ia . Seuse r-para -a -mort e se descobria como a razão de sua aparente m ons truosi dad e. O ser do psicóti co se revela co mo reduzido ao seu se r-para -amorte. O -eu é um ou tro . se traduzia em Barry por um -eu é ummon s tro ... Assim , ele mesmo diri a -Agora eu sei por que sou feio" . Nãoficamos surp re sos quando, num segundo sonho, Barry pediu à amigaanalista que lhe disses se ·por qu e, ele, Barry , es ta va ali"·. Ele colocava,para o Outro, a questão do sujeito. Este Outr o conseguia então sercircunscrito se paradam ente : ~ n aLua, vinha um imperador e dizia qu eaquele te rritório era de le ..

O fato de que o sonho, nes sa tercei ra fase, venha substituir o delírioparece -me testemunhar uma mudança qualitati va na sua re laçã o co m os ignifi cante, e testemunhar a ssi m o fa to de que esta se paração do Outrofoi rea li za da . .

O qu e está em jogo ne st a separação é qu e o psicótico não de se mpenhemais a função de obj eto e, em co nse qüência, essa sepa raçã o cause oobjeto. De cert a maneira, B arty compreendia isso e tent.ava . quandoa d o r m e c ~ .fazer sua analis ta decair da posição de grande Outro , a .fimde que elà puse sse a fu ncionar o obje to no dispo s itivo analítico, o objeto

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168 a criança no discurso analitico

que a olhava, no caso. Pôde-se se r sensivel à prcgnância do olhar nosujeito , o que aliás era evidente na sua identificação com o homenzinhomíope que é Mr. Mag oo. O Sujeito Suposto Saber está implicado notratamento do psicótico, como no do neu rótico, enquanto separadorentre o s ujeito c o saber.

Última observação

Que dizer do fim do tratamento de Barry , quando ele afinnou a Doreen

WeddeU: · importante é de que olho você se serve para ver as pessoas,o olho da m á q u i n a c i x ou o olho h u m a n o ~Seria forçar as coisasconsiderar o objeto posto em causa nessa última observação?

Seja como for, o que fez a satisfação de Doreen Weddell não nossat isfaz , mesmo que a •tran sformação seja vultosa: que Barry tenha setomado um rapazinho que se apresenta diante dela ·com sua pastaembaixo do braço, bem diferente do men inão deslocado ., que ele tenhadeixado a clínica ao s quinze anos para ingressar numa escola especiál...

Para que sua análise tivesse logrado êxito, seria preciso que ele nãose contentasse em ser o Mr . Mag oo de sua analista. Seria preciso qu eele nào se contentasse com palavras . ..Você me deu a palavra pên is \disse ele a Doreen Weddell. Seria preciso, enfim, que o encontro coma se xualidade se efetivasse, realmente. E para isso as palavras nãobastam.

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A criança e o significante no Emile

Alain Grosrichard

Ü que desejaria desenvolver aqui muito rapidamente, 1 a propósito daquestão da ..criança sob o significante me stre no ile diz respeitoapenas à maneira pela qual Rousseau aborda essa que stão no Livro IMas vou começar lembrando para vocês esta página que abre o Li vroIV, na qual se en tende bém o que é uma cria nça para Rousseau.Chegamos ao momento em que . se vai colocar o grave problema daeducação sexual de Emile. Note-se que Emile já tem uns d ezo ito anos.Este momento, requerido pela Natureza, é ~ para Rou ssea u, o de um

..segundo na scimento . ..Nascemos uma primeira vez para a espécie , euma segunda vez para o sexo . Antes deste segu ndo nascimento, opequeno homem é, de certa fonna, assexuado : .. Até a idade núbil ascrianças dos dois sexos não têm nada de aparente que as distinga:mesmo rosto, mesmo corpo, mesma pele, me sma voz, wdo é igual. Asmeninas são crianças, os meninos são crianças, o mesmo nome bastapara seres tão semelhantes ..

