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José Ferrari Neto RECONHECIMENTO DO NÚMERO GRAMATICAL E PROCESSAMENTO DA CONCORDÂNCIA DE NÚMERO NO SINTAGMA DETERMINANTE NA AQUISIÇÃO DO PORTUGUÊS BRASILEIRO Dissertação apresentada ao Departamento de Letras da PUC/RJ como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Estudos da Linguagem Orientadora: Prof.ª Dr.ª Letícia Maria Sicuro Corrêa Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Departamento de Letras Abril de 2003

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José Ferrari Neto

RECONHECIMENTO DO NÚMERO GRAMATICAL E PROCESSAMENTO DA CONCORDÂNCIA DE NÚMERO NO

SINTAGMA DETERMINANTE NA AQUISIÇÃO DO PORTUGUÊS BRASILEIRO

Dissertação apresentada ao Departamento

de Letras da PUC/RJ como parte dos requisitos para a obtenção do título de

Mestre em Estudos da Linguagem

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Letícia Maria Sicuro Corrêa

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Departamento de Letras

Abril de 2003

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José Ferrari Neto

Reconhecimento do número gramatical e processamento da concordância de número no sintagma determinante

na aquisição do Português Brasileiro

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre pelo programa de Pós-graduação em Letras do Departamento de Letras do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.

Prof.ª Drª. Letícia Maria Sicuro Corrêa Orientadora

Departamento de Letras – PUC/RJ

Profº. Drº. Jürgen Heye Departamento de Letras – PUC-Rio

Prof.ª Drª. Marina Rosa Ana Augusto UNICAMP

____________________________________________ Profº. Drº. Jürgen Heye

Coordenador Setorial do Centro de Teologia e Ciências Humanas

Rio de Janeiro, de 2003.

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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, do autor e do orientador.

José Ferrari Neto

Graduou-se em Letras (Português/Literatura) pela UCP (Universidade Católica de Petrópolis) em 1999. Obteve o título de especialista em Língua Portuguesa ao concluir o curso de pós-graduação latu-sensu na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) em 2000. Trabalhou como docente de Língua Portuguesa em várias instituições de ensino em Petrópolis/RJ. Atua, desde 2001, como pesquisador do LAPAL (Laboratório de Psicolingüística e Aquisição da Linguagem), da PUC/RJ.

Ficha catalográfica CDD: 400

Ferrari Neto, José

Reconhecimento do número gramatical e processamento da concordância de número no sintagma determinante na aquisição do português brasileiro / José Ferrari Neto ; orientadora: Letícia Maria Sicuro Corrêa. – Rio de Janeiro : PUC-Rio, Departamento de Letras, 2003. 112 f. : il. ; 30 cm Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Letras. Inclui referências bibliográficas 1. Letras – Teses. 2. Aquisição da Linguagem. 3. Número gramatical. 4. Teoria lingüística. 5. Psicolingüística. 6. Bootstrapping. I. Corrêa, Letícia Maria Sicuro. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Letras.. III. Título.

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DEDICATÓRIA

Dedico esta dissertação primeiramente a Deus, Nosso Senhor, por criar algo tão

enigmático e fascinante como a linguagem humana, e nos dotar de espírito,

capacidade e vontade para mergulhar na árdua tarefa de decifrar os segredos que

ela encerra. Em segundo lugar, a meus pais, José Geraldo e Roberto Luís, e a

minha mãe Maria Cristina, que certamente torceram e continuam torcendo muito

por mim. E, por fim, a mim mesmo, por ter perseverado neste duro e difìcil

caminho que é a vida de pesquisador, a despeito de todas as tentações, desânimos,

estresses e desesperos que pontuaram a elaboração deste trabalho. A todos vocês,

e a mim, um brinde a nossa conquista.

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AGRADECIMENTOS

Quando resolvi, ao final do curso de graduação, participar da seleção para um

programa de mestrado, não foram poucos aqueles que me advertiram sobre as

dificuldades da vida de pós-graduando. Mais de uma vez ouvi da boca de ex-

mestrandos coisas terríveis acerca dos professores, em sua ampla maioria

descritos como seres irascíveis e impacientes, que quase escravizavam os alunos

com exigências absurdas e os humilhavam na hora da avaliação. Os colegas

também as críticas não os poupavam, tidos como egoístas, mal-humorados e

capazes de negar a mais simples ajuda a um companheiro em apuros. E que me

preparasse para a cara feia dos familiares e amigos, os quais passariam a me ver

como um ser arrogante e prepotente, só preocupado com uma pesquisa sem pé

nem cabeça. Aprovado na seleção, temi pelo pior e rezei muito no dia da

matrícula. Hoje, em vias de defender esta dissertação, percebo o quão enganado

eu fui. Em realidade, não pude encontrar ambiente melhor e mais acolhedor, tanto

da parte de alunos e funcionários quanto dos professores e orientadores, amigos e

familiares. Nunca teria sido capaz de concluir este trabalho sem a inestimável

ajuda daqueles que me cercaram durante dois anos. Meus agradecimentos,

portanto, devem se dirigir ao pessoal do LAPAL (Érica, Cristina, Marisa, Renata,

Diogo e Claver, todos vocês são parte desta dissertação !); à Rosana, Rosane,

Samara, Lígia, e todas as outras mães que gentilmente permitiram que seus filhos

e alunos participassem dos testes; à minha professora e orientadora Letícia (não

sei de onde você conseguiu tirar paciência para me orientar !); ao CNPQ, pela

bolsa de estudos concedida e religiosamente paga; e, em especial, à minha esposa

e assistente Luciana, que durante o dia aturava meu nervosismo e mau-humor, à

tarde sofria junto a mim realizando testes e coletas de dados, e à noite ainda tinha

de dormir sozinha, enquanto eu varava madrugadas diante do computador...

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RESUMO

Este trabalho consiste em uma caracterização inicial das habilidades de

processamento presentes nas crianças que adquirem o sistema de número

gramatical em português. Foi realizada uma coleta longitudinal de dados de

produção durante 4 meses com 2 crianças de 24-28 meses e 21-25 meses, cujo

objetivo foi obter dados de produção lingüística semi-espontânea que permitissem

identificar exemplos de produção de formas flexionadas em número. Realizaram-

se também 3 experimentos de reconhecimento de imagens, com crianças de 18 a

28 meses e 30 a 42 meses, os quais visavam a verificar (i) se a criança distingue

nome flexionado em número de nome não-flexionado; (ii) se a criança percebe

onde se localiza a marca de número no português em palavras de seu vocabulário

e em pseudo-palavras que remetem a objetos inventados; e, por fim, contrastar

dados de experimentos semelhantes relativos a gênero gramatical, de modo a

averiguar se crianças processam concordância de número no DP. A hipótese de

trabalho que orienta esta dissertação é a de que a informação relativa a número

contida nos elementos que formam a categoria funcional Determinante (D) é

crucial para a identificação do sistema de número no português. Os valores

relativos a número identificados nos elementos da categoria D como marcado/não

marcado são interpretados semanticamente como singular e plural por meio do

mecanismo da concordância, sendo a identificação do número gramatical mais

custosa do que a do gênero gramatical em virtude de o número ser um traço

opcional e de este traço veicular informação semântica a ser associada a classes

morfofonológicas identificadas no Det e no Nome. O modelo de língua assumido

nesse estudo é o sugerido pelo Programa Minimalista (Chomsky, 1995).

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ABSTRACT

This work is concerned with the acquisition of the Portuguese number system.

Longitudinal production data of two children (24-28 months and 21-25 months)

were collected for 4 months in order to verify whether there is evidence of the use

of number inflected forms. 3 picture-identification experiments were carried out

with children ranging from 18 to 28 months and 30 to 42 months, whose aim was

to verify (i) whether children would distinguish number inflected from number

uninflected nouns (ii) whether they would process number agreement in the DP

and the extent to which they would perceive number incongruence and

ungrammaticality as far as number agreement in the DP is concerned. Both nouns

from children’s vocabulary and pseudo-nouns were used. The latter was indented

to constraint semantic information to the number affix. These data were

contrasted with the results on gender (Name, 2002), which suggest that young

children (mean age 24 months) perceive gender incongruence between D and N in

the processing of a DP. The working hypothesis of this study is that children

identify morphological information concerning number and gender within the

closed class of determiners. The fact that number is basically an optional feature,

which can be expressed in the Noun, would nevertheless, make the acquisition of

grammatical number to be relatively more demanding than the identification of

grammatical gender. The linguistic framework assumed here is the Minimalist

Program (Chomsky, 1995).

