josé de souza martins capítulo v - a sujeição da renda._. [martins, 1981]

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o documento abre uma janela de esperan~a para que a terra de trabalho e os regimes alternativos de propriedade que encerra sobreponham-se a explora~ao capitalista, su- perem a explora~ao, ao indicar a possibilidade do trabalho comunitariq em grande escala, como saida que preserve e amplie as vantagens sociais da terra de trabalho, da utili- ~ zac;aonao capitalista da terra. V rn(1P.J(;NJ 15·J.e .r. roa-; J~ /YvO V~ } ,1t;} 2! Capitulo V A sujei~ao da renda da terra ao capital novo sentido da luta pela reforma agraria * E improvavel que alguem se atreva hoje a escrever ou falar sobre as caracteristicas ou os acontecimentos do mun· do rural brasileiro sem atribui-Ios a expansiio do capitalismo no campo. Esse tern sido uma especie de conceito magico 'que explicaria tudo - seja para 0 economista, seja para 0 soci610go,0 antrop610go, 0 missionario, 0 militante politico, o agente de pastoral, 0 homem comum. Explicaria ate mes- mo fatos opostos entre si, como a preservl:u;ao do cha,l-nado campesinato e a expropriac;ao desse mesmo campesinato. Se os camponeses nao san expulsos da terra, isso e por causa da expansao do capitalismo, se sao expulsos tambem e por causa da expansao do capitalismo. Alguns chegam -\ a falar em penetraciio do capitalismo no campo. Ja os so- lIstfcaa()s falam ern. penetra~ao do modo capitalistade pro- _dY,c;.~o. Parece, as vezes,' que, se empregamos conceitos -con- • Trabalho apresentado no 29 Enconlro Naclonal de GeogQlfla Agrarla. organlzado pela Assocla<;ao de GeograUa Teor4!t1ca e pelo Instltuto de Geocll!~clas e CIl!nclas Exatas da UNESP. em Aguas de SAo Pedro-SP, 1979. Publlcado em Encontro, com a ClvtllzaCiio Brasllelra, n. 22, abril de 1980, p. 199·221.

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  • o documento abre uma janela de esperan~a para que aterra de trabalho e os regimes alternativos de propriedadeque encerra sobreponham-se a explora~ao capitalista, su-perem a explora~ao, ao indicar a possibilidade do trabalhocomunitariq em grande escala, como saida que preserve eamplie as vantagens sociais da terra de trabalho, da utili-

    ~ zac;aonao capitalista da terra.

    Vrn(1P.J(;NJ 15J.e .r.roa-; J~ /YvOV~ } ,1t;} 2!

    Capitulo VA sujei~ao da renda da terra ao capitalnovo sentido da luta pela reforma agraria *

    E improvavel que alguem se atreva hoje a escrever oufalar sobre as caracteristicas ou os acontecimentos do mundo rural brasileiro sem atribui-Ios a expansiio do capitalismono campo. Esse tern sido uma especie de conceito magico'que explicaria tudo - seja para 0 economista, seja para 0soci610go,0 antrop610go, 0 missionario, 0 militante politico,o agente de pastoral, 0 homem comum. Explicaria ate mes-mo fatos opostos entre si, como a preservl:u;ao do cha,l-nadocampesinato e a expropriac;ao desse mesmo campesinato.Se os camponeses nao san expulsos da terra, isso e porcausa da expansao do capitalismo, se sao expulsos tambeme por causa da expansao do capitalismo. Alguns chegam

    -\ a falar em penetraciio do capitalismo no campo. Ja os so-lIstfcaa()s falam ern. penetra~ao do modo capitalistade pro-_dY,c;.~o.Parece, as vezes,' que, se empregamos conceitos -con- Trabalho apresentado no 29 Enconlro Naclonal de GeogQlfla Agrarla. organlzado

    pela Assocla

  • sagrados pelo conhecimento cientifico" aquilo que dizemosse torna verdadeiro, correto, profundo. Ocorre, no en~anto,que muitas vezes esse modo de pensar nao leva senao ao~uperfluo e, ate, ao equivocado. "t,> Quando dizemos que as grandes transfo~macoes q.ue .ocor.rem no mundo rural sap devidas a expansao do capltalIsmo,nao estamos mentindo ou falseando a verdade. Entretanto,

    1 estareIn()~ simpli!iQa,ndQdemaisa qUestao se nos limitarmos>.~1aver';nerasrelac;;oes de causa e efeito entre 0 capital e os:/' problemas 'que van surgindo. Desde logo, convam dizer que',{o capitalismo estfi. em expansao tanto no campo _quanto.na cidade, pois essa e a sua lei: a lei da reproducao crescente, ampl1ada. A tendencta do capital e a de tomar co~tQprogressivamente de todos os ramos e setor~s ~a p!oduc;;ao,no campo e na cidade, na agricultura e na mdustna.~O que as pessoas querem dizer exatamente quando falam

    em expansao do capitalismo no campo? Provavelmente,querem dizer tudo. Mas, freqtientemente, que~ quer dizertudo, corre 0 risco de nao dizer nada. No mais das vezes,poram, quando falam na expansao do capitalismo no campo,as ...pessoas (Jll~reIn ,sf;}.referir a duas coisas, pelo menos,co'mbinadas entre si: deum lado, urna massa crescente de.camponeses, isto e, de lavradores autOnomos cuja existen~Ciaest8 baseada estritamente no seu trabalho e no de suafamilia, estaria sendo expulsa da terra, expropriada; de. outro lado, em conseqUencia, essa massa de lavradoresestaria se transformando em mass a de proletarios rurais",detrab.alhadores semJerra. C>principal da expansil.o do capitafismo'ebasicamente isso: - os trabalhadores se transformam em trabailladores livres, isto a, libertos de todapropriedade quenao'geja, a prQpriedade da su~ .f():ca,.~ce,trabalho da sua capacidade de trabalhar. Como J8 nao saopropriet~rios nem dos instrumentos de trabalho nem dosobjetos, das matarias-primas, empregados no trabalho, naotem outra alternativa senao a de vender a sua forc;;a detrabalho ao capitalista, ao patrao. Tornam-se tambam livres,no sentido de que nao estao subjugados por ninguam, pOfurn proprietario de terra ou por um senhor de' escravos.Alem de liyrE;lssao, pois, iguais aqueles que san proprietarios.E nessa relagao de liberdade e de igualdgde que se baseia

    a relaljao social capitalista. Os trabalhadores expropriados

    sap livres para vender 0 que lhes resta, a sua forc;;ade tra-balho, a quem precise compra-Ia, quem tem as ferramentase os materiais, mas nao tem 0 trabalho. Sao i~11.is~Q,g~P!-1'taUsta, ao patrao, no sentido de que umvendee Q outro'Q0Inpra.J()rc;;a(i~,trabalbg, um trabalha e 0 outro paga urnsaliiriopelo ,{;rabalho. A relagao. de,cornpra .~.,.venda s6 podeexistirentrepessoas ..formalm~ilteiguais~ "S6'p'ess'oas' Juri-dicamenfe iguals'-podem' fazer contnltos 'entre si. E porquesan iguais, cada uma delas tern a libe,rdade de desfazer 0contrato quando bem quiser. Isso nao acontecia com 0trabalhador escravo, porque nem era livre para vender asua forga de trabalho a quem quisesse, nem era igual: eleera propriedade de seu senhor; sobre a sua vontade preva-lecia a vontade daquele. ~ntre desiguaisnao ha possibilida-'"de .decontrato, ha domfila:GRo.I 'Por isso, no capitalismo,s6-~"pessoa quem troca, quem tern 0 que trocar e tern liber-dade para faze-Io. A'condigao humana, a condic;;aode pessoa,especifica dessa sociedade, surge da mediagao das relagoesde troca: uma pess0a. somente existe por intermedio deoutra.2 Essa a uma contradigao pr6pria do capitalismo: paraentrar na relagao detroea, cada urn tern que ser cada urn,individualizado, livre e igual a todos os outros; ao mesmatempo, cada urn Dunca e cada urn, porque a eXist~ns.ia dapessoa depende totalmente de todas as outras pessoas, dasrelagoes que cada urn estabelece com as outros. (;ll.dapessoase cria na pessoa do outro.Exatamente por isso a forga de trabalho do trabalhador

    tern que ser trocada pelo salario pago pelo patrao. 0 patraoconverte uma parte do seu capital em salario para pagar a fOf-ga de trabalho do trabalhador. Assim, 0 trabalho e apro~PIill.dopelo capital; e como se fosse uma f()rgado capital e .nao do trabalhador. 0 capitalista compra a forga de trabalhou;lporque ela the tern utilidade: ,a forga de trabalho e a linicadentre todas as mercadorias que pode criar mais valor do1.0 capital como capital nlio existe C'ontraposto a eles (escravos), j4 que a

    rlq1,\eza autonomizada em geral somente exlste seja por melD do trabalho fOr

  • que aquele que ela contem. N6s sabemos que () 0 trabalhocria,v~lor, c~iariqueza, e que esse valor se mede pelo mimerodehorasde trabalho socialmente necessarias a produQao, da mercadoria. Ora, a forQa de trabalho do trabalhador naoe produto de trabalho, do mesmo modo que nao 0 e 0trabalhador. Por isso, 0 val()r elaI>a.rt~trabalhoJ, que the permlte ser tonTe"l1e "valor e de mals valor do que ela pr6prlatern". ~rl Marx, EI Capital, trad. Wenceslao Roces, tome I, Fondo de Cultura Eco-n6m1c,,~~x1co, 1959, p. 144.

  • s6 e possive! na medida em que 0 trabalho, que se mate-rializa nas mercadorias que van produzir 0 lucro do capi

    ..talista, J1parececomo propriedade do capital.Nesse sentido, a riqueza aparece como sendo exatamente 0

    contnirio do .que ela e: 56 0 trabalho produz valor, produz'< riqueza, eo trabalho pertence originalmente ao traba1 lhador; no entanto, a riqueza, 0 capital, aparece nao como\.J>rodutodo trabalho, mas como produto do pr6prio capital.Urn ponto, portanto, essencial par~ 0 entendimento do quee uma rela~o capitalista esta no lato de que essa relagaoe uma rela~ao deexpl()ra~ao baseada nUDla illl15aO~~:::-a--il~~~~_dEC9-iie-riilci ha. exPloraQiio.algWna. Exatamente por

    I '{isso e que os trabalhadores san livres no capitalismo: -eles nao precisam do chicote do senhor de escravos parase submeterem, para entregarem 0 seu trabalho ao patrao;para eles basta a.J.lusa~ d~9-~_=:_~..!:r_()ca.

  • deixa de ser trabaIho individutal para se incorporar ao':'trabalho dos outros e se transformar em trabalho social.(' ~ claro, pois, que a expansao do capitalismo, no campo)ou na cidade, na agricultura ou na industria, depende, em;principio, da separaQao fundamental entre 0 trabalhadorle os meios de prodm;l1o. Sem ela. nl10pode eXistir a. rela.9tiocapitalista.:Urila pessoa nao e capitalista s6 porque tem di-nheiro. Do mesmo modo, nem sempre 0 dinheiro e capital..0 dinheiro s6 e capital e 0 seu proprietario s6 e capitalistaquando aquele e empregado na compra de instrumentos e dematerias-primas por meio dos quais se podera explorar 0 tra-balho do trabalhador, compra da forQa de trabalho parapromover a reproduQao do capital. Quando 0 capitalistapaga 0 seu trabalhador esta empregando capital, mas 0 mes-mo dinheiro nas maos do trabalhador nao e mais capital,e salario, pois a sua funQao ja nao e a de permitir a com-pra, a exploraQao de forQa de trabalho, mas sim a compra

    , de meios de vida necessarios it. sobrevivencia do trabalha-dbr. A maloria dos pesquisadores que tem analisado as questOes do campo no Brasl1 para POl' aqui. Apa.re:ntemente,esta tudo resolvido, mas de fato nao esta.o conhecimento do processo do capital, da forma como

    ele cresce atraves da apropriaQao do trabalho do trabalha-dor, e necessario para que possamos dar 0 passo seguinte.o passo seguinte depende de que tenhamos entendido queo capital,.~ ..p:rQ_a!:llQ.:g~_PJ!.gQ,da conversao emciipitaido trabalho que excede aquele que se materializouem salario. Por isso, e fundamental a c()nstataQaode que o ca

    /pital apareoe C01TW se]osse pro

  • balho qualitativamente diferente dos outros meios de pro-duc;ao.QuaIlc10algtlem trabalha na terra, nao e para produzira terra, mas para produzir 0 fruto da terra. 0 fruto da terraliode ser produto do trabalho, mas a pr6pria terra nao 0 e.A terra nao.pode ser confundida com 0 capital; nao pode

    ser analisada em suas conseqiH~nciassociais, econ6micase politicas como se fosse capital igual aquele representadopelos outros meios de produc;ao. Nesse sentido, ocorre emrelagaoa terra omesmo que ocorre com 0 traba:Iho. Estetamb~mnao e' produto do pr6prio trabalho, nao contemvalor. No entanto, Q capital, monopolizando os meios deprodugao, impede que 0 trabalhador trabalhe POl'sua conta;s6 the resta trabalhar para 0 capital. Assim, atraves da se-paragao radical entre 0 trabalhador e os meios de produ-gao de que ele necessita para trabalhar, 0 capital cria as. condigoes para se apropriar do seu trabalho, para fazer comque 0 trabalho aparega como parte do capital quando e com-prado pelo capitalista. Assim como 0 capital pode se apro-priar do trabalho, tambam pode se apropriar da terra; podefazer com que ela, que nem a produto do trabalho: nem docapital, aparega dominada POl'este ultimo. Mas, assim como~"eapitalista preQi.8.ll.pagarurn salario para se apropriar daforga de trabalho do trabalhador, tambam precisa pagaruma renda para. se apropriar da terra. Assim como a forgade'-fi-abalho' se transforma em mercadoria no capitalismo,taIl1lJe1l!a.terrase traI:lsforma. em mercadoria. Assim comoo trabalhador cobra urn salaria para que a sua forga detrabalho seja empregada na reprodugao do capital, 0 pro-prietario da terra cobra, ,uma renda para que ela possa ser"utilizada pelo capitalou pelo trabalhador.. A tendmcia do capital a dominal' tudo, subordinar todosos setores e rames da produgao e, pouco a pouco, ele 0faz. 86 nao podera faze-lo se diante dele se levantar urnobstacl.llo que 0 impega de circular e dominar livremente,que 0 impega de ir adiante. A..l~IntE;t~ss.~ QQstaculo.. 8emaiicenga do proprietario da terra, 0 capital nao podera subor-dinar a agricultura. Como 0 capital tudo transforma emmercadoria, tambem a terra passa p'or essa transformagao,adquire prego, pode ser comprada e vendida, pode ser alu-

    , do trabalho,. uma vez que a terra nao tl produto do trabalho nem pode, portanto, terurn valor. Por outra parte, per tras desta forma Irraclonal escondese uma relacaoreal de produciio". Karl Marx, ob. clt., tome III, p. 581.

    gada. A licenga para a exploragao capitalista da terra de-pende, pois, de urn pagamento ao seu proprietario. Essepagamento e a renda da terra.E muito freqiiente- que arenda fundhiria seja confundida com 0 aluguel. 0 aluguelapenas expressa, em certas circunstancias, a existenciada renda territorial; e manifestagao exterior; e sinal darenda, mas nao a a pr6pria renda. Contudo, mesma olldea terra nao a alugada; onde .os pr,oprietarios cle"terranao se distinguem de outras classes, a renda fundiaria exis-teCTemhavido uma certa confusao a esse respeito. Algunsautores entendem que essa a uma questao circunscrita arealidade social e hist6rica da Inglaterra, que constituia areferencia mais imediata das analises de Marx n'Q Capital.Isso nao e completamente verdadeiro. Marx esta analisandoo que ele mesmo concebe como situagao chissica e nao comosituac;ao inglesa', em que as pr6prias contradigoes entre aterra e 0 capital devem levar a separagao de urn e de ou-tro~expressos em classes sociais distintas, como adosproprietarios de terra' e ados capitalistas. POI'isso mesmo,a sua analise da renda fundiaria tern poucas referenciashist6ricas, ao contrario do que ocorre com outras passa- Lgens do livro; e uma analise altamente abstrata, baseadaem muitas formulagoes hipoteticas, motivo alias da dificul-dade com que geralmente elida. ,.-o fato de que a terra, atraves do proprietario, se ergue

    diante do capital para cobrar urn prec;o pela sua utilizac;ao,apesar de nao tel' side produzida pelo trabalho humano e,muito menos, pelo trabalho ja apropriado pelo capital, nQsmostra que estamos diante de duas coisas difeI'entes. Umae 0 fato de que a terra nao e capIhil. A outra e a contradigaoque antepoe. a terra ao capital. Quando 0 capitalista pagapelautilizagao da terra, esta, na verdade, convertendo umaparte do seu capital em renda; esta imobilizando improdu-tivamente essa parte do ca.pital,.unicamerite pc5rql1eesse a 0prego para remover oobsbiculo que a propriedade fundia-ria representa, no capitalismo, a reprodugao do capital naagricultura. Essa imobilizagao a improdutiva porque ela6.~ na Inglaterra, indiscutivelmente, onde mais desenvolvida se acha na forma

    mals classica a sociedade moderna, em sua estruturaciio econ6mica. Contudo, nemaqui se apresenta em toda a sua pureza esta divlsiio da sociedade em classes (bur-gueses, trabalhadores Bssalariados e proprietarios de terra). Tambtlm na sociedadeInglesa exlstem fases Intermediarlas e de translCiio que obscurecem em toda aparte (. .. ) as Iinhas divis6rias". Karl Marx, ob. clt., tome III, p. 817.

  • sozinha nao e suficiente para promover a extra~ao de rique-za da terra, para efetivar a produ~ao agricola. 0 capitalistaprecisara, ainda, empregar ferramentas, adubos, inseticidas,,combinados com for~a de trabalho, para que a terra de osseus frutos. Os instrumentos e os objetos de trabalho, alemda pr6pria forc;;ade trabalho, e que sac 0 verdadeiro capital,capaz de fazera terra produzir sob 0 seu controle e domi-\ nio. 0 pagament()da renda da terra representa, pols, urna;;irraciQii3fidade para '0 capital. f Isso nao quer dizer, entre-::taiito,'que a apropriac;;ao da terra pelo capital impec;;aa suautilizac;;aosegundo criterios capitalistas. A subordinac;;ao dapropriedade fundiaria ao capital ocorre justamente paraque ela produza sob 0 dominio e conforme os pressupostosdo capital. A apropriac;;ao capitalista da terra permite jUs-tamente que 0 trabalho que nela se da., 0 trabalho agri~

    Qrdinadoao capital. A terra assim apro-priada opera como se fosse capital, ela se torna equiva-lente de capital e, para 0 capitalista, obedece a criteriosque ele basicamente leva em conta em relac;;aoaos outrosinstrumentos possuidos pelo capital. Ainda assim, 0 fato deque a terra parec;;a,socialmente, capital nao faz dela, efetiva-mente, capital. De fate, 0 que ela produz, do ponto de vistacapitalista, e diferente do que produz 0~g_~:pital.Assim comoeste pr()c:luzl'llC;r() (isto e, a parcela da mais-valia, de riquezaa mais;que 0 capitalista retem), e 0 trabalho produz saldrio,a terrapfQduz rerzd!J,.""Enquanto a mais-valia e extraida do trabalhador pelocapital no pr6prio processo de trabalhd, na pr6pria produ-c;;ao,a renda fundiaria nao e. No processo de produc;;ao,0trabalhador produz 0 seu sallirio e 0 capitalista extrai 0seu lucro. A conversa com 0 proprietario da terra vem de-pois, em separado, nao obstante a sua renda tambem tenhaque sair da produc;;ao.86 que nesta a parte da riqueza queexcede 0 necessario ao pagamento do salario do trabalha-dor e apropriada pelo capitalista, porque ele e 0 proprie-tario do capital, e mais ninguem. Portanto, a renda que to-ea ao proprietario, da terra tera que chegar num segundo mo-mento. Isso ocorrera quando 0 capital the pagar pelo direi-'I. COnslderada do ponto de vista de urna formac;ao econOmica superior da IIOCledade.

    a propriedade de alg\lJ1S indlviduos sabre a terra parecera algo tao monstruoso como apropriedade privada de urn homem sobre seu semelhante". Karl Marx. ob. clt . tomo III,p. '119-'120.

    to de utilizac;;aoda sua terra. Ora, 0 trabalhador produziumais-valia, incrementou a riqueza, para 0 9!lJ>ita!t!:?,t.~:Ql.l~n.j\,do este paga arenda ao proprietario, na() esta produzindojn'ada; esta distribuindo lIma parte da mals-valia que extraira: /~\dQ~,~f3lJstr~1:mlhadoies.Porisso, a renda Capitalis,ta da terr~,h) )nao nasce na produ~iiiJ,inas sim na distribui~ao da mais'\..''''/i~. .Exatamente par isso a agricultura capitalista e diferente

    da agricultura pre-capitalista. Nesta, a propriedade da terrada direito ao seu titular de extrair uma renda diretamenteda produc;;ao,sem a necessidade de intermediarios. E quandoo campones paga ao senhor 0 direito de trabalhar em suasterras com alguns dias de trabalho; ou entao entregando-lhe diretamente uma parte da sua produc;;ao; ou, ainda,convertendo essa parte de. produQ8.o em dinheiro e entre-gando-o diretamente ao proprietario. Nesses trescasos derenda pre-capitalista em trabalho, em espErcle-e'em dinheiro,o-prop:ffo proclutor entrega dtretamente nas maos do pro~pr1etario 0 excedente que este reclama como pagamento "~p~lalltiJi~acaoda terra. Esse pagamento tern 0 carater deum tributo pessoal de cada trabalhador ao senhor de terras;ele e claramente deduzido da produc;;aodo trabalhador. E 0trabalhador quem paga a renda.Com a subjugaC;;aoda terra pelo capital as coisas se mo-

    dificarn~-() excedente que 0 trabalhador entrega ja nao eo objeto que possa ser imediatamente consumido, a nao serna pr6pria produc;ao. 0 excedente e tempo de trabalho; eisso que interessa ao capitalista, porque e 0 trabalho quecria valor. AMm do que, esse excedente nao e entregue aoproprietario da terra e sim ao propriebirio do capital. Edas maos deste que aquele recebera a renda. Entre a pro-duC;aoda riqueza e a sua transformaC;Ro em renda da ter-ra existe a mediac;ao do capital. Por isso, a renda da terratern que se submeter ao dominio e as regras do capital,tern que deixar de ser renda pre-capitalista. Embora 0capital pague uma renda pelalltiliza~ao da .terra:--na"ver:"dade, tambem, 0 proprietario da terra divide com 0 pro-prletario do capital 0 .saque que praticava sozinho contrao~.Jrl!.l;lJ!!hf:l.d,Q:l'~s;isso, porque nao se trata deapropriac;;aoqt.!e,c()mec;acom 0 capital, mas que se transforma com Q~~:' - .

  • Isso nos poe diante do problema de saber quem a quepaga a renda da terra: 0 trabalhador ou 0 capitalista? 0trabalhador troca 0 seu trabalho por salario, supondo queo tempo que trabalha para 0 capitalista equivale ao salarioque recebe; supondo que uma coisa a igual a outra, emborade fate nao 0 seja. Se aceitasse uma dedU
  • res. Essa e a razao, tambem historica, que faz com queambos possam surgir unificados numa linica figura, a dop~.9prietario cle~rra .que'larrlbem e proprietario de capital.

    j Esse .fafo'-n~o'eliiriina-a contradic;;ao entre terra e capital;apenas"a encobre, do meSmo modo que a contradic;;aoentreo trabalho e 0 capital tern que aparecer encoberta para via-,pJJJzara exploraC;;aocapitalista do trabalhador.Esse e 0 motivo pelo qual quando 0 capitalista compra

    a terra nao e porque esteja, como urn senhor feudal, inte-ressado na terra em si: 0 que ele efetivamente compra e arends ds terra, 0 direito de se assenho:r,ea.r.de urna parte damats-valia 'social:N':e!3e=sentldo,a terra' tambem e diferente~c>.c:apital.Mesmo 'que 0 proprietario nao ponha a sua terrapara trabalhar, ainda assim ela lhe dara direito de se apro-prtl:!ord.13llJ:Ilaparte. da riqueza sociaimente produzida.I,Quando0 proprietario diz que a sua terra esta "valorizando"ele denuncia exatamente 0 carater irracional da propriedadefundiaria: como pode a terra valorizar-se se ela permanece, improdutiva, se ela nao incorpora trabalho, se nao devol-ve produtos? Isso s6 pode acontecer se ~Q.._'[email protected]'oprieda.denao precisa ser feito necessariamente!ia Ilropriedac:ie.A medida que cresce a necessidade de fru-toir'da;-ferra" para alimentar 0 povo, a medida que a terraja trabalhada e insuficiente para atender essa necessidade,~.y~l()r ..

  • extrair mais-valia, a sua capacidade de se apropriar de trabalho nao pago. Quando a terra e concentrada, ela nao aumen-

    . ta em nada a capiicidadedeproduC;ao do trabalhador nema capacidade do capitalista extrair mais-valia do trabalhoagricola. Ela aumenta, no entanto, a capacidade do pro-prietario se apropriar da mais:vlllia social que em partedevera ser distribuida aos pr'oprIetarios de terra pelo sim-ples fato de 'que sac propriebirios privados.Essa capacidade dos proprietarios nao precisa ser exer-

    cida de imediato, mediante 0 aluguel da terra, mediante 0recebimento parcelado da renda territorial. Ela pode serexercida de uma vez, mediante a venda da terra, frequente-mente mediante 0 parcelamento da grande propriedade, dogrande monop6lio de terra, para venda de lotes agricolasaOs pequenos produtores, aqueles que, nao sendo capita-listas, sac trabalhadores que fazem a terra produzir riqueza.E isso que esta acontecendo hoje no norte do Mato Grossoe ja aconteceu em outras regi5es. Imensos latifundios cons-tituidos ha dez anos ja previam e executam agora a colonizac;aoparticular, mediante a venda de lotes familiaiI'esa pe-quenos produtores agricolas do SuI, fazendo agora de umas6 vez a metamorfose da renda capitalizada em capital,cobrando a renda de uma s6 vez, parade uma s6 vez re-verte-Ia a condic;ao de capital. 0 que temos af e 0 capitalistarevelando a sua face ocultada pela condiC;aode proprieta-rio. Vemos tambem que 0 capital concentrado nao, e incompativel com a propriedade divldida; esta ate pOde ser con

    I diC;aodaquele. E por isso tambem que a ~!~rI1'l;l3:..~f:p::a..Iia.,! gistr!butiyista, do tipo.que se pregou no Brasil de antes de"\ 1]6{.e,qitese recomeQa apregar agora, nao causa, em prin, \cipio, nenhuma infelicidade ao capitalista, desde que asi~~p..!'QPrl~c;;Qes~ejampagas, e emdinheiro, a vista. A grandecontroversia quanto a reforma agraria, antes do golpe deEstado, nao era quanta a faze-la ou nao. Era quanto aforma de pagamento. De urn lado, os capitalistas e proprie-tarios reivindicavam pagamento em dinheiro; de outro, osinteressados na reforma distributivista queriam' 0 paga-mento em titulos da divida publica resgataveis a longo prazo.o processo de concentrac;ao ou de divisao dapropriedade

    da terra nao e a mesma coisa que 0 processo do capital, em-bora seja determinado por ele oa sociedade capitalis~. A

    propriedade fundiaria nao se concentra ne~ se divide se;na mediagao do capital. Por todas essas razoes, a terra r:aoe no capitalismo unicamente Urn instrumento de p.r,o~uc;ao.Se me limito aver na chamada estrutura fundlana, nadistribuigao da terra em propriedades grandes, medias epequenas, apenas quantidades, mais concentragao f~ndiaria,menos 'COIlCentrac;ao,estou venda 0 superfluo, nao esteuvendoo-~sseitcial. Nao 'estou venda que por tras de diferen-'iestamanhos de propriedade, de diferentes quantidades,e:x:istem.situagoes.e relac;6es de qualidades d1ferentes. Apropriedade da terra no capitalismo nao e, como ~arece,apenas urn dado, urn numero, urn tamanho . .4.".l!,[QJJn?cd

  • " Entendo que justamente a tendencia corrente de ver nas;,'rel~oes desta sociedade apenas 0 revelado, 0 transparente,e de nao ver, ao mesmo tempo, aquilo que fica necessaria-mente oculto nessas relaQoes, aquilo que permanece opaco,e urn dos fatores. que levam aver pre-capitalismo ...onde ele
  • relacao de producao 110 processo de producao, a nossa ten-dencia sera considerar a propriedade da terra como umaanomalia que poderia ser repelida pela simples extensao derelacoes capitalistas de produQao ao campo. 0 capital deve-ria. substituir .a propriedade da terra. A partir desse pontode vista err6neo, a propriedade da terra e a forQa sociale politica que ela tern, aparecerao diante dos nossos olhoscomo expressao de uma realidade que nada tern a ver como capitalismo; elas nos parecerao os fundamentos de outromodo de produQao, feudal ou precapitalista, que resiste aocapitalismo e que, por isso, precisa ser removido.Mas a contradiQao representada pela terra nao e deste

    Ultimo tipo, nao e de "fora" do capitalismo; e contradicaoiJ:~terna,constitutiva do pr6prio modo capitalista de produ-cao. Claro que ela representa uma irracionalidade diantedo capital. Masessa ..contradicao somente sera resolvidaQ9l!!O; a.-YflI1CO.do. ?r6prio :processo do capital, separando,'_como flguras hlst6ncas, 0 capitalista e 0 proprietario levan-do a. nacionalizacao da propriedade. El;J. nao e' ent~etanto._a contradicao fundamental. A c9ntradi~ao fundamental eque a produg8o da r~q~eza e socializada pelo ca~ital, eso?ial, e a sua apropnacao e privada: 0 burgues e' 0 propnetario da terra s~ apropriam dessa riqueza. Portantoa questao da propriedade capitalista, e da exploracao qU~ela viabiliza, se resolvera quando se resolver essa contra-'dicao fundamental. Nao posso, nesse plano, dissociar aterra e 0 capital. A contradicaoentre ambos nao e umacontradiciio da terra, e uma contradi

  • nenhum trabalhador fabrica um produto final, mas em que, cada trabalhador executa apenas um aspecto, um segmentodo trabalho empregado na produeao de um objeto. 0 tra-

    , balhad,rse transforma num trabalhador coletivo; 'cada,individuo e parte desse trabalhador coletivo. Nesse caso- ,o~!?~l!lo deiJC.a.

  • Essa, alias, e a linica maneira de entender 0 porquedo alastramento rapido e violento de confutos pela terraem tOdoopa.Isnos liltimos anos, especialmente nas fren-t~~ pioneir~~: E que 0 posseir9 nao paga renda da terra'ilninguem:-nern como a~nem atraves da compra daterra. E muito significativo que justamente grandes em-presas capitalistas e nao rudes senhores do sertao estejamenvolvidos nesses confUtos. Enguanto 0 lavrador luta pelaterra de trabalho, a grande-empresa capitalista luta pelarenda da terra. .bnde 0 capital nao pode tornar-se proprietario real da

    terra para extrair juntos 0 lucro e a renda, ele se assegurao direito de extrair a renda. Ele nao opera no sentido deseparar 0 proprietario e 0 capitalista, mas no sentido dejunta-Ios. Por isso, comeQa estabelecendo a dependencia doprodutor em relac;ao ao credito bancario, em relac;ao aosintermediarios, etc. E urn fato claro que toda a renda dife-rencial tern side sistematicamente apropriada pelo capitalno momento da circulaQao da inercadoria de origem agri-cola. 0 que hoje acontece com a pequena lavoura de basefamiliar e que 0 produtor esta sempre endividado com 0banco, a sua proprledade sempre comprometida como ga-rantia de emprestimos para investimento e sobretudo paracusteio de lavouras. Sem qualquer alterac;ao aparente nasua condic;ao, mantendo-se proprietario, mantendo 0 seutrabalho organizado com base na familia, 0 lavrador en-trega ao banco anualmente os juros dos emprestimos quefaz, tendo como garantia nao s6 os instrumentos, adqui-ridos com os emprestimos, mas a terra. Por esse meio 0

    ,,-'._- . --" , ,:'-' ,banco extrai do lavrador a renna da terra, sem ser 0 pro-prj~tario dela. 0 lavrador passa imperceptivelmente da con-dic;ao de proprietario real a proprietario nominal, pagandoao banco a renda da terra que nominalmente e sua. Sem 0perceber, ele entra numa relac;ao social com a terra media-tizada pelo capital, em que alem de ser 0 trabalhador etambem de fato 0 arrendatario. Como a sua terra e terrade trabalho, nao e terra utilizada como instrumento de ex-plorac;ao da forc;a de trabalho alheia, nao e terra de usocapitalista, 0 que precisa extrair da terra nao e reguladopelo lucro medio do capital, mas regulado pela necessidade dereposic;ao da forc;a de trabalho familiar, de reproduc;ao' da

    agricultura de tipo campones. Por isso, a riqueza que criarealiza-se em maos estranhas as suas, como renda que fluidisfarc;adamente para os lucros bancarios, como. alimentode custo reduzido que barateia a reproduc;ao da forc;a detrabalho industrial e incrementa a taxa de lucro das gran-des empresas urbanas.A expansao do capitalismo no campo se da primeiro e

    fundamentalmente pela sujeic;ao da renda territorial aocapital. Comprando a terra, para explorar ou vender, ousubordinando a produQao de tipo campon~s, 0 capital mos-tra-se fundamentalmente interessado na sujeic;ao da rendada terra, que e a condic;aopara que ele possa sujeitar tam-bem 0 trabalho que se da na terra. Por isso, a concentrac;aoou a divisao da propriedade esta fundamentalmente deter-minada pela renda e renda subjugada pelo capital. Nessascondi~6es, que divergem neste momenta das condic;6es cllis-sicas de confronto entre terra e capital, as tens6es produ-zidas pela estrutura fundhiria, pela chamada "injusta. dis-tribuic;ao da terra", ja nao podem ser resolvidas por umareform a dessa estrutura, uma vez que nao ha como reformara exploraQao capitalista que ja esta completamente embu-tida na propriedade fundiaria. Uma reforma agraria distri-butivista constituiria, neste momento, uma proposta dessetipo, ou seja, uma proposta inexeqliivel historicamente, comos6 pode ser qualquer proposta que advogue a reforma dascontradic;6es do capital sem atingir 0 capital e a contradi-c;aoque expressa: a produc;ao social e a apropriac;ao privadada riqueza. 0 questionamento da propriedade fundiliria,levado a efeito na pratica de milhares de lavradores nestemomenta, leva-os, mesmo que nao queiram, a encontrar

    . pela frente 0 novo barao da terra, 0 grande capital nacionale multinacional. Ja nao ha como separar 0 que 0 pr6priocapitalismo unificou:a terra e 0 capital; ja nao ha comofazer para que a luta"pela terra nao seja uma luta contrao capital, contra a expropriac;ao e a explorac;ao que estaona sua essencia.