Este nome, criança marca claramente a originalidade da posição de

Rousseau (relativamente nova em sua época, mas que será adotada portodo o S éc ulo XIX): a saber, o lado natura lmente assexuado da criança ,a ausência de toda a sexualidade infantil (mesmo que o Livro V,consagrado à educação das meninas, contradiga em parte essa po sição).Ora, é levando em conta esta vontade de neutralização de tudo aquiloque, no imaginário, no real e no simbólico, poderia levar a criança aassumir uma posição quanto ao seu sexo , e portanto a tornar-se sujeitodo desejo, que se pode compreender a articulação desta questão, emRousseau, da relação da criança ao significante .

Toda má relação com o significante vai ter sempre por efeito final,segundo Rousseau, fazer com que a criança descubra cedo demais, e demaneira. perversa , que ela é ou um menino ou uma menina. Assim, nãoé de surpreender que todas as primeiras recomendações de Rousseau

I Versão não revista por A.G.

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170 i nç no dis wso n lilioo

relativasà primeira infânciasejam do seguintegênero: uma criançaquando nasce tem decerto, necessidade de umaama,mas no fundoélastimável que ela tenha. que lidarcom outra coisa além da puraesimples natureza.Cit<?: -uma criança não deveconheceroutro superioralém deseu pai e sua mãe, ou,à falta destes, sua amae seu·aio. Já édemais teros dois, masessa divisãoé inevitável, e o máximoque sepode fazer para remediá-la é que as pessoas dos dojs sexos queasgovernamestejamt io de acordoentre si quelhe pareçamser apenasuma". Que asduas sejamuma só para ela: estão vendoque,de saída,tudoo quepoderia,por exemplo, engajar a criançanum semblantederelaçãoedipiana estáneutralizado.

O enfaixamentono significante

Isso po sto, vejamos como Rousseau abordaos primeiros anos de vidada criança e observa, ali, oque eu poderiachamar deuma dialéticanecessidade-demanda-desejo, oumaisexatamente, fazo possfxelparaque esta dialética não se inicie. A educação da criança começa des de oseunascimento, diz ele, e essa educação consiste- helàs em assujei-t r a criançade todasas maneiras o s s í v e i s~ ·Todos os nossosco stumesnão passamde assujeitamento,embaraçose obrigações. O homem civilnasc e, vive emorre na escravidão: quand&nasce é envolvidoem faixase na sua morteé trancado num caixão".

Quandonasceé envolvidoem faixas: domínioviolentodo corpo,oenfaixamento é também a figuração metafóricadaquilo que será odomínio do significante so bre a criança, esuas devastações. Pois asfaixas (as quais, efetivamente,eramco sidas em tomo da criança, comouma múmia, para pendurá-lanumaparede), as faixas supostas terem porefeitouma ortopedização do corp o, produzem de fato um co rpo comsintomas, ao mesmo tempodébil e monstruoso , escravo erevoltado. Na sregiõesainda selvagens, ondenão se tomam essasprecauçõesextravagantes, dizRousseau os homenssão todos grandes fortes, bemproporcionados . As reg iõ es onde se enfaixam ascrianças,em compensação,são as que fornec em os corcundas, os mancos, os que têm pernastortas,os reumáticos, os raquíticos, os def ormados de todos os tipos. Por medo

deque os corpos se defonnematravés dos movimentos livresc naturais,ditados pela necessidade, apressam-se a deformá-los imprensando-os.Diriaque estecorpo assujeitado,ma squenão tardará a perfuraras faixassob formas patológicas e sintomáticas, é a imagem,o análogono planofísico do que se passa com o sujeito, o mau sujeito que, aos olhos deRousse au, perfurade maneiraperversa e deixa que se manifeste umdesejo que não é de sua idade, através das malhas do significante.