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Sumário 1. Introdução:.........................................................................................................9

1.1. Hipótese de Trabalho................................................................................10 1.2. Objetivos...................................................................................................12 1.3. Justificativa da Proposta...........................................................................13 1.4. Contexto Teórico e Escopo do Trabalho...................................................14 1.5. Apresentação da Categoria Lingüística de Número..................................18 1.6. Problemas Relativos à Aquisição do Número Gramatical........................20 1.7. Organização do Trabalho..........................................................................21

2. Revisão da Literatura:......................................................................................22

2.1. O Número em Português..........................................................................22 2.2. O Número nas Diferentes Línguas...........................................................25 2.3. A Aquisição do Número Conceitual.........................................................30 2.4. A Aquisição do Número Gramatical.........................................................36 2.5. Considerações Finais................................................................................42

3. Fundamentação Teórica...................................................................................45

3.1. O Problema da Aquisição sob a Perspectiva da Criança..........................45 3.2. O Programa Minimalista (Chomsky, 1995).............................................48

3.2.1. O Número Gramatical no Programa Minimalista.........................49 3.2.2. A Concordância no Programa Minimalista...................................50

3.2.2.1.A Concordância no DP............................................................53 3.3. A percepção das propriedades fônicas do estímulo acústico pelos

bebês.........................................................................................................55 3.4. A percepção de morfemas pelo bebê........................................................56 3.5. Sensibilidade Precoce dos Bebês aos Determinantes e Desenvolvimento

da Cognição Numérica..............................................................................58 3.6. O Bootstrapping........................................................................................58 3.7 Conclusão...................................................................................................59

4. Metodologia.....................................................................................................61 4.1. O Paradigma da Tarefa de Seleção de Imagens.......................................61 4.2. A Coleta Longitudinal de Dados..............................................................63

5. Dados Longitudinais e Experimentos: ............................................................65

5.1. Análise da Coleta Longitudinal de Dados.................................................66 5.2. Experimento 1 – Percepção das Crianças à Presença de Morfema de

Número no Nome......................................................................................70 5.3. Experimento 2 – Sensibilidade das Crianças à Concordância de Número

no DP (com voz sintetizada e nomes reais)..............................................79 5.3.1. Comparação dos Resultados entre Número e Genero....................85

5.4. Experimento 3 - Sensibilidade das Crianças à Concordância de Número no DP (sem voz sintetizada e com nomes inventados).............................90

5.5. Conclusão..................................................................................................95 6. Conclusão Geral...............................................................................................97 7. Anexos............................................................................................................100 8. Bibliografia....................................................................................................110

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1. Introdução:

Este trabalho consiste em uma caracterização inicial das habilidades de

processamento do número gramatical em fase inicial (de 18 a 42 meses) da

aquisição do português brasileiro. A partir da análise dos resultados de uma coleta

longitudinal de dados de produção e de uma série de experimentos, buscou-se

caracterizar o reconhecimento do número gramatical e o processamento da

concordância de número no sintagma determinante na aquisição do português

brasileiro.

Esta dissertação está vinculada ao Projeto Integrado do Grupo de Pesquisa

Processamento e Aquisição da Linguagem do LAPAL (Laboratório de

Psicolingüística e Aquisição da Linguagem da PUC/RJ), onde são desenvolvidas

pesquisas experimentais com o objetivo de prover modelos teóricos a serem

tomados como base para o estudo do desenvolvimento lingüístico de crianças. O

contexto teórico no qual estes modelos são desenvolvidos é o de uma teoria de

aquisição da linguagem que tem por objetivo conciliar Teoria Lingüística com

teorias do processamento lingüístico. Teorias de aquisição de linguagem que são

propostas em termos unicamente lingüísticos ou psicolingüísticos tendem a deixar

de lado elementos fundamentais no processo, como a definição do estágio inicial

de aquisição e do objeto a ser adquirido (como é o caso de teorias desenvolvidas

no âmbito da Psicolingüística e da Psicologia do Desenvolvimento), ou o modo

como a criança segmenta porções do input em unidades perceptuais

lingüisticamente relevantes (como acontece nos modelos baseados unicamente em

uma teoria de língua). Daí a necessidade de se buscar uma conciliação entre estas

duas disciplinas.

No que tange à teoria lingüística, a corrente gerativista, das suas primeiras

formulações até os seus desenvolvimentos mais recentes, tem se preocupado com

o problema da aquisição da linguagem, procurando definir o estágio inicial do

processo e aquilo que é de fato adquirido, numa perspectiva que concebe a

linguagem como um sistema cognitivo biologicamente especificado. Assim, tal

vertente de estudos lingüísticos se nos afigura como relevante para os propósitos

aqui pretendidos, razão pela qual esta dissertação nela se baseará.

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A aquisição da linguagem vista pelas mais recentes formulações da teoria

gerativa, tais como o Modelo de Princípios e Parâmetros (Chomsky, 1981) e o

Programa Minimalista (Chomsky, 1995) tratam o problema da aquisição em

termos de princípios universais comuns às diversas línguas do globo, e de

parâmetros a serem fixados pela criança no decorrer do seu desenvolvimento

lingüístico. A enorme variação observada entre as línguas seria produto das

diferentes possibilidades de fixação destes parâmetros, os quais estariam restritos

à força dos traços das categorias funcionais.

1.1 - Hipótese de Trabalho

A hipótese de trabalho que orienta esta dissertação é a de que a informação

relativa a número contida nos elementos que formam a categoria funcional

Determinante (D) é crucial para a identificação do sistema de número no

português. Os valores relativos a número identificados nos elementos da categoria

D como marcado/não marcado são interpretados semanticamente como singular e

plural por meio do mecanismo da concordância. Estudos recentes demonstram que

crianças em fase de aquisição são sensíveis tanto aos determinantes (Holle &

Weissenborn 2000) quanto a propriedades fônicas destes mesmos determinantes

(Name 2002; Name e Corrêa, 2002), dando, portanto, suporte a esta hipótese aqui

assumida, no que concerne às classes morfológicas identificadas no âmbito da

categoria D. A presente dissertação pretende investigar o quanto de informação

relativa a número a criança pode reconhecer no âmbito do DP1, bem como

averiguar suas habilidades no que se refere à concordância de número.

Por outro lado, esta dissertação pretende traçar um paralelo entre os

processos de aquisição de gênero e de número, visando fundamentalmente ao

estabelecimento de distinções entre as duas categorias e entre os dois processos. O

traço de número em português guarda significativas diferenças em relação ao

traço de genêro. Em primeiro lugar, o traço de gênero é predominantemente um

1 DP (determiner phrase). Abney (1987) sugere que a categoria funcional D também projeta níveis X’’ através da combinação da projeção X’ com um especificador. Segundo esta hipótese, os NPs seriam de fato DPs, projeções da categoria D e não da categoria N. O papel de NP seria o de complemento de D. A este respeito, ver também Fukui e Speas (1986) apud Raposo (1992).

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traço intrínseco, que se apresenta arbitrário para o falante da língua.

Conseqüentemente, o valor assumido por este traço precisa ser armazenado na

entrada lexical do item vocabular. Já o traço de número, por sua vez, é um traço

opcional para a grande maioria dos nomes em português2. Desta forma, o valor

assumido por este é conceitualmente interpretável e dependente da referência num

particular contexto de enunciação, o que só não ocorre com o traço de gênero em

um subconjunto dos nomes [+animados].

A aquisição do número gramatical parece ser afetada pela opcionalidade

do traço de número (Corrêa, Name e Ferrari-Neto, 2003). A explicação para tal

dificuldade reside no fato de um traço opcional requerer processamento semântico

adicional.. Daí a previsão de que a aquisição do número é mais demorada e

custosa do que a do gênero, em virtude de envolver processamento semântico

adicional. Procurar-se-á verificar esta previsão por meio de uma comparação dos

resultados dos experimentos sobre aquisição do número realizados no âmbito

desta dissertação com os resultados obtidos por Name (2002) a respeito da

aquisição do gênero gramatical.

