ju559

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www.unicamp.br/ju ornal U ni camp da Campinas, 29 de abril a 5 de maio de 2013 - ANO XXVII - Nº 559 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA J IMPRESSO ESPECIAL 9.91.22.9744-6-DR/SPI Unicamp/DGA CORREIOS FECHAMENTO AUTORIZADO PODE SER ABERTO PELA ECT Enfim, Arte: Luis Paulo Silva, sobre foto de Alessandro Pinzani Casario no município piauiense de Santa Cruz dos Milagres, visitado pelos autores do livro: mulheres passaram a ter liberdade de escolha O livro Vozes do Bolsa Família (Editora Unesp), da socióloga Walquiria Gertrudes Domingues Leão Rêgo (Unicamp) e do filósofo italiano Alessandro Pinzani (UFSC), revela como o programa de transferência de renda do governo federal transformou a vida de mulheres que passaram a ter autonomia e uma nova percepção sobre a própria condição em regiões historicamente associadas à submissão feminina. Os autores entrevistaram 150 beneficiárias no litoral alagoano, no Vale do Jequitinhonha (MG), no interior do Piauí, do Maranhão e de Alagoas, e na periferia de São Luís e do Recife. 6 e 7 cidadãs cidadãs 3 2 4 5 9 12 Pesquisadores procuram o clone ideal da seringueira Doenças afetam docentes do ensino superior privado Bagaço de laranja é convertido em etanol O abismo entre discurso e prática na política de C&T Impactos da interiorização dos presídios em São Paulo A poética ‘trapalhônica’, da revista ao picadeiro

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Jornal da Unicamp, edição 559

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Page 1: JU559

www.unicamp.br/juornal Unicampda

Campinas, 29 de abril a 5 de maio de 2013 - ANO XXVII - Nº 559 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA J IMPRESSO ESPECIAL

9.91.22.9744-6-DR/SPIUnicamp/DGACORREIOS

FECHAMENTO AUTORIZADOPODE SER ABERTO PELA ECT

Enfim,Arte: Luis Paulo Silva, sobre foto de Alessandro Pinzani

Casario no município piauiense de Santa Cruz dos Milagres, visitado pelos autores do livro: mulheres passaram a ter liberdade de escolha

O livro Vozes do Bolsa Família (Editora Unesp), da socióloga Walquiria Gertrudes Domingues Leão Rêgo (Unicamp)

e do filósofo italiano Alessandro Pinzani (UFSC), revela como o programa de transferência de renda do governo

federal transformou a vida de mulheres que passaram a ter autonomia e uma nova percepção sobre a própria condição

em regiões historicamente associadas à submissão feminina. Os autores entrevistaram 150 beneficiárias

no litoral alagoano, no Vale do Jequitinhonha (MG), no interior do Piauí, do Maranhão e de Alagoas,

e na periferia de São Luís e do Recife.

6e 7cidadãscidadãs 3

2

459

12

Pesquisadores procuram oclone ideal da seringueira

Doenças afetam docentes do ensino superior privado

Bagaço de laranja éconver tido em etanol

O abismo entre discurso eprática na política de C&T

Impactos da interiorizaçãodos presídios em São Paulo

A poética ‘trapalhônica’,da revista ao picadeiro

Page 2: JU559

UNICAMP – Universidade Estadual de CampinasReitor José Tadeu JorgeCoordenador-Geral Alvaro Penteado Crósta

Elaborado pela Assessoria de Imprensa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Periodicidade semanal. Correspondência e sugestões Cidade Universitária “Zeferino Vaz”, CEP 13081-970, Campinas-SP. Telefones (019) 3521-5108, 3521-5109, 3521-5111. Site http://www.unicamp.br/ju e-mail [email protected]. Twitter http://twitter.com/jornaldaunicamp Assessor Chefe Clayton Levy Editor Álvaro Kassab Chefi a de reportagem Raquel do Carmo Santos Reportagem Carmo Gallo Netto, Isabel Gardenal, Luiz Sugimoto, Maria Alice da Cruz, Manuel Alves Filho, Patricia Lauretti e Silvio Anunciação Fotos Antoninho Perri e Antonio Scarpinetti Editor de Arte Luis Paulo Editoração André da Silva Vieira Vida Acadêmica Hélio Costa Júnior Atendimento à imprensa Ronei Thezolin, Patrícia Lauretti, Gabriela Villen e Valerio Freire Paiva Serviços técnicos Dulcinéa Bordignon Everaldo Silva Impressão Pigma Gráfica e Editora Ltda: (011) 4223-5911 Publicidade JCPR Publicidade e Propaganda: (019) 3327-0894. Assine o jornal on line: www.unicamp.br/assineju

Campinas, 29 de abril a 5 de maio de 20132

LUIZ [email protected]

Fotos: Antonio Scarpinetti

Tese: “Os impactos das condições de trabalho sobre a subjetividade do pro-fessor de ensino superior privado de Campinas”Autora: Liliana Aparecida de LimaOrientadora: Elisabete Monteiro de Aguiar PereiraUnidade: Faculdade de Educação (FE)

Doenças e falta de privacidade rondamprofessores do ensino superior privadoPesquisa desenvolvida para fundamentar tese demonstra que 88% dos docentes estão estressados

A professora Liliana Aparecida de Lima, autora da tese:

“Queremos a regulamentação, o fi m dessa trajetória

de desnacionalização”

esquisa feita junto a professores que atuam no ensino superior privado de Campinas revela que

88% deles estão estressados; 76% têm a vida privada invadida pelo tra-balho, que retira o tempo de conví-

vio com a família, os amigos e o lazer; 52% temem perder o emprego e, para evitar o desemprego, muitos trabalham em mais de uma escola; e 52% manifestam doenças físi-cas e psicológicas. A pesquisa também mos-tra que, ainda assim, 68% dos docentes não mudariam de profissão.

Os dados são apresentados por Liliana Aparecida de Lima na tese de doutorado “Os impactos das condições de trabalho so-bre a subjetividade do professor de ensino superior privado de Campinas”, defendida junto à Faculdade de Educação (FE), sob a orientação da professora Elisabete Monteiro de Aguiar Pereira. “Sou professora de psico-logia da PUC de Campinas há 25 anos, mas a motivação para a pesquisa veio da minha trajetória sindical, como diretora do Sindica-to dos Professores de Campinas e Região”, esclarece a autora.

Liliana Lima abre a tese contextualizando a forte expansão do ensino superior privado a partir da política neoliberal adotada na dé-cada de 1990, com base na desregulamenta-ção, financeirização e desnacionalização. “A educação está sendo negociada na bolsa de valores, aberta ao capital estrangeiro. Fusões entre instituições educacionais constroem grandes conglomerados, o que reforça o cres-cimento de uma concepção mercadológica do ensino privado no país. Por isso, a luta do movimento sindical dos professores contra essa mercantilização. Queremos a regula-mentação, o fim dessa trajetória de desnacio-nalização, que representa um tiro no pé.”

Segundo a autora da tese, este cenário de mercantilização do ensino se manifesta na precariedade das condições de trabalho dos professores. “Se o empresário vê o ensino como mercadoria e o aluno como cliente, como vai tratar o professor da instituição de que é proprietário? A precariedade está na contratação de professores sem concurso e nos salários baixos mesmo com titulação. Se o professor se torna mestre ou doutor, tam-bém se torna mais caro e é substituído por um horista – há um número mínimo de pós-graduados apenas para atender às exigências do MEC. A rotatividade é enorme.”

Liliana diz ter identificado vários colegas de profissão constantemente tristes, angus-tiados, desmotivados, menos criativos nas aulas e que repensam suas perspectivas pro-fissionais. “Como psicóloga, optei por focar a questão das subjetividades através da con-cepção sócio-histórica. Esses autores marxis-tas afirmam que a subjetividade não é uma oposição à objetividade, e sim que ambas se constituem. Portanto, devemos olhar as condições objetivas de trabalho do professor, como essas condições impactam nos objeti-vos do professor e de que forma o professor

devolve as repercussões para os objetivos.”Um aspecto que a pesquisadora consi-

dera importante foi a indisponibilidade dos professores para entrevistas presenciais, devido à sobrecarga de trabalho ou mesmo por desconfiança. “É um dado da tese que talvez mereça ser investigado mais profun-damente, o que não pude fazer. A solução foi enviar um questionário com perguntas objetivas e também discursivas, para que pudessem se manifestar livremente sobre suas vidas como trabalhadores da educação. Enviei 100 convites e pude trabalhar com 29

professores, número muito bom para uma pesquisa qualitativa.”

Embora não tivesse a pretensão de que a sua pesquisa fosse conclusiva, Liliana Lima ressalta que ela traz informações bem rele-vantes em relação a este grupo de professores da rede privada de ensino superior, como as referentes ao adoecimento. “Mais da metade manifestam problemas de voz, vasculares e respiratórios, assim como depressão, síndro-me de pânico, insônia e uma arritmia cardí-aca que não se confirma quando investigada. São manifestações que eles identificam com ligadas ao trabalho, ao passo que os trabalha-dores em geral não conseguem estabelecer esta relação.”

Sobre os 68% dos entrevistados que não mudariam de profissão, a autora da tese considera que existe neles uma forte convic-ção de que a função de educador é bonita e valorosa. “São professores que acreditam contribuir para criar novas relações entre as pessoas e transformar o mundo. Ao mesmo tempo em que estão estressados, doentes e medrosos, não desistiriam da profissão, o que significa que talvez não estejam tão de-siludidos assim.”

Liliana observa, entretanto, que a maio-ria dos entrevistados possui apenas uma década de carreira. “Se em dez anos temos tais percentuais, o que pode acontecer até a aposentadoria? Alguém pode perguntar o que a tese traz de novo, haja vista que todo professor pode dizer informalmente que está estressado. O ineditismo está no fato de que esses professores do ensino superior privado nunca foram pesquisados, nem esse grupo de instituições em que atuam. Os dados podem ter muita serventia para o movimento sindi-cal, dentro do debate mais amplo que ocorre no país sobre quem é o trabalhador de hoje.”

O GRANDE EMBATE Questionada sobre como mudar este ce-

nário do ensino superior privado, Liliana Lima lembra que está tramitando no Senado o Plano Nacional de Educação (PNE), que já foi aprovado na Câmara. “O Plano contempla vinte metas a serem cumpridas no horizon-te de dez anos, entre as quais a de incluir o ensino superior privado dentro do Sistema Nacional de Educação, ou seja, a sua regula-mentação também pelo Estado, a fim de que o governo se responsabilize por essa expan-são sem limites.”

Segundo a pesquisadora, se os empresá-rios do ensino fazem lobbies no Congresso, a Confederação dos Trabalhadores em Esta-belecimentos de Ensino (Contee) também tem presença marcante junto a deputados e senadores, esclarecendo-os sobre a pauta de reivindicações dos professores. “É um grande embate. A tendência é pela aprovação, mas é preciso pressão para que não empurrem a votação adiante. Coloco os resultados da tese dentro de um guarda-chuva maior, olhan-do para esses docentes a partir de um novo projeto de desenvolvimento para o país, com valorização do trabalho e distribuição de ren-da mais justa. Todos dizem que a educação é fundamental, mas o Brasil carece de ações que mostrem tal protagonismo.”

Os dados do Censo da Educação Superior de 2009, divulgado no dia 13 de janeiro de 2010 pelo Ministério da Educação (MEC), registrou que o Brasil possui 2.314 Instituições de Ensino Supe-rior (IES), sendo que 89,4% são privadas e 10,6% públicas. Há um total de 307.815 professores no ensino superior do país, sendo 36% mestres e 27% doutores. Nas instituições públicas, 75% dos professores são mestres e doutores e nas priva-das esta proporção é de 55%.

Segundo os dados do mesmo relatório do Mi-nistério, o professor da instituição privada é em geral jovem, com média de 34 anos, com mes-trado e recebendo por hora/aula. Já o docente da instituição pública tem em média 44 anos, é doutor e o regime de trabalho de período integral.

O Censo de novembro de 2011 indica que con-siderando a última década (2001-2010), a expan-são de matrículas no ensino superior foi de 110%, sendo de 74,2% nas IES Privadas e de 25,8% nas IES Públicas, como mostra a tabela ao lado:

Expansão de matrículas foi de 74,2% em uma década

Publicação

Dados do levantamento revelam que 52% dos

entrevistados temem perdero emprego e manifestam

algum tipo de doença

NÚMERO DE MATRÍCULAS EM CURSOS DE GRADUAÇÃO

ANO

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

%

31,1

30,8

29,9

28,8

27,3

25,6

25,4

26,7

25,6

25,8

FEDERAL

504.797

543.598

583.633

592.705

595.327

607.180

641.094

698.319

839.397

938.656

Fonte: Censo da Educação Superior 2010/MEC

TOTAL

3.036.113

3.520.627

3.936.933

4.223.344

4.567.798

4.883.852

5.250.147

5.808.017

5.954.021

6.379.299

TOTAL

944.584

1.085.977

1.176.174

1.214.317

1.246.704

1.251.365

1.335.177

1.552.953

1.523.864

1.643.298

%

16,6

15,4

14,8

14

13

12,4

12,2

12

14,1

14,7

ESTADUAL

360.537

437.927

465.978

489.529

514.726

502.826

550.089

710.175

566.204

601.112

%

11,9

12,4

11,8

11,6

11,3

10,3

10,5

12,2

9,5

9,4

MUNICIPAL

79.250

104.452

126.563

132.083

136.651

141.359

143.994

144.459

118.263

103.530

%

2,6

3

3,2

3,1

3

2,9

2,7

2,5

2

1,6

PRIVADAS

2.091.529

2.434.650

2.760.759

3.009.027

3.321.094

3.632.487

3.914.970

4.255.064

4.430.157

4.736.001

%

68,9

69,2

70,1

71,2

72,7

74,4

74,6

73,3

74,4

74,2

PÚBLICAS

Page 3: JU559

ela primeira vez no mundo, pes-quisadores do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética

(CBMEG) da Unicamp desenvol-veram um mapa genético-molecular

para seringueira composto inteiramente por marcadores microssatélites, que permi-tem conhecer as diferenças genéticas entre os indivíduos de uma mesma espécie. Por meio de uma análise genética inovadora, foi possível localizar no mapa regiões do DNA que contêm genes responsáveis pelo cres-cimento da seringueira no inverno (frio e seco) e verão (quente e úmido). A pesquisa, que pode trazer significativas contribuições aos programas de melhoramento da planta, gerou um artigo que acaba de ser aceito para publicação pela revista científica PLOS ONE, uma das mais destacadas do seu segmento. “O objetivo do trabalho é gerar dados que levem ao desenvolvimento de clones que cresçam bem em regiões onde o verão seja quente e úmido e o inverno, frio e seco, cli-ma característico de São Paulo e Mato Gros-so do Sul. Nessas condições, o principal inimigo da seringueira, o fungo que causa a doença conhecida como ‘mal das folhas’, não consegue se proliferar”, explica a pro-fessora Anete Pereira de Souza, diretora do CBMEG e coordenadora do estudo.