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estudos 173

deamentode uma imaginação geradorade .. suplementos .de •quimeras . e de outtas .. fantasias , perigosas para a saúde física e moraldacriançae, mais tarde,do adulto. Eoperigo, a origemde todo o mal, estáligadoao fatode que, quase fatalmente,as crianças encontram o significante cedo demais. Se falam espontaneamente uma língua naturalacentuada einarticulada,são também, desde o seu nascimento, mergulhadas num universo no qual a linguagem articulada que faz lei, eleiarbitrária: As crianças ouvem falar desdeque nascem, falam-lhesnãoapenas antes que elas compreendam oque se lhes diz,mas também antesque elas possamdevolver s vozesque escutam. Seus órgãos aindanãodesenvolvidossó se prestam pouco a.poucoàs imitaçõesdos sons quelhes dizem, e nem é mesmo certo que esses sons cheguem,em primeirolugar, aos seus ouvidostão distintamente quanto aos nossos.,. E Rousseau acrescenta, falando das amas: ..Não desaprovo o fatode que a amaentretenhaa criançacomcantose ações alegrese variadas, mas reprovoque ela a aturda, incessantemente,com uma multidãode palavrasinúteis dasquaisa criançanada compreendea não sera entonaçãoqueela lhes dá-.

É af, nessa substituiçãoprecoce, desprovidade sentido, da voz

cantante pela palavra artificial, quese origina a ca(ieia que terminarápor transformar as relações entre humanosem relaçõesentresujeitos emestres. Oque é originalmente perigoso é que a criançase acha obrigada, quando aindaé incapaz de devolver palavra por palavra,significante por significante, a imitar,com sua voz ainda inarticulada, umaoutravoz, esta articulada.De imediato, a criançaé levada a articularmas mal), a cortar sua própria voz. Ei-la sujeitada,à sua revelia,ao

significante, a umsignificante - observa Rousseau- que temde perturbador o fatode que aindanão está ligadona criançaa uma idéia, aumsentido. Ela encontrao significanteno seu arbitrário, e este arbittárioévividocomo o da lei enquanto tal. ·

c r mestre do significante

Deveríamos refletir, se tivéssemo s tempo paraisso, sobre todosospequenos exemplos que dá Rousseau deste encontro com o arbitrárioda

lei pelo viés doen co ntro como arbitráriodo significante. Vamos ficarneste: a criança pequena, quando começa a falar, a empregar palavrasligadas em frases, fazisso confiando numasuposta regularidadedasintaxe e da pronúncia. Ora, o Outro que ela ali descobre é umOuttosem fé, imprevisível, caprichoso: -Acabode ouvir uma pobre criançaser repreendida pelo pai,por lhe ter dito:·mon pere írai-je-t-y?·Ora,vê-se que essa criançaseguiamelhor aanalogiaque o gramático,pois,

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174 a criança no discurso analítico

já que lhe diziamvas -y por quenão diria·ela irai -je -t -y? Observem,além disso, com que desembaraço ela evitavao hiatode irai-je -y. ouy-irai -je ? Será culpada pobrecriançase despropositadamentecor tamos

da fraseeste advérbio determinantey porque nãosabíamos oque fazerdele? .Como vêem,não apenas acriança aquicitadacomo exemplo encon

tra a má-fé do Outroque ela supunha se r confiável,mas a este Outrofaltoso,lacunar, que lhe impõe ocorte,o hiat o, ela se opõe com todaasua vozorigi nal, à qual repugna, justamente, o corte, ohiato. O hom em,líamos hápouco,·mutila seu cão, seucavalo,seuescravo . Vê-se nesseexemplo que ele mutila também, assujeitando-oà sua línguaarticulada,

aquilo que resta de puro e natural na criança, aquilo pelo qualestanaturezase exprime:sua voz acentuadae inarticulada.Essaalienaçãoprecoce do homenzinhoao arbitráriodo significante

tem conseqUênciasfunestasa longo prazo. Não possodescrevê-las, masgo staria si mplesmente, ainda aqui,de me ater a umexemplo,que seencontra no fimdo LivroI -omaiormalda precipitaçãocom aqualsefazemfalaras crianças antesda idade·adequada nãoé queos primeirosdiscursos quese lhesdirigem,e as primeiras palavras ditas por elasnão

tenhamse ntido algum paraelas, massi m que tenham umoutro sentidoque não o nosso,sem que saibamospercebê-lo;de so rte que, parecendore sponder -nos muitoexatamente elas nos falamsemnos escutare semque as e s u t e ~ o s Em geral,é a semelhantesequívocosque se deve asurpresaem que nos lançam,às vezes, algumasde suas frases, àsquaisemprestamos idéias que elasnão reuniramde fonna alguma...