Deve ser notado que o número gramatical pode ter manifestações

diferentes em diferentes línguas. Cabe à criança o modo como o número se

apresenta na língua em aquisição. No PB, o número se apresenta

morfologicamente crucialmente em D (dialetos não padrão) assim como em D, N,

Adj, V, Particípio (dialeto padrão), havendo muita flutuação em um mesmo

falante. Pode ser, portanto que a própria fixação dos parâmetros relativos a

número gramatical seja uma dificuldade para criança. Neste estudo, procuraremos

verificar onde a criança (imersas em dialeto predominantemente padrão) identifica

informação semântica relativa a número – no Determinante, no Nome ou em

ambos.

2 Para a distinção entre traço intrínseco e traço opcional, bem como para exemplificação dos mesmos, ver item 3.2.2

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1.2 - Objetivos

Nesta dissertação busca-se descrever o reconhecimento do número

gramatical e o processamento da concordância de número no sintagma

determinante na aquisição do sistema de número gramatical em português, além

de comparar esta aquisição com a aquisição do sistema de gênero, com base em

experimentos com dados do português, feitos com crianças entre 18 e 28 meses e

com crianças de 30 a 42 meses, e por meio de um estudo longitudinal que analisou

dados de produção lingüística de duas crianças falantes nativas de português.

Tanto os experimentos quanto o estudo longitudinal concentraram-se na análise da

manifestação do número gramatical nos elementos que formam o DP. Pretendeu-

se, com isso, determinar algumas competências básicas necessárias para a

aquisição do número gramatical em uma etapa inicial.

Assim, esta dissertação se concentra nas etapas iniciais do processo de

aquisição, quando, a despeito de a produção lingüística da criança ainda ser

bastante limitada, já há um contínuo desenvolvimento de habilidades perceptuais

relevantes para o processamento do material lingüístico e conseqüente aquisição

da língua em questão. É preciso pressupor a presença de habilidades perceptuais

que permitam o processamento da informação relativa a número, em seus aspectos

fônicos e distribucionais (o que estaria na alçada de uma teoria do processamento

lingüístico) e a existência de um programação biológica que possibilite um

tratamento lingüístico à informação processada (o que estaria no âmbito de uma

teoria de língua).

Assim, um dos objetivos gerais deste estudo é construir uma

caracterização preliminar das habilidades perceptuais necessárias para a

identificação da informação relativa a número gramatical (o que e quanto de

informação a criança é capaz de retirar do input); combinada com uma descrição

do número gramatical baseada na teoria lingüística (o que de fato deve ser

adquirido e o que a criança já sabe acerca de número gramatical), obedecendo

assim à perspectiva teórica assumida. Um outro objetivo geral é a elaboração de

uma revisão crítica da literatura sobre a aquisição do número gramatical e do

número conceitual em português e em outras línguas, bem como sobre a aquisição

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do gênero, desejando-se com isso mostrar o que já foi pesquisado sobre o assunto,

e ao mesmo tempo justificar o enfoque teórico aqui assumido.

No que tange aos objetivos específicos, esta dissertação pretende:

• Caracterizar o que se apresenta como um problema para a criança

no que diz respeito a número gramatical, no processamento do

material lingüístico da fala, especificando preliminarmente o que

seria requerido da criança, em termos de habilidades perceptuais,

para que ela adquira o sistema de número em uma língua.

• Analisar dados de produção lingüística de crianças em fase de

aquisição, com vistas a verificar como a criança formula

lingüisticamente informação relativa a número conceitual.

• Verificar as habilidades da criança no que concerne à presença de

morfema de número no nome, bem como a habilidade de

processamento de concordância de número no DP.

• Comparar o processo de aquisição do número com o processo de

aquisição do gênero, visando com isso a uma melhor caracterização

de ambas as categorias, bem como a uma descrição mais explícita

das diferenças entre ambos os processos.

1.3 - Justificativa da Proposta

O presente estudo concentra-se na caracterização dos processos de

aquisição do número por crianças falantes de português, considerando-se a

possibilidade de esta caracterização ser estendida às demais línguas, portanto

fazendo parte de uma teoria geral de aquisição. Justifica-se tendo em vista a quase

inexistência de trabalhos sobre tal tema com dados do português. Seu enfoque

básico incide sobre a necessidade de se obterem dados preliminares do grau de

reconhecimento da criança à informação relativa a número presente no input

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lingüístico, além de comparar o processo de aquisição do número com o

mecanismo de aquisição do gênero, visando evidenciar possíveis diferenças entre

as duas categorias. Justifica-se, também, em virtude de este tema apresentar

potencialmente dados relevantes para estudos sobre deficiências específicas de

linguagem (DEL). Este trabalho também constitui-se no início de um estudo mais

avançado, a ser elaborado em etapa acadêmica posterior, o qual visa a estudar a

aquisição do sistema de número considerando-se as possíveis influências dos

diferentes sistemas de concordância de número co-existentes, cujas manifestações

morfológicas variam de acordo com a classe social, sobre o processo de aquisição

do número gramatical.

1.4 - Contexto Teórico e Escopo do Trabalho

Uma teoria de língua de base gerativa tem por objetivo básico determinar o

estado inicial em que se acha uma criança submetida a um input lingüístico

qualquer. Tal teoria de língua deve igualmente fornecer uma descrição do estado

final do processo, ou seja, do estado estável de aquisição de uma língua. No que

tange ao número gramatical, é preciso dotá-lo de um status tal que seja possível

explicar a sua aquisição por qualquer falante normal (que não apresente

deficiências cognitivas específicas para a língua) de qualquer língua do mundo.

Em outros termos, é preciso inserir a categoria de número em uma teoria de língua

que dê o suporte teórico básico para a explicação do que deve ser adquirido,

representando assim o marco inicial de qualquer descrição do processo. Iniciando-

se a abordagem do problema da aquisição de número pelo que tange à Teoria

Lingüística, recorre-se ao modelo de Princípios e Parâmetros (Chomsky, 1981) e à

sua formulação mais recente, o Programa Minimalista (Chomsky, 1995), uma vez

que essa proposta teórica apresenta a língua como um sistema cognitivo,

comprometendo-se, portanto, com a questão da aquisição da linguagem.

Sendo assim, o pressuposto teórico que orienta esta dissertação é a de que

existe uma programação biológica, específica da espécie humana e voltada

unicamente para a linguagem, responsável pela aquisição de uma primeira língua,

definida como um conjunto inato de mecanismos que atuam sobre os dados

lingüísticos primários aos quais a criança está exposta. Esta programação é

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conhecida como Gramática Universal (GU)3 e, no âmbito do modelo Princípios e

Parâmetros, vem sendo formalmente caracterizada como uma série de princípios

universais pertencentes à faculdade de linguagem, e de parâmetros não-marcados

que têm seu valor fixado por meio do contato com a língua materna. No Programa

Minimalista, assume-se que a GU corresponde a um sistema computacional

lingüístico que atua sobre os dados do input. A GU é concebida como o estágio

inicial do processo de aquisição de linguagem, sendo as diferentes línguas do

globo diferentes combinações de parâmetros ativados. Nesta perspectiva, o

problema da aquisição pode ser posto em termos de fixação de valores

paramétricos por parte da criança, com base nas informações extraídas do input

lingüístico que lhe é oferecido.

Além disso, é mister relacionar a informação relativa a número lingüístico

a um sistema de processamento do material fônico, cuja função básica é permitir à

criança processar os enunciados lingüísticos a que é submetida, retirando deles a

informação necessária para a aquisição. Isto está no âmbito de uma teoria do

processamento lingüístico e de aquisição de linguagem. No que diz respeito à

teoria psicolingüística, a questão reside no fato de que a criança que processa o

material lingüístico o faz de alguma forma, extraindo dele a informação relevante

para a aquisição. Neste ponto, a articulação com uma teoria de língua é inevitável,

uma vez que o processo de aquisição da linguagem é intimamente dependente

daquilo que é definido como o problema de aquisição, ou seja, daquilo que é

concebido como objeto da aquisição, e quaisquer hipóteses formuladas acerca da

natureza desse objeto devem considerar as capacidades discriminatórias da criança

ao processar o input lingüístico4. Muitas dificuldades surgem no estudo da

aquisição justamente por não se levar em conta esta interação. Uma teoria de

aquisição formulada estritamente no âmbito de uma teoria lingüística não permite

a caracterização do modo como a informação presente no input é processada,

assim como uma teoria integralmente psicolingüística não explicita que unidades

lingüísticas são processadas por um parser (processador sintático), ou seja, não

3 Do inglês Universal Grammar 4 Isto significa dizer que cabe à teoria lingüística especificar o objeto a ser adquirido, ao passo que à teoria psicolingüística cumpre determinar de que modo este objeto é percebido, delimitado e extraído do input pela criança (a esse respeito, ver Correa, 2000)

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levam em conta o que se apresenta como um problema de aquisição para a

criança.

Resultados de pesquisas sobre percepção da fala por bebês indicam que

estes possuem capacidades relevantes para o processamento lingüístico, ainda que

nem sempre se possa dizer que esteja havendo processamento lingüístico, em

sentido estrito. Tais capacidades são cruciais para a aquisição de uma língua. No

entanto, é preciso que as informações identificadas nos dados lingüísticos

primários sejam processadas com base em conhecimento lingüístico especificado,

sob pena de não serem considerados relevantes. O fato de uma criança processar

informação lingüística já desde os primeiros meses de vida (cf. Shi, Werker e

Morgan, 1999), pode ser indicativo não só da existência de um aparato

processador complexo, mas também de uma GU ampla e rica.

Do ponto de vista de uma criança que está adquirindo número, sua tarefa é

primeiramente reconhecer que porções do input contêm informação relevante

neste sentido (Bloom & Wynn, 1997). Assim, ela deve ser capaz de discriminar

diferenças fonéticas (como as existentes entre as diversas realizações do morfema

de plural português –s), variações morfológicas (os vários morfemas e alomorfes

de número), sintáticas (como no caso do número indicado por padrões de

concordância) e semânticas. Note-se que, mesmo que o bebê seja perceptualmente

capaz de fazer estas distinções, tais informações só se tornam relevantes para ele

quando consideradas à luz de uma programação biológica geneticamente

especificada, responsável pelo tratamento lingüístico da informação processada.

Conforme já foi dito anteriormente, o modelo de Princípios e Parâmetros e o

Programa Minimalista concebem esta programação biológica inata em termos de

princípios universais e parâmetros a serem fixados pelo contato com uma língua

materna qualquer. Embora não fique muito claro o que seja exatamente um

parâmetro de variação no que concerne ao número gramatical, cremos poder

assumir esta proposta nesta dissertação, articulando-a com uma teoria do

processamento lingüístico.

Na problemática da aquisição de linguagem, deve-se ainda considerar a

atuação de outros domínios cognitivos sobre o processo de reconhecimento de

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unidades lingüísticas que especificam informação relativa a número presentes nos

dados primários. A hipótese assumida por modelos gerativistas é a da

modularidade cognitiva. Segundo esta hipótese, o mecanismo de aquisição de

linguagem é específico dela, não apresentando interface óbvia com outros

componentes do sistema cognitivo, no sentido de que remete a um sistema

computacional lingüístico, concebido como um módulo cognitivo. O

funcionamento desse módulo irá, não obstante, depender de relações de interface

entre este e outros sistemas cognitivos necessários ao desempenho lingüístico.

Assim sendo, o mecanismo de aquisição da linguagem permite que a criança

perceba sons vocais como realizações lingüísticas, que identifique padrões que

possam ser processados por meio do sistema cognitivo da língua. Esse mecanismo

deverá permitir também que a criança relacione padrões fônicos a propriedades

semânticas, dado que a operação do sistema da língua resulta em informação

passível de ser interpretada por sistemas conceptuais. No caso do número

gramatical, a criança deverá perceber categorias morfológicas como marcada/não

marcada a partir de padrões fônicos recorrentes. Deverá identificar também as

propriedades semânticas que podem ser vinculadas a estes padrões fônicos. Em

português brasileiro, o morfema de número se faz presente necessariamente no

Determinante e não necessariamente no nome. A criança deverá identificar essas

distinções morfológicas e interpretá-las semanticamente. (Corrêa, a sair).

Estudos recentes com bebês mostram que desde muito cedo eles são

capazes de discernir quantidades numéricas e efetuar cálculos (Wynn, 1998,

Wynn et al. 2002, Starkey et al. 1990); a maneira como a informação concernente

a estas quantidades também tem sido pesquisada (Pascale-Noel & Seron, 1997,

Gelman et al. 1986), assim como a aquisição de palavras numéricas (Bloom &

Wynn, 1997).

A questão assim é saber se a criança percebe distinções morfofonológicas

no âmbito dos determinantes e se a criança faz uso de seu conhecimento numérico

na interpretação dessas formas, o que seria indicativo do processamento da

concordância de número no âmbito do DP.

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O problema da aquisição de número, portanto, deve ser estudado sobre a

perspectiva da Teoria Lingüística (que deve fornecer um modelo de língua a ser

adquirido, estabelecendo o estádio inicial do processo), e da Teoria

Psicolingüística (responsável pelos modelos de processamento do sinal acústico

que contém a informação relativa a número, descrevendo o processo de

aquisição), buscando estabelecer interfaces entre o sistema da língua e os sistemas

conceptuais (responsáveis pela informação semântica relativa a número), e

perceptuais (responsáveis pela identificação da porção do input relativa a número

gramatical).

1.5 - Apresentação da Categoria Lingüística de Número:

Pode-se definir número como uma categoria gramatical que leva em conta

a quantidade de indivíduos designados nos nomes (Câmara Jr., 1992). Essa

categoria tem sido objeto de estudo de lingüistas e psicolingüistas durante

décadas, interessados na manifestação lingüística desta categoria (em termos

fonológicos, morfossintáticos e semânticos), em sua representação mental (em

termos de acesso e representação lexical), nos problemas relativos à sua posição

na estrutura do sistema computacional da língua (como um traço formal ou como

uma categoria funcional), e em sua aquisição. As descobertas apontam, ao

contrário do que possa parecer à primeira vista, para uma matéria extremamente

complexa, de grande dificuldade descritiva e de formalização complicada, devido

à riqueza com que o número gramatical se manifesta nas diferentes línguas do

globo.

O uso do termo “categoria”, na tradição dos estudos lingüísticos e

gramaticais, é pouco consistente e uniforme. Embora de larga aceitação, seu real

sentido ainda não é totalmente determinado. Sua acepção mais freqüente é a de

“classe” ou “conjunto”, referindo-se a qualquer grupo de elementos reconhecidos

na descrição de línguas particulares (cf. Lyons, 1979). Essas “classes” ou

“conjuntos” seriam traços universais da linguagem humana: cada língua

manifestaria, em sua forma particular, categorias universais, como o tempo, o

modo, o caso, o gênero, etc. O número seria, assim, uma destas categorias

universais.

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De fato, o caráter universal da categoria gramatical de número poderia ser

atestado pelo fato de estar presente em grande parte das línguas conhecidas no

mundo5. Sua manifestação mais comum é a distinção entre “um” e “mais de um”,

freqüente em muitas línguas estudadas. Essa distinção, correspondente aos

conceitos de “singular” e “plural”, se baseia claramente no reconhecimento de

seres e coisas que podem ser enumeradas. Contudo, deve-se ter em mente que tal

distinção nem sempre é óbvia, e que os conceitos de “um” e “mais de um” são, em

grande parte, determinados pela estrutura lexical de cada língua. Daí a

diferenciação entre nomes “contáveis” e “não-contáveis”, que varia

consideravelmente de língua para língua. Por exemplo, a palavra “uva” é contável

em português e inglês (“grape”), podendo ir ao plural uvas/grapes; o mesmo não

ocorre em russo e alemão, onde “uva” é traduzido respectivamente como

vinograd/traube, sendo considerados nomes não-contáveis. Em francês “uva”

(“raisin”) pode ser usado no singular como nome contável (“Prenez un raisin” =

coma uma uva), ou no singular como nome não-contável (“Voulez vous du raisin

?” = Quer uva ?)6 (cf. Lyons, 1979).

Merecem também destaque certas diferenciações semânticas decorrentes

da manifestação da categoria gramatical de número. Em primeiro lugar, há a

questão dos nomes ditos “coletivos”, cujo significado intrínseco designa “mais de

um” (em realidade um grupo de seres ou coisas), apesar de assumir morfologia

singular. A determinação de um nome como coletivo também parece variar de

língua para língua, sendo complexa uma análise neste sentido (Lyons 1979). Em

segundo lugar, há aqueles nomes lingüisticamente indecomponíveis (no sentido de

que eles não se reduzem a uma forma singular), porém interpretáveis

semanticamente como um conjunto de partes ou atos: núpcias ou funerais são

exemplos típicos em português (Câmara, 1970). Por fim, há aqueles nomes cuja

distinção mórfica singular/plural leva a uma distinção semântica para além do

“um” e “mais de um”. É o caso de açúcar, cujo plural açúcares não só denota

5 Corbett (2000) cita resultados de estudos com uma língua amazônica, o pirahã, a qual não possui, ou pelo menos não foi ainda observada, nenhuma marca formal de número. Em kawi (língua javanesa), existe apenas a indicação do número através de quantificadores (“muitos”, “todos”, etc). Também o chinês clássico não possui marcas formais de número. 6 Esta frase exemplifica a estrutura de partitivo obsevada em francês. Em português, pode-se notar construções semelhantes, tais como “Ele bebeu da água” ou “Ele comeu do bolo”, ainda que pouco usuais.

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“mais de um” como também parece indicar outros tipos de açúcar (refinado,

mascavo, etc. ) (cf. Câmara, 1970).

Também os valores do número vão muito além da conhecida distinção

singular/plural. Em verdade, estudos revelaram oposições entre singular, plural,

dual (“dois seres”, como havia no indo-europeu e no grego antigo, e que deixou

um resquício em português na palavra “ambos”), trial (três seres, como em certas

línguas fijianas), quadral (quatro seres) e paucal, (alguns seres) (cf. Corbett,

2000). Isto não se falando das nuances semânticas que por vezes assumem o

singular e o plural, que podem indicar totalidades indeterminadas ou números

genéricos, como em “Eu vi cachorros”, “Eu comi carne a vida inteira”, etc.

1.6 - Problemas Relativos à Aquisição do Número Gramatical

Como se vê, o estudo da categoria lingüística de número pode assumir

contornos muito mais sinuosos do que parece à primeira vista. No que se refere à

aquisição, as questões que se colocam são: o que é que a criança deve adquirir ?

Que conhecimentos, lingüísticos e não-lingüísticos, ela já deve possuir para que a

aquisição se dê sem problemas (como de fato já acontece, uma vez que, a despeito

de toda a variação observada, a criança adquire o sistema de número em tempo

razoavelmente curto e com alta proficiência)? Que tipo de informação semântica e

morfofonológica deve ser retirada do input ? Estas questões são altamente

relevantes em qualquer estudo sobre o processo de aquisição do número

gramatical. Esta dissertação pretende prover algumas evidências favoráveis à

hipótese aqui assumida, a de que a informação fônica contida no determinante é

crucial para que a criança fixe o valor do parâmentro relativo a número. Tal

hipótese pressupõe que aquilo que deve ser adquirido é o valor do parâmetro

relativo ao traço de número; que a informação relevante para inicialização do

processo de aquisição do número está nos determinantes; e que existe uma

programação biológica inata codificada em uma GU.

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1.7 - Organização do Trabalho

Esta dissertação apresenta a seguinte estrutura: no Capítulo 2 são

mostradas uma descrição da categoria de número em português e uma breve

exposição da manifestação do número gramatical nas diversas línguas. Neste

mesmo capítulo são apresentadas resenhas de estudos sobre aquisição do número

gramatical e sobre desenvolvimento do número conceitual. O Capítulo 3 trata da

fundamentação teórica deste trabalho – são apresentadas e discutidas definições

relativas à caracterização do número na Teoria Lingüística (como um traço formal

ou como uma categoria funcional), e à formalização do mecanismo de

concordância, além da apresentação do conceito de bootstrapping. O Capítulo 4

cuida da explicitação da metodologia adotada para a obtenção dos dados

pesquisados. Finalmente, o Capítulo 5 apresenta e discute os resultados

experimentais.

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2. Revisão da Literatura No capítulo anterior, foi apresentada a categoria gramatical de número,

juntamente com algumas de suas propriedades e características. Neste capítulo,

será feita uma caracterização da manifestação desta categoria, primeiramente no

português, e a seguir nas diversas línguas do globo. Será também apresentado um

breve resumo dos principais trabalhos que tratam da aquisição do número

conceitual e de sua possível influência na aquisição do número gramatical,

buscando-se com isso ilustrar o caráter de maior transparência semântica da

categoria de número, em face à opacidade da categoria de gênero.

2.1 - O Número em Português Em português, a descrição da categoria lingüística de número recebeu

tratamento amplo em Câmara Jr. (1970). Após o surgimento destes estudos,

alguns outros autores também se dedicaram à descrição da manifestação do

número em português, como Moraes (1992). A sistematização que se segue é

baseada nos estudos de Câmara Jr. (1970).

O idioma português admite dois valores para número: singular e plural,

correspondendo, respectivamente, a oposição entre um e mais de um. O singular

corresponde morfologicamente a uma forma geral não marcada (morfema Ø) e o

plural uma forma morfologicamente marcada com uma desinência de número

plural que, em português, é manifestada morficamente pela desinência /-s/ em

posição posvocálica final, e fonologicamente pelo arquifonema /S/, o qual

representa os quatro alofones da desinência de número: /s/, /z/, /∫/ e /Ζ/.

Em sua descrição, Câmara Jr. destaca a situação especial dos coletivos,

nomes em que a forma singular envolve uma significação de plural. Neste caso, a

língua interpreta uma série de seres homogêneos como uma unidade superior, o

que leva a determinação do valor do número no singular, de acordo com esta

unidade e não com seus elementos constituintes: multidão (coleção de pessoas),

rebanho (coleção de cabeças de gado). Está claro que tais nomes também

possuem flexão, pois podem indicar mais de um conjunto: multidões, rebanhos.

Outro caso especial é o dos nomes privativamente plurais, interpretados como um

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contínuo de atos ou partes constituintes integradas: as férias, as núpcias, as

algemas, etc. Tais vocábulos não possuem singular mórfico correspondente.

Câmara Jr. também chama a atenção para os plurais estilísticos, aqueles

usados não para indicar oposição singular-plural, mas para provocar no ouvinte

uma conotação de exaltação ou humildade. Presentes desde o antigo latim, que os

agrupava em uma categoria chamada pluralia tanta, estas formas de plural são

utilizadas muito mais estilisticamente, para acarretar no ouvinte uma reação

afetiva, do que gramaticalmente, para marcar um plural oposto ao singular. Em

português são referidos como o plural de modéstia, ou como o plural majestático.

Tirando estas excepcionalidades, poucas complexidades são observadas na

descrição do número em português, segundo Câmara Jr. Uma delas está nas

mudanças morfofonológicas exigidas por certas palavras, o que ocasiona

diferentes alomorfes. Assim, nomes terminados no singular em –s (precedidos de

vogal tônica), -r, -z e –n formam o plural com o acréscimo do alomorfe –es: país-

países, pilar-pilares, vez-vezes, cânon-cânones. A presença da vogal átona

justifica-se pela impossibilidade de, em português, surgirem grupos silábicos

formados por –rs,-zs, etc. (ainda que possa ocorrer em –ns, como em próton-

prótons). Outro caso de alomorfia ocorre com nomes terminados em –l,

precedidos de vogal diferente de –i, cujo plural é expresso através da forma –is:

jogral-jograis, coronel-coronéis. Quando os nomes terminados em –l forem

precedidos da vogal –i, pode ocorrer a queda do –l e o acréscimo de –s (fuzil-fuzis,

funil-funis) ou queda do –l mais o acréscimo do alomorfe –eis (fóssil-fósseis,

míssil-mísseis).

Ainda, entre os casos de alomorfia foneticamente condicionada, estão os

nomes terminados em –x e –s, que, quando precedidos de vogal átona, não sofrem

variação: tórax, cútis. Nestes casos, o plural tem de ser indicado através de

marcação no determinante: estes tórax, as cútis. Os casos de metafonia também

podem ser elencados aqui. Trata-se de nomes cujo plural implica não só acréscimo

da desinência de número mas também de alteração no timbre da vogal do radical:

corpo-corpos, ovo-ovos). Esta metafonia configura-se como uma marca

redundante de plural, da mesma forma que acontece com o plural de certos

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diminutivos, os quais tanto o substantivo primitivo quanto o derivado apresentam

marca de plural: anel-anéi(s)=zinhos, fogão-fogõe(s)zinhos.

O último caso listado por Câmara Jr. em sua descrição é o dos plurais dos

nomes terminados em –ão. Certo número deles forma o plural com o acréscimo

do morfema –s (todos os paroxítonos e um número pequeno de oxítonos: sótão-

sótãos, cristão-cristãos); a maioria (inclusive os aumentativos em –ão), além do

acréscimo do –s, apresenta alternância da vogal e da semivogal: balão-balões,

valentão-valentões; e, finalmente, um número reduzido apresenta, além do –s,

uma alternância da semivogal (alemão-alemães, capelão-capelães). Câmara Jr.

ressalta, no entanto, que para alguns destes nomes não há ainda uma forma de

plural definitivamente fixada, sendo que esta variação livre não é tão freqüente

quanto sugerem as longas listas de plurais em –ão presentes nas gramáticas

escolares.

O quadro a seguir resume a descrição do número em português feita por Câmara Jr.:

• Morfema de Plural = -s Ex.: bola-s, carro-s

• Alomorfe –es • Nomes terminados no singular

em –s (precedidos de tônica), -r, -z e –n

Ex.: país - país-es pilar – pilar-es vez - vez-es cânon – cânon-es

• Alomorfe –is • Nomes terminados em –l,

precedidos de vogal diferente de i

• Nomes terminados em –l precedidos de i tônico

Ex.: jogral – jogra-is coronel – coroné-is lençol – lençó-is azul – azu-is Ex.: fuzil – fuzi-is (crase entre o i do radical e o i do alomorfe) barril – barri-is

• Alomorfe –eis • Nomes terminados em –l

precedidos de i átono

Ex.: fóssil – fóss-eis réptil – répt-eis táctil – táct – eis

• Alomorfe –Ø • Nomes terminados em –x e –s

precedidos de vogal tônica

Ex.: o tórax – os tórax o simples – os simples a cútis – as cútis

• Plurais Metafônicos Ex.: ovo – ovos corpo – corpos (plural redundante – acréscimo da desinência e alteração no timbre da vogal)

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• Duplo Plural (plural de nomes diminutivos derivados)

Ex.: anel + zinho = anei-zinho-s cão + zito = cãe-zito-s

• Nomes terminados em –ão apresentam tripla possibilidade de plural (muitos em variação livre e sem forma definitiva fixada)

Ex.: caixão – caixões cristão – cristãos pão – pães

• Nomes privativamente plurais Ex.: as férias as núpcias as bodas os óculos

Alofones do Morfema de Plural (foneticamente condicionados)

/s/ - fricativa alveolar surda = pás, nós

/z/ - fricativa alveolar sonora = más notícias (dialeto mineiro)

/∫/ - fricativa alveopalatal surda = maus comentários

/Ζ/ - fricativa alveopalatal sonora = más notícias (dialeto carioca)

2.2 – O Número nas Diferentes Línguas

No que diz respeito à expressão da categoria lingüística de número nas

diversas línguas do globo, um exame cuidadoso revela uma gama rica e variada de

manifestações (Corbett, 2001). É possível encontrar indicações da categoria de

número na sintaxe de um nome, na morfologia, no léxico e na fonologia A

semântica do número também é muito diversificada, havendo distinções entre

valores de número muito além da conhecida oposição singular/plural, isto não se

falando das nuances semânticas que por vezes assumem o singular e o plural.

Uma destas distinções semânticas é o que Corbett (2001) chama de

número genérico (general number). Há línguas no mundo nas quais um nome

pode ser expresso sem referência a um valor específico. Um exemplo de língua

que apresentaria um número genérico seria o bayso, falado em certas regiões da

Etiópia. São as seguintes as flexões de número para esta língua:

Lúban foofe (“Eu vi leão”)

Lúban –titi foofe (“Eu vi um leão”)

Lúban-jaa foofe (“Eu vi alguns leões”)

Lúban-jool foofe (“Eu vi muitos leões”)

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Observa-se que o singular, nesta língua, é expresso através de desinência

específica, o que a diferencia do português, no qual o singular, como já vimos, é

forma não marcada. A não-marcação de um nome em bayso corresponde à

expressão do número genérico, o qual expressa um ser ou mais de um ser,

indeterminadamente. O português apresenta uso semelhante, diferindo do bayso

somente no fato de que não apresenta desinência específica para este fim (em

português o número genérico é um uso especial do singular ou do plural)7.

Como grande parte das línguas ocidentais fazem apenas a distinção

singular/plural, há uma tendência em achar que tal oposição é a única existente.

Entretanto, o número gramatical pode apresentar valores muito mais variados. Já o

antigo indo-europeu apresentava oposição entre singular, plural e dual (relativo a

dois seres). Muitas línguas atuais também assumem tal distinção, como é o caso

do sérvio superior (upper sorbian), uma língua eslava falada entre Berlim e a

fronteira da Polônia. Em línguas com o número dual, o plural fica restrito a grupos

de três ou mais seres:

ja (“eu”) mój (“nós dois”) my (“nós”)

ty (“você”) wój (“vocês dois”) wy (“vocês”)

hród (“castelo”) hrodaj (“dois castelos”) hrody (“castelos”)

Há também o número trial (três seres), o quadral (quatro seres) e o paucal

(alguns seres)8. Em línguas que apresentam o trial (como o larike, das Ilhas

Molucas) o plural se restringe a grupos de quatro ou mais seres. As que

apresentam o quadral (como o sursurunga, falado na Melanésia), o plural se refere

a mais de quatro seres. E as que apresentam paucal em seus sistemas de número

gramatical podem opô-lo ao singular e plural (como no bayso), ao singular, plural

e dual (caso do yimas, da Papua Nova Guiné), ou ao singular, plural, dual, trial e

paucal (como em lihir, também da Papua Nova Guiné). E, conforme já visto na

Introdução, há também o caso do pirahã, língua da Amazônia, que,

7 Ver, a esse respeito, o artigo de Anna Muller “A Expressão da Genericidade no Português do Brasil”. Revista DELTA, nº 2, vol. 18, ano 2002 8 As denominações “dual” e “trial” constam do vocabulário da língua portuguesa, segundo o Dicionário Eletrônico Houaiss, versão 1.0, possuindo acepção semelhante a que lhes confere

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aparentemente, não apresenta nenhuma distinção de número gramatical,

constituindo-se assim em uma rara exceção entre as línguas do mundo.

Além destas distinções semânticas e morfológicas, as línguas também

possuem uma grande variedade de modos pelos quais o número é expresso. O

tagalog, língua oficial das Ilhas Filipinas, tem um sistema de expressão do número

gramatical que consiste na presença de um item lexical (um morfema livre) para a

indicação do número. O mesmo acontece com o miskitu, uma língua caribenha

falada na Nicarágua:

Bahay (“casa”) - mga bahay (“casas”) (tagalog)

Tubig (“água”) – mga tubig (“copos”) (tagalog)

Aras (“cavalo”) – aras nani (“cavalos”) (miskitu)

A configuração sintática da frase também pode contribuir para a

identificação do número de um nome, através do mecanismo da concordância. Tal

situação acontece quando não há marcas de plural visíveis no controlador da

concordância (nome que determina a flexão dos determinantes e adjetivos a ele

relacionados). Corbett dá um exemplo do inglês:

Those goats are eating the washing

Those sheep are doing nothing about it.

Na primeira oração, goats é o controlador da concordância e, por

apresentar a marca de plural –s, exige a presença do determinante plural those,

além do verbo flexionado na 3ª pessoa do plural. Na segunda oração, sabemos que

sheep é plural somente pela presença de determinante e de verbo plurais, já que

sheep não apresenta marca de número. Em amele, idioma falado em certas

regiões da Nova Guiné, existem as seguintes configurações sintáticas, onde se

pode perceber que a determinação do número da palavra dana (“homem”) é

especificada pela presença de certos morfemas livres na oração:

Corbett. O mesmo não acontece no caso das denominações “quadral” e “paucal”, inexistentes em português. Manteve-se por este motivo as denominações e os significados originais.

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Dana uqa ho-i-a (“O homem veio”) – uqa = singular

Dana ale ho-si-a (“Os dois homens vieram”) – ale = dual

Dana age ho-ig-a (“Os homens vieram”) – age = plural

Alterações morfológicas para a expressão de número gramatical são

igualmente freqüentes e variadas. Existem línguas como o russo, por exemplo,

que apresentam bases distintas para a fixação do morfema de número. O russo

pode adicionar um morfema de singular ou um morfema de plural a uma mesma

base, como é o caso de komnat- (“sala”), base cujo singular é komnata e cujo

plural é komnaty. Porém, para o nome krylo (“asa”), o singular é feito sobre a base

kryl- e o plural sobre a base kryl´j-. Muitas vezes acontece algum tipo de

mudança morfofonológica no radical de uma palavra para distinguir valores de

número gramatical: uma mostra seria o plural de uma palavra em shilluk, como

kiy, cujo correspondente singular é realizado pela alternância entre vogais longas e

breves (kîy/kíy). Redobros e modificações internas no radical são observados em

línguas como o ilocano púsa (“gato”) plural púspusa (“gatos”), e no inglês goose

(“ganso”) plural geese (“gansos”).

Em algumas línguas, percebe-se a presença de morfemas, semelhantes a

clíticos, cuja função é indicar o número da palavra a qual está ligada. Clíticos são

formas dependentes, e este fator diferencia esta forma de marcação de número

daquela que apresenta uma palavra específica para a mesma marcação (como nos

exemplos do tagalog vistos anteriormente). Uma língua que apresenta clíticos

plurais é o dogon, do Níger:

Ene ge mbe (“as cabras”) onde mbe é um clítico ligado à ene (“cabra”)

Encontram-se casos de línguas em que os itens lexicais possuem mais de

uma marca de número, normalmente quando ocorre juntamente com um morfema

de número um morfema derivacional. A palavra do bretão bag (“barco”) faz o

diminutivo singular em bagig e o plural em bagou, donde se conclui que os

morfemas de diminutivo e plural são, respectivamente, -ig e -ou; quando se forma

o diminutivo plural bagouigou, percebe-se que foram adicionados ao radical dois

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morfemas de plural. Por fim, têm-se os casos de marcação de número realizados

por supleção heteronímica, de que são exemplos as palavras inglesas person

(“pessoa”) e people (“pessoas”) e as russas celovek (“pessoa”) e ljudi (“pessoas”).

A supleção é comum no sistema pronominal de muitas línguas, como a oposição

entre os pronomes retos no português eu-nós/tu-vós, e no inglês I/we, e também

em certas formas verbais (é/são, is/are) etc.

Não são apenas as manifestações morfofonológicas e semânticas do

número que são múltiplas e variadas. Também a sintaxe e os usos afetivos e

expressivos possuem formas muito diferenciadas. Não é do âmbito desta

dissertação apresentar todas estas variações. Para tanto, recomenda-se a leitura do

estudo sobre a manifestação do número elaborado por Corbett (2001).

Tendo em vista, portanto, semelhante variação, é mister preocupar-se com

uma teoria de aquisição que, conjugando teoria de língua com teorias de

processamento, dê conta do fato de que a criança, mesmo diante de tamanha

diversidade, consegue processar o material lingüístico de que dispõe e adquirir o

sistema de número de uma língua. Em outros termos, é preciso elaborar uma

teoria de aquisição da linguagem capaz de explicar a aquisição do número

gramatical em qualquer língua em que um sistema de número se apresente e sob a

perspectiva da criança que processa uma língua. Duas perguntas daí se impõem: o

que deve em verdade ser adquirido ? Como se dá esta aquisição ? Sendo assim,

para que a criança venha a adquirir o sistema de número de uma língua, é

necessário que ela seja capaz de processar o material lingüístico que ouve, e isto

pressupõe a existência de habilidades perceptuais precoces na criança, que lhe

permitam segmentar o fluxo da fala em unidades lingüísticas relevantes. Também

é preciso que a criança estabeleça relações entre o material lingüístico processado

com as propriedades lingüísticas especificadas em um programa biológico,

admitindo-se assim a presença de um conhecimento lingüístico inato, capaz de

prover uma leitura lingüística dos segmentos processados, e que se constituiria no

estágio inicial da aquisição.

Deste modo, a resposta a primeira pergunta é que não são regras

morfológicas ou morfemas livres ou presos que devem ser adquiridos. Na

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realidade, o que de fato a criança adquire são parâmetros relevantes para a língua

em questão. Já a resposta a segunda questão remete à hipótese do boostrapping,

segundo a qual a criança identifica padrões fonológicos, morfológicos, sintáticos e

semânticos que inicializariam o programa biológico, permitindo assim que a

criança reconheça a maneira como categorias e relações gramaticais se

manifestam na língua que está sendo adquirida. A hipótese do bootstrapping será

discutida em mais detalhes no capítulo 3.

2.3 - A Aquisição do Número Conceitual

Na problemática da aquisição de linguagem, mais precisamente na

aquisição do número gramatical, deve-se considerar a atuação de outros domínios

cognitivos sobre o processo de reconhecimento de unidades lingüísticas que

especificam informação relativa a número presentes nos dados primários. A

hipótese assumida por modelos gerativistas é a da modularidade cognitiva. Por

esta hipótese, o mecanismo de aquisição de linguagem é específico dela, não

apresentando interface óbvia com outros componentes do sistema cognitivo. A

relação existente entre língua e outros domínios da cognição, ou do

comportamento humano é indireta, e a aquisição da linguagem, aqui entendida

como uma fixação de valores de parâmetros biologicamente especificados em GU,

provavelmente se faz sem recurso a outros módulos da cognição. Com relação à

aquisição de número, somente a observação do conhecimento que a criança possui

sobre numerosidade à época da aquisição e das possíveis relações que seriam

passíveis de serem estabelecidas entre este conhecimento e o conhecimento da

língua é que permitiriam saber se há ou não interferências do conhecimento

numérico sobre a aquisição de número e, se houver, em que nível e em que etapa

do processo a numerosidade interferiria na aquisição.

Starkey, Spelke & Gelman (1990) apresentaram um estudo levado a cabo

com crianças de 6 a 8 meses, que consistia em detectar correspondências

numéricas entre conjuntos de entidades presentes em diferentes modalidades

sensoriais. Foi elaborada uma série de experimentos cujo objetivo básico era

detectar equivalências numéricas entre conjuntos disparatados de itens, incluindo

entre estes itens objetos visíveis e eventos audíveis. Estes experimentos

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31

forneceram evidências de que bebês percebem cores e sons, formas e movimentos,

mas também percebem o número de entidades distintas numa seqüência de sons

ou cena visível. Além disso, descobriu-se que bebês podem relacionar o número

de entidades de um conjunto com as de outro conjunto, detectando assim relações

entre as próprias entidades e conjuntos destas entidades. Estas descobertas de

Starkey, Spelke e Gelman sugerem que bebês são capazes de operar em um nível

abstrato que pode funcionar como ponto de partida para o raciocínio numérico. Os

experimentos conduzidos tentam esclarecer os processos que subjazem às

habilidades numéricas dos bebês, descobrindo-se que bebês claramente podem

proceder a computações numéricas – estabelecendo relações de correspondência –

sobre representações de conjuntos de entidades. A afirmação mais importante,

contudo, é que a emergência das primeiras habilidades numéricas não depende do

desenvolvimento da linguagem, do desenvolvimento de ações complexas, ou da

aquisição de um sistema de contagem específico de uma cultura ou língua – o

estudo de Starkey, Spelke e Gelman aponta para o fato de que o número é um

domínio natural da cognição e suporta uma abordagem do desenvolvimento

cognitivo racionalista e especifica por domínio. Bebês não parecem ser dotados de

habilidades gerais para sentir e aprender. Eles parecem ter capacidades para

formar e transformar representações em domínios particulares do conhecimento.

Em cada um destes domínios, o conhecimento irá se desenvolver.

Em outro trabalho igualmente interessante, Wynn e Bloom (2002)

estudaram o comportamento de bebês de 5 meses em tarefas envolvendo número.

O objetivo dos autores era descobrir se as habilidades numéricas de um bebê

procedem de capacidades exclusivamente dedicadas à cognição numérica ou se a

origem destas habilidades está em capacidades cognitivas não-numéricas gerais,

tais como uma sensibilidade a traços perceptuais ou mecanismos de localização de

objetos. Controlando em seus experimentos variáveis como comprimento do

contorno, área, densidade e outros, descobriram evidências que suportam a

afirmação que bebês podem representar o número em si mesmo, sugerindo assim

a existência de uma capacidade de discriminação específica para número nos

bebês. As respostas dadas pelos sujeitos nos testes não poderiam ser baseadas em

nenhum outro atributo perceptual.

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Wynn (1998) resume as habilidades infantis na manipulação da

numerosidade:

• Bebês podem discriminar pequenos números de entidades diferentes.

Quando repetidamente são apresentados a eles telas com um dado número

de objetos visuais (digamos, dois) os bebês ficam aborrecidos e seu tempo

de fixação do olhar sobre as telas diminui, mas eles recuperam o interesse

se são apresentados a uma tela que contém um novo número de objetos

(digamos, três). Estas descobertas sugerem que bebês possuem uma

sensibilidade para o número de per si.

• Bebês podem enumerar entidades que não são objetos materiais, como

ações físicas. Eles têm de dividir uma seqüência contínua em “unidades de

ação” discretas e então enumerá-las. Estudos mostraram que bebês de seis

meses também são capazes de enumerar seqüências de ações heterogêneas.

Há, igualmente, evidências de que bebês podem enumerar sons e, além

disso, marcar um número de sons da mesma forma que objetos materiais.

• Bebês podem computar suas representações de número. Eles não são

apenas sensíveis ao número: eles também podem proceder a uma

computação numérica. Isto foi demonstrado primeiro em uma série de

experimentos nos quais a bebês de 5 meses foram mostradas operações de

adição e subtração simples sobre pequenos conjuntos de objetos. As

respostas numéricas foram em alguns casos consistentes com as operações,

em outros casos inconsistentes.

Para Wynn (1998) evidências como as apontadas acima indicam que a

natureza do conhecimento numérico é muito diferente daquela apontada por

teóricos de linha empiricista. Segundo tais teóricos, as crianças obtêm uma

percepção e um conhecimento acerca dos fatos numéricos, como contagem,

adição ou subtração, através da manipulação física dos objetos (coletar e separar

objetos, por exemplo). Os estudos de Wynn parecem não comprovar abordagens

empiricistas, pois, afirma Wynn, muito antes de poderem manipular objetos os

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bebês já são capazes de perceber e estabelecer relações numéricas entre entidades

e conjuntos pequenos de entidades.

No que diz respeito à representação mental do número, muitos modelos

foram propostos. Pascale-Nöel e Seron (1997) apresentam três destes modelos:

a) McCloskey et al. (1985,1992, apud Pascale-Nöel & Seron, 1997)

De acordo com McCloskey et al. (1985) representações semânticas dos

números são abstratas e únicas, isto é, são independentes do formato usado

(verbal, arábico, romano, analógico, etc.) e da modalidade do estímulo

apresentado (auditivo ou visual). Nesta perspectiva, a compreensão do numeral

requer que ele seja traduzido para uma representação abstrata interna, enquanto

sua produção requer que sua representação semântica interna seja traduzida para

um formato de output adequado. McCloskey et al. postulam uma arquitetura

cognitiva com três componentes principais: dois sistemas periféricos – um para a

compreensão de numerais e outro para sua produção – e um nível central para

representação semântica dos números. McCloskey et al. assumem a existência de

representações específicas de números (arábicos, fonológicos ou grafêmicos) mas

estas representações são encapsuladas em módulos-satélites de input e output e

exercem um papel apenas no reconhecimento periférico e estágios de produção.

Cálculos, comparações de tamanho, julgamentos de paridade e outros processos

aritméticos operam com representações abstratas.

a) Campbell & Clark (1988,1992, apud Pascale-Nöel & Seron, 1997).

Campbell &Clark apresentarm um modelo (Modelo de Codificação

Complexa (encoding-complex model)) no qual postularam que conceitos de

número são representados por códigos específicos para formato e modalidade.

Existem códigos verbais (isto é, códigos articulatórios, auditivos, ortográficos e

motores para variadas palavras numéricas faladas e escritas) e códigos não-verbais

(isto é, códigos visuais e motores para dígitos, imaginários e outros códigos

análogos para magnitude e representações visuais e motoras combinadas para

várias atividades relacionadas a número, como contar os dedos ou usar um ábaco).

Todos estes códigos internos são associativamente conectados em uma complexa

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rede que pode ser ativada diretamente sem mediação de um código central. Cada

um destes códigos internos pode ser usado para algum tipo de processamento

numérico.

c) Dehaene (1992, apud Pascale-Nöel & Seron, 1997) O modelo de Código Triplo (Triple-code model) pode ser visto como uma

tentativa de acomodar os postulados de modularidade de McCloskey et al. (1985)

e a assunção de Campbell & Clark (1988) de múltiplos e específicos códigos

internos. Mais precisamente, Dehaene propõe a existência de três diferentes

códigos para representar números mentalmente: um código auditivo verbal, um

código arábico visual e um código de magnitude analógico. A comunicação entre

estas representações é feita através de caminhos de tradução. O modelo também

especifica quais códigos internos são usados para quais operações numéricas. Em

outras palavras, o modelo assume que as mesmas representações de base seriam

usadas em uma dada tarefa toda vez que fosse apresentado um formato de

numeral. Portanto, o código verbal seria usado para a contagem e recuperação de

fatos aritméticos, enquanto cálculos com muitos dígitos ou julgamentos de

paridade seriam mediados através do código arábico; a magnitude analógica seria

usada para comparação ou quantidade aproximada.

Em um estudo sobre a natureza das representações mentais do número,

feito com adultos em idade universitária, Pascale-Nöel & Seron (1997)

descreveram uma série de seis experimentos que visavam descobrir se números

apresentados em diferentes formatos ativariam as mesmas representações

semânticas. As conclusões a que chegaram foram as de que, dependendo da

estrutura léxico-sintática do numeral a ser processado, diferentes representações

intermediárias são ativadas (pelo menos com adultos assim ocorre, pouco sabendo

se o mesmo acontece com bebês). A natureza das representações que baseiam o

desempenho em tarefas numéricas e aritméticas permanece um tema em aberto. O

que se sabe é que crianças jovens (2 a 3 anos) podem representar a numerosidade

quando esta não é maior do que dois ou três (cf. Gelman e Gallistel, 1986).

Com base nestes estudos, pode-se afirmar que desde muito cedo os bebês

desenvolvem suas habilidades de raciocínio numérico, o que parece indicar, a

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exemplo do que é proposto por Chomsky para as línguas humanas a existência de

um dispositivo inato para a aquisição e desenvolvimento do conhecimento

numérico e aritmético. Este dispositivo teria natureza modular, sendo

exclusivamente dedicado à cognição numérica, assim como a GU o é para a

linguagem. Daí concluir-se que o conhecimento da numerosidade provavelmente

influi marginalmente na aquisição do número gramatical – as evidências aqui

descritas sugerem que o conhecimento matemático e o conhecimento lingüístico

se desenvolvem paralelamente, havendo alