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IMPRESSO ESPECIAL 1.74.18.2252-9-DR/SPI Unicamp CORREIOS FECHAMENTO AUTORIZADO PODE SER ABERTO PELA ECT www.unicamp.br/ju ornal U ni camp da Campinas, 3 a 16 de setembro de 2012 - ANO XXVI - Nº 538 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA J Fotos: Divulgação E��e�iC��mDocumentários têm ‘boom’ e salas às moscas MARCIUS FREIRE Testemunhal renova e impulsiona dramaturgia FERNANDO PASSOS Febre imagética esvazia o poder das palavras ROGER ODIN A Caravana Farkas na gênese da estética televisiva GILBERTO ALEXANDRE SOBRINHO Duas visões antagônicas sobre a produção atual INÁCIO ARAÚJO E FERNÃO RAMOS O experimental e as traduções poéticas de Bressane FRANCISCO ELINALDO TEIXEIRA O realizador e a demanda represada das narrativas NUNO CESAR ABREU Historiador passa Godard e Nouvelle Vague a limpo MICHEL MARIE A enciclopédia mais completa do cinema brasileiro FERNÃO RAMOS Fernanda Torres e Eduardo Coutinho no documentário Jogo de Cena Hermila Guedes em cena de O Céu de Suely, filme de Karim Aïnouz

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Jornal da Unicamp edição 538

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Page 1: JU538

IMPRESSO ESPECIAL1.74.18.2252-9-DR/SPI

UnicampCORREIOS

FECHAMENTO AUTORIZADOPODE SER ABERTO PELA ECTwww.unicamp.br/ju

ornal UnicampdaCampinas, 3 a 16 de setembro de 2012 - ANO XXVI - Nº 538 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

JFotos: Divulgação

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Documentários têm ‘boom’ e salas às moscasMARCIUS FREIRE Testemunhal renova e impulsiona dramaturgiaFERNANDO PASSOS

Febre imagética esvazia o poder das palavrasROGER ODIN

A Caravana Farkas na gênese da estética televisivaGILBERTO ALEXANDRE SOBRINHO Duas visões antagônicas sobre a produção atualINÁCIO ARAÚJO E FERNÃO RAMOS

O experimental e as traduções poéticas de BressaneFRANCISCO ELINALDO TEIXEIRA

O realizador e a demanda represada das narrativasNUNO CESAR ABREU

Historiador passa Godard e Nouvelle Vague a limpoMICHEL MARIE

A enciclopédia mais completa do cinema brasileiroFERNÃO RAMOS

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Fernanda Torres e Eduardo Coutinho no documentário Jogo de Cena

Hermila Guedes em cena de O Céu de Suely, fi lme de Karim Aïnouz

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UNICAMP – Universidade Estadual de CampinasReitor Fernando Ferreira CostaCoordenador-Geral Edgar Salvadori De DeccaPró-reitor de Desenvolvimento Universitário Roberto Rodrigues PaesPró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários João Frederico da Costa Azevedo MeyerPró-reitor de Pesquisa Ronaldo Aloise PilliPró-reitor de Pós-Graduação Euclides de Mesquita NetoPró-reitor de Graduação Marcelo KnobelChefe de Gabinete José Ranali

Elaborado pela Assessoria de Imprensa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Periodicidade semanal. Correspondência e sugestões Cidade Universitária “Zeferino Vaz”, CEP 13081-970, Campinas-SP. Telefones (019) 3521-5108, 3521-5109, 3521-5111. Site http://www.unicamp.br/ju. E-mail [email protected]. Twitter http://twitter.com/jornaldaunicamp Coordenador de imprensa Eustáquio Gomes Assessor Chefe Clayton Levy Editor Álvaro Kassab ([email protected]) Chefi a de reportagem Raquel do Carmo Santos ([email protected]) Reportagem Carmo Gallo Neto Isabel Gardenal, Maria Alice da Cruz e Manuel Alves Filho Editor de fotografi a Antoninho Perri Fotos Antoninho Perri e Antonio Scarpinetti Coordenador de Arte Luis Paulo Silva Editor de Arte Joaquim Daldin Miguel Vida Acadêmi-ca Hélio Costa Júnior Atendimento à imprensa Ronei Thezolin, Patrícia Lauretti e Jaqueline Lopes. Serviços técnicos Dulcinéa Bordignon Everaldo Silva Impressão Pigma Gráfi ca e Editora Ltda: (011) 4223-5911 Publicidade JCPR Publicidade e Propaganda: (019) 3327-0894. Assine o jornal on line: www.unicamp.br/assineju

grande público especta-dor ainda é uma exceção para os documentários nacionais exibidos no circuito comercial de cinema, apesar do boom

na produção, especialmente a partir da última década. Dados da Agência Na-cional de Cinema (Ancine) e do portal Filme B, especializado no mercado cine-matográfico brasileiro, indicam que 181 documentários foram lançados entre 2000 e 2009. Destes, quase 90% não conseguiram atingir público superior a 30 mil espectadores.

O gargalo está relacionado, sobretudo, à distribuição dos documentários bra-sileiros, aponta o docente da Unicamp Marcius Freire, referência nacional em pesquisas sobre o gênero. “O documen-tário permanece pouco tempo na sala de cinema, assim como os filmes nacionais de uma maneira geral. Eles ficam em car-taz, no máximo, uma semana, e naquela salinha menor. Na melhor das hipóteses, passam a ser exibidos em horários inviá-veis para um público mais amplo. Há no Brasil uma grande dificuldade, o nó da questão, que é o problema da distribui-ção. Os filmes são produzidos, mas não são mostrados. A distribuição está nas mãos das grandes corporações, as majors norte-americanas. E some-se a isso um desinteresse geral do público brasileiro pelo filme nacional”, sustenta.

Freire é docente do Departamento de Cinema do Instituto de Artes (IA) e orienta pesquisas relevantes nesta área. Ele cita a dissertação de Tereza Noll Trindade, que investigou a produção e exibição de documentários no circuito comercial para o seu mestrado. O estudo foi defendido no final do ano passado junto ao Programa de Pós-Graduação em Multimeios.

Conclusão pertinente do trabalho de Tereza Trindade é a que evidencia um círculo vicioso no meio cinematográfico nacional, gerado por esta contradição entre o boom e o baixo público espectador. “Um filme em cartaz, que não atinja um público mínimo, resulta em prejuízo para o Estado que o financiou. Trata-se de um produto cultural que não atinge a sociedade. É prejuízo para o exibidor, que não sustenta seu negócio, e diminui sua margem em reinvestimento em novas salas. Ademais, prejudica o realizador, que será provavel-mente alvo de críticas pelo pouco alcance de sua obra. Em suma, afeta o próprio público que não vê o filme porque ele per-manece pouco tempo em cartaz”, aponta a pesquisadora, em seu estudo.

Mas se há um público espectador re-duzido, o quê tem alimentado, portanto, o crescimento substancial do gênero no país? Marcius Freire lança mais dados que, segundo ele, “desmistificam” o boom dos documentários brasileiros. Se-gundo o docente, de todas as produtoras que se aventuraram na realização de do-cumentários no país na década de 2000, cerca de 80% o fizeram apenas uma única vez. Há, portanto, um grande nú-mero de diretores que produziu apenas um filme. Conforme Freire, foram 162 realizadores para os 181 documentários lançados no período.

“São esses dados que, de certa forma, desmistificam este boom do documen-tário. E por que tantos cineastas estão fazendo documentário? Para participar de editais. De acordo com as regras atuais, ter realizado um filme, um longa-metragem, coloca o candidato em condi-

Campinas, 3 a 16 de setembro de 20122

Foto: Reprodução

SILVIO ANUNCIAÇÃ[email protected]

‘Mundo real’, Distribuição precária mantém espectador longe dos documentários, apesar do boom do g ênero

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Foto: Antoninho Perri

público imaginário

O professor Marcius

Freire: “Os

documentários acabam

sendo uma porta de entrada

para o mundo audiovisual”PUBLICAÇÃO

Dissertação: “O documentário che-gou à sala de cinema. E agora? O lugar do documentário no mercado audiovisual brasileiro na perspectiva de seus agentes: da produção à exibi-ção (2000-2009)”Autora: Tereza Noll TrindadeOrientador: Marcius FreireUnidade: Instituto de Artes (IA)

Cena de A música segundo Tom Jobim, fi lme dirigido por Nelson Pereira dos Santos e Dora Jobim: obra sem narração e entrevista

ções muito mais favoráveis no processo seletivo. E o documentário é o gênero mais barato. Com uma câmera acessível e um computador pessoal, consegue-se produzir e editar um filme. Então, os documentários acabam sendo uma porta de entrada para o mundo audiovisual”, expõe.

Embora a qualidade não seja pre-ponderante para o baixo número de espectadores, Marcius Freire não deixa de criticá-la. “Já participei como jurado de alguns festivais e posso dizer que a qualidade não é das melhores. Percebe-se que não há, muitas vezes, o conhe-cimento necessário para se trabalhar com esta matéria-prima, que é o ‘real’”, reconhece.

Por outro lado, conforme o docente da Unicamp, os documentários com temáticas culturais, esportivas e sobre personalidades, têm atingido públicos maiores. Ele menciona o filme Vinicius, de Miguel Faria Jr, que, até o momento, é o documentário mais visto no país, com mais de 270 mil espectadores. “O grande campeão de bilheteria é Vinicius, sobre a vida e a obra do poeta e músico Vinicius de Moraes. O documentário sobre Wilson Simonal contou com um bom público também. Mais recentemente teve o do Nelson Pereira dos Santos e da Dora Jobim sobre Tom Jobim, A música segundo Tom Jobim… É um filme genial porque não tem narração nem entrevista – elementos quase obrigatórios no gênero. É a música de Jobim o tempo todo, um verdadeiro deleite”, sugere.

OTIMISMOApesar de reduzido, o público dos

documentários tende a se ampliar, confia Marcius Freire. No âmbito do cinema alternativo, o festival brasileiro É Tudo Verdade tem importante função na for-mação e expansão dos espectadores de documentários, exemplifica. Já em sua 17ª edição, a mostra, criada pelo crítico e curador Amir Labaki, exibe documen-tários nacionais e internacionais. “O É

tudo verdade tem o papel significativo no sentido de despertar o público para o que chamamos de educação do olhar”, conceitua.

No contexto mais amplo, outro fator que deve estimular o aumento do público espectador, conforme Freire, é o esgota-mento da ficção hollywoodiana e o inte-resse cada vez maior pelo “outro”. “Em razão de o mundo ter se tornado essa al-deia global tão pequena, há um interesse pelo ‘outro’, sobretudo, por este ‘outro’ culturalmente tão diferente de nós. E os documentários têm essa função de trazer o ‘outro’ para perto. Além disso, a ficção hollywoodiana tem se esgotado, tanto que a moda é a inspiração em videogames e a fusão de produtos que são veiculados em outras plataformas, como a internet”.

INOVAÇÃOÀ procura de novas alternativas desde

as origens do gênero, os documentaris-tas têm inovado no modo com que a imagem cinematográfica expõe o “real”. “O documentário já não busca retratar, simplesmente, uma ‘realidade’ que está dada no mundo. Ele vai além. E isso acontece desde o Cinema verdade”, situa o pesquisador da Unicamp.

O movimento referido por Frei-re surgiu no final dos anos 1950 e empenhou-se em captar a “realidade”, sem fins didáticos ou históricos, mas nela interferindo de forma explícita. O cineasta e antropólogo francês Jean Rouch (1917-2004), que orientou o docente da Unicamp em seu doutora-do, é reconhecido como o precursor do Cinema verdade.

“Hoje em dia, aqui no Brasil, docu-mentaristas, como o Cao Guimarães, inovam muito bem. Seus documentários A Alma do Osso [2004], Da Janela do Meu Quarto [2004], O Fim do Sem-Fim [2001] e Andarilho [2007] são filmes primorosos, que embaralham as noções de ficção e documentário. E Guimarães é um artista plástico de formação. Outro filme nessa linha é o Serras da Desordem, que mistura

ficção, realidade e cenas históricas. O seu autor, Andrea Tonacci, coloca persona-gens reais, como o índio Carapiru, para reviver o seu próprio passado. É um fil-me primoroso”, indica.

O estudio -so da Unicamp avalia que o do-cumentário está se transforman-do permanente-mente ao longo do tempo, in-fluenciado pelas recentes tecnolo-gias e novas for-mas de expres-são. “No começo dos anos 1950, Jean Rouch in-troduziu muitas inovações no ci-nema”, retoma Freire. “Ele fez Moi un noir [Eu, um Negro], que veio influenciar a Nouvelle Vague. Jean-Luc Godard disse, explicita-mente, que foi inspirado por Jean Rouch. O filme Acossado, de Godard, poderia ser chamado de ‘Eu, um branco’, segundo alguns críticos e o próprio realizador, porque ele é muito calcado no Eu, um negro”, compara.

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cinema brasileiro apresen-ta atualmente uma produ-ção em ritmo constante e um bom grau de maturi-dade tanto no aspecto téc-nico quanto no artístico. A opinião é do professor

Fernando Passos, do Departamento de Ci-nema (Decine) do Instituto de Artes (IA) da Unicamp. De acordo com ele, que durante 20 anos trabalhou no mercado, a política de incentivos, que tomou força com Gilberto Gil e Juca Ferreira à frente do Ministério da Cultura (Minc), criou a abertura de espaços para jovens roteiristas, diretores e produ-tores, que lançaram no mercado brasileiro obras interessantes, com baixo orçamento e ótima qualidade técnica e artística, muitas com repercussão em festivais e mercados es-trangeiros. “Não diria que a política dos edi-tais dá dinheiro para todo mundo, mas está bem claro que o número de jovens profissio-nais do audiovisual aumentou em qualidade e quantidade, o que é uma boa perspectiva para nossos alunos de graduação”, analisa.

Orientando trabalhos na linha de pesqui-sa “Processos Criativos no Cinema Ficcional “Cinema e Literatura”na pós-graduação e ministrando a disciplina de Roteiro na gra-duação, Fernando Passos considera que, no campo da teledramaturgia, o cinema brasi-leiro vive uma fase muito positiva, situação também experimentada em outros países latino-americanos, notadamente Argentina e Chile. Segundo ele, parte dos excelentes fil-mes produzidos nesses países traz a força de uma dramaturgia enraizada em situações do cotidiano. “É o que chamo de cinema teste-munhal, ou seja, os roteiros estão sendo cria-dos com base naquilo que acontece nas ruas, nos fatos do cotidiano, nos temas presentes nos noticiários dos jornais e na reverberação de tudo isso nas pessoas”.

De acordo com o docente, a originalidade, fundamental para a criação artística, parte de cada pessoa. “É uma energia gerada no âm-bito do singular, do único que constitui cada indivíduo. Essa liberdade não se confunde com individualismo ou egocentrismo, mas é individuação, autonomia daquele que fala através de qualquer linguagem, daquele que assume sua voz pessoal diante dos outros e da sociedade. E é testemunho porque é a voz presentificada, a voz ligada ao tempo presen-te, à vida em seu transcorrer”, defende. No campo da criação artística, prossegue Fernan-do Passos, não se pode estabelecer leis gerais ou normas restritivas porque a arte, como demarcou o filósofo da ciência Karl Popper, é a verdade que pertence ao seu criador, e não à comunidade científica, daí sua irrefutabilida-de. “Não por outra razão, as formas de negar a arte sempre foram a censura e a violência, e não o debate lógico-científico”, lembra.

No IA, conforme o professor, o que se procura ensinar em relação à arte são os procedimentos. Ou seja, o “como” e não “o que” fazer. “Este ‘que’ às vezes se confunde com o conteúdo, o enredo, o tema etc. Este, porém, não é matéria de ensino, pois per-tence ao indivíduo. Por isso no IA não for-mamos artistas, mas pessoas que dominam os procedimentos dos diferentes fazeres ar-tísticos. Os procedimentos dizem respeito à qualidade técnica ou ao domínio da técnica, seja na paleta de cores, seja na qualidade de som e imagem”, pormenoriza. Segundo ele, a Universidade é um local privilegiado para exercitar essa originalidade, dado que o es-paço de aprendizagem permite a experimen-tação livre.

Todo fazer artístico, sustenta ele, é uma forma de conhecimento que se desenvol-ve através dessa experimentação. A arte, e dentro dela o cinema, tem o seu amadu-recimento no autoconhecimento do artista

3Campinas, 3 a 16 de setembro de 2012

Fotos: Divulgação

Foto: Antoninho Perri

e produtivoProfessor destaca a elevada qualidade técnica e artística do cinema brasileiro atual

MANUEL ALVES [email protected]

Maduro

O professor Fernando Passos: boa parte dos bons fi lmes latino-americanos traz a força de uma dramaturgia enraizada em situações do cotidiano

O

sobre as características de seu procedimento criativo.”Fazer cinema implica em estudar os procedimentos técnicos e fazer filmes, duas ações que se completam e se realimentam. Se não há essa prática do fazer, não haverá arte, mas apenas a teoria empobrecida por seu desligamento da prática, sempre um ris-co para o ensino acadêmico”.

O movimento em direção a um cinema ficcional, apoiado na vida comum, enobrece as ações humanas revestidas de uma aparen-te normalidade, dando-lhes dimensões épi-cas, líricas ou dramáticas, segundo Fernando Passos. Essa expressão tem seu grande mo-mento, como já mencionado, principalmente no cinema argentino, seguido pelo brasileiro e chileno, embora em toda a América Latina esta nova cinematografia já venha há mais de uma década se afirmando. “Seguindo esse caminho, temos orientado pesquisas sobre novos cineastas. Um exemplo é o estudo de Natália Barrenha sobre o som no cinema da argentina Lucrecia Martel, já encerrada e que hoje aguarda publicação. Também dirigimos nossas oficinas de roteiro no sentido de ex-plorar o entorno dos estudantes como inspi-ração aos roteiros em criação”.

No Brasil, considera Fernando Passos, esse movimento cinematográfico, anterior-mente chamado cinema da retomada, mas que hoje alçou voos maiores, tem início com o filme Central do Brasil, de Valter Salles, que explora um tema épico e apresenta um inova-dor tratamento de som. “Isto representou, na época, um forte avanço na expressão cinema-tográfica nacional. Daí seguiu-se um grande número de produções, cada uma com suas características, mas que reafirmaram essa maturidade a que me referi anteriormente”. O professor destaca, ainda, dois outros fil-mes nacionais, Tropa de Elite e Tropa de Elite 2, tidos por ele como excepcionais do ponto de vista dos roteiros da dramaturgia.

As duas produções contam a ação de um personagem, o capitão Nascimento, inter-pretado por Wagner Moura, um dos grandes atores brasileiros da atualidade. “É este per-sonagem que, à maneira de um herói do dra-ma clássico, carrega dentro de si uma série de conflitos que dá o tom dos enredos que nos falam de temas presentes em nosso dia a dia, como a violência associada à corrupção dentro das instituições do Estado. A história cresce com as atitudes de Nascimento para vencer esses conflitos, em muitos deles in-ternos. Trata-se de uma luta quase solitária no mundo gelado daqueles que não aderem aos esquemas criminosos e que, ao contrário,

resolvem combatê-los”.O personagem criado pelos roteiristas

Bráulio Mantovani e José Padilha, observa Fernando Passos, vai nessa busca, sofrendo perdas e incompreensões, por ser honesto consigo mesmo, em um mundo de corruptos e de bairros miseráveis dominados pelo nar-cotráfico e pelas milícias. E chega finalmente ao Eixo Monumental de Brasília, onde estão instalados os poderes centrais da nação. “É um thriller fascinante sobre a miséria econô-mica e moral que tanto conhecemos. Um ci-nema de testemunho feito com arte”, define. No que toca às pesquisas focadas nas relações entre cinema e literatura, o docente do IA des-taca dois estilos, que sinalizam polos opostos nas dificuldades enfrentadas no processo de criação de filmes a partir de textos literários.

PERSPECTIVA DO FRACASSO“De início, gostaria de situar o escritor e

roteirista Marçal Aquino, cuja prosa tem a propriedade estrutural de ser veloz e objetiva, o que a aproxima muito do thriller, do cine-ma de suspense. Seus roteiros para o cinema vêm de suas próprias obras (Os Matadores, Ação entre Amigos, O Invasor, Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios) e de ou-tros escritores como em Nina (Dostoiévski, Crime e Castigo) e O Cheiro do Ralo [Lourenço Mutareli, mesmo título]. Endossando nossa argumentação sobre a singularidade da cria-ção, Marçal Aquino, em debate com nossos estudantes, respondeu a uma pergunta sobre sua forma de criar e a pressão do mercado: ‘Eu escrevo na perspectiva do fracasso. Não penso em resultados. É um procedimento íntimo, pessoal’.” Outra estrutura enfatizada por ele é a chamada prosa poética, carregada

de subjetividade, lacunas e indeterminações. Grande parte dos textos de Guimarães

Rosa e Clarice Lispector, entre outros escri-tores, diz o docente, apresenta essas proprie-dades, cuja produção de sentido é em grande medida dependente da sensibilidade de cada leitor. “Clarice desperta um grande interes-se nas criações cênicas e cinematográficas de estudantes da graduação e da pós. Creio que isso se deve ao fato de Clarice condensar em sua obra as dimensões psicológicas mais sensíveis do universo feminino. A dificuldade maior para transcriar os textos tanto de Rosa quanto de Clarice para o cinema está na sinta-xe aberta, o que obriga a uma leitura de frui-ção subjetiva, única maneira de participar das flexões de sentido criadas por estes escritores. Ocorre o oposto em relação a Marçal Aquino, dono de uma prosa denotativa, e por isso ve-loz. Os dois primeiros nos levam, na criação do roteiro, a um tempo cinematográfico mais lento, com menor número de cortes e ações objetivas, privilegiando um cinema de refle-xão e contemplação. A ação, como ligação causal no avanço da narrativa, nem sempre é evidente e as tomadas são mais longas, pois a sensação estética despertada pela leitura dila-ta o tempo interno do filme”.

Algumas transcriações para o cinema de livros considerados “difíceis”, em decorrên-cia dessas propriedades estruturais, deram origem a excelentes filmes, de acordo com Fernando Passos. “Como exemplos eu citaria Mutum, de Sandra Kogut, que teve roteiro dela e de Ana Luiza Martins Costa, da obra Migui-lin, de Guimarães Rosa (Corpo de Baile), e o filme Lavoura Arcaica, de Luiz Fernando Car-valho, roteiro dele e de Raduam Nassar, autor do livro de mesmo nome”, elencou.

Wagner Moura interpreta capitão Nascimento em Tropa de Elite 2: personagem carrega uma série de confl itos

Marco Ricca em cena de O Invasor, cujo roteiro é do escritor e jornalista Marçal Aquino: prosa veloz e objetiva

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Campinas, 3 a 16 de setembro de 2012

Foto: Reprodução

4PAULO CESAR NASCIMENTO

Especial para o JU

Para especialista francês, linguagem verbal está sendo substituída pela visual

Foto: Antonio Scarpinetti

m junho de 2009, manifes-tações populares contra o regime ditatorial no Irã ga-nharam repercussão mun-dial e se transformaram no histórico estopim de uma

revolução sem precedentes nos países árabes. As imagens impactantes das revoltas e até da morte brutal de uma jovem de 16 anos, Neda Soltani, transformada em símbolo do protesto reformista, não foram, contudo, geradas pela imprensa. As restrições impostas pelo gover-no iraniano ao trabalho de jornalistas foram inúteis diante de um surpreendente e avassa-lador fenômeno de comunicação: o de vídeos produzidos e divulgados na internet por uma legião de cinegrafistas amadores. Gravadas pela população por meio de telefones celu-lares, as cenas da conflagração inundaram os portais de vídeo na web e permitiram ao mundo assistir àquilo que a ditadura desejava ocultar. Mais tarde, imagens e relatos deram origem à comovente coletânea Iranian Stories, também disponibilizada pela rede mundial de computadores.

A telefonia móvel disponibilizou às pesso-as comuns uma poderosa ferramenta para a produção e disseminação instantânea de víde-os sobre tudo o que esteja ao alcance das mi-núsculas objetivas instaladas na grande maio-ria dos aparelhos celulares. Seja os sangrentos protestos da denominada “Primavera Árabe”, seja o flagrante da devastação causada pela ir-refreável força de um tsunami no Japão, seja o drama dos alunos de uma escola no Rio de Janeiro invadida por um tresloucado atirador. Ou ainda a aprazível viagem a um recanto turístico e até mesmo um despretensioso al-moço dominical da família. Hoje, as mais di-ferentes, inusitadas e cotidianas situações são documentadas e compartilhadas por meio de imagens em movimento.

Para Roger Odin, professor emérito de ciências da informação e de comunicação na Universidade Paris III – Sorbonne Nouvelle, vivemos a era da linguagem cinematográfica. Convidado pelo professor Fernão Ramos, do Centro de Pesquisa de Cinema Documentário (Cepecidoc), do programa de pós-graduação em Multimeios do Instituto de Artes (IA), Odin esteve na Unicamp para falar dos estu-dos que desenvolve na área do cinema docu-mentário e no campo do cinema e do vídeo amador, onde se insere seu atual interesse pelas produções audiovisuais tomadas com telefone portátil.

“Estamos testemunhando uma grande re-volução, em que a linguagem cinematográfica tornou-se um meio de comunicação usual, cotidiano. Com frequência cada vez maior as pessoas se comunicam por meio de pequenos filmes que fazem com seus celulares, subs-tituindo a linguagem verbal pela linguagem visual”, declarou Odin ao Jornal da Unicamp.

“CÂMERA-CANETA”De acordo com ele, a familiaridade do

público, mesmo que de maneira rudimen-tar, com determinadas técnicas e jargões da produção audiovisual – como primeiro plano, close e panorâmica, entre outros – proporcio-nada, sobretudo, pela televisão (“um ótimo professor de cinema”, comenta), levou até mesmo a uma banalização do uso da lingua-

O contexto é determinante, explica a semiopragmáticaNão raro uma produção cinematográfica

execrada pela crítica encontra acolhida favorá-vel nas salas de cinema e se torna um sucesso de público. Essa aparente contradição pode ser explicada a partir de uma interpretação se-miopragmática, segundo teoria desenvolvida por Roger Odin e apresentada em seminário a alunos e professores da Unicamp como uma ferramenta capaz de ajudar a analisar e a com-preender o processo da comunicação.

“A proposta central da semiopragmática é situar o contexto como ponto de partida des-sa análise”, explica Odin. “O contexto de cada espectador é o que determina o seu modo do-minante de leitura de um determinado filme”, argumenta o professor.

É bastante comum a afirmação, prossegue Odin, de que um filme tem um significado. “Porém, o que a semiopragmática nos apre-senta é a idéia de que há diversos sentidos possíveis para um único filme em função dos espectadores que o assistem dentro de um contexto.”

Nessa relação, defende o pesquisador, o mesmo filme pode ser visto com modos de leitura bastante distintos, ganhando, desse modo, inúmeros sentidos e significações, in-fluenciados pela contextualização individual.

“Um filme como Morte em Veneza (drama ítalo-francês dirigido por Luchino Visconti em 1971) pode ser apreciado como a bela obra fic-cional que é ou como um documentário sobre

a cidade de Veneza”, ilustra Odin. “Alguns po-derão ainda, movidos por predileções pessoais, se interessar em fazer uma análise comparati-va daquele filme com outros do mesmo reali-zador, buscando ver seus aspectos estilísticos e artísticos. Em suma, o espectador não é obri-gado a respeitar as direções de leitura forneci-das pelo diretor”, pondera.

Portanto, observa Odin, constitui um equí-voco a tradicional análise de uma obra cinema-tográfica que não leva em consideração o re-ceptor e o contexto, como ocorre com a crítica.

“Em geral, o crítico afirma dizer a verdade sobre o filme. Contudo, o que ele faz é dar a sua verdade em função do contexto em que se encontra”, acentua.

Então, fatores como as diferentes forma-ções do crítico, se ele é filósofo, sociólogo ou historiador, suas concepções ideológicas e os vários aspectos de uma produção audiovisu-al possíveis de serem analisados, conforme o interesse específico de cada julgador, seja a fotografia, seja o roteiro, seja a interpretação, determinarão o seu modo de olhar para a obra.

“Isso fica muito claro quando comparamos diferentes críticas para um único filme e te-mos a impressão de que os autores não viram o mesmo trabalho. A resposta para essa dis-crepância está no contexto de cada crítico, que será diferente do contexto daquele espectador que, por exemplo, vai ao cinema pelo simples prazer de degustar a obra”, assevera Odin.

Execução nas ruas de Teerã: imagens da morte de Neda Soltani correram o mundo

Roger Odin, professor emérito da Universidade Paris III: “A imagem ocupou o lugar da palavra”

E

gem cinematográfica.“A imagem ocupou o lugar da palavra. Se,

num passado mais recente, alguém descre-veria ao telefone o local onde se encontrava ou alguma situação que estivesse vivencian-do, hoje essa pessoa utiliza o aparelho para mostrar o que deseja comunicar”, ilustra o docente, que vê nesse fenômeno a manifes-tação do conceito evolutivo da linguagem cinematográfica que Alexandre Astruc (pro-eminente diretor e crítico francês de cinema) abordou em 1948 no antológico documento La Caméra-Stylo (ou câmera-caneta), ao de-fender o clássico conceito de que um diretor deve empunhar sua câmera como um escritor utiliza a caneta.

“Servimo-nos da linguagem cinematográ-fica do mesmo modo como utilizamos a cane-

Um celular na mãoe o flagrante na cabeça

ta para expressar ideias”, afirma Odin.Conforme ele destaca, os celulares cola-

boraram para dar uma dimensão totalmente nova à produção cinematográfica planetária, não apenas colaborando para o incalculável crescimento do gênero classificado como fil-mes de família, mas também impulsionando a realização de longas-metragens, a partir de avanços tecnológicos que aprimoraram a defi-nição das imagens geradas pelas câmeras que esses aparelhos trazem embutidos e baratea-ram substancialmente a produção. A Nigéria (África), segundo Odin, é exemplo de país com larga escala de longas de ficção realizados nesse tipo de suporte.

“Há uma produção local muito forte e uma grande popularização da arte cinematográfica. Os filmes não são exibidos no circuito comer-cial, mas comercializados em DVDs por pre-ços muito baixos e as pessoas os assistem em casa”, explica o teórico da comunicação. Ele cita ainda a Europa, a Ásia e a China como outros centros com expressiva produção ci-nematográfica baseada em telefones móveis, embora pondere que no continente chinês isso se tornou uma alternativa à censura que limita a produção audiovisual em circunstân-cias normais.

“O telefone celular é o instrumento ideal para documentários em condições de clandes-tinidade”, ressalta.

PRODUÇÃO DOMÉSTICAAutor de vasta bibliografia publicada sobre

o cinema documentário, Odin acumula tam-bém trabalhos publicados sobre um gênero cinematográfico ao qual, conforme enfatiza, raramente se dá a devida importância: o das produções audiovisuais de família e amado-ras.

“Temos uma visão muito reduzida de cine-ma. Em geral, relacionamos essa arte aos fil-mes ficcionais, raramente nos lembramos dos documentários e nos esquecemos completa-mente da produção que é feita por amadores, em família, com celulares e câmeras digitais”, observa o pesquisador francês. Ele prossegue:

“Na realidade, se faz no mundo, hoje e já há algum tempo, mais filmes de famílias do

que de ficção. E embora esse tipo de cinema seja socialmente mais importante que as pro-duções profissionais, a crítica e os estudos te-óricos sobre o cinema ignoram completamen-te esse universo da produção familiar. Acho isso inaceitável”, condena.

A exceção, pondera, é a História do Cine-ma Mundial (2000), estudo coordenado pelo historiador e crítico cinematográfico italiano Gian Piero Brunetta, que abordou em suas páginas a importância do formato caseiro como narrativa audiovisual contemporânea. Há também o trabalho pioneiro do premiado documentarista húngaro Péter Forgács, cuja obra reconhecida internacionalmente é com-posta por vasta galeria de filmes criativamen-te produzidos a partir de 1978 por meio da compilação de imagens de filmes domésticos e de registros amadores em película realiza-dos em meados do século 20.

Mas por que essa produção é deixada em segundo plano?

“Porque os críticos e teóricos encaram o cinema apenas como arte com ‘a’ maiúsculo”, afirma Odin. “Embora faça parte do cinema, o filme de família desempenha um papel mais de memória social, por assim dizer, do que propriamente de sétima arte. E não deve mesmo ser produzido como arte”, adverte o estudioso, “porque para funcionar na famí-lia, esse tipo de filme deve ser malfeito, como geralmente falamos, desprovido de ambições artísticas, para que o olhar de quem o realiza não seja o de um cineasta, mas sim o de um membro familiar”.

O pesquisador francês observa que, assim como Forgács lança mão da produção amado-ra para resgatar e contar, por meio de diversas histórias de personagens comuns, a pungente trajetória dos europeus em migração no perí-odo compreendido pelas décadas de 1920 e 1980, historiadores e sociólogos demonstram atualmente um crescente interesse pelos fil-mes de família como matéria-prima para suas investigações. Isso ocorre pelo fato de que as imagens desses arquivos familiares consti-tuem não só registros amadores do cotidiano de pessoas anônimas, mas acabam por revelar peculiaridades das sociedades retratadas e por documentar, enfim, a própria história.

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táforas visuais para falar da industrialização apressada no Brasil e do desenvolvimento urbano, que também foi apressado, com consequências inesperadas à vida das pes-soas.

Para falar desses temas urgentes na ressa-ca do milagre brasileiro, o cineasta escolheu um modo curioso de dizer isso, posto que ha-via sido instaurada no país a ditadura militar e uma pressão da censura de amplo alcance sobre os diretores e filmes. “A saída foi de-nunciar pela via indireta”, acentua Sobrinho.

Outro diretor, Eduardo Coutinho, que tem algumas das obras de maior expres-são contemporaneamente, desenvolveu um modo de olhar especial no Globo Repórter: de lidar com o outro e de ouvi-lo por meio de entrevistas e depoimentos. O seu ponto de virada veio com a direção de Seis dias em Ouricuri (1976) e Theodorico, imperador do ser-tão (1978).

João Batista de Andrade foi outro dire-tor que teve uma passagem marcante pelo Globo Repórter, com documentários como o Caso norte e Wilsinho da Galileia, nos quais desenvolveu técnicas de ficção para abordar a violência urbana. Ele recuperou os proce-dimentos de distanciamento do dramaturgo Bertold Brecht para emoldurar o trabalho de intervenção sobre o real, relata o docente.

Com essas contribuições, Sobrinho realça que, “se fosse aberto mais espaço à produ-ção independente (a produção au-toral), haveria um repertório mais variado e emergi-riam novas alter-nativas para arti-cular a ficção e a não ficção”, com-pleta.

Não obstante, imagina o profes-sor, algumas ações poderão caminhar nessa direção, co-mo a Lei 12.485 (PLC 116), que obriga as TVs a cabo a destinarem uma certa porcen-tagem de sua programação à produção in-dependente brasileira. Isso será um acrés-cimo, acredita ele.

Por outro lado, para a produção indepen-dente, ainda não existe essa obrigação na TV aberta, que veicula programação própria ou vende espaço. “Além disso, são muitas resis-tências enfrentadas com as grandes corpo-rações americanas (as majors) para barrar a indústria do audiovisual nacional, na TV e no cinema.”

Mais pesquisas serão necessárias, sugere Sobrinho, que leciona História da Televisão e do Vídeo para a graduação e a pós-gradu-ação. No momento, ele também demons-tra interesse pela teledramaturgia nacional, como as produções dirigidas por Luiz Fer-nando de Carvalho e Daniel Filho.

O próximo passo será analisar a produ-ção independente da não ficção [cinema, televisão e vídeo] entre os anos de 1980 e 1990”, revela Sobrinho. Olhar o conjunto dessa produção representará enxergar a ri-queza de estilos e abordagens nessas intera-ções. Quando os realizadores ocuparam esse espaço na década de 1970, menciona o do-cente, a televisão ofereceu um novo campo de diversidade.

Isso continuou na década seguinte, quan-do parte dos diretores preencheu espaço na TV. “Essa presença incrementou muito em inovação e criatividade para continuar apos-tando que a produção independente autoral é fundamental à renovação da linguagem e das mensagens televisivas”, pontifica Sobrinho.

m dos principais lega-dos da Caravana Farkas, conjunto de documentá-rios brasileiros produzi-dos nas décadas de 1960 e 1970 por Thomaz Fa-rkas, empresário e refe-

rência na fotografia moderna no país, foi que a partir dela se formou um grupo de realizadores da maior importância na ci-nematografia brasileira.

A constatação é do professor Gilberto Alexandre Sobrinho, do Departamento de Multimeios, Mídia e Comunicação do Ins-tituto de Artes (IA), que estudou o tema e que agora finaliza análise desses documen-tários, além de também desenvolver uma investigação sobre os programas Globo Shell Especial e Globo Repórter, relacionan-do cinema e televisão.

Segundo o docente, Farkas (1924-2011) – húngaro naturalizado brasileiro – foi de fato um sujeito aglutinador de jovens ta-lentos que trouxeram contribuições em um período sobremodo fértil. Sua pesquisa reu-niu um relicário de 38 filmes-documentá-rios realizados a partir do desenvolvimento da produção independente, do filme-docu-mentário autoral e das temáticas sociocul-turais.

Para situar, Sobrinho explica que a pro-dução independente pode ser entendida de diferentes formas. No Brasil, representou um desdobramento da ideia do cinema in-dependente que começava a ser articulado na década de 1950 por nomes como Nelson Pereira dos Santos e Alex Viany.

“Essa ideia era muito ligada à experiên-cia do Cinema Novo, cujo maior articulador foi Glauber Rocha. O movimento acabou mobilizando para o cinema as questões sociais e políticas no país, mediante uma estética com forte influência neo-realista”, comenta o docente.

A produção independente não se ligava às esferas pública ou privada, expõe ele. Por conta disso, esclarece, havia liberdade na escolha de temas, na abordagem e no trata-mento das informações.

A Caravana Farkas pode ser ainda con-cebida como uma resposta paulista para as demandas cinemanovistas que iniciaram na Bahia e tiveram o Rio de Janeiro como núcleo principal, mesmo com a participação dos baianos Geraldo Sarno e Paulo Gil Soa-res e dos argentinos Manuel Horácio Gime-nez e Edgardo Pallero.

Farkas foi o seu maior financiador, au-xiliado pela Saruê Filmes Ltda. e pela Em-brafilme. De acordo com Sobrinho, nem por isso ele interferia no tratamento final dos trabalhos, garante. Os seus diretores tinham total liberdade de expressão.

Esses documentários assumiam estilos diferentes. Geraldo Sarno, Paulo Gil Soares e Sérgio Muniz são um exemplo disso, e foram as figuras que mais dirigiram filmes, testemunha Sobrinho. Talvez o segredo es-teja na prática sistemática de dirigir, que muito pode ter colaborado para o aperfeiço-amento do artista, opina.

Posteriormente, cada um deles seguiu o próprio caminho enveredando pelo audiovi-sual brasileiro, conta o professor. Paulo Gil Soares foi um dos realizadores da primei-ra e da segunda das três fases da Caravana Farkas. Ele, em seguida, esteve à frente da produção de documentários e reportagens para a televisão.

Por esse motivo, Sobrinho se interes-sou por se debruçar também sobre o Globo Shell Especial e o Globo Repórter, por criar uma interface entre a televisão e o cinema, tema de forte interesse para o audiovisual brasileiro.

A primeira fase da Caravana, informa ele, envolveu documentários que estão no longa-metragem Brasil verdade. Sobrinho destaca dois: Viramundo (1964-1965), diri-

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ISABEL [email protected]

Foto: Reprodução

E a tevê vai atrásA CARAVANA passa.

Pesquisa mostra a herança e a importância dos trabalhos produzidos por Thomaz Farkas

U

O professor Gilberto Alexandre Sobrinho: “A produção independente autoral

é fundamental à renovação da linguagem

e das mensagens televisivas”

Cena de Viramundo, dirigido por

Geraldo Sarno: fi lme integra a

primeira fase da Caravana

O fotógrafo e empresário Thomaz Farkas: aglutinador de talentos, húngaro naturalizado brasileiro não interferia nos trabalhos

gido por Geraldo Sarno; e Memórias do cangaço (1964-1965), por Paulo Gil Soares.

Sobrinho assinala como uma conquista o uso da câmera de 16 milímetros, com som sin-cronizado, e a maneira como os cineastas, de posse desse dispositivo, se aproximaram dos sujeitos e suas experiências particulares.

Mas o que se tinha no campo do documen-tário à época? Havia os cinejornais de Primo Carbonari e de Jean Manson, que eram filmes que atendiam a uma outra demanda: os filmes de propaganda e os institucionais, contextualiza o professor.

Além disso, havia uma série de documentá-rios produzidos pelo Instituto Nacional de Ci-nema Educativo (Ince), tendo à frente a figura do Humberto Mauro, um dos pioneiros no ci-nema brasileiro.

SUBJETIVIDADENa segunda fase da Caravana Farkas, situada

entre 1967 e 1970, os diretores primeiramente se aproximaram do Instituto de Estudos Brasi-leiros (IEB) da USP e, depois de obterem apoio institucional, realizaram duas viagens a alguns Estados do Nordeste. O trabalho resultou em 19 filmes.

Farkas pretendia levá-los para a televisão, o que não veio a se concretizar. A alegação era que o seu tom não se enquadrava ao que se entendia como programação televisiva. Não houve nego-ciação.

A terceira fase da produção dos documentá-rios, compreendida entre 1971 e 1980, foi mais dispersiva e não teve a força das fases anterio-res. Foi fruto de parcerias, coproduções e prê-mios de editais.

Os documentários da Caravana Farkas não atendiam a uma demanda institucionalizada. Eram feitos com equipes reduzidíssimas, com autores e estilos diferenciados e realçavam, nas suas produções, o homem brasileiro, as formas de trabalho, a religião e a cultura popular.

Nesse momento, entrou em cena a Embra-filme, e ainda insistiu-se na tentativa de levar os documentários para a televisão, por meio de editais para pilotos. Apesar disso, mesmo os documentários finalizados, eles não foram exi-bidos. Foi o caso de Andiamo in’merica, de Sérgio

Muniz (1980). A Caravana Farkas, lembra Sobrinho, não

conseguiu cumprir a cadeia produtiva à época de seu lançamento, já que o cinema, além da produção, implica a distribuição e a exibição. Hoje, com o lançamento dos documentários em DVD e a exibição finalmente na televisão, esse mecanismo foi cumprido.

ARTESÃOS NA INDÚSTRIAUma face da relação entre cinema e televi-

são no Brasil tornou-se realidade quando Wal-ter Clark, da Rede Globo, viabilizou a produção de documentários dirigidos por cineastas, pri-meiramente para o Globo Shell Especial, uma espécie de piloto do Globo Repórter. Foi um momento fecundo, em princípios da década de 1970, ocasião em que a Rede Globo firmou sua hegemonia, sobre a qual ainda se assenta.

A produção de documentários e reportagens para a televisão então chamou a atenção de So-brinho, sobretudo pelo fato de Paulo Gil Soares, egresso da Caravana Farkas, estar à frente des-sas produções.

O Globo Shell Especial (1971 a 1973), no caso, foi estruturado num momento em que o patrocinador ainda possuía uma determinada faixa de horário. Foram contratados nomes vin-culados ao Cinema Novo. Assim, os diretores que já tinham prestígio de crítica e prêmios de festivais agora teriam a oportunidade de se co-municar com o grande público.

Ao esmiuçar o Globo Shell Especial e o Glo-bo Repórter, Sobrinho refletiu sobre qual seria o tipo de produto gerado quando um cineasta dirige um documentário para a TV. Para ele, foi curioso verificar o impacto nessa elaboração formal que vem de alguém com uma trajetória na produção independente e dentro do Cinema Novo.

Percebeu que documentários e reportagens comandados por esses diretores tinham um for-mato mais próximo do experimental. Ao con-trário de documentários do tipo reportagem, di-rigidos por jornalistas, que cumpriam mais um script da emissora, sinalizavam um olhar subje-tivo e conduziram a experiências singulares.

Os filmes de Walter Lima Júnior, por exem-plo, enfatizavam a montagem e o uso de me-

Foto: Antonio Scarpinetti

Foto: João Sal/Folhapress

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PATRÍCIA [email protected]

‘O cinema está mais preocupado com as colunas sociais’Inácio Araújo

Jornal da Unicamp - Que avaliação o sr. faz do atual momento do cinema na-cional?

Inácio Araújo – Me parece um mo-mento muito equivocado, do ponto de vista de política cultural, embora haja talentos trabalhando, sobretudo os de Pernambuco, mas também uma Anna Muylaert. A questão é que o cinema está mais preocupado com as colunas sociais do que com os filmes, mais com a bilhe-teria do que com o que se vai mostrar, com o espetáculo mais do que com a arte.

Fernão Ramos – Faço uma avaliação positiva. O cinema brasileiro contempo-râneo está bem sedimentado. A produ-ção de longas-metragens está beirando a centena, ainda que a exibição enfrente certo afunilamento. É um número bas-tante significativo, mesmo em termos internacionais. Está no patamar de nos-sas melhores médias históricas e deve ser analisado na comparação com o que tínhamos há 15, 20 anos.

Cinema é uma arte que custa dinhei-ro e, por isso, uma questão central na produção cinematográfica é viabilizar a feitura dos filmes. As leis de incentivos fiscais municipais, a Lei do Audiovisual e a Lei Rouanet, mal ou bem, com todos os problemas que possam ter, estão via-bilizando essa produção significativa em termos quantitativos. Ao mesmo tempo, sinto um interesse forte dos jovens pelo campo do cinema e do audiovisual, seja na área da pesquisa, seja na área da reali-zação. Exemplo disso são nossos cursos em cinema e audiovisual aqui na Uni-camp, que estão entre os mais disputa-dos da Universidade, tanto na graduação como na pós-graduação. Devemos tam-bém destacar os investimentos recentes da Unicamp em ensino e pesquisa em cinema e audiovisual, com compra de equipamentos e novas instalações físicas.

JU – Após a extinção da Embrafilme, o cinema brasileiro viveu o período da “Re-tomada”, e mais recentemente de pós-re-tomada, sendo que muitas das produções contaram com financiamento público por meio de renúncia fiscal. Como o sr. vê o papel do Estado na produção cinemato-gráfica? Ele é imprescindível ou dispensá-vel?

Fernão Ramos – Vejo como indis-pensável na nossa realidade, já que o ci-nema é uma arte cara. Um filme nacional padrão tem um orçamento de dois, três milhões de reais. Não é qualquer pessoa que consegue levantar esse dinheiro ou mesmo obter recursos para um orçamen-to baixo, na faixa de 600 mil, 700 mil re-ais. Com exceção dos EUA e de alguns países asiáticos, não se tem cinema sem a participação do Estado.

A Embrafilme foi uma experiência histórica que funcionou muito bem, constituindo-se em grande distribuidora e produtora. Mas o modelo histórico se esgotou, veio o liberalismo da era Collor, e o cinema brasileiro parou durante dois ou três anos, no início dos anos 1990. Depois houve a chamada Retomada [1995], e agora vivemos um momento de consolidação.

O atual esquema de participação do Estado, que não é exclusividade do Bra-sil, é gerido a partir da isenção fiscal. Creio ser muito difícil pensar o cinema brasileiro sem esse tipo de auxílio. Acho inclusive que esse auxílio deveria ser ex-

pandido, como um foco maior nas áreas de exibição e distribuição. Em relação ao interesse do público pelo cinema na-cional, Tropa de Elite 2 bateu, em 2010, o recorde de maior bilheteria de todos os tempos, o que é, sem dúvida, significati-vo desse bom momento a que me refiro.

Conseguimos substituir o esquema Xuxa/Trapalhões, achamos equivalentes. A avaliação qualitativa é outra questão, deve ser debatida em termos diferencia-dos. Mas a produção propriamente de cinema no Brasil está estabilizada. Pro-duzimos cinema em um volume bastante significativo. Brasil, Argentina e México são os três grandes polos produtores ci-nematográficos na América Latina.

Inácio Araújo – A presença do Esta-do é imprescindível. O cinema do mun-do inteiro funciona assim. Mas as leis de proteção são péssimas. Induzem a gastos excessivos e frequentemente inúteis. A Argentina, para ficar num exemplo aqui ao lado, gasta muito menos para obter resultados bem mais interessantes.

JU – Existe hoje, de fato, um movi-mento independente de produção cinema-tográfica no Brasil que se sustenta à sua maneira? Como o sr. avalia os circuitos alternativos de produção e distribuição? O que esses filmes e esse mercado sinalizam?

Inácio Araújo – Não há alternativos, que eu conheça, a não ser os do “cine-ma de bordas”. O que há é uma produ-ção fundada sobre o que se pode chamar estética da Rede Globo, que se serve do hábito dos espectadores com o tipo de dramaturgia, luz e até mesmo atores. Como isso parece familiar (e é aceito) por uma parte grande do público na TV, termina funcionando como referência. O que resulta em coisas quase sempre mui-to precárias, para não dizer indigentes, mas que angariam plateias formidáveis. O cinema acaba sendo refém desses fil-mes de grandes bilheterias, porque são eles que permitem à Ancine chegar no ministro da Cultura, e este (ou esta) no presidente e dizer: “Está vendo? Temos cada vez mais espectadores etc. É preciso continuar com os subsídios”.

Mas esses subsídios (renúncia fiscal ou que nome se prefira) acabam servindo para a perpetuação de uma relação servil do cinema em relação à TV. Certo, sem-pre se pode alegar que os críticos se en-ganam. Que, com o tempo, a chanchada, Mazzaropi, a pornochanchada mostra-ram-se significativas etc. Nem vou dis-cutir o que o futuro dirá de certas coisas que nos é dado ver. A questão da sub-serviência a uma estética de TV é que é fundamental. Por vezes saímos dela, em geral em benefício de temas referentes à segurança e à honestidade dos agentes públicos – Tropa de Elite é o exemplo mais claro.

Mas esses momentos de catarse co-letiva não servem para caracterizar a construção de um cinema com imagem própria. Já quando se faz algo como Xingu (Cao Hamburguer) é certo que estamos diante de algo que vale a pena observar com cuidado, porque pode ser um filme tradicional, em certo sentido, mas educa o público, procura comunicar algo que vai além da sensação imediata ou epidér-mica. Xingu pode não ser radical como Serras da Desordem, do Andrea Tonacci, e ainda bem que nem todos os filmes são Serras da Desordem: é preciso haver diver-

sificação. Por isso não acredito muito em “in-dependentes”, nem em circuitos alternativos.

A distribuição no esti-lo blockbuster, com 600, 700, 800 cópias, é coisa de uma violência absur-da. Ninguém consegue encontrar um público com uma concorrência dessa ordem. A Argentina fez uma boa lei a esse respeito. A partir de 25 cópias, o filme começa a pagar um tri-buto, que se torna maior quanto mais cópias houver. O gover-no justificou a medida dizendo que a distribuição, tal como se apresentava, induzia o público a considerar que só havia um tipo de cinema. Esse monopólio esté-tico, seja de Hollywood, seja da Globo, seja de quem for, é muito ruim, muito limitativo.

Fernão Ramos – Há, sim, formas independentes: exibição na internet, venda direta de DVDs, há gente que faz sua distribuição com os fil-mes nas costas, como fez Carla Camuratti com Carlota Joaquina, mas cinema é cinema e as estruturas do cir-cuito de exibição co-mercial contam muito. Cineclubes também compõem uma rede paralela de distribuição interessante. Temos as centenas de festivais de cinema, espalhados pelo Brasil afora, que exibem os mais diver-sos tipos de filmes. Es-ses festivais, promovi-dos por muitas cidades, não deixam de ser um circuito de exibição al-ternativo, envolvendo recursos até excessivos, no meu ponto de vista. Parte do dinheiro gasto poderia ser investido em salas de cinema pro-priamente.

Mas creio que o que faz falta é, principal-mente, uma estrutura de exibição mais cen-tralizada, amparada por um es-cudo de distribuição, para con-correr com o circuito das majors norte-americanas. Um circuito que deveria ter a presença forte do Estado, ou que fosse incen-tivado pesadamente por ele. A história da Embrafilme é mui-tas vezes analisada somente a partir de seu viés de produtora cinematográfica estatal. Mas sua principal contribuição para o cinema brasileiro foi o ama-durecimento de uma dinâmica empresa distribuidora nacional que, em seu melhor momento, chegou a desafiar a presença das majors norte-americanos no mercado latino-americano.

JU – Em que medida a linguagem tele-

atual momento e as perspectivas do cinema nacional, entre outros temas, são analisados a seguir pelo crítico e escritor Inácio Araújo e por Fernão Ramos, do-cente do Instituto de Artes (IA) e coordenador do Centro de Pesquisas de Cine-ma Documentário da Unicamp (Cepecidoc). Ambos integram o Grupo de Estu-dos do Contemporâneo, do Centro de Estudos Avançados da Unicamp (CEAv).

1) Cena de Saneamento Básico, o Filme, dirigido por Jorge Furtado; 2) Eduardo Coutinho nas fi lmagens de Babilônia 2000; 3) Cena de Linha de Passe, de Walter Salles e Daniela Thomas; 4) Se Eu Fosse Você 2, fi lme de Daniel Filho; 5) O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias, de Cao Hamburguer; 6) Cena de Árido Movie, do diretor Lírio Ferreira; 7) Cronicamente Inviável, de Sérgio Bianchi; 8) Cidade de Deus, de Fernando Meirelles

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‘O cinema brasileiro contemporâneo está

bem sedimentado’ Fernão Ramos

visa contamina a produção cinematográfi-ca nacional? Em sua opinião, ela seria um

indicador da prevalência de uma estética da faci-lidade, da preferência à continuidade e ao gosto pelo que o público está acostumado a ver em casa?

Fernão Ramos – O cinema brasileiro é mui-to autoral. É lógico que, nesse espaço, haja fil-mes de maior bilheteria, Daniel Filho, José Pa-dilha, as comédias, que estão retomando com presença equivalente ao período da chanchada, a produção que gira em

torno de Guel Arraes, dos artistas globais. Mas existe o cinema auto-ral que passa ao largo da lingua-gem televisiva, e quem acompanha cinema brasileiro sabe muito bem que o cinema brasileiro, de manei-ra geral, é difícil de assistir, pesado, com cenas de exasperação muito fortes, com um nível de experi-mentação narrativa grande.

Para generalizar, poderíamos dizer que o cinema, como forma narrativa, abre espaço para um tra-balho autoral, que suporta com fa-cilidade um nível de experimenta-ção forte. O cinema é uma grande arte, a grande arte do século XX.

A televisão é basicamente um meio de comunicação, mas existe uma forma nar-rativa que lhe é particular, as mini-séries ou nove-las, que abre espaço para uma intervenção mais densa estilisticamente. É um pouco como a relação entre reportagem e docu-mentário.

Apesar de estruturas narrativas e imagéticas se-melhantes, no documen-tário você pode experi-mentar bem mais. Alguns

autores cine-matográficos são, no entanto, voltados para o grande público. Grandes auto-res cinemato-gráficos, dota-dos de densa elaboração esté-tica da imagem, podem atingir o grande público. Não há pecado nisso. Outros não atingem, fazem também grande cinema, mas não um cinema para o grande público.

É um cinema mais ousado for-malmente, de dimensão reflexi-va, debruçando-se sobre o pró-prio movimento de enunciação.

O que você está chamando de “linguagem televisiva” é lingua-gem cinematográfica pura. Suas bases se consolidaram no traba-lho do cineasta norte-americano David Griffith, na segunda déca-da do século XX. É o que chama-mos de “narrativa clássica”. Há arte, trabalho autoral, dentro dos parâmetros da narrativa clássica, como também há arte fora dela. No cinema, há produções exclu-

sivamente feitas para atingir o maior pú-blico possível e arrecadar capital. Mas há também o bom cinema autoral que atin-ge o grande público. Tropa de Elite e Cidade

de Deus estão nesse setor.Inácio Araújo – Acho que respondi a

essa questão na pergunta anterior.

JU – Como podem ser avaliadas as ten-tativas de se fazer cinema no Brasil nos moldes de uma Vera Cruz, que até hoje se fala em reativar, ou mesmo o modelo mais recente de Paulínia, que também resistiu por poucos anos?

Inácio Araújo – Primeiro, penso que há uma diferença entre Paulínia e a Vera Cruz. Paulínia foi obra de um prefeito. Isso já aconteceu muito com times de fu-tebol: um prefeito bota dinheiro no time da cidade e tal, mas aí vem o prefeito seguinte e a fonte seca. A Vera Cruz, ao contrário, partiu de um desejo forte de construção de uma cinematografia. Não discuto que tenha havido equívocos. Mas houve, de todo modo, uma herança. Os técnicos de cinema paulistas, ao longo de 40 ou 50 anos, foram formados pela Vera Cruz ou pela Maristela ou pela Multifil-mes. Hoje existe tendência de uma “volta aos estúdios”, de uma reentronização da técnica que até me parece exagerada, mas não é descabida. É assim que as coisas se colocam, e nisso não há o que discutir.

O que é lamentável é que o governo de São Paulo, faz uns anos, desenvolveu um belíssimo projeto para a Vera Cruz, que reativaria os estúdios, criaria uma es-cola de técnica e pesquisa lá dentro. São Bernardo também se entusiasmava com isso, porque afinal a Vera Cruz deixou al-guma coisa lá. Mas, como se sabe, cineas-tas são chatos, reclamam muito, querem verba para fazer seu filme, não se preo-cupam muito com o que possa acontecer em longo prazo. Então o governo resol-veu investir tudo na Osesp, [Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo] que dá prestígio e pouco aborrecimento. É uma pena.

Tenho a impressão de que reativar a Vera Cruz seria uma atitude fértil. Mes-mo que eu prefira, pessoalmente, de um modo geral, os filmes feitos na rua, ou em locações, eles me parecem quase sempre mais verdadeiros.

Fernão Ramos – É o jeito errado de se fazer não só cinema, mas outras coisas na vida. A Vera Cruz foi o momento em que uma parcela da burguesia paulista — na maior parte imigrantes italianos, no-vos ricos —, quiseram fazer cinema para dar um verniz cultural a seu novo status econômico. Quanto a Paulínia, não vejo com otimismo, infelizmente, a continui-dade do polo cinematográfico nos moldes em que foi colocado.

No caso da Vera Cruz havia o dinheiro do pós-guerra e uma crise forte na Eu-ropa, possibilitando a migração de mão de obra especializada para o Brasil. Em Paulínia, apesar da PPP [Parcerias Públi-co-Privadas], não é dinheiro privado, é dinheiro de IPTU, de imposto municipal, de royalties de petróleo. Os investimen-tos públicos foram grandes, diversos fil-mes foram patrocinados, e a questão que se coloca agora parece ser a mesma da co-média Saneamento Básico, o Filme, longa de Jorge Furtado. Você vai fazer saneamen-to básico ou vai fazer filmes? Acho que é um dilema colocado fora de seu eixo e não rende uma boa discussão.

Não se cria um polo cinematográfico com facilidade, e Paulínia conseguiu le-vantar prestígio, viabilizar um festival, uma produção, todo um entorno que exigiu investimentos muito grandes. Não houve, no entanto, a preocupação em se manter, em pensar no longo pra-zo. Vejo sim pontos em comum entre os dois projetos. Há um certo deslumbra-mento com a forte dimensão financeira do cinema, com o aspecto “grana”. Em ambos os casos, há uma falta de res-ponsabilidade no modo de se pensar a atividade cinematográfica de maneira continuada, mais orgânica com a socie-

dade, levando em consideração as di-versas etapas (produção, distribuição, exibição, etc) necessárias para levar a bom termo a realização do alto valor da mercadoria cinematográfica.

JU – O Brasil vive hoje, nos campos econômico e geopolítico, um momento tido por muitos como virtuoso. Em que medida o cinema pode se beneficiar dessa condi-ção? Ou mesmo, em última instância, ser crítico em relação a ela?

Fernão Ramos – O Brasil, vivendo um momento econômico bom, vai re-percutir diretamente no cinema. Para o cinema existir, o Estado precisa poder gastar no cinema, deixar de receber im-posto para aplicar no cinema, ou então ter uma estatal para investir em filmes. Em termos gerais, o cinema brasileiro é bem crítico em relação à sociedade brasi-leira. Acho que seria exagero dizer que o cinema brasileiro é alienado. Dizer isso é não conhecer cinema brasileiro. A maior parte dos filmes que fez sucesso nos últi-mos anos aborda a realidade nacional de maneira bastante crítica. Todos os gran-des autores brasileiros, de Tata Amaral a Walter Salles, de Fernando Meirelles a José Padilha, de Eduardo Coutinho a Sérgio Bianchi, de Beto Brant a Cacá Diegues, possuem essa visão ácida da sociedade brasileira e de sua divisão so-cial. Filmes que têm repercussão interna-cional são os que mostram a sociedade violenta, a miséria, a tensão social, as tra-dições populares, seja no morro, seja no Nordeste.

Inácio Araújo – Não entendo de eco-nomia, mas lembro que nos tempos de estudante dávamos muita importância às ideias de Celso Furtado, que comparava o desenvolvimento dos EUA, baseado no mercado interno, e o do Brasil, que se-guia um modelo exportador. A grande mudança nos últimos anos, que a Globo News, por exemplo, parece que jamais entenderá, é o investimento na criação de um mercado interno. Todo o resto é mui-to relativo. Os estrangeiros com dinheiro adoram o Brasil porque aqui a remunera-ção do capital é indecorosa – quando se baixam os juros parece que alguém pra-ticou um crime, a julgar por certas vozes.

Essas considerações, repito, são pura-mente amadoras. Mas se conectam a al-gumas outras coisas que dizem respeito à cultura. Aqui a cultura é considerada uma espécie de penduricalho. Você vê algum pai brasileiro preocupado com a formação de seu filho? Não, ele se pre-ocupa em garantir os meios para que ele tenha uma boa renda no futuro. Se possí-vel manda a pessoa para o exterior, para os EUA. Mas não se preocupa muito em ensinar-lhe regras elementares de convi-vência – por exemplo: não falar alto no ci-nema, respeitar os outros etc. E também não está nem aí para a vivência cultural. No fundo, as autoridades também pouco se lixam para isso.

Só quando o país cresce um pouco e que se sente o peso do analfabetismo funcional é que se diz “ah, é preciso in-vestir muito na educação, que nem os coreanos”. Quer dizer, a cultura não é um valor. Ela é, normalmente, vista como um trambolho: é preciso soltar o dinheiro para uns artistas chatos, senão eles fazem barulho, essas coisas. Mas tenho a impressão de que se a cultura fosse mais bem avaliada as ruas seriam melhores, as pontes seriam mais bem construídas.

Então, temos esse cinema que está muito preocupado com o high society do que com o cinema, uma literatura mui-to mais preocupada com as feiras de li-vros do que com livros. E por aí vai. A mercantilização da cultura é tão evidente quanto, penso eu, degradante.

1) Cena de Saneamento Básico, o Filme, dirigido por Jorge Furtado; 2) Eduardo Coutinho nas fi lmagens de Babilônia 2000; 3) Cena de Linha de Passe, de Walter Salles e Daniela Thomas; 4) Se Eu Fosse Você 2, fi lme de Daniel Filho; 5) O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias, de Cao Hamburguer; 6) Cena de Árido Movie, do diretor Lírio Ferreira; 7) Cronicamente Inviável, de Sérgio Bianchi; 8) Cidade de Deus, de Fernando Meirelles

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Leia a íntegra desta matéria em www.unicamp.br/unicamp/ju/538/cinema

Fotos: Divulgação/Antonio Scarpinetti

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cinema experimental não ape-nas sobrevive como ocupa páginas densas da história da cinematografi a mundial desde o seu nascimento, principal-mente na literatura europeia,

segundo o professor Francisco Elinaldo Teixeira, do Departamento de Cinema do Instituto de Ar-tes (IA) da Unicamp. Entre os representantes da produção experimental brasileira no mundo está o cineasta Júlio Bressane, cuja obra é analisada por Teixeira no livro recém-lançado O cineasta celera-do: a arte de se ver fora de si no cinema poético de Júlio Bressane. A obra é resultado dos estudos para sua tese de doutorado, defendida na Universidade de São Paulo (USP).

A produção do cineasta que reagiu com desen-voltura experimental à chamada “morte do cinema brasileiro”, com o fi m da Embrafi lme, é constante. Este ano, Bressane lançou o fi lme Rua Aperana 52 na mostra Spectrum, dentro do 41º Festival de Ro-terdã, na Holanda, num nicho intitulado “Grandes Mestres do Cinema Experimental”. O fi lme pode ser classifi cado como um documentário com lin-guagem experimental, na opinião de Teixeira. “A produção tem um ponto de partida no documen-tário, mas Bressane, com sua busca incessante, vai usar com tranquilidade a linguagem experimen-tal”, reforça.

Bressane sempre teve projeção internacional, mas ao apresentar Dias de Nietszche em Turim, em 2002, num festival de cinema de Turim, vê escancararem para si as portas da cinematografi a mundial. De imediato, ganha um número da re-vista Cahiers du Cinéma, na França, e participa de uma grande mostra na Itália. “Ele chega com este fi lme no festival em Turim e é como se o mundo se abrisse para ele. O cinema dele foi cada vez mais interessando aos europeus”, conta Teixeira. Hoje, segundo o professor, Bressane está no contexto da história audiovisual mundial tal qual Glauber Ro-cha esteve na década de 1980 no cenário interna-cional do cinema político.

“Nem experimental, nem marginal, nem udigrudi, nem maldito, nem do lixo, nem de invenção: cinema de poesia.” É as-sim, segundo a tese de Teixeira, que Bressa-ne define sua produção. O cineasta começa sua trajetória com uma produção experimen-tal e segue dando complexidade ao fazer ex-perimental até realizar seu primeiro trabalho ligado à literatura, com a tradução do livro Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, em 1985. É neste momento que ele define seu trabalho como cinema de poesia, ou mais especificamente, como intersemióti-ca do cinema. “É a ideia de que o cinema não é uma mídia isolada, mas sim que trabalha com literatura, artes plásticas, música, poe-sia. O cinema está sempre fazendo traduções, e não adaptações”, enfatiza Teixeira.

Ele esclarece que a adaptação se tornou um tema mais reservado ao trabalho da tele-visão, como uma mídia de massa, enquanto o cinema, à medida que foi se especializando, foi se tornando uma mídia mais de câmara – tal como se diz de “música de câmara” – e não de massa.

Outros trabalhos marcam o encontro de Bressane com as letras. Depois de Macha-do de Assis, ele traduz uma série de textos dos Sermões, de Padre Vieira. No começo dos anos 1990, ao lado do poeta concretista Ha-roldo de Campos, Bressane dá contribuição importante, segundo Teixeira, para o campo da videoarte, ao traduzir o livro de poemas de Campos intitulado Galáxias. “Num mo-mento em que todos falavam da morte do cinema, ele vai fazer suas experimentações”, relembra Teixeira. Neste momento, o cantor carioca Mário Reis (1907-1981) torna-se per-sonagem do cineasta em 1995, quando lança O Mandarim.

A ideia da poética presente em Bressa-ne reflete a preocupação com a produção, a criação, os processos em si mais do que com a comunicação com o espectador. Daí a fide-lidade do domínio experimental em manter um público especializado, atuando como um cinema de câmara. O livro Poetika Kino, publicado em 1926 pelas vanguardas forma-listas russas e construtivistas, lança as bases dessa poética do filme. Na verdade, carregam o conceito da literatura para o cinema. Para Teixeira, o cinema é uma mídia muito mais mental que visual. “Arte é pensamento”, re-força o professor.

Campinas, 3 a 16 de setembro de 20128

MARIA ALICE [email protected]

A poética de um cineasta celerado

Livro detalha produção de Júlio Bressane no âmbito do experimentalismo

O

Foto: Antoninho Perri

SERVIÇO

Título: O cineasta celerado: a arte de se ver fora de si no cinema poético de Júlio BressaneAutor: Francisco Elinaldo TeixeiraPáginas: 501Editora: AnablumePreço: R$ 70,00

O professor Francisco

Elinaldo Teixeira: “O

cinema está sempre fazendo

traduções, e não

adaptações”

Estimulados pelo lastro dessas vanguar-das, artistas plásticos e pintores deram ori-gem a outro foco da experimentação no final dos anos 1970 e 1980: o cinema de artista. “Este movimento tem a forte presença de pintores, artistas plásticos, músicos, que viam seus campos esgotados e buscavam o cinema como uma mídia instigante e inspira-dora”, informa. Ao mesmo tempo, observa-se um forte impulso no âmbito do experi-mentalismo superoitista.

RUPTURAS Teixeira ressalta que a história do cinema

é marcada por reiterações e rupturas. No li-vro Documentário no Brasil: tradição e transfor-mação, lançado em 2004, Teixeira organizou uma primeira história que inicia dos anos 1920, com filmes do cinegrafista de Rondon, Major Luís Tomás Reis, até a produção atual de Eduardo Coutinho. Em 2003, publicou o livro O terceiro olho: ensaios de cinema e vídeo (Mário Peixoto, Glauber Rocha e Júlio Bressa-ne), resultado de seu pós-doutorado em se-miótica na PUC-São Paulo, como primeira tentativa de traçar uma história do domí-nio experimental no Brasil. “Começo com Mário Peixoto, lá na década de 1930, mas passo pelo cinema novo, cinema marginal”, esclarece. “É uma produção bem rarefeita se comparada com a produção industrial, mas de grande peso nas transformações e expe-rimentações da linguagem cinematográfica”, complementa.

O filme Limite, de Mário Peixoto, produ-zido entre 1930 e 1931, no Rio de Janeiro, era até recentemente o único filme brasileiro figurando na história das vanguardas mun-diais. “Infelizmente, por não conseguir verba mobilizatória para filmar outros desdobra-mentos deste filme, acabou ficando somente com este título em sua filmografia”, revela Teixeira.

Durante muito tempo, Limite esteve re-servado apenas aos olhos do restrito público do cinema experimental, mas quando é res-taurado, na década de 1970, encanta princi-palmente a historiografia de cinema mundial. Esta obra, na opinião de Teixeira, opera como uma espécie de síntese bem particular, no plano estético-formal, da linguagem do que

as vanguardas (expressionistas, impressio-nistas, dadaístas, surrealistas e formalistas) vinham fazendo ao longo dos anos 1920 na Europa.

No calor das sinfonias urbanas europeias, no final dos anos 1920 e começo da década de 1930, surge também São Paulo, A Sinfonia da Metrópole, de Rodolfo Lustig e Adalberto Ke-meni, considerada uma das primeiras obras na área de experimental no Brasil, segundo o professor. “A forma experimentadora renas-ce com força nos anos 1970, depois de um intervalo de dez anos, se tomarmos como referência o filme O Pátio de Glauber Rocha, ao lado de um desenvolvimento grande do experimentalismo superoitista no Brasil”.

Na década de 1960, as produções se atêm mais à “estética da fome”, mas mesmo assim, segundo o especialista, o cinema en-volve muita pesquisa, experimentação com os modos de construir as imagens. A volta das experimentações audiovisuais coincide com o período de restauração do filme Limite, que será tomado como uma baliza disso nos anos 70. Neste contexto, o cinema marginal compõe uma história particular com Rogério Sganzerla, Júlio Bressane e Andrea Tonacci, entre os nomes que garantem que o experi-mental volte fortalecido.

Com a criação de novas técnicas e equi-pamentos, o cinema brasileiro é influencia-do por um quarto elemento importante: a imagem vídeo, que surge, em meados dos anos 1970, no segmento da emergência da mudança de suporte no cinema. “Já vivemos na atualidade a quarta, quinta geração de vi-deastas, pois houve, desde aquele momento, um senso muito grande de experimentação por ser uma mídia acessível, democrática e barata. É muito propensa a experimentações e renovações de linguagem”, enfatiza.

Segundo Teixeira, uma gama muito gran-de de filmes documentários com esse forte senso de experimentação da linguagem surge desde os anos de 1980, mas é preciso distin-guir o que realmente é arte de uma produção tecnicamente efeitista, marcada por um certo senso de fetichismo técnico dado o acesso das novas mídias. “O número de artistas é muito maior, o número de espectadores com acesso à arte é muito maior. Eu acho que isso se realiza plenamente com a cultura digital,

mas com todos os problemas também que isso significa. Fica muito mais difusa a noção do que é arte, os critérios para se avaliar o que de fato é artístico. Porque uma boa parte des-sa produção é descartável, é efeitista, é uma espécie de deslumbramento, de fetichismo com a técnica”, acrescenta Teixeira.

Outra questão importante a ser discutida dentro da literatura cinematográfica é a in-discernibilidade entre os domínios ficcional, documental e experimental. Para Teixeira, há uma intensa troca entre documentário e ex-perimental, a ponto de cineastas como Bres-sane transitarem nos dois, três domínios ao mesmo tempo, porém, nem todo documen-tário é experimental, por não apresentar o ri-gor estético comum a este tipo de produção. Um dos aspectos pontuados em um curso intitulado “Documentário e Experimental: Passagens”, oferecido por ele em programas de pós-graduação, é a intensa troca entre os domínios documentário e experimental den-tro da cultura audiovisual contemporânea. “Eu alterno os domínios. Em um semestre falo sobre documentário. Em outro, sobre experimental, até chegar nos pontos comuns entre eles”, explica.

Para Teixeira, o filme Cinema Falado, lan-çado em 1986 por Caetano Veloso, é um dos mais representativos dentro do que se define como um processo de produção experimental no cinema brasileiro dos anos 1980. A pro-dução, porém, sofreu duras críticas, foi retira-da por Caetano, e voltou reeditada em DVD em 2005. As críticas teriam partido de integrantes de uma vanguarda que vinha dos anos 1970, mais relacionada com o artista plástico Hélio Oiticica, cujos trabalhos eram considerados re-volucionários.

Para Teixeira, Oitici-ca marcou muito uma geração com suas pro-posições dos anos 1970. “Foi muito próximo do Júlio Bressane, mas foi muito próximo também do Arthur Omar, que nos anos 1980 era um dos que mais se destacavam como cineasta experimental.”

Teixeira observa a presença forte de pes-soas oriundas de escolas de cinema brasilei-ras no campo documental, experimental e ficcional na década de 2000. Entre esses cine-astas nascidos na academia, ele cita Kiko Goi-fman, mestre pela Unicamp, com o filme 33, e Sandra Kogut, com a produção Um passapor-te húngaro, por introduzirem uma estilística diferenciada, considerada por Jean-Claude Bernardet como documentário de busca. A busca fracassada das duas produções reflete uma estilística na qual se cria um dispositivo de busca de algo que não se sabe, de partida, onde vai dar. “Este objeto pode ou não se en-contrado, mas não é isso que importa. O que importa é percorrer, desenvolver o processo de criação. Este é o senso de experimentação mais forte nesse momento”, explica.

Júlio Bressane, Giulia Gam, Drica Moares e Chico Buarque durante as fi lmagens de O Mandarim, em 1995

Foto: Luciana Whitaker/Folhapress

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PATRÍCIA [email protected]

N

O olhar do realizador e o

Circulam hoje narrativas, cuja demanda é represada, para todos os gostos e fins

Foto: Antonio Scarpinetti

Foto: Reprodução

No início dos anos de 1990, Nuno Cesar Abreu levou para casa muitos prêmios: dire-tor revelação, melhor diretor, melhor rotei-ro e melhor filme pela

Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), entre outros. Prêmios obtidos com seu longa-metragem Corpo em deli-to. O filme reuniu um elenco encabeçado por Lima Duarte e foi o último produzi-do e distribuído pela Embrafilme, antes de sua extinção. Após o lançamento em São Paulo e no Rio de Janeiro, a distri-buição nacional foi interrompida.

Desde então, Nuno, que já atuava na universidade, abraçou fortemente os estudos do cinema, investigando espe-cialmente a produção pornoerótica para o mestrado, e o fenômeno do cinema paulistano da Boca do Lixo para o dou-torado. Na chefia do Departamento de Cinema (Decine), do Instituto de Artes (IA) da Unicamp, mais recentemente ele pesquisa o cinema paulista dos anos de 1980 e os filmes de Nelson Pereira dos Santos realizados em Paraty entre 1968-1973.

O olhar do realizador, tão fundamen-tal para seu trabalho de pesquisa, tam-bém o é na aferição do panorama de produção cinematográfica nos tempos atuais. Se o debate sobre a produção de filmes nacionais nos moldes de uma in-dústria sempre emerge na reflexão sobre o cinema brasileiro, Nuno retoma o ob-jeto de investigação de sua tese de dou-torado em 2002 e afirma, categórico: “o processo de produção que mais chegou perto de uma escala industrial, mesmo que ‘tosco’ ou ‘de fundo de quintal’, foi o chamado cinema da Boca do Lixo”.

Este cinema, produzido na capital paulista, entre 1970 e 1984 chegou a lançar cerca de 40 filmes por ano, ou cer-ca de 35% da produção anual brasileira no período. “Tinha muita coisa de bai-xa qualidade, mas nesse caldo também havia uma busca de um cinema popular brasileiro”, reflete.

O conceito de indústria que o docen-te considera plausível e que havia até então, é o do ponto de vista do consumi-dor, aquele que volta ao local da compra e sempre vai encontrar o produto. Ele perceberia ainda que, por trás desse pro-duto, existe um processo de produção que lhe garante a reposição. “É o caso da Boca do Lixo, período no qual o público brasileiro ia ao cinema ver uma ‘porno-chanchada’, sabendo que chegariam ou-tras no mês seguinte nas salas do país”. O público passou a ter a percepção de que havia uma “fabricação” de filmes e a existência de uma indústria cinemato-gráfica brasileira.

Longe do elogio à imposição, Nuno afirma que a Boca do Lixo foi fruto da le-gislação que obrigava a exibição de uma porcentagem de filmes nacionais. “Se a lei pedia, alguém tinha que fazer”. De acordo com o docente, a Boca poderia ser chamada de “uma política de pro-dutores” – análoga à política de autores do Cinema Novo –, que, sem uma real noção estratégica, estava produzindo o chamado “similar nacional”. “A Boca foi fazer westerns, comédias, filmes de aventura, paródias etc., embora tudo fos-se rotulado como pornochanchada. Era cinema popular, de verdade”, ressalta.

Para Nuno, é importante salientar que a Boca foi contemporânea da Em-brafilme. “De certo modo, podemos considerar que eram complementares na ocupação do mercado de exibição com resposta positiva de público”.

Hoje, de acordo com Nuno, o que é necessário para quem pretende fazer um filme é, de certo modo, o que sempre foi: ter alguma experiência com produção (e criação) audiovisual, apoiar-se em uma

museu de grandes novidades

produtora, e ter um projeto coerente e aprovado pela Agência Nacional do Ci-nema (Ancine) para captação de recur-sos. “As escolas de cinema e os cursos de comunicação produzem uma massa crítica relevante nesse processo”.

Buscar os recursos aprovados em editais, seja por escritórios de captação ou diretamente nas empresas, conduz aos passos seguintes. Nuno avalia que o modelo atual pode abrir mais oportu-nidades, reforçando o aspecto comercial da busca de aportes financeiros, no qual o Estado continua sendo um investidor, por meio de renúncia fiscal. “Isso tem resolvido de alguma maneira a questão da produção e conseguido alavancar os números de filmes realizados. No entan-to muitos filmes têm problemas graves de distribuição e exibição”, diz. São as produções que não têm acesso aos cir-cuitos nacionais.

FÊNIXO cinema nacional seria o pássaro

mitológico que morre e renasce sucessi-vas vezes? “Sim. Parece reformular sua existência conforme ciclos de acordos, e ajustamentos entre os agentes do negó-cio cinematográfico: os modos de pro-duzir, distribuir e exibir. O que, desde algum tempo, inclui o Estado. E, nestes ciclos, os filmes ganham novas formas e conteúdos, tendências que se renovam, mas a medula permanece como em qual-quer cinematografia nacional”.

Havia nos anos de 1970 e 1980 um equilíbrio entre as forças em jogo, acre-dita Nuno. Era tenso, mas eficiente, e sustentado por mecanismos diversos como uma legislação protecionista (dias

de obrigatoriedade de exibição do filme brasileiro), um guichê de fomento e dis-tribuição (Embrafilme), além de distri-buidoras nacionais, e o Concine (Conse-lho Nacional de Cinema) – uma espécie de agência reguladora. “Hoje esse equilí-brio, se existe, é muito precário”.

No entanto, salienta o docente, é pos-sível observar movimentos interessantes que são alternativas para os dias de hoje. Para o mercado cinematográfico ele des-taca a iniciativa de algumas das princi-pais produtoras brasileiras da atualidade de se organizarem para a criação de uma distribuidora própria que visa trabalhar a exibição de filmes em novos conceitos na relação com produtores e exibidores.

Para o mercado audiovisual – TVs fechadas e outros –, Nuno cita a criação de uma legislação de obrigatoriedade de transmissão de material de produção na-cional. “É curioso como uma proposta de legislação, que funcionou politica-mente para o mercado de salas há 30 anos, adapta-se, agora, com o mesmo conceito a um novo mercado em expan-são vertiginosa”, diz. Nuno observa que no passado a lei criava demanda, a pro-dução correspondia aumentando a ofer-ta e isso provocava um novo aumento nos dias de exibição.

Ademais, as ferramentas para a construção do discurso cinematográ-fico se ampliaram muito na avaliação do professor. “A linguagem construí-da pelo cinema consolidou-se, criou alfabetos, gramática, semântica, po-demos dizer que foi a matriz dessa sociedade midiática em que estamos imersos – desde a representação da história até as relações políticas. O audiovisual lida com o imaginário, o

que lhe confere uma dimensão estra-tégica.”

ECONOMIA DE MEIOSO aluno do curso de graduação em

Comunicação Social – Cinema, da Uni-versidade Federal Fluminense, Nuno Cesar Abreu aprende na faculdade “a importância da economia de meios”. Em outras palavras, o recado do professor era: não desperdiçar recursos. “Até meados dos anos de 1980, eu mesmo, em 1990, quando filmei Corpo em Delito, só poderia saber como a imagem estava impressa na película, se houve erros ou não, no dia se-guinte ou dias depois. A infraestrutura de produção era outra, tinha o laboratório, os processos de revelação, uma ‘linha de montagem’ muito diversa”.

A cultura da escassez do século pas-sado transita para um novo ambiente de produção em que a economia dos insu-mos não tem mais tamanha importância. “Os filmes gravados – antes filmados – têm outra perspectiva econômica e tec-nológica, numa cultura em que o olhar pela câmera se populariza. Ver pela ob-jetiva – agora uma tela de um celular –, registrar, ‘documentar’ o cotidiano, se tornou quase banal. Hoje todo mundo ‘filma’ e isto incide sobre a percepção. O espectador não é mais c o m p l e t a -mente passi-vo. O YouTube é uma cine-mateca em permanente atualização – ou como diria o poeta, ‘um museu de grandes novi-dades’ –, ab-solutamente necessária”.

Nuno ob-serva que um processo ace-lerado de mu-danças tem se processado e as novas gerações já estão completamen-te imersas. O próprio ato de ir ao cine-ma era um programa de outra natureza. “Mudou a cidade, as salas não estão mais onde estavam, no centro, o preço do in-gresso era proporcionalmente mais bara-to. Mudamos nós, estamos mais globali-zados e estamos em rede. A Kodak está anunciando que deve parar de fabricar negativos fotográficos e logo não produ-zirá película para filmes. Estamos de mu-dança definitiva para o digital. A proje-ção também logo estará, e a distribuição, quem sabe, poderá ser via satélite”.

O docente acredita que mesmo o con-ceito de pirataria hoje é “complicadíssimo”, uma vez que os filmes, de uma maneira ou de outra, acabam na internet e, como dizem os internautas, “se está na rede é público”, podem ser serem “baixados” por qualquer pessoa. “Esta é, provavelmente, uma questão que requer novos conceitos e procedimentos, para entender como gerir direitos e compatibilizar interesses sobre esta coisa intangível que é o bem cultural, no ambiente intangível da internet”.

O cineasta e docente considera que hoje circulam narrativas para todos os gostos e fins, mas há que se enfrentar que esta diversidade está represada, com uma demanda reprimida. “Está no ar a necessidade de um novo equilíbrio. Aqui se cruzam novas tecnologias, forças de mercado e políticas públicas – vetores que se projetam sobre a produção audio-visual como um todo”.

Lima Duarte em cena de Corpo em delito: fi lme foi o último a ser distribuído pela Embrafi lme

Nuno Cesar Abreu: “As escolas de

cinema e os cursos de

comunicação produzem

uma massa crítica

relevante”

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acadêmica

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Campinas, 3 a 16 de setembro de 2012

A poéticados jardins

Livro sobre a fl ora de SP é lançado na UnicampFoto: Antoninho Perri

Autores: Charles W. Moore, William J. Mitchell e William Turnbull, Jr.Tradução: Gabriela CelaniFicha técnica: 1a edição, 2011; 312 páginas; formato 21 x 28 cm; ISBN: 978-85-268-0951-2Área de interesse: Paisagismo e arquiteturaPreço: R$ 80,00

Sinopse: Para os amantes dos jardins e para as pessoas que gostam de apreciar belas paisagens, este livro se constitui em um excelente guia de via-gem, descrevendo com grande minúcia e contando de maneira divertida, mas ao mesmo tempo poéti-ca, as histórias dos lugares mais belos do mundo, que vale a pena visitar. Os autores certamente devem ter desfrutado de inúmeras viagens pelo mundo para conhecer os mais de 40 jardins que descrevem no livro. Para os paisagistas, ele pode ser visto como uma espécie de catálogo de jardins, que são agrupados segundo categorias inusitadas. Tradicionalmente, os livros de paisagismo costu-mam categorizar os jardins segundo sua escala e função (jardins residenciais, institucionais, praças, parques etc.) ou segundo seu estilo e clima (jardins formais italianos ou franceses, jardins informais ingleses, jardins tropicais, jardins de deserto, jardins mediterrâneos etc.). Neste livro, são agrupados nas categorias cenários, coleções, peregrinações e ge-ometrias. Para os estudantes de arquitetura, o livro apresenta, de maneira extremamente didática, um método de projeto baseado — literalmente — em um diálogo com os jardins do passado. Os autores nos ensinam que jardins existentes não devem ser simplesmente copiados, mas sim compreendidos em sua essência para servir como referência para novas propostas. Finalmente, para os especialistas da área de computational design, o livro pode ser compreendido como a peça-chave entre signifi cado e lógica no processo de projeto. As categorias de agrupamento de jardins propostas no livro podem ser vistas como referências a aspectos cognitivos do processo de projeto, bem como a técnicas de programação de computadores.

William J. Mitchell (1944-2010), arquiteto, pro-fessor de arquitetura e de artes e ciências das mídias, foi diretor da School of Architecture and Planning do Massachusetts Institute of Technology (MIT). Charles W. Moore (1925-1993) e William Turnbull, Jr. (1935-1997) eram arquitetos, egressos da Universidade de Princeton.

Performa Clavis - O Instituto de Artes (IA) e o Espaço Cultural Casa do Lago promovem, de 3 a 5 de setembro, das 9 às 21 horas, o simpósio internacional Performa Clavis 2012. O evento conta com a parceria dos Programas de Pós-graduação do IA, de Música da Univer-sidade de São Paulo (USP) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp). O Simpósio visa colaborar tanto com a consolidação do campo de pesquisas que vem se organizando em torno dos conceitos centrais que estruturam a prática interpretativa tecladística em geral, quanto com as demonstrações práticas dos Master-class. Mais informações: [email protected]

Processamento de sinais - Professo-res, pesquisadores e alunos de institutos e faculdades da Unicamp têm até o dia 4 de setembro para submeterem trabalhos (originais ou previamente publicados), na área de pro-cessamento de sinais e suas aplicações para o 3º Simpósio de Processamento de Sinais da Unicamp. O evento será realizado nos dias 18 e 19 de outubro. Mais informações sobre os tópicos abrangidos pelo SPS-Unicamp, bem como detalhes sobre as formas de submissão, podem ser encontrados na página do evento (www.sps.fee.unicamp.br). A programação do simpósio será divulgada no dia 8 de outubro.

Fórum de Meio Ambiente e Sociedade – O Fórum Permanente de Meio Ambiente e Socie-dade “Tratamento de esgoto de comunidades rurais e isoladas: problemas e soluções” ocorre no dia 4 de setembro, às 9 horas, no Centro de Convenções da Unicamp. Organizador: Adriano Luiz Tonetti. Mais detalhes na página eletrônica http://foruns.bc.unicamp.br/foruns/projetocotuca/forum/htmls_descricoes_even-tos/energ39.html

Aulas Magistrais - No dia 5 de setembro, às 12h30, na Sala CB05 do Ciclo Básico I, Paulo Franchetti, professor titular do Departamento de Teoria Literária do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), fala sobre Fernando Pessoa e a História de Portugal, no evento Aulas Magistrais. Nesta aula, após a apresentação da estrutura de “Mensagem”, único livro de poemas publicado em português durante a vida de Fernando Pessoa, serão lidos e comentados os poemas da sua primeira parte, mostrando

de que modo se relacionam com a obra de dois grandes historiadores portugueses e de que modo a visão iniciática de Pessoa combina e redimensiona a discussão sobre o sentido das navegações e as causas da decadência do país. Franchetti atua na área de Letras, com ênfase em Teoria Literária, Literatura Brasileira dos séculos XIX e XX e Literatura Portuguesa do século XIX. Desde 2002, dirige a Editora da Uni-camp, cujo Conselho Editorial preside. A orga-nização é da Pró-Reitoria de Graduação (PRG) da Unicamp. Mais informações no site http://www.prg.unicamp.br/aulas/index.php/aulas

Lançamento - O livro “Deste Lugar” (Ateliê Editorial), de autoria de Paulo Franchetti, pro-fessor do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), será lançado no dia 5 de setembro, às 18 horas, no Empório do Nono (Av. Albino J.B. de Oliveira, 1128), em Barão Geraldo, Campinas-SP.

Fórum de Ciência e Tecnologia - O Fórum Permanente de Ciência e Tecnologia “Desenho Universal, Tecnologias Assistivas e Acessibili-dade: Impacto e Perspectivas” acontece no dia 6 de setembro, das 9 às 17 horas, no Centro de Convenções da Unicamp. Organizadores: Biblioteca Central Cesar Lattes- BCCL, FEC, NIED e AFPU. Inscrições e outras informações no site http://foruns.bc.unicamp.br/foruns/pro-jetocotuca/forum/htmls_descricoes_eventos/tecno56.html Mais detalhes: 19-3521-4759.

Fórum de Empreendedorismo e Inovação - Com o tema Desenvolvimento de Gestores - Práticas e Pensamentos Inovadores, no dia 6 de setembro, das 9 às 17 horas, no Centro de Convenções da Unicamp, acontece a próxima edição do Fórum Permanente de Empreende-dorismo e Inovação. A promoção é da Agência para a Formação Profissional da Unicamp (AFPU). Mais informações no link http://foruns.bc.unicamp.br/foruns/projetocotuca/forum/htmls_descricoes_eventos/evento42.html ou telefone 19-3521-4759.

SeEMTeC - O Colégio Técnico da Unicamp (Cotuca) organiza, de 10 a 13 de setembro, no Centro de Convenções da Unicamp, a Semana de Ensino Médio e Técnico (SeEMTeC). O obje-tivo do evento é despertar e incentivar vocações científi cas e tecnológicas em alunos de cursos técnicos de nível médio proporcionando meio de troca de conhecimento e inovação, nas diversas vertentes dos setores tecnológico e educacio-nal. Além da SeEMTeC, o Cotuca realiza no dia 13, a II Mostra de Trabalhos de Cursos Técnicos, evento incorporado à SeEMTeC’12. A coordenação é do professor Pedro Esteves Duarte Augusto.

Cotuca Aberto ao público - No dia 15 de setembro, o Cotuca abre as suas portas para mais uma edição do Colégio Aberto ao Público. Trata-se de uma oportunidade para os candidatos conhecerem o Cotuca, os cursos oferecidos pelo Colégio e conversarem com alunos e professores. Na ocasião, os labo-ratórios fi carão abertos para a visitação, sob supervisão de professores. O Colégio fi ca na Rua Culto à Ciência 177, no bairro do Botafogo, em Campinas. Mais informações: 19-3521-9906 ou e-mail [email protected]

Conferência com Heide Hackmann - A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) organiza, dia 10 de setem-bro, às 10 horas, uma conferência com Heide Hackmann, diretora executiva do International

Alimentos - “Efeito de diferentes fon-tes de fibras brancas na qualidade de pão de forma” (mestrado). Candidata: Patricia Mello Garrido Ishida. Orientadora: profes-sora Caroline Joy Steel. Dia 4 de setem-bro, às 10 horas, no Espaço Gourmet, no Departamento de Tecnologia de Alimentos.

Computação - “Explicitação de esquemas

orientada a contexto para promover interope-rabilidade semântica” (mestrado). Candidata: Ivelize Rocha Bernardo. Orientador: professor André Santanchè. Dia 4 de setembro, às 14 horas, na sala 85 do IC-02.

- “Novas técnicas de distribuição de carga para servidores web geografi camente distribuídos” (doutorado). Candidato: Alan Massaru Nakai. Orientador: professor Edmundo Roberto Mauro Madeira. Dia 14 de setembro, às 14 horas, no auditório IC 2, sala 85.

Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanis-mo - “Avaliação do controle de perdas físicas em redes de distribuição de água na região metropolitana de São Paulo” (mestrado). Candidato: Aldo Roberto Silva Diniz. Orien-tador: professor José Gilberto Dalfré Filho. Dia 3 de setembro, às 9h30, na sala CA-22 da CPG/FEC.

Engenharia Mecânica - “Aproveitamento de resíduos de campo da cultura da mandioca (Manihot Esculenta CRANTZ) para cogera-ção de energia no processo de produção de etanol de mandioca” (mestrado). Candidato: João Paulo Soto Veiga. Orientador: professor Waldir Antonio Bizzo. Dia 10 de setembro, às 14 horas, no auditório do Bloco K da FEM.

Física - “Limites para modelos MaVaN`s em neutrinos de reator” (mestrado). Can-didato: Mateus Fernandes Carneiro da Silva. Orientador: professor Pedro Cunha de Holanda. Dia 4 de setembro, às 10 horas, no auditório Méson Pi do IFGW.

Humanas - “A metrópole periférica: identida-de e vulnerabilidade socioambiental na região metropolitana de Natal-RN/Brasil” (doutorado). Candidata: Zoraide Souza Pessoa. Orientado-ra: professora Sônia Regina da Cal Seixas. Dia 3 de setembro, às 14 horas, no auditório do Nepam.

Matemática, Estatística e Computação Científica - “Métodos híbridos e livres de derivadas para resolução de sistemas não lineares” (doutorado). Candidato: Rodolfo Gotardi Begiato. Orientadora: professora Márcia Aparecida Gomes Ruggiero. Dia 5 de setembro, às 14 horas, na sala 253 do Imecc.

- “Transitividade de semigrupos em variedades homogêneas” (doutorado). Candidata: Janete de Paula Ferrareze. Orientador: professor Luiz Antonio Barrera San Martin. Dia 12 de setembro, às 14 horas, na sala 253 do Imecc.

Medicina - “Modelagem MIA-QSAR de inibidores de Acetilcolinesterase” (mestrado). Candidata: Michelle Bitencourt. Orientador: professor Roberto Rittner Neto. Dia 4 de se-tembro, às 9 horas, no Anfi teatro da CPG/FCM.

Química - “Aplicações de mobilidade iônica acoplada à espectrometria de massas para separação e caracterização de isômeros” (doutorado). Candidata: Priscila Micaroni Lalli. Orientador: professor Marcos Nogueira Eberlin. Dia 11 de setembro, às 9 horas, no Miniauditório do IQ.

- “Eletrodos porosos de níquel/zinco para produção de hidrogênio por eletrólise da água” (mestrado). Candidata: Rúbia Munhoz Rapelli. Orientadora: professora Claudia Longo. Dia 13 de setembro, às 9 horas, no miniauditório do IQ.

A Unicamp sediou no último dia 24 o lançamento do 7º volume da coleção Flora Fanerogâmica do Estado de São Paulo e do Checklist das Spermatophyta do Esta-do de São Paulo. A cerimônia, presidida pelo reitor Fernando Ferreira Costa, ocor-reu na Sala da Congregação do Instituto de Biologia (IB). Também integraram a mesa de autoridades o diretor científi co da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Carlos Henrique de Brito Cruz; o coordenador do Programa Biota-Fapesp, Carlos Alfredo Joly; a diretora do IB, Shirlei Maria Recco Pimentel; e a coordenadora do programa Flora Fanerogâmica do Estado de São Paulo, Maria das Graças Lapa Wanderley.

Em sua fala, o reitor Fernando Costa destacou a importância dos trabalhos, lembrando que eles contaram com a par-ticipação de pesquisadores de diversas instituições de pesquisa paulistas. “Os resultados desses trabalhos comprovam que estamos fazendo ciência de qualida-de, comparável ao que se faz de melhor no mundo. São estudos como estes que contribuem para o desenvolvimento do saber e do país”. O diretor científi co da Fapesp parabenizou todos os envolvidos

Social Science Council, durante a sua visita a São Paulo. O encontro é aberto aos pesqui-sadores das seguintes áreas: Antropologia, Sociologia, Filosofi a, Ciência Política, História, Geografia, Letras, Educação, Pedagogia, Linguística, Psicologia, Artes, Comunicação, Administração, Economia e Arquitetura. A Fa-pesp fi ca na rua Pio XI 1500, no Alto da Lapa, em São Paulo. A conferência será proferida em inglês, sem tradução simultânea. Interessados devem confi rmar participação pelo link http://www.fapesp.br/eventos/hackman/inscricoes

Encontro de professores do Proepre – Evento será realizado de 10 a 13 de setembro, no Hotel Majestic, em Águas de Lindóia-SP. “Escola, torna-te o que és!” é o tema do even-to. No dia da abertura, às 20h30, acontece a conferência “A Escola Hoje”, ministrada pela professora Zélia Ramozzi-Chiarottino, da USP. O encontro é organizado pela professora Orly Zucatto Mantovani de Assis, da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp. Mais informações: [email protected]

Encontro de Pós-graduandos do Imecc - Evento organizado por pós-graduandos do Instituto de Matemática, Estatística e Com-putação Científi ca (Imecc), em que alunos de pós-graduação em Matemática, Matemática Aplicada e Estatística - inclusive de outras universidades - têm a oportunidade de expor suas pesquisas. A sétima edição ocorre de 12 a 14 de setembro. Contará com palestras dos pro-fessores Reginaldo Palazzo (FEEC - Unicamp); Carlos Moreira (IMPA); Ítala D’Ottaviano (CLE - Unicamp); Héliton Tavares (ICEN - UFPA); João Frederico Meyer (PREAC-Unicamp) e Nancy Garcia (Imecc-Unicamp). Outros detalhes po-dem ser consultados no link: http://www.ime.unicamp.br/~encpos/VII_EnCPos/home.html

Música Século XXI - Com a organização do Centro de Integração, Documentação e Difusão Cultural (Ciddic) e da Comissão de Ação Cultural da Reitoria “Projeto Música no Campus”, no dia 12 de setembro, às 20 horas, na Igreja Presbiteriana Independente do Brasil (Rua Luzitana 846, no Centro - Campinas-SP), será realizado o Concerto “Música Século XXI”. A regência fi cará por conta do maestro Carlos Fiorini. Uma reapresentação está prevista para o dia 13, às 19 horas.

Palestras do IB - O Ciclo de Palestras “Qua-lidade de Vida na Sociedade Contemporânea”, organizado pelo Instituto de Biologia (IB), tem como convidado no mês de setembro, Roberto Vilarta, professor da Faculdade de Educação Física (FEF) da Unicamp. Ele fala sobre “Qua-lidade de Vida na Sociedade Contemporânea”, no dia 12 de setembro, das 12h30 às 13h30, na Sala IB-03 (complexo de salas do IB). O ciclo é organizado por Fátima Alonso e Fábio Pinheiro. Mais informações: 19-3521-6359 ou e-mail [email protected].

A mesa da cerimônia de lançamento, da esq. para a dir: Maria das Graças Lapa Wanderley, Carlos Henrique de Brito Cruz, Fernando Ferreira Costa, Shirlei Maria Recco Pimentel e Carlos Alfredo Joly

nos estudos. Segundo Brito Cruz, é sempre bom para a fundação fomen-tar projetos de pesquisas que tragam consequências tão importantes para a ciência. “Gostaria de sugerir que essas obras fossem traduzidas para o inglês e colocadas na web. Assim,

não somente vamos ampliar o acesso a elas, como incluí-las nas bibliotecas das instituições internacionais”.

A coordenadora do programa Flora Fanerogâmica do Estado de São Paulo agradeceu o apoio da Fapesp e o em-penho de todos os pesquisadores para

que o volume fosse concluído. “Essas obras constituem um tesouro para o país. O Checklist, por exemplo, não traz somente os nomes das plantas, mas diversos outros dados, como as-pectos taxonômicos dos organismos”, assinalou Maria das Graças Wanderley.

Carlos Joly acrescentou que as informações geradas pelos trabalhos serão importantes não somente para o avanço do conhecimento científi co, mas também para orientar futuras ações de conservação das espécies.

O projeto Flora Fanerogâmica do Es-tado de São Paulo teve inicio em 1994 sob a coordenação do professor da Unicamp Hermógenes de Freitas Leitão Filho, já falecido. Até o momento, os sete volumes publicados relacionam 151 famílias de plantas. O projeto conta com aproximada-mente 200 colaboradores, sendo a maioria de São Paulo, mas alguns de outros estados e do exterior.

O Checklist das Spermatophyta do Estado de São Paulo teve sua origem no projeto Flora Fanerogâmica do Estado de São Paulo, porém os dados para os táxons já publicados foram revistos e atualizados pelos autores e os dados para os demais táxons foram obtidos a partir de fontes di-versas. Além de 18 editores, 208 pesquisa-dores estiveram diretamente envolvidos na produção do checklist das espermatófi tas do Estado de São Paulo, como coordena-dores ou autores das listas das famílias. Após 17 anos, foram listadas cerca de 200 famílias, 1.480 gêneros e 7.500 espécies.

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OLUIZ [email protected]

Fotos: Reprodução

Jornal da Unicamp – Qual a motivação para escrever mais um livro sobre a Nou-velle Vague? Seria por conta dos 50 anos do movimento?

Michel Marie – Eu escrevi a primeira versão do meu livro sobre a Nouvelle Va-gue em 1997, na coleção 128 (Éditions Nathan, então Armand Colin). Dois anos depois, escrevi outro livro sobre Acossado (coleção Synopsis, de 1999, mesma edito-ra). A tradução brasileira atende a esses dois volumes. A primeira parte é uma vi-são histórica geral, sobre todos os aspec-tos deste movimento (crítico, estético, técnico, econômico), mas sem uma análi-se muito detalhada de filmes específicos. Eu queria completá-la com uma segunda parte contendo uma análise aprofundada de Acossado, que se tornou para mim o “filme-manifesto” da estética da Nouvelle Vague, muito mais do que os primeiros filmes de Claude Cabrol, como Nas garras do vício (Le beau serge, 1958) e Os primos (Les cousins, 1959), ou mesmo Os incom-preendidos (Les 400 coups, 1959), de Fran-çois Truffaut.

Eu também escrevi este livro porque o meu filho, aos 20 anos de idade, me per-guntou o que era Nouvelle Vague. Para ele, era inicialmente o título de um filme de Godard dos anos 90 (Nouvelle Vague, de 1990, com Alain Delon). Em geral, os movimentos de cinema são mal definidos na história do cinema. Os filmes são clas-sificados rapidamente pela crítica com ró-tulos jornalísticos como “neo-realista” ou “expressionista”. Em 1997, chegamos aos 40 anos da Nouvelle Vague e, na época, não havia nenhuma edição francesa com uma síntese recente deste movimento es-tético muito importante para a história do cinema francês. Havia os livros anti-gos, contemporâneos dos anos 60 ou 70, ou capítulos parciais de livros sobre a his-tória do cinema francês em geral. Mas em 1998, dois outros livros sobre a Nouvelle Vague foram publicados após o meu: um álbum ricamente ilustrado de Jean Dou-chet (Nouvelle Vague, ed. Hazan, 1999) e um ensaio mais sociológico por Antoine de Baecque (A Nouvelle Vague, retrato de uma juventude, Flammarion, 1998). Meu livro foi republicado e atualizado regu-larmente desde 1997. A edição brasileira contempla bem o cinquentenário deste famoso movimento. É o mais completo.

JU – A Nouvelle Vague é abordada no livro como um conceito crítico, uma escola artística, um modo de produção e distri-buição de filmes... Poderia nos oferecer a sua visão geral sobre o movimento?

Michel Marie – A Nouvelle Vague foi um rótulo jornalístico dado por Françoi-se Giroud, então colaborador do L’Express, para designar o jovem francês nascido na década de 30 e 40. Em seguida, o crítico de cinema Pierre Billard transpôs o ter-mo para a nova geração de cineastas que nasceram no mesmo ano. Ele caracteriza-va Roger Vadim, particularmente, como porta-voz deste novo cinema com E Deus criou mulher (Et Dieu créa la femme,1956). Mas, rapidamente, a expressão que dizia respeito a um grupo de jovens cineastas atravessou o exercício da crítica, princi-palmente para a Cahiers du Cinema.

Reuniram-se em torno de Claude Chabrol e François Truffaut personalida-des tão diversas como as de Eric Rohmer,

Vanguarda

Jean-Paul Belmondo e Jean Seberg contracenam em Acossado, de Godard: inovações permeiam o “fi lme-manifesto”

historiador de cinema Michel Marie, professor emérito da Universidade Paris III (Sorbonne Nou-velle), esteve na Unicamp durante o primeiro semes-

tre como professor visitante no Pro-grama de Pós-Graduação em Muti-meios, ministrando o curso “Cinema Documentário Francês e Canadense – alguns tópicos na contemporanei-dade”. Em abril, lançou o livro A Nouvelle Vague e Godard (Papirus Edi-tora), em que apresenta uma revisão do impacto da Nouvelle Vague no cinema contemporâneo.

O livro, que já tinha traduções para o inglês e o italiano, traz um histórico de um dos movimentos mais importantes da história do ci-nema mundial, ocorrido no final da década de 1950 e nos anos 60. Traz também uma análise fílmica de Acos-sado, de Jean-Luc Godard, filme que o autor elegeu como o manifesto estético da Nouvelle Vague. É desta sua última obra que Michel Marie fala na entrevista que segue.

Jacques Rivette e Jean-Luc Godard. Esses cineastas tinham ideias comuns: uma ad-miração pelo cinema americano clássico e uma desconfiança do cinema francês dos anos 50, dito de “qualidade”, baseado em adaptações literárias e coproduções internacionais, como por exemplo, Notre Dame de Paris, realizado por Jean Delan-noy. Eram cineastas que queriam promo-ver filmes pessoais com pequenos orça-mentos e sem atores com grandes cachês. Acontece que alguns dos seus primeiros filmes tiveram grande sucesso de público, como Os primos, Os incompreendidos e Acos-sado. Já os primeiros filmes de Jacques Rivette (Paris nos pertence) e de Eric Roh-mer (O signo do leão) foram um fracasso e atrasaram suas carreiras em uma década.

JU – Por que o senhor elege Acossado como manifesto estético do movimento?

Michel Marie – Acossado é certamen-te um filme de ruptura na história do cinema, assim como a era do cinema mudo, com Nascimento de uma nação de D. W. Griffith ou Gabinete do Dr. Caligari de Robert Wiene, e o cinema falado de Cidadão Kane de Orson Welles, Roma, cidade aberta de Roberto Rossellini e Hi-roshima, meu amor de Alain Resnais (este contemporâneo de Acossado). O filme de Jean-Luc Godard é marcado por um grande número de inovações técnicas e por uma linguagem igualmente muito nova. Além disso, foi um grande suces-so público, por se referir diretamente às preocupações dos jovens franceses dos anos 60 – eles se identificaram muito com os personagens Michael Poiccard e Patricia Franchini. Godard retrata as re-lações de amor entre um jovem marginal (Michel Poiccard, magistralmente inter-pretado por ator iniciante, Jean-Paul Bel-mondo) e uma estudante americana em Paris, com uma autenticidade sem pre-cedentes no cinema francês da época. O tom do filme parece muito livre, quase casual, sem constrangimento, o que foi aceito de forma bastante positiva pelo público. Acossado é um filme verdadeira-mente moderno em 1960, que sintetiza uma mudança de época (como Monica e o desejo de Ingmar Bergman, na Suécia, poucos anos antes). Ele marca o fim dos anos pós-guerra na França.

É também um filme de surpreenden-te virtuosismo técnico, quando se pensa em suas precárias condições de realiza-ção. Godard revela-se um grande inven-tor de formas: a edição curta e instável, alternando planos de longa sequência fil-mados com a câmera na mão, em ritmo acelerado; longas sequências de diálogos muito livres e íntimos entre dois perso-nagens no quarto do hotel; e, no meio do filme, o resultado trágico e elíptico.

JU – Como analisa a trajetória de Jean-

Luc Godard, que depois de ter renovado a linguagem do cinema voltou-se para temas políticos?

Michel Marie – Godard sempre foi um experimentador. Na verdade, queria ter sido como Jean Rouch, não um artis-ta, mas um pesquisador independente do CNRS [Centro Nacional de Pesquisa Científica]. Seu período inicial, dos anos 60, foi muito rico porque ele teve que con-siderar as limitações de produção, contar histórias, atrair o público com atores pro-fissionais. É verdade que desde 1969 ele entrou em um período mais dogmático, marcado por experiências de laboratório, as do grupo Dziga Vertov. Mas logo ele transportou a linguagem do cinema para a televisão e o vídeo. Suas produções até o final de 70 anos são muito importantes: Sur et sous la communication (1976) e Fran-ce, tours détour deux enfants (1978).

Salve-se quem puder (a vida) marca um novo início de carreira em 1980, com Jac-ques Dutrouc, Isabelle Huppert e Natha-lie Baye, atores populares neste período. Ele nunca deixou de realizar novos ex-perimentos com filmes de todos os for-matos e gêneros, mesmo em comerciais como Le rapport Darty. Sua fecundidade artística é extraordinária e é semelhante à dos diretores norte-americanos do pe-ríodo clássico, como John Ford ou Raoul Walsh, que fizeram três ou quatro filmes por ano, até seus últimos suspiros.

JU – No livro, o senhor discorre sobre o autor realizador, baixo orçamento e a saída dos estúdios para redescoberta dos lugares. Hoje temos uma proliferação dos chamados “filmes domésticos” por conta das facilidades trazidas pelas novas mí-

para além do rótulo

para além do rótulo

Michel Marie analisa em livro o legado e a estética de Godard e

da Nouvelle Vague

Serviço

Título: A Nouvelle Vague e GodardAutor: Michel MarieEditora: PapirusPáginas: 272Preço: R$ 56

dias. Por acaso, vislumbra o surgimento de movimentos semelhantes à Nouvelle Vague?

Michel Marie – Há de fato a prolife-ração de novos filmes feitos com mídias muito modestas. Alguns são, sem dúvi-da, inovadores, mas o problema passou da produção à distribuição. Embora mui-tos filmes sejam vistos na internet ou You Tube, o que importa é olharmos para eles e falarmos sobre eles. Este modo de aces-so atribui papel chave ao discurso crítico, à promo-ção oferecida por festivais e even-tos culturais. Mas, obviamen-te, a concorrên-cia é ainda mais difícil porque a oferta se multi-plicou. Filmes que permanecem neste oceano da oferta são resul-tados de uma reflexão muito pessoal sobre imagens e sons. A genialidade de artista não pode ser ensinada. A Nouvelle Vague teve a sorte de reunir personali-dades fortes que tinham um dis-curso e um uni-verso pessoal na base da sua rica produção: Eric Rohmer e François Truffaut, Jacques Rivette e mais Jean-Luc Godard.

JU – Ainda há espaço para a Nouvelle

Vague hoje em dia?Michel Marie – Há sempre novos es-

paços criativos. Mas estes espaços devem ser abertos para um público potencial, muitas vezes, mais especializado e exi-gente. Há sempre novas tendências cria-tivas, como na França, enriquecendo a ficção e documentários de cinema, com autores como Laurent Cantet (Entre os muros da escola), Kechiche Abdelatiff (Vê-nus negra) ou Bruno Dumont (Flandres).

JU – Enfim, qual é a herança que a

Nouvelle Vague nos deixou?Michel Marie – É um património

certamente importante, internacional, que envolveu vários países como Itália, Polónia, República Checa, Brasil, Japão e, mais recentemente, Coréia e Hong Kong. Há um cinema anterior à Nouvelle Vague, o cinema clássico que continuou até final dos anos 50, seguido do cinema moderno, que com a Nouvelle Vague foi também uma etapa muito importante.

Pierre Perrault em retrospectiva

Vanguarda

Michel Marie é um dos curadores e conferencista da Retrospectiva Pierre Perrault, cuja programação prevê a exibição de 11 filmes do cineasta que-bequense, entre os dias 10 e 14 de setembro, na Casa do Lago da Unicamp. Perrault (1927-1999) é tido como um dos maiores representantes do cinema direto do Canadá. O evento será realizado pela Associação Balafon, em par-ceria com a Universidade Paris 3 Sorbonne Nouvelle, com o apoio do Office National du Film du Canada, do Programa de Pós-Graduação em Multimeios/Departamento de Cinema (Decine) e do Cepecidoc (Centro de Pesquisas de Cinema Documentário) da Unicamp.

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Campinas, 3 a 16 de setembro de 201212

CRISTIANE KÄMPFEspecial para o JU

Cinema em

U m conjunto expressivo de conhecimentos sobre o cinema nacional acaba de ser sistematizado em li-vro. São 836 páginas, 500 v e r b e t e s

atualizados, 130 novas entradas acrescentadas, 188 fotografias, 50 auto-res de diversas regiões do país e dois organizadores especialistas em cinema nacional – Fernão Pessoa Ramos, professor do Insti-tuto de Artes da Unicamp, e Luiz Felipe Miranda, do Centro Cultural São Pau-lo. Os números da terceira edição da Enciclopédia do Ci-nema Brasileiro, que acaba de chegar às livrarias pela Editora Senac, refletem o trabalho realizado pelos organizadores com o ob-jetivo de incluir na obra a produção cinematográfica nacional do período entre 1999 e 2010.

A primeira década do século XXI correspondeu à fase da chamada pós-reto-mada do cinema brasileiro: surgiram novos cineastas, atores, atrizes e profissio-nais que contribuíram para o desenvolvimento cine-matográfico, trazendo de volta às salas de projeção milhares de telespectadores, com filmes como Tropa de Elite, Cidade de Deus, Caran-diru, Meu Nome Não é Johnny, entre outros. Fernando Meirelles, José Padilha e Karim Aïnouz são exemplos de diretores que sur-giram neste período e, portanto, aparecem nos verbetes autorais com sua história e filmografia.

Da segunda para a terceira edição, a enciclopédia aumentou 30%, consideran-do-se os novos verbetes adicionados e o que foi incluído a mais no material que já existia na edição anterior. “Em certos mo-mentos, tínhamos a impressão de estar às voltas com um novo livro. Ao escrevermos a atualização, sentimos como a produção cinematográfica dos últimos dez anos alterou-se e ampliou o panorama existen-te. Nossa intenção, como o novo material de pesquisa e crítica que apresentamos, é oferecer ao público leitor, no modo de verbetes, um panorama da viva dinâmica da produção mais recente do cinema brasileiro” es-crevem os organizadores na apresentação à terceira edição.

ESCOLHAS SUBJETIVAS“Uma enciclopédia não

é uma lista telefônica e muito menos uma tabela periódica”, compara Fer-não Ramos, justificando as escolhas de cineastas, pro-duções e temas que com-põem os verbetes autorais e temáticos. Ele explica que o critério não foi listar pesso-as ou filmes, mas imprimir um recorte pessoal e his-tórico aos verbetes, já que todos eles são assinados por especialistas em deter-minados temas. Segundo o docente, os pesquisadores tiveram bastante liberdade para expressar uma visão pessoal sobre o autor com o qual trabalhavam. “Neste sentido, a enciclopédia não é uma lista ‘fria’ de obras, prêmios ou filmes, mas sim possui textos autorais, assi-nados, que refletem o ponto de vista do pesquisador que escreveu aquele verbete. É opinião pessoal que envolve pesquisa. Na tabela periódica há elementos que não podem ser alterados e é impossível cada um fazer a sua, mas com uma enciclopédia é diferente: as escolhas dos verbetes são, de certo modo, subjetivas e refletem nos-so modo de entender a história do cinema brasileiro”, afirma o docente.

O verbete “documentário”, por exem-plo, é o mais longo da enciclopédia, quase um minilivro, ocupando 30 páginas, nas quais são contemplados tanto documen-tários mudos como sonoros. Para os orga-nizadores, o crescimento vigoroso da pro-

verbetes

José Mojica Marins (à dir.), no papel de Zé do Caixão, contracena com José Celso Martinez Cor-rêa em Encarnação do demônio: biografi a do cineasta paulistano é contemplada na enciclopédia

dução de documentários nos últimos dez anos demonstra a valorização desse cinema pelas novas gerações e reflete a busca por formatos diferenciados. Ramos conta que recebeu várias críticas pela inclusão de um

verbete longo sobre porno-chanchada, mas que não foi feito um juízo de valor e a inserção foi realizada porque este gênero do ci-nema nacional apresen-tou uma produção muito intensa durante quase 20 anos.

No verbete sobre José Mojica Marins, ficamos sabendo que ele nasceu na Vila Mariana, em 1931, e ganhou sua primeira câ-mera com 12 anos, o que lhe permitiu realizar seu primeiro filme, rodado num galinheiro. Seu avô era toureiro na Espanha e seu pai se tornou gerente do primeiro cinema cons-truído no bairro onde mo-ravam, razão para que Mo-jica entrasse em contato com filmes desde criança. No verbete sobre Humber-to Mauro, sabe-se que sua produção cinematográfica ainda ocupa lugar central na produção brasileira e inspirou cineastas como Glauber Rocha e Nelson Pereira dos Santos. Foi em

um de seus filmes, que não existe mais, chamado Cidade Mulher, que Noel Rosa fez sua primeira e única incursão no cinema.

Os verbetes temáticos, por sua vez, co-brem, como nas edições anteriores, perío-dos e instituições significativas do cinema brasileiro, tais como Cinema Novo, chan-chada, pornochanchada, documentário, Ci-nema Marginal, ciclos regionais, revistas, festivais, cinematecas, Embrafilme, etc. Re-tratam Estados com produção considerável, como Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Paraná, Rio Grande do Sul, etc, e abordam produtoras, entre as quais Cinédia, Brasil Vita Filmes, Vera Cruz e Saga Filmes. Há ainda verbetes temáticos por função (fo-tografia, cenografia, roteiro, etc) ou temas diversos, como livros, laboratórios, litera-tura, cantores-autores, etc. Tais verbetes buscam mapear o cinema brasileiro a partir de conjuntos estruturais que os organiza-dores consideram significativos.

Entre os autores es-tão André Gatti, profes-sor do Departamento de Cinema da Fundação Ar-mando Álvares Penteado (Faap) e autor de Cine-ma Brasileiro em ritmo de indústria (1969 – 1990); Anita Simis, professo-ra do Departamento de Sociologia da Universi-dade Estadual Paulista (Unesp); Carlos Augusto Calil, professor do De-partamento de Cinema, Rádio e Televisão da Uni-versidade de São Paulo (USP); Hernani Heffner, diretor de conservação da Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM\RJ) e Lúcia Nagib, professora da Universidade de Le-eds e autora de A utopia no cinema brasileiro – ma-trizes, nostalgia e distopias, entre outros.

Para os organizado-res, a intenção foi aglu-tinar o número neces-sário de pessoas que escrevem e trabalham

com pesquisas sobre o cinema nacional. “Acho importante sabermos que existe este campo de pesquisa que é o cinema brasileiro e conhecermos quem produz este conhecimento, assim como há pes-soas que estudam e pesquisam sobre lite-ratura brasileira, a arte brasileira, o teatro brasileiro. O cinema é pensado de manei-ra ampla e nós queríamos mostrar qual é o estado deste campo de saber. Querí-amos mostrar que o cinema brasileiro existe. Olhando para esta enciclopédia é possível ver que há um campo importante de conhecimento e pesquisa que se cha-ma ‘cinema brasileiro’. É possível ver que vale a pena saber, estudar, ensinar e pes-quisar sobre ele”, finaliza Ramos.

SERVIÇO

Título: Enciclopédia do Cinema Brasi-leiro (ampliada e atualizada)Organizadores: Fernão Pessoa Ramos e Luiz Felipe MirandaEdição: 3ªPáginas: 836 Editora SenacPreço: R$ 348,00

Cena de O Engenho de Zé Lins, documentário dirigido por Vladimir Carvalho e lançado em 2007 : livro atualiza verbetes e insere produções da primeira década do século 21