A pesquisa em torno da seringueira teve início em 2007, com o trabalho de douto-rado de Lívia Moura de Souza, hoje pós-doutoranda do CBMEG. As investigações contaram, ainda, com a colaboração dos pesquisadores Dominique Garcia e Vin-cent Le Guen, do La Centre internationale en recherche agronomique pour le déve-loppement (CIRAD, da França); Antonio Augusto Franco Garcia e Rodrigo Gazzafi, do Departamento de Genética da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq-USP); Paulo Gonçalves de Souza, do Instituto Agronômico de Campinas (IAC); e Saulo Cardoso, da Michelin do Brasil. No Brasil, as bolsas de estudos e o auxílio fi-nanceiro foram concedidos pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). “Sem a colaboração dessas instituições e sem uma abordagem multi-disciplinar, nós não teríamos alcançado o nosso objetivo”, afirma a professora Anete.

Segundo a docente, as seringueiras uti-lizadas na pesquisa foram plantadas pela Michelin, que mantém uma fazenda locali-zada no sul de Mato Grosso. Os indivíduos pertenciam a uma população de mapea-mento, que foi desenvolvida pelos pesqui-sadores do CIRAD na Tailândia, a partir de dois parentais. Um deles tinha como carac-terística a alta produtividade e o outro, a boa tolerância ao frio. Desse modo, entre as plantas resultantes do cruzamento, algu-mas apresentam atributos que combinam qualidades próximas às dos pais: alta pro-dução e tolerância ao frio.

A partir de folhas de seringueira obtidas do IAC, Lívia desenvolveu novos marcado-res moleculares, visto que eles apareciam em pequeno número na literatura. “Nós construímos uma biblioteca enriquecida com os microssatélites. O passo seguinte foi fazer a genotipagem da população de plantas obtidas no cruzamento, que vem a ser a identificação dos marcadores mole-culares desenvolvidos ao longo do DNA da seringueira. São essas marcas que permi-tem que façamos associações de regiões do DNA com as características fenotípicas de interesse das plantas, como altura e diâme-

3Campinas, 29 de abril a 5 de maio de 2013

(CBMEG) da Unicamp desenvol-veram um mapa genético-molecular

Pesquisadores desenvolvem mapa genético-molecular

para seringueira, com vistas ao melhoramento

da planta

Fotos: Divulgação

Foto: Antoninho Perri

Em busca do clone ideal

Plantação de seringueira (acima) e pesquisadores em trabalho de campo (à dir.): em busca de variedades que possam ser cultivadas em áreas de escape

A professora Anete Pereira de Souza (segunda, da esq. para a dir.) e sua equipe: estudos objetivam desenvolver clones que produzam bem em regiões onde o verão seja quente e úmido e o inverno, frio e seco

MANUEL ALVES [email protected]

tro do caule”, detalha a autora da tese.Concluído o mapa genético-molecular,

os cientistas identificaram as regiões que controlam o crescimento da seringueira nos períodos quentes e frios do ano. São esses dados, conforme a professora Anete, que podem contribuir com os programas de melhoramento da planta. O objetivo é desenvolver variedades que sejam alta-mente produtivas e que cresçam bem tanto em condições de inverno quanto de verão. “Embora uma corrente da ciência acredite que a melhor alternativa seja a busca por variedades resistentes ao ‘mal das folhas’, outra, na qual nós nos inserimos, pensa que a saída está em desenvolver varieda-des que possam ser cultivadas em áreas de escape, ou seja, em regiões cujo clima seja desfavorável à proliferação do fungo causa-dor da doença”, destaca a docente.

No Brasil, prossegue a diretora do CB-MEG, o Estado de São Paulo apresenta ca-racterísticas climáticas que o recomendam como uma área de escape. Ela lembra que o fungo causador do “mal das folhas” sur-giu na Amazônia praticamente junto com as seringueiras. Na floresta, o organismo não causava grandes problemas, pois as árvores ficavam separadas umas das outras por ou-tras espécies. Assim, o fungo permanecia em equilíbrio com a natureza. Com a descoberta da importância da borracha natural, entre-tanto, o extrativismo deu lugar à monocultu-ra da seringueira, modelo no qual as árvores são plantadas lado a lado, em milhares de hectares. Isso facilitou a proliferação do fito-patógeno, que dizimou inúmeras plantações no país, sobretudo na região Norte.

Embora seja uma espécie tropical, a se-ringueira é caducifólia. Isso significa que ela perde as folhas em um período do ano. No Brasil, isso ocorre em julho, mês no qual chove muito e faz calor na região Nor-

te, condições que estimulam a proliferação do fungo. “Em São Paulo, as característi-cas climáticas são diferentes. Aqui, nós temos um verão quente e úmido e um inverno frio e seco. Nessas circunstân-cias, o fungo não consegue se desenvolver. É por isso que consideramos que o Estado pode vir a ser uma área propí-cia à exploração mais intensa da heveicultura”, diz a profes-sora Anete.

De acordo com ela, há dé-cadas que a ciência vem ten-tando descobrir variedades resistentes ao fitopatógeno. Ocorre, no entanto, que o fungo sofre mutações contínuas. Toda vez que um clone mais resistente é desenvolvi-do, em pouco tempo ele também é atacado pelo “mal das folhas”. “É justamente por isso que consideramos que temos que per-correr um caminho diferente daquele que busca somente a maior resistência da serin-gueira”, reforça a docente. Caso as pesqui-sas resultem de fato na geração de clones capazes de crescer e produzir bem em São Paulo, isso trará ganhos importantes tanto para o Estado quanto para o país, como ob-serva a diretora do CBMEG.

A avaliação da professora Anete está ba-seada no fato de o Brasil, que foi o maior produtor e exportador de borracha do mun-do, ser atualmente um grande importador dessa matéria-prima. Dados divulgados em 2012 pelo Instituto Brasileiro de Geo-grafia e Estatística (IBGE) davam conta de que o país produziu no ano anterior 142,7 mil toneladas de borracha natural, contra um consumo de 427,2 366 mil toneladas. A diferença foi comprada de outros países, contribuindo assim para ampliar o déficit

da balança comercial. Dito de outro modo, o Brasil gera atualmente apenas um terço da borracha de que necessita.

O consumo de borracha natural, assi-nala a professora Anete, funciona como um indicador do grau de desenvolvimento de um país – quanto mais industrializado, mais borracha natural ele usa. “O desafio que nós temos é de contribuir para que o Brasil volte a ser um grande produtor dessa matéria-prima. Ainda que o país não reto-me a condição de exportador, é importante que ele seja pelo menos autossuficiente. Nesse contexto, haveria um estímulo à in-dústria, com a consequente geração de em-prego e riquezas”, afirma.

O uso de recursos da genética genômica e da biotecnologia, conforme Lívia, a autora da tese, é fundamental para que esse objeti-vo possa ser alcançado, pois eles criam ata-lhos importantes ao processo de obtenção de novos clones produtivos de seringueira. “Não custa lembrar que o desenvolvimento de um clone demora cerca de 30 anos para ser concluído. Ainda estamos longe de con-seguir fazer uma seleção assistida por mar-cadores celulares, mas já demos o primeiro passo nesse sentido”, conclui. Também par-ticiparam das pesquisas sobre a seringueira os seguintes estudantes de pós-graduação: Carla Cristina da Silva, Camila Campos Mantello e André Ricardo Conson.

Tão importante quanto contribuir para solucionar um problema brasileiro, estu-dos como os desenvolvidos pelo CBMEG ajudam também na formação de recursos humanos qualificados. A professora Anete faz questão de enfatizar que o mérito pe-los resultados alcançados na pesquisa com a seringueira é em grande parte de seus os alunos, que têm demonstrando não so-mente capacidade, mas também compro-metimento com o projeto. “Além de muito preparados, eles revelam um entusiasmo incrível, que me contamina também. Eu sempre desejei trabalhar com a seringuei-ra, mas nunca tinha conseguido. O projeto somente deu certo por causa da colabora-ção das outras instituições, mas fundamen-talmente por causa da chegada da Lívia ao grupo de pesquisa. Posteriormente, vieram também outros pós-graduandos. Eles tra-balham tanto para gerar novos conheci-mentos quanto para compartilhá-los com quem esteja interessado”, pontua.

Page 4: JU559

ão clássicos os parâmetros que orientam a produção industrial com vistas à diminuição dos cus-tos de produção: insumos bara-tos, menor demanda de energia, redução do tempo de processa-

mento. Nas últimas décadas, muitas indús-trias estão sendo levadas a considerar mais uma questão. Pressões sociais têm levado progressivamente muitos países a adotar medidas que forcem o uso de matérias-pri-mas renováveis e processos que contribu-am para a preservação do meio ambiente e da biodiversidade.

Por outro lado, o fantasma da sempre presente finitude dos combustíveis fosseis, caso do petróleo, movem meios produtivos e governos a promoverem e estimularem a procura de outras fontes energéticas. Entre elas, pelo seu caráter renovável, tem mere-cido destaque a utilização do álcool obtido diretamente de produtos agrícolas. No Bra-sil assumiu capital importância o emprego pioneiro da cana-de-açúcar. O biocombustí-vel obtido diretamente do produto natural é considerado de primeira geração.

O sucesso dessa empreitada, de reper-cussão mundial, e a necessidade crescente da procura de outras fontes para a produção do bioálcool, levaram à utilização de outros tipos de biomassa não destinados à produ-ção primária de alimentos. Entre essas novas fontes energéticas que se revelaram promis-soras estão os agro-resíduos, bagaços e cas-cas de frutas.

Uma dessas biomassas de baixo custo e níveis elevados de carboidratos, o que viabi-liza a sua utilização em processos biotecno-lógicos, é o bagaço da laranja, resultante do processamento do fruto utilizado na extração do suco que dá origem ao concentrado, larga-mente exportado pelo Brasil principalmente para EUA, Europa e Ásia. O álcool obtido a partir desses tipos de biomassa é denomina-do de segunda geração.

Com o objetivo de melhorar o rendimen-to de processos já empregados para geração do bioálcool a partir de biomassas – cujas eta-pas fundamentais envolvem basicamente hi-drólise e a fermentação –, baixando os custos e tempos de produção, a professora Ljubica Tasic, do Instituto de Química da Unicamp (IQ), orientou trabalho que deu origem à tese “Bagaço de laranja como biomassa para a produção de etanol de segunda geração”, desenvolvida pela química paquistanesa Al-mas Taj Awan no Laboratório de Química Biológica do IQ.

4Campinas, 29 de abril a 5 de maio de 2013

CARMO GALLO [email protected]

Fotos: Antoninho Perri

Tese: “Bagaço de laranja como biomassa para a produção de etanol-2G”Autora: Almas Taj Awan Orientadora: Ljubica Tasic Unidade: Instituto de Química (IQ)

Publicação

Química desenvolve etanol a partir do bagaço da laranjaEstudo resulta em álcool de segunda geração ao aperfeiçoar processos de hidrólise

O etanol produzido a partir do bagaço: resíduos de

laranja chegaram a9,5 milhões de toneladas

no país em 2011

A professora Ljubica Tasic (à esquerda), orientadora, e Almas Taj Awan, autora da tese, no Laboratório de Química Biológica: conversão hidrolítica

As pesquisadoras esclarecem que o tra-balho procurou melhorar os processos de hidrólise atualmente empregados a que é submetido o bagaço de laranja. Com esse objetivo, utilizou hidrólises ácida e enzimá-tica, realizando posteriormente fermentação com cepas isoladas ou misturadas. Compara-ram então o processo clássico, que envolve hi-drólise ácida, com os que utilizam a aplicação de enzimas comerciais e com aquele em que introduziram o microrganismo Xanthomonas axonopodis pathovar citri (Xac). E aí residiu a grande inovação. A Xac, fitopatógeno de grande periculosidade por causar a doença do cancro em cítricos, foi escolhida devido à pre-sença de várias enzimas hidrolases e, também, face ao custo menor em relação às enzimas atualmente usadas nos processos industriais.

A importância do estudo ressalta quando se sabe que, segundo o United States De-partament of Agriculture, o Brasil é o maior produtor de laranja do mundo. Em 2011, cerca de 19 milhões de toneladas de laran-jas foram produzidas no país, das quais 15 milhões apenas no Estado de São Paulo. O resíduo resultante da extração do suco cons-titui cerca de 50% do fruto. Esse tipo de re-síduo lignocelulósico, utilizado grandemente no enriquecimento de rações, demanda um aproveitamento econômico mais atraente e de baixo custo. É o que se pretende hoje com a sua utilização na produção do bioetanol de segunda geração por meio da fermentação dos carboidratos oriundos dessa biomassa.

Os resultados obtidos pelas pesquisado-ras mostram a ocorrência de bem sucedida conversão hidrolítica do bagaço em uma mis-tura de açúcares passíveis de fermentação pelas enzimas da Xac. Ou seja, os polissacarí-deos do bagaço são convertidos por hidrólise em monossacarídeos. Esses açúcares foram então transformados em bioetanol com a utilização de leveduras, duas isoladas do ba-gaço e a convencional, tanto com um único microrganismo (mono-cultura) como com a cultura de dois microrganismos (co-cultura).

Os rendimentos em termos de bioetanol decorrentes do emprego de co-culturas che-garam a 60%, valores muito superiores aos rendimentos decorrentes do uso de cepas es-pecíficas utilizadas na monocultura (cerca de 30%). Além disso, os açúcares foram consu-midos mais rapidamente, acelerando os pro-cessos fermentativos, que passaram a ser de seis horas e não mais de vinte e quatro horas, tornando-os atraentes em termos de custos e aplicações comerciais.

Considerando-se que, em 2011, no Brasil os resíduos de laranja chegaram a 9,5 milhões de toneladas (metade da massa da fruta pro-duzida) e a possibilidade de um rendimen-to de cerca de 60% no processo empregado, conclui-se que esses resíduos poderiam ter gerado 1,14 milhões de toneladas de etanol.

Essas perspectivas promissoras determi-naram que a aluna de graduação em química Diana Martiniak Firbida e as pesquisadoras Junko Tsukamoto e Almas Taj Awan, que também participaram do trabalho desenvol-vido pelo grupo orientado pela professora Ljubica, recebessem no final do ano passado o Prêmio Inova Unicamp de Iniciação à Ino-vação. O prêmio destina-se a projetos de ini-ciação científica que possuem maior potencial de mercado na forma de processos e serviços, que atraiam empresas e cujos resultados pos-sam reverter em beneficio da sociedade.

Os resultados da pesquisa foram apre-sentados na forma oral e/ou pôster em con-gressos e simpósios. As autoras destacam a participação naThe International Conferen-ce, Nanotechnology, Biotechnology & Spec-troscopy: Tools of success in the coming Era (ICNBS), que ocorreu em Egito, em 2012, premiada como a melhor apresentação oral da conferência.

A professora Ljubica destaca que o estu-do despertou o interesse de uma das maiores indústrias de concentrado de suco do Brasil, com vistas à melhora do processo de obtenção do bioetanol em sua unidade de produção, a

partir da biomassa de que dispõe. Diante dos resultados da pesquisa e do interesse da in-dústria parceira, a docente está submetendo à Fapesp – em programa mantido pela insti-tuição que visa a integração de universidade e indústria – projeto para o desenvolvimento do processo em planta piloto e posteriores testes já em escala industrial. Ela acredita que em dois anos o processo possa estar via-bilizado para emprego industrial.

O PROCESSOEntre as várias etapas que envolvem a con-

versão da ligninocelulose em etanol, distin-guem-se a hidrólise da celulose para obtenção dos açucares monômeros e a fermentação des-tes em etanol. No processo, o bagaço inicial-mente moído foi primeiramente submetido a hidrólises ácida e enzimática e, com o empre-go da espécie Saccharomyces cerevisiae e duas cepas do gênero Cândida parapsilosis, isoladas do próprio bagaço de laranja, fermentado. Por questões econômicas, as pesquisadoras testa-ram na etapa de hidrólise o uso da Xantho-nomas axonopolis pv. citri como fonte de en-zimas hidrolíticas, comparando sua ação com a de outras enzimas comerciais empregadas. Nesta etapa o interesse maior concentrou-se em verificar em que situações os rendimentos foram maiores.

Posteriormente, os hidrolisados resultan-tes foram transformados em etanol através dos processos de fermentação. Nestes casos foram inicialmente utilizadas duas cepas do gênero Cândida parapsilosis isoladas do pró-prio bagaço, face às suas eficácias, além da levedura comercial Saccharomyces cerevisae em mono e co-fermentações. Neste caso os melhores resultados foram obtidos com a utilização conjunta do Saccharomyces com uma das cepas da Cândida.

A junção destes dois fatores favoráveis le-vou o processo a um rendimento de cerca de 60% e a redução do tempo a seis horas, fato-res fundamentais em processos industriais.

PESQUISAS PARALELASOs óleos essenciais presentes na casca de

laranja – que apresentam ações antibacte-rianas e antimicrobianas e têm a função do proteger naturalmente o fruto contra pragas – inibem as ações dos microrganismos e por essa razão devem ser prévia, e pelo menos parcialmente, eliminados. Por essa razão, a primeira providência das pesquisadoras foi a extração desses óleos, submetendo o bagaço moído à passagem contínua de vapor aqueci-do. Esses óleos aromatizantes são usados em produtos cosméticos. Estes fatos levaram o Laboratório de Química Biológica, também, a pesquisar processos de maior eficiência para a extração desses óleos essenciais.

Segundo Almas, outra grande inovação introduzida no estudo foi a de isolar e identi-ficar 20 microrganismos presentes no bagaço de laranja com vistas a testá-los no processo de fermentação, etapa em que destaca a con-tribuição da pesquisadora Junko Tsukamoto. Dois microrganismos do gênero Cândida aca-baram sendo utilizados por Almas em mono e co-culturas. Ela ressalta, ainda, que o trabalho aponta para a oportunidade de estudar a uti-lização desses microrganismos em processos de fermentação de outros tipos de biomassa.

Outro produto, a esperidina, foi ainda obtido em alta pureza do bagaço da laranja, constituindo 1,8% dele. Esse fitoterapêutico age sobre o sistema vascular, normalizando a circulação e aumentando a resistência dos vasos sanguíneos e, acredita-se, que possa ter também atividade quimioprotetora.

No momento, os dados relevantes da pes-quisa estão sendo compilados e preparados para encaminhamento do pedido de patente.

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5Campinas, 29 de abril a 5 de maio de 2013

SILVIO ANUNCIAÇÃ[email protected]

Foto: Antonio Scarpinetti

Descompasso entrediscurso e prática

ma crença pode ser mais for-te que um fato. Os últimos 60 anos da política de ciência e tecnologia (C&T) no Brasil são perpassados por um descom-

passo entre o discurso e a práxis. O economista Rafael de Brito Dias, docente da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp, recorre à frase do cientista e polí-tico norte-americano Vannevar Bush (1890-1974) para sustentar sua análise. Vannevar Bush era uma espécie de ministro de C&T nos Estados Unidos pós-Segunda Guerra Mundial. Ele foi responsável pela elaboração do relatório Science: the Endless Frontier.

O documento defende, conforme Rafael Dias, a importância do apoio estatal à pesqui-sa científica, sobretudo porque o fim da Se-gunda Guerra diminuiria os recursos finan-ceiros para a ciência. O argumento era de que o Estado deveria estimular a pesquisa básica para garantir o desenvolvimento econômico e melhorias no padrão de vida da população.

“No Brasil, o marco fundamental da ins-titucionalização de nossa política de C&T é a criação da Capes [Coordenação de Aperfei-çoamento de Pessoal de Ensino Superior] e do CNPq [Conselho Nacional de Desenvol-vimento Científico e Tecnológico] no começo da década de 1950, muito também na onda desta narrativa que se constrói para legitimar o apoio estatal à prática científica”, compara, para criticar, em seguida:

“Assim como os cientistas norte-ameri-canos precisavam forjar, no final da Segun-da Guerra, um argumento para legitimar o apoio público a suas pesquisas, o discurso da inovação chega recentemente com seme-lhante função no Brasil. Ele serviu como um elemento que permitiu que a comunidade de pesquisa se reinventasse para manter o controle sobre a agenda da política”, expõe o pesquisador da Unicamp.

Rafael Dias acaba de lançar, pela editora da Unicamp, o livro Sessenta anos de política científica e tecnológica no Brasil, que apresenta um panorama crítico do período. A obra é resultado da sua investigação de doutorado defendida junto ao Programa de Pós-Gradu-ação em Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp. O estudo foi orientado pelo docente do IG Re-nato Peixoto Dagnino.

O pesquisador critica, na entrevista a se-guir, o discurso que transformou a inovação em uma “panaceia”. Dias, que coordena o Grupo de Análise de Políticas de Inovação (Gapi) da Unicamp, também desaprova o fato de a política de C&T no país ser dominada por um único ator – a “comunidade de pesquisa”.

Jornal da Unicamp – Qual foi a motiva-ção para a pesquisa que culminou no livro?

Rafael de Brito Dias – A ideia surge com a constatação de que a política de ciên-cia, tecnologia e inovação está se tornando cada vez mais importante ou mais presente no discurso governamental. Mas ela ainda carece de reflexão acadêmica aprofundada. Enquanto políticas como a de saúde, edu-cação e assistência social já têm tradição como objeto de pesquisa, a política cientí-fica e tecnológica é carente neste sentido. São ainda poucos os trabalhos que se preo-cuparam em detalhar a sua trajetória.

JU – Que constatação relevante você aponta ao longo destes 60 anos de política de C&T no Brasil?

Rafael de Brito Dias – Ela é domina-da por um único ator, que é a comunidade de pesquisa. Isso é também observado em outros países latino-americanos. Mas não ocorre nos Estados Unidos e na Europa. O fato de a comunidade de pesquisa ser mui-to mais poderosa em relação aos outros atores faz com que ela controle a agenda. Temos uma pluralidade de atores que po-deriam estar negociando e intervindo neste processo de construção da política pública, mas estão de fora. A própria empresa, que aparece com centralidade no plano do dis-curso governamental, não participa tão ati-vamente no processo decisório.

JU – Como é constituída esta comunidade de pesquisa?

Rafael de Brito Dias – É uma ideia de comunidade científica mais ampliada, envolvendo não só as ciências “duras” ou engenharias, mas também gestores e eco-nomistas, por exemplo.

JU – E o que explicaria o fato desta comu-nidade ter mais poder de decisão em relação a outros atores?

Rafael de Brito Dias – É preciso voltar 60 anos na história para entender isso. Há um episódio ocorrido no final da Segunda Guerra Mundial, nos Estados Unidos, que é marcante. Trata-se do relatório Science: the Endless Frontier, elaborado por Vannevar Bush, uma espécie de ministro de ciência e tecnologia dos Estados Unidos naquela época. Ele estava preocupado com o efeito que o fim da guerra poderia trazer para a co-munidade de pesquisa em termos de acesso a recursos. Formula, então, um documento no qual advoga pela importância do apoio estatal à pesquisa científica. O argumento é de que o Estado deve estimular a pesquisa científica básica para garantir o desenvol-vimento econômico e melhorias no padrão de vida da população. Este é um marco na política de ciência e tecnologia dos Estados

Livro de docenteda FCA traçapanorama críticodos 60 anos deC&T no país

passo entre o discurso e a práxis.

Unidos. No Brasil, o marco fundamental da institucionalização de nossa política de C&T é a criação da Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Su-perior] e do CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico] no começo da década de 1950, muito tam-bém na onda desta narrativa que se cons-trói para legitimar o apoio estatal à prática científica.

O fato é que, por questões históricas, ao contrário do que ocorreu em outros países, aqui não há um processo de incorporação de outros atores nesta construção da políti-ca. A comunidade de pesquisa, desde cedo, se mantém no controle do processo deci-sório e, por conta disso, tem uma condição privilegiada de pensar políticas que sejam aderentes a seus interesses. A política de ciência e tecnologia talvez seja a única for-mulada, implementada e avaliada por um único ator. Recentemente, as empresas, de forma muito marginal e tímida, estão se in-corporando no processo decisório. Mas ou-tros atores, como os movimentos sociais, estão completamente marginalizados. E aí existem argumentos socialmente aceitos de que a ciência é algo que cabe aos cientistas decidir. Isso é questionável. Somos todos cidadãos e experimentamos no nosso dia a dia a ciência e a tecnologia.

JU – Há, então, um descompasso entre o discurso e ação ao longo destes 60 anos?

Rafael de Brito Dias – Sim. Claramente a nossa política científica teve, dos anos de 1950 até o fim do regime militar, em 1985, um padrão bastante definido, com grandes projetos e apoio forte do Estado. Ciência e tecnologia eram elementos legitimado-res do regime, inclusive. Aí veio a crise dos anos de 1980 com efeitos importantes no financiamento público das atividades de pesquisa até a década de 1990. Começa, influenciada por essa crise, o discurso da importância da inovação.

E começa mais como um discurso do que como prática. Assim como os cientistas norte-americanos precisavam forjar, no final da Segunda Guerra, um argumento para le-gitimar o apoio público a suas pesquisas, o discurso da inovação chega com essa mesma função. Ele serviu como um elemento que permitiu que a comunidade de pesquisa se reinventasse para manter o controle sobre a agenda da política. Hoje, fala-se muito sobre isso, mas as políticas estruturadas para tan-to ainda são muito deficientes.

A partir dos anos de 1990 começa o se-gundo movimento importante da ascensão do discurso inovacionista. Inclusive, muitas das políticas que temos hoje se mostram bastante problemáticas. Geram problemas

para além daqueles que buscam solucionar por conta disso: a inovação virou um ter-mo tão difundido que o Estado brasileiro dá dinheiro a fundo perdido para empresas multinacionais fazerem pesquisas, sem co-brar resultados. Temos dinheiro público fi-nanciando, através de bolsas, doutores em empresas privadas. Há um problema polí-tico e não existe reflexão por conta dessa blindagem ideológica construída ao redor do termo “inovação”.

JU – Mas você não concorda que a parti-cipação da área privada em pesquisa é muito incipiente, ainda mais quando comparada com outros países?

Rafael de Brito Dias – Na verdade, existe certo voluntarismo: quem advoga por esta política de forma mais ativa hoje são os próprios acadêmicos. Os empresá-rios estão pouco preocupados com isso no Brasil. Porque justamente aqui a empresa encontra outras formas de valorização do capital. Por exemplo, via mercado financei-ro ou comprimindo os salários dos traba-lhadores. Aqui, as empresas prescindem da inovação. Conforme aquela descrição clás-sica de Schumpeter [Joseph Alois Schum-peter], a inovação é algo que a empresa faz para se diferenciar temporariamente dos seus concorrentes e obter lucros extraor-dinários. E que, no agregado, vai gerar de-senvolvimento econômico. Mas isso não se verifica no Brasil porque, justamente, as empresas não precisam inovar. Da forma como a ideia de inovação é tratada, parece que é algo muito simples. Não é bem as-sim. Inovar é um processo absolutamente incerto. É caro. É demorado e, mesmo que saia alguma inovação no final de tudo isto, pode ser que ela não seja rentável. Mas inovação no país virou uma panaceia, serve para qualquer coisa.

JU – Qual a sua avaliação acerca do in-vestimento governamental na área de C&T, que chega a pouco mais de 1% do Produto Interno Bruto (PIB)?

Rafael de Brito Dias – O Brasil não está mal. Não é dos países em que o gasto com ciência e tecnologia em relação ao PIB é pouco expressivo. Mas às vezes perde-se na memória que o país ainda não fez a lição de casa. O Brasil não constituiu uma base industrial pujante como outros países. Mas o problema central da nossa política não é a quantidade de recursos, e sim a forma como são investidos. É um problema qua-litativo. Por exemplo: as fontes de recursos geralmente são públicas. Enquanto que nos Estados Unidos as empresas privadas in-vestem dinheiro próprio para fazer pesqui-sa, aqui isso não é tão frequente. No Brasil, o governo chama para si esta responsabili-dade porque percebe que as empresas não estão fazendo. Isso acaba gerando, inclu-sive, um comportamento de crowding-out: se o Estado põe dinheiro, a empresa deixa de por. E acaba gerando um efeito oposto àquele que deveria estar induzindo.

O economista Rafael deBrito Dias, autor do livro:

“Inovação no país virou umapanaceia, serve para

qualquer coisa”

Serviço Obra: Sessenta anos de política cien-tífica e tecnológica no BrasilAutor: Rafael de Brito DiasEditora da Unicamp | Páginas: 256Preço: R$ 42,00

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os rincões miseráveis do Brasil emergiram as vozes de mais de uma centena de mulheres. Be-neficiárias do Bolsa Família, es-

sas brasileiras abriram as portas de seus casebres e, não raro, a pró-

pria alma, para contar suas vivências e apren-dizados com os recursos transferidos regu-larmente pelo governo federal no âmbito de seus mais extenso programa destinado a mi-tigar a pobreza. Os densos e francos relatos, que em muitas ocasiões adquiriram contor-nos de pungentes confidências, permitiram trazer à luz resultados muito mais abrangen-tes na vida dessas mulheres que a subsistên-cia proporcionada pelo auxílio financeiro. O recebimento da renda monetária e o controle exercido por elas sobre o dinheiro – pois são as titulares do cartão que permite sacar o be-nefício na boca do caixa – modificaram subs-tancialmente a percepção que tinham sobre a própria vida. Houve ganho de autonomia e liberdade de escolha, de dignidade e respei-tabilidade na vida local. Em suma, passaram a ter voz em regiões secularmente identifica-das com a submissão feminina.

As profundas mudanças comportamen-tais no universo feminino do Bolsa Família constituem os achados de um estudo de fôle-go desenvolvido a quatro mãos pela socióloga Walquiria Gertrudes Domingues Leão Rêgo, professora titular do Departamento de Ciên-cia Política do Instituto de Filosofia e Ciên-cias Humanas (IFCH) da Unicamp, e pelo fi-lósofo italiano Alessandro Pinzani, professor adjunto de Ética e Filosofia Política da Uni-versidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Concebida com a finalidade de averiguar se, como e em que medida a nova renda e sua regularidade incidiam sobre a vida cotidiana das famílias e, em particular, das mulheres, a pesquisa completa estará disponível em bre-ve no livro Vozes do Bolsa Família, a ser lançado pela Editora Unesp.

Walquiria chama a atenção para o fato de a pesquisa ter sido conduzida por autores provenientes de formações intelectuais dis-tintas (filosofia e ciências sociais), além de provir de diferentes países (Itália e Brasil). Um dos motivos principais da cooperação foi a tentativa, por um lado, de aproximar a filo-sofia política da análise empírica da realidade social e, por outro, de fortalecer o diálogo in-terdisciplinar existente desde a fundação da sociologia. De acordo com ela, a simbiose re-sultou em uma diferença de olhar e de pers-pectiva teórica que proporcionaram ênfases e tons diversos ao tema abordado.

“Consideramos o estudo como um ex-perimento interpretativo, no qual estive-ram presentes o diálogo entre várias teorias contemporâneas normativas de cidadania, de democracia e de autonomia e seu con-fronto com a realidade das mulheres em estado de extrema pobreza, alvos do Bolsa Família”, enfatiza.

IMPACTOS DO DINHEIRO Foi de Walquiria a iniciativa da empreita-

da, a partir de sua percepção de que o progra-ma teria impactos na subjetividade das mu-lheres, pelo fato de o Bolsa Família conceder benefícios monetários. Segundo a “Sociolo-

Campinas, 29 de abril a 5 de maio de 20136

Soltando a (própria) voz

Livro revela como o programaBolsa Família transformou a vidade beneficiárias oriundas de regiõessecularmente identificadas coma submissão feminina

PAULO CESAR [email protected]

gia do Dinheiro” – uma das várias teorias que ofereceram respaldo conceitual e analítico na avaliação do material empírico recolhido pe-los docentes na pesquisa – o dinheiro é uma instituição diferente, capaz de transformar os indivíduos. Desse modo, argumenta a cien-tista, a destinação de um valor financeiro é completamente diferente da entrega de uma cesta básica, porque possibilita o desenvolvi-mento de determinadas capacidades e com-petências que o dinheiro, em sua função co-municativa e simbólica, acaba estimulando, como a liberdade de escolher minimamente a forma de utilizar o recurso.

A investigação requereu viagens de pes-quisa ao longo de cinco anos, desde 2006, que Walquiria empreendeu a princípio sozinha e mais tarde acompanhada de Alessandro, nas quais foram entrevistadas 150 mulheres que recebem o Bolsa Família em regiões tradicio-nalmente consideradas as mais desassistidas do país: sertão nordestino (Alagoas), zona litorânea de Alagoas, Vale do Jequitinhonha (MG), periferia da cidade do Recife, interior do Piauí, interior do Maranhão e periferia de São Luís (MA). São lugares onde a população é em sua maioria semianalfabeta, os níveis de escolaridade são baixíssimos, não existem op-ções de emprego e o Estado é pouco atuante.

“Escolhemos entrevistar beneficiárias que moram em áreas rurais ou em pequenas ci-dades do interior, por entender que sua situ-ação se diferencia muito da dos pobres urba-nos, objeto já de inúmeros estudos. É muito diferente ser pobre em algumas daquelas re-giões e ser pobre na periferia de São Paulo, por exemplo, onde bem ou mal existem al-ternativas. Os pobres rurais se deparam com problemas diferentes, começando pelo isola-mento geográfico que resulta, quase sempre, na impossibilidade de ter acesso a serviços públicos básicos, como escolas e postos de saúde”, justifica a professora.

Importante no processo de seleção e loca-lização das entrevistadas, segundo ela, foi o apoio de contatos locais (pessoas diretamen-te responsáveis pela aplicação do programa, como assistentes sociais, gestores, prefeitos, ou ainda integrantes de movimentos sociais e intelectuais), que intermediaram encontros com muitas das famílias ouvidas. Mas na maioria das vezes as beneficiárias foram pro-curadas livremente, a fim de evitar direcio-namentos de qualquer natureza. Conforme observa ainda a socióloga, não procederam a uma pesquisa estatística ou quantitativa, mas fundamentalmente qualitativa.

“Aplicamos em nosso trabalho de coleta de dados a técnica da entrevista aberta, e não a do questionário fechado, pois julgamos ser a única possível nesse tipo de investigação, exatamente porque pretendíamos alcançar alguns níveis da estrutura subjetiva dos en-trevistados, buscando apreender mudanças mais profundas, morais e políticas, propor-cionadas pelo benefício. Realizamos então longas entrevistas, munidos apenas de um roteiro de questões e na audição atenta da fala mais livre possível dos entrevistados”, esclarece a pesquisadora.

O método impôs a necessidade da reali-zação de repetidas conversas e do estabele-cimento de uma relação de confiança com os entrevistados, o que significou a dedicação de tempos longos tanto na coleta dos depoi-mentos, com o retorno ao campo ao menos mais de uma vez – o propósito era o de acom-panhar a adaptação das famílias e, em parti-cular, das mulheres à nova situação econômi-ca proporcionada pelo programa –, quanto na reflexão sobre o material recolhido. Walqui-ria frustrou-se por não ter recebido apoio fi-nanceiro da Universidade e decidiu custear a pesquisa com recursos próprios, agendando as viagens em períodos de férias.

ECONOMIA DOMÉSTICAConforme observam os autores do estu-

do, a pobreza é um problema complexo e, como tal, não admite uma solução fácil. Por-tanto, não pode ser resolvida simplesmente por meio de um programa de transferência direta de renda. Do mesmo modo, é um equí-voco pensar que o Bolsa Família se limita a garantir a sobrevivência material de famílias destituídas e extremamente pobres, embo-ra, salientam, a medida governamental tem o mérito de enfrentar importantes questões ligadas à pobreza. Uma delas é o início da superação da cultura da resignação, ou seja, da espera resignada pela morte por fome e doenças relacionadas à miséria: com o valor recebido, podiam comprar comida para a fa-mília e já não passavam tanta “necessidade” (termo este muito usado pelas entrevistadas para falar de carências e privações).

“Pudemos constatar nas entrevistas a im-prescindibilidade da bolsa para continuarem vivendo”, apontam os docentes. “Na grande maioria das famílias pesquisadas, o repasse representa o único rendimento monetário percebido e, em vários casos, constitui a pri-meira experiência regular de obtenção de rendimento. Antes disso, a vida se resumia à luta diária para obter comida, que poderia vir desde a sua caça como da ajuda de familiares. Todas reconheceram que, se suas vidas eram duras, sem a bolsa o seriam ainda mais.”

Dona Amélia que o diga. Moradora de Pasmadinho (MG), 41 anos, mãe de dez filhos, com marido desempregado que faz bicos quando estes aparecem, ela salienta que agora a família já não passa fome, pois

A professora e socióloga Walquiria Gertrudes Domingues Leão Rêgo, do IFCH: “Consideramos o estudo como um

experimento interpretativo”

Cavadora de maçunim, espécie de marisco comum na costa brasileira, em Maragogi, no litoral alagoano, em foto que ilustra a capa do livro

Cozinha de benefi ciária em Araçuaí (acima),e casa na zona rural de Povoado da Cruz:

autores do livro entrevistaram 150 mulheres em regiões tradicionalmente desassistidas

Foto: Antoninho Perri

Fotos: Alessandro Pinzani/Divulgação

Foto: Alessandro Pinzani/Divulgação

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Campinas, 29 de abril a 5 de maio de 2013 7

Soltando a (própria) vozantes “às vezes, não tinha para jantar ou não tinha para almoçar”. Ao responder so-bre o papel da renda na mudança da vida dura, não pestaneja:

“Porque a gente tem mais liberdade no dinheiro. Pode comprar mais o que a gente quer.”

A dupla afirma que, em diferentes níveis, praticamente todas as mulheres registraram mudanças relevantes em sua vida material, embora um número importante entre elas se queixasse do valor insuficiente do auxí-lio (muitas o definiram como “uma ajuda”) para obter outras melhorias na vida e ga-nhar mais liberdade na escolha dos bens de consumo, e quase todas afirmassem preferir um trabalho regular.

De forma geral, a bolsa (cujos valores são periodicamente reajustados) é utilizada para comprar gêneros alimentícios básicos: arroz, farinha, feijão, macarrão, carne e lei-te. Mas à medida que as usuárias aprendem a planejar minimamente o uso do dinheiro, desenvolvem também a capacidade de fazer escolhas e passam a buscar opções capazes, por exemplo, de variar o cardápio familiar (“como optar por comer macarrão ou bata-ta uma vez por semana”, ilustra Walquiria) e até a se permitir algumas “extravagâncias” impensáveis até então, como comprar bola-chas e iogurtes para as crianças. Nesse pro-cesso em que se aprimoram no gerenciamen-to adequado dos recursos recebidos, acabam gradualmente por conseguir acesso a outros bens e confortos para a família. Para aqueles de quem a miséria extirpou qualquer chance de escolha, os avanços são notáveis.

Em Inhapi (AL), Dona Luisa, com 41 anos, mãe de oito filhos e avó de uma menina de 2 anos, conseguiu pintar a casa e comprar sofás e televisão com a bolsa de R$ 160,00 (valor em 2011) e mais algum dinheiro proveniente dos “bicos” do marido, ajudante de pedrei-ro, relata a pesquisa. Testemunhou com ale-gria a melhora que a bolsa trouxe a sua vida (ela e a família comiam melhor e de fato a vida melhorara bastante, contou) e revelou como conseguira se organizar para adquirir novos colchões. Economizara tostão por tos-tão, não contou para ninguém, e, de repente, comprou um colchão e depois, usando do mesmo procedimento, comprou os demais. Demonstrava muita satisfação com sua proe-za e, principalmente, pelo fato de agora todos eles dormirem sobre “camas de verdade”. Os planos para o futuro incluíam a compra de uma geladeira.

“A casa e a aparência dessa família de-monstravam pobreza, mas tinham tido um grande ganho na dignificação de suas vidas, que se manifestava nos gestos e modos de falar das melhorias da residência e da dieta alimentar. Disso se depreende que o Bolsa Família não se limita a sustentar as famílias que o recebem, mas dá a elas um certo fôlego que lhes estaria permitindo sair da sua atual situação de privação absoluta de bens”, ana-lisa Walquiria.

BATOM E SEPARAÇÕESO fato de o emblemático cartão amarelo

do Bolsa Família estar em nome das mulhe-res é considerado positivamente pela quase totalidade delas. A clássica resposta sobre essa questão é a de que elas são melhores gestoras das finanças familiares e de que seus maridos normalmente são incapazes de fazer compras adequadas às necessidades familia-res ou gastariam o dinheiro em bebidas.

No entanto, muito mais que referendar essa justificativa, a decisão do governo em destinar o benefício do programa às mulhe-res (muitas passaram a dispor de uma renda fixa pela primeira vez) representou, para as destinatárias, a conquista de maior indepen-dência e segurança. Em sua maioria, afirma-ram se sentir mais livres (ou “à vontade”, nas palavras delas) e menos angustiadas no que diz respeito à capacidade de adquirir bens primários para suas famílias. Quase nenhu-ma delas entrega o dinheiro para o marido.

“A gente fica mais independente quando coloca [o cartão] no nome da pessoa mes-mo”, afirmou de forma positiva e entusias-mada Dona Neusa, 36 anos e mãe solteira de três filhos, moradora no bairro do Car-vão, em Maragogi (AL). “É, [ela] fica com mais direito, né? Porque a gente vive com mais direito. Já que as mulheres não têm

nada, não trabalham, aí elas têm esse direito, né?”, ressaltou Dona Maria, de 29 anos, casa-da, com uma enteada de 9 anos, também da mesma região. “Tá certo assim, pois a mulher é mais econômica que o homem”, resumiu Dona Rosangela, do bairro Anjo da Guarda, na periferia de São Luís do Maranhão.

O caráter liberatório da disponibilidade de renda monetária pode ser também aferido no aumento de autoestima e de autonomiza-ção na gestão das próprias vidas e destinos das mulheres ouvidas. Passou a existir espa-ço para cuidados antes proibitivos com a vai-dade – ainda que a compra de um simples ba-tom ou creme para cabelo fosse carregada de um injustificado sentimento de culpa por um “desvio” na finalidade do dinheiro recebido –, sentiram-se mais à vontade para tomar de-cisões sobre o próprio corpo – houve aumen-to no número de mulheres que procuram por métodos anticoncepcionais – e algumas poucas tomaram inclusive decisões morais difíceis, como conseguir desfazer casamentos infelizes, ainda mais em regiões onde é raro a mulher tomar a iniciativa de separações.

“A vida delas mudou porque o universo de escolhas se ampliou consideravelmente. E exercer o direito de escolha é uma questão fundamental para a democracia”, argumen-ta Walquiria.

Com um orçamento da ordem de R$ 24 bilhões estimado para este ano e atendendo a um universo de 50 milhões de pessoas, o Bolsa Família e seus beneficiários são alvo de polêmicas que, na opinião de Walquiria, constituem um bom exemplo da repetição histórica do preconceito e da força dos este-reótipos em relação aos pobres.

“Nos mais variados ambientes sociais eles são acusados de preferir viver do dinheiro da bolsa, em vez de trabalhar; de fazer filhos para ganhar mais dinheiro do Estado, entre outras. Essas acusações estereotipadas pro-vêm, na maioria dos casos, de pessoas que não dispõem de informações a respeito do programa, como o valor da bolsa, por exem-plo, que com certeza não poderia substituir um salário regular; ou sobre o fato de que as famílias recebem no máximo ajuda para três filhos, recentemente para mais dois em idade escolar e uma ajuda para dois adolescentes, entre 16 e 17 anos, enquanto os outros ficam excluídos; ou sobre o fato de que os benefi-ciários não dispõem de capacitações, pois em sua grande maioria são analfabetos ou pouco escolarizados; portanto, dificilmente conse-guem emprego”, defende.

Controvérsias à parte, as mudanças na subjetividade das mulheres constatadas ao longo dos cinco anos da pesquisa con-venceram Walquiria de que o Bolsa Famí-lia pode ser considerado uma política pú-blica de cidadania – cidadania entendida aqui como um longo processo, uma cons-trução da identidade, que altera a subje-tividade –, ainda que de forma incipiente e observada a ressalva de que o programa estaria apenas começando a alterar a for-ma como estes indivíduos se enxergam.

Conforme salienta, se a alimentação e outras conquistas no campo da subjetivi-dade estão sendo asseguradas, por outro lado as famílias ainda carecem do acesso a demais direitos sociais básicos – assistên-cia social, saúde e educação – associados à transferência do benefício estatal.

Para ela, contudo, o fato de ser ainda muito insuficiente como tal não permite ignorar suas possibilidades de se tornar uma consistente política de formação de cidadãos, se complementadas por um con-junto mais amplo de políticas que visem aos direitos garantidos na Constituição de 1988. Nesse sentido, destaca, o Bolsa Fa-mília começa pela mais preliminar de to-das as prerrogativas da cidadania, porque diz respeito ao mais preliminar direito: o direito à vida.

Fendas de liberdade

O professor e fi lósofo italiano Alessandro Pinzani, da UFSC: estudando a relação entre dinheiro e autonomia individual

O campo de atuação de Alessandro Pinzani é a filosofia política. Ele ocupa-se, em particular, das teorias da justiça social. O convite da professora Walquiria para participar da pesquisa deveu-se a esse interesse específico. Ao explicar em que as-pectos o Bolsa Família, como objeto de pesquisa, tornou-se importante e trouxe contribuições para as suas investigações, ele observa que, em geral, os estudos de filosofia política no Brasil tendem a permanecer em certo nível de abstração.

Há exceções importantes, frisa, como os pro-jetos de pesquisa social realizados pelo Cebrap ou pelo Centro Brasileiro de Pesquisas em Democ-racia de Porto Alegre, entre outros. A tendência, no entanto, é a de estudar modelos teóricos sem preocupar-se muito com sua aplicabilidade à reali-dade social, econômica e política brasileira.

Ainda de acordo com ele, os modelos contemporâneos mais pesquisados no Brasil – como a teoria da justiça como equidade, de Rawls, ou a teoria discursiva do Estado e do direito, de Habermas – partem de pressupos-tos que no país são dados só parcialmente. Em particular, pressupõe-se que todos os cidadãos tenham alcançado e ultrapassado um nível mínimo de qualidade de vida.

“Mas a situação brasileira é diferente, com quase um terço da população que vive perto da linha da pobreza definida pelo FMI. Minha in-tenção era investigar o que isso significa para a elaboração de uma teoria da justiça mais preocu-pada com sua concreta aplicação em uma reali-dade social específica”, salienta Pinzani.

“Ao mesmo tempo, analisar os efeitos de um programa de transferência direta de renda mone- tária como o Bolsa Família, me ofereceu a pos-sibilidade de estudar a relação entre dinheiro e autonomia individual, que já foi tematizada por Marx e Simmel, entre outros, e que me interes-sava desde que comecei a ocupar-me da teoria das capabilities de Amartya Sen e Martha Nuss-baum”, complementa.

Segundo ele, todos esses autores foram fundamentais para elaborar os fundamentos teóricos a partir dos quais foi possível interpre-tar os dados empíricos recolhidos na pesquisa de campo. Finalmente, era sua intenção voltar a um aspecto importante de uma tradição teórica, na qual ele afirma se reconhecer bastante: a Teoria Crítica.

“Os membros da chamada primeira geração de tal teoria, Adorno e Horkheimer, em primeiro lugar, acreditavam na importância de conjugar pesquisa empírica e teoria social e parece-me que esta visão seja ainda valiosa”, argumenta.

Em relação aos seus achados acerca dos impactos do programa na autonomia das bene- ficiárias, Pinzani faz questão inicialmente de ponderar que o conceito de autonomia é bastante complexo. Existem, em primeiro lugar, diferentes âmbitos, nos quais é possível falar em autono-mia: moral, político, econômico. Em segundo lugar, autonomia é algo que se pode alcançar em diversos níveis. Não há necessariamente uma conexão entre o fato de possuir um alto nível de autonomia econômica, por exemplo, e o de pos-suir um alto nível de autonomia moral ou política.

“Em nossa pesquisa, partimos de uma definição mínima de autonomia, entendida como a capacidade de elaborar planos de vida e de atribuir direitos e deveres a si e aos outros. Tal definição se aplica aos três âmbitos anterior-

mente mencionados e deixa aberta a possibili-dade de que o indivíduo alcance diferentes níveis de autonomia em cada um deles”, esclarece.

“Ao mesmo tempo, incluímos em nossa visão de autonomia a ideia, defendida em par-ticular por Sen, de que a liberdade individual depende da existência de circunstâncias subje-tivas e objetivas que aumentam ou diminuem as opções de ação e de formas de ser que os indi-víduos consideram valiosas. Exemplos: a pos-sibilidade de viver livre de doenças endêmicas, como a malária, implica na existência de políti-cas públicas dirigidas ao combate de tais doen-ças; a possibilidade de encontrar uma profissão que nos sustente depende da disponibilidade de trabalho na região na qual moramos.”

Ao investigar se e em que medida um programa de renda monetária regular como o Bolsa Família contribuía para criar condições materiais capazes de permitir aos beneficiários desenvolver maior autonomia, os resultados coletados deixaram Pinzani moderadamente otimista: pode-se dizer que na vida das bene-ficiárias abriram fendas de liberdade.

“A experiência de uma renda monetária reg-ular, além de libertá-las da necessidade imperi-osa de satisfazer carências básicas, lhes permite certa autonomia em relação à planificação da vida delas e de suas famílias – não somente em sentido estritamente econômico, mas também no que diz respeito à saída de relações angus-tiantes de dependência pessoal, particularmente de dependência dos pais, dos maridos, dos ir-mãos ou cunhados, ou à esperança de uma vida melhor para seus filhos”, constata.

O pesquisador verificou que as beneficiárias passam a assumir uma maior responsabilidade com sua vida, a sentir-se mais “à vontade”, como afirmaram muitas delas nos depoimen-tos, passam a se perceber como pessoas re-conhecidas pela sua comunidade, justamente por causa da regularidade da renda, que faz com que os comerciantes lhes concedam crédito, por exemplo.

“Sem esta possibilidade de planificar pelo menos minimamente sua vida, um ser humano se parece com um animal preocupado somente em caçar comida para si e para seus filhotes”, compara Pinzani.

“Neste sentido, na fala de algumas das mais desprovidas dessas mulheres, emerge a sensação de se ter alcançado somente agora uma realidade plenamente humana. Mas tam-bém as outras reconhecem que suas opções existenciais aumentaram significativamente – e isso pode ser lido como um aumento de sua autonomia moral.”

Trecho do livro

Obra: Vozes do Bolsa Família. Autono-mia, dinheiro e cidadaniaAutores: Walquiria Leão Rego e Ales-sandro PinzaniPáginas: 241Editora: UnespNo prelo

Serviço

Em seguida nos dirigimos para a residência de Dona Ma-dalena, agora com 35 anos. Encontramo-la “batendo feijão” na sua minúscula propriedade. Veio nos atender de modo sorridente, muito diferente do ano anterior, quando a encontramos lacônica, de semblante sombrio, tendo caído em prantos a certa altura da entrevista. Fotografamo-la juntamente com seus filhos, e neste momento ela fez questão de contar que no ano anterior a tínham-os encontrado num dos momentos mais difíceis de sua vida, pois queria se separar do marido. Agora, havia conseguido a sepa-ração e a vida havia melhorado muito. Perguntamos-lhe quanto estava recebendo pelo programa BF, e ela muito alegre nos disse: “Estou recebendo R$ 112 com esse pequeno aumento que teve”.

À pergunta sobre o que havia mudado na sua vida após seu ingresso no programa Bolsa Família, Madalena respon-deu: “Adoro, porque eu não sei o que seria da minha vida sem ele, né? Ia ficar meio difícil, com três filhos. Acho ótimo, ótimo, porque se não fosse o Bolsa Família, eu não sei o que seria da família pobre”.

Do ponto de vista das mulheres entrevistadas, salta aos olhos seu desejo de garantir um futuro melhor a seus filhos. Pode-se dizer que é essa quase sua única esperança na vida: fazer deles pes-soas menos destituídas de capacitações do que elas, enfim, equipá-los melhor para que busquem outro destino.

(Relato em Inhapi-AL, em 2007)

Foto: Divulgação

Capa do livro, que serálançado em breve

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8Campinas, 29 de abril a 5 de maio de 2013

MARIA ALICE DA [email protected]

Fotos: Antoninho Perri

A Unicamp precisa de ‘Ba’. E ele, da arte

Funcionário do setoradministrativo da

FCM dedica-setambém à carreirade artista plástico

Emilton Barbosa de Oliveira, o “Ba”, em exposição no Espaço das Artes, na FCM: “Não perdi a ligação com a produção em arte”

a infância, o então distrito de Engenheiro Coelho, na região de Limeira (SP), não oferecia muitas opções que satisfizes-sem a erudição do pequeno Emilton Barbosa de Oliveira,

hoje conhecido como “Ba” (de Barbosa). Uma imagem de Madonna impressa em um pequeno catálogo do Museu de Artes de São Paulo (Masp), aos 8 anos de idade, prendeu-lhe a atenção. A partir desse encontro, en-quanto as roldanas dos carrinhos de rolimãs giravam velozmente e a bola rolava entre pés e cabeças de meninos e meninas na rua onde morava, em sua imaginação giravam traços recorrentes que se transformavam em belos desenhos. Mas em Campinas a história foi diferente. Ao descarregar a mudança, aos 12 anos, na década de 1970, e procurar a Escola José Vilagelin Neto, encontrou no quadro de professores o artista plástico Bernardo Caro, um dos representantes do grupo Vanguarda, que fez história em Campinas.

O contato com Bernardo Caro inspirou o jovem “Ba” a realizar o sonho de viver de arte. O artista ministrou as aulas de que ele mais gostava, nas quais recebeu noções de técnica de desenho, fotografia e gravuras. Seus en-sinamentos foram determinantes na escolha feita na década de 1980, ao se inscrever no vestibular da Pontifícia Universidade Católi-ca de Campinas e também foram responsá-veis pela decisão de não abrir mão da arte, ainda que a família tentasse convencê-lo de que “arte não dá dinheiro”. “Para despistá-los, me inscrevi em jornalismo, mas torcendo para ser convocado a assumir uma vaga na segunda opção, que era artes plásticas. Deu certo”, brinca “Ba”.

No curso de artes plásticas, reencontrou Caro, cujos ensinamentos mais uma vez o in-centivaram a prosseguir. Teve a oportunidade de saborear de sua companhia antes que ele fosse convidado a criar o Instituto de Artes da Unicamp, universidade na qual “Ba” já trabalhava desde os 18 aos de idade, na área administrativa da Faculdade de Ciências Mé-dicas, quando esta ainda mantinha suas ins-talações na Santa Casa de Campinas.

Como escriturário do Departamento de Neurologia da Universidade, já pensava em estudar arte, porém, nunca cogitou abrir mão de sua estabilidade profissional. Após quatro anos, por meio de um concurso interno, “Ba” se transferiu para a área de apoio didático. Na mudança da FCM para a Unicamp, por produzir material didático, constatou que poderia aplicar suas habilidades artísticas na produção de apostilas, ilustrações e peque-nos cartazes. Paralelo às atividades adminis-trativas, construiu uma carreira nas artes. “Não perdi a ligação com a produção em arte. Muitos de minha turma fizeram o curso e no máximo conseguiram dar aula. Acho legal, mas gosto da criação”, declara “Ba”.

No ateliê instalado em sua casa, prosse-guiu pintando para divulgar seus trabalhos em espaços de exposição de arte. Foram mui-tas as mostras locais de que participou cole-tiva ou individualmente, enquanto investia num projeto pessoal de propagar a arte no ambiente da Unicamp entre pessoas que ti-nham nenhum ou pouco acesso.

Espaço vazio para quê? Ao rodear os olhos, “Ba” pensava em formas de transfor-mar espaço vazio em espaço de arte em sua unidade de trabalho. E assim começaram as sugestões aos administradores dessas áreas. Sempre aceitos, os apontamentos condu-ziram à criação do Espaço das Artes no sa-guão do prédio da Administração da FCM em 2000. Hoje, o lugar transformou-se num espaço de vivência, no qual um número gran-de de artistas expõe seus trabalhos. Cabe a ele analisar e avaliar os trabalhos dos artistas que procuram a Coordenadoria de Relações Públicas da FCM.

Além da organização, “Ba” se envolve na montagem, na produção de banners, além de garantir toda a estrutura. A proposta é per-mitir que as pessoas saiam, por exemplo, de uma reunião ruim, e mudem o ângulo de vi-são para terminar melhor seu dia. “Sempre O professor e artista plástico Bernardo Caro, fundador do Instituto de Artes da Unicamp: mestre e fonte de inspiração

procuro me envolver em ações relacionadas com minha área não somente por satisfa-ção pessoal, mas para mostrar às pessoas o quanto a arte pode ajudar a viver o dia-a-dia. Quero ajudar as pessoas a terem outros olha-res sobre a vida. Elas precisam saber que os limites podem ser ultrapassados”, enfatiza o funcionário, para quem a arte torna a com-preensão das coisas mais maleável.

O ambiente também propicia o encontro de funcionários para a realização de oficinas, dentro do projeto “Fazeres Espelhados”, de-senvolvido durante todo o ano de 2012, com apoio do Grupo Gestor de Benefícios Sociais (GGBS). O projeto teve vários desdobramen-tos. Um deles, de acordo com “Ba”, deu ori-gem a um bazar programado para a semana do Dia das Mães deste ano, organizado pelos participantes sem nenhuma gerência dos or-ganizadores. “Meu desejo era justamente que a arte ajudasse na convivência, na vivência e a garantir qualidade de vida. Ver a repercussão do projeto é uma realização para mim”, de-clara. Segundo o artista, a proposta era aten-der a comunidade da Faculdade de Ciências Médicas, mas acabou atraindo colaboradores de outras unidades, entre eles pessoas que, mesmo afastadas por motivos de saúde, fa-ziam questão de comparecer às oficinas.

E a mudança veio, como desejou o artista. Houve valorização do possível, pois até mes-mo quem chegou ao projeto garantindo ter um desenho feio entendeu que o importante não é atingir o belo em sua concepção clás-sica, mas encontrar beleza no que produz, conforme “Ba”. Como exemplo, ele mencio-na uma enfermeira que descobriu que além de qualidade técnica de sua produção, revela uma expressão muito forte.

Hoje, entre o apoio didático e o apoio às artes, “Ba” é exemplo de que é possível transformar as coisas sem exatamente estar no lugar adequado para fazer o que gosta. “Não preciso estar no Instituto de Artes (IA) para desenvolver atividades nesta área”. Pelo contrário, não teve preconceito com nenhuma de suas áreas e uniu as duas em prol de uma comunidade. Até porque, segundo ele, a arte se move e permite de-senvolver-se onde quer que seja.

Os momentos mais íntimos com a arte acontecem em seu ateliê. Hoje, sua poética de criação transformou-se, pois o contato com a arte contemporânea fez com que subs-tituísse pincéis e tintas por câmeras, vídeos e instalações. O interesse foi despertado em 2009, durante curso de especialização em ar-tes visuais do IA.

ARTE CONCEITUALDentre outros trabalhos, destaca-se um

“site specific”, modalidade de arte con-ceitual, intitulado “vídeOcupação 1”, re-alizado em agosto de 2012. Este trabalho fez parte de um coletivo organizado pela artista campineira Cecília Stellini e outros artistas, intitulada “Movimentos Conver-gentes”. A ocupação foi feita em uma sala de aula no antigo colégio Einstein, na ci-dade de Limeira. O evento aconteceu em homenagem aos 15 anos da Oficina Cultu-ral Carlos Gomes. A experiência se repeti-rá este ano no Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio (Ceunsp), em Salto, SP, com a mostra “Caminho Líquido”. “Fil-mo o meu percurso por caminhos paralelos ao Salto Grande, cachoeira que fica ao lado da faculdade, que era uma antiga fábrica. O vídeo é projetado em telas no chão. A ideia é que a pessoa caminhe por essa sala enor-me com a projeção em cinco TV de LED de 42 polegadas”, detalha. Na área de arte contemporânea, em 2011, “Ba” fez tam-bém uma instalação no ateliê AT|AL 609, especializado em pesquisa em arte contem-porânea. Dessa vez, a ocupação foi numa árvore em sua fachada. Atualmente, “Ba” dedica-se também à pesquisa “Arthur Bis-po do Rosário, o Senhor do Labirinto e sua aproximação com objetos do cotidiano”.

Dentro da Unicamp, “Ba” também pôde beber da fonte de outra manifesta-

ção artística: a música. Participou duran-te muito tempo do coro da Faculdade de Ciências Médicas, uma iniciativa que nas-ceu do desejo de muitas pessoas da unida-de, na década de 1990. Para ele, a música em empresas também ajuda a trabalhar a questão da arte. “O funcionário sai, no ho-rário de almoço, para cantar e volta reno-vado”, acrescenta.

Na década de 1980, havia um movimen-to de canto coral intenso em Campinas ao qual Ba também se rendeu participando do Coral da PUC e do grupo Ars Viva. Mas Ba revela que a dedicação à música limitou-se à participação como coralista. “Tenho vontade de voltar a cantar, mas precisava focar meus objetivos, e já não dava conta de tantos compromissos. A música exige dedicação”, avalia.

“Ba” desembarcou no bairro Jardim Proença, com a mãe e seis irmãos. Ao com-pletar 18 anos, dedicou-se à preparação para concursos públicos. Em um deles, em 1978, seria aprovado e ocuparia um cargo administrativo pelo resto da vida, ainda que insistisse em viver de arte. Precisava da estabilidade até mesmo para investir na formação e nas produções artísticas. Mas a Unicamp precisava do “Ba” e ele, da arte. Tudo o que aconteceu depois dessa cons-tatação está relacionado a sua trajetória na Unicamp, seja a vida, seja a arte, seja o reencontro com o mestre Bernardo Caro.

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Campinas, 29 de abril a 5 de maio de 20139

FOP utiliza célula-tronco na regeneração do periodonto

CÉSAR [email protected]

RAQUEL DO CARMO [email protected]

Jovem em academia: estudo contemplou entrevistas com 3.150 adolescentes

Foto: Antoninho Perri

Foto: César Maia

O professor Enilson Antonio Sallum, da Periodontia, com pesquisadoras da FOP: resultados efi cazes em testes

Estudo mostra ser possível reconstrução de tecidos envolvidos na fixação do dente ao osso

Nas bancasNas bancas

Estudo desenvolvido na Fa-culdade de Odontologia de Pi-racicaba (FOP) da Unicamp demonstrou que a célula do ligamento periodontal (célula-

tronco) do indivíduo, denominada autó-gena, é eficaz na regeneração do periodon-to em defeitos considerados críticos e que apresentam pouca previsibilidade de resolu-ção por outras técnicas. A tese de doutorado foi defendida por Fabrícia Ferreira Soares, sob orientação do professor da área de Pe-riodontia Enilson Antonio Sallum. “Assim como em outras áreas em que se utilizam células-tronco no tratamento de diferentes tipos de doenças, como as que atingem o fí-gado, pele e cérebro, o dente também pode se beneficiar desta abordagem por meio da reconstrução das estruturas de suporte pe-riodontal, como cemento, ligamento perio-dontal e osso”, atestam os pesquisadores.

Segundo o professor Enilson Sallum, para defeitos menos extensos, como por exemplo, os denominados furca grau dois, conseguiu-se resolver totalmente três entre dez defeitos, sendo que o restante apresenta diminuição de tamanho. No caso de defeitos de grau três, em que foi avaliado o processo de cura por célula-tronco, não há uma tera-pia regenerativa previsível e muitas vezes a opção é deixá-lo em aberto para que o pa-ciente faça a higienização adequada. “Caso o prognóstico do dente seja insatisfatório, a substituição por implantes osseointegrados é a solução”, explica Enilson.

O diferencial da pesquisa foi associar a técnica de regeneração tecidual guiada, que faz uso de membranas físicas para proteger o defeito, ao uso das células. Como carre-ador das células utilizou-se uma membra-na de colágeno. Neste sentido, foram fei-tos grupos controles sem as células e um grupo teste envolvendo a associação das técnicas. As células foram coletadas do li-

PublicaçãoTese: “Avaliação histométrica do efeito do transplante autógeno de células do ligamento periodontal no tratamento de defeitos de furca grau III.”Autora: Fabrícia Ferreira Soares Orientador: Enilson Antonio SallumUnidade: Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP)Financiamento: Fapesp e CNPq

perdido, o que será uma nova revolução na odontologia, semelhante à vista com os im-plantes ou como são denominados cientifi-camente, osseointegração. “São perspecti-vas muito interessantes para o tratamento das mais diversas condições que afligem os pacientes hoje”, avalia Sallum.

Atualmente, a área de Periodontia se dedica a novos projetos nesta linha que buscam isolar e caracterizar melhor as células envolvidas no processo. Pretende-se também marcá-las (“brilho”) para que se possa identificar o seu destino e papel no defeito. Para esta nova fase, conta-se com a participação dos docentes Francisco Humberto Nociti Júnior, Márcio Zaffalon Casati e Karina Gonzales Silvério Ruiz, a doutoranda Ana Regina Moreira, a pós-doutoranda Bruna Rabelo Amorin, o apoio do professor Edgard Graner, da área de Pa-tologia da FOP, e também da área de Mi-crobiologia, através da professora Renata Graner, num esforço mutidisciplinar.

“Como agora conseguimos identificar, isolar e manipular as células que realmen-te queremos, pretendemos realizar novos projetos para verificar se estas células po-dem realizar o serviço de forma eficiente e previsível.” revela Enilson. A linha de pesquisa, iniciada há seis anos, já teve qua-tro trabalhos publicados em periódicos in-ternacionais. A tese teve apoio da Fapesp e CNPq. Em 2012 foi publicada na revista Journal of Clinical Periodontology.

gamento periodontal de dentes extraídos e multiplicadas em laboratório.

Após três meses de testes, constatou-se que o grupo que recebeu as células apre-sentou uma resposta regenerativa superior ao observado no grupo controle. “Compa-rativamente dá para ver que o tratamento foi eficaz. Embora a pesquisa esteja em fase pré-clínica, esperamos ter, em um futuro não muito distante, o mesmo resultado nos testes com pacientes”, avalia Sallum.

LINHA DE PESQUISAA falta de terapia regenerativa eficaz no

tratamento de defeitos periodontais com grandes perdas ósseas ou gengivais fez com

que a Área de Periodontia da FOP buscas-se alternativas para tratar esses defeitos. O principal objetivo da linha de pesquisa é utilizar novas abordagens, como a enge-nharia de tecidos, para obter a regeneração das estruturas perdidas. A engenharia de tecidos pode ser entendida como a utiliza-ção de células, matrizes, fatores de cresci-mento e de vascularização, para a obtenção dos novos tecidos. Reúne o conhecimento de biologia celular e molecular, ciência de biomateriais e clínica para a reconstrução e tecidos e órgãos danificados.

Por meio desta abordagem, segundo o docente, é possível que no futuro se for-me um dente completo para repor o dente

Tese alerta para uso indiscriminado de anabolizantes entre jovensPesquisa demonstra

que prática da musculação é feita,

na maioria das vezes, sem orientação

PublicaçãoTese: “O uso de esteroides androgênicos anabolizantes entre adolescentes e a sua relação com a prática da musculação”Autor: Ubirajara de Oliveira Orientador: José Martins FilhoUnidade: Faculdade de Ciências Médicas

Estudo desenvolvido na Faculdade de Ci-ências Médicas (FCM) revela que a prática de musculação por parte de adolescentes em academias tem sido feita sem orientação de profissionais especializados e, por isso, se caracteriza pela predisposição ao consumo indiscriminado de esteroides androgênicos anabolizantes. Ainda que os adolescentes entrevistados afirmassem não saber o que são essas substâncias, a maioria deles decla-rou assumir o risco de sua utilização para alcançar uma estética corporal perfeita. “Em outras palavras, isto quer dizer que, na bus-ca pelo corpo perfeito, os adolescentes es-tão associando a prática da musculação na academia como instrumento de obtenção rápida da aparência corporal, e isto pode ser considerado um fator preponderante no uso dos anabolizantes”, alerta o professor de educação física Ubirajara de Oliveira.

Em sua opinião, trata-se de um problema de saúde pública em razão da falta de conhe-cimento sobre os reais efeitos que o uso des-sas substâncias pode provocar. “E a academia tem sido o lugar propício para este tipo de envolvimento, pois o culto ao corpo leva à prática da musculação que, por sua vez, pre-dispõe o uso de anabolizante. Isto diminui o espaço entre a saúde e a doença”, afirma Oliveira, que teve orientação do médico José

Martins Filho para realizar o seu estudo.O professor de educação física lembra

que os esteroides androgênicos anaboli-zantes são substâncias proibidas no Bra-sil, uma vez que seus efeitos colaterais são nocivos. “Já existem comprovações do mal causado pelos anabolizantes. O que preo-cupa, no entanto, é a forma como esses ga-rotos chegam à decisão de usá-los. Por isso, quis investigar”, explica.

O estudo, de caráter epidemiológico, contemplou entrevistas com 3.150 ado-lescentes, com idade entre 15 e 20 anos e praticantes de musculação. Para conseguir resultados específicos, Ubirajara Oliveira aplicou os questionários apenas junto aos voluntários do sexo masculino, matricula-dos em escolas do município de São Paulo. O professor de educação física contou com a colaboração dos professores da rede pública de ensino para colher as informações. “O número de entrevistados foi bastante sig-nificativo e, com isso, conseguimos uma amostragem representativa, o que sugere um sinal de alerta tanto para as autoridades como para os pais desses adolescentes sobre uma das práticas cada vez mais frequentes entre os mesmos adolescentes”, declara.

Para Oliveira ficou claramente demonstra-do na pesquisa que a maioria dos adolescen-tes desconhece os prejuízos à saúde decor-rentes da utilização dos anabolizantes. Sobre o comportamento dos garotos em relação ao culto do corpo perfeito, explica, os dados da pesquisa apontam que, apesar das porcenta-gens altas de satisfação em todas as questões sobre imagem corporal, eles se contradizem, pois mesmo satisfeitos estão predispostos ao uso dos anabolizantes com objetivo estético.

O estudo indicou ainda que muitos deles frequentam locais considerados inadequa-

dos para a prática da musculação e, por isso, não contam com profissionais especializa-dos para orientação. “A concepção de acade-mia é subjetiva. Muitos locais indicados pe-los adolescentes não seguem um padrão de qualidade com aparelhos modernos e aulas com conteúdo. Pelo contrário, são espaços inadequados, inclusive no que diz respeito à frequência”, lamenta.

Ubirajara de Oliveira leciona em uma universidade e dá aulas de musculação em academias. Seu envolvimento com a forma-ção de professores e a prática da musculação sempre trouxe um questionamento sobre a relação que a atividade poderia ter com o uso de esteroides anabolizantes. O culto ao corpo, em que o estilo, forma, aparência e juventude contam como atributos indispen-sáveis, segundo ele, remetem à ideia de que

o corpo pode ser remodelado por meio da utilização de esteroides. “A dimensão mais valorizada do corpo, na contemporaneida-de, é a aparência, pois o corpo belo, jovem e magro tornou-se objeto de consumo, sendo exaltado, sobretudo, pelos meios de comu-nicação e pela publicidade. É um discurso perigoso de exaltação ao corpo, que atinge, principalmente, os adolescentes”, declara.

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10Campinas, 29 de abril a 5 de maio de 2013

Foto: Antoninho Perri

Sintonia fina com a sociedade

O reitor José Tadeu Jorge: dando equilíbrio ao tripé ensino, pesquisa e extensão

Unicamp pretende intensificar a sua relação com a sociedade, seja por meio da formação de recur-

sos humanos qualificados, seja gerando conhecimento novo que possa ser transformado

em produtos, processos ou políticas pú-blicas que tragam benefício à população. A afirmação foi feita no último dia 22 pelo reitor José Tadeu Jorge, poucas horas de-pois de assumir oficialmente o cargo, du-rante conferência de imprensa realizada na Reitoria. Ele destacou que a sua gestão procurará conferir equilíbrio ao tripé que sustenta a Universidade – ensino, pesquisa e extensão. “Esse princípio é importante, pois cada uma dessas atividades qualifica as outras duas”, disse.

Tadeu Jorge explicou que prefere empre-gar o conceito “relação com a sociedade” ao termo “extensão”, por entender que o primeiro é mais completo. “A relação com a sociedade compreende a extensão e a as-sistência, que fazemos por intermédio do nosso complexo hospitalar, mas também outros aspectos, como a produção cultural, o diálogo com a iniciativa privada e o desen-volvimento de pesquisas que possam contri-buir para a formulação de políticas públicas. Isso coloca a Universidade em sintonia com as necessidades sociais, o que é transmitido aos nossos estudantes”, afirmou.

Ainda em relação à capacidade da Uni-camp de produzir impactos sociais positivos, Tadeu Jorge adiantou que a instituição em-preenderá esforços para ampliar o número de licenciamento de patentes. O reitor lembrou que a Universidade é a segunda instituição do país em volume de depósito de patentes – perde somente para a Petrobras -, mas que

Artes - “Análise dos processos de criação documental com ma-teriais de arquivo nos fi lmes wellesianos de Rogério Sganzerla” (mes-trado). Candidato: Régis Orlando Rasia. Orientador: professor Francisco Elinaldo Teixeira. Dia 29 de abril, às 9 horas, na CPG do IA. Educação Física - “Estado nutricional e desempenho motor de esco-lares” (mestrado). Candidata: Renata de Sousa Bastos. Orientador: profes-sor Ademir de Marco. Dia 29 de abril, às 10 horas, no auditório da FEF.“Estado nutricional e desempenho motor de escolares” (doutorado). Candidata: Renata de Sousa Basta. Orientador: professor Ademir De Marco. Dia 30 de abril, às 14 horas, no auditório da FEF. Engenharia Elétrica e de Computação - “Uma nova téc-nica de comunicação e alimentação de transdutores inteligentes utilizan-do apenas um fi o baseada no padrão ieee 1451” (mestrado). Candidato: Anderson Rodrigo Rossi. Orientador: professor Elnatan Chagas Ferreira. Dia 29 de abril, às 9 horas, na sala PE 12 do prédio da CPG da FEEC“Medidor de consumo de energia elétrica descentralizado e com in-terface WEB” (mestrado). Candidato: Jefferson Zortea Moro. Orienta-dor: professor Elnatan Chagas Ferreira. Dia 29 de abril, às 14 horas, no auditório da CPG da FEEC.“Projeto, construção e aplicações de câmara escura portátil para me-didas de bioluminescência ultrafraca” (doutorado). Candidato: Edu-ardo Giometti Bertogna. Orientador: professor Evandro Conforti. Dia 3 de maio, às 14 horas, na sala de defesa de teses da CPG da FEEC. Engenharia Mecânica - “Resposta temporal de vigas com vibro-impacto utilizando modelos de força de contato” (mestrado). Candidato: Luan José Franchini Ferreira. Orientador: professor Alber-to Luiz Serpa. Dia 29 de abril, às 10 horas, no auditório KD da FEM. Física - “O modo fundamental de emissão de ondas gravitacio-nais” (mestrado). Candidato: Gibran Henrique de Souza. Orientador: professor Anderson Campos Fauth. Dia 30 de abril, às 14 horas, no auditório da Pós-graduação do IFGW, prédio D, Sala 03. Geociências - “Clima urbano no planejamento do município de Ourinhos - SP” (mestrado). Candidata: Débora Moreira de Souza.

Reunião da Conferência Municipal de Campinas - A Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) sedia em 29 de abril, às 16h30, em seu auditório, uma reunião preparatória da Con-ferência Municipal de Campinas. Trata-se da primeira etapa da 5ª Con-ferência Nacional das Cidades, promovida pelo Conselho Nacional das Cidades e pelo Ministério das Cidades. O objetivo do encontro é identifi car os avanços e desafi os da política de desenvolvimento urbano do país. O evento é apoiado pela Coordenadoria de Assuntos Comunitários (CAC) da Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários (Preac). O auditório da FEC fi ca na rua Saturnino de Brito 224, no prédio azul. Mais informações telefone 19-3521-2541 ou e-mail [email protected] O (des)conhecimento das doenças sexualmente transmissíveis - No dia 30 de abril, às 9 horas, no Anfi teatro 1 da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, o dermatologista Paulo Eduardo Velho, coordenador da disciplina de dermatologia do curso de medicina da FCM, apresenta parte dos resultados da pes-quisa realizada com os graduandos da Unicamp sobre o (des)conheci-mento das doenças sexualmente transmissíveis e que motivou a cam-panha “DST. Proteção com informação. Vista esta camisa”. O evento é aberto à comunidade da Unicamp. Mais informações: 19-3521-8968. Lançamento - No dia 30 de abril, às 18 horas, no Empório do Nono, o professor Paulo Lemos, doutor em Empreendedorismo Tec-nológico e Política Científi ca e Tecnológica pela Unicamp, lança o livro “Universidades e ecossistemas de empreendedorismo: a gestão orientada por ecossistemas e o empreendedorismo da Unicamp” (Edi-tora Unicamp). O Empório fi ca na rua Albino J.B. de Oliveira, 1128, em Barão Geraldo, Campinas-SP. Mais informações: telefone 19-3521-7235 ou e-mail [email protected] Cidades Criativas - Resumos para a participação no III Con-gresso Internacional de Cidades Criativas serão aceitos até o dia 1 de maio. Eles podem ser em espanhol, português ou inglês. O evento será realizado nos dias 28, 29 e 30 de agosto, na Faculdade de Edu-cação (FE) da Unicamp. O Congresso é organizado pelo Laboratorio de Inovação Tecnológica Aplicada na Educação (Lantec-Unicamp), pela Universidade Complutense de Madri e pela Associação Científi ca ICONO14 (Espanha). Mais informações no site http://congreso2013.ciudadescreativas.es/ A psicopatologia e a questão do sujeito - O Labo-ratório de Psicopatologia Sujeito e Singularidade (LaPSuS), do Depar-tamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) promove nos dias 2 e 3 de maio, no Salão Nobre da FCM, o colóquio “ A psicopatologia e a questão do sujeito: desafi os teóricos e clínicos atuais”. O colóquio inaugura as ações do Laboratório de Psicopatologia: Sujeito e Singularidade (LaPSuS). A abertura do evento será às 9 horas. Mais informações: 19-3521-8819.

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Vida Fórum comemora 30 anos do Nied - O Núcleo de Infor-mática Aplicada à Educação (Nied) comemora 30 anos de existência com a realização de um Fórum Permanente de Ciência e Tecnologia. Intitulado “30 Anos de Informática na Educação no Brasil”, o evento será realizado no dia 2 de maio, às 9 horas, no Centro de Convenções da Unicamp. A organização é dos professores Maria Cecília Calani Baranauskas e José Armando Valente, ambos do Nied-Unicamp. Mais detalhes: 19-3521-7136. Educação em agroecologia - A Rede de Agroecologia da Unicamp (RAU) e o Programa de Extensão em Agroecologia da Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários (PREAC) organizam, dia 3 de maio, às 13h30, o Seminário de Educação em Agroecologia. O evento ocorre no Cis–Guanabara (Rua Mario Siqueira 829, no bairro do Botafogo), em Campinas. Contará com a palestra da Dra. Irene Cardo-so (UFV) e vice-presidente da Associação Brasileira de Agroecologia. Domingo no Lago – Próxima edição do evento ocorre no dia 5 de maio, às 10h30, na rua Érico Veríssimo 1011, no campus da Unicamp. É aberto à participação da comunidade em geral. Samba, rock, black music com o grupo Enfamília, apresentações de teatro da Trupe de Ruah e a peça teatral “As irmãs Clair” com o Grupo Trancos e Barrancos são as atrações programadas. Outras informações 19-3521-7017. Genômica e Biologia Celular – Estão abertas as in-scrições para o curso internacional “Tópicos Avançados em Genômica e Biologia Celular”, que será realizado no Centro de Convenções da Unicamp, de 22 a 24 de maio de 2013. O evento busca reunir pal-estrantes reconhecidos mundialmente para apresentação de pesqui-sas, propiciando a troca de experiências e informações entre diferen-tes grupos de países dedicados à busca de conhecimento na área de genética molecular humana.A organização é do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Gené-tica (CBMEG) e do Laboratório Central de Tecnologias de Alto Des-empenho (LaCTAD) da Unicamp, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). As inscrições podem ser feitas pelo endereço http://cbmegcourses.org. Até 31 de março, custam R$ 180,00 para estudantes de graduação, R$ 250,00 para pós-graduandos e R$ 500,00 para professores, pesquisadores e demais profi ssionais. Mais informações podem ser obtidas no CBMEG pelos telefones (19) 3521-1130 e 3521-1131 ou correiro eletrônico [email protected].

Orientador: professor Jonas Teixeira Nery. Dia 30 de abril, às 9 horas, no auditório do IG. Linguagem - “A reescrita dialógica” (mestrado). Candidata: Janaína Fernandes Possati. Orientadora: professora Raquel Salek Fiad. Dia 3 de maio, às 15 horas, na sala de defesa de teses do IEL. Matemática, Estatística e Computação Científi ca - “Solução de conjectura de weiss estocástica para semigrupos analíti-cos” (doutorado). Candidato: Jamil Gomes de Abreu Júnior. Orienta-dor: professor Pedro José Catuogno. Dia 2 de maio, às 10 horas, na sala 253 do Imecc.“Limite superior sobre a probabilidade de confi namento de passeio aleatório em meio aleatório” (mestrado). Candidata: Claudia Edith Vásquez Mercedes. Orientador: professor Christophe Frédéric Galle-sco. Dia 2 de maio, às 10h30, na sala 221 do Imecc.“Decomposições celulares de espaços homogêneos” (mestrado). Candidato: Jordan Lambert Silva. Orientador: professor Luiz Antonio Barrera San Martin. Dia 2 de maio, às 14 horas, na sala 253 do Imecc.“Geometria diferencial em grupos de Lie” (mestrado). Candidato:

Eder de Moraes Correa. Orientador: professor Luiz Antonio Barrera San Martin. Dia 2 de maio, às 16 horas, na sala 253 do Imecc.“O método simbólico aplicado a problemas de combinatória” (mestrado). Candidata: Christiane Buffo Rodrigues. Orientador: professor José Plínio de Oliveira Santos. Dia 5 de abril, às 14 horas, na sala 253 do Imecc. Medicina - “Avaliação da deglutição de cápsulas gelatinosas du-ras em idosos assintomáticos” (mestrado). Candidata: Deborah Brandão de Paiva. Orientadora: professora Lucia Figueiredo Mourão. Dia 30 de abril, às 9 horas, no anfi teatro da Comissão de Pós-graduação da FCM. Odontologia - “Infl uência do etanol na rugosidade, na energia livre de superfície da dentina radicular e no preenchimento de túbulos dentinários com cimento ah plus” (doutorado). Candidato: Carlos Augus-to de Morais Souto Pantoja. Orientador: professor José Flávio Affonso de Almeida. Dia 29 de abril, às 8h30, na sala de seminários da Ortodontia.“Impacto da perda dentária na qualidade de vida de adultos” (dou-torado). Candidata: Marília Jesus Batista. Orientadora: professora Maria da Luz Rosário de Sousa. Dia 30 de abril, às 14 horas, na sala da Congregação da FOP.

Livroda semana

Universidades eecossistemas deempreendedorismoA gestão orientada por ecossistemase o empreendedorismo da UnicampSinopse: Algumas das principais uni-versidades de pesquisa, em várias regiões do mundo, vêm integrando as atividades de inovação e empreend-edorismo à sua realidade acadêmica e organizacional. Por que essa com-binação é possível e, cada vez mais, necessária? Que razões ajudam a ex-plicar o fato de que as principais uni-versidades de pesquisa tendem a ser, ao mesmo tempo, as mais empreend-edoras e inovadoras? A busca de algu-mas das chaves para desvendar essas questões é o que motiva a pesquisa e o livro de Paulo Lemos. Mas, dife-rentemente dos fenômenos físicos e biológicos, as realidades sociais e or-ganizacionais podem interagir com as teorias e interpretações que delas são feitas. Alinhado a essa possibilidade é que o livro apresenta uma abordagem de gerenciamento baseada em ecos-sistemas de empreendedorismo como um novo olhar e, ao mesmo tempo, um novo conjunto de práticas e ações que pode orientar empreendedores, pes-quisadores e gestores envolvidos com a tarefa de criar mais inovação e em-preendedorismo a partir da produção científi ca e tecnológica.

Autor: Paulo LemosFicha técnica: 1a edição, 2012; 280 páginasFormato: 14 x 21 cmISBN: 978-85-268-1005-1Área de interesse: Administração e Políticas PúblicasPreço: R$ 30,00

Unicamp pretende intensificar a sua relação com a sociedade, seja por meio da formação de recur-

sos humanos qualificados, seja

essa condição, por si só, não traz benefícios para a sociedade. “O que traz benefício é o licenciamento, pois é ele que transforma o conhecimento em algo concreto, como um produto ou processo”, reforçou.

Tadeu Jorge também adiantou que a sua gestão trabalhará para ampliar o número de oportunidades para que os estudantes ingressem na Unicamp, notadamente no ensino de graduação. “Esse é o nosso obje-tivo. Claro que a oferta de novas vagas sem-pre terá que ser precedida de um amplo de-bate com a comunidade universitária e da aprovação pelo Consu [Conselho Universi-tário, órgão máximo deliberativo da insti-tuição]”, observou. Nesse aspecto, o reitor lembrou que o novo campus de Limeira foi projetado para oferecer cerca de mil novas vagas, mas que somente 480 foram efetiva-mente criadas até o momento. “Nós temos cursos que foram aprovados pelo Consu, como Produção Cultural e Patrimônio e Restauro, que podem ser implantados em Limeira. Penso que é importante iniciar a discussão no sentido de concretizarmos o projeto inicial daquele campus”.

Outro ponto enfatizado por Tadeu Jorge foi a questão da inclusão social. De acordo com ele, a Unicamp foi a primeira a adotar uma ação nesse sentido, por meio do Pro-grama de Ação Afirmativa e Inclusão Social (PAAIS), criado em 2004. Os estudantes que optam pelo PAAIS recebem automa-ticamente 30 pontos a mais na nota final. Candidatos autodeclarados pretos, pardos e indígenas que tenham cursado o ensino mé-dio em escolas públicas têm, além desses 30 pontos, outros 10 pontos acrescidos à nota final. “Vamos analisar se é possível alterar esse ‘bônus’, de modo e ampliar a inclusão,

sem comprometer a qualidade”, afirmou.O reitor acrescentou que a Unicamp

analisará, ainda, a ampliação do Progra-ma de Formação Interdisciplinar Superior (Profis), destinado aos estudantes que cur-sam o ensino médio em escolas públicas de Campinas. Atualmente, o Profis oferece 120 vagas. “Também vamos discutir o Pi-

mesp [Programa de Inclusão com Mérito no Ensino Superior Público Paulista], que é uma proposta do governo do Estado e que objetiva destinar 50% das vagas das univer-sidades públicas paulistas a jovens egressos de escolas públicas. A Unicamp, através do PAAIS e do Profis, já está próxima desse percentual”. (Manuel Alves Filho)

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ascida em Pacaembu (SP), a socióloga Flávia Rodrigues Prates Cescon, instigada a analisar a pirâmide etária da sua cidade para uma discipli-

na do curso de ciências sociais, percebeu grande discrepância entre a quantidade de homens e de mulheres ali residentes. “Pen-sando na razão de uma diferença tão subs-tancial, atentei para a existência de duas unidades prisionais, ambas masculinas, e que esta população carcerária é considera-da no censo demográfico como residente no município”, recorda.

“Migração e unidades prisionais: o ce-nário dos pequenos municípios do Oes-te paulista” é o título da dissertação de mestrado apresentada por Flávia Cescon no Instituto de Filosofia e Ciências Hu-manas (IFCH), com a orientação da pro-fessora Rosana Baeninger. O trabalho traz um histórico do processo de interioriza-ção do sistema penitenciário do Estado de São Paulo – que passou a ocorrer desde o “massacre do Carandiru” – e analisa os fenômenos provocados por esta migração compulsória de detentos.

“A linha principal de pesquisa foi estu-dar o crescimento populacional de 11 regi-ões de governo do Oeste paulista como um todo, para em seguida focar as pequenas cidades que possuem unidades prisionais: são 34 nessas condições e que somam 52 presídios”, afirma a autora da pesquisa. “Procurei analisar os desdobramentos des-te inchaço artificial do número de habitan-tes, como o surgimento de uma população flutuante de visitantes e a migração tempo-rária de familiares. Na condição de soció-loga, eu também busquei aportes teóricos para entender a relação entre os antigos moradores e os novos”.

Flávia Cescon conta que a repercussão mundial da morte de 111 presidiários na invasão da Casa de Detenção pela Polícia Militar, em 2 de outubro de 1992, levou à criação no ano seguinte da Secretaria de Ad-ministração Penitenciária (SAP), a primei-ra pasta para esta área no país. Em 1995, Mário Covas assumiu o governo anuncian-do a construção simultânea de 21 novas pe-nitenciárias e três presídios semiabertos, a maioria no interior do Estado. E em 2011, segundo a SAP, já eram 149 unidades pri-sionais, havendo mais 13 em construção.

Embora a vinda de presídios nunca seja bem vista pela população, muitos foram os prefeitos que disponibilizaram terre-nos para isso, em troca de uma fatia maior do Fundo de Participação dos Municípios.

11Campinas, 29 de abril a 5 de maio de 2013

LUIZ [email protected]

Foto: Flávia Cescon

Foto: Antoninho Perri

Rumo ao OesteSocióloga investiga impactos migratórios da

interiorização de unidades prisionais

Penitenciária em Pacaembu, cidade natal da pesquisadora: população fl utuante em pequenos municípios

Penitenciária em Pacaembu, cidade natal da pesquisadora: população fl utuante em pequenos municípios

“Constitucionalmente, a União deve re-passar verbas às prefeituras através do FPM, cujo percentual é determinado pelo número de habitantes estimado anual-mente pelo Censo”, explica a pesquisado-ra. “Os presídios do Oeste paulista estão em municípios pequenos e, até o momen-to da pesquisa, notou-se considerável su-perlotação na maioria das unidades. Re-ceber tamanha massa de detentos pode representar um acréscimo considerável de receita, ainda mais para cidades economi-camente engessadas e que ainda sofrem com a emigração.”

Uma pesquisa do IBGE realizada no pe-ríodo de 1998 a 2000 revelou que o FPM é responsável por 57,3% da receita dos municípios com até 5 mil habitantes. “Há outras facetas benéficas da migração carce-rária, como a geração de empregos. Ainda que os cargos em presídios sejam preen-chidos através de concurso público, muitos moradores acabam conseguindo a vaga e conquistando a estabilidade e um salário superior ao oferecido pelo setor agrícola e de serviços”, observa a pesquisadora.

A socióloga levantou dados censitários de 2010 indicando que 40,4% dos municí-pios das regiões de governo analisadas ti-nham até 5 mil habitantes e 21,7%, de 5 a 10 mil; a população carcerária era de 60 mil detentos. “Captamos que praticamente todos os municípios com unidades prisio-nais apresentaram taxas positivas de cres-cimento populacional, quando vários deles mostravam taxas negativas. Hoje em dia, a Secretaria de Administração Penitenciária alega que não se trata mais de uma interio-rização do sistema prisional, mas de uma regionalização por demanda de vagas.”

Outro grande benefício apontado por Flávia Cescon é o aquecimento do comér-cio, graças ao “turismo de visita”. “São ôni-bus e ônibus de passageiros que precisam se hospedar, se alimentar e comprar manti-mentos para os entes presos. Supermerca-dos que fechavam no domingo agora ficam abertos, havendo aqueles que já oferecem um kit com os produtos mais adquiridos. Os serviços de táxi triplicaram e aos taxis-tas se somam pessoas que fazem um bico com veículos particulares.”

O trabalho de Flávia Cescon é extenso para uma dissertação de mestrado e envolveu não apenas o aspecto demográfico, mas também sociológico do processo de interiorização do sistema prisional paulista. A autora analisa, sobretudo, a relação que os antigos moradores mantêm com a população de familiares de detentos que transformam as ruas nos finais de se-mana. “Para estudar o impacto causado por esse ‘turismo de visita’ na população local, busquei autores como Erwin Goffman, Norbert Elias e John Scotson, bem como Zygmunt Bauman para a temática do ‘estranho’.”

A socióloga realizou pesquisa de campo em cinco pequenas cidades do Oeste paulista, col-hendo depoimentos que demonstram o estigma que envolve a população flutuante e os migran-tes temporários. “Quando uma pessoa é sentenciada por um crime e presa, a sua família também é carregada para dentro do cárcere. A imagem do detento e da prisão se estende para aqueles que não participam do delito: parentes e amigos próximos se tornam vítima de todos os medos, inseguranças, conceitos e pré-conceitos que a prisão exerce no imaginário social.”

Na dissertação são transcritas verbalizações demonstrando que os visitantes são facil-mente identificáveis pela população local. “Final de semana é família de preso que está aqui. Então, toda mulher que está com criança é mulher de preso... sozinha, porque aqui a turma anda com o marido. Então você vê: mulher, andando pela cidade sozinha, com criança, é mulher de preso”, atesta uma moradora. “A gente vê aquele bando de mulher carregando o ‘jumbo’ e já sabe... Só elas usam isso aqui”, diz outra, a respeito da grande sacola plástica contendo alimentos, produtos de higiene pessoal e cigarros.

Da mesma forma, o estigma é facilmente percebido pelos familiares de detentos, princi-palmente quando alguns deles permanecem na cidade em dias úteis. “Eu só vinha de final de semana, mas teve uma vez que eu precisei ficar aqui a semana toda. (...) A cidade é diferente durante a semana, as janelas ficam abertas até tarde... Quando a gente chega, aqui em volta do hotel, tudo fica fechado”, observa uma visitante. “Que nem hoje [sábado], os mercados estão cheios de seguranças. Amanhã você vai lá, não tem um”, acrescenta a outra.

Flávia Cescon lembra que algumas famílias de detentos acabam residindo no município, o que depende diretamente da duração da pena. Daí, a transcrição de outro depoimento: “Tem tanta gente pra ajudar com cesta básica e a gente vai tirar de um povo nosso, que a gente conhece, pra dar pra elas [mulheres de detentos]. Fora os roubos e tudo o que aumentou... Várias mulheres de preso vão presas por causa de droga... A gente nem sabia o que era isso... Os jovens daqui não conheciam negócio de droga. Acabou todo o nosso sossego.”

De acordo com a autora da pesquisa, os detentos, propriamente, não convivem com a população e é esta invisibilidade física o que se espera com o encarceramento de um indivíduo por altos muros. “Minhas visitas a campo permitem afirmar que nos municípios com unidades prisionais do Oeste paulista, principalmente nos pequenos, a nova população de detentos é fortemente sentida como presente, sendo o constante fluxo de visitantes o elemento que a torna sensível.”

Flávia Cescon observa ainda que o impacto da população carcerária é muito mais tangível nos pequenos municípios que nos demais. “Os detentos, por exemplo, têm preferência de atendimento no serviço de saúde e o cidadão, que precisa esperar, se sente deixado de lado. Em Pracinha, que possui três mil habitantes (sendo a metade de detentos), não existe pronto-socorro. Todos precisam ir até a vizinha Lucélia, que acaba tendo o serviço superlotado, com o detalhe de que lá também foi construído um presídio.”

O impacto social do ‘turismo de visita’

PublicaçãoDissertação: “Migração e unidades pri-sionais: o cenário dos pequenos municí-pios do Oeste paulista” Autora: Flávia Cescon Orientadora: Rosana BaeningerUnidade: Instituto de Filosofia e Ciên-cias Humanas (IFCH)

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endo pesquisado sobre comédia popular brasi-leira para o mestrado no Instituto de Artes (IA),

o ator e diretor de teatro André Carrico escolheu um tema de doutorado na mesma linha, mas que pode provocar certo estranhamento no meio aca-

dêmico: “Os Trapalhões no reino da academia: revista, rádio e circo na poética trapalhônica” é o título da tese que apresentou no Instituto de Artes, sob a orientação da professora Neyde Veneziano. “Comecei a atuar ainda criança e sempre estive ligado ao teatro de rua e ao circo, fui palhaço durante um tempo. Daí, eu ter escolhido Os Trapalhões, meus ídolos”, justifica o autor.

André Carrico afirma que a ideia é mostrar que este grupo representa uma reunião exemplar de determinadas vertentes da comédia popular nacional, com cômicos que trouxeram bagagens do teatro de revista, do circo e do humorismo ra-diofônico. O foco é o período de 1978 a 1990, em que quar-teto esteve completo com Antônio Renato Aragão (Didi), Manfried Santana (Dedé), Antônio Carlos Bernardes Gomes (Mussum) e Mauro Gonçalves (Zacarias). “O grupo tem for-mações anteriores e posteriores, mas nas palavras de Renato Aragão, eram essas ‘as quatro pernas de uma mesa’.”

Na opinião do autor da tese, o “projeto trapalhônico” viabilizou a permanência de procedimentos universais de tradição popular, visto que esses cômicos transmitiram com clareza os princípios cênicos de artistas que os antecederam. “Dedé nasceu numa barraca de circo, era palhaço. Mussum passou pelo teatro de revista como músico dos Originais do Samba – eles contracenavam com Grande Otelo, que jun-to com Chico Anysio acabou influindo na configuração do tipo. E Zacarias começou no rádio, em Sete Lagoas e depois em Belo Horizonte, sempre interpretando tipos caipiras.”

Renato Aragão, a quem André Carrico teve a oportuni-dade de entrevistar pessoalmente, disse que o personagem Didi é uma influência da chanchada. “Na verdade, Rena-to veio fazer cinema porque queria ser como Oscarito, seu grande mestre, e que por sua vez era de família circense, acrobata e palhaço. Minha impressão é de que convivendo no universo interiorano de Sobral (Ceará), ele também as-sistiu a muitos espetáculos de circo, trazendo da infância alguma coisa inspirada nos palhaços.”

Na entrevista com o mentor do grupo, Carrico obteve a certeza de que Renato Aragão pensava o grupo efetiva-mente como um projeto e que não montou as “quatro per-nas da mesa” ao acaso. “Ele chamou primeiramente Dedé e depois Mussum e Zacarias, conjugando as potencialida-des individuais de cada elemento também em termos de regionalismo e geografia humana: em Mussum, temos o negro e o malandro do morro; em Dedé, o sujeito de peri-feria e de origem indígena e cigana; em Zacarias, o caipira mineiro; e em Didi, o nordestino.”

Uma observação feita por sua orientadora e investigada pelo pesquisador, é que o linguajar de Mussum, que ele cha-ma de “mussunguês”, tem sua origem registrada no teatro de revista. “Se pegarmos os textos dos anos 1930, veremos

Campinas, 29 de abril a 5 de maio de 2013

o ator e diretor de teatro André Carrico escolheu um tema de doutorado na mesma linha, mas que pode provocar certo estranhamento no meio aca-

LUIZ [email protected]

PublicaçõesTese: “Os Trapalhões no reino da academia: revista, rádio e circo na poética trapalhônica”Autor: André Carrico Orientadora: Neyde VenezianoUnidade: Instituto de Artes (IA)

A poética do picadeiro

O ator André Carrico, autor da tese, com Renato Aragão: líder conjugou as potencialidades individuais

Os Trapalhões em sua formação clássica: reunião de vertentes da comédia

popular nacional

um tipo fixo que é o da mulata e que fala de maneira idênti-ca: ‘patrãozis’, ‘senhorzis’, mézis, ‘afazerezis’. Dedé Santana me disse que Chico Anysio teria ensinado Mussum a falar desse jeito, mas também vejo o mesmo beiço e outros tre-jeitos de Grande Otelo, de quem era coadjuvante em ‘Bairro Feliz’, um programa de televisão”.

CAMPÕES DE AUDIÊNCIAAndré Carrico observa que apesar de malvistos pela crí-

tica, Os Trapalhões figuraram entre os grandes campões de audiência da TV e, no cinema, a maioria dos seus filmes re-petiu e ampliou a façanha do programa televisivo. “Durante 32 anos, a terceira bilheteria de um filme nacional pertenceu a eles, com ‘Os Trapalhões nas Minas do Rei Salomão’, per-dendo apenas para ‘Dona Flor e seus Dois Maridos’ (1976) e ‘A Dama do Lotação’ (1978). Se a classificação for de cinema infantil, eles permanecem como os mais assistidos até hoje.”

Mesmo com o boom de produções nacionais nos últimos anos, acrescenta Carrico, Os Trapalhões mantêm quatro fil-mes na lista dos dez primeiros (40%), tendo caído para o 4º lugar apenas em 2009, com “Tropa de Elite 2”, e para o 5º lugar com “Se Eu Fosse Você”. “Se esticarmos a lista para 20 filmes, encontraremos mais seis deles, com o detalhe de que o grupo acabou há 23 anos como quarteto. ‘Os Trapalhões nas Minas do Rei Salomão’ teve quase 6 milhões de espec-tadores, aproximando-se de grandes blockbusters hollywoo-dianos como ‘A Lagoa Azul’, ‘Lua Nova’ e ‘Harry Potter’.”

A tese resgata fatos curiosos, como aquele em que a TV Globo se viu obrigada a pagar o salário que Renato Aragão pediu, quando o programa “Os Trapalhões”, que foi ao ar na TV Tupi de 1974 a 1977, tornou-se o primeiro a bater o índice de Ibope do “Fantástico”. “Nos doze anos seguintes, com a sua formação completa, o grupo foi líder de audiência ao lado de Silvio Santos, que interrompia seu programa dominical no momento em que a Globo exibia ‘Os Trapalhões’, reaparecen-do somente depois com o seu ‘Show de Calouros’.”

O pesquisador analisou 22 filmes do grupo, na finalidade de comprovar a presença de elementos da revista, do circo e do humorismo radiofônico, como por exemplo, a questão da paródia e da metalinguagem. Ele entrevistou presencialmen-te Renato Aragão e Dedé Santana, além de quatro irmãos e duas amigas próximas de Mauro Gonçalves em Sete Lagoas, só abrindo mão de procurar pessoas ligadas a Mussum ao per-ceber o farto material já reunido sobre o comediante. “Foram todos muito solícitos, inclusive Renato Aragão, apesar dos seis meses de negociação com a sua assessoria. Pessoalmente, mostrou-se bastante tímido para entrevistas.”

SOBRE NARIZES TORTOSAndré Carrico incluiu em seu trabalho um adendo sobre o

“politicamente correto” nos esquetes d’Os Trapalhões, enten-dendo que o humor daquele quarteto não encontraria espaço nos dias atuais. “Acho que há muita hipocrisia, pois a lingua-gem é uma coisa viva e tudo depende da entonação com que se diz. Mussum, por exemplo, bebia na vida real e fazia piada com isso; hoje as patrulhas do ‘politicamente correto’ não ad-mitiriam um palhaço que bebe, embora eu não conheça nin-guém da minha geração que ria dele quando criança e tenha se tornado alcoólatra. Também não me lembro de ninguém que bata em mulher por ter visto as brincadeiras com conota-ções machistas, sexistas ou homofóbicas do grupo.”

O autor esclarece que a sua tese de doutorado é técnica, so-bre recursos de atuação, mas percebeu o preconceito mesmo entre colegas da pós-graduação, sendo grato ao incentivo que recebeu da professora Neyde Veneziano. “Minha orientadora, hoje aposentada, foi uma desbravadora nos anos 1980, ao tra-zer o teatro de revista para dentro da academia. Vi muito na-riz torto diante da minha pesquisa, ainda mais em se tratando d’Os Trapalhões, mas a professora insistiu que a proposta era justamente a de quebrar tabus. Não discuto a qualidade dos filmes, e sim as qualidades dos membros do quarteto que fi-zeram o projeto perdurar, bem como o que há de significativo em termos de procedimentos da comédia popular.”

Perguntado se, enquanto ator, vê Os Trapalhões como bons atores, André Carrico se diz convicto de que sim, caso contrário não conseguiriam tanto êxito. “Conversei com inúmeros palhaços e todos são unânimes em afirmar que Dedé Santana é o melhor ‘escada’ brasileiro, aquele que pre-para a piada para o outro. Numa cena dramática, ele seria um canastrão – e aí haveria mais uma graça, a de um palhaço fazendo melodrama. Mussum era genial, um tipo cultuado por gerações que nem o conheceram e que até hoje é o ho-menageado de festas em São Paulo; muito espontâneo, ele era aquilo mesmo.”

Carrico acrescenta que Mauro Gonçalves, por vir do rá-dio, era o mais técnico, preocupado em trabalhar a voz e capaz de interpretar outros tipos quando necessário, sen-do Zacarias apenas um deles. E, sobre Renato Aragão, atri-bui seu sucesso à enorme empatia do tipo de Didi junto às crianças, sem esquecer o trabalho elaborado de corpo, que ele conserva bem preparado aos 78 anos. “Outro aspecto que comento é da naturalização do palhaço, sem o uso de maquiagens. Os Trapalhões adotam os recursos de atuação do cômico de picadeiro, mas dando uma atenuada para que aquele tipo de poética caiba dentro da TV e do cinema.”

O ator André Carrico, autor da tese, com Renato Aragão: