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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS PROGRAMA DE MESTRADO EM CIÊNCIA POLÍTICA JOSÉ CLÁUDIO DA SILVA VASCONCELOS A TRAJETÓRIA DO PT NO PIAUÍ: DA FUNDAÇÃO (1980) À REELEIÇÃO DO GOVERNADOR WELLINGTON DIAS (2006) TERESINA-PI 2010

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS

PROGRAMA DE MESTRADO EM CIÊNCIA POLÍTICA

JOSÉ CLÁUDIO DA SILVA VASCONCELOS

A TRAJETÓRIA DO PT NO PIAUÍ: DA FUNDAÇÃO (1980) À REELEIÇÃO DO

GOVERNADOR WELLINGTON DIAS (2006)

TERESINA-PI

2010

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JOSÉ CLÁUDIO DA SILVA VASCONCELOS

A TRAJETÓRIA DO PT NO PIAUÍ: DA FUNDAÇÃO (1980) À REELEIÇÃO

DO GOVERNADOR WELLINGTON DIAS (2006)

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Ciência Política da Universidade Federal do Piauí – UFPI, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Ciência Política, sob a orientação do Professor Doutor Cleber de Deus Pereira da Silva. Área de concentração: Estado, movimentos sociais, cidadania e comportamento político.

TERESINA-PI

2010

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FICHA CATALOGRÁFICA Serviço de Processamento Técnico da Universidade Federal do Piauí

Biblioteca Comunitária Jornalista Carlos Castello Branco

V331t Vasconcelos, José Cláudio da Silva A trajetória do PT no Piauí: da fundação (1980) à reeleição do governador Wellington Dias (2006) / José Cláudio da Silva Vasconcelos. – 2010.

130 f.: il. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) – Universidade

Federal do Piauí, Teresina, PI, 2010. Orientação: Prof. Dr. Cleber de Deus Pereira da Silva. 1. Partidos Políticos 2. PT 3. Sistemas partidários I Título.

CDD: 324.209 812 2

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JOSÉ CLÁUDIO DA SILVA VASCONCELOS

A TRAJETÓRIA DO PT NO PIAUÍ: DA FUNDAÇÃO (1980) À REELEIÇÃO

DO GOVERNADOR WELLINGTON DIAS (2006)

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Ciência Política da Universidade Federal do Piauí – UFPI, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Ciência Política.

BANCA EXAMINADORA

APROVADA EM 09/07/2010

PROFESSOR DOUTOR CLEBER DE DEUS PEREIRA DA SILVA – ORIENTADOR PROGRAMA DE MESTRADO EM CIÊNCIA POLÍTICA – UFPI

PROFESSOR DOUTOR RAIMUNDO BATISTA DOS SANTOS JUNIOR PROGRAMA DE MESTRADO EM CIÊNCIA POLÍTICA – UFPI

PROFESSOR DOUTOR PEDRO VILARINHO CASTELO BRANCO PROGRAMA DE MESTRADO EM HISTÓRIA DO BRASIL – UFPI

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A meus pais, Maria Margarida da Silva e Francisco das Chagas Xavier.

À minha esposa, Vanilça Batista Soares Vasconcelos; e filhas, Patrícia Pagu

Soares Vasconcelos, Pâmela Lee Soares Vasconcelos e Pandora Gramsci Soares Vasconcelos.

À memória do professor Lino (Francisco de Deus Pereira da Silva), pelas boas

aulas de Inglês e pelas peladas de futebol de salão, até o crepuscular do dia, na quadra do

“Ginásio Sete de Setembro, em Luzilândia-PI”.

À memória de nossa amiga, deputada federal Francisca das Chagas da Trindade,

que nos deixou na “flor da vida”.

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AGRADECIMENTOS

De antemão, meus sinceros agradecimentos ao Professor Doutor Cleber de Deus

Pereira da Silva, pelo estímulo, incentivo, dedicação, compromisso intelectual com que

orientou este trabalho, além do espírito crítico norteador e pelo empréstimo de vários livros.

Também agradeço ao Professor Doutor Raimundo Batista dos Santos Junior que

deu contribuições relevantes para que eu pudesse delinear meu projeto de pesquisa,

mostrando-se sempre atencioso, mas sem deixar de ser rigorosamente crítico.

Aos professores doutores do Programa do Mestrado em Ciência Política com os

quais assisti às aulas e os quais reverencio: Alan Daniel Freire de Lacerda, Cleber de Deus

Pereira da Silva, Ricardo Alaggio Ribeiro e Valeriano Mendes Ferreira Costa.

Aos assistentes da Coordenação do Mestrado: Amaury de Sousa Assunção e

Evaldo José Val de Melo, sempre cordiais no trato com a gente.

À Professora Doutora Arleth Santos Borges por ter-me ofertado o seu livro “PT

Maranhão (1980-1992): origens, organização e governos municipais”, relevante para minha

pesquisa. E, além disso, ajudou-me a desenhar melhor o projeto de pesquisa, juntamente com

a Professora Doutora Ana Beatriz Martins dos Santos Seraine, a quem também agradeço

muito por suas contribuições.

Agradeço, ainda, a todos os meus colegas de curso com os quais tenho convivência

amigável e prazerosa. Conhecê-los foi um privilégio. E, em especial, refiro-me em particular

aos prestimosos Sara de Sousa Fernandes Epitáfio e Victor Eduardo Veras de Sandes Freitas –

sociólogos brilhantes – que sempre estiveram a serviço de todo o grupo e dos quais tive ajuda

material e intelectual.

Meus agradecimentos também vão para os seguintes professores: Mestre Orlando

Maurício de Carvalho Berti e Especialista José Américo Lima de Abreu, profissionais com os

quais trabalhos na Universidade Estadual do Piauí – UESPI; e ao Especialista Franklin Costa

de Lira, Ajury Dias, José Robevaldo Andrade de Souza (o Baiano), José Gérson Santos

Araújo e Geraldo Gomes de Oliveira (o GG), pela amizade, ajuda material e intelectual.

Também agradeço ao Osvaldo, Sebastião Fernandes de Sousa, e José Medeiros

Fortes, o Zezinho, que sempre me confiaram o material xerocado.

Ao meu cunhado, Ivael Aguiar Barbosa, que nos conduziu de Luzilândia a São

João do Arraial; e a meu irmão, Robert Baden Powell da Silva Vasconcelos, que patrocinou a

viagem.

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A todos os meus irmãos (Heloísa, Rose Mary, Jesus, Robert, Tânia, Solange e

Júnior), cunhados (Manoel, Antônio, Chico Evilásio – em memória, Socorro, Cláudio Lisboa,

Marinete e Ivael); além de tios, primos e sobrinhos.

Aos meus amigos da Revista Energia Legal e de vida: Alcides Amorim, Francisco

do Nascimento Araújo (a este também devo o suporte em Inglês), Gabriel Archanjo, Hélcio

Ferreira de Sousa, José Lima da Silva, Laércio José Costa Damasceno e Sérgio Fontenele.

Agradeço, ainda, ao Francisco de Sales V. Sousa, atual presidente do Diretório

Municipal de Teresina do Partido dos Trabalhadores – PT; aos auxiliares administrativos do

Diretório Municipal de Teresina, Valmares de Sousa Lima, e da Secretaria de Organização do

Diretório Regional do PT, Anísio Alves Pereira; pela paciência, cordialidade e compromisso

com que todos me trataram e disponibilizaram os documentos do partido.

Enfim, agradeço a todos os entrevistados referenciados na subseção “Entrevistas”,

contida na secção “Fontes consultadas”, desta pesquisa e ao Tribunal Regional Eleitoral –

TRE, seção do Piauí, que nos forneceu documentos relevantes para a realização deste

trabalho.

E, especialmente, acima de todos nós e de tudo, agradeço a Deus; porque sem Ele

a gente “nada seria” e isso tornaria impossível “remover a pedra do meio do caminho”.

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“Aqueles cujo pão já está seguro, e que não estejam sob favores dos homens de poder, ou de instituições de homens, ou do povo, não têm nada a temer da confissão aberta de quaisquer opiniões, mas de serem mal interpretados e mal falados, e isto não deve requerer um modelo muito heróico para torná-los capacitados a conduzir-se”.

Stuart Mill

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RESUMO

Esta pesquisa busca demonstrar como se processou a trajetória do Partido dos Trabalhadores –

PT, no Piauí, desde a fundação em 1980 à reeleição do governador petista Wellington Dias

em 2006. Também se busca detectar que mudanças o PT promoveu para se tornar competitivo

eleitoralmente e se essas mudanças implicaram a ruptura com o projeto de identidade

ideológica defendida quando de seu surgimento. Desse modo, far-se-ão comparações do PT

com ele mesmo dentro de certos momentos de sua própria história, ressaltando-se também o

PT em nível nacional. A pesquisa é um estudo de caso em que se aplicará o método

qualitativo, utilizando-se das pesquisas bibliográfica e documental, com realização de surveys

por entrevistas, análise de documentos produzidos pelo PT, além de dados do TSE e TRE-PI.

A hipótese levantada é a de que o PT – à medida que foi crescendo, a ponto de obter

densidade eleitoral – também foi realizando mudanças em relação a programas, a critérios de

alianças e ao discurso, o que o distanciou do modelo de partido de massas, aproximando-o

dos modelos de partido catch-all e de cartel. A hipótese se confirmou. O PT mudou tanto que

parece que “desconstruiu a própria identidade ideológica partidária”, burocratizando-se e

sendo mais pragmático, vítima da “lei férrea da oligarquia” que tanto advertiu Michels (1982).

Palavras-chave: partidos políticos; sistemas partidários; e democracia.

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ABSTRACT

This research seeks to detail the history the Partido dos Trabalhadores – PT (Workers’ Party)

in Piauí state from its foundation in 1980 to the reelection of PT Governor Wellington Dias in

2006. It also seeks to point out the changes made by PT in order to become electorally

competitive and whether those changes provoked a rupture with the ideological identity

project advocated by the Party at the time of its foundation. Thus, comparisons will be made

between PT and itself in different moments of its history, also making reference to PT at

national level. The research is a case study in which the qualitative method was applied,

making use of bibliographic and documental reviews and surveys by means of interviews,

analysis of documents produced by PT as well as of data from TRE-PI (local Electoral Court).

The hypothesis proposed is that PT – as it grew up to the point of obtaining a high electoral

density – was also making changes concerning political projects, alliance criteria and speech,

distancing itself from the mass party model and becoming ideologically closer to the cartel

and catch-all party models. The hypothesis was confirmed. PT has changed so much that it

seems to have deconstructed its own ideological identity, becoming more bureaucratic and

pragmatic, a victim of the "iron law of oligarchy", warned against by Michels (1982).

Keywords: political parties; party systems; and democracy.

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LISTA DE TABELAS E QUADROS

Tabela 2.1 65 Eleições para governador nos estados do Ceará e Alagoas: 1986 Tabela 2.2 67 Desempenho do PT em eleições municipais e estaduais para o Poder Executivo em todo o Brasil: 1982-2006 Tabela 2.3 68 Desempenho do PT em eleições municipais e estaduais para o Poder Legislativo em todo o Brasil: 1982-2006 Tabela 2.4 69 Desempenho do PT em eleições para a Presidência da República: 1989-2006 Quadro 3.1 79 Primeiros vereadores eleitos pelo PT-PI em eleições municipais de Esperantina: 1982 Tabela 3.1 80 Desempenho do PT-PI em eleições para a Câmara Federal: 1982-2006 1 Tabela 3.1 82 Desempenho do PT-PI em eleições para o Governo do Estado: 1982-2006

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LISTA DE SIGLAS

ABC – Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano

ABCD – Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano e Diadema

ABI – Associação Brasileira de Imprensa

AI – Ato Institucional

ALEPI – Assembleia Legislativa do Piauí

ARENA – Aliança Renovadora Nacional

CCHL – Centro de Ciências Humanas e Letras

CEBRAP – Centro Brasileiro de Análise e Planejamento

CEBs – Comunidades Eclesiais de Base

CEDEC – Centro de Estudos e Cultura Contemporânea

CEPAC – Centro Popular de Ação Cultural

CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

CONCLAT – Confederação da Classe Trabalhadora

CPT – Comissão Pastoral da Terra

CSU – Centro Social Urbano

CUT – Central Única dos Trabalhadores

DEM – Democratas

FAMCC – Federação das Associações de Moradores e Conselhos Comunitários

FHC – Fernando Henrique Cardoso

FMI – Fundo Monetário Internacional

IBAD – Instituto Brasileiro de Ação Democrática

IPES – Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais

IUPERJ – Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro

LOPP – Lei Orgânica dos Partidos Políticos

MDB – Movimento Democrático Brasileiro

OAB – Ordem dos Advogados do Brasil

PAN – Partido dos Aposentados da Nação

PCB – Partido Comunista Brasileiro

PCdoB – Partido Comunista do Brasil

PDC – Partido Democrata Cristão

PDS – Partido Democrático Social

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PDT – Partido Democrático Trabalhista

PED – Processo de Eleição Direta

PFL – Partido da Frente Liberal

PGT – Partido Geral do Trabalho

PI – Piauí

PIB – Produto Interno Bruto

PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro

PMN – Partido da Mobilização Nacional

PPR – Partido Popular Republicano

PPB – Partido Progressista Brasileiro

PP – Partido Progressista

PPS – Partido Popular Socialista

PRB – Partido Republicano Brasileiro

PRN – Partido da Reconstrução Nacional

PRONA – Partido de Reedificação da Ordem Nacional

PRP – Partido Republicano Progressista

PRTB – Partido Renovador Trabalhista Brasileiro

PSB – Partido Socialista Brasileiro

PSC – Partido Social Cristão

PSD – Partido Social Democrático

PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira

PSL – Partido Social Liberal

PSOL – Partido Socialismo e Liberdade

PST – Partido Social Trabalhista

PSTU- Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado

PT – Partido dos Trabalhadores

PTB – Partido Trabalhista Brasileiro

PTC – Partido Trabalhista Cristão

PTdoB – Partido Trabalhista do Brasil

PTN – Partido Trabalhista Nacional

PTR – Partido Trabalhista Reformador

PV – Partido Verde

RJ – Rio de Janeiro

RU – Restaurante Universitário

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TRE-PI – Tribunal Regional Eleitoral, secção Piauí

TSE – Tribunal Superior Eleitoral

UDN – União Democrática Nacional

UNE – União Nacional dos Estudantes

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 16

CAPÍTULO I

1. PARTIDOS POLÍTICOS, SISTEMAS PARTIDÁRIOS E DEMOCRACIA ............. 20

1.1. Partidos políticos: crises e desafios................................................................................ 22

1.1.1. Modelos de partido..................................................................................................... 26

1.2. Partidos políticos e sistemas partidários......................................................................... 31

1.3. A democracia representativa.......................................................................................... 37

CAPÍTULO II

2. PARTIDOS POLÍTICOS E SISTEMAS PARTIDÁRIOS NO BRASIL .................... 43

2.1. O regime político-militar: do golpe à abertura política ................................................... 47

2.2. A reimplantação do sistema multipartidário................................................................... 51

2.3. O surgimento do PT e a identidade ideológica ............................................................... 54

2.3.1. Antecedentes .............................................................................................................. 54

2.3.2. Gênese ....................................................................................................................... 56

2.3.3. Organização ............................................................................................................... 57

2.3.4. Identidade ideológica ................................................................................................. 60

2.4. O PT no cenário político nacional.................................................................................. 62

2.4.1. Transformações: ruptura das singularidades................................................................ 62

2.4.2. Desempenho eleitoral ................................................................................................. 66

CAPÍTULO III

3. A TRAJETÓRIA DO PT NO PIAUÍ: DE 1980 A 2006................................................ 72

3.1. Origem e organização.................................................................................................... 72

3.2. Os encontros estaduais .................................................................................................. 75

3.3. Bandeiras de lutas, identidade e discurso partidários...................................................... 76

3.4. Desempenho eleitoral .................................................................................................... 78

3.4.1. Participação na esfera do Poder Legislativo ................................................................ 78

3.4.2. Participação na esfera do Poder Executivo.................................................................. 81

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3.5. O PT-PI sob a perspectiva dos atores políticos petistas .................................................. 84

3.5.1. Procedimentos metodológicos .................................................................................... 84

3.5.2. Justificativa para a exclusão de petistas da amostra..................................................... 86

3.5.3. O PT-PI segundo sua própria ótica ............................................................................. 86

3.5.4. Análise das entrevistas: a relevância dos dados......................................................... 101

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 106

FONTES CONSULTADAS ............................................................................................. 111

APÊNDICE ...................................................................................................................... 117

ANEXOS .......................................................................................................................... 118

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INTRODUÇÃO

Nesta pesquisa, busca-se exarar a trajetória do Partido dos Trabalhadores – PT,

tentando compreender os avanços e os refluxos por que passou, historicamente, essa

agremiação partidária no contexto do Piauí, um dos Estados mais pobres da União, não só

fortemente marcado; mas, sobretudo, arraigado por estruturas oligárquicas de poder durante

séculos1.

O fato é que o Estado do Piauí ainda não se industrializou a ponto de modernizar e

igualar-se a outros do Nordeste. Os grupos que o geriram, nas décadas de 80 e 90, não tinham

como prioridade a modernização da economia e, assim, obras de infraestrutura para alavancar

o desenvolvimento não foram feitas.

A sobrevivência de qualquer partido – independente do contexto em que ele esteja

inserido – constitui-se um desafio, pois depende muito das estratégias por ele adotadas e do

desempenho eleitoral e do capital político acumulados. Os entraves e os embates são diversos

e permanentes nem sempre havendo a certeza de que os resultados obtidos compensaram o

esforço empregado na lida. Para o PT, portanto, isso não poderia ser diferente.

A mobilização dos atores políticos petistas para organizar o PT vem sendo

construída ao longo dos anos e isso tem permitido pô-lo na arena da disputa eleitoral. Mas as

campanhas, cada vez mais competitivas, implicaram o repensar constante das estratégias

partidárias em âmbitos internos e externos. Internamente, o partido foi burocratizando-se e, do

ponto de vista externo, coligações na disputa eleitoral e coalizões na esfera do parlamento e

do governo foram sendo feitas com setores antes combatidos; afetando, de certa forma, a

relação estreita com os movimentos sociais populares que lhe deram sustentáculo em sua

gênese.

Essas transformações, tanto do ponto de vista institucional quanto eleitoral,

levaram o PT a ampliar a quantidade de filiados ao passo que se inseria e participava das

lutas, dentro dos mais diversos tipos de movimentos sociais, principalmente, dos movimentos

estudantis, das associações de moradores e de sindicatos. Porém, para isso, teve que amenizar

a tônica de discurso de esquerda, privilegiando um tom mais moderado e evitando entrar em

questões mais radicais e polêmicas.

1 FREITAS, Vítor Eduardo Veras de Sandes. A lógica da formação de governos no Estado do Piauí de 1987 a

2007. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) – Universidade Federal do Piauí, Teresina, 2010. A conclusão do autor é a de que agremiações tradicionais declinaram, mas outras se desenvolveram, implicando o surgimento de um cenário mais competitivo e, por conseguinte, mais democrático.

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Entretanto, qual é a corrente ideológica que norteia o partido nas lutas sociais, que

o direciona nos debates ocorridos na arena política e que deve conduzi-lo nas gestões de

governo? Afinal, o que é o PT? A que ele se propõe? Os documentos do partido elaborados no

calor de sua fundação – Carta de Princípios e Programa – explícita ou implicitamente adotam

o socialismo, como ideologia de viés marxista.

De acordo com o primeiro documento, prescreve-se:

O Partido dos Trabalhadores defende a volta das empresas estatais a sua função de atendimento das necessidades populares e o desligamento das empresas estatais do capital monopolista. (CARTA DE PRINCÍPIOS DO PT, 1979, p. 5, grifo nosso).

E ainda:

O PT define-se também como partido das massas populares, unindo-se ao lado dos operários, vanguarda de toda a população explorada, todos os outros trabalhadores – bancários, professores, funcionários públicos, comerciários, bóias-frias, profissionais liberais, estudantes etc. – que lutam por melhores condições de vida, por efetivas liberdades democráticas e por participação política. [...] Um partido que almeja uma sociedade socialista e democrática tem de ser ele próprio, democrático nas relações que se estabelecem em seu interior. (CARTA DE PRINCÍPIOS DO PT, 1979, p. 6, grifo nosso).

No segundo documento, consta que:

Nosso partido é diferente porque é democrático: nele, quem manda são as bases. É diferente porque está presente em todas as lutas do movimento popular, em vez de aparecer apenas nas épocas de eleição. É diferente porque respeita e defende a autonomia das organizações populares, garantia maior de sua existência como partido dos trabalhadores. Partido de massas, amplo e aberto, baseado nos trabalhadores da cidade e do campo, o Partido dos Trabalhadores (PT) é diferente também por causa de seus objetivos políticos. Lutamos pela construção de uma democracia que garanta aos trabalhadores, em todos os níveis, a direção das decisões políticas e econômicas do País. (PROGRAMA DO PT, s/d, p.1, grifo nosso).

Em termos oficiais, é isso. Mas esse arcabouço ideológico tem gerado

controvérsias entre as seis tendências que integram o PT-PI, ao longo dessa trajetória de 26

anos de construção, no Piauí. Essas tendências travam um debate interno em que o dilema –

entre a doutrina oficial e as práticas sociais das gestões petistas, em âmbitos nacional e

piauiense – fica clarividente.

Contudo, para Lacerda (2002), esses conflitos existentes e, às vezes acirrados, não

têm afetado a unidade do partido:

[...] Por trás de toda a confusão dos grupos e de seus conflitos, a unidade partidária vem se mantendo ao longo de mais de vinte anos, e pudemos comprovar que o arranjo petista teve papel fundamental para esse resultado. (LACERDA, 2002, p. 70).

E conclui:

A meu ver, o PT é um partido político que desenvolveu historicamente estruturas internas permeáveis à atuação de facções internas e uma particular distribuição de

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preferências ideológicas entre seus filiados. A interação de ambas define o caráter e a intensidade da luta interna petista. [...]. (LACERDA, 2002, p. 72).

Nessa perspectiva, constata-se que – mesmo havendo internamente essa disputa de

discursos, dentre outras – o PT-PI, na maioria das vezes, contou com a coesão dos filiados e

simpatizantes na militância de rua em movimentos sociais populares ou em campanhas

eleitorais. Nas eleições estaduais de 1998, houve um racha nas disputas internas que

extrapolou as fronteiras do partido. As tendências de ideário mais marxista – como

“articulação de esquerda”, “fórum socialista” e “democracia socialista” – foram contra a

coligação entre o PT e o PSDB, em que o PT indicou o candidato a vice-governador. Esses

grupos, liderados por Francisca das Chagas da Trindade, na época deputada estadual e

concorrendo a uma vaga na Câmara Federal, fizeram a campanha dela em um palanque à

parte, sendo a mesma eleita e a deputada federal mais votada no Estado.

O PT é um partido que nasce no bojo das lutas sociais no Brasil e no Piauí. E isso

o torna diferente de outros partidos no contexto do sistema partidário brasileiro. Na análise de

algumas pesquisadoras2, ele é um partido “societário”, constitui-se a “novidade” no cenário

político, tendo em vista que sua formação se dá de forma “extraparlamentar”.3 No entanto,

essas singularidades são relativizadas por Leôncio (1990) ao verificar que instituições de peso

foram decisivas na formação do partido. Por exemplo: citam-se setores da Igreja Católica,

organismos constituídos de intelectuais de renome – como CEBRAP (Centro Brasileiro de

Análise e Planejamento) e CEDEC (Centro de Estudos e Cultura Contemporânea) –, além de

sindicatos oficiais.

Então, o PT é um partido que surge de forma diferente com o intuito de também

ser diferente na forma de fazer política e gerir o Estado, propõe-se a ser uma alternativa de

governo para transformar a sociedade brasileira e, caso do Piauí, promover as mudanças

socioeconômicas que os setores conservadores emperraram.

Mas em 2002, o PT, aliado a outras forças políticas, galga o Governo do Estado,

elegendo inusitadamente José Wellington Barroso de Araújo Dias a governador, o qual é

reeleito em 2006. Assim, cria-se muita expectativa em torno da gestão petista.

Diante disso, a ideia inicial desta pesquisa era trabalhar a seguinte problemática:

“qual o grau de influência do PT na elaboração e execução do programa de governo na gestão

petista?”. Em virtude das dificuldades empíricas para se aferir esse “grau de influência”,

resolveu-se mudar o foco do trabalho.

2 Cf. KECK, 1991; MENEGUELLO, 1989. 3 Cf. DUVERGER, 1970.

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Mantendo-se o PT como objeto de estudo, decidiu-se fazer uma análise da

trajetória do partido no Estado do Piauí, a partir do período de fundação, em 1980, à reeleição

do petista Wellington Dias, em 2006.

Essa escolha se justifica por diversos aspectos. Dentre eles, o fato de que os

trabalhos sobre o PT, em nível nacional, durante ou após gestões petistas em governos

estaduais e na Presidência da República, são raros. Quanto ao Estado do Piauí, acredita-se que

não existe ainda nenhuma pesquisa sobre as gestões petistas. Por isso, crê-se que esta é

pioneira, mas sem a pretensão de esgotar-se o debate em torno do objeto em estudo. Outro

fator relevante é o crescimento eleitoral que essa agremiação partidária vem obtendo a cada

eleição competida.

Nesses 26 anos de existência, o PT ganhou densidade eleitoral. Em sucessivas

eleições, ampliou as cadeiras nos poderes Legislativo (câmaras municipais, assembleias

legislativas, Câmara dos Deputados e Senado Federal), e Executivo (prefeituras, governos

estaduais e Presidência da República).

Então, a hipótese levantada é a de que o PT – à medida que foi crescendo, a ponto

de obter densidade eleitoral – também foi realizando mudanças em relação a programas, a

critérios de alianças e ao discurso, o que o distanciou do modelo de partido de massas,

aproximando-o dos modelos de partido catch-all e de cartel.

Desse modo, o objetivo geral desta pesquisa é verificar como se operou essas

transformações do PT, ou não, em relação a programas, a critérios de alianças e ao discurso ao

longo da sua trajetória, registrando-se o desempenho eleitoral por ele obtido no marco

temporal delineado pela pesquisa: 1980 a 2006.

Quanto à estrutura, o trabalho foi desenvolvido em três capítulos. No capítulo 1,

desenvolve-se a fundamentação teórica da pesquisa em que se tentou conceituar e refletir a

cerca dos partidos políticos, sistemas partidários e democracia representativa, tendo como

suporte a literatura internacional e nacional.

O capítulo 2 aborda a questão do sistema partidário brasileiro e a conjuntura

política brasileira, dando-se ênfase sucinta ao período de 1964-1985, período da ditadura

militar, enfatizando o surgimento do PT e seu desempenho eleitoral no cenário nacional.

Por fim, o capítulo 3 trata da trajetória do PT-PI, ressaltando a expansão do partido

no interior do Estado, dando-se ênfase ao desempenho eleitoral do partido nas diversas esferas

de poderes Legislativo e Executivo.

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CAPÍTULO I

1. PARTIDOS POLÍTICOS, SISTEMAS PARTIDÁRIOS E DEMOCRACIA

Os defeitos inerentes à democracia são infelizmente incontestáveis. Não é menos verdade que, considerada como uma forma de vida social, ela constitui ainda dos males o menor.

Robert Michels

As sociedades ocidentais contemporâneas são marcadas, de certo modo, por

alguma forma de estruturação partidária. Isso quer dizer que diferentes sociedades, sejam elas

ou não resultantes do processo de democratização de terceira onda4, são de certa forma

determinadas pelos partidos e sistemas partidários construídos, dentro delas, e que passam a

refletir, não só a estrutura social, mas também refletem as estruturas econômico-culturais e o

processo político que nelas se processam. Sendo fortes ou frágeis institucionalmente, os

sistemas partidários são inerentes para explicarem a consolidação ou a construção de regimes

democráticos. A forte institucionalização é típica de democracias industriais avançadas,

enquanto o baixo grau institucional é determinante de regimes democráticos não

consolidados5.

O atual momento vivido pela sociedade brasileira insere-se na perspectiva do

processo de democratização de terceira onda, visto que o Brasil, que tem tido vários refluxos

no regime político, busca consolidar o regime democrático recém-implantado pela

Constituição de 1988. Nesses vinte anos do novo regime, os partidos e o sistema partidário

têm dado mostra de realinhamento e de maior institucionalização no sentido de, cada vez

mais, manterem a democracia brasileira, o que vem refletindo-se em eleições sucessivas e

periódicas, além do fato de tantos partidos e atores políticos terem respeitado as regras do

jogo; noutras palavras, o resultado advindo das urnas.

Por estabelecer um contraponto a Mainwaring (2001), esta pesquisa trabalha com o

argumento de que partidos políticos importam e, no caso do Brasil, essas instituições vêm

4 A denominação foi dada por Huntington (1994) às democracias surgidas ou retomadas (caso do Brasil) no

período pós-1974 aos nossos dias. Para este autor; “a primeira onda, longa, de democratização” corresponde ao período de 1828 a 1926; enquanto “a segunda onda curta de democratização” abrange o intervalo de 1943 a 1962. As duas primeiras ondas também foram marcadas por duas ondas reversas: “a primeira” abarca o período de 1922 a 1942 e “a segunda” vai de 1958 a 1975. As ondas de democratização são entendidas como a passagem de um número significativo de países aos regimes democráticos, enquanto as ondas reversas significam o retorno de alguns deles aos regimes autoritários.

5 Cf. MAINWARING, 2001.

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emitindo sinais de institucionalização e amadurecimento nas esferas eleitoral, legislativa e

governamental, o que vêm consolidando, também, a democracia brasileira.

O Partido dos Trabalhadores – PT, idealizado no final da década de 70 e

consolidado na década de 80, também se insere no processo de democratização de terceira

onda e constitui o objeto desta pesquisa.

Sabe-se que o PT é o partido que mais tem sido estudado por pesquisadores6 de

diversas áreas. Dentre essas áreas, destacam-se as Ciências Sociais, Política e Jurídica, além

da História e Geografia. Dentre esses trabalhos, destacam-se a dissertação de Mestrado de

Cyro Garcia, na área da História Social, intitulada Partido dos Trabalhadores: rompendo com

a lógica da diferença; e as teses de Doutorado: História de uma década quase perdida (1979-

1989) de Gelsom Rozentino de Almeida; e Uma esquerda para o capital, crise do Marxismo

e mudanças nos projetos políticos dos grupos dirigentes do PT (1979-1998) de Eurelino

Coelho.

Este estudo de caso, a nosso ver, busca contribuir com uma vasta historiografia7

sobre o PT, suporte para o capítulo 2, que põe em evidências as singularidades do partido em

detrimento das transformações operadas pelo mesmo durante décadas de sobrevivência. Se

bem que isso é compreensível já que a maioria dessa literatura tem sido produzida antes de o

partido conquistar o poder nos governos estaduais e na Presidência da República.

Essa vasta literatura especializada sobre o PT – em que se sobressaem pesquisas de

Meneguello (1986, 1989) e Keck (1991) – coloca em evidência a forma de surgimento do

partido. Para Meneguello, o PT surge de baixo para cima, sendo um partido de “caráter

societário”; enquanto Keck ressalta a importância desse partido como sendo ele um

diferencial na construção da democracia brasileira, a partir de sua fundação.

A hipótese que tentaremos verificar é se o PT – à medida que foi crescendo, a

ponto de conquistar vagas nos poderes Legislativo (Câmaras de Vereadores, Assembleias

Legislativas, Câmara dos Deputados e Senado), e Executivo (prefeituras, governos estaduais e

Presidência da República) – realizou mudanças em relação aos programas, aos critérios de

alianças e ao discurso, aproximando-se dos modelos de partido catch-all e de cartel

(conceituados na secção seguinte)8. E isso distanciou o PT do modelo de partido de massas.

Desde seu surgimento, o PT se destacou como modelo alternativo de agremiação

política e uma de suas características marcantes é a ideologia socialista/estatizante. Portanto, o

6 Cf. LEAL, 2005, p. 15. 7 Os trabalhos mais significativos, a nosso ver, serão abordados no capítulo 2. 8 A caracterização mais detalhada dos partidos catch-all e cartel serão abordados na secção “modelos de

partido”.

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PT surgiu com uma postura crítica contundente ao reformismo dos partidos políticos social-

democratas. Como está escrito em seu programa original: “as correntes social-democratas não

apresentam, hoje, nenhuma perspectiva real de superação histórica do capitalismo

imperialista”. Considerando o deslocamento realizado pelos partidos, entre o eixo esquerda-

direita, confira a posição do PT:

Os partidos brasileiros, entretanto, têm sido classificados na dimensão esquerda-direita sem grandes controvérsias entre autores e analistas políticos e também sem que tenha sido travado nenhum debate mais aprofundado sobre os fundamentos desta classificação. A disposição do PT e do PDT na esquerda, PMDB e PSDB no centro, e PDS/PPR/PPB/PP/PTB e PFL/DEM na direita, que costuma ser admitida em estudos de diversas áreas, pode ser verificada nas classificações adotadas por vários autores que se dedicam ao estudo dos partidos brasileiros [...] (TAROUCO, s/d, p. 2)

Nessa perspectiva, os partidos classificados como de esquerda têm princípios

ideológicos mais rigorosos e isso implica regras e normas menos flexíveis para filiação de

novos integrantes e também normas mais severas para formar coalizões com outros partidos

políticos.

Em síntese, o objetivo principal desta pesquisa é verificar como se operou essas

transformações do PT em relação aos programas, aos critérios de alianças e ao discurso

quando da fundação (em 1980) à reeleição do governador Wellington Dias (em 2006), dando-

se ênfase ao seu desempenho eleitoral neste período.

1.1. Partidos políticos: crises e desafios

A literatura clássica aborda os partidos políticos numa ampla perspectiva que

enfatiza a origem e a organização partidárias, o que se verifica em autores clássicos como

Duverger (1970) e Panebianco (2005), os quais nos possibilitam entender melhor o objeto em

estudo: o PT, em seu limiar. Para o primeiro, o desenvolvimento dos partidos políticos está

diretamente ligado à consolidação da democracia e à ampliação do sufrágio popular; enquanto

o segundo privilegia a forma de organização.

Para Panebianco (2005), os aspectos que mais incidem – na ordem organizativa

dos partidos e que explicam sua fisionomia e funcionamento – são sua história de organização

(no passado) e as relações estabelecidas por eles com seus inconstantes ambientes externos.

Ele estabelece uma ligação entre a gênese e o processo de institucionalização dos partidos

políticos. Desse modo:

Os caracteres organizativos de um partido dependem, dentre outros fatores, da sua história, de como a organização nasceu e se consolidou. As modalidades de formação de um partido, os traços que sustentam sua gênese, podem de fato exercer uma influência sobre as suas características organizativas, mesmo depois de décadas.

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Toda organização traz consigo a marca das suas modalidades de formação e das principais decisões político-administrativas de seus fundadores, as decisões que modelaram a organização (PANEBIANCO, 2005, p. 92).

Mas, essa abordagem clássica que se concentra na análise das bases partidárias

entrou em declínio. O modelo de partido de massas, tendo como sustentação apenas uma

classe social, não resistiu às mudanças operadas no contexto das sociedades contemporâneas,

definhando-se nos anos 60.

Muito se falou sobre a crise partidária. Porém, essa crise dos partidos tão

propalada não está claramente diagnosticada, segundo Daalder (2002). Este argumenta que as

análises sobre esse declínio apresentam bastante obscuridade, em quatros pontos por ele

argumentados.

O primeiro deles é o fato de que a rejeição ao partido é decorrente do

prolongamento do autoritarismo ideológico, de um lado, difundido por partido de massas a

partir de seu surgimento até a sua consolidação. De outro, ingênuas crenças democráticas.

Partidos de massa são acusados de serem fortemente ideologizadas “máquinas lutadoras”, buscando sujeitar eleitores e o Estado a uma combinação de dogma e egoísmo elitista. A disciplina do partido é assegurada para destruir as condições de debate grátis que é considerado como o carimbo oficial do sistema parlamentarista. Partidos de massa são pensados em particular para penetrarem além do terreno legítimo de políticas eleitorais competitivas na santidade do Estado, ou é pensado que eles submetem a ordem social para outra visão desejada de colonização (DAALDER, 2002, p 43, tradução nossa).

O segundo a rejeição seletiva do partido e o terceiro a rejeição seletiva dos

sistemas partidários estão entrelaçados: um implica o outro. Neste, há a concepção de que

certos sistemas políticos são melhores que outros; enquanto naquele, alguns partidos políticos

são bons e outros são ruins. Para o autor, a análise é de certo modo subjetiva, pois há

exaltação de uns partidos e sistemas e maldição de outros.

O último argumento revisado é a redundância do partido. Nesta perspectiva, os

partidos seriam fenômenos transitórios decorrentes de um período de estimulação e de

mobilização das massas. De acordo com este argumento, os partidos seriam atores

“descartados” e irrelevantes na democracia, já que diferentes atores e instituições têm

realizado funções que seriam deles.

Para o autor, é aceitável a tese de que outros segmentos da sociedade organizada

exerçam funções que seriam, antes, exercidas ou canalizadas somente por partidos.

Entretanto, isso não justifica a efemeridade das agremiações políticas; pois, mesmo havendo

diversos atores ativos na sociedade, o papel dos partidos políticos continuam sendo

importantes.

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Segundo ele, “parties are losing certain functions, but gaining others”, isso

significa que “partidos estão perdendo certas funções, mas ganhando outras”. Não consiste

apenas em período de crise partidária, mas de um processo em que as organizações

partidárias estão passando por transformações.

Nessa mesma linha, Katz e Mair (2002) apontam para a superação dessa crise dos

partidos presente na literatura em geral, porque ela afetou apenas a relação das organizações

partidárias com a base. Além do mais, o declínio do partido de massas se insere em um

contexto de problemática maior: o declínio das agremiações partidárias em geral.

Os autores partem do princípio de que os partidos políticos contemporâneos estão

passando por um rearranjo, o que reduz em muito o impacto desse declínio. Ou seja, não se

trata efetivamente só de uma crise, mas sim do fato de que os partidos estão perdendo

algumas funções e assumindo outras e, até mesmo, redimensionando suas estratégias. No

passado, o partido de massas galgava subordinar eleitores e o Estado a seus princípios

dogmáticos, concebendo este último como inimigo mais ferrenho, o qual só poderia ser

tratado a sangue e fogo. No contexto do desenvolvimento partidário contemporâneo, os

partidos têm-se afirmado a partir de relações amistosas com o Estado, além de preocupar-se

quase obsessivamente com estratégias de organização interna.

Noutras palavras, o novo arranjo dos partidos – incluindo-se o PT – modificou a

relação entre os partidos e o Estado, o que implicou o redirecionamento do papel das

organizações partidárias. Assim, em um primeiro momento, o partido de massas representava

os interesses da sociedade civil perante o Estado. Superado o predomínio destes partidos

socialista-marxistas, surgem os partidos catch-all que passam a desempenhar a função de

interlocutores entre a sociedade em geral e o poder estatal.

Esta pesquisa trabalha com os conceitos de partidos catch-all e de cartel, na

perspectiva de Katz e Mair (1995), por entendermos que estes autores nos dão subsídios para

melhor compreendermos o objeto de estudo em análise. The catch-all party pode ser definido

como partido pluriclassista, aberto a todos os segmentos sociais, enquanto o partido de cartel

tem sua origem dentro do próprio Estado e também se apresenta difuso do ponto de vista

ideológico. Estes modelos de partidos serão retomados na secção seguinte. Sobre o

surgimento do partido de cartel, os autores assim se expressam:

Conseqüentemente nós vemos o aparecimento de um novo tipo de partido, the

cartel party, caracterizado pela interpenetração do partido e Estado e também pela relação de conluio entre partido. Nesse sentido, este é o momento mais oportuno para falar do surgimento de cartel parties, uma vez que este desenvolvimento depende do conluio e cooperação entre ostensivos competidores, e do consentimento que, se necessário, requer o consenso e cooperação de todos, ou

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quase todos, dos importantes participantes (KATZ; MAIR, 1995, p. 17, tradução nossa).

Montero e Gunther (2002) analisam o declínio dos partidos políticos,

considerando dois prismas. De um lado, velhas concepções e, de outro, novos desafios. De

fato, existe o consenso de que partidos declinaram de forma organizacional. A dinamicidade

de mobilizar eleitores diminuiu, aumentou a distância entre partidos e cidadãos, além de

perderem força como atores fundamentais no processo democrático.

Todavia, em meio a essa crise, compete às organizações partidárias enfrentar

novos desafios. Um deles é o recrutamento de novos adeptos. A inserção da mulher, no

mercado de trabalho e no processo eleitoral, alterou as agendas dos partidos, gerando-se a

necessidade de representação desse segmento.

Os autores afirmam que outros desafios surgiram “as consequences of higher

levels of personal resources possessed by citizens”. Por exemplo, os indivíduos passam a ter

níveis mais altos de escolaridade; outros estão preocupados na obtenção de bens materiais em

contraposição ao ideário de partidos considerados socialistas; e, além disso, os movimentos

sociais conquistam mais espaços na sociedade.

E, ainda, os desafios oriundos do desenvolvimento tecnológico. Os meios de

comunicação de massa passam a ser um novo canal entre cidadãos e líderes partidários. O

eleitorado se informa sobre os líderes sem ter acesso pessoal com os mesmos. A mídia

também permite ao cidadão mais informação de forma direta sem a necessidade de

intermediação dos líderes ou tutores partidários. A mídia acaba com o monopólio de voz dos

partidos, em que, antes, somente eles se dirigiam aos seus integrantes.

O fato é que os partidos políticos tiveram que se ajustar a uma série de situações

que foram surgindo. E isso não foi privilégio único das democracias industriais avançadas.

Nessa perspectiva, afirmam Montero e Gunther (2002, p. 5):

Os partidos em novas democracias tiveram que enfrentar um conjunto de desafios [...]. Com “the third wave of democratization”, instituições partidárias têm surgido ou se restabelecido em diversos sistemas políticos que nunca tiveram a tradição de uma democracia estável ou experimentado um verdadeiro governo democrático. (Tradução nossa).

Constata-se que os partidos políticos tiveram que repensar posturas e ações.

Novas demandas foram incorporadas à agenda política. Os partidos passaram a delegar

autoridade a suas instâncias regionais e municipais, descentralizando seu poder central de

mando. Além disso, tiveram que sobreviver enfrentando um dilema: ora desempenhando as

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funções de partidos a fim de consolidar as democracias estabelecidas e ora buscando sua

própria institucionalização como organizações partidárias.

Os partidos políticos não atuam sozinhos, na canalização de demandas do

eleitorado nem são o único elo entre sociedade civil e Estado: outras instituições também

realizam esse papel; mesmo assim, os partidos continuam sendo agentes indispensáveis na

manutenção de regimes democráticos.

Seguindo essa linha de raciocínio, esta pesquisa converge ao argumento de

Corbellini (2005) que afirma ser mais razoável falar em “mudança de paradigma sobre a

natureza dos partidos” ao invés de declínio ou crise. Para ele:

[...]. Ora, a hipótese de um declínio ou crise de partidos políticos coerentemente deveria ser acompanhada justamente da diminuição dessa importância e da substituição dessas organizações por outros instrumentos políticos. Portanto, ao invés de aceitar a tese de um declínio dos partidos, parece-nos mais apropriado trabalhar com a idéia de uma mudança de paradigma sobre a natureza dos partidos políticos, assim como tentar estabelecer uma relação entre a transformação do perfil dos partidos contemporâneos com mudanças no ambiente político e institucional em que eles operam. (CORBELLINI, 2005, p. 26). E ainda: [...]. Dessa maneira, ao invés de um declínio dos partidos políticos nas democracias ocidentais, poderíamos estar assistindo a uma mudança de ambiente que, por sua vez, acaba provocando uma metamorfose no perfil dessas organizações. (CORBELLINI, 2005, p. 28).

Por conseguinte, novos atores sociais que foram surgindo – principalmente, os

movimentos sociais – passaram a exercer papéis que, antes, eram exclusivos dessas entidades

partidárias. Esses movimentos não querem mais ter o partido como único locus de

reivindicação de suas demandas. Noutras palavras, eles romperam o monopólio do partido no

âmbito da participação política. Embora haja mais atores disputando na arena política além

dos partidos, estes ainda desempenham funções significativas na construção e consolidação

da democracia.

1.1.1. Modelos de partido

No contexto dos países norte-europeus, os partidos se consolidaram rapidamente

na década de 20, mais precisamente no entremeio da primeira e segunda guerras mundiais.

Nesse período, os partidos atingiram seu ápice como principais atores sociais na arena da

política, sobressaindo-se os partidos trabalhistas que, bem disciplinados e organizados,

romperam com as fronteiras européias e se consolidaram, também, no Canadá, Austrália e

Nova Zelândia.

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Katz e Mair (1995) analisam quatro tipos de partidos: o partido de elite, o partido

de massas, o partido catch-all e o partido de cartel, sendo que cada um deles surge em um

contexto histórico específico. Passa-se a abordar cada um de forma sucinta.

O partido de elite surgiu e teve seu predomínio no século XIX, precisamente até

1880. Dentre suas principais marcas, está o sufrágio restrito porque só os detentores de posses

votavam, além de ter como meta a distribuição de privilégios para os que compõem ou

aprovam o governo. Outra característica é o fato de não haver limites definidos entre Estado e

sociedade civil.

O partido de massas está ligado aos movimentos operários ocorridos na Europa do

século XIX e predomina até à primeira metade do século XX, perpassando a primeira e

segunda guerras mundiais. Nesse período, houve a emancipação das massas, precisamente da

classe trabalhadora. O partido reivindica reforma social, possui capacidades de representação

e mobilização, além de os próprios membros financiarem as campanhas partidárias, o partido

é societário, tendo raízes profundas na sociedade civil. O partido providencia seus próprios

meios de comunicação já que nem sempre tem espaço nos meios convencionais. Os membros

possuem forte caráter ideológico, o que implica uma identidade com o partido.

Surgido no fim da segunda guerra mundial, o partido catch-all coincide com o

sufrágio das massas, tem efetividade política competitiva e suas contribuições são oriundas de

várias fontes, enfatizam-se os direitos e não as obrigações. Quanto aos meios de comunicação,

o partido concorre para ter acesso aos mesmos, os membros não possuem traços fortes de

identidade, visto que não possui uma classe como base, é aberto a todas.

A denominação de catch-all parties é atribuída a Kirchheimer, segundo os autores

supracitados. Resultantes da atenuação do antagonismo de classe no período pós-guerra, esses

tipos de partido buscam angariar votos nos mais diversos segmentos da sociedade, utilizando

discurso genérico para obterem simpatia nas diferentes classes sociais e, por conseguinte, não

se limitam a posicionamento ideológico polarizado, mas sim difuso, ou seja, eles não têm

como propósito a representação de determinada classe. Desse modo, eles evitam tomar parte

diante de questões polêmicas ou conflitantes. Williams se refere a esse tipo de partido,

afirmando que:

Depois de Kirchheimer, catch-all parties podem ser identificados por sua quantidade tanto quanto pela extensa corrente de partidos atuais, pôr sua busca aos votos ao custo de sua ideologia, por sua moderação e frequentemente inconsistente plataforma partidária proposital para atrair o mais crescente e diversificado eleitorado, e por seu estilo organizacional, isto é da elite dirigida. Estes elementos proporcionam os critérios centrais usados pelos colaboradores desta edição especial para descrever the catch-all party. (WILLIAMS, 2009, p. 539, tradução nossa).

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Kirchheimer (apud CORBELLINI, 2005, p. 22) defendia a tese de que os partidos

de massas da Europa ocidental – também denominados de “partidos de representação de

classes”, “partidos societários” ou “partidos de integração9” – terminavam por se transformar

em catch-all parties e a ocorrência disso colocaria a sobrevivência da democracia em risco.

O argumento de Kirchheimer é de que os partidos de massas, no período do pós-

guerra, passavam por um processo de esvaziamento e de indefinição de seus propósitos. A

competição eleitoral levava o partido a se prender na racionalidade do eleitoral individual. O

arcabouço doutrinário começa ser substituído por “algo vago e difuso”, o que limita a

capacidade da agremiação partidária em construir clivagens no sentido de organizar a vontade

dos eleitores.

Desse modo, os “partidos de representação de classes” vão perdendo o poder de

doutrinamento de seus integrantes. Direcionados a angariar mais votos, eles têm como foco a

competição eleitoral que os leva a dissolução dessas fronteiras ideológicas. Em decorrência

disso, eles se tornam parecidos com qualquer outra agremiação partidária. Ao fomentar esse

processo de desideologização, os partidos passam a propagar temas diversos que possam

atrair camadas amplas do eleitorado.

A respeito desse modelo de partido no Brasil, Mainwaring (2001) constata:

Mas os traços distintivos dos partidos de catch-all no Brasil são a descentralização e o federalismo, a fragilidade organizacional, a reduzida disciplina e fidelidade, e um alto nível de individualismo. Por isso, muitas questões são examinadas com mais propriedade pela ótica do comportamento individual dos políticos. Os partidos em si – com importante exceção das organizações de esquerda – são atores relativamente fracos; os políticos e as facções é que são poderosos. (MAINWARING, 2001, p. 48).

Em relação à importante exceção das organizações de esquerda, Mainwaring

refere-se ao PT (Partido dos Trabalhadores), PCB/PPS (Partido Comunista Brasileiro), PC do

B (Partido Comunista do Brasil) e PSB (Partido Socialista Brasileiro) que, segundo o autor,

estas agremiações partidárias não compõem os partidos catch-all. E, por ser um partido com

certo rigor de disciplina, ele acrescenta a essa lista o PDT (Partido Democrático Trabalhista),

de centro-esquerda.

No Brasil, os partidos catch-all apresentam pouca disciplina, o que se comprova

no fato de os parlamentares não seguirem o voto de liderança nas casas legislativas. A

fragilidade organizacional do partido termina por tornar os parlamentares autônomos, gerando

um baixo grau de fidelidade partidária, levando parte significativa de políticos a trocar de

9 Cf. CORBELLINI, 2005.

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partidos, ações movidas para harmonizarem interesses pessoais e, muitas vezes, para que os

políticos possam-se adequar às oscilações da política.

Para Mainwaring (2001, p. 180), os partidos catch-all brasileiros são fracos. Nas

palavras do próprio autor: “o Brasil é um caso excepcional pela fragilidade de suas

organizações nacionais. A contrapartida dessa fraqueza é a descentralização partidária”. E diz

ainda:

A lógica federalista que norteia a atuação dos partidos e dos políticos no Brasil não tem paralelo no cenário latino-americano. A combinação entre reduzida disciplina, fragilidade, descentralização e federalismo, contribui para a heterogeneidade ideológica dos partidos nacionais brasileiros (MAINWARING, 2001, p. 48).

Parte significativa dos políticos brasileiros vislumbra as agremiações partidárias

apenas como veículo em que se canalizam suas candidaturas e não como instituições às quais

deve lealdade. Certos políticos entram e saem de partidos mais em função de interesses

pessoais, obediência e subserviência ou lealdade a líderes poderosos e não por questões de

programas ideológicos. E como observa o autor:

A propensão dos políticos brasileiros pertencentes a partidos catch-all ao troca-troca de legendas é desconhecida nos outros países desenvolvidos da América Latina, embora haja situações semelhantes no Equador e na Rússia. No Chile, Venezuela, Uruguai, Argentina, Costa Rica e México, as lealdades são fortes e a maioria dos políticos vitoriosos permanece fiel aos seus partidos (MAINWARING, 2001, p. 189).

E acrescenta:

Os partidos catch-all brasileiros dependem fortemente da patronagem e do clientelismo. Vários deles foram criados por líderes governistas por meio da patronagem e de redes de clientela, e sua sobrevivência depende em larga medida da continuidade dessas práticas. Esses partidos geralmente são controlados por líderes governistas que deles se prevalecem para promover seus interesses particulares (MAINWARING, 2001, p. 226-7).

Outro traço marcante dos partidos catch-all brasileiros é o fato de que eles são

mais orientados aos pleitos eleitorais, isto é, suas atividades – exceção feita às exercidas no

Poder Legislativo – são concentradas em épocas em que concorrem a cargos eletivos,

exercendo atividades extraeleitorais esporadicamente. Na acepção de Mainwaring (2001), os

partidos brasileiros integram duas categorias: os de esquerda e os catch-all.

Segundo Tarouco (1999, p. 20) essa concepção de fragilidade do sistema partidário

brasileiro tem um viés clássico que não se sustenta com tanta propriedade em virtude de

pesquisas realizadas evidenciarem outros dados. Nas palavras da autora: “[...] a realização de

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pesquisas e estudos de casos vêm defender a idéia da existência de partidos senão autênticos,

minimamente diferenciados entre si”.

Kinzo (1990) também faz um contraponto a essa visão de indefinição partidária e

instabilidade do sistema político. Em sua pesquisa “O quadro partidário e a Constituinte”, a

autora chega à conclusão de que os partidos são “diferentes entre si” e apresentam “clivagens

político-ideológicas consistentes”.

Outro contraponto é feito por Limongi e Figueiredo (1995) e Figueiredo e Limongi

(1996). No primeiro trabalho sobre a Câmara dos Deputados, os autores concluem que a

fragmentação e indisciplina no Legislativo brasileiro não encontram sustentação nos dados

por eles levantados: o que verificaram foi razoável grau de coesão, disciplina e previsibilidade

no comportamento dos deputados. Na outra pesquisa que tem como foco também o

parlamento, eles inferem que os líderes de partido têm controle sobre a agenda legislativa.

E, por último, o partido de cartel surge no contexto dos anos 70. Também está

ligado ao sufrágio das massas, tem acesso privilegiado aos meios de comunicação, é

relativamente difuso, além de ter subvenção estatal já que é parte do Estado. Os membros do

partido exercem a política como profissão, várias classes compõem o partido e não há ênfase

a direitos nem obrigações.

The cartel parties competem eleitoralmente entre si e, como são dependentes do

Estado, eles deixaram de ser intermediadores eficazes entre o poder estatal e a sociedade civil.

Ao invés de priorizarem reivindicações para setores específicos da sociedade, advogam em

causa própria ou do próprio Estado.

Desse modo, o Estado passa a disponibilizar recursos a esses partidos que também

aumentam seu capital político em virtude dos cargos que ocupam dentro da estrutura estatal.

O Estado passa a ser um locus privilegiado de reprodução partidária de onde os partidos

retiram emolumentos para que eles possam institucionalizar-se e sobreviver politicamente,

segundo Corbellini (2005).

Essa ideia é também defendida por Meneguello ao afirmar que:

“[...] as relações entre os partidos e o Estado estabelecem um importante locus de sustentação e de legitimação dessas organizações, e vêm promovendo uma significativa alteração no seu perfil em direção à redefinição de suas funções. (MENEGUELLO, 1998, p. 27).

A autora parte do princípio de que a análise do comportamento eleitoral dos

partidos não deve ser separada da análise do seu papel desempenhado nos governos. Isso

significa dizer que o fortalecimento dos partidos políticos nas sociedades ocidentais

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contemporâneas não pode ser resultante apenas das relações que estabelecem com os mais

diversos grupos, mas também de sua participação em governos.

Dentro desse contexto, inserem-se the cartel parties que ao exercerem funções

governativas buscam, paralelamente a isso, sua própria legitimação ao passo que utilizam a

estrutura do Estado como fonte de recursos para fortalecer-se como organização partidária.

Assim, the cartel parties distanciam-se cada vez mais dos movimentos da sociedade civil

organizada e estreitam de forma significativa seus vínculos com o Estado.

1.2. Partidos políticos e sistemas partidários

A partir de agora, dá-se ênfase aos partidos políticos e sistemas partidários numa

perspectiva da teoria clássica para que se possa tentar classificar o PT, objeto deste estudo,

dentro de um dos modelos abordados.

Duverger (1970), adotando o critério de origem de cada partido, classifica-os em

dois tipos. Um deles é o partido de origem interna que surgem a partir de grupos de

parlamentares e comitês eleitorais, mantendo-se uma ligação permanente entre ambos. O

outro tipo é o partido de origem externa que são formados a partir de agrupamentos e

associações que não operam na base do parlamento, porém, ligados aos sindicatos e

associações da sociedade civil organizada.

Os partidos de origem interna, como são criados verticalmente no sentido de cima

para baixo, apresentam estrutura interna mais descentralizada; enquanto os partidos de origem

externa apresentam mais centralização visto que são oriundos de base societária, sendo

também mais coesos e disciplinados. Disso, detecta-se que a origem do partido termina por

influenciar sua estrutura e coesão, além de determinar de certa forma sua atuação.

Quanto à forma de financiamento dos partidos, Duverger (1970) aborda dois tipos

de partidos: o de quadro e o de massas. O partido de quadro reúne pessoas ilustres que, além

de preparar as eleições e conduzi-las, também financiam os candidatos. Esses doadores

ilustres são da iniciativa privada que integram o sistema capitalista. O partido de massas

rompe essa lógica e busca outra técnica para substituir o financiamento capitalista:

Ao invés de se dirigirem a alguns grandes doadores privados, industriais, banqueiros, ou grandes comerciantes, para cobrirem as despesas da campanha – o que põe o candidato (e o eleito) na dependência destes últimos – os partidos maciços repartem os encargos por um número tão elevado quanto possível de adeptos contribuindo cada um com uma soma modesta (DUVERGER, 1970, p. 99-100).

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Verificando-se, até aqui, o que se expôs sobre a concepção clássica de partido,

constata-se que o PT se insere no modelo de Duverger no que diz respeito ao seu surgimento

de origem externa e também se adequando ao modelo de partido de massas.

Entretanto, o PT distanciou desse modelo de origem à medida que foi ganhando

competitividade eleitoral, modificando o programa com o qual surgiu, mudando o discurso

(atenuação do tom de esquerda e de radicalização) e, ainda, abrindo o leque para realização de

alianças partidárias em todas as esferas da arena eleitoral: nacional, estadual e municipal.

Ao analisar a estruturação de sistemas partidários em democracias industriais

avançadas, Sartori (1982) leva em conta o critério numérico como dimensão essencial para a

categorização desses sistemas. E, durante muito tempo, esse critério foi preponderante para

classificar ou nomear esses sistemas em modelos unipartidário, bipartidário e multipartidário.

Levado em consideração esse critério, o número de partidos políticos – em

determinada estrutura partidária – é indicador relevante à compreensão do sistema político,

porque a partir disso pode caracterizar-se o poder político em dada sociedade como

fragmentado ou não-fragmentado e disperso ou concentrado.

Mas, considerando-se o número de partidos existentes, é fundamental que se

adotem as regras de contagem visto que operações contábeis não são esclarecidas sem as

mesmas. Nesse sentido, é preciso estabelecer parâmetro para aferir quais os partidos são, de

fato, relevantes para não se deixar cair nas armadilhas de partidos apenas aparentemente

relevantes. Assim, a relevância de um partido vai além da relativa capacidade de distribuição

de poder bem como do valor de posição que possui. Desse modo, o imprescindível não é o

maior percentual de votos ou de cadeiras que ele possa obter, mas sobremaneira a força que

tem para fazer, na acepção sartoriana, pender a balança, considerando a relação

direita/esquerda. Noutras palavras, tal partido é agente capaz de fazer o poder oscilar ora para

o lado da situação e ora para oposição.

Sartori (1982) trabalha com dois sistemas partidários básicos: o competitivo e o

não-competitivo. Como já fica evidente, o primeiro modelo é caracterizado pela competição.

Numa sociedade democrática, as eleições obedecem às regras de competição em que as

cadeiras, parcial ou totalmente, são disputadas por dois ou mais partidos.

A competição é uma estrutura, uma regra do jogo que inclui a competitividade e

vice-versa. Assim, ambas garantem que partidos e candidatos concorram ao processo

eleitoral, usufruindo de direitos iguais. E, de acordo com o modelo de sistema partidário

preponderante, a competição dar-se-á de modo centrífugo ou centrípeto. Assim se expressa

Mainwaring:

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Quando os partidos gozam de legitimidade têm condições de canalizar para a arena eleitoral e política partidária as demandas de interesses antagônicos. Desse modo, podem atenuar e ajustar a agregação e articulação dos interesses societários. Os partidos são os agentes principais da competição pelo poder estatal. Portanto, quando aceitam as regras democráticas do jogo político e incentivam a competição centrípeta, os prognósticos para a democracia são favoráveis (MAINWARING, 2001, p. 44).

Este autor, assim define:

Um sistema partidário, portanto, é o conjunto de partidos que interage de maneira padronizada. Essa noção sugere que geralmente são respeitadas algumas normas e regularidades na competição interpartidária, ainda que contestadas e sujeitas a mudanças. A idéia de sistema também implica a continuidade dos elementos que o compõe. Quando existe uma profunda descontinuidade nesses elementos é sinal de que um sistema novo deslocou o preexistente (MAINWARIN, 2001, p. 54).

Em situações competitivas, é óbvio que predominam sistemas bipartidários ou

multipartidários; ao contrário de sistemas não-competitivos em que se sobressai a

personificação do partido único.

Se levada em conta a tradição de países importantes, e tomando como exemplos a

Inglaterra e Os Estados Unidos da América, dentro de uma perspectiva histórica da tradição

da Ciência Política, o sistema bipartidário é sobretudo um caso de paradigma que serviu como

bússola norteadora para outras sociedades, tanto no contexto europeu quanto da América

Latina. Isso se deve a dois fatores peculiares. Um deles é o fato de que esses países

amadureceram suas instituições políticas, consolidando partidos e sistemas. O outro consiste

na importância econômica e cultural que eles detêm. Sartori (1982) acrescenta a essa lista

mais três países como integrantes desse modelo clássico: Canadá, Nova Zelândia e Austrália.

Mas só a presença de dois partidos não é suficiente para que se classifique um

sistema como bipartidário. O traço marcante é a alternância de poder entre eles. Noutras

palavras,

Se for sempre o mesmo partido que fica no poder, eleição após eleição, temos um sistema de partido predominante, e não um sistema bipartidário. Isso equivale dizer que a alternação no poder é a característica marcante da mecânica do bipartidarismo. Podemos dizer também que “dois” difere de “três” sempre que os terceiros partidos não afetam, em longo prazo em nível nacional, a alternação no poder dos dois principais partidos. (SARTORI, 1982, p. 214-5).

Nesse modelo, é permissível que um partido governe sozinho. Entretanto, isso não

pode ocorrer indefinidamente. A alternação também não deve ser entendida apenas como

ocorrência real, mas como possibilidade possível de acontecer, já que os partidos que

competem entre si ganham ou perdem as eleições, obtendo ou faltando margem pequena de

votos respectivamente, o que significa a existência de possibilidades para que o partido

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derrotado possa galgar êxito em eleições sucessivas. Isso significa dizer o seguinte: tantos o

fato de “governar sozinho” quanto o de “alternação” não podem ser aplicados com pleno

rigor. Como arremata Sartori (1982):

Alternação deve ser compreendida de forma ampla como significando mais a expectativa do que a ocorrência real de rodízio governamental. A alternação significa apenas, então, que a margem entre os dois maiores partidos é pequena, ou que há credibilidade suficiente para a expectativa de que o partido na oposição tenha possibilidade de substituir o partido no governo. (...). Numa interpretação diferente, mais rigorosa, os Estados Unidos – que, na verdade, são, de longe, a mais antiga e mais continuada formação política bipartidária – ofereceriam frágeis credenciais para a inclusão na categoria, pois o padrão norte-americano tem sido, desde 1861, cíclico, com longos períodos de superioridade de um partido. (SARTORI, 1982, p. 215).

Ainda com relação ao padrão do bipartidarismo, poder-se-ia afirmar que esse

modelo se consolidou após o período pós-guerra, precisamente a partir de 1945. E, em síntese,

caracteriza-se por quatros regras, a saber: a primeira é a de que dois partidos se encontram em

condições de competir pela maioria absoluta das cadeiras, a segunda diz respeito ao fato de

que um deles vai obter essa maioria, a terceira consiste na possibilidade desse partido

governar sozinho e, por último, a quarta assegura a possível rotatividade de comando do

poder.

Outro sistema partidário que integra o modelo competitivo é o multipartidarismo,

caracterizado pelo rompimento da lógica do bipartidarismo. Com número de partidos

ilimitados, esse modelo apresenta bastante complexidade, porque as relações entre eles dar-se-

ão nos mais diversos níveis: eleitoral, parlamentar e governamental.

Surgem os mais diversos partidos possíveis, representantes dos mais diversos

segmentos da sociedade. Com certeza, isso não impedirá que haja, entre eles, partidos sem

nenhuma chance efetiva de competição. Entretanto, apenas a existência de vários partidos não

determina, a rigor, que dada sociedade opera na base do pluripartidarismo. É preciso mais que

isso. É pertinente que se tenham regras que garantam direitos iguais de competição na arena

eleitoral. Também não se pode negar que partidos mais amadurecidos e, consequentemente,

mais organizados levam vantagens em relação a outros desprovidos disso.

Em uma sociedade com sistema multipartidário, o poder central não é comandado

por apenas um partido; porque, via de regra, a própria conquista do poder é resultante de uma

política de coligação, o que implica a fragmentação do poder. Nesse caso, não se pode falar de

uma unanimidade, mas de consenso entre os diversos partidos que compõem o jogo. Mas esse

consenso não elimina o pluralismo que permite a coexistência e convivência dos mais

diversos grupos ideológicos, essenciais ao regime democrático.

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Sartori (1982) também define sistemas não-competitivos:

Um sistema é não-competitivo se, e apenas se, não permite eleições disputadas. O importante, é claro, é a situação real, e não jurídica. Qualquer que seja esta, a competição termina e a não-competição começa sempre que os candidatos e os opositores são privados de direitos iguais, sofrem obstruções, são atemorizados e por fim punidos por ousarem manifestar-se (SARTORI, 1982, p. 246).

Diante disso, verifica-se que o sistema não-competitivo é propenso a garantir que

um único partido governe sozinho e por tempo indefinido, além de impedir a alternação

governamental e eliminar os direitos de igualdade aos mais diversos grupos que compõem o

tecido social.

Se a essência dos sistemas competitivos está na competição que implica uma

competitividade das agremiações políticas; de forma similar, a existência do partido único é o

cerne dos sistemas não-competitivos. Esse partido é o único com permissão para existir e,

além do mais, tem poder de proibir, tanto de jure como de facto, qualquer iniciativa ou tipo de

pluralismo partidário. O partido único é típico de sistemas unipartidários que tiveram seu

surgimento no entremeado da primeira e segunda guerra mundial, período correspondente à

primeira onda dos Estados unipartidários, como soviético, nazista e fascista.

Vale ressaltar que, na concepção sartoriana, os sistemas competitivos são

determinantes de sociedades democráticas, enquanto os não-competitivos caracterizadores de

sociedades antidemocráticas. No primeiro caso, esta pesquisa abordou os sistemas bipartidário

e multipartidário; enquanto, no segundo, a abordagem enfatizou o partido único.

Dois outros autores que estudaram o fenômeno dos sistemas e partidos políticos

também merecem destaques. Um deles é Michels (1982) que busca compreender a natureza

sociológica dos partidos políticos, descrevendo etapas e detalhando os aspectos da evolução

dos mesmos, a partir do Partido Social-Democrata Alemão, principalmente.

Michels (1982) constata que o Partido Social-Democrata Alemão sofreu bastantes

mudanças: burocratização e centralização administrativas que terminaram aburguesando o

partido, além do distanciamento entre chefes e militantes. O autor parte do pressuposto de que

há uma “lei férrea da oligarquia”, isto é, todos os partidos ao conquistarem o poder tendem a

ser oligárquicos, inclusive os partidos socialistas, como é o caso do Partido Social-Democrata

Alemão. Nas palavras do autor:

Quem fala em organização fala em tendência à oligarquia. Em cada organização, seja um partido ou uma união de profissões, etc., [...] A organização tem o efeito de dividir todo partido ou sindicato profissional em uma minoria dirigente e uma maioria dirigida (MICHELS, 1982, p. 21).

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Verifica-se, assim, a criação de um corpo burocrático (elite partidária) que se

estabiliza à frente do partido. Isso ocorre como conseqüência do crescimento da organização

que torna a tarefa de administrar mais complexa.

O segundo é Panebianco (2005) que diferencia o partido político de outras

organizações em virtude do “ambiente” em que as instituições partidárias desenvolvem

atividades específicas, pois somente os partidos competem entre si na arena eleitoral para

angariar votos.

Para este autor, a definição de partido está atrelada ao conceito de organizações

que se burocratizam a fim de possibilitar a continuidade das próprias organizações que

necessitam manter a estabilidade da hierarquia interna.

De acordo com Panebianco (2005), a hierarquia entre líderes e seguidores

(militantes, filiados e eleitores) do partido se mantém, embora seja uma relação de

desigualdade em que os primeiros são privilegiados. Mas isso exige que os líderes deem algo

em troca: os incentivos coletivos que estão relacionados à ideologia organizativa do partido e,

portanto, diz respeito à questão de identidade, além dos incentivos seletivos que se

subdividem em duas categorias (material e de status).

Panebianco é o contraponto em relação a Michels e Duverger já que a abordagem

sobre o caráter organizativo dos partidos parece ter ficado parada por bom tempo nestes dois

últimos autores.

[...] não se pode formular nenhuma “lei férrea” da evolução organizativa dos partidos (nem de nenhuma outra organização). Há uma pluralidade de resultados possíveis e, para estes, uma pluralidade de ordens organizativas (PANEBIANCO, 2005, p. 33).

E ainda,

Não existe uma “história natural” válida para cada partido. Descontinuidade, rupturas e mudanças nas mais diversas direções ocorrem e podem ocorrer a qualquer momento (PANEBIANCO, 2005, p. 39).

Na verdade, Panebianco se contrapõe à “lei férrea da oligarquia” de Michels que

adota o princípio de que toda organização partidária é oligárquica e o poder que, nela se

processa, assemelha-se a uma “propriedade”, algo que se possui e se exerce sobre os outros.

Para Panebianco; as relações de poder, dentro da organização, não se operam de forma

absoluta e, além disso, os partidos estão suscetíveis às contínuas mudanças ambientais.

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1.3. A democracia representativa

As estratégias eleitorais dos partidos e candidatos mudaram ao longo do tempo.

Antes, havia um pacto entre partidos que apresentavam programas políticos aos eleitores e

aqueles se comprometiam em cumpri-los, caso galgassem o poder. Com o passar do tempo,

partidos constroem imagens vagas da personalidade de seus líderes. Desse modo, os meios de

comunicação são ferramentas indispensáveis aos candidatos e partidos que buscam a projeção

de suas imagens. Como reflexo disso, aumenta-se a distância entre governo e sociedade.

O governo representativo sofreu relevantes modificações nos últimos dois séculos.

A mais importante delas se refere ao direito de voto, isto é, o direito de sufrágio foi ampliado

significativamente, atingido as camadas populares. A emergência dos partidos de massa foi

outra relevante modificação que ocorreu ao lado da ampliação do sufrágio. O surgimento

desses partidos implicou a elaboração de programas políticos distintos que acirraram a

competição eleitoral. Os partidos de massa influenciaram a relação de representação:

O aparecimento dos partidos de massa e de seus programas veio transformar a própria relação de representação. A existência de partidos organizados aproximava os representantes dos representados. Os candidatos passaram a ser escolhidos pela organização partidária, na qual militantes de base tinham a oportunidade de se manifestar. A massa do povo podia, assim, ter uma certa participação na seleção de candidatos e escolher pessoas que compartilhassem de sua situação econômica e de suas preocupações. Uma vez eleitos, os representantes permaneciam em estreito contato com a organização pela qual se elegeram, ficando, de fato, na dependência do partido. (MANIN, 1995, p. 1).

Com isso, os cidadãos comuns exercem certos controles sobre os representantes

até mesmo fora do período eleitoral e, tendo conhecimento do programa específico do partido,

os cidadãos terminavam de alguma forma dando as coordenadas políticas que a instituição

partidária deveria seguir.

Mas o modelo de partido de massa terminou enfraquecendo-se, a partir dos anos

60, e isso implicou o crescimento dos partidos catch-all e de cartel surgidos na Europa dos

anos 40 e 70, respectivamente. O fato é que os partidos criaram nova ambiência para atuarem,

ampliando os espaços de atuação e buscando atingir um público mais amplo e diversificado,

perdendo assim a dimensão de classe ou o traço de operariado que marcou fortemente os

partidos de massa.

Outro fator importante é a ampliação, cada vez mais, do direito de voto. E esse

sufrágio reivindica novas formas de governo representativo. Para ilustrar, atenta-se para o fato

de que, no Brasil, a Constituição de 1988 estendeu o direito de voto aos analfabetos e aos

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jovens maiores de 16 e menores de 18 anos; embora, no caso dos jovens, o voto seja

facultativo.

Isso implica dizer que as sociedades tiveram de evoluir de uma democracia

direta para a democracia representativa. Na primeira, todo o povo é representado; enquanto na

segunda, só é representada a maioria do povo. Sobre essas formas de democracia, assim se

expressou Mill:

A idéia pura de democracia, conforme a sua definição, é o governo de todo o povo pelo povo todo, igualmente representado. A democracia, conforme comumente concebida e até aqui praticada, é o governo de todo o povo por simples maioria do povo, exclusivamente representada. A primeira é sinônima da igualdade de todos os cidadãos; a última, que com ela se confunde estranhamente, é governo de privilégio, a favor de maioria numérica, que é a única praticamente a possuir voz no Estado. Tal a conseqüência inevitável da maneira por que atualmente se colhem os votos, com a inteira privação do direito das minorias (MILL, 1983, p. 88).

É relevante a contribuição de Mill (1983) sobre o governo representativo.

Entretanto, a análise dele se insere no contexto do século XIX e muitas mudanças

aconteceram de lá para cá: a ampliação crescente do número de eleitores de uma eleição para

outra e o surgimento de novos modelos de partido, como o catch-all e de cartel. Ele defende

que a maioria numérica de eleitores deve ter a maioria de representantes e, consequentemente,

a minoria de eleitores também deve ter a minoria de representantes.

Com o eleitorado cada vez mais crescente, a democracia representativa vai

consolidando-se como forma de governo que atende aos anseios de representação da

sociedade contemporânea, embora se admita uma distância entre representados e

representantes.

Isso é reforçado por Manin (1995) que considera existir um declínio na relação de

identidade entre representados e representantes. Para ele, o eleitorado está deixando de

determinar as políticas públicas, ou seja, o eleitorado está influenciando menos nas decisões

do Estado.

A democracia representativa se fundamenta em alguns princípios que a

determinam. O primeiro deles é que os representantes são eleitos pelos governados visto que

não existe representação se os governantes não forem eleitos pelos comandados em eleições

alternadas.

As eleições periódicas consistem no processo pelo qual os eleitos são escolhidos e

recebem dos governados a legitimação de poder outorgado pelos representados. Desse modo,

a realização de eleições consecutivas espelha o princípio da ciência política moderna de que

nenhum poder delegado a uma pessoa sobre outra é de origem divina ou resultado de

superioridade natural.

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Isso não evita que o governo eletivo seja comandado por elites que se alternam no

exercício do poder. Entretanto, essas elites não exercem o poder porque simplesmente são

superiores aos governados ou porque possuem traços naturais de distinção e sim pelo fato de

terem sido escolhidas pelo direito de votos dos representados.

Quanto maior o número de eleitores, mas difícil se torna a construção de

identidade entre governantes e governados. Além disso, a democracia representativa não

implica que eleitores e eleitos sejam iguais. Os governantes podem ser homens e mulheres

distintos dos eleitores do ponto de vista social, cultural e intelectual; basta, para isso, que os

governados os elejam.

Como o fundamento da democracia representativa é a realização de eleições

repetidas, o conjunto do eleitorado exerce certa influência sobre seus representantes, já que os

representados podem destituir do poder aqueles que não lhes agradaram. Assim, corrobora-se

que o governo eletivo pode ser exercido por elites, mas cabe ao povo decidir, através do voto,

qual elite ele quer no exercício do poder.

Outro princípio relevante é a independência parcial dos representantes. Apesar de

serem eleitos e poderem ser destituídos, de seus cargos quando terminam seus mandatos,

pelos governados; os representantes têm relativa independência para tomar decisões, mesmo

tendo prometido um conjunto de ações durante o período de campanhas eleitorais, até porque

não existe prerrogativa legal alguma que obrigue os candidatos a cumprirem o que

prometeram parcial ou totalmente.

Parece não restar dúvida de que o mecanismo mais incisivo de que dispõe o

eleitorado para ter relativo controle sobre os eleitos é o exercício do direito de voto. Como as

eleições são periódicas e regulares, os governados podem substituir os representantes que não

corresponderam a contento. Mas, às vezes, os governantes tomam decisões diferentes

daquelas prometidas ao eleitorado em função de questões mais emergentes das que foram

acordadas com os eleitores.

A liberdade de opinião pública é um direito fundamental dos governados em uma

democracia representativa. Dessa perspectiva, têm-se dois requisitos para garantir-se esse

direito. O primeiro deles implica que o povo deve ter acesso às informações políticas e às

decisões que gravitam em torno do governo. Isso implica a divulgação dos atos do governo

para todo o povo. O segundo consiste em o povo poder elaborar e expressar opiniões

políticas.

A liberdade de opinião pública pode ser expressa de forma mais diversificada

possível, como por meio da sociedade civil organizada, como associações, sindicatos, outras

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formas de movimentos sociais, passeatas e caminhadas em vias públicas, campanhas nos

meios de comunicação de massa ou não e ações jurídicas (como petições). Essas liberdades se

inserem no campo da política. Associada a elas, encontra-se também a liberdade de religião.

Dessa maneira, os anseios do povo chegam ao conhecimento dos representantes.

Estes não são obrigados a agir de acordo com esses desejos, mas não parece ser de bom senso

ignorá-los totalmente, pois os representantes serão submetidos ao teste da reeleição.

Desconsiderar a vontade popular pode significar destituição do próximo mandato ou o fim da

carreira política.

Por último, a democracia representativa deve fundamentar-se também no seguinte

preceito: decisões políticas tomadas após debate. É claro que muitas decisões do parlamento

nas sociedades ocidentais são resultantes de acordo entre as bancadas de partido e não,

necessária e obrigatoriamente, de aprofundados debates entre elas.

Mas, é fato afirmar: a idéia de representação esteve sempre ligada à idéia de

discussão, desde as origens do governo representativo. E as instituições de representação não

têm outra função a não ser a de debater as questões em demanda, ou seja, a razão de ser do

Poder Legislativo é o debate, embora se saiba que galgar um acordo que expresse todas as

vontades seja praticamente impossível, o que não impede obter-se um resultado próximo

disso: acordos oriundos do consentimento da maioria em debate.

Ao abordar a democracia representativa, Hirst (1992) enfatiza os limites ou

contradições dessa forma de governo. Ela limita a influência do povo no processo de tomada

de decisões. Segundo ele, o fascismo e o marxismo-leninismo tinham como espinha dorsal

uma crítica veemente à democracia representativa que era concebida como resultante do

liberalismo burguês, já que o socialismo real tinha sido implantado, no Leste da Europa, no

período pós-guerra de 1945.

Contudo, com a descrença nas ideias fascistas e marxista-leninistas, a partir dos

anos 60, inicia-se a reivindicação de uma democracia participativa e direta ao invés da

representativa. Desde então, a própria esquerda (partidos comunistas europeus) começa a

render-se à democracia, concordando com o governo representativo e seus mecanismos de

eleições multipartidárias e eleitorados amplos. Após duas décadas, essa forma de governo

passa a ser legitimada até pelos mesmos atores sócio-históricos que a execravam:

Na década de 1980, a democracia representativa se vê não apenas incontestada, mas estimulada pelos próprios movimentos que antes visavam à sua extinção. Não há forças dignas de crédito empenhadas em derrubar formas de governo ocidentais. A esquerda na Europa ocidental, aí incluídos os grandes partidos comunistas, é quase exclusivamente parlamentar-democrática, aceitando a democracia pluripartidária como uma questão de princípio. Na Europa do Leste, a Polônia e a Hungria

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movem-se cautelosamente rumo ao pluralismo multipartidário. A União Soviética admitiu a necessidade de eleições competitivas e de uma assembléia representativa genuína. Até a brutal repressão ao movimento pela democratização na China veio provar duas coisas: primeiro, o compromisso dos estudantes com as idéias democráticas ocidentais, simbolizadas pela Estátua da Liberdade que ergueram na praça de Tianenmen; segundo, o fortalecimento, na opinião mundial, da idéia de que os estudantes estavam certos em sua luta pela democracia. (HIRST, 1992, p. 7-8).

E mais: A democracia representativa é uma ferramenta tão poderosa de legitimação das ações do governo que nenhum político sério, mesmo que tenha acabado de perder uma eleição, a questionaria. A democracia é um bem inquestionável e a democracia representativa é identificada com a democracia. Contestar o termo dominante é cometer suicídio político [...]. (HIRST, 1992, p. 30).

Porém, o autor prossegue afirmando que “tal contestação precisa ser feita, em

nome da democracia”. Segundo ele, a democracia representativa não é capaz de realizar com

eficiência as tarefas que lhes são peculiares: “supervisionar, limitar e controlar o grande

governo”. Além do mais, o governo legítimo, eleito pela maioria dos eleitores, passa a ignorar

contestações à sua autoridade e dar pouca atenção à pressão pública.

Para o autor, as contradições são evidentes nessa forma de governo. A mais

importante delas se corrobora no fato de que os representados escolhem um político para

tomar decisões por eles, não tendo a possibilidade nem o poder de escolherem as próprias

decisões, pois quem decide é o governo. Do mesmo modo, elegem um parlamentar para fazer

as leis, não podendo elaborá-las diretamente.

Outra diz respeito ao princípio de que leis são universais e não infringem direitos

individuais. A conclusão do autor é de que isso não é amplamente verdadeiro. Desse modo:

Na verdade, a maior parte da legislação consiste na delegação de poderes de decisão e ação a órgãos executivos, que têm o poder derivado de criar leis quando necessário e de administrar uma atividade de um modo que consideram compatível com alguma formulação ampla de objetivos. Menos que normas universais de regulação de conduta, as leis são sanções legais para medidas administrativas específicas. (HIRST, 1992, p. 34).

Por fim, a terceira contradição é que “representação” é um processo circular e não

há mecanismos precisos para aferir se determinado sistema é representativo do povo ou não, a

não ser se for comparado a outro. Para o autor, o que existe de definido são os pacotes de

meios políticos, como sistemas e níveis de votação, mecanismos de determinar distritos

eleitorais, tipos de assembleias e leis de regulamentação de partidos, dentre outros.

Atualmente, a democracia representativa ganhou um novo fórum de discussão: os

meios de comunicação de massa, fortes aliados dos candidatos. Estes se elegem mais em

função de saber usar esses canais do que em função de uma identidade com o eleitorado. A

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imagem positiva da personalidade do candidato veiculada pela mídia pode surtir efeitos

eleitorais mais efetivos do que a campanha feita pelo partido ao qual é filiado. Os candidatos

se comunicam com os eleitores através da mídia, principalmente através do rádio e da

televisão, diminuindo os laços de contato entre partidos e eleitorado.

A mídia reforça traços pessoais do candidato, construindo uma personalidade que

o torna mais aceito pelos eleitores. Com isso, o candidato vitorioso, muitas vezes, é aquele

que se destaca principalmente como um comunicador que domina as técnicas dos meios de

comunicação de massa, utilizando-os a seu favor e não os que apresentaram plataformas de

governos mais consistentes. No entanto, existe outro aspecto da questão: a mídia também

fornece informações muito úteis e necessárias ao eleitorado, tornando-o informado e instruído

sobre a disputa no campo político.

Em síntese, neste capítulo, fez-se uma abordagem dos partidos políticos e sistemas

partidários dentro de um contexto mais amplo, em que se enfatizou a literatura clássica que

sustenta a existência do “baixo grau de institucionalização das agremiações e sistemas

partidários” principalmente nas democracias resultante do processo de terceira onda, como é o

caso do Brasil.

No entanto, acredita-se que essa análise é por demais enviesada, visto que as

instituições partidárias brasileiras têm demonstrado, desde a redemocratização do país,

relativo grau de estabilidade e institucionalização comprovado em pesquisas de diversos

autores – como ( KINZO, 1990; LIMONGI e FIGUEIREDO, 1995; FIGUEIREDO e

LIMONGI, 1996) – com os quais se fez um contraponto a essa abordagem na seção “modelos

de partido”.

Esse debate sobre “partidos políticos e sistemas partidários” continuará também no

próximo capítulo, só que agora a ênfase é dada à sociedade brasileira. No entanto, o PT será a

temática principal a ser abordada no iminente capítulo. Assim, abranger-se-ão o surgimento e

o desempenho eleitoral deste partido no cenário político nacional.

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CAPÍTULO II

2. PARTIDOS POLÍTICOS E SISTEMAS PARTIDÁRIOS NO BRASIL

O Brasil tem 188 anos de história como um país independente. Ao longo desses

anos, tivemos uma sucessão de sete sistemas partidários, além do acúmulo de uma monarquia

parlamentarista e uma república presidencialista. O fato é que mesmo passando de um Estado

unitário à federação e voltando a certo grau de forte centralização, sendo o período mais

marcante o de 1964 a 1985: o que corresponde ao regime militar que, mesmo diante de muitas

adversidades, preservou a forma federativa.

Durante o Império e a Primeira República, o Brasil não criou partidos políticos

modernos, como atestam a existência dos partidos Liberal, de um lado, e o Conservador, de

outro. Embora com outras tonalidades, essa crise do sistema partidário também esteve

presente no período getulista (1930-1945), quando o então presidente Getúlio Dornelles

Vargas abole os partidos e centraliza o poder em suas mãos.

Entretanto, não se pode deixar de frisar que, após a Era Vargas, o país viveu uma

experiência de multipartidarismo no período de 1945-1964. Começada a ditadura militar em

64, foi implantado o bipartidarismo formado pelas agremiações da Aliança Renovadora

Nacional – ARENA, e Movimento Democrático Brasileiro – MDB, sendo este uma espécie de

oposição consentida.

Com o fim da primeira era getulista em 1945, o sistema partidário brasileiro volta

a ser marcado novamente pelo multipartidarismo. Esse modelo – embora mais importante do

que outros modelos, que o antecederam historicamente – não encontrou forças para uma

resistência ante as crises econômica e social, o que o levou a sofrer um agudo processo de

desestabilização até o final dos anos 50.

O fato é que o sistema partidário e os partidos políticos, no contexto da Ciência

Política brasileira, ainda estão em fase de consolidação em virtude de ter havido inúmeros

incidentes que interromperam a experiência democrática no Brasil, como a Era Vargas e o

longo período da ditadura militar, já mencionados. Só recentemente, o povo brasileiro

conquistou novamente o direito de voto direto para presidente da República, precisamente no

ano de 1989, após 29 anos de cerceamento desse direito.

É vasta a literatura que vem estudando a experiência partidária brasileira. Muitos

autores, como Ferreira (2002), Kinzo (2002, 2004), Lamounier e Meneguello (1986), Lima Jr.

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(1994), Limongi e Figueiredo (1995, 1999), Meneguello (1998), Nicolau (2004) e Santos

(2001), para citar só alguns, afirmam que o sistema partidário brasileiro ainda é muito recente,

tendo pouco mais de 20 anos, contados a partir da promulgação da Constituição de 1988 que

redefiniu o sistema multipartidário brasileiro.

Segundo Lamounier e Meneguello (1986), o sistema multipartidário de 1945 não

foi imediatamente extinto pelas forças que ascenderam ao poder em 1964, pois esse grupo –

mesmo se autodenominando de revolucionário – preservou a legislação eleitoral em vigor,

além de manter também (em essência) a Constituição de 1946, é claro, com as devidas

modificações para adequá-la ao Ato Institucional – AI, posto em vigor pelo denominado

comando Supremo da Revolução.

Desse modo, permaneceram em atividades os treze partidos existentes na época e a

União Democrática Nacional – UDN, e o Partido Social Democrático – PSD, já tinham

escolhidos seus respectivos candidatos para as eleições presidenciais programadas para

outubro de 1965. Mas, devido aos conflitos existentes entre os antigos líderes civis versus

militares tecnocráticos a serviço do novo regime e, ainda, sob o receio de que parte dos

militares tinha medo de que o poder central poderia voltar ao comando de grupos de esquerda

ou de populistas, os militares tomam a decisão de extinguir o multipartidarismo e implantar o

bipartidarismo que vai perdurar até o ano de 1979.

Para Ferreira, Batista e Stabile (2008), muitos estudos têm sido feitos sobre os

partidos políticos e sistema partidário brasileiros em quase trinta anos de pesquisa,

considerando o ano de 1980.

A agenda de pesquisa relacionada ao tema é bastante diversificada e contempla, por exemplo, estudos acerca das tendências, padrões e dinâmica da competição interpartidária. Um conjunto de pesquisas tem se dedicado ao impacto da legislação e do sistema eleitoral sobre a competição político-partidária e sobre a formação de maiorias ou coalizões governantes. Outras análises têm privilegiado a arena governamental e as relações entre os poderes executivo e legislativo para examinar a configuração partidária brasileira. (FERREIRA; BATISTA; STABILE, 2008, p. 433-4).

E continuam os autores:

A polêmica em torno da fragilidade atávica, sistêmica dos partidos, da fragmentação do sistema partidário e seus impactos sobre a dinâmica governamental pode não ter sido totalmente superada, mas substituída por análises que têm se dedicado a esquadrinhar de forma mais sistemática, e com base em pesquisas empíricas mais abrangentes, a atuação dos partidos políticos e do sistema partidário (FERREIRA; BATISTA; STABILE, 2008, p. 434).

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Como se detecta, na citação acima, parte significativa da literatura brasileira – a

respeito dos partidos políticos e do sistema partidário – analisa-os sob o prisma da fragilidade

e da fragmentação, caracterizando-os como entidades de baixo grau de institucionalização.

Todavia, a experiência mais significativa de multipartidarismo data de 1982,

quando os diversos partidos (velhas e novas agremiações) puderam concorrer às eleições

estaduais, aumentando o grau de competição e de participação, período que coincide com a

redemocratização do país. Como afirmam os autores:

As primeiras eleições da qual participaram os partidos criados após a reforma partidária de 1979 ocorreram em 1982. Esta competição eleitoral demarcou o retorno da disputa direta para os governos estaduais, suspensas desde 1966 (FERREIRA; BATISTA; STABILE, 2008, p. 435).

No decorrer desses 26 anos de sucessivas eleições, constata-se que a experiência

democrática brasileira tem dado sinais de que o Brasil está consolidando as instituições

políticas inerentes para a solidificação da democracia. O sistema partidário vem afirmando o

pluripartidarismo e rodízio de grupos que se alternam no poder é uma realidade. Para Kinzo

(2004), nesse sentido, a eleição (em 2002) de Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos

Trabalhadores – PT, que nunca tinha chegado ao poder central, é um dado relevante, em se

tratando de um líder advindo das camadas populares. Mas a própria autora pondera:

De modo que, a despeito de as eleições do último ano terem sido um marco na consolidação da democracia, o evento democrático que delas resultou – ascensão de um novo governo, apoiado por um partido de esquerda – está longe de significar um passo decisivo rumo ao fortalecimento do sistema partidário. (KINZO, 2004, p. 35).

O que se observa que o tempo ainda é muito pouco para reafirmar a consolidação

em definitivo do sistema partidário brasileiro em mais uma época de multipartidarismo. Assim,

ao tratar do debate sobre partidos políticos e sistema partidário no Brasil, Ferreira traz uma

significativa contribuição:

Outro elemento que deve ser adicionado à discussão é o fato de o atual sistema partidário ser bastante jovem, assim como os partidos políticos que o integram, principalmente se tomarmos como comparação aqueles das democracias ocidentais consolidadas. Logo, é possível pensar que, à medida que o regime democrático esteja consolidando-se, os partidos políticos tendam a institucionalizar-se, de forma a adquirir continuidade e estabilidade, e a constituir-se não só em peça-chave na formação e condução dos governos (nos seus diferentes níveis), como também num elemento de estruturação das preferências políticas (FERREIRA, 2002, p. 43).

Por se tratar de uma experiência muito nova e levando-se em conta a configuração

e o arranjo atuais, ainda é muito cedo para se obter a consolidação das instituições partidárias.

Mas o fato é que os sinais apontados e os resultados colhidos, até aqui, são encorajadores para

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se afirmar que as instituições democráticas no Brasil estão inseridas dentro de um processo

que caminha para o amadurecimento das mesmas, já que o atual sistema partidário brasileiro

tem mantido eleições sucessivas e acirrado significativamente a competição e participação

eleitorais.

Entretanto, não se podem perder de vista inúmeros empecilhos que continuam

limitando essa maturidade do sistema partidário brasileiro. A corrupção, arraigada na postura

de parcela significativa da classe política e difundida pelos meios de comunicação de massa,

ainda é muito proliferada nas esferas dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Outro

fator é o forte personalismo dos candidatos, os quais são mais vistos por atributos pessoais em

detrimento dos vínculos de filiação e compromisso ao partido político a que pertencem. Além

desses dois entraves, a migração partidária no sistema político brasileiro tem sido uma

constante.

Mas, adverte-nos Nicolau:

Não nos iludamos. Parlamentares trocam de partido na vigência do mandato também em outras democracias, portanto essa não é uma singularidade brasileira. Em diferentes países ocorre o mesmo fenômeno, sobretudo em duas situações: a) criação de novos partidos mediante processos de fusão e dissidência; e b) desfiliações individuais rumo à independência partidária, ou seja, os parlamentares abandonam seus partidos e não se filiam a novas legendas até o fim do mandato (NICOLAU, 1996, p. 65).

Este autor continua dizendo que a troca de partidos, numa mesma legislatura,

acontece tanto em democracias consolidadas como também em regimes democráticos recém-

criados. Como exemplos respectivos, citam-se o caso do Partido Social Democrata, na

Inglaterra, formado em 1981 a partir de parlamentares dissidentes dos partidos Trabalhista e

Liberal e a migração de quarenta deputados, de um total de 460 da Câmara Baixa, em janeiro

a dezembro de 1992, na Polônia.

A questão é muito clara: o fato é que nestas democracias a troca de legenda é mais

criteriosa, enquanto no caso brasileiro a migração se dava de forma generalizada, chegando a

ser de certa forma banalizada. Prefeitos, governadores e presidente no Brasil estimulam a

migração partidária para que eles possam ter mais aliados. Isso visa à formação de uma base

de sustentação mais ampla.

Mas uma explicação para essa atitude de quem ocupa o Executivo está ligada à

constatação de que, em sistemas presidencialistas, dificilmente apenas um partido galgue o

poder central. Na maioria das vezes, o partido que conquista a cadeira do Executivo não tem a

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maioria no parlamento. Daí a necessidade de articular e fazer coligações para conquistar o

poder central e talvez até ampliar essa base para garantir a governabilidade.

Para finalizar a seção, este estudo comunga com Corbellini (2005, p. 44) ao

afirmar que os partidos políticos brasileiros são importantes e que eles têm sido os “atores

protagonistas no processo de viabilização da democracia brasileira e de formação e de decisão

governamental”. Para ele, o sistema partidário brasileiro, na contemporaneidade, amadureceu

em termos institucionais. Assim, analisa o autor:

[...]. Não se trata, na nossa perspectiva, de um amadurecimento linear. Convivem, no sistema partidário brasileiro, partidos maduros sob o ponto de vista da sua institucionalização e que desempenham uma posição central como protagonistas na formação de governos, com partidos mais frágeis e que ocupam uma posição periférica. Mesmo assim, consideramos que existe hoje uma espinha dorsal no sistema partidário brasileiro suficientemente definida, a ponto de o definir como um sistema cujo grau de institucionalização, ou solidificação estrutural, é bastante avançado. (CORBELLINI, 2005, p. 44).

O diagnóstico da fragilidade dos partidos políticos e sistemas partidários

brasileiros era resultante da falta de autonomia destas instituições perante o Estado e, além

disso, por serem incapazes de controlar a agenda governamental ou a legislativa; o que já foi

superado historicamente porque, no contexto atual, os partidos são protagonistas no processo

de responsividade do regime democrático no Brasil, Corbellini (2005).

2.1. O regime político-militar: do golpe à abertura política

Na década de 60, exatamente no ano de 1964, os militares usurparam o poder

através de um golpe de Estado, destituindo o presidente João Belchior Marques Goulart,

conhecido como Jango,10 (1961-1964) que fora legitimamente eleito pelo voto popular. Desse

modo, os golpistas – autodenominando-se de revolucionários – tiravam dos brasileiros a

democracia, implantando em seu lugar uma ditadura que perdurou mais de vinte anos.

Porém, isso não se deu de forma brusca e desarticulada. Houve toda uma

preparação do terreno para que Goulart fosse deposto. Os mentores intelectuais do golpe,

como os generais Humberto Castelo Branco e Golbery do Couto e Silva, criaram uma

situação de desestabilização do governo Jango, além de conclamarem a classe média para os

protestos quanto o governo legalmente instituído. E nisso tiveram ressonância:

10 João Goulart, eleito vice-presidente de Jânio Quadros em 1960 em eleições diretas, assumiu a Presidência em

1961 após a renúncia deste.

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[...] Organizações como a Sociedade Rural Brasileira começaram a armar milícias, enquanto surgiram formações similares nas cidades, como o Grupo de Ação Patriótica, as Milícias Anticomunistas e a Patrulha Auxiliar Brasileira. Entidades aparentemente de pesquisa – como o Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais (IPES) e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) – canalizavam recursos externos para impulsionar aquelas manifestações e promover, na grande imprensa – toda ela alinhada a favor do golpe, propaganda do movimento que se preparava. [...]. A Igreja Católica – então de orientação conservadora – desempenhou papel importante na mobilização das classes médias a favor do golpe, polarizando definitivamente a situação. [...]. (SADER, 1990, p. 15).

À medida que o regime político-militar ia consolidando-se, a sociedade civil

organizada ia sendo perseguida. Líderes sindicais, estudantes, políticos, juízes, deputados,

professores, funcionários públicos e militares (discordantes do sistema recém-implantado)

eram perseguidos, torturados (com requintes de crueldade) e, muitas vezes, assassinados.

Parlamentares eram cassados e tinham seus direitos políticos suspensos por dez anos.

[...] A ordem social foi reimposta a ferro e fogo, pela repressão aos líderes sindicais, estudantis, intelectuais, aos artistas, políticos, partidos e organizações, catalogados como subversivos. O Congresso foi amputado de deputados e senadores que tiveram seus mandatos cassados, o mesmo acontecendo com governadores e prefeitos. Políticos foram ainda condenados à perda de seus direitos políticos por períodos de até dez anos, figurando entre eles até mesmo os moderados como o ex-presidente Juscelino Kubitschek, o governador de São Paulo, Ademar de Barros, o do Rio de Janeiro, Carlos Lacerda, e o ex-presidente Jânio Quadros. Ficava claro que o plano do regime militar era o de manter-se no poder por um tempo muito longo, ao contrário do que esses políticos, que haviam apoiado o movimento militar, esperavam (SADER, 1990, p. 18).

E continua este autor:

O Judiciário foi igualmente depurado dos juízes que poderiam representar obstáculos às medidas de força implementadas pelo novo regime. A imprensa foi submetida à censura, as universidades foram objeto de inquéritos policiais militares, os mesmos que foram instaurados em todos os órgãos públicos, para buscar os inimigos do regime infiltrados neles (SADER, 1990, p. 18).

Essa nuvem de terror criada pela ditadura foi muito além. Os movimentos sociais

populares foram duramente atingidos. No Rio de Janeiro, a União Nacional dos Estudantes –

UNE, teve sua sede incendiada por manifestantes de direita, adeptos do novo regime. E mais

grave: a UNE foi declarada ilegal pelo governo golpista.

Todavia não foram apenas os movimentos estudantis, sindicais, de camponeses

desarticulados e cerceados naquela época. As instituições políticas partidárias foram extintas.

Nas eleições para governadores em 1965, foram eleitos candidatos da oposição em Estados

importantes como Rio de Janeiro e Minas Gerais, o que implicou o descontentamento dos

militares conhecidos como sendo os mais “linha dura”.

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Imediatamente os vigilantes do regime baixaram dois novos atos institucionais. O

AI-2 que decretou eleições indiretas para presidente e vice a serem realizadas pelo Congresso

Nacional. Este ato também extinguiu os partidos políticos existentes e implantou o

bipartidarismo que nasceu através de duas novas agremiações partidárias: a ARENA, grupo

de apoio ao governo; e o MDB, opositores ao governo. O AI-3, de janeiro de 1966, estendeu a

realização de eleições indiretas também para governadores a serem feitas pelas assembleias

estaduais, determinando também que cada governador eleito nomeasse o prefeito da capital de

seu respectivo estado.

No entanto – se de um lado o regime endurecia com os militares da “linha dura”,

Artur da Costa e Silva (1967-1969) e Emílio Garrastazu Médici (1969-1974) – os protestos da

sociedade civil organizada aumentavam. Havia setores da sociedade que denunciavam as

arbitrariedades do regime militar e, simultaneamente, resistiam. Dentre esses grupos

organizados, destacavam-se parte da Igreja Católica representada pela Conferência Nacional

dos Bispos do Brasil – CNBB, os chamados políticos autênticos do MDB, a Ordem dos

Advogados do Brasil – OAB, e a Associação Brasileira de Imprensa – ABI. Assim:

As mobilizações de rua se multiplicaram e as organizações clandestinas iniciaram um processo de luta armada, consistindo principalmente em ações de propaganda armada e de arrecadação de fundos – mas suficiente para desencadear uma reação de regime militar a que não estavam preparadas pára enfrentar, nem elas nem o movimento de massas (SADER, 1990, p. 23-4).

Após Médici, toma posse o presidente Ernesto Geisel (1974-1979), ligado a setores

militares de postura mais moderada, cabe-lhe promover a distensão política, ou seja, aplicar

medidas que afrouxassem – de forma gradual e segura – os laços rígidos do regime até aqui

posto em prática por seus antecessores. Porém, o passo mais decisivo no processo de abertura

realizado por Geisel foi a revogação do AI-5 instituído por Costa e Silva. Com isso, o

presidente não podia mais fechar o Congresso Nacional, cassar mandatos, suspender direitos

políticos dos cidadãos nem censurar a imprensa.