Eis af oefe ito deva stador dessa inscriçãoda cri ança numa ordemsignificanteonde o significante reinacomo mestre, libertoda idéiaque

lhe dar ia seu bomse ntido, e da coisaqueconstituiriasua justAreferência. Daí uÍ n mal-entendidofundamental,parao qual somos cegos, nósadultos já pervertidos,quando nos maravilhamoscom as pretensas·ooas palavras das crianças pequenas.De fato, os-ditos infantis sãosempre maus, na medida em quenão passam de sin tomas desses sujeitosdo inconscienteque fizemosdelas: · s pensamentosmais brilhantespodem ca ir no cé rebrodas crianças ou antes,as melhores palavrasemsua boca, como diamantes domais alto preçoem suas mãos,sem que

co m isso nem os pensamentosnem os diamanteslhes pertençam. Nãoexiste, absolutamente, verdadeira propriedaden ~ s s idade,de gêneroalgum .. Não existe propriedade e principalmente não·existe, helàspropriedadedo significante. Eé es ta impropriedade fundamentAldosignificante,o qual nos possuiquando acreditamos possuí-lo, que semanifesta através dos jogos de palavras- de fato, dos lapsos - dascrianças pequenas.

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O corpo místico

François Regnault

O quese passa o mo corpo do Outro, quando oOutroé representado

pela Eucaristia ou pela Igreja?Muita coisa leva a crer que as religiões tod s implicam numa teoriado corpo: alimento, sepultura . Do corpo referido a esse gra nd e Outroque Deus pode se r .

Dois temas abordados aqui : o corpo dito místico, o corpo dito ~ r -

tasmático .Duas referência s: Henri de Lubac, Corpus mysticum,1939, publi ca

do em 1949 (Aubier). Louis Massignon, ~ l Hallâj, le phantasme

crucifiédes Docêtes et Satatr selon les Yezidis ( 1911 ), in Opusculaminora, tomo 11 pág. 18 .

A Igreja, corpo místico do Cristo

Este é quase um clichê na Igreja . No entanto, a fórmula )evou muit otempo para ser estabelecida. Henri de Lubac demonstra que a equaçãodo Corpo do Cristo e da Igreja nio é, inicialmente, a mesma que a docorpo místico e da Eucaristia. Ainda assim, o cristianismo se propô sdesd e muito cedo à tarefa de pensar que, definitivamente, esses trêscorpos fazem apenas um Corpus; Oblata-hóstia; Ecclésia .

Esta identificação é, como a d s Pessoas da Trindade, racionalmenteinsustentável. O que diz Lacan : -Não nos parece, de forma alguma,inacessfvel a um tratamento cienúfico que a verdade cristã deva terpa ss ado pela formulação insustentável de um Deus Trino e Uno. Opoderio eclesiástico se acomoda muito bem, aqui, por um certo desencorajamento do pensamento .. Écrits, p. 873.)

Mas com relação ao corpo, vai ser escolhida uma outra regra demétodo, a seguinte: ' Se, como dizemos, o homem está aberto paradesejar tantos oulros em si mesmo quanto seus membros têm nomes forade si, se ele tem que reconhecer tantos membros disjuntos de suaunidade, perdida sem jamais ter sido, quantos entes existem que s io a

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falando, umjogo de palavras.Pela Eucarist ia cadaum se insereem todaa realidade numcorpoúnico- (p. 33).

O que justifica, topologicamente, que o adjetivo·místico . seja en

contrad o no Século XIIacopladoao corpo(via,inicialmente, o advérbiomystice) paradesignara Igreja .·compreende -seaqui o momento emque o adjetivomys ticus começa

a passar do significante aosignificado, d Eucaristiaà Igreja, tomandode empréstimo, paraessa pa ssagem, a fonna adverbial,na qual secondensae se unificapor um instantesua dupla significação..

Todos os aspectosdo nó terãosido percorridos: a sociedadede fiéisse identifica,então,com o sacramento.

É claro queestenó poderáse r cortado, deduas maneiras, pelo menos :- recusa de que o corpo do Cristotenha duas cabeças: o Sacerdócio

e o Império (querelaspolíticas co ntrao Papadono Século XIV).- recusa de que o corpodo Cristose co nfundaco m a Igrejavisível

(a Refonna no Século XVI).

O corpo .. antasmáti co .

A causa desta dialéticano cristianismo é a crençano corpode Cristosuposto(um) real: o Verbofeito carne sarx, caro).

Um contra-exemplo o confinna:idéia de que só se pregouna Cruzum semblante, oque constituia heresiadoceta dokei parece).

Essa heresia tem se u co rrespondenteno Islã: AI Ho sa yn - ibn Mansour al Hallâj, mártirdo sofismo, condenado, mutilado, crucificado equeimado co mo herético em 922, emBagdá.

Ora, um relato lendáriode 1905a seu respeito diz o seguinte:~ u

homemfoi se postar diantede At Hallâj,que estava no cadafalso, egritou:'Louvor a Deus, queo fezse r expo sto ai , como exemplo paraoshomense os anjos,em advertência paraos que oolham ' Ma s eis quese ntiu, atrásde si, o pr óprio AI Hallâj, cuja mão estava pousadaem seuombro , eque lherecitava (o versículodo Corãosobr e Jesus): 'Não, elesnão o mataram,não o crucificaram,mas pareceu-lhes que foraassim...c ele s não o mataram verdadeiramente, mas Deu s o tomou a si, poisDeu s é poderoso e justo'."

Espalhou-se, com efeito, o boatode que AI Hallâj não sofrera empessoa,e que Deu s, como com Jesus,operara omilagre de umasubstituição, tendo-o levadovivopara o céu.

Esta suposição, que tem sua vertenteidealista (salvarda morte ocorpo do Cristo), tem tambémsua vertente blasfematória: oasnocrucificado emseu lugar,como mo stra um grafitido Palalino.

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estudos 179

O docetismo,não tapeadopelo calvário, recua diante do realdo corpocrucificado, substituindo-o por um imaginário,ou irreal. A doutrinarealizada quer,ao contrário,mantero maior número possívelde determinações incompatíveis.

Concl usões

A hóstiaeucarísticaé uma lâminade Lacan (a libido chata, que podepa ssar sob a porta - ver também o Seminário XI, CapítuloXV).

A hóstiado ritualé despedaçada. Ela representa oco rpo real crucificado(e não um semb lante);ela mesma,enquanto Eucaristia (autoni-. mia); a Igreja como co rpo (político). O fato de que esses três co rposfaçam apenasum é o quese sub trai da propriedadeborromeana.Comoa. >pec tos do nó borromeano,é pr eciso,ao contrário, co nsiderar os trêselementos como substituíveis,não como identificáveis.

A identificação,ou a unificaçãonão borromeana, seriaela algodiverso da operaçãoreligiosa que diz res peito ao co rpo, a sabe r, arecuperação da carne?

Assimterminao Semináriovn (p. 371): É aí, com efeito,qu e estáa operação religiosa, se mpretão interessant e paranossa observação.Oque é sacrificadode hemparao dese o e vocêsvão observar que is :;o

quer dizer amesmacoisa do que é per didodo desejopara o bem- es talibra deca rne,é ju stamente aquilo com oque a religião desempenhase uofício e s dedica a recuperar. É o único traçoco mum a todas asreligiões,issose estendea todaa religião,a todo ose ntido religioso.

O que,no ofício religioso,é oferecid o de carneao Deus sobreo altar,

o sacrifício, animal,ou outro,são as pessoas da comunidadereligiosa,e em geral o padre,simplesmente, como qualenchem o bucho- querodizer,que comele se empanturram...1

Na teoriado corpomístico, esseempanturrar- triforme- do corpodo Outr o é particularmente aperfeiçoado

1 Alusllu possível ao capituloXIV do Lim de Da ie .

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