Do ponto de vista do regime militar, a transição se inicia com o anúncio do general Geisel de abertura “lenta e gradual” em 1974. Na realidade, o que aquele momento marca é o término do clímax da ditadura, que ingressou, a partir dali, num período transitório, de oscilações, que desembocou, no final, dos anos 70 e início dos 80, em sua verdadeira crise e, paralelamente, no começo da transição para o regime que a substituiria. (SADER, 1990, p. 31).

Na verdade, o objetivo dos militares era articular uma “mudança” de regime por

cima, evitando laços bruscos de ruptura com a ordem então estabelecida. E essa inexistência de

ruptura drástica tem marcado de forma significativa a História do Brasil, como corrobora a

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independência política da nação brasileira, em 1822, que, sem dúvidas, é resultado de um

pacto familiar. Nesse sentido, é relevante a análise de Sader:

[...] a falta de rupturas implica a falta de identidade. Falta de identidade nacional, das classes sociais, dos atores políticos – já que a identidade, de um indivíduo ou de uma nação, surge dos processos de ruptura, de contraposição ao outro. E a nossa história está coalhada de momentos em que as elites dirigentes se anteciparam à constituição de uma vontade popular surgida de baixo, alinhavando pactos por cima, que frustraram as aspirações populares e as substituíram por processos gattopardistas, em que “tudo muda para que tudo siga igual”. (SADER, 1990, p. 1).

Como se verifica neste autor, o que houve naquela época era um cenário construído

pela sociedade civil organizada, onde o governo militar, tendo gerido o Estado com “ferro e

fogo”, não tinha mais fôlego para levar adiante essa empreitada. Isso é que observa Garcia:

A ditadura começa a se colocar na defensiva e lança mão de uma política de transição, a partir da posse do governo Geisel. Esta transição, na concepção de seus articuladores, deveria ser “lenta, gradual e segura”, ou seja, sob o total controle dos militares. Seu objetivo era negociá-la por cima, no interior da própria classe dominante, a exemplo de vários outros momentos da história de nosso país, de forma a evitar qualquer possibilidade de ruptura (GARCIA, 2000, p. 15).

Outro ator importante, no processo de abertura política no Brasil, foi o presidente

João Batista de Oliveira Figueiredo (1979-1985) que deu continuidade as ações de Geisel no

sentido de conduzir o país à redemocratização. Uma das primeiras ações de Figueiredo foi

sancionar a Lei da Anistia que permitiu o retorno de líderes políticos que se encontravam no

exílio – como Leonel Brizola, principal liderança do PDT; Miguel Arraes, fundador do PSB e

Luís Carlos Prestes, um dos principais líderes do PCB. Entretanto, esta lei também

beneficiava os torturadores do regime em processo de distensão política.

Mas é necessário salientar que essa abertura do regime, que caminhava a passos

lentos nas mãos dos governos militares em rumo à redemocratização, não foi uma ação

unilateral, pois a sociedade brasileira tomou parte nisso acelerando o processo. Nesse sentido,

sobressai a análise de Borges:

Uma das principais características dessa transição é o que podemos chamar de bilateralidade de iniciativas, no sentido de que os impulsos democratizantes partiram tanto do Estado como da sociedade civil, embora existissem notáveis diferenças de conteúdo e objetivos entre a “democracia” proposta pelos militares e a democracia dos movimentos organizados. Este fato resultou em importante peculiaridade da transição brasileira, como a presença simultânea de elementos de mudança e de continuidade ao longo e ao final do processo, que no seu desfecho resultou na combinação, nem sempre coerente, de características da velha e da nova política (BORGES, 2008, p. 25).

E para Saes:

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[...]. Cada modificação molecular, registrada tanto na forma ditatorial militar de Estado como no regime ditatorial militar, representaria, portanto, um passo (ou

degrau) a mais na direção da democratização (ou redemocratização) plena no Estado brasileiro (SAES, 2001, p. 33).

Constata-se que os pesquisadores são unânimes em considerar, como limiar da

abertura política brasileira, a posse do general Geisel, em 1974. Todavia, conforme Saes

(2001), quanto ao término desse período não se pode afirmar o mesmo.

Para alguns, o processo de redemocratização se completa com a realização de eleições para a Presidência da República e a posse efetiva do candidato eleito (aceitação definitiva da instituição das eleições presidenciais pelas Forças Armadas). Para outros, só a proclamação da nova Constituição, no final do processo constituinte, dará um cunho legal – vale dizer, público, definitivo e indiscutível – às transformações políticas em curso; e a formação dessa legalidade representará o ápice do processo de redemocratização (SAES, 2001, p. 38).

Dessa perspectiva, verifica-se que – ao longo do processo de redemocratização

brasileiro – a sociedade civil foi reavendo direitos civis cerceados durante os anos dos

governantes militares de “linha dura” e isso culminou na posse de um governo civil, em 1985,

e na elaboração da Constituição, em 1988 – a mais democrática que o Brasil já promulgou.

2.2. A reimplantação do sistema multipartidário

No final da década de 60 até meados da de 70, o Brasil alcançou um intenso

crescimento econômico: o país vivia o auge do famigerado “milagre econômico”. Mas, isso se

traduzia em um contraste: se de um lado, havia a euforia e apologia de uma economia estável;

por outro, existia uma repressão drástica aos movimentos sociais.

Nesse período, a classe operária cresceu significativamente em toda a região

Sudeste, principalmente no setor de metalurgia. Somente, em São Paulo, havia cerca de seis

milhões de operários industriais. O setor rural também cresceu e se modernizou. Os

trabalhadores passaram a ser auxiliados por máquinas e produtos químicos nas atividades

agrícolas, implicando o surgimento de um proletariado rural. Entretanto, isso também agravou

um forte problema social: o êxodo rural.

Mas o “milagre econômico” não gerou o resultado que a população almejava. Por

isso, esse modelo de economia teve seu início de refluxo, ou seja, o governo militar ia

esgotando-se aos poucos. Os anos que se seguiram, precisamente os de 1977 e 1978, foram

difíceis ao regime. Até a classe industrial ligada ao setor metal-mecânico começou a

reivindicar mudanças na política econômica do governo.

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Desse modo, o final dos anos 70 e começo dos 80, o acirramento da crise do

sistema é notório. A abertura política que deveria ser “lenta e gradual” e, sobremaneira,

controlada de cima para baixo já não tem a mesma sustentação de origem. A legitimidade do

regime não encontra o mesmo eco de antes nem na classe média que apoiou o golpe, imagine-

se no seio da sociedade civil organizada. Borges (2008, p. 26) analisa essa situação com

bastante clareza, contextualizando-a tanto no cenário nacional quanto internacional:

Dentre os fatores que fizeram com que o Estado também adotasse o discurso da democratização do país, destacava-se a exaustão do modelo de desenvolvimento, sobretudo após o milagre econômico (1968-1973); a erosão das bases de sustentação do regime militar no interior das forças armadas, junto ao empresariado, à classe média e setores da Igreja Católica; pressões e insubordinação popular, manifestas em greves, outros movimentos de massa e vitórias eleitorais da oposição; exaustão dos tradicionais mecanismos de controle como a tortura, o exílio e as cassações, em virtudes de críticas locais e internacionais a essas práticas e, finalmente, o redimensionamento da guerra fria (EUA x URSS) que, aquela altura, já não demandava dos aliados americanos combate tão incisivo ao suposto “inimigo comunista”.

Como implicação disso, em todo o Brasil, começa a surgir uma onda de protestos

que fragiliza, cada vez mais, o processo de transição arquitetado pelo regime autoritário.

Desarticulada há quase dez anos, a UNE, ressurge com maior poder de convocação das vozes

silenciadas, conseguindo promover grandes mobilizações de rua: tanto da classe estudantil

quanto de outros setores da sociedade organizada.

Em 1978 e 1979, outro setor que se mobiliza é a classe de trabalhadores no ABC

paulista: eclodem as greves operárias que repercutem nos quatros cantos do país. Uma das mais

marcantes foi a greve dos operários da Scania que cruzaram os braços e reivindicaram aumento

salarial, conseguindo reajuste de 11%. Outro segmento que se destacou, sendo também

bastante atuante naquele período, foram os bancários. Keck (1991) assim se refere a esse

contexto:

Em 1979, as greves pipocaram por todo o Brasil. Mais de três milhões de trabalhadores paralisaram os trabalhos, alguns em setores onde os sindicatos tinham capacidade de liderá-los, outros não. Lula, Olívio Dutra – dos bancários do Rio Grande do Sul – e João Paulo Pires Vasconcelos – dos metalúrgicos de João Monlevade, Minas Gerais – converteram-se em uma espécie de grupo de assessoria, ajudando em alguns casos a negociação entre os líderes sindicais e suas bases em rebelião. (KECK, 1991, p. 81).

Ao analisarem essa mobilização de setores organizados desse período, Meneguello

(1989, p. 28) e Antunes (1992) também têm suas contribuições. A pesquisadora assim se

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pronuncia: “A década de 70, estimulada pela ‘abertura’, abrigou ondas intensas de mobilização

política de diversos segmentos sociais”. Confira a análise de Antunes:

A ofensiva grevista de 1979, vitoriosa para os assalariados, fez com que o capital e o seu Estado político procurassem recompor-se frente ao avanço da movimentação dos trabalhadores. Através do projeto de auto-reforma buscava-se reordenar o bloco no poder, ao mesmo tempo em que se procurava cooptar setores portadores de propostas que se restringiam à liberalização do regime. Mas a auto-reforma não vislumbrava, como vimos, o reemergir do movimento reivindicatório de massas. Se em 1978 essa ação expressava heranças da fase de resistência, o movimento iniciado em 1979, com a Greve Geral metalúrgica, e que se generalizou para as mais distintas categorias, assumiu um explícito caráter de ofensividade, colocando o poder político frente a uma realidade ausente no universo das possibilidades previstas pela dominação burguesa (ANTUNES, 1992, p. 63-4).

Com a posse do general Figueiredo em 1979, a transição política brasileira de fato

inicia-se. Neste mesmo ano, o governo aprovou duas leis, no Congresso Nacional, que

consolidaram, de vez, o processo de abertura. A primeira delas foi a Lei da Anistia e a outra

consiste na Proposta de Reforma Partidária, aprovadas em agosto e dezembro,

respectivamente. A primeira permitiu a volta de exilados políticos, como Leonel de Moura

Brizola, Miguel Arraes de Alencar e Luís Carlos Prestes. Mas foi muito criticada por setores

de esquerda uma vez que, de certa forma, inocentava torturadores que agiram a serviço da

ditadura. A segunda decretou o fim do bipartidarismo, extinguindo a ARENA e o MDB, ao

passo que, simultaneamente, permitia o surgimento de novas agremiações partidárias: estava

de volta o multipartidarismo. A cerca disso, assim se expressa Nicolau (2001):

Umas das medidas fundamentais do lento processo de transição para a democracia foi o fim compulsório do bipartidarismo e a liberalização das exigências para a organização de novos partidos. Em dezembro de 1979, foi sancionada a Lei nº 6.767, que extinguiu a Aliança Renovadora Nacional (Arena) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), e estipulou o prazo de 180 dias para a organização de novos partidos políticos. Essa lei regulamentou o processo de criação dos partidos no país entre 1980 a 1995. (NICOLAU, 2001, p. 1996).

Segundo este mesmo autor, no período de 1980 a 1985, foram criados 24 partidos

no Brasil, mas apenas cinco deles tiveram registro definitivo ainda no período ditatorial:

PMDB, antigo MDB; PDS, antiga ARENA; PTB, PDT e PT, que será estudado a partir da

próxima seção.

Então, a partir de 1982, diversos partidos políticos passaram a competir em cada

eleição ocorrida na sociedade brasileira. Silva (2006) afirma, ao analisar a reimplantação do

multipartidarismo e suas implicações na competição política municipal, que esse sistema pode

atender às demandas de setores sociais pela via da representação:

A reimplantação de um sistema pluripartidário no período pós-85 trouxe consigo a possibilidade de análise das formas, segundo as quais, as disputas políticas municipais se estruturavam. A dinâmica desse sistema pode fomentar a expressão,

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portanto, das demandas dos setores sociais por via representativa no sistema eleitoral e partidário, trazendo assim a possibilidade de transformação ou alteração dos padrões políticos vigentes nas três instâncias de governo da federação (SILVA, 2006, p. 55).

O multipartidarismo abriu espaços para a participação e competição entre os

diversos partidos no sentido da concepção de poliarquia de Dahl (1997), ao contrário do que

pressupunha o governo militar que apostava – com o surgimento de novas agremiações

políticas – em conter o crescimento do PMDB no Congresso Nacional e, consequentemente,

enfraquecê-lo.

Restabelecido o polipartidarismo, foram convocadas eleições diretas para

governador em 1982 e, tempos depois, para presidente em 1989. A transição política

finalmente era uma realidade consumada e o povo readquiria o direito de voto, que fora

interrompido desde 1965.

2.3. O surgimento do PT e a identidade ideológica

2.3.1. Antecedentes

Como já se frisou, a abertura política se concretizou de fato na aprovação das leis

de Anistia e de Reforma Partidária, ambas em 1979. Isso intensificou as greves e protestos

que vinham sendo feitos pela sociedade civil organizada no ano anterior.

Consoante Keck (1991), é nesse período que o novo movimento sindical –

concentrado nos grandes centros urbanos do país – como São Bernardo do Campo, Santo

André, Osasco, Santos, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Campinas e Porto Alegre – cogita na

possibilidade de fundar um partido político.

Luís Inácio Lula da Silva, o Lula, chegou a lançar essa ideia no final do de 1978

quando participava de um encontro com trabalhadores do setor petroquímico na Bahia.

Porém, a ideia de se criar o Partido dos Trabalhadores – PT, só foi lançada oficialmente, em

janeiro de 1979, no Encontro de Metalúrgicos do Estado de São Paulo, acontecido em Lins.

Como havia consenso em torno disso, a ideia era fundar o PT em um futuro, quando o debate

estivesse mais amadurecido.

Contudo, um comitê informal – constituído por Henos Amorina, Jacó Bittar, Paulo

Skromov Matos, Robson Camargo e Wagner Benevides – redigiu uma Carta de Princípios, na

tentativa de acelerar a formação do partido, que teve cerca de duzentas mil cópias distribuídas

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– nas principais cidades de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia, Rio Grande do

Sul e Ceará – em virtude das comemorações do 1º de Maio.

Nós, dirigentes sindicais, não pretendemos ser donos do PT, mesmo porque acreditamos sinceramente existir, entre os trabalhadores, militantes de base mais capacitados e devotados, a quem caberá a tarefa de construir e liderar nosso partido. Estamos apenas procurando usar nossa autoridade moral e política para tentar abrir um caminho próprio para o conjunto dos trabalhadores. Temos a consciência de que, nesse papel, neste momento, somos insubstituíveis, e somente em vista disso é que nós reivindicamos o papel de lançadores do PT. (CARTA DE PRINCÍPIOS DO PT, 1979, p. 2-3).

Apesar da declaração “não pretendemos ser donos do PT”, esta carta gerou

controvérsias, ficando muito claro que havia inúmeras divergências a cerca do modelo de

partido por que esses grupos de trabalhadores ansiavam. Em junho de 1979, realizou-se o

Encontro Nacional dos Metalúrgicos, em Poços de Caldas, em que a ideia de se criar o PT

veio novamente à tona.

Terminado o debate, não havia consenso a respeito do tipo de partido que seria

criado: se de metalúrgicos, de sindicalistas ou de assalariados. Lula era a favor deste último.

Além do mais, era preciso debater o assunto com outros segmentos, principalmente com

parlamentares progressistas do MDB e intelectuais simpatizantes com a formação de um

partido dos trabalhadores.

Assim sendo, nos meados de 1979, foram realizadas inúmeras reuniões com esses

grupos, culminando em um encontro, organizado por setores do MDB, para discutir a

formação do PT. Cerca de quatrocentas pessoas, representantes dos mais diversos segmentos

organizados, participaram. O fato é que não se chegou a um consenso: uns queriam a criação

de uma agremiação de trabalhadores, outros a fundação de um partido popular e, ainda,

existiam aqueles que reivindicavam a renovação do MDB.

Mesmo assim:

Criou-se uma comissão integrada por sete parlamentares, sete líderes sindicalistas e oito intelectuais, para se estabelecer uma estrutura necessária à organização de encontros e debates e se tentar redigir um programa comum. Entre os parlamentares que participavam dessa comissão, só Aírton Soares acabaria por se filiar ao PT. (KECK, 1991, p. 86).

De fato, os parlamentares do MDB que fomentaram a discussão exaustiva em prol

da criação de um partido da classe trabalhadora tinham duas preocupações básicas: a incerteza

da renovação de seus mandatos por essa nova agremiação partidária e a crença de que havia a

possibilidade desse novo partido, criado fora do parlamento, não conseguir sua legalização.

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2.3.2. Gênese

O PT surge no contexto da abertura política que marcou a última década da ditadura

militar no Brasil. É nesse período que é decretado o fim do bipartidarismo e se restaura o

multipartidarismo. Este partido nasce como resultado de uma efervescência de demandas

sociais de diversos setores organizados da sociedade brasileira.

O Partido dos Trabalhadores surge da necessidade sentida por milhões de brasileiros de intervir na vida social e política do país para transformá-la. A mais importante lição que o trabalhador brasileiro aprendeu em suas lutas é a de que a democracia é uma conquista que, finalmente, ou se constrói pelas suas mãos ou não virá. (MANIFESTO DO PT, 1980, p. 1).

O PT foi gestado dentro dos próprios movimentos sociais. Dentre eles, sindicatos

de metalúrgicos do ABC paulista, a Conferência das Classes Trabalhadoras – CONCLAT11,

parte da Igreja Católica (constituída por integrantes das Comunidades Eclesiais de Base –

CEBs, da Pastoral Operária e da Comissão Pastoral da Terra – CPT: ligados à Teoria da

Libertação), sindicatos de bancários e de petroleiros, além de intelectuais, integrantes do

MDB e de grupos da esquerda organizada de orientação trotskistas, como por exemplo, a

Convergência Socialista. E como analisa Keck:

[...] O PT foi criado porque um conjunto de fatores combinou-se em São Paulo (incluindo aí a região do ABC) em um momento histórico preciso, quando as alternativas pareciam abertas e o futuro ainda não determinado. Uma vez criado o partido, alterou-se o peso relativo de cada um desses fatores [...]. (KECK, 1991, p. 89).

O partido se formava ao lado de um novo sindicalismo que se contrapunha às

práticas corporativistas herdadas da Era Vargas, em que os sindicatos viviam sob a tutela do

governo. Buscava-se a reorganização do movimento trabalhista livre do controle estatal,

fazendo política apenas na esfera sindical. Como reforça Meneguello:

Sua diferença do sindicalismo tradicional traduzia-se basicamente no novo estilo de condução do conflito entre capital e trabalho, demonstrando relativa autonomia de poder frente à arcaica estrutura de representação corporativista. (MENEGUELLO, 1989, p. 29).

Para Oliveira (1988, p. 44), o ambiente geográfico favoreceu o surgimento e a

propagação do novo sindicalismo:

11 Fundada três anos após a criação do PT, era a expressão do “novo sindicalismo”, a partir dela, criou-se a

Central Única dos Trabalhadores – CUT.

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Tendo começado no setor mais moderno da indústria, o setor metalúrgico, e no Estado mais desenvolvido do país – São Paulo – o “novo sindicalismo” se espraia, recebendo apoio de dirigentes e líderes sindicais dos setores modernos de outros estados, mas sempre da região centro-sul.

Enquanto Moisés (1982) ressalta o grau de consciência política por parte dos atores

sociais inseridos nesse processo:

O novo sindicalismo é uma das maiores provas de que algo de novo está se gestando no Brasil, a partir da sociedade (sem falar no PT). Os trabalhadores voltaram ao centro da vida política do país, mas, contrastando com o passado, não querem apenas participar nas condições que lhes são impostas, de fora para dentro. Voltaram com vontade de imprimir a sua marca à luta pela democracia que se desenha no país. Querem a democracia, mas também querem dizer qual é a democracia que entendem ser necessária ao país. (MOISÉS, 1982, p. 16).

Assim, inserido no contexto de avanços e retrocessos da transição política e de um

longo período de articulação e mobilização social dos mais diversos segmentos da sociedade

brasileira, nasce o PT, fundado em 10 de fevereiro de 1980 no Colégio Sion, em São Paulo,

numa reunião que contou aproximadamente com a participação de mil pessoas.

2.3.3. Organização

Não há dúvida de que o PT exerce um papel de ruptura dentro do cenário

histórico-organizacional do sistema partidário brasileiro. Mesmo tendo que correr contra o

tempo exíguo exigido pela Lei Orgânica dos Partidos Políticos – LOPP, que beneficiava as

agremiações tradicionais, este partido se moveu de forma diferenciada para viabilizar sua

formação. O diferencial do PT consiste em três elementos básicos: origem, organização e

proposta política.

Quanto à origem, ele se sobressai no contexto do quadro histórico-partidário do

Brasil, organizando-se em torno do “novo sindicalismo” e de certos segmentos dos

movimentos sociais urbanos em atividade a partir dos anos 70, além de setores de intelectuais,

classe política de oposição e pequenos grupos de esquerda: todos inseridos no debate sobre a

reforma partidária.

No que diz respeito à organização, o partido dribla a LOPP ao introduzir em sua

estrutura partidária mecanismos que possibilitem articulação e proximidade com as bases de

sustentação do partido, enfatizando mais as lutas sociais em detrimento da luta eleitoral-

parlamentar. Trata-se de uma agremiação mais complexa e de atuação extraparlamentar

permanente. Já a proposta política conduz o partido para atuar perante os grupos

marginalizados.

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Assim, verifica-se que existe uma vasta literatura que analisa a formação do PT

quando do seu surgimento em 1980. Dentre esses pesquisadores, destacam-se aqueles que

convergem em suas abordagens, como Moisés (1982), Meneguello (1989), Keck (1991) e

Leal (2005); e aqueles que divergem em suas análises, como Oliveira (apud SADER, 1986) e

Rodrigues (1990).

O foco dessas abordagens diz respeito às singularidades que marcam o nascimento

do PT. A literatura convergente aponta que o PT surge envolto de uma novidade,

característica peculiar em relação aos demais partidos. Para Moisés (1982), a obtenção dessa

novidade está atrelada ao fato de que os trabalhadores urbanos do maior centro do país –

núcleo mais dinâmico do capitalismo brasileiro – propuseram organizar-se, a si próprios e a

outros setores marginalizados dessa sociedade, implicando o surgimento de uma força política

independente e autônoma para se contrapor a outros grupos sociais.

Meneguello (1989) categoriza dois elementos para a análise organizacional do PT:

a adequação ao modelo de Duverger e as singularidades do PT no quadro partidário brasileiro.

Em relação ao primeiro aspecto, O PT se adéqua, em sua totalidade, ao modelo de partido de

massas proposto por Duverger12. Quanto ao caráter singular, afirma a autora:

Nesse sentido, segundo a concepção de Duverger, a novidade do PT é ter sido, sob

o aspecto organizacional, o primeiro partido de massas criado no Brasil: o PT é um partido de origem externa, extraparlamentar, de caráter societário; apresenta uma proposta definida de inserção da classe trabalhadora no sistema político; sua estrutura interna fundamenta-se em núcleos de base, órgãos básicos de trabalho e integração partidária; seu funcionamento interno define-se pela intensa articulação entre os órgãos estabelecidos de forma e hierárquica. Quanto à participação, o PT define-se, em certo sentido, pela idéia “integralista” de partido: visa a uma profunda integração com seus membros através de atividades políticas e tarefas de organização permanentes, fora dos períodos eleitorais (reuniões, debates, festas, contribuições financeiras periódicas, edição de boletins e jornal etc.). Finalmente, quanto à ação política, o PT confere bem menos importância à atividade eleitoral e parlamentar do que os demais partidos, priorizando os laços com os movimentos sociais. (MENEGUELLO, 1989, p. 36).

Para Keck (1991), o PT se constitui uma anomalia no contexto partidário

brasileiro, visto que nasce enraizado no movimento operário e em outros segmentos externos

ao parlamento, implicando uma organização “de baixo para cima” e tornando-se a “lógica da

diferença” no processo de redemocratização do país.

[...] o PT também pôde contar com outras formas de organização social, além dos sindicatos, que contribuíram para a formação de sua base de massa potencial. As comunidades eclesiais de base, [...]. A população urbana [...], produzindo uma

12 Para Duverger (1970), os partidos de massas apresentam como traços fundamentais: origem externa,

organização interna intensa, forte articulação estrutural, centralização nacional, rigorosos requisitos para filiação, doutrinarismo e relação específica entre lideranças e parlamentares.

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profusão de movimentos locais em torno de questões como transporte, saneamento básico, habitação e saúde. As ligações entre o movimento operário e esses de bairro, forjadas em grande parte pelo papel central neles desempenhado pelos ativistas católicos, foram cruciais na mobilização do apoio local para as greves em 1978 e 1979, revelando-se importantes também para expandir a base de discussão do projeto PT além dos sindicatos. [...]. O movimento estudantil, [...], constituiu outra fonte de recrutamento para o partido. (KECK, 1991, p. 96-7).

Keck (1991) assinala que o PT surge com uma estrutura básica de organização,

criando secretarias, setores de finanças e de imprensa, além da formação de núcleos. Segundo

a autora, o PT conseguiu atingir, em setembro de 1980, o pré-requisito mínimo de comissões

nos municípios, num total de doze estados da federação, para pleitear sua legalização.

Tratava-se dos seguintes estados: Espírito Santo, Acre, Rio Grande do Sul, Santa Catarina,

Mato Grosso do Sul, Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte, Goiás, Amazonas, Ceará e

Minas Gerais. Em dezembro daquele ano, o PT cumpria a primeira etapa na luta pelo registro

perante a Justiça Eleitoral. Segundo Keck (1991: p. 112), “O Partido dos Trabalhadores teve

seu registro provisório oficialmente concedido em 11 de fevereiro de 1982”.

Entretanto, ao consultarmos os dados de registro do PT no TSE, verificou-se que o

registro provisório do PT consta de 1º de dezembro de 1980 e o registro definitivo é de 11 de

fevereiro de 1982, conforme “Anexo A” no final desta pesquisa.

Do ponto de vista interno, o PT também se organizou de forma a atender à

legislação vigente bem como satisfazer seu projeto de partido democrático internamente.

Como a LOPP obriga os partidos a realizarem uma convenção para lançar candidatos nas

eleições, o PT a faz em dois turnos: uma pré-convenção em que os nomes são escolhidos e

outra por determinação legal em que os nomes são, na maioria das vezes, apenas ratificados.

Os Estatutos foram aprovados em maio de 1984, consolidando a democracia

interna do partido, através do reconhecimento das diversas tendências existentes no seu bojo

e, além disso, o respeito aos resultados das prévias obtidos internamente:

Um caso interessante em que uma eleição primária produziu uma reviravolta na situação foi a batalha pela indicação da candidatura do partido nas eleições para a Prefeitura de São Paulo em 1988: a liderança, inclusive o Lula, apoiava Plínio de Arruda Sampaio, mas os membros do partido votaram massivamente em Luiza Erundina (que acabou de fato sendo eleita prefeita). (KECK, 1991, p. 133).

Leal (2005) também destaca a singularidade com que surge este partido que

“galvanizou” o debate político nas últimas duas décadas e cuja novidade consiste em suas

práticas organizativas e de funcionamento interno:

O nascimento do partido é usualmente ressaltado em razão de sua forte inserção nos movimentos sociais organizados – estabelecendo vínculos que potencializam o papel desses setores como atores políticos relevantes na cena brasileira –, de suas práticas organizativas e mecanismos de funcionamento interno profundamente dissonantes em relação à tradição partidária nacional e de sua origem em bases

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sociais distintas daquelas que sustentaram a esmagadora maioria das outras agremiações (LEAL, 2005, p. 15).

No entanto, autores como Oliveira (apud SADER, 1986, p. 10) e Rodrigues (1990)

relativizam essas singularidades do PT. Para o primeiro, é preciso atentar para a existência do

PCB, fundado em 1922, marcado pela presença da classe operária, de intelectuais e de

membros da classe média:

Há verdades, meias-verdades e equívocos na afirmação de que o PT é o primeiro partido político na história brasileira que emergiu da classe operária, não apenas do ponto de vista de sua "missão", mas no sentido mais preciso de que foram operários os seus principais fundadores. [...] o Partido Comunista do Brasil – denominação original do atual PCB, como seção brasileira da Internacional Comunista – constitui o primeiro partido de origem operária, no cruzamento com alguns intelectuais e membros de uma incipiente classe média no Brasil dos anos 20. Embora a controvérsia sobre a origem e a formação do PC brasileiro ainda dê margem ao consumo de muitas laudas de papel, é inequívoco que algumas lideranças operárias estiveram desde o início na sua constituição e participaram de sua direção. Ao lado, como ocorre no PT também, de lideranças intelectuais e das classes médias.

Rodrigues (1990) afirma categoricamente que algo verdadeiramente novo na

organização do PT foi a convivência simultânea de católicos e marxistas na mesma

agremiação. Nas palavras do autor:

Não há dúvida de que existe, no PT, algo de singular e inusitado que vem da participação, numa mesma organização partidária, de dirigentes sindicais, militantes socialistas de diferentes filiações ideológicas e militantes católicos de numerosas entidades ligadas à Igreja. No plano organizatório, isso significa a presença concomitante - mas não oficial - de sindicatos e associações de classe, organizações católicas (como as Comunidades Eclesiais de Base, a Pastoral Operária, a Comissão Pastoral da Terra, etc.) e de várias pequenas organizações de esquerda (os "grupelhos", como algumas vezes são pejorativamente chamadas, ou as "tendências", como são oficialmente designadas). No plano ideológico, resulta daí a mistura, nem sempre harmoniosa, de concepções socialistas democráticas ao lado de outras leninistas e trotskistas, às quais cumpriria acrescentar a influência de um socialismo católico moderado e de um socialismo já não tão moderado da Teologia da Libertação. A tudo isso deve-se acrescentar uma dose de nacionalismo terceiro-mundista, outra de antistalinismo e outra de pragmatismo sindical. Desse modo, realmente o PT deve ser entendido como algo novo na história dos partidos brasileiros e dos partidos de esquerda (RODRIGUES, 1990, p. 9).

Ponderada singularidade e novidade, pode-se afirmar, portanto, que o PT é um

partido pensado dentro do contexto de lutas de setores organizados da sociedade civil. Trata-

se de fato de uma agremiação que nasce “de baixo para cima” e possui uma das democracias

mais intensa tanto do ponto de vista externo quanto interno.

2.3.4. Identidade ideológica

Durante a primeira metade da década de 80, constata-se que a questão ideológica do

PT terminou ficando, de certa forma, fora das discussões realizadas pelo partido em seus

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encontros nacionais. No próprio Manifesto do PT, aprovado no dia de sua fundação, não

contém a palavra “socialismo” em virtude de haver impedimento legal imposto pela Lei de

Reforma Partidária.

Um problema que causava certa preocupação nos primeiros meses de existência do partido era saber se o PT seria ou não julgado um “partido de classe” e, assim, proibido em virtude do Art. 5 da Lei de Reforma Partidária. Isso exigiu que seus líderes considerassem quais eram as opções alternativas [...]. (KECK, 1991, p. 110).

Integrantes do próprio partido – principalmente o Lula, seu líder maior – insistia em

afirmar que o partido não tinha orientação marxista, quando indagado sobre isso. Porém,

O PT buscará conquistar a liberdade para que o povo possa construir uma sociedade igualitária, onde não haja explorados nem exploradores. O PT manifesta sua solidariedade à luta de todas as massas oprimidas no mundo (MANIFESTO DO PT, 1980, p. 3).

Como se detecta, no excerto acima, há uma defesa de cunho socialista-marxista, o

que pode ser corroborado pelo fato de ansiar por uma sociedade “onde não haja explorados

nem exploradores”, o que implicaria a superação do antagonismo de classes sociais.

A ideologia petista, subjacente no manifesto, surge como uma crítica contundente

às correntes social-democratas visto que estas não eram capazes de superar o capitalismo

imperialista. Assim, verifica-se que, desde a fundação, o PT é um partido de esquerda que

defende o socialismo como forma de organização social. Mas, para Sader (1990, p. 36),

O PT surgiu sem uma ideologia precisa. Sua prática refletia uma combinação entre a ideologia sindicalista de base, um democratismo radical e a Teoria da Libertação. O privilégio das lutas sociais, a extensão dos direitos de cidadania a todos e uma certa recusa do subjacente poder eram elementos presentes na atividade e no discurso original do PT.

Somente a partir de 1987, no “V Encontro Nacional” realizado em Brasília, é que o

“socialismo” é colocado em pauta, na tentativa de aprofundar essa temática. Confira-se o teor:

A conquista do socialismo e a construção de uma sociedade socialista no Brasil são os principais objetivos do PT. Isso parece ser consenso. Tanto em vista das resoluções aprovadas nas convenções nacionais, quanto da crescente pressão da militância para que definamos o tipo de socialismo que queremos e estabeleçamos as relações correspondentes entre nossa luta do dia-a-dia e a luta mais geral pelo socialismo (V ENCONTRO NACIONAL DO PT, 1987).

Essa postura do partido foi bem recebida pela militância que, há tempo, exigia que

o PT assumisse essa identidade ideológica. Desse momento em diante, o tema do socialismo

sempre foi debatido nos VI e VII encontros nacionais seguintes, tendo como base ideológica o

pensamento gramsciano.

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Após isso, os militantes do PT continuaram a refletir acerca de sua ideologia

partidária no I Congresso Nacional realizado de 27 de dezembro a 1º de dezembro de 1991.

Nessa época, a conjuntura era adversa para os petistas e simpatizantes: a queda do “socialismo

real” no Leste Europeu era uma realidade, o neoliberalismo se consolidava hegemonicamente

na América Latina e, além disso, o Lula tinha perdido os dois turnos das eleições

presidenciais em 1989. Esta foi a última vez que o PT debateu a questão socialista com

profundidade.

2.4. O PT no cenário político nacional

Após ter concretizado sua fundação em 1980, o PT preocupou-se em obter seu

registro diante o Tribunal Superior Eleitoral – TSE. Com o partido já organizado em dezoito

estados do Brasil, onde se realizaram encontros municipais em 1981 e contabilizando mais de

duzentos mil filiados, solicitou-se o registro provisório no TSE, em 22 de outubro de 1980,

sendo deferido em 1º de dezembro de 1980. Desse modo, percebe-se que este partido já surge

com certo reconhecimento nacional, estando presente em mais da metade das unidades

federativas brasileiras.

Entretanto, o desempenho eleitoral do partido – a partir das eleições de 1982:

primeira experiência eleitoral na disputa pelo voto – foi decisivo para a projeção do PT em

nível nacional. Nas eleições sucessivas, esse desempenho foi crescendo, de forma estrondosa,

nas esferas da arena política eleitoral tanto do poder Legislativo quanto do Executivo, o que

culminou com a chegada da agremiação ao poder central do país, em 2006.

O sucesso eleitoral do PT tem tido, contudo, um preço. O partido operou

mudanças em seu projeto original para poder angariar mais cargos no Legislativo e Executivo

a cada eleição que compete. Essas mudanças têm como base a alteração da ideologia contida

no limiar de sua atuação, e isso implicou a agremiação flexibilizar-se para compor coligações

e coalizões com outros partidos, ser menos rigorosa no recrutamento de novos integrantes e,

além disso, amenizar o tom do discurso.

2.4.1. Transformações: ruptura das singularidades

O projeto original do PT é marcado por um viés marxista inspirado em Lênin,

Trotsky e Gramsci. E, nessa perspectiva, o partido surge como defensor do ideário socialista.

Os documentos daquela época – como a Carta de Princípios, o Manifesto, o Regimento

Interno e o Programa do partido – defendiam essa postura clara ou implicitamente.

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Isso conferiu ao PT o caráter de partido de massas, sendo considerado por seus

integrantes e simpatizantes uma das expressões da esquerda. Assim, dentre outras, as

bandeiras pontuais eram a recusa ao imperialismo norte-americano e o combate à espoliação

do grande capital seja nacional ou internacional, acarretando a defesa de uma política externa

independente. Outro ponto era o não pagamento da dívida externa, considerada ilegítima

pelos trabalhadores. A meta era construir uma sociedade alternativa:

A luta do PT contra o regime opressivo deve construir uma alternativa de poder econômico e político, desmantelando a máquina repressiva e garantindo as mais amplas liberdades para os trabalhadores e oprimidos que se apóiem na mobilização e organização do movimento popular e que seja a expressão de seu direito e vontade de decidir os destinos do País. Um poder que avance nos rumos de uma sociedade sem exploradores e explorados. Na construção dessa sociedade, os trabalhadores brasileiros têm claro que essa luta se dá contra os interesses do grande capital nacional e internacional. (PROGRAMA DO PT, 1980, p. 1-2).

Como partido de massas, um dos traços autodeterminante do PT era conceber seus

integrantes como grupo ativo e participante. Daí a preocupação com o doutrinamento em que

os militantes eram formados para defenderem a ideologia de esquerda do partido que

acreditava em uma democracia socialista. Nos termos do art. 57 do Regimento Interno do

partido, aprovado pelo Diretório Nacional em 5 e 6 de maio de 1984, constata-se que:

No que concerne à formação política de militantes, esta deverá voltar-se, preferencialmente, para as respostas políticas ainda por serem elaboradas nos domínios da tática e da estratégia do Partido, para as alternativas a definir em face do processo de transição atual, para o conceito popular de democracia e para a relação entre democracia e socialismo.

Os anos 80 foram marcantes. Em 1985, o partido fez boicote ao Colégio Eleitoral

que elegeu Tancredo de Almeida Neves, marcando o início da Nova República. Para os

integrantes do PT que defendiam eleições diretas em todos os níveis e tinham participado

ativamente do movimento das “diretas-já” em 1984, a eleição indireta era a continuidade do

regime repressivo. O partido também não assinou a Constituição de 1988 por considerar,

naquela época, contra seus princípios partidários.

Mas paralelamente a isso e com a conquista de prefeituras estratégicas em 1988, o

partido começou a dar sinais de acomodação no processo de institucionalização da política

brasileira e, aos poucos, foi abandonando o discurso de uma frente de esquerda a fim de

desenvolver uma forte burocratização na agremiação, tornando o PT a cada pleito mais

competitivo eleitoralmente. Samuels (2004) afirma que o “partido abandonou a ideologia de

esquerda em larga medida” em busca de sucesso eleitoral, enquanto Gurgel (1989, p. 63) vê

com preocupação essa ruptura com o passado:

Assim como a versão da novidade esquece o passado e não chama a discussão sobre os desvios embutidos na crítica deste passado, a contraversão da acumulação

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histórica desconhece que o PT não vem na linha da afirmação, mas nas ondas da negação do recente passado histórico. Submete, portanto, o partido ao mesmo risco que a versão da novidade: a subestimação das várias correções de rumo necessárias e das várias carências ideológicas e orgânicas.

A burocratização operada no partido foi profunda a ponto de reduzi-lo a um

organismo central e a outros em função de cargos eletivos conquistados. Com a conquista de

postos na esfera do Executivo, o PT saiu de cena, não se fazendo mais presente em todas as

lutas dos movimentos sociais que ajudaram a construí-lo (SADER, 1998). Para Garcia (2000,

p. 118), o problema é mais grave, porque:

Ao contrário do que ocorria no passado, em que tínhamos um partido que era um instrumento de apoio às lutas, hoje temos um partido que se enfrenta com elas, como se deu no episódio recente da greve dos professores gaúchos, categoria fundamental na formação do PT. Vale registrar que o governo do Rio Grande do Sul é encabeçado por Olívio Dutra, dirigente histórico do partido que hoje pertence à chamada "esquerda petista". Ainda que seu governo seja formado por integrantes de todas as correntes do partido, a maioria deles é ligada à esquerda petista, o que mostra que as diferenças são secundarizadas, em face da prioridade do exercício do governo.

Com a institucionalização se intensificando cada vez mais, o PT se tornou vítima

daquilo que Michels denominou de “Lei de Ferro da Oligarquia” pela qual os partidos

operários terminam se aburguesando, ou seja, oligarquizando-se por meio da burocratização,

tornando-se impotentes de realizarem as transformações sociais e econômicas que defendiam

para serem apenas um grupo corporativo a mais. Segundo este autor:

O sentimento da responsabilidade começa a despertar subitamente no partido socialista. Por isso ele reage usando toda a autoridade que dispõe, contra as correntes revolucionárias que existem no seu seio e que ele tinha visto até aqui com olhos indulgentes. Em nome da grave responsabilidade que lhe incumbe e da qual sente agora todo o peso, ele reprova o antimilitarismo, repudia a greve geral e renega todas as ousadias lógicas do seu passado. (MICHELS, 1982, p. 236).

E mais: A história parece nos ensinar que não existe nenhum movimento popular, por enérgico e vigoroso que seja, capaz de provocar no organismo social do mundo civilizado transformações profundas e permanentes. É que os elementos preponderantes do movimento, a saber os homens que o dirigem e o alimentam, terminam por se afastarem pouco a pouco das massas e por serem atraídos pela órbita da “classe política” dominante. (MICHELS, 1982, p. 236).

Até o II Encontro Nacional, ocorrido em 27 e 28 de março de 1982, em São Paulo,

o partido decidiu não realizar coligações, lançando candidaturas próprias em todos os níveis.

Nas eleições gerais para governador em 1986, porém, o partido realizava suas primeiras

coligações, conforme quadro abaixo:

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Tabela 2.1- Eleições para governador nos estados do Ceará e Alagoas: 1986

Fonte: NICOLAU, Jairo. Dados eleitorais do Brasil (1982-2006), site do IUPERJ.

A partir daí, foram intensificadas as alianças com outros partidos que o PT

considerava de esquerda ou progressistas. Nas eleições para prefeituras das capitais em 1988;

ingressam, na lista de alianças do PT, os seguintes partidos: PCdoB, PV, PH e PSDB. Depois

disso, o partido se torna mais flexível. Considerando o corte temporal desta pesquisa (1980 a

2006), até o PFL já visitou a lista de coligação do PT. Garcia (2000, p. 92-3) vê nisso um caso

extremo:

[...], a ampliação da política de alianças por critérios apenas eleitorais deixa bem evidente que a independência de classe é apenas coisa do passado no PT. A flexibilidade e a inexistência de uma política de diferenciação em relação aos demais partidos chega a casos extremos, como o de Volta Redonda nas atuais eleições municipais, onde o PT integra uma coligação eleitoral, encabeçada pelo PSB, firmada por 24 partidos incluindo o PFL e os demais partidos da base governista, à exceção do PSDB, que lançou candidatura própria.

O fato é que o PT mudou a tônica do discurso ao longo de sua trajetória,

descaracterizando-se e perdendo a sua identidade de classe. Ao estudar o PT, afirma Samuels

(2004, p. 239) “[...] o petismo parece atravessar, até certo ponto, classes e categorias sociais.

A única ‘categoria social’ associada ao petismo é o nível de escolaridade”.

Przeworski (1989) já alertava que os partidos operários, que se distanciam de sua

plataforma original a fim de promover a expansão de uma proposta eleitoral na direção de

transformá-la em “pluriclassita”, terminam por converter-se em apenas um partido dentre os

demais. É, para essa acepção, que se converge o PT por ter-se deslocado do seu eixo de

origem, esvaziando o seu discurso de esquerda e apropriando-se de uma ideologia difusa a fim

de obter maior penetração nas diversas classes sociais e, consequentemente, maior densidade

eleitoral.

O PT – que comandou prefeituras, governos estaduais e a Presidência da

República no período de 1980 a 2006 – nem de longe desenvolveu um projeto socialista. Ao

contrário, exerceu na prática a autoafirmação de um partido afinado com a social-democracia.

O PT exemplifica as análises dos dois últimos autores supracitados: deixou de ser de classe

ESTADOS PARTIDOS % DE VOTOS PMDB (PDC-PCB-PC do B) 61,5 PDS (PFL) 35,2 PT (PSB) 3,0

CEARÁ

PSC (PL) 0,3

100,0

PMDB (PTB-PC do B-PSC) 52,8 PFL (PDC-PDS) 43,2

ALAGOAS

PSB (PL-PDT-PT-PCB) 4,0

100,0

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para ser de classes. Isso faz dele uma agremiação distante das massas, o que o aproxima dos

modelos de partido catch-all e de cartel.

2.4.2. Desempenho eleitoral

Nesta seção, iremos registrar o desempenho eleitoral do PT a partir das eleições de

1982 até 2006 em todo o Brasil, ressaltando os principais resultados. Em 1982, o PT elegeu

78 vereadores, doze deputados estaduais e oito deputados federais, além de dois prefeitos

municipais: em Diadema (SP) e em Santa Quitéria (MA). Lula concorreu ao cargo de

governador do Estado de São Paulo e obteve 1.144.648 votos, ficando em 4º lugar.

Os petistas estavam voltados para a Prefeitura de Diadema, pois uma

administração bem-sucedida ali seria uma espécie de protótipo para o partido usar em eleições

seguintes. Portanto, em Diadema seria construído o projeto-piloto da administração petista. O

PT nem deu conta (ou fez vistas grossas) da prefeitura conquistada no Maranhão: isso porque

Diadema seria administrada pelo metalúrgico Gílson Luiz Correia de Menezes: liderança

sindicalista ativa do movimento operário no ABCD paulista.

É comum a literatura especializada afirmar, com exceção de Keck (1991) e

principalmente Borges (2008), que o primeiro prefeito eleito do partido foi o de Diadema,

desconhecendo-se totalmente o caso de Santa Quitéria. Não restam dúvidas de que a vitória

do PT naquela cidade foi bastante atípica em relação ao PT de São Paulo, mas não o foi

dentro da lógica partidária brasileira que se utiliza do uso de legendas partidárias.

Borges (2008, p. 183) analisa o episódio em função do contexto local e de seus

atores sociais, assim:

[...] a vitória eleitoral do PT no município, além de surpreendente, induz à idéia de que, em curto espaço de tempo, o PT de Santa Quitéria teria se tornado uma organização muito forte, idéia que não tem amparo nos fatos. A eleição do prefeito petista e da maioria da Câmara de Vereadores é compreensível, menos pela força do PT e mais pelas características do poder local e perfil dos personagens envolvidos no processo.

A autora enumera uma série de fatores que explica a vitória do “petista” Manoel

da Silva Costa, o Manuca. Dentre eles, o fato de que ele teve seu nome rejeitado por outros

partidos para concorrer às eleições. Em entrevista concedida à Revista Veja, em novembro de

1983, ele declarou:

Não tenho paixão partidária, garante o pragmático prefeito Manoel Costa, 46 anos, lavrador e comerciante; obediente membro da falecida ARENA entre 1964 e 1979, mas por não ser da ala do poder, teve suas aspirações frustradas; foi excluído da criação do PDS na região e acabou optando pelo PT [...] (Apud BORGES, 2008, p. 185).

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O fato é que Borges (2008) talvez analise a vitória do PT – na pequena cidade de

Santa Quitéria, Estado do Maranhão – influenciada pela ótica que marca o PT de São Paulo,

visto que os integrantes deste não mencionam tal fato quando se referem ao sucesso eleitoral

do partido na primeira eleição em que o partido lançou candidatos. Contudo, é um evento

relevante na medida em que isso aconteceu no interior do Maranhão, Estado nordestino bem

distante das discussões do ABCD. Além do mais, isso foi possível dentro do arranjo legal-

institucional brasileiro em que ocorrem a filiação partidária e o registro dos candidatos

concorrentes a cargos eletivos. Mesmo que se conteste o ideário de Manoel da Silva Costa, o

partido que venceu as eleições para a referida prefeitura foi o PT.

Para analisar a performance do partido nas eleições de 1988, organizou-se a tabela

abaixo:

Tabela 2.2 - Desempenho do PT em eleições municipais e estaduais para o Poder

Executivo em todo o Brasil: 1982-2006

PREFEITURAS ANO 1982 1985 1988 1992 1996 2000 2004 PT 2 1 38 54 110 187 409 TOTAL * 3.941 201 4.287 4.762 5.378 5.559 5.560

GOVERNOS ESTADUAIS ANO 1982 1986 1990 1994 1998 2002 2006 PT 2 3 3 5 TOTAL * 22 23 27 27 27 27 27

Fonte: NICOLAU, Jairo. Dados eleitorais do Brasil (1982-2006), site do IUPERJ. Nota: * Total de prefeituras e governos estaduais em disputa nos respectivos pleitos.

O resultado das eleições de 1988 aturdiu as elites tradicionais e surpreendeu até os

integrantes mais otimistas do partido. O PT passa de dois para 38 prefeituras. E o mais

inusitado: conquista a Prefeitura de São Paulo, a maior cidade do Brasil, elegendo Luíza

Erundina de Souza – primeira mulher a governar a metrópole. Também elege os prefeitos de

Porto Alegre, capital gaúcha (administrada pelo PT por dezesseis anos consecutivos), e o de

Vitória, no Espírito Santo. Isso sem falar que o partido tinha elegido Maria Luíza Fontenele

para Prefeitura de Fortaleza, capital do Ceará em 1985.

Em 2000, volta à Prefeitura de São Paulo, elegendo novamente uma mulher –

desta feita, Marta Teresa Smith de Vasconcelos Suplicy, e Tarso Fernando Herz Genro em

Porto Alegre para o quarto mandato consecutivo do PT, além da conquista das prefeituras de

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Goiânia, Macapá, Recife, Aracaju e Belém, dentre outras capitais. Obteve-se também sucesso

em outras cidades importantes, como Guarulhos, Ribeirão Preto, Campinas, Caxias do Sul,

Londrina, Imperatriz e Corumbá.

Quanto aos governos estaduais, o PT elegeu seus dois primeiros representantes em

1994: Vítor Buaiz, no Espírito Santo, e Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque, no Distrito

Federal. Em 1998, são eleitos: Olívio de Oliveira Dutra, Rio Grande do Sul; José Orcírio

Miranda dos Santos (O Zeca do PT), Mato Grosso do Sul, e Jorge Ney Viana Macedo Neves,

no Acre. No final desta seção, retornaremos ao desempenho eleitoral do PT para o Executivo,

tratando-se das eleições presidenciais.

Passaremos agora para a análise dos dados obtidos pela agremiação na disputa de

cargos para o Legislativo, ressaltando os mais relevantes, conforme tabela abaixo:

Tabela 2.3 - Desempenho do PT em eleições municipais e estaduais para o Poder

Legislativo em todo o Brasil: 1982-2006

MUNICIPAIS ANO 1982 1985 1988 1992 1996 2000 2004

VEREADORES 78 * * * 1.890 2.485 * ESTADUAIS

ANO 1982 1986 1990 1994 1998 2002 2006 DEP. ESTADUAIS 13 39 83 92 91 147 126 DEP. FEDERAIS 8 16 35 49 58 91 83 SENADORES 1 4 3 10 2 Fonte: NICOLAU, Jairo. Dados eleitorais do Brasil (1982-2006), site do IUPERJ. Nota: * Dados não disponíveis.

O fato marcante em 1990, como demonstra a tabela, foi a eleição do primeiro

parlamentar ao Senado Federal, sendo eleito pelo Estado de São Paulo Eduardo Matarazzo

Suplicy que exerce o 3º mandato consecutivo. Em relação às cadeiras federais, em 2002, o PT

se tornou o maior partido da Câmara dos Deputados com 91 deputados federais (17,7%)

contra o PMDB, segundo colocado com 74 deputados (14,4%). Nas eleições seguintes, o PT

refluiu com 83 deputados federais (16,2%), ficando com a segunda bancada; enquanto o

PMDB liderou com 89 deputados (17,3%).

Como se frisou, retornamos ao desempenho do PT na esfera do Poder Executivo.

A partir de agora se analisa a trajetória eleitoral do PT na corrida para chegar à Presidência da

República. Para tanto, organizou-se a tabela abaixo, considerando apenas “os quatro partidos

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ou coligações” colocados nas primeiras posições em cada pleito da sucessão presidencial e,

além disso, criou-se a categoria “outros” para abrigar os demais.

Tabela 2.4 - Desempenho do PT em eleições para a Presidência de República: 1989-2006

Fonte: NICOLAU, Jairo. Dados eleitorais do Brasil (1982-2006), site do IUPERJ. Nota: dados adaptados.

Em primeiro lugar, cabe esclarecer que se optou pelos “quatro partidos ou

coligações” com melhor desempenho porque as outras agremiações partidárias não têm

VOTAÇÃO E PERCENTAGEM ANO

PARTIDOS 1º TURNO % 2º TURNO %

PRN-PST-PSL 20.607.936 30,5 35.085.457 53,0 PT-PSB-PCdoB 11.619.816 17,2 31.070.734 47,0 PDT 11.166.016 16,5 PSDB 7.786.939 11,5

1989

OUTROS 16.492.630 24,3 TOTAL 67.673.337 100,0 66.156.191 100,0

PSDB-PFL-PTB 34.350.217 54,3 PT-PSB-PCdoB-PPS-PV-PSTU

17.112.255 27,0

PRONA 4.670.894 7,4 PMDB-PSD 2.771.788 4,4

1994

OUTROS 4.380.479 6,9 TOTAL 63.285.633 100,0

PSDB (PFL-PPB-PTB-PSD)

35.922.692 53,1

PT-PDT-PSB-PCdoB

21.470.333 31,7

PPS 7.424.783 11,0 PRONA 1.446.783 2,1

1998

OUTROS 1.436.968 2,1 TOTAL 67.701.559 100,0

PT-PCB-PL-PMN-PCdoB

39.436099 46,4 52.772.475 61,3

PSDB-PMDB 19.694.843 23,2 33.356.860 38.7 PSB-PGT-PTC 15.176.204 17,9 PPS-PDT-PTB 10.166.324 12,0

2002

OUTROS 440.545 0,5 TOTAL 84.914.015 100,0 86.129.335 100,0

PT-PRB-PCdoB 46.646.814 48,6 58.277.094 60,8 PSDB-PSDB 39.950.856 41,6 37.522.266 39,2 PSOL-PSTU-PCB 6.572.099 6,8 PDT 2.537.022 2,6

2006

OUTROS 250.865 0,4 TOTAL 95.957.656 100,0 95.799.360 100,0

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chance de alterar os resultados, visto que tiveram percentuais muito baixos; não tendo, por

conseguinte, força competitiva. Por exemplo, somados os percentuais dos quatro primeiros

partidos no intervalo de 1989 e 2006, obtêm-se respectivamente: 75,7; 93,1; 97,9; 99,5 e 99,6

por cento do total de votos. Nas eleições de 1982, há um dado no mínimo instigante: a

categoria “outros”, que corresponde a 24,3%, contabiliza dezessete candidatos

“concorrentes”, de um total de 21.

Como demonstrado acima, nas últimas cinco eleições sucessivas ao cargo de

presidente, o PT e o PSDB foram os únicos partidos que participaram de todos os pleitos com

seus próprios quadros. Em 1989, os tucanos ficaram em quarto lugar com a candidatura de

Mário Covas Júnior e, nas duas seguintes (1994 e 1998), venceram com Fernando Henrique

Cardoso (FHC) que foi eleito e reeleito.

Por sua vez, o PT encabeçou todas as coligações com as quais concorreu às

eleições. Na primeira, eleição que participou já foi para o segundo turno, derrotando forças

como o PDT liderado por Leonel de Moura Brizola, terceiro colocado, e o PSDB em quarto.

Forças tradicionais, como o PDS com Paulo Salim Maluf, PMDB com Ulysses Silveira

Guimarães e PFL com Antônio Aureliano Chaves de Mendonça só galgaram 5ª, 7ª e 9ª

posições, respectivamente. No segundo turno, o PT recebeu o apoio informal dos candidatos

do PDT e PSDB, sendo a primeira e última vez em que andaram juntos na corrida

presidencial. Mas o PT perdeu para o PRN de Fernando Collor de Mello que obteve 53% da

votação.

Contudo, o que chama atenção é o fato de que o PT, em todos os pleitos, só teve

um candidato majoritário: Luiz Inácio Lula da Silva (o Lula) que é o atual presidente do

Brasil em fase de conclusão de seu segundo mandato – foi eleito em 2002 e reeleito em 2006.

Lula também perdeu as eleições para FHC em 1994 e 1998.

Além dos partidos que convergem à esquerda, caso do PT e PDT já citados,

merecem destaques outros, como o PPS que concorreu com Ciro Ferreira Gomes, obtendo a

terceira posição (em 1998) com 11% dos votos e a quarta (em 2002) com 12%; e o PSOL, que

concorreu com Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho, obteve o terceiro lugar (em 2006)

com 6,8 dos votos, ficando à frente do PDT que galgou a quarta colocação.

Assim, constata-se que o PT e o PSDB têm polarizado a disputa no quadro

sucessório à Presidência da República. Das cinco eleições que o PT disputou, esteve no

segundo turno de três (das quais venceu duas) e ficou em segundo nas duas em que perdeu no

primeiro turno. Além disso, acumula os dois maiores índices de votação nas duas em que

venceu: 61,3 e 60,8 por cento contra 54,3 e 53,1 do PSDB. Não restam dúvidas de que o PT é

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o protagonista desse processo e um sucesso do ponto de vista eleitoral. Mas, por fim, cabe a

última constatação: o PSDB tem testado outros candidatos nesse processo de sucessão e tem

mais quadro disponível para isso, enquanto o PT fez do Lula o líder maior do que o próprio

partido.

O objetivo deste capítulo foi continuar com o debate sobre os partidos políticos e

sistemas partidários no cenário da sociedade brasileira, fazendo um contraponto à abordagem

de que essas entidades políticas apresentam “baixo grau de institucionalização”. Além disso,

registrou-se o surgimento do PT no cenário político nacional, enfatizando-se as articulações

para a formação do mesmo e, principalmente, exarou-se também o desempenho eleitoral do

PT, acompanhado de uma análise desses resultados advindos das urnas. No capítulo a seguir,

continuar-se-á com a trajetória do PT no Piauí, no período de 1980 a 2006, ressaltando-se o

desempenho eleitoral e a análise dos discursos dos atores políticos do partido que foram

entrevistados.

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CAPÍTULO III

3. A TRAJETÓRIA DO PT NO PIAUÍ: DE 1980 A 2006

Toda ação livre tem duas causas que concorrem para produzi-la. Uma, moral, a saber, a vontade que determina o ato; outra, física, a saber, o poder que a executa.

Rousseau

O PT-PI surgiu em consonância com o partido em contexto nacional,

caracterizando-se como resultado da aglutinação de vários movimentos sociais. Dentre eles, o

movimento estudantil universitário, a Comissão Pastoral da Terra – CPT, ligada à ala

progressista da Igreja Católica e, principalmente, às ligas e cooperativas de trabalhadores

rurais e urbanos. Os militantes do partido engajaram-se na organização e criação de outras

entidades, consoante documento do PT no Piauí:

No Piauí, os petistas fundaram o Centro Piauiense de Ação Cultural, a Central Única dos Trabalhadores – CUT, e pela retomada e criação de muitos sindicatos urbanos e rurais no Estado; o centro produzia material elaborado pelas equipes de sindicalismo urbano e rural sobre os trabalhadores, elaborava teses para os congressos da CUT, preparava cartilhas para cursos de formação sindical, organizava textos e outros materiais impressos sobre o movimento popular e sindical no Brasil e do Nordeste como contribuição a análise da realidade piauiense. (HISTÓRIA: TRAJETÓRIA DO PT NO PIAUÍ, s/d, p.1).

Conforme periódico do partido13, os simpatizantes à criação do PT-PI realizaram a

primeira reunião formal no Centro Social Urbano – CSU, situado no Parque Piauí, Zona Sul,

em Teresina, capital do Estado, com o intuito de criar o PT, no dia 20 de janeiro de 1980.

Nessa reunião, foram escolhidos os militantes Antônio José Castelo Branco Medeiros e

Gaudêncio Leal de Brito para representar o PT-PI na fundação do PT nacional, os quais

assinaram a ata de fundação do partido.

3.1. Origem e organização

De acordo com a Ata da Reunião da Comissão Diretora Regional Provisória do

Estado do Piauí do Partido dos Trabalhadores, a fundação do PT do Piauí aconteceu em 8 de

outubro de 198014: mesmo ano em que se deu a criação do partido no cenário nacional.

13 PARTIDO DOS TRABALHADORES NO PIAUÍ. A trajetória da estrela: os 25 anos de História do Partido

dos Trabalhadores no Piauí. Teresina, fev. 2005. (Revista edição especial). 14 O PT-PI teve registros provisório e definitivo deferidos pelo TER-PI respectivamente em 01/12/80 e 11/02/82.

Cf. a seção anexos.

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O partido organizou-se em 26 municípios piauienses, compondo comissões

provisórias em Teresina, Água Branca, Alto Longá, Altos, Amarante, Barras, Barro Duro,

Beneditinos, Campo Maior, Capitão de Campos, Castelo do Piauí, Esperantina, Floriano,

Luzilândia, Miguel Alves, Nossa Senhora dos Remédios, Palmeirais, Parnaíba, Pimenteiras,

Piracuruca, Piripiri, Porto, Regeneração, São João do Piauí, União e Valença o Piauí.

Com isso, o PT-PI estava criado já que atendia à exigência legal de, no mínimo, 23

diretórios municipais para a criação do diretório estadual e, assim, poder apresentar

candidatos para concorrer às eleições de 1982, inclusive com três diretórios a mais da

exigência.

As ideias pontuais que serão abordadas, a partir de agora, estão contidas no

estatuto do PT aprovado em maio de 1984 e reformulado pela primeira vez em 2001; sendo,

portanto, muito significativas para se compreenderem a organização e o funcionamento do

PT.

Em 26 anos de existência, fez-se uma única alteração no documento original em

11 de março de 2001. No art. 1º deste documento, o PT é definido como:

O Partido dos Trabalhadores (PT) é uma associação voluntária de cidadãs e cidadãos que se propõem a lutar por democracia, pluralidade, solidariedade, transformações políticas, sociais, institucionais, econômicas, jurídicas e culturais, destinadas a eliminar a exploração, a dominação, a opressão, a desigualdade, a injustiça e a miséria, com o objetivo de construir o socialismo democrático. (ESTATUTO DO PT, 2001, p. 4).

De acordo com o art. 3º, no que diz respeito aos objetivos e atuação, constata-se

que o partido prioriza como bússola três documentos: o Estatuto, o Manifesto e o Programa

elaborados em 1981. Assim, afirma-se que:

O Partido dos Trabalhadores atuará em âmbito nacional com estrita observância deste Estatuto e de seus Manifesto, Programa, demais documentos aprovados na Convenção Nacional de 1981, nos Encontros Nacionais e Congressos, nos quais estão expressos seus objetivos. (ESTATUTO DO PT, 2001, p. 4).

O filiado ao PT é detentor de direitos e deveres. Concernente ao art. 13 que trata

do direito, duas prerrogativas nos chamam atenção nos incisos VIII e X que prescrevem

respectivamente: “Organizar-se em tendências internas para defender determinadas posições

políticas, nos termos deste Estatuto, ou tomar a iniciativa de reunir-se com outros membros do

Partido” e “Exigir das instâncias partidárias orientação, formação e informação política”.

No parágrafo 1º do art. 233 do estatuto, definem-se tendências como:

Tendências são agrupamentos que estabelecem relações entre militantes para defender, no interior do Partido, determinadas posições políticas, não podendo assumir expressão pública e declarar-se de vida permanente. (ESTATUTO DO PT, 2001, p. 41).

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Quanto ao art. 14 que trata do dever, incisos V e IX, prescrevem-se “Contribuir

financeiramente nos termos deste Estatuto e participar de campanhas para arrecadação de

fundos do Partido” e “Renunciar ao mandato eletivo no caso de desligamento do Partido”.

A organização geral do partido inclui instâncias e órgãos, permitindo um grau

maior de democratização interna entre os integrantes. Conforme o art. 16, são instâncias do

PT: “o Congresso Nacional, os Encontros Nacional, Estaduais, Municipais e Zonais; o

Diretório Nacional, os Diretórios Estaduais, Municipais, Zonais, e suas respectivas Comissões

Executivas; os Núcleos de Base; os Setoriais” e órgãos: “as Coordenações de Regiões

Nacionais, as Macros e Microrregiões estaduais; as Bancadas Municipais, Estaduais, Distrital

e Federal; a Comissão de Ética, o Conselho Fiscal, a Ouvidoria e a Fundação Perseu

Abramo”.

Em capitais dos estados com mais de quinhentos mil e nos municípios com mais

de um milhão de eleitores, é obrigatória a organização de diretórios zonais que têm, na área de

atuação, as mesmas atribuições dos diretórios municipais (arts. 81 e 82).

Em âmbito nacional, como preconiza o art. 104, a organização do partido compõe-

se das seguintes instâncias: “Congresso Nacional; Encontro Nacional; Diretório Nacional;

Comissão Executiva Nacional e Setoriais Nacionais” e órgãos: “Bancadas Parlamentares;

Conselho Fiscal Nacional; Comissão de Ética Nacional; Ouvidoria Nacional; Fundação

Perseu Abramo e Macrorregiões Nacionais”.

Na esfera municipal, o partido constitui-se, de acordo com o art. 70, das seguintes

instâncias: “Encontro Municipal; Diretório Municipal; Comissão Executiva Municipal;

Encontro Zonal; Diretório Zonal; Comissão Executiva Zonal; Núcleos de Base e Setoriais” e

órgãos: “Bancada de Vereadores; Conselho Fiscal e Comissão de Ética”.

A novidade do atual estatuto está no fato de que, em relação aos núcleos de base

tratados nos arts. 58 a 60, foi retirada a exigência de que eles só poderiam ser formados em

cidade com população igual ou maior a cem mil habitantes, porém manteve-se a determinação

de no mínimo nove integrantes para criação dos mesmos, sendo exigida uma coordenação

com, no mínimo, um coordenador e um secretário. No art. 58, consta:

São considerados Núcleos quaisquer agrupamentos de pelo menos nove filiados ao Partido, organizados por local de moradia, trabalho, movimento social, categoria profissional, local de estudo, temas, áreas de interesse, atividades afins, tais como grupos temáticos, clubes de discussão, círculos de estudo e outros. (ESTATUTO DO PT, 2001, p. 13).

As funções dos núcleos de base são as seguintes, conforme art. 59:

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a) organizar a ação política dos filiados, segundo a orientação das instâncias de deliberação e direção partidárias, estreitando a ligação do Partido com os movimentos sociais; b) emitir opinião sobre as questões municipais, estaduais e nacionais que sejam submetidas a exame pelos respectivos órgãos de direção partidária; c) aprofundar e garantir a democracia interna do Partido dos Trabalhadores; d) promover a formação política dos militantes e filiados; e) sugerir aos órgãos de direção partidária consulta aos demais Núcleos de Base sobre as questões locais, estaduais ou nacionais de interesse do Partido; f) convocar o Diretório Municipal correspondente, nos termos deste Estatuto. (ESTATUTO DO PT, 2001, p. 13).

Para o partido é importante a garantia de condições de igualdade para todos os

filiados no que diz respeito às propostas e candidaturas em debate. Isso é assegurado por meio

das formas de consultas, como os plebiscitos, referendos, prévias eleitorais e consultas,

conforme arts. 61 e 62.

O estatuto do partido assegura a participação das mulheres, no mínimo de 30 por

cento, em todos os níveis de direções partidárias, conforme inciso V do art. 22.

Outra novidade no atual estatuto é a adoção do segundo turno nas eleições internas

do partido. Isso se aplica quando houver mais de dois candidatos a presidente e nenhum deles

obtenha mais de cinquenta por cento do total de votos válidos (art. 39) ou em prévias

eleitorais quando houver mais de dois candidatos a cargos majoritários (art. 138).

O art. 150 assegura ao PT a realização de alianças ou coligações com outras

agremiações partidárias, desde que aprovadas obrigatoriamente pela convenção do partido.

Além disso, o partido prima pela disciplina interna e a fidelidade partidária, segundo art. 206.

3.2. Os encontros estaduais

A partir de agora, abordar-se-á o PT-PI por meio de exame dos documentos do

partido, precisamente dois livros: um de registro das atas e o outro do registro de presença dos

encontros estaduais.

Durante esses 26 anos de atuação do PT-PI, foram realizados 25 encontros

estaduais. Mas apenas seis dos encontros (VIII, IX, X, XII, XVI e XXV), os quais serão

examinados em ideias pontuais sobre o PT-PI na próxima secção, estão registrados em atas

nos livros consultados e nove deles (XIV, XVII, XVIII, XIX, XX, XXI, XXII, XXIII e

XXIV) apresentam apenas o registro da presença dos participantes.

Outro fato é a ausência de registro dos primeiros encontros estaduais, I a VIII, nos

livros. Dos seis exarados em atas, os IX e X contêm atas sem o registro da lista de presença

dos participantes.

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Outro fato observado é que no “Livro F”, destinado a registrar somente a presença

dos participantes em encontros estaduais, contêm-se os registros das atas dos encontros XVI e

XXV.

O livro de atas, o mais antigo arquivado pelo Diretório Regional, não contém a ata

de fundação do partido, sendo o mesmo aberto em 8 de outubro de 1980 para registro de atas

de reunião da Comissão Diretora Regional Provisória do Estado do Piauí do Partido dos

Trabalhadores. Neste livro, só há registro de uma reunião da comissão realizada na mesma

data do termo de abertura. O livro foi reaberto em 15 de dezembro de 1984 para registrar os

encontros estaduais do partido. Nele, também há registro das reuniões do Diretório Regional

no período de 13 de janeiro a 6 de abril de 1990.

Verifica-se que, ao longo da trajetória de 26 anos, o arquivamento dos documentos

do partido foi feito, até certo ponto, desordenadamente, o que se justifica no registro de um

ato do partido em determinado livro que se destina a outro fim e, principalmente, no registro

de ata de um encontro estadual e de presença dos participantes deste mesmo encontro em

livros separados.

3.3. Bandeira de lutas, identidade e discurso partidários

No VIII Encontro Estadual – realizado em 15 e 16 de dezembro de 1984, na

Assembleia Legislativa do Estado do Piauí (centro de Teresina) e que contou com a

participação de 85 delegados de dezenove municípios, foi aprovado que “O partido deve

encampar imediatamente a luta por uma Constituinte Livre, Democrática e Soberana”.

Em 17 e 18 de maio de 1986, no Centro de Educação Popular do Parque Piauí

(zona sul de Teresina), aconteceu o IX Encontro Estadual em que participaram 149 delegados

de 27 municípios. Neste encontro, reafirmou-se “O PT como um partido de massas e como

um partido estratégico”. Além disso, há o registro do discurso veemente ao governo de José

Sarney de Araújo Costa (1985-1989) que congelou os preços e continua pagando a dívida

externa:

O último pacote econômico foi utilizado como propaganda para criar no povo a impressão de que algo novo está acontecendo ou vai acontecer, como forma de congelar o avanço da luta da classe trabalhadora e como meio de continuar pagando a vergonhosa dívida externa. (LIVRO DE ATAS DO DIRETÓRIO REGIONAL DO PT, 1980, f. 19).

E ainda foi aprovado e ficou registrado em ata o anseio dos militantes expresso na

seguinte frase: “Pelo fim do governo ilegítimo do Sarney”.

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Outro fato relevante, neste encontro, foi a decisão de que “Se crie uma comissão

para o estudo da questão do socialismo”. E mais adiante, o registro é de conclusão de que:

O poder político do ponto de vista da luta de classes coloca clara e abertamente que a máquina burocrática e militar do Estado burguês não será vencida e tão pouco se construirá uma outra alternativa de poder exclusivamente através de eleições, conquistas graduais ou reformas superficiais, mas através das diferentes formas de lutas da classe trabalhadora, unificadas por um projeto socialista. (LIVRO DE ATAS DO DIRETÓRIO REGIONAL DO PT, 1980, f. 22).

No XII Encontro Estadual – realizado em 20 e 21 de maio de 1989, no Centro de

Educação Popular do Parque Piauí e que contou com a participação de 124 delegados de 24

municípios, as principais temáticas propostas foram a rediscussão dos salários da classe

política e a reforma agrária, aprovadas por unanimidade. Em ata, o teor é o seguinte:

1º – Rediscutir os salários dos políticos, parlamentares, governadores, prefeitos, etc. Que a política de reajuste salarial seja a mesma dos trabalhadores da rede pública e com teto máximo; 2º – Que a reforma agrária seja acompanhada por uma política agrícola justa e eficaz, voltada aos interesses dos trabalhadores. (LIVRO DE ATAS DO DIRETÓRIO REGIONAL DO PT, 1980, f. 29).

Quanto à questão de alianças partidárias, foram aprovadas as seguintes propostas:

1 – Políticas de alianças: 1.1 – O PT do Piauí aprovou a realização a nível nacional da coligação Frente Brasil Popular, composta pelo PT, PV, PSB e PC do B; 1.2 – Aprova-se para o Piauí a seguinte orientação política: 1.2.1 – A aliança com o PC do B, PSB e PV neste momento é uma coligação eleitoral, em torno dos candidatos a presidente e a vice e de um programa de governo; [...] 1.2.4 – Diante da diversidade do PV e PSB, o Encontro Estadual decide enviar às instâncias nacionais a decisão de que não aceita na Frente a atual direção estadual do PV, nem os setores do PSB que apoiaram o governo Heráclito Fortes (Teresina) e os prefeitos de São Raimundo Nonato e Monsenhor Gil; 1.2.5 – quanto ao PC do B, nossa orientação é de que seja mantida a aliança política e que a campanha seja conduzida de forma independente, com apenas alguns atos conjuntos; 2 – Organização da campanha: no caso específico da organização da campanha no Piauí, o Encontro Estadual decide que, face aos erros históricos estaduais, cometidos pelo PC do B (ex-coligação com o PDS), PSB (ex-coligação com o PMDB) e PV (direção estadual divergente da nacional), o PT não participará de uma eventual constituição de um comitê interpartidário. (LIVRO DE ATAS DO DIRETÓRIO REGIONAL DO PT, 1980, f. 30).

Ao examinarem-se as atas dos seis encontros estaduais registrados, detectou-se que

– em três deles: o X que aconteceu nos dias 24 e 25 de outubro de 1987 e contou com a

participação de 164 de 31 municípios, o XVI que se realizou nos dias 14 a 16 de maio de

1993 e do qual participaram 46 delegados de 23 municípios e o XXV que ocorreu nos dias 31

de março e 1º de abril de 2006 – não se verificaram ideias pontuais relevantes para este estudo

de caso sobre o PT. Os dois primeiros foram realizados no Centro de Educação Popular do

Parque Piauí e o terceiro no Auditório do Rio Poty Hotel, Bairro Ilhotas, em Teresina.

Entretanto, algumas informações nos chamam atenção. A primeira delas é o fato

de um novo espaço para a realização do XXV Encontro Estadual: o Rio Poty Hotel. Conforme

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registro em ata deste encontro, consta a passagem “delegados vindos de quase cento e

quarenta municípios”. Era prevista a participação de 274 delegados oriundos de 149

municípios, mas só compareceram 179 (65,33% do total previsto) vindos de 103 municípios

(69,13% do total previsto). Isso significa que 95 (34,67% do total previsto) delegados não

participaram, além de 46 municípios15 (30,87% do total previsto) que não foram

representados.

3.4. Desempenho eleitoral

3.4.1. Participação na esfera do Poder Legislativo

Afirmou-se, neste capítulo, que o PT-PI nasceu em consonância com o PT

Nacional. Também é verdade declarar que os primeiros resultados eleitorais advindos das

urnas sintonizaram o PT-PI com o PT do ABCD. A seguir, tratar-se-á do desempenho

eleitoral do PT-PI na esfera do Poder Legislativo.

Nas eleições municipais de 1982, o PT Nacional elegeu 78 vereadores em todo o

Brasil, sendo três deles eleitos no Piauí: a vereadora Maria Alice Alencar Correia e os

vereadores José Carvalho da Silva e Francisco das Chagas de Araújo que se elegeram em

Esperantina, cidade média do Piauí. Atualmente, José Carvalho da Silva encontra-se filiado ao

PRB, mas os outros dois permanecem no PT. Observe:

15 Não compareceram ao “XXV Encontro Estadual do PT” os delegados de Acauã, Amarante, Anísio de Abreu,

Arraial, Baixa Grande do Ribeiro, Bela Vista, Buriti dos Montes, Campinas, Campo Alegre do Fidalgo, Campo Largo, Caracol, Colônia do Gurguéia, Cristalândia, Curimatá, Hugo Napoleão, Ipiranga, Isaías Coelho, Jacobina, Jatobá, Jerumenha, Joaquim Pires, Joca Marques, Jurema, Lagoinha, Landri Sales, Manoel Emídio, Miguel Alves, Murici dos Portelas, Nova Santa Rita, Paes Landim, Paquetá, Pavussu, Pedro Laurentino, Ribeira do Piauí, Ribeiro Gonçalves, Santo Antônio dos Milagres, São Félix, São João da Serra, São José do Peixe, São Julião, São Lourenço, São Miguel do Tapuio, São Pedro, Simões, Tamboril e Vera Mendes.

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Quadro 3.1 - Primeiros vereadores eleitos pelo PT-PI em eleições municipais de

Esperantina: 1982

PREFEITO

Manoel Lages Filho Eleito PDS VEREADOR

João José de Araújo Eleito PMDB Antonio Roberto Chaves de Carvalho Eleito PDS Maria Alice Alencar Correia Eleita PT José Carvalho da Silva Eleito PT Francisco Raimundo Gondim Machado Eleito PDS Antonio Lisboa da Silva Eleito PDS Raimundo Nonato Lages Neto Eleito PMDB Gilberto Aguiar Chaves Eleito PDS Francisco das Chagas de Araújo Eleito PT Hélio Vieira Mendes Eleito PDS Guilherme Alves Barbosa Eleito PMDB

VICE-PREFEITO Edison Rebelo de Carvalho Eleito PDS

Fonte: site do TRE-PI

A eleição desses vereadores é significativa para o PT-PI por diversos motivos.

Analisemos alguns dados. Em primeiro lugar, esse desempenho constitui um marco histórico

para o partido, pois a eleição de três vereadores numa cidade do interior é um dado relevante,

considerando o fato de que o partido se organizou da capital para o interior. Outro dado que se

verifica é que Maria Alice Alencar Correia é a primeira mulher eleita pelo partido no Piauí.

Contabilizando-se os dados, constata-se, ainda, que do total de onze vereadores

eleitos, três vereadores do PT correspondem a 27,27%, igualando-se ao PMDB que também

elegeu três vereadores (27,27%); enquanto que o PDS que elegeu também o prefeito fez cinco

vereadores, o que equivale a 45,46% do total. Isso significa que o PDS teve mais de 50% dos

votos para o cargo de prefeito, mas não conseguiu a maioria na Câmara de Vereadores.

É pertinente ressaltar que tanto o PDS quanto o PMDB já eram forças tradicionais

na cidade, enquanto o PT era um partido recém-criado. Desse modo, percebe-se que o PT

surge forte nesse município já que conseguiu esse feito na primeira eleição em que participou.

Quanto às eleições para a Câmara Municipal de Teresina, o PT só elegeu vereador

em 1988, sendo eleito Antônio José Castelo Branco Medeiros, um dos fundadores do PT-PI.

Nas sucessivas eleições, ou seja, em 1992, foi eleito José Wellington Barroso de Araújo Dias;

em 1996, o PT (sem coligação) elegeu Francisca das Chagas da Trindade e Flora Izabel

Rodrigues Cardoso; em 2000, pela coligação PT-PSTU, foi reeleita Flora Izabel Rodrigues

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Cardoso e eleitos João de Deus Sousa e Odaly Bezerra de Medeiros; em 2004, a coligação

PT-PCB-PT do B elegeram Cícero Magalhães Oliveira e Jacinto Teles Coutinho.

Em relação ao desempenho eleitoral do PT-PI à Assembleia Legislativa, o PT-PI

só passou a ser representado naquela câmara em 1990, quando elegeu José Nazareno Cardeal

Fonteles. Nas eleições de 1994, foram eleitos José Wellington Barroso de Araújo Dias e

Olavo Rebelo de Carvalho Filho – que se desfiliou do PT, na época, sem renunciar o mandato

(fato que contradiz o art. 14 do Estatuto do PT) e retornou tempos depois – num pleito em que

o PT marchou sozinho. Em eleição sucessiva (1998), Francisca das Chagas da Trindade

conseguiu ser eleita pela coligação PT-PSB. Em 2002, a coligação PT-PTN-PCdoB-PL-

PTdoB-PAN-PCB-PMN elegeu Flora Izabel Rodrigues Cardoso, Antônio José Castelo

Branco Medeiros e João de Deus Sousa. Pela coligação PT-PSB-PTB-PCdoB-PL, em 2006,

foram eleitos Francisco de Assis Carvalho Gonçalves, Olavo Rebelo de Carvalho Filho e

Cícero Magalhães Oliveira, sendo reeleitos Flora Izabel Rodrigues Cardoso e João de Deus

Sousa.

Abordar-se-á doravante a performance do PT-PI no que se refere à participação do

partido no Congresso Nacional. Para tanto, elaborou-se a tabela abaixo que norteará a análise,

vejamos:

Tabela 3.1 – Desempenho do PT-PI em eleições para a Câmara Federal: 1982-2006

PARTIDOS

ANO PT PDS PMDB PC do B PSDB PFL PPR PP PTB TOTAL

1982 6 3 9

1986 3 2 5 10

1990 2 2 1 5 10

1994 2 5 2 1 10

1998 1 3 1 5 10

2002 1 2 1 2 4 10

2006 2 2 1 1 2 1 1 10

Fonte: NICOLAU, Jairo. Dados eleitorais do Brasil (1982-2006), site do IUPERJ. Nota: Dados adaptados.

O PT-PI já participou de sete pleitos eleitorais, mas só conseguiu eleger o primeiro

deputado federal em 1998, sendo eleito José Wellington Barroso de Araújo Dias. Nas eleições

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que se seguiram, foram eleitos Francisca das Chagas da Trindade, em 2002, sendo a primeira

mulher negra eleita para a Câmara Federal, no Piauí; e Antônio José Castelo Branco Medeiros

e José Nazareno Cardeal Fonteles, em 2006. O partido nunca elegeu parlamentar ao Senado

Federal.

3.4.2. Participação na esfera do Poder Executivo

O PT-PI conquistou a primeira prefeitura, em 1996, quando a coligação PT-PSDB-

PCdoB elegeu Manoel do Nascimento Rocha como prefeito de Alagoinha, cidade situada na

região de Picos, Sul do Estado. Esse fato é importante, mas é bom ressaltar a coligação do PT

com o PSDB. Nessa eleição, das nove cadeiras para vereador, a coligação vitoriosa elegeu

quatro vereadores e a frente PPB-PMDB elegeu cinco.

Nas eleições de 2000, foi eleito o prefeito de José de Freitas Pedro Paulo Macedo

da Rocha. Nesse pleito, o PT concorreu sem fazer alianças. Antes do término do mandato, o

prefeito desfiliou-se do partido.

Em 2004, o partido conquistou sete prefeituras, elegendo os prefeitos Genival

Bezerra da Silva (Joaquim Pires) pela coligação PT-PMDB; Ronaldo Cesar Lages Castelo

Branco (Nossa Senhora dos Remédios), coligação PT-PV-PTN-PMN-PSB; Aldeniza Altina

Coelho dos Reis (Nova Santa Rita), aliança PDT-PT-PMDB-PPS; Hélio Neri Mendes do

Rêgo (São João da Varjota), coligação PT-PPS-PSDB-PCdoB; Francisco das Chagas Limma

(São João do Arraial), aliança PT-PDT-PL-PFL-PSDB-PCdoB; Higino Barbosa Filho (São

Pedro do Piauí), coligação PP-PT-PMDB; e José Jeconias Soares de Araújo (Sebastião Leal)

pela aliança PT-PTB-PDT-PFL.

O que se constata na eleição desses prefeitos é que nenhum deles se elegeu

sozinho, ou seja, sem coligação. Outro dado é que os prefeitos de Nossa Senhora dos

Remédios e de São João do Arraial formaram verdadeiros blocões para obterem sucesso no

processo eleitoral. Entretanto, o mais inusitado: a coligação com o PFL em São João do

Arraial e em Sebastião Leal.

No que se refere às disputas ao governo estadual, o PT-PI sempre lançou candidato

ao cargo majoritário no período abrangido por esta pesquisa, exceção feita à eleição de 1998

em que se coligou com o PSDB; tendo, como cabeça de chapa, o candidato a governador

Francisco Gerardo da Silva e como vice Antônio José Castelo Branco Medeiros. Confira a

tabela abaixo:

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Tabela 3.2 - Desempenho do PT-PI em eleições para o Governo do Estado: 1982-2006

VOTAÇÃO E PERCENTAGEM ANO

PARTIDOS 1º TUR % 2º TUR %

PDS 393.818 58,7 PMDB 271.274 40,4

1982

PT 5.814 0,9 TOTAL 670.906 100,0

PMDB-PDS-PCB-PCdoB 440.218 49,5 PFL-PDT 425.490 47,9

1986

PT 22.791 2,6 TOTAL 888.499 100,0

PFL-PDS-PTB-PSC 466.406 50,0 571.652 54,8 PSDB-PMDB-PDC-PL-PTR-PRN

408.800 43,8 470.660 45,2

PT-PDT-PSB-PCdoB- 53.477 5,7

1990

PMN 4.934 0,5 TOTAL 933.617 100,0 1.042.312 100,0

PFL-PPR-PTB-PL-PP 378.947 44,9 487.635 44,2 PMDB-PDT-PPS-PMN-PSDB-PCdoB

316.200 37,4 615.945 55,8

PT-PSB 128.054 15,2

1994

PRN 21.590 2,6 TOTAL 844.791 100,0 1.103.580 100,0

PFL-PPB-PSL-PAN-PV- PRP-PTdoB

444.043 43,7 613.331 49,0

PMDB-PDT-PTB-PL-PPS-PSDC-PRONA-PCdoB

411.984 40,6 637.232 51,0

PSDB-PT-PSC-PSB 131.821 13,0 PMN 15.861 1,6

1998

PSTU 11.529 1,1 TOTAL 1.015.238 100,0 1.250.563 100,0

PT-PTN-PCdoB-PL-PTdoB-PAN-PCB-PMN

688.278 51,0

PFL-PSDB-PPB-PRTB-PSDC-PRP

595.200 44,1

PMDB-PST 41.881 3,1

2002

OUTROS 25.376 1,8 TOTAL 1.350.735 100,0

PT-PSB-PTB-PCdoB-PL 954.857 61,7 PMDB-PP-PSC-PCB-PAN-PTC

391.083 25,3

PSDB-PPS-PV-PTdoB 189.029 12,2

2006

OUTROS 13.152 0,8 TOTAL 1.548.121 100,0 Fonte: NICOLAU, Jairo. Dados eleitorais do Brasil (1982-2006), site do IUPERJ. Nota: dados adaptados.

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Essa série de sete eleições revela, no mínimo, dados curiosos. Ao analisarmos os

dados das duas primeiras, constata-se que o PT ocupa a última posição no resultado final do

processo, obtendo José Ribamar dos Santos, em 1982, o primeiro candidato a governador pelo

PT-PI, 5.814 votos, o que corresponde a 0,9% do total; e José Nazareno Cardeal Fonteles, em

1986, conseguindo 22.791, equivalente a 2,6%. Daí, obtém-se o percentual médio de 1,75%

nas duas eleições, significando que o partido não teve desempenho competitivo nesses pleitos.

Entretanto, a participação do partido é relevante por ser um novo ator político no cenário da

redemocratização da sociedade brasileira. Outra verificação relevante é que o PT marchou

sozinho, sem realizar alianças, nessas sucessivas eleições.

Na eleição de 1990, o PT-PI obteve o terceiro lugar encabeçando a frente PT-PDT-

PSB-PCdoB, galgando 53.477 votos com o candidato a governador Antônio Rodrigues Neto, o

equivalente a 5,7% do total de votos válidos, repetindo a performance das duas eleições

anteriores, ou melhor, sem força de competição real para vencer o pleito. Porém, observa-se o

crescimento do partido a cada eleição que se sucede. Essa eleição aconteceu em dois turnos,

mas, mesmo assim, o PT não obteve votos suficientes para ameaçar a vitória da coligação

PFL-PDS-PTB-PSC que elegeu ao cargo de governador Antônio de Almendra Freitas Neto,

vencedor do pleito em primeiro e segundo turnos.

Levando-se em consideração as quatro primeiras eleições, o PT-PI teve papel mais

decisivo no resultado final da eleição de 1994, pois o partido obteve novamente a terceira

colocação, somando 128.054 votos válidos com a candidatura de José Nazareno Cardeal

Fonteles pela aliança PT-PSB. Esse total de votos corresponde a 15,2%, percentual que pode

ter contribuído para a mudança do resultado final dessa eleição.

Observa-se que, na tabela acima, o candidato da coligação PFL-PDS-PTB-PSC,

Átila Freitas Lira, obteve 44,9% dos votos válidos (vencendo o primeiro turno) contra 37,4%

do candidato da coligação PMDB-PDT-PPS-PMN-PSDB-PCdoB, Francisco de Assis de Moraes

Sousa, o Mão Santa, que venceu o segundo turno ao obter 55,8% do total de votos válidos,

enquanto o vencedor do primeiro turno, Átila Freitas Lira, teve menos votos no segundo

turno, 44,2%.

O PT-PI desempenhou papel secundário nas eleições de 1998 ao integrar a frente

PSDB-PT-PSC-PSB. Nessa aliança, Francisco Gerardo da Silva, do PSDB, foi o candidato a

governador, e Antônio José Castelo Branco Medeiros, do PT, o vice. A aliança obteve apenas

13% dos votos. Para o PT-PI foi um resultado abaixo das expectativas, pois na eleição

anterior tinha galgado 15,2%. Mas essa coligação também ajudou a reeleger Francisco de

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Assis de Moraes Sousa no segundo turno, pois este novamente tinha perdido no primeiro

turno.

No entanto, nas eleições de 2002 e 2006, O PT-PI obteve sucesso eleitoral

surpreendente, elegendo e reelegendo José Wellington Barroso de Araújo Dias ao cargo de

governador do Estado do Piauí, em ambas, no primeiro turno; somando, respectivamente,

51% e 61,7% dos votos válidos.

A surpresa ficou evidente, em 2002, quando a coligação PT-PTN-PCdoB-PL-

PTdoB-PAN-PCB-PMN venceu o pleito. Conforme Bonfim (s/d), tratou-se de uma vitória

“contra todas as possibilidades”, visto que o PT enfrentou quatro coligações de maior força,

dentre oito no total, naquela época. Mas, é relevante frisar que, mesmo havendo a aliança

formal PMDB-PST concorrendo ao pleito, o líder maior do PMDB que havia sido cassado pelo

Tribunal Superior Eleitoral – TSE, Francisco de Assis de Moraes Sousa, na época, orientou os

peemedebistas a votarem no candidato do PT. E isso se comprova no baixo percentual de

3,1% obtido pela frente PMDB-PST.

A eleição de 2006 não apresentou dificuldades para o candidato do PT que

concorreu à reeleição, já que o segundo colocado pela aliança PMDB-PP-PSC-PCB-PAN-

PTC, Francisco de Assis de Moraes Sousa e o terceiro colocado pela coligação PSDB-PPS-

PV-PTdoB, Firmino da Silveira Soares Filho, só obtiveram 25,3 e 12,2 por cento

respectivamente.

3.5. O PT-PI sob a perspectiva dos atores políticos petistas

3.5.1. Procedimentos metodológicos

Em primeiro lugar, é imprescindível salientar que este estudo de caso utiliza uma

abordagem que privilegia os aspectos qualitativos, todavia sem alijar os aspectos quantitativos

quando relevantes para se obtiver o percentual em relação às opiniões e aos discursos do

conjunto de atores políticos entrevistados.

Desse modo, serão coletados como evidências tantos dados qualitativos quanto

quantitativos por entendermos que os mesmos não se excluem; ao contrário, complementam-

se já que uma abordagem dará suporte à outra e vice-versa.

O processo da qualificação permite ao pesquisador realizar análise dos discursos,

enquanto a técnica da quantificação possibilita fazer um estudo objetivo e preciso dos dados

levantados. Mas, segundo a literatura especializada, por melhor que sejam as técnicas

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utilizadas, existem sempre as limitações das mesmas e, logo, o pesquisador deve estar atento e

ter consciência disso.

Esta pesquisa tem como suporte a realização de entrevista feita com os integrantes

do PT-PI. O tipo adotado é a entrevista aberta, que permite mais profundidade, composta de

12 perguntas subjetivas para que os atores petistas entrevistados ficassem mais livres para

externarem suas opiniões a cerca do PT-PI que estão construindo. Os discursos dos

entrevistados terminaram tendo grande peso neste trabalho visto que os documentos

destoam16, em muito, das práticas do partido.

Ao tratar da relevância deste tipo de entrevista, assim se manifesta Kerlinger (1979):

Uma entrevista consome tempo e é cara. Algumas vezes é o único meio de se obter informação necessária para uma pesquisa. E tem certas vantagens que outros métodos não têm. O entrevistador pode, por exemplo, depois de fazer uma pergunta geral, sondar as razões das respostas dadas. Uma das grandes vantagens da entrevista é, então, sua profundidade. Os pesquisadores podem ir mais abaixo da superfície das respostas, determinando razões, motivos e atitudes (KERLINGER, 1979, p. 350).

Para coletar dados mais precisos, realizaram-se surveys por entrevista. E a

característica fundamental desta técnica consiste no fato de que o entrevistador fica cara a

cara com o entrevistado e faz as perguntas oralmente ou por telefone, anotando ou gravando

as respostas deles ao invés do respondente ler e responder às perguntas. As taxas de respostas

obtidas através dela abrangem, pelo menos, 80 a 85 por cento, em virtude de ser mais difícil

ignorar o entrevistador cara a cara do que o questionário que veio pelos correios ou via

internet, consoante Babbie (1999).

Portanto, as entrevistas aqui realizadas foram agendadas previamente e feitas cara

a cara com os entrevistados pelo autor desta pesquisa, sendo todas elas gravadas em fitas

cassetes. Os entrevistados só tiveram acesso às perguntas na medida em que elas estavam

sendo feitas. E – para atender a uma das estratégias que era fazer as entrevistas pessoalmente

a fim de se ter um contato direto com a pessoa entrevistada, além da percepção das linguagens

verbal e não-verbal – não foram realizadas entrevistas via internet, por telefone e nem pelos

correios.

16 A guarda dos documentos é um problema nos diretórios municipal e regional do PT, visto que alguns deles

não constam no arquivo do partido como ata de fundação e a organização em livros exclusivos para isso.

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86

3.5.2. Justificativa para exclusão de petistas da amostra

Inicialmente, a amostra constituía-se de dezesseis atores políticos petistas e a

mesma foi construída de forma seletiva. Como o PT-PI abriga seis tendências em suas

disputas internas, foram selecionados representantes de todas elas, conforme julgamento deste

pesquisador que optou por uma seleção intencional, priorizando os mais influentes de cada

tendência. Como influência, entende-se o papel tido pelo ator político no ato de fundação do

partido, o exercício de cargos eletivos, a liderança que um exerce sobre os demais dentro de

cada tendência e, ainda, o exercício de cargos na direção do partido.

Todos os dezesseis integrantes da amostra foram contatados, pessoalmente, pelo

autor desta pesquisa, mas não foi possível realizar as entrevistas com quatro deles. O primeiro

deles foi Antônio José Castelo Branco Medeiros, que contatado no Diretório Municipal do

PT, em Teresina, orientou-me para agendar com sua assessoria que, também contatada, não

agendou. José Wellington Barroso de Araújo Dias, José Nazareno Cardeal Fonteles e Fábio

Núñez Novo também foram contatados no Palácio do Karnak. Os dois primeiros pediram-me

para agendar com seus assessores, que também contados não agendaram. O terceiro chegou a

marcar com este pesquisador no gabinete dele na Assembleia Legislativa do Piauí, mas não

compareceu nem se justificou. Em função do tempo exíguo para dar conta da pesquisa, estes

quatro atores políticos petistas estão excluídos da amostragem. Entretanto, essa exclusão não

inviabiliza o estudo em virtude de que os mesmos integram a mesma tendência no partido: a

Unidade na Luta, tida como majoritária, que, mesmo se alijando os quatro atores políticos

petistas supracitados, conta ainda com três representantes na amostra, índice superior às

demais tendências.

Diante disso, a amostra para análise nesta pesquisa compõe-se de doze

entrevistados que, distribuídos por tendência, ficam assim: três da Unidade na Luta, um da

Articulação pela Base, uma do Movimento PT, dois da Articulação de Esquerda, um da

Fórum Socialista, um da Democracia Socialista e os três primeiros vereadores eleitos pelo

partido nas eleições de 1982, em Esperantina, cidade média do interior do Piauí.

3.5.3. O PT-PI segundo sua própria ótica

Na análise das ideias contidas nos discursos dos atores políticos que integram a

amostra da pesquisa, busca-se detectar, em cada resposta aberta, a visão que cada um dos

entrevistados tem a respeito do próprio PT nesses 26 anos de existência.

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Antes de iniciar-se a entrevista, todos os entrevistados foram orientados de que não

eram obrigados a responder a nenhuma pergunta, podendo saltá-la, afirmando “esta eu não

respondo”, caso discordasse da mesma. Ou ainda reformulá-la de acordo com seus princípios

partidários.

Esclarecido isso, Francisco das Chagas de Araújo foi o único que não respondeu a

uma pergunta: a de número 7, enquanto Adalberto Pereira de Sousa e Cícero Magalhães

Oliveira discordaram da primeira frase “O PT era um partido pequeno, mas hoje ele é um

partido grande” contida no enunciado da pergunta de número 2. Para eles, que comungam da

mesma visão, “O PT já nasceu grande, porque foi criado a partir da junção de ‘n’ categorias

de trabalhadores”.

Quadro 1

Pergunta 1: “Em que ano o (a) senhor (a) se filiou ao PT? Quais os motivos que levaram o (a) senhor (a) a se filiar ao PT?”

Entrevistado Filiação Tendência

Adalberto Pereira de Sousa 1982* Fórum Socialista Cícero Magalhães Oliveira 1988* Articulação de Esquerda Edilberto Borges de Oliveira, o Dudu 1990* Democracia Socialista Flora Izabel Nobre Rodrigues 1990* Movimento PT Francisca de Almeida Mascarenhas 1980 Unidade na Luta Francisco das Chagas de Araújo 1980 Francisco de Sales V. Sousa 1986 Articulação de Esquerda João Gualberto dos Santos Soares 1981* Unidade na Luta José Carvalho da Silva 1980 José Ribamar dos Santos 1991* Unidade na Luta Maria Alice Alencar Correia 1980 Oscar de Barros Sousa 1987* Articulação pela Base

As informações do Quadro 1 constam no Caderno PED 2007 – Lista Geral, mas

alguns dados não são precisos, quando confrontados com as declarações dos próprios

entrevistados. Por exemplo, todas as datas seguidas de asteriscos divergem das datas ditas

pelos respectivos entrevistados. Francisco das Chagas de Araújo, José Carvalho da Silva e

Maria Alice Alencar Correia integram o PT de Esperantina que não apresenta divisão interna

em tendências.

Adalberto Pereira de Sousa, um dos fundadores do PT, ao falar de seu ingresso no

partido, relembra o laço de “namoro” e de construção que tem com o partido e afirma que se

filiou em 1981 e não em 1982. Confira:

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Antes da formalidade da filiação, tinha o chamado namoro do PT, eu comecei a namorar o PT em 80 e me filiei formalmente em 1981. Já de 80 a 81, eu já ajudava na construção do PT, mesmo antes de me filiar. Aí, em 82, a primeira eleição do PT que o PT participou, em nível nacional, a partir dos estados, eu já era filiado e fui escolhido como candidato a deputado estadual. Era um dos poucos funcionários públicos do Estado filiado ao PT.

Cícero Magalhães Oliveira fala também do “namoro” e da fidelidade com o

partido. Ele se filiou ao partido em data diferente da que consta acima, observe:

Eu passei muito tempo namorando com o partido. Eu não ia me filiar num partido de manhã e de tarde está me filiando a outro, eu passei desde 82, quando Ribamar foi candidato a governador, até 88. O PT na minha vida entrou desde que ele nasceu. Agora só vi me filiar depois de uma longa experiência de simpatizante. Então, quando foi em 90, eu me filiei.

Edilberto Borges de Oliveira, o Dudu, afirmou que já fazia militância no partido

em 87, mas só filiou em 88 e não em 1990. Flora Izabel Nobre Rodrigues diz que se filiou em

1983, enquanto João Gualberto dos Santos Soares e José Ribamar dos Santos, ambos

fundadores do PT, filiaram-se, respectivamente, em 1982 e 1980 em contraposição às datas

supracitadas. Constata-se que há uma diferença de onze anos entre a data acima e a real data

de filiação declarada pelo entrevistado, José Ribamar dos Santos, que foi o primeiro candidato

a governador do partido em 1982 e não poderia sê-lo se não estivesse filiado. Segundo Oscar

de Barros Sousa, ele se filiou em 1986 e não em 1987: “eu sou filiado ao PT nacional,

paulista, em 81 ou 82 e, do PT do Piauí, em 86”.

Todos os doze entrevistados afirmam que o motivo por que ingressaram, no PT,

foi em função da participação em movimentos sociais ligados às organizações sindicais,

estudantis ou eclesiásticas. José Ribamar dos Santos fala do anseio político da classe

trabalhadora em criar um partido:

Eu sou remanescente das ligas camponesas e nós trabalhadores rurais sonhávamos em poder construir um partido que representasse os interesses da classe trabalhadora rural. [...]. Foi isso que motivou essa ideologia, esse desejo.

Flora Izabel Nobre Rodrigues conheceu o partido no movimento estudantil que

acontecia na universidade. Nas palavras dela:

Eu entrei no PT quando eu entrei na Universidade Federal do Piauí. [...]. Existia uma mobilização muito grande no CCHL por conta do movimento estudantil, da resistência à ditadura militar. E existiam dois partidos que atuavam dentro do movimento estudantil: era o Partido Comunista do Brasil e o Partido dos Trabalhadores. Já entrei no momento de greve. Os estudantes estavam fazendo greve por conta do aumento do bandejão no RU.

Para José Carvalho da Silva, ex-integrante do PT de Esperantina e atualmente

filiado ao PRB, as CEBs foram decisivas para que ele militasse no PT. E ele mesmo –

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ressaltando a militância e a eleição de 1982, em que foi um dos três vereadores eleitos – faz o

retrospecto:

No final de 79, o Lula andou aqui naquela caravana da cidadania. E eu sempre tive uma luta através da Igreja, das Comunidades Eclesiais de Base, [...] inspiradas naqueles documentos da Igreja, Conferência de Puebla que era uma opção preferencial pelos pobres e da Teologia da Libertação. [...] Através dessa Igreja, agente fazia o trabalho das comunidades de base, organização dos trabalhadores, participava dos sindicatos, incentivava a associação de moradores, movimentos de mulheres, de negros [...]. E foi aí que veio a necessidade da gente participar do partido, organizar o partido e como o PT, na época, era o partido mais próximo da gente, em termos de programas, prática na luta social e no meio sindical, o PT era presente. Então, nos filiamos ao PT e participamos da primeira eleição a nível nacional, que foi em 1982, aqui nós quase que ganhamos a prefeitura, por pouco não ganhamos, e chegamos a eleger três vereadores naquela época.

Francisca de Almeida Mascarenhas, uma das mulheres fundadoras do PT, revela

que o motivo de ingressar no PT está no fato de que “Nós trabalhadores só participávamos das

eleições para votar e, na maioria das vezes, votávamos em quem os pais mandavam”. Para ela,

o partido surgia como forma de romper com práticas eleitoreiras tradicionais, principalmente

acabar com o “voto de cabresto”.

Tabela 1

Pergunta 2: “O PT era um partido pequeno, mas hoje ele é um partido grande. O PT mudou para se tornar competitivo eleitoralmente?”

Respostas Quantidade % dos 12 petistas Sim 12 100% Não 0 0%

As respostas dadas a essa questão revelam a coesão e a uniformidade de discurso

do corpo de entrevistados. Todos, ou seja, 100% dos atores políticos petistas afirmaram que o

PT mudou para se tornar um sucesso eleitoral, traduzido na conquista de votos advindos das

urnas, propiciando a chegada ao poder nas esferas dos poderes Legislativo e Executivo.

Francisco das Chagas de Araújo, o Chaguinha da Viola, assim respondeu: “Eu

vejo que mudou porque antigamente o PT era mais fechado e hoje o PT é mais aberto, se filia

com outros partidos, faz alianças”. Ele também lembra que na época de construção do PT, a

ideia era fazer um “partido puro”; enquanto João Gualberto dos Santos Soares revela o

pensamento predominante dos líderes “achando que a gente ia fazer o que o Marx dizia, quer

dizer, o proletariado ia chegar ao poder e ia desbancar a burguesia”.

Na visão de Adalberto Pereira de Sousa, o partido mudou a ponto de atrair outras

classes sociais: “o partido foi crescendo e foi ganhando a simpatia da classe trabalhadora,

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depois a simpatia das classes médias e, com as concessões que fez, conseguiu chegar à

Presidência da República”. Nessa declaração, constata que o partido começa a deslocar-se de

seu eixo central que era ser um partido de massas e, portanto, classista e não pluriclassista.

Mas é Francisca de Almeida Mascarenhas quem dá o tom, pontuando no tempo a trajetória de

mudança:

O PT tinha que nascer pequeno mesmo, [...]. A gente costuma dizer que o PT, nas primeiras eleições, cabia em dois carros: o do Antônio José e do Meireles. Eu acho que sim, mudou porque [...] a gente não acreditava nos outros partidos. Então, não tinha porque se juntar a esses partidos. Existia muito essa idéia de que o PT era um partido puro e não se podia misturar com os outros, porque os outros não tinham resolvido o problema da classe trabalhadora. [...]. Nas eleições de 82, 86 e 88, a gente ainda tinha muito essa questão. Na eleição de 89, que o Lula não ganhou, foi feita a avaliação realmente que o PT sozinho e, com o que ele defendia, eleitoralmente não chegaria ao poder, como não chegou em 89 e não chegaria hoje se estivesse sozinho. [...]. Sozinho eleitoralmente, ele não cresceria. [...]. Fez concessões, mudou alguma coisa [...] num sentido da gente abrir muito. Por exemplo, a gente defendia um partido democrático, socialista, de massas, com essa direção muito fechada mesmo na função ideológica do partido. E com a compreensão de que não chegaria ao poder, teve que fazer as concessões de mudança mesmo, até de princípios, eu acho. [...]. A gente sabe que hoje muita gente do PFL corre para o PT sem ter nada a ver com a própria ideologia, mas para se chegar ao poder, não se chegaria com essa pureza.

Fica claro que da fundação até 1988, o PT era mais fechado à realização de

coligações. Mas com a derrota de Lula em 1989, isso foi reavaliado pelo partido, tornando-o

mais aberto às alianças. A entrevistada revela que atualmente o partido recebe, em seus

quadros, ex-integrantes do PFL, o que implica também uma mudança: a não rigidez para

recrutar novos membros. E ela acrescenta que o partido mudou “até de princípios”, o que nos

leva a deduzir que está referindo-se à identidade ideológica do partido em seu nascedouro.

Quadro 2

Pergunta 3: “Quais mudanças o (a) senhor (a) pode apontar?”

Oscar de Barros Sousa vê, no processo de transformação operado no partido, uma

lição:

A principal mudança do PT, nesses anos, foi aprender que sozinho não governa. Isso a gente pode traduzir em uma outra palavra do jargão político que é fazer alianças. O PT mudou principalmente nisso: em fazer alianças.

Além da abertura para fazer alianças, o conjunto de atores arrolou outras

mudanças, como afrouxamento dos critérios de filiação, amenização no tom do discurso e

relativização dos princípios ideológicos.

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Tabela 2

Pergunta 4: “Para o (a) senhor (a), o PT de hoje é diferente em que daquele dos anos 80?” Respostas Quantidade % dos 12 petistas Sim 10 83,33% Não 2 16,67%

Do conjunto da amostra; 83,33% (dez entrevistados) são categóricos em afirmar

que há diferenças, enquanto 16,67% (apenas dois) declaram que não existe. Adalberto Pereira

de Sousa analisa muito criticamente essa diferença:

Com certeza. Muito diferente. O PT ganhou em alguns aspectos, em algumas áreas, diria que o PT cresceu muito sobre o número de filiados, mas o PT não cresceu junto com os filiados. Ele teve um processo grande de crescimento sem qualidade. Antes, o filiado do PT tinha todo um processo de formação política. O partido chega a seus 30 anos sem consolidar uma estrutura de formação política. Isso é preocupante. E aí faz a diferença do PT dos anos 80 que, embora o partido não tivesse uma estrutura consolidada de formação, mas ele tinha a formação política, como prioridade, e ele bebia na formação política feita por outras organizações: pelo Movimento dos Sem-Terra, pela Central Única dos Trabalhadores, pelas Comunidades Eclesiais de Base, foi o período que a Igreja, através das pastorais sociais, investiu muito na formação política, naquela década de 80, e o PT recebeu esses quadros com a formação social bastante acumulada, então eram filiados que chegavam no PT e tinham posição, participavam do debate político, ajudavam na elaboração do PT. Hoje nós tivemos uma corrida de filiados ao PT e o PT não preparou esses filiados. Então, você chega numa eleição que as pessoas chegam para votar internamente na direção do PT, ganhou do ponto de vista da democracia, porque o filiado tem o direito de votar desde o presidente municipal até o presidente nacional, eleição direta, coisa que nenhum partido faz neste Brasil, agora perdeu na medida em que esses não são os mesmos filiados da década de 80, são filiados que vão votar porque alguém vai pegar na casa, porque alguém me pediu. Então, os vícios da política tradicional, que nós combatemos a vida toda, vieram para dentro da própria vida partidária do PT e isso faz a diferença do PT da década de 80. [...]. Então, não é o mesmo partido, ele tem sua diferença nessa trajetória toda: virou mais pragmático.

No entanto, Cícero Magalhães Oliveira e Oscar de Barros Sousa são vozes

destoantes. Para o primeiro, “não é questão de ser diferente. Ele é um partido que hoje nós

temos a experiência da idade, da trajetória e temos a capacidade de ver por vários ângulos as

mesmas coisas”; enquanto para o segundo:

Nenhuma. É o mesmo PT. Agora é um PT que se modifica com os tempos, porque os anos 80 eram um tempo, 2010 é um outro tempo. É impossível imaginar que uma organização permaneça da mesma forma de 1980 a 2010. O mundo mudou, ela precisa mudar com o mundo. Agora, é a mesma coisa, é o mesmo sonho, é o mesmo ideal, é o mesmo partido, são as mesmas pessoas. Agora, evidentemente, que com mudança, mais é o mesmo PT.

Mas, É, é diferente. É diferente por quê? O PT dos anos 80, nós éramos muito seletivos, todas as pessoas que entravam no PT passavam por uma capacitação, formação, por toda uma caminhada. [...] ele tinha que ter vindo do movimento popular, do movimento sindical, tinha que ter vindo de uma luta social qualquer. Naquela época, tinham os núcleos. E os núcleos faziam bem esse trabalho. O PT de hoje, não. [...] naquele tempo, o pessoal de universidade eram poucos e eram aqueles,

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que tinham um discurso bastante acalorado na linha da esquerda, que eram nossos parceiros e que tivessem participado do nascimento do PT. Mas, por exemplo, naquela época, a valorização maior era dos trabalhadores, a gente focava muito nessa história de trabalhador urbano, trabalhador rural, o homem da associação, a mulher da associação, quer dizer, hoje não, hoje nós temos uma grande quantidade de pessoas dentro do PT que não tem essa matriz de luta, não tem essa origem. Então, ele hoje não é mesmo os militantes, hoje nós temos gente de muitas matrizes de formação compondo o PT.

O reforço acima é dado por João Gualberto dos Santos Soares, seguindo a mesma

linha de raciocínio de Adalberto Pereira de Sousa.

Tabela 3

Pergunta 5: “Em sua opinião, o PT tem mudado o discurso no decorrer das sucessivas eleições?”

Respostas Quantidade % dos 12 petistas Sim 7 58,33% Não 5 41,67%

Dos entrevistados; 58,33% acreditam que houve mudança de discurso. Sobre essa

pergunta, assim se expressou Maria Alice Alencar Correia:

Até por uma questão de conjuntura. Em 80, o PT tinha uma história. Era uma conjuntura diferente. Em cada ano, muda a conjuntura política e a gente tem que acompanhar. Com certeza, mudou o discurso, se não mudasse, também não ganharia. [...] o discurso pode não mudar a prática, pode ser um discurso para ganhar a eleição talvez. Tem coisa que a gente aceita, tem coisa que a gente não aceita, mas a gente não pode ser egoísta: pensar em um projeto pessoal, individual, você tem que pensar num projeto maior para o Brasil, para muita gente que tem aí, não é um projeto meu. Naquela época, acho que a gente aprendeu muito, até porque a gente estava construindo o partido. O que é difícil hoje, algumas vezes, é se deparar com certas coisas que aconteceram na época que a gente pregou e hoje a gente tem que engolir.

Francisco de Sales V. Sousa também corrobora essa assertiva da seguinte forma:

Mudou sim, seria miopia minha achar que o PT não mudou o discurso. O PT que até em 2002 tinha dificuldade em fazer alianças com partidos ditos de direita. Acho que as alianças foram necessárias, embora eu tenha discordado e, continuo discordando, de algumas alianças que são feitas.

Todavia, José Carvalho da Silva destoa das vozes anteriores, ao dizer que:

Não diria que mudou. Ele teve que adaptar o discurso dele. [...]. Todos os contratos, que são feitos com empresas, [...] são juridicamente lícitos. [...] Se o PT continuasse nesse negócio de moratória, de não pagamento da dívida externa, de não honrar os contratos, eu acho que nós não teríamos reunido o leque de alianças que o Lula conseguiu reunir em torno dele. Exatamente, por isso, da gente ter abandonado essas bandeiras que não são muito boas [...] que a gente conseguiu fazer essas alianças [...] e hoje o partido consegue também, já com dois mandatos, sobreviver no poder sem grandes problemas.

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Segundo esse ator político do PT, o partido não mudou o discurso, porém o

adaptou e abandonou algumas bandeiras pontuais, como é o caso da moratória. Antes, o

partido pregava o não pagamento da dívida externa.

Tabela 4

Pergunta 6: “O PT não abriu demais o leque para compor novas alianças partidárias?” Respostas Quantidade % dos 12 petistas Sim 6 50% Não 6 50%

Nessa questão, as opiniões ficaram bem divididas: 50% afirmaram que o partido

“abriu demais o leque para compor alianças” contra 50% que acreditam que não, pois o

partido fez “alianças conjunturalmente possíveis”. Francisco de Sales V. Sousa diz que o PT

exagerou nas alianças, pois priorizou “setores reacionários” e alijou, das alianças que fez, “a

população e os movimentos sociais”.

Com certeza. Eu acho que era necessária a eleição do presidente Lula e do governador Wellington Dias. Era necessário abrir alguns espaços para que se tivesse uma base de sustentação do governo. Acho que foi exagerado, o PT fez uma composição com vários segmentos que, a meu ver, não era necessário. Deixou de fazer uma aliança com a população, com os segmentos sociais organizados, para ter o amparo da sociedade no que se refere à implementação do seu projeto e à execução do projeto, para buscar uma aliança com setores reacionários que a gente sempre repudiou.

Entretanto,

Nós estamos fazendo alianças conjunturalmente possíveis. Era inimaginável uma aliança do PT com os partidos do centro e do centro-direita no seu nascedouro. O PT estava nascendo, estava se firmando, estava aparecendo para a sociedade, estava dizendo quem é para a sociedade. Como processo normal da vida de uma pessoa, ela nasce, engatinha. No engatinhar, ela escorrega, tropeça e cai. Depois ganha resistência para um escorregão, para um tropeço e se mantém em pé. [...] Acho que essa é a vida do partido. [...]. O partido disse agora eu preciso me juntar ali com sicrano com beltrano e a sociedade foi aceitando, tanto é que tem dado vitória ao Partido dos Trabalhadores. Então, eu diria que o PT não abriu demais, eu diria que o PT faz as alianças que a conjuntura social, política permite que ele faça.

Para Oscar de Barros Sousa, as alianças acontecem dentro de um processo de

normalidade e são feitas de acordo com as conjunturas social e política do momento.

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Quadro 3

Pergunta 7: “O PT nasceu com uma postura socialista/estatizante, mas na prática tem-se mostrado mais social-democrata. Como o (a) senhor (a) vê isso?”

Todos os doze entrevistados são unânimes em afirmar que o PT é um partido

socialista e também em negar que ele seja social-democrata. No entanto, existe parte de atores

políticos desse conjunto que faz ponderação.

João Gualberto dos Santos Soares, ao responder a questão, enfatiza o

fortalecimento das empresas estatais no governo Lula, o que diferencia o PT da social-

democracia:

Nós acreditamos que o Estado tem que planejar, tem que determinar as coisas. A prova é que os Estados Unidos quebraram por causa dessa história da lei do mercado regular economia. Então, o PT é contra isso. Agora, por que isso não está acontecendo? [...]. O PT chegou ao governo, eu nunca digo que ele chegou ao poder, e para poder governar, teve que abrir mão de algo de seus princípios. [...]. Depois que Lula assumiu não se tem notícia de nenhuma privatização de empresas estatais. Pelo contrário, ele fortaleceu todas que nós temos. Só para lhe dar um exemplo, as Embrapas e as Ematers, no Brasil todo, no governo de Fernando Henrique, elas foram desativadas praticamente e o governo Lula reativou.

Dando continuidade a essa postura, Edilberto Borges de Oliveira argumenta:

O PT, é óbvio, tem um eixo principal que difere em gênero, número e grau do PSDB e do DEM que são partidos neoliberais, partidos que defendem o Estado mínimo, que defendem que quanto mais a iniciativa privada regular o mercado é bom. O PT jamais. É só você pegar uma diferença entre Lula e Fernando Henrique: quem privatizou o quê? O Lula não privatizou nada, ao contrário fortaleceu algumas empresas que estavam sucateadas para serem privatizadas, que essa era a idéia principal do PSDB. Eles privatizavam empresas e diziam que aquelas empresas davam prejuízos, mas nunca explicaram porque privatizaram a Vale. Nunca tinha dado prejuízo. E hoje é uma das maiores empresas do mundo. [...]. O Lula, não. Ao contrário, fortaleceu o Estado, mostrou que o Estado tem que está é forte. Acho que a única coisa que nosso governo avançou mais, do ponto de vista da iniciativa privada, foi em relação ao Banco Central, foi o PT que aprovou a autonomia do Banco Central que muitos segmentos, dentro do partido, eram contrários, inclusive eu. Mas tem mostrado que não foi pernicioso para o país, como algumas privatizações, naquele tempo, que Fernando Henrique fez. Então, não creio que o PT seja social-democrata, não. A social-democracia diz que é possível conviver bem o capital e o trabalho. Eu entendo que não. [...]. O capitalismo nunca vai ser mediador, sempre vai ser o fim dele que é o lucro.

Contudo, Adalberto Pereira de Sousa demonstra, embora acreditando no

socialismo do PT, contradições na prática:

Eu diria que o PT continua sendo um partido socialista, até porque ele não mudou seus estatutos. Ele não mudou seu programa. Ele para dizer que não é, precisa fazer um debate, deliberar e formalizar isso. Agora, na prática, infelizmente, nós já temos determinados setores do PT, eu chamaria aí de liberal-social, não é aquele liberalismo do mercado resolve tudo, mas são liberais que combinam muito bem aí o mercado, convivem pacificamente com o mercado.

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No discurso do entrevistado, deduz-se que o socialismo é algo mais estatutário do

que prática social. Segundo Oscar de Barros Sousa, “o socialismo petista continua como

objetivo”, porque o PT, ao ganhar eleições na esfera do Executivo, tem que “administrar

dentro do capitalismo”.

Quadro 4

Pergunta 8: “O que o Governo do PT no Estado do Piauí (gestão 2003-2006), liderado pelo governador Wellington Dias, tem de diferente em relação aos governos do PMDB e do PFL (hoje DEM) que o antecederam?”

Ao analisar todas as respostas dadas, enumera-se uma série de diferenças

apontadas pelos entrevistados: a organização do Estado que possibilitou o equilíbrio das

finanças do Estado e possibilitou o planejamento do calendário da folha de pagamento do

funcionalismo público. Programas sociais para o homem do campo, como o Programa

Nacional da Agricultura Familiar – PRONAF, o Compra Direta e a criação dos

assentamentos. Além disso, implantação de Planos de Cargos, Carreiras e Salários – PCCSs,

do funcionalismo público, negociados com os sindicatos das categorias, mais transparência na

administração e aplicação dos recursos públicos e governo popular dialogado com os partidos

e movimentos sociais. Enfim, para o corpo de entrevistados, existe o Estado mais presente na

vida das pessoas.

Quadro 5

Pergunta 9: “O que o governo petista (gestão 2003-2006) trouxe de novo para a política piauiense?”

Conforme os atores políticos petistas em questão, a universalização do Ensino

Médio abrangendo os 224 municípios piauienses, a municipalização da saúde, o

conhecimento das vocações econômicas de cada região e o tratamento igual a todos os

municípios do Estado constituem a novidade.

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Tabela 5

Pergunta 10: “Na sua opinião, o PT rompeu com a política tradicional que era feita no Piauí? Em quê?”

Respostas Quantidade % dos 12 petistas Sim 7 58,33% Não 5 41,67%

Do total, cerca de 58,33% responderam que o PT rompeu com a política

tradicional feita no Piauí, pois foi capaz de estabelecer um diálogo com toda a classe política

estadual e executar uma gestão participativa em que todas as esferas municipais foram

tratadas igualmente.

Para Cícero Magalhães Oliveira, o rompimento se deu principalmente, porque não

fez conchavos e universalizou a gestão pública a toda a população, criando uma nova cultura

de fazer política:

A partir do princípio de que você não faz os conchavos políticos do ponto de vista de valorizar meia dúzia e você prefere priorizar o povo como um todo, independente de pequeno ou grande empresário ou desempregado, o partido rompeu. O que existia em nosso país e em nosso Estado? Era uma política clientelista. Quem é do meu partido tem tudo, quem não é não tem nada. Os prefeitos dos municípios do Piauí e do Brasil, em todos os municípios, existem várias obras do Estrado e da União. Nos outros governos, se você não fosse do lado do presidente e do governador, nada ia para sua cidade. Isso é uma maneira diferente, uma cultura diferente de fazer política. O Estado é laico, não é do partido do presidente nem do governador, nem a prefeitura é do partido do prefeito. Ele (Estado) é do povo. Essa é a grande diferença.

Enquanto para João Gualberto dos Santos Soares, a ruptura é irreversível:

Ele rompe com a política tradicional. Ele rompe de uma maneira tal que qualquer outro governante que entre [...] vai ter que continuar com esse governo desenvolvimentista, porque na realidade, querendo ou não, o governo do Wellington é desenvolvimentista para o Piauí. O Piauí cresceu mais que o Nordeste, é um dos Estados considerado [...] o mais pobre. Claro que ele não chegou a se igualar a Bahia nem a outros, mas só são sete anos de governo e nem milagre poderia fazer. Mas o PIB do Piauí é maior do que o PIB do Nordeste e cresceu mais do que o PIB do Brasil.

E Oscar de Barros Sousa destaca as ações conjuntas entre Governo do Estado e a

Prefeitura Municipal de Teresina – PMT; o que é, no mínimo, inusitado, já que isso era praxe

entre partidários e não entre opositores.

O PT rompeu, porque não é uma administração monolítica de nós situação. Quantas vezes houve ação conjunta do governador Wellington Dias do PT e seus partidos aliados com o prefeito de Teresina Silvio Mendes, do grande opositor político do PT que é o PSDB? Muitas. Caminharam juntos, muitas vezes, em várias ações. Essa é a grande novidade.

Mas Flora Izabel Nobre Rodrigues, mesmo considerando que houve ruptura,

relativiza:

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Rompe, mas não rompeu totalmente. É um processo, uma construção que estamos fazendo. Não é em oito anos que nós vamos resolver os problemas. O governador tem dito que nosso projeto é de 20, 30 anos para romper totalmente com as formas tradicionais de fazer política com clientelismo, com assistencialismo, com a política da compra de votos, com a política do dando é que se recebe. É uma construção, não é de um dia para outro.

Cerca de 41,67% consideram que é praticamente impossível o partido romper com

política tradicional. “O fato do PT ser governo e ser um governo ainda controlado por

legislativo conservador e tradicional, ele não consegue”, conforme Adalberto Pereira de

Sousa.

José Carvalho da Silva diz que não se trata de ruptura, mas de uma postura de

adequar-se aos novos tempos:

Acho que não trata de um rompimento, mas de uma adequação. O PT teve que, nos novos tempos, se adequar. Hoje, nós temos que compreender que nós não temos mais o muro de Berlin, ele foi para baixo, não existe mais a questão da utopia, do sonho. Nós no governo, a gente tem que adequar nosso discurso a uma coisa mais pragmática.

E Francisco de Sales V. Sousa, ao afirmar que o partido não rompe, arremata:

E esse é o dilema. Alguns achavam que o PT, ao chegar ao poder, escantearia, botava na geladeira a velha política tradicional. Acho que o PT não foi capaz de fazer isso. Eu discordo das alianças que foram feitas, sou uma voz isolada dentro do PT, mas acho que, por outro lado, talvez a população e a sociedade civil organizada não teriam como darem sustentabilidade ao governo. Acho que é o mal necessário, as alianças, para que o governo tivesse sustentabilidade.

Quadro 6

Pergunta 11: “Tradicionalmente, o PT é apontado como partido forte na capital do Piauí. Mas em 2000, a dupla Wellington Dias e Francisca Trindade, respectivamente candidatos a prefeito e vice, perderam as eleições no primeiro turno para Firmino Filho (PSDB); em 2004, a candidata Flora Izabel ficou em 4º lugar, inclusive perdendo para Quem Quem que ficou em 3º. Como o (a) senhor (a) vê o desempenho do PT na capital?”

O grupo dos doze entrevistados considera que o PT é muito forte na capital, tendo

crescido eleitoralmente a cada eleição, com exceção do pleito de 2004. Confira a análise de

Francisco de Sales V. Sousa:

O PT tem crescido substancialmente na cidade de Teresina, é um partido que tem aprovação, que tem uma história, que tem uma trajetória, que tem um reconhecimento da população. Eleição é muito momentânea e cada eleição é eleição. O PT, em todas as eleições, melhora seu desempenho, com exceção da eleição de 2004, quando a deputada Flora Izabel foi candidata. O PT tinha acabado de assumir o governo em 2003, assumiu numa situação complicada, o Estado com condições financeiras muito difíceis. [...]. Aqui tem uma história um pouco diferente que é a história dos tucanos, os tucanos têm estado na gestão municipal, acho que têm feito um trabalho consistente, nós não podemos deixar de reconhecer isso.

E isso é intensificado por João Gualberto dos Santos Soares:

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O PSDB está com bastante tempo administrando Teresina. [...]. E a gente não pode desconhecer que eles têm uma ação dentro de Teresina. [...]. Eles têm um outro ponto de controle muito grande sobre as lideranças populares de Teresina que é uma grande parcela que interfere na mudança de um pleito eleitoral. Eles conseguiram fazer uma coisa que outras prefeituras não fizeram. Por exemplo, 80% das associações de bairro são ligadas à prefeitura, de um jeito ou de outro, ou por um favor ou salário, ou por uma verba que eles conseguem. [...]. O segundo ponto, no primeiro mandato, os professores fizeram uma campanha deliberada contra o PT, porque os professores pensavam que Wellington, ao chegar ao poder, ia dar todos os direitos pelos quais eles vinham lutando há muito tempo e que os outros governos tinham negado. No entanto, o governo não pôde fazer isso, porque não tinha fluxo de caixa [...]. Então, juntou com o problema também do plano de cargos e salários que muitos professores não ficaram satisfeitos. O plano de cargo e salário era um benefício a médio e longo prazo e não a curto prazo. E eles queriam que fosse a curto prazo. Então, não entenderam. Conseguiram fazer uma campanha muito forte no primeiro mandato e todo mundo, em vez de ter votado na Flora, votaram no Quem Quem. Aquilo dali não foi um voto consciente, mas voto de protesto.

Enquanto os dois entrevistados acima reconhecem os méritos na gestão dos

tucanos em Teresina e consideram o PT forte, Flora Izabel Nobre Rodrigues é voz destoante,

afirmando que o partido não tem conseguido disputar as eleições na capital. Na análise dela:

Eu penso que, naquele momento, nós estávamos iniciando o governo, era 2004, nós tínhamos assumido o governo em 2003, estávamos com quatro meses de salários atrasados. Era um desastre, só não era um desastre maior porque Alberto Silva tinha atrasado seis meses. Mas era o início de governo com todas as dificuldades, com toda uma herança de governos anteriores. Então, não foi só aqui em Teresina, foi em Picos, foi em várias cidades que nós não tivemos um bom desempenho. [...]. Uma prefeitura que não faz mudanças concretas, prefeitura feijão-com-arroz, se você for comparar a administração de Teresina com as outras capitais, aqui do lado de Teresina, você não tem nem sequer paradas de ônibus. O que conseguiram recentemente foi por conta do Lula ter mandado verba: como HUT, as pontes que estão se restaurando, projetos que estavam parados por muitos anos que precisou o governo Federal e governo do Estado contribuir para sair do papel. Mas o povo de Teresina tem eleito o PSDB na capital. O PT não tem conseguido aumentar sua base de vereadores nem tem conseguido disputar as eleições aqui.

Edilberto Borges de Oliveira ratifica que o PT tem crescido na capital e que os

deputados petistas eleitos têm garantido suas eleições em Teresina. Para ele, a morte da então

deputada federal Francisca das Chagas da Trindade, em 2003, teve impacto nas eleições de

2004. Segundo ele:

Em 2000, a Trindade era deputada estadual e Wellington deputado federal. E o PSDB já tinha dezesseis anos de gestão. As duas figuras que disputavam a eleição, em 2000, eram figuras que se tinham concretizado, tinham-se fortalecido aqui em Teresina. Wellington tinha sido vereador e a Trindade, também. O PT ainda hoje tem muito respaldo em Teresina. [...]. Todos os deputados nossos, a esmagadora maioria, saem com a eleição garantida em Teresina. Se não tivesse Teresina, o PT não tinha hoje uma bancada de seis deputados estaduais. [...]. Nós tínhamos perdido a maior expressão, no meu entender, do Piauí, do PT, [...] que era a Trindade. Então, a gente trabalhava a possibilidade da Trindade ser a candidata a prefeita, porque ela tinha uma identidade muito forte com Teresina.

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Adalberto Pereira de Sousa e Oscar de Barros Sousa apontam dois fatos como

justificativas para o malogro eleitoral do PT nas eleições municipais de 2004: “a aliança com

o PSDB na eleição estadual de 1998” e “a situação financeira do Estado no primeiro ano de

gestão petista”. Conforme declara o primeiro: “o PT, na capital, paga ainda por um erro que

cometeu em 1998. Em 1998, o PT se aliou com essa força que administra a capital há muito

tempo. O PT aceitou ser o vice do PSDB”.

Em linhas gerais, é Oscar de Barros Sousa que dá o tom de síntese das sucessivas

eleições, 2000 e 2004, contextualizando-as. Na análise dele:

Os candidatos do PT, a governador e a presidente, sempre tiveram em Teresina performance melhor do que os candidatos do PSDB. Lula sempre ganhou aqui de Fernando Henrique, de Serra, de Alckmin e quando o PT tem aqui candidato a governador, como no caso de 2002 e 2006, Wellington Dias sempre foi melhor do que os candidatos apoiados pelo PSDB, [...]. Eu penso que há uma aceitação da administração que o PSDB faz na capital, mas que o PT ainda não ofereceu para o teresinense um conjunto de situações: candidaturas, projeto de oposição ao PSDB que mexa com o teresinense [...]. Então, eu diria que é mais demérito do PT do que mérito do PSDB, diria que é mais falha nossa. Nós tivemos uma dupla muito boa em 2000 que foi Wellington e Trindade, mas o PT vinha de processos traumáticos muito grandes. Em 96, uma disputa municipal antes dessa que Wellington Dias e Trindade encabeçaram, nós vivemos aqui um verdadeiro racha, intervenção do Diretório Municipal com a candidatura do então candidato do PT Nazareno Fonteles que não aceitou o vice, indicado pelo grupo da Trindade, que era o falecido Lourenço e Nazareno teve como candidato a vice Wellington Dias. Esse comportamento interno do PT levou o partido à exposição de suas brigas muito grande e fragilizou o partido. Em 98, na disputa estadual, dois anos depois e dois anos antes de 2000, o PT do Piauí faz uma aliança com o PSDB e apóia ao governo do Estado, Francisco Gerardo. A Trindade se opõe a isso e de novo o partido é exposto, de novo o partido fica muito fragilizado. Então, quando nós chegamos em 2000, que eu acho que era o melhor momento que o PT teve em termos municipais para ganhar do PSDB, porque o PSDB estava terminando um ciclo, o Firmino não era extremamente conhecido e a gente vinha com uma dupla boa que era Wellington e Trindade, mas devido a esses dois traumas anteriores e muito recentes, eu acho que a gente não teve um caldo de cultura suficiente para passar uma mensagem que obtivesse da população a maioria da adesão que uma vitória eleitoral requer. Em 2004, na candidatura da Flora, eu acho que a gente viveu outro trauma que foi ter perdido a Trindade em 2003. Era o grande nome que o PT tinha para a cidade de Teresina e com a morte da Trindade eu diria que o PT ficou órfão, ficou perdido. Evidentemente, apareceu o nome da companheira Flora, foi colocado, mas a gente tinha esse trauma interno de ter perdido uma grande liderança e vivíamos, em nível de governo do Estado, os problemas que toda primeira administração sofre. Então, em 2003 e 2004, a administração Wellington Dias sofreu uma série de situações [...] e isso teve reflexo na campanha da Flora Izabel.

Como se constata, o PT tem obtido vitórias sucessivas, em Teresina, contra o

PSDB nas eleições presidenciais de 1994 a 2006 e nas de governos estaduais de 2002 e 2006,

mas não consegue sucesso nas eleições municipais contra os tucanos. Além disso, o petista

revela os embates acirrados internamente entre as tendências do partido e a intempérie do

destino: a morte da deputada federal Francisca das Chagas da Trindade, em 2003, que deixou

um vazio de liderança no PT.

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Tabela 6

Pergunta 12: “A postura do PT na oposição é uma coisa e no exercício do Poder Executivo é outra?”

Respostas Quantidade % dos 12 petistas Sim 9 75% Não 3 25%

Os resultados são os seguintes, 75% dos petistas demonstraram que isso é natural e

25% consideram que se trata de esferas distintas e requerem atuações também distintas.

João Gualberto dos Santos Soares afirma que o papel da oposição é cobrar “o que

não foi feito” e, por outro lado, a meta do governo é mostrar “o que foi feito”. Para ele, o PT é

diferente porque faz oposição a um projeto, à forma de gerir o Estado. Desse modo:

Quando você está na oposição, você procura apontar aquilo que não foi feito. E, quando você está na situação, você procura apontar o que foi feito. O papel da oposição é questionar o que está faltando, o que não foi concluído, o que tem que ser melhorado. E o PT está fazendo muito bem isso. O PT não faz uma oposição irresponsável, quando ele coloca uma questão no ar, ele tem fundamentação. [...]. Os outros partidos se colocam na condição de opositores, pelo fato de não estarem no poder. O PT é diferente. Ele é oposição a um projeto. Ele se opõe à forma de administrar o Estado, de conduzir a economia do Estado para uma minoria que sempre viveu bem. É, aí, que está a diferença. Por que o PT, quando é uma oposição, é uma oposição contundente? Porque ele coloca um projeto.

Segundo José Carvalho da Silva, isso não é privilégio do PT nem de qualquer

partido em exclusividade:

Todos os partidos têm essa diferença. Uma coisa é ser oposição e outra coisa é ser governo. São duas coisas completamente diferentes, são antagônicas. Quando a gente está na oposição tem que tirar proveito da oposição, criticando o governo, colocando projetos. Esse é o papel da oposição. Isso é claro, com responsabilidade, incentivando o movimento social. Agora, quando a gente está no governo, tem que dar respostas práticas e a gente sabe que isso não é uma coisa muito fácil, tendo em vista o limite das votações orçamentárias, não temos um orçamento muito grande. O Piauí é um Estado que arrecada muito pouco ainda em relação às suas demandas. Tem muita dificuldade, a questão da industrialização, a questão do emprego ainda. [...]. Uma coisa é ser governo, outra coisa é ser oposição. A gente tem que diferenciar muito bem isso.

A essa pergunta Cícero Magalhães Oliveira se contrapõe, salientando que, na

arena de oposição, se colocam os problemas e, na esfera de governo, se buscam soluções para

os mesmos. Veja:

Não, de maneira nenhuma. O PT quando esteve na oposição sempre chamou atenção para as questões cruciais da sociedade. E o PT, no governo, buscou soluções para esses problemas. Eu posso-lhe dar um exemplo aqui, quando assumimos o governo, em 2003, a Vila Irmã Dulce acenava por água e colocamos água ali para mais de 100 mil pessoas. Na Zona Norte, onde moro, faltava água quase todo dia, hoje isso não existe mais. Resolvemos todos os problemas? Não. Nenhum governo nunca faz tudo. Na oposição, estamos sempre questionando.

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Já Adalberto Pereira de Sousa vê a questão com naturalidade, mas vê incoerência

nas ações do partido e alerta para que ele fique de “olhos abertos” e não seja “submisso”:

É natural, porque o partido, na oposição, faz oposição. O partido, no governo, trabalha para governar. Então, ele vive inclusive esse dilema. O PT sempre teve um dilema que muita gente não entende isso. [...] Ser oposição é uma coisa e ser governo é outra. Isso não significa dizer que ser governo, agora porque não é mais oposição, se fecha os olhos. O PT entende que o fato de ser governo não significa que ficou cego. O PT precisa ficar de olhos abertos, precisa ter visão crítica também, não ser ingênuo nem ser submisso. E, com isso, é comum ter essas tensões [...]. Mas é natural e é da própria origem do PT, e por essa inquietude do PT, em resolver esses conflitos que tem de incoerência entre ser oposição e ser governo.

Enquanto Flora Izabel Nobre Rodrigues:

Eu não posso te dizer isso, porque são duas esferas de combate diferente. Por exemplo, os vereadores de Teresina são oposição à prefeitura, mas são vereadores responsáveis não fazem oposição sistemática, fazem uma oposição construindo e contribuindo pela melhoria da cidade. E eu sempre fiz isso também, quando era vereadora. Eu era oposição, fazia um bom debate, fiz um bom mandato de vereadora, mas com muita responsabilidade. Nunca fiz calúnia, nunca denunciei sem prova. Oposição do meu partido, pelo menos aqui no Piauí e em Teresina, eu vejo como uma oposição muito coerente. Agora ser governo é outra esfera. [...]. No governo, as responsabilidades são outras, não é só ficar criticando que não existe a política social, não é só criticando que precisa melhorar. Aí, você tem que atuar, tem que governar.

As respostas dadas a essa indagação revela uma uniformidade no discurso dos

entrevistados, incluindo-se tantos os que responderam “sim” (75%) quanto os que disseram

“não” (25%), já que todos eles, ao se referirem ao papel da oposição, consideram que ela só

tem sentido se implicar a elaboração e apresentação de projetos viáveis.

3.5.4. Análise das entrevistas: a relevância dos dados

A partir de agora, fazendo uso da técnica de análise de conteúdo, buscar-se-á

delinear mais a importância das entrevistas dadas por atores políticos petistas para

compreender-se, com mais profundidade, a visão que cada um deles tem a cerca da trajetória

do PT ao longo desses 26 anos de sobrevivência no cenário político-democrático da sociedade

piauiense. Desse modo, o objetivo é reportar-se a questões que se referem “às agremiações

partidárias com as quais o partido tem-se coligado na disputa de pleitos eleitorais, ao discurso

e ao programa originários17”, confrontando-os com o contexto atual. Noutras palavras, é

comparar o PT com ele mesmo numa perspectiva temporal: quando do seu surgimento e

atualmente, considerando-se o corte temporal da pesquisa: 1980 a 2006.

17 Trabalha-se com essas categorias – aliança, discurso e programa – entendendo-se que são três indicadores

relevantes para este estudo de caso.

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102

Considerando-se o corpo de entrevistados, há unanimidade em se afirmar que o

PT-PI, orientado pelo PT nacional, mudou ao longo de sua trajetória para ampliar suas bases

eleitorais. Entretanto, quando se trata da questão de compor alianças, as opiniões destes atores

políticos ficam divididas igualmente: metade deles acredita que o PT “abriu demais” e a outra

afirma que não. A verdade é que o PT, no seu nascedouro, recusava as alianças com outros

partidos. Mas, com a realização de sucessivas eleições, este partido promoveu aberturas para

coligar-se com partidos afins, ou seja, aliou-se a instituições partidárias tidas como de

esquerda ou progressista.

Desse modo, alianças com partidos, considerados de direita, era uma questão que

não chegava nem a ser cogitada pelo PT. Todavia, a partir de 2002, isso tomou outro rumo: o

PT passou a compor bloco com partidos antes combatidos e rejeitados, como é o caso do PL e

do PT do B. Atualmente, o partido justifica essa postura como sendo coligações que as

conjunturas social e política permitem. Essa flexibilidade em compor alianças teve um marco

decisório: precisamente as eleições presidenciais de 1989 em que o PT saiu derrotado das

urnas. E isso fez com que a entidade mudasse as estratégias para concorrer os pleitos

seguintes, implicando o afrouxamento dos critérios de composição das alianças, o que levou o

PT a coligar-se com o PFL (hoje DEM), formado por dissidentes do PDS.

Quanto à mudança do tom do discurso de esquerda, o partido também já não é o

mesmo. O discurso de esquerda cedeu espaço para a oratória “generalizada” e “difusa” a fim

de atrair e recrutar mais adeptos, descaracterizando o PT como um partido de massas e

aproximando-o dos partidos catch-all e de cartel. O que se condenava virou bandeira pontual

ou estratégia do partido, como as campanhas caras e, muitas vezes, patrocinadas por grupos

empresariais. O partido defende o socialismo como teoria, mas as gestões petistas praticam a

social-democracia. Noutras palavras, há um desconcerto entre teoria e prática petistas.

O PT é um partido que no seu nascedouro defendia o socialismo e democracia e,

em decorrência disso, a reforma agrária imediata e universal para atender a todos os

trabalhadores rurais sem-terra, além do direito à greve geral, consoante Programa do PT

(1980). Porém, as práticas do partido, em alguns casos, têm sido o oposto a isso. Por exemplo,

os governos petistas, tanto em nível nacional quanto estadual, não têm atendido integralmente

às reivindicações dos movimentos sindicais em greve. Para isso, a justificativa dada é a de que

os governos não dispõem de fluxo de caixa suficiente. Além disso, o PT no governo não

desenvolveu práticas socialistas nem a questão da reforma agrária está resolvida no Piauí e,

muito menos, em todo o território nacional.

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103

Tanto o pagamento da dívida externa quanto a social-democracia eram práticas

radicalmente abomináveis pelo PT na década de sua fundação (1980), mas as gestões do

partido à frente da Presidência da República provam o contrário. Eleito em 2002 e reeleito em

2006, Lula intensificou as metas econômicas implantadas por FHC (1995-2002) – que o

antecedeu no cumprimento de dois mandatos. É relevante salientar que Lula inclusive quitou

a dívida do Brasil com o Fundo Monetário Internacional – FMI, e mais: o Brasil emprestou

dinheiro à referida instituição financeira.

Na primeira gestão do PT-PI à frente do Governo do Estado (2002-2006), o

governo petista seguiu obediente às diretrizes do Governo Federal, suscitando e revigorando

setores tradicionais da política piauiense, como integrantes do PMDB liderados pelos ex-

governadores Francisco de Assis de Moraes Sousa, o Mão Santa, e Alberto Tavares da Silva.

Na reeleição em 2006, o governador petista contou com o apoio de deputados estaduais do

DEM, como Sebastião Rocha Leal Júnior e Fernando Alberto de Brito Monteiro.

Constata-se que o governo petista não teve a preocupação de selecionar os aliados

do ponto de vista do crivo ideológico, mas o interesse de somar forças políticas – não

importando a gênese nem arcabouço de ideologia das mesmas – para obtenção de um

propósito: garantir a reeleição. E a consecução desse intento a qualquer custo foi mais

motivada pelo então governador José Wellington Barroso Araújo Dias – que, a exemplo de

Lula, também se tornou no Piauí um líder maior do que o partido – do que pelo próprio PT-PI.

Os rigorosos critérios doutrinários para a composição de alianças não existem mais

tanto na esfera da arena eleitoral quanto no âmbito da gestão de governo. Se na arena

eleitoral, o que vale é competir em eleições com chances reais de vitória; na esfera do

governo, são imprescindíveis as coalizões para sustentar a governabilidade. Essa flexibilidade,

na construção de coligações e coalizões com outras agremiações partidárias, também ocorreu

concomitantemente a lassos critérios de filiação de novos integrantes.

Para o partido, tornou-se relevante recrutar parlamentares e o maior número

possível de neófitos integrantes. Trata-se de uma estratégia para galgar mais capital político e

se tornar altamente competitivo em pleitos eleitorais. Em decorrência dessas estratégias,

todavia, o PT se deslocou do eixo original em que foi construído, abandonando bandeiras

pontuais de lutas: a ideologia de partido de esquerda que implicava rigores na realização de

coligações e coalizões e de recrutamento de novos filiados.

Detectou-se que o PT, em níveis nacional e piauiense, preferiu aliar-se aos setores

reacionários da política e da economia a continuar aliado aos movimentos sociais populares

que lhe deram sustentação no limiar de seu surgimento e durante esses 26 anos de existência.

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104

Certas práticas combatidas pelo partido antes de ser governo, como enfrentamento a

movimentos grevistas ao invés de negociação com os mesmos, também foram usadas – como

instrumentos de cercear ou coibi-los – pelos atores políticos petistas enquanto chefes do Poder

Executivo.

A primeira gestão petista, no Piauí, conviveu muito bem com os atores da política

tradicional bem como com o maior poderio econômico do Estado. De fato, não foi só uma

convivência de prestação de serviços ao Estado, mas sim uma própria aliança feita com atores

políticos herdeiros desse grande grupo empresarial que presta serviços nos diversos setores da

economia piauiense e, de certa forma, monopoliza o mercado. Exemplo dessa relação, entre o

PT e esse setor empresarial, foi a vitória do senador João Vicente de Macêdo Claudino – o

JVC, filiado ao PTB, pela coligação PT-PSB-PTB-PCdoB-PL-PMDB-PP-PSC-PCB-PAN-

PTC nas eleições de 2006.

O partido também se distanciou do eixo ideológico central em que a discussão era

construir um socialismo democrático que garantisse os direitos civis, sejam eles individuais

ou coletivos. Tratava-se de um partido de massas, portanto, de esquerda, com rígido

doutrinamento. Entretanto, ao longo dessa trajetória, esse discurso foi esvaziando-se a ponto

do partido se tornar difuso a exemplo dos partidos como catch-all e de cartel, marcados pelo

caráter pluriclassista.

Nas últimas eleições internas realizadas pelo partido, era comum se encontrar

filiado que foi votar porque alguém, que lhe é próximo lhe pediu, ou então foi buscá-lo de

carro em casa. O debate esquerda versus direita não existe mais, mas o partido engrossou a

quantidade de filiados, embora não haja qualidade nesses recrutas – sejam eles eleitores

comuns ou cidadãos detentores de cargos eletivos – numa perspectiva da ideologia originária

do partido. Pode-se dizer que os vícios que o PT-PI combatia vieram para dentro da própria

organização partidária.

Observou-se, ainda, que o partido vem mudando suas estratégias a cada eleição

que se sucede. O discurso do PT atual diverge do de sua gênese, visto que o tom de

radicalismo cedeu lugar ao tom de amenidade. Atos e protestos extremos foram substituídos

pela atitude de conciliação e negociação. As práticas condenadas no passado, como

campanhas caras feitas por publicitários, passam a ser uma das novas estratégias assimiladas

pelo partido.

Os princípios rigorosos e seletivos foram ficando em segundo plano. Verifica-se

que o PT mudou, de certa forma, até os próprios princípios. O idealismo e a utopia – no

sentido de construir-se uma sociedade diferente, sem a “exploração do homem pelo homem”

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– é coisa que ficou com o PT da década de 80. A quimera socialista não foi nem ensaiada, já

que as práticas social-democratas não deixaram o palco. Ao contrário, estas foram

intensificadas no que diz respeito às metas sociais, políticas e econômicas implementadas

pelos governos petistas.

As propaladas ética e moral – defendidas nas ruas e que deveriam ser aplicadas no

trato com a coisa pública – desmoronaram-se diante dos “mensalões” e outros atos ignóbeis

de corrupção. Atos condenáveis – como a desigualdade social, a concentração de renda e de

cargo na mesma família – são praticados com naturalidade.

Por fim, as entrevistas trouxeram dados relevantes à pesquisa, visto que – a partir

delas – foram possíveis a dedução e compreensão de opiniões dos atores políticos petistas

sobre a própria entidade partidária no contexto do Piauí. Elas também nos forneceram

subsídios para entender e pontuar, no tempo e no espaço, as transformações por que passou o

partido nessa trajetória de quase três décadas.

As entrevistas possibilitaram, ainda, o ator petista externar o que ele pensa acerca

do PT. E essa visão inerente a cada um deles não consta nos documentos analisados nem

poderia ser tão viva quanto expressa aqui. Se por um lado, os documentos não registram as

mudanças do partido – no tempo e no espaço – na mesma proporção em que elas ocorrem; por

outro, os depoimentos dos atores políticos petistas dão conta da dimensão das transformações

operadas pelo próprio partido. Desse modo, as entrevistas constituem uma das fontes vitais

deste estudo.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante dos dados analisados nos capítulos 2 e 3, verifica-se que se confirmou a

hipótese de que o PT, no Piauí e em nível nacional, promoveu mudanças significativas em seu

projeto original para obter sucesso eleitoral ao longo desses 26 anos de história na sociedade

brasileira. Essas transformações terminaram por descaracterizá-lo e distanciou-o do ideário

defendido em documentos da época da fundação, como a Carta de Princípios, o Programa e

Manifesto do PT18. Isso o levou a se aproximar dos partidos catch-all e de cartel.

Observou-se, diante das evidências, que o PT é realmente um sucesso eleitoral. Em

cinco eleições (1989, 1994, 1998, 2002 e 2006) para a Presidência da República do período

pós-redemocratização, o PT cresceu de eleição em eleição, obtendo respectivamente os

seguintes percentuais: 17,2; 27,0; 31,7; 46,4 e 48,6 por cento, consideradas apenas as votações

do primeiro turno19. E o partido apresentou – em todas elas – um único candidato à

presidência: Luiz Inácio Lula da Silva que foi vitorioso em dois pleitos (2002 e 2006).

Nas três primeiras eleições, o PT manteve a segunda maior votação, perdendo para

Fernando Collor de Melo (1989), eleição ocorrida em dois turnos. Nos pleitos seguintes (1994

e 1998), FHC venceu pelo PSDB. Verifica-se que esses dois partidos polarizaram, de forma

significativa, a disputa presidencial: cada partido galgou dois mandatos. O PT tem sido o ator

político protagonista na sucessão presidencial, mas transformou o Lula em um líder maior do

que o partido, impedindo a projeção de outros candidatos potenciais. Se por um lado, nessas

sucessivas eleições, o PT só teve um candidato; por outro lado, o PSDB demonstrou ter mais

quadro disponível para a disputa, visto que o PSDB apresentou, de maneira alternativa, outros

candidatos em 2002 e 2006.

No cenário piauiense, o PT também é sucesso na arena eleitoral. Na primeira

eleição que disputou, em 1982, conquistou três cadeiras para a Câmara Municipal (inclusive

elegendo a primeira vereadora do PT-PI), em Esperantina, cidade do interior do Estado. Esse

dado merece atenção, pelo menos, por dois motivos. O primeiro trata-se da primeira eleição

que o PT concorre no Estado (e no Brasil) em oposição às forças tradicionais – como o PDS,

PMDB e PFL (formado por dissidentes do antigo PDS e atualmente DEM) – que dominavam

o cenário político piauiense há vinte anos e segundo porque a grande movimentação do PT era

no ABCD paulista: região considerada desenvolvida e, portanto, concentradora de um

18 Tais documentos estão citados em aspectos pontuais no capítulo 2. 19 Cf. tabela 2.4 - Desempenho do PT em eleições para a Presidência de República: 1989-2006

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eleitorado consciente politicamente ao contrário do Estado do Piauí, situado na região

Nordeste. Nessas condições, obter três, do total de onze cadeiras, é um dado (no mínimo)

relevante.

Todavia, no Piauí, não houve essa evolução numérica de crescimento do partido,

de forma significativa, de uma eleição a outra, como ocorreu no cenário nacional. Das sete

eleições para o governo do Estado, o PT obteve desempenho crescente nas quatro primeiras

com os seguintes percentuais: 0,9% (em 1982); 2,6% (em 1986); 5,7% (em 1990) e 15,2%

(em 1994). Embora galgando a terceira posição em todas elas, os dados demonstram que o

partido não foi competitivo. Na eleição de 1998, a coligação PSDB-PT-PSC-PSB atingiu

apenas treze por cento dos votos. Nesse caso, houve um refluxo em relação ao pleito de 1994.

Contudo, nos pleitos posteriores (2002 e 2006), o PT saiu vitorioso, dando um salto insólito,

já que não havia uma evolução de crescimento eleitoral competitivo20.

No entanto, a obtenção do sucesso eleitoral implicou o distanciamento do PT do

seu projeto inicial. Para demonstrar essas transformações pelas quais passou o partido, este

estudo se utiliza das diretrizes do partido no que se refere ao “programa”, à “questão das

alianças” e ao “discurso”, elegendo-os como indicadores de nossa análise.

Na proposta original, consta-se que o PT se propõe a ser um partido de massas.

Em síntese, este tipo de partido se caracteriza por ter sido fundado fora do parlamento e sem a

égide do Estado, apresenta intensa organização interna, possui forte articulação estrutural e

centralização nacional, estabelece rigorosos critérios para filiação, além de doutrinarismo e

relação específica entre lideranças e parlamentares, segundo Duverger (1970).

Noutras palavras, isso significa dizer que o PT surge como partido classista.

Porém, a cada eleição que foi participando, também foi reelaborando as estratégias para

angariar mais votos, independente da clivagem de classes a que pertenciam tais eleitores

recrutados. As regras para se filiar ao partido foram afrouxando-se, não se questionando a

origem do novo integrante nem o submetendo ao processo de formação política, exigências

prioritárias nas décadas de 80 e 90.

Desse modo, o aspecto de “classe” que determinava o partido cedeu lugar para o

de “classes”. Os trabalhadores rurais fundadores do partido foram deixando de ter influência

no partido à medida que este ia institucionalizando-se. Além disso, também foram perdendo

espaço para candidatos advindos de outros setores – como o bancário, magistério e o

funcionalismo público estadual e federal. O partido passou a ter filiados e candidatos mais

20 Cf. tabela 3.2 - Desempenho do PT-PI em eleições para o Governo do Estado: 1982-2006

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abastados e também atraiu setores empresariais, antes compelidos, para financiarem os

candidatos do partido que sobreviviam, politicamente, com a venda de objetos-símbolo do PT

– como estrelinhas, bonés, camisas, além da realização de bingos e outros eventos – além de

sobreviverem com a arrecadação junto aos filiados e com as doações voluntárias de

simpatizantes. O partido operou transformações no seu interior e em suas práticas político-

sociais bastante significativas, alterando o programa original.

A partir da derrota do Lula nas eleições presidenciais de 1989, o PT decidiu, dali

em diante, fazer coligações com partidos considerados progressistas: PSB, PV, PCB e

PCdoB; e em casos excepcionais, com o PDT, PSDB e os chamados “autênticos” do PMDB,

contrariando a decisão de não se coligar com partido algum tomada no “I Encontro Nacional

do PT”, realizado nos dias 8 e 9 de agosto, em São Paulo. O PT defendia a ideia de que era

um “partido puro” e daí não poderia aliar-se com quem não garantia os direitos dos

trabalhadores.

Com o passar do tempo, o PDT e PSDB deixaram de ter o caráter de

excepcionalidade e passaram a compor a base de alianças do PT. Mário Covas, do PSDB,

perdendo as eleições presidenciais (em 1989) no primeiro turno, apoiou informalmente o PT

no segundo. Em termos locais, como se afirmou anteriormente nesta seção, o PT já concorreu

ao Governo do Estado coligado com o PSDB.

Detecta-se que o PT criticava os blocões que se juntavam em torno de alguns

partidos, mas o PT também, para obter mais capital político, utilizou-se do mesmo

expediente. O partido chega ao poder central do Estado, nas duas gestões, liderando as

frentes: PT-PTN-PCdoB-PL-PTdoB-PAN-PCB-PMN e PT-PSB-PTB-PCdoB-PL. Nas

eleições municipais de 2004, o PT-PI rompe com os critérios para compor coligações, pois se

aliou inclusive com o PFL: o prefeito reeleito de São João do Arraial formou o blocão PT-

PDT-PL-PFL-PSDB-PCdoB e o prefeito de Sebastião Leal foi eleito pela coligação PT-PTB-

PDT-PFL. Mas o PT-PI não constitui caso isolado. A primeira coligação do PT com o PFL

aconteceu na eleição de 2000, em Volta Redonda (RJ), Rio de Janeiro, em que o prefeito

eleito, Antonio Francisco Neto, liderou o blocão PSB-PT-PAN-PDT-PSL-PL-PPS-PMN-

PFL-PPB-PTB-PST-PRP-PRTB-PCdoB-PTdoB-PTN-PV.

Outro aspecto é o fato de que o partido surge com uma forte linha ideológica de

cunho socialista-marxista. Como decorrência disso, passa-se a pregar a moratória e o

rompimento com o FMI: o capitalismo é visto como uma ameaça e só pode ser tratado a

“ferro e fogo”. Além disso, a social-democracia não serve, pois é algo abominável. Mas essas

bandeiras pontuais que tiveram tanto alarde, no seio partidário e fora dele, hoje fazem parte do

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PT dos anos 80. As gestões petistas de Wellington Dias, no Piauí, e de Lula, na Presidência da

República, conviveram harmoniosamente com o capital e a social-democracia. Isso se explica

porque essas gestões integram o contexto do PT do ano de 1999, em que o debate interno do

partido era em torno da validade, ou não, do socialismo.

O fato é que o partido alargou seus horizontes ideológicos, recrutando levas de

filiados: sejam eles pessoas comuns ou políticos detentores de cargos eletivos. O PT mudou

deslocando-se das propostas e metas prescritas no seu eixo original. O partido abriga uma

massa de integrantes atomizados que não estabelecem ligação com o ideário petista. Parece

que não há mais uma “ideologia petista”, mas “ideologias” ou, dito de outra forma, estratégias

para se obter sucesso eleitoral de forma pragmática: vencer eleições.

É, diante desses fatos, que se confirma a aproximação do PT aos partidos catch-all

e de cartel – tão difusos e vagos em termos doutrinários. O partido se “aburguesou”

distanciando-se de suas bases para ampliar seu eleitorado e conseguiu esse intento. O partido

se tornou “pluriclassista”21, parecendo-se com outros existentes na sociedade brasileira.

Em suma, apontamos três indicadores para pontuar as transformações que o PT

realizou, no tempo e no espaço, ao longo de sua trajetória. O primeiro deles é que não existe

mais critério ideológico para compor alianças e, sim, o contexto de cada eleição. O segundo é

o tom do discurso de partido de esquerda ou de orientação socialista que ficou no passado. E

o terceiro indicador se fundamente no fato de que o programa original petista foi

descaracterizado. Nele, ainda se mantém o viés socialista, mas as práticas sócio-político-

econômicas das gestões petistas, no Estado do Piauí e na Presidência da República,

contradizem isso.

O governo Lula se aliou às forças tradicionais as quais combatiam. E o PT-PI fez

diferente? O governo de Wellington Dias também revigorou setores que sempre dominaram

os cenários político e econômico do Piauí. A máquina do Estado não passou por mudanças

estruturais significativas que rompessem o modelo existente a fim de constituir-se uma

novidade na gestão petista. As ações foram direcionadas a incrementar o que já se fez antes. A

novidade da gestão petista à frente do Governo do Estado do Piauí está no fato de que, com o

PT, uma nova elite ascendeu ao poder.

Enfim, o partido se burocratizou e se tornou mais pragmático, marcado pela “lei

férrea da oligarquia” que tanto advertiu Michels (1982). O PT mudou tanto que parece que

promoveu a “desconstrução da própria identidade ideológica partidária”. Mas, isso é um

21 Cf. PRZEWORSKI, 1989.

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ponto que só outra pesquisa pode responder. Esta tem somente a pretensão de ter contribuído

para o debate sobre o objeto em estudo dentro de uma nova perspectiva de análise, além de

afirmar-se que os partidos políticos importam e constituem atores políticos protagonistas para

a consolidação das democracias nas sociedades ocidentais contemporâneas.

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ENTREVISTAS

Adalberto Pereira de Sousa. Funcionário público federal; fundador do PT; candidato a deputado estadual em 1982; gestor público do governo estadual petista, gestões 2003-2010. Teresina, 08 de fevereiro de 2010. Cícero Magalhães Oliveira. Comerciário; sindicalista; eleito vereador de Teresina para o mandato 2004-2008; eleito deputado estadual para o mandato 2006-2010. Teresina, 28 de janeiro de 2010. Edilberto Borges de Oliviera, o Dudu. Vereador de Teresina; gestor público do governo estadual petista, gestões 2003-2010. Teresina, 22 de março de 2010. Flora Izabel Nobre Rodrigues. Funcionária pública federal; ex-vereadora de Teresina; reeleita deputada estadual para o mandato 2006-2010. Teresina, 11 de fevereiro de 2010. Francisca de Almeida Mascarenhas. Professora; fundadora do PT; funcionária pública federal aposentada; gestora pública do governo estadual petista, gestões 2003-2010. Teresina, 10 de fevereiro de 2010. Francisco das Chagas de Araújo. Trabalhador rural; fundador do PT; sindicalista; radialista; um dos primeiros vereadores eleitos pelo PT de Esperantina para o mandato 1982-1986. Esperantina, 20 de fevereiro de 2010.

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Francisco de Sales V. Sousa. Ex-presidente da FAMCC, ex-vereador de Teresina; presidente reeleito do Diretório Municipal para o mandato 2010-2013. Teresina, 29 de março de 2010. João Gualberto dos Santos Soares. Fundador do PT; assessor na ALEPI, Teresina, 02 de fevereiro de 2010. José Carvalho da Silva. Teólogo, fundador do PT; um dos primeiros vereadores eleitos pelo PT de Esperantina para o mandato 1982-1986. Esperantina, 23 de fevereiro de 2010. José Ribamar dos Santos. Trabalhador rural; fundador do PT. Teresina, 02 de fevereiro de 2010. Maria Alice Alencar Correia. Professora; gestora pública do governo petista na prefeitura de São João do Arraial, gestões 2003-2010; a primeira mulher eleita vereadora, no Piauí, pelo PT de Esperantina para o mandato 1982-1986. São João do Arraial, 21 de fevereiro de 2010. Oscar de Barros Sousa. Funcionário público federal; radialista; gestor público do governo petista, gestões 2003-2010. Teresina, 04 de fevereiro de 2010.

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APÊNDICE

APÊNDICE A - Roteiro da entrevista, com 12 perguntas, aplicado a todos os entrevistados.

___________________________________________________________________________

01. Em que ano o (a) senhor (a) se filiou ao PT? Quais os motivos que levaram o (a) senhor (a) a se filiar ao PT?

02. O PT era um partido pequeno, mas hoje ele é um partido grande. O PT mudou para se

tornar competitivo eleitoralmente? 03. Quais mudanças o (a) senhor (a) pode apontar? 04. Para o (a) senhor (a), o PT de hoje é diferente em que daquele dos anos 80? 05. Em sua opinião, o PT tem mudado o discurso no decorrer das sucessivas eleições? 06. O PT não abriu demais o leque para compor novas alianças partidárias? 07. O PT nasceu com uma postura socialista/estatizante, mas na prática tem-se mostrado

mais social-democrata. Como o (a) senhor (a) vê isso? 08. O que o Governo do PT no Estado do Piauí (gestão 2003-2006), liderado pelo

governador Wellington Dias, tem de diferente em relação aos governos do PMDB e do PFL (hoje DEM) que o antecederam?

09. O que o governo petista (gestão 2003-2006) trouxe de novo para a política piauiense? 10. Na sua opinião, o PT rompeu com a política tradicional que era feita no Piauí? Em quê? 11. Tradicionalmente, o PT é apontado como partido forte na capital do Piauí. Mas em

2000, a dupla Wellington Dias e Francisca Trindade, respectivamente candidatos a prefeito e vice, perderam as eleições no primeiro turno para Firmino Filho (PSDB); em 2004, a candidata Flora Izabel ficou em 4º lugar, inclusive perdendo para Quem-Quem que ficou em 3º. Como o (a) senhor (a) vê o desempenho do PT na capital?

12. A postura do PT na oposição é uma coisa e no exercício do Poder Executivo é outra? LEGENDA: PT – Partido dos Trabalhadores PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro PFL – Partido da Frente Liberal DEM – Democratas PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira ___________________________________________________________________________

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ANEXOS

ANEXO A – Registros provisório e definitivo do Partido dos Trabalhadores – PT nacional, deferidos pelo TSE.

___________________________________________________________________________

PARTIDO DOS TRABALHADORES – PT

� REGISTRO PROVISÓRIO.

O PT, representado por seu presidente nacional, o Sr. Luís Inácio Lula da Silva, na data de 22.10.80, requereu a esta egrégia Corte, mediante petição protocolizada sob n° 3713/80, o pedido de seu REGISTRO PROVISÓRIO, o qual originou o PROCESSO DE REGISTRO nº 35, deferido em sessão de 1.12.80, nos termos da Reso1ução/TSE n° 10.965, publicada no Diário da Justiça de 29.4.81. � REGISTRO DEFINITIVO.

Dentro do prazo legal, de doze meses, previsto na Lei n° 5.682/71, o PT, em petição protocolizada sob nº 3734/81, por intermédio de seu presidente nacional, o Sr. Luís Inácio Lula da Silva, requereu a concessão do seu REGISTRO DEFINITIVO, da qual originou o PROCESSO DE REGISTRO nº 43, sendo o mesmo deferido em sessão do dia 11.2.82, nos termos da Resolução/TSE nº 11.165, publicada no Diário da Justiça de 18.3.82. � ADAPTACÃO DO ESTATUTO À LEI N° 9.096/95.

Com o advento da Lei nº 9.096, promulgada em 19 de setembro de 1995, que inaugurou uma nova fase de vida partidária nacional, passando a tratar da organização e criação de novas agremiações partidárias, os partidos que se encontravam com registros provisórios deferidos pelo Tribunal Superior Eleitoral, ainda, pela égide da já revogada Lei nº 5.682/71, foram obrigados a adaptar seus estatutos em conformidade com essa nova lei.

Em razão desta, o novo presidente do PT, o Sr. José Dirceu de Oliveira e Silva

requereu, junto a este egrégio Tribunal Superior, a adaptação do estatuto partidário, mediante expediente protocolizado sob nº 3398/96, o qual originou a PETIÇÃO nº 101, sendo a mesma deferida em sessão de 26.4.96, nos termos da Resolução/TSE nº 19.530, publicada no Diário da Justiça de 13.5.96.

___________________________________________________________________________

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ANEXO B - Registros provisório e definitivo do Partido dos Trabalhadores – PT-PI, deferido pelo TSE e comunicado ao TRE-PI.

___________________________________________________________________________

TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO ESTADO DO PIAUÍ

PROC. Nº ________ CLASSE ________ ZONA ________ MUNICÍPIO ______________

Julgados em ______ / ______ / ______ Publ. em sessão de ______ / ______ / ______

Relator _________________________________________________________

Partido: PARTIDO DOS TRABALHADORES – P.T.

REGISTRO DE DIRETÓRIO

FOI DEFERIDO O REGISTRO DEFINITIVO DO PARTIDO DOS TRABALHADORES –

P.T., PELO COLENDO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL – T.S.E., EM SESSÃO

REALIZADA EM DATA DE ONZE DE FEVEREIRO DE MIL NOVECENTOS E

OITENTA E DOIS (11.02.1982), APRECIANDO O PROCESSO NÚMERO 43, CLASSE

“7”. (COMUNICAÇÃO FEITA ATRAVÉS DE TELEX, CIRCULAR NÚMERO 09),

DATADO DE DOZE DOS MESMOS MÊS E ANO CITADOS (12.02.1982).

___________________________________________________________________________

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Em sessão do dia 1º.12.80, o Colendo Tribunal Superior Eleitoral deferiu o registro provisório do Partido dos Trabalhadores (PT), e concedeu o prazo de um ano para a sua organização.

Conforme cópia autêntica da Ata de 13.04.81 da Reunião da Comissão Diretora Regional Provisória do Estado do Piauí do Partido dos Trabalhadores (PT) comunica a este TRE, através do Of. S/N do Sr. Antônio José Castelo Branco Medeiros, a composição dos seguintes nomes:

José Pereira da Silva - Presidente Antônio José Castelo Branco Medeiros - Vice-presidente Francisca de Almeida Mascarenhas - Secretária Geral José Ribamar dos Santos - 1º Secretário Manuel Antônio Nunes Meireles - Tesoureiro Geral João Gualberto dos Santos Soares - 1º Tesoureiro

DELEGADOS PROVISÓRIOS Antônio José Castelo Branco Medeiros Manuel Antônio Nunes Meireles Francisco Antônio Leite José Ribamar dos Santos

Em sessão de 11.02.82, o Colendo T.S.E., apreciando o processo de nº 43 da Classe Sétima, deferiu o registro definitivo do Partido dos Trabalhadores – PT, comunicado por Telex circ. nº 09 de 12.02.82.

___________________________________________________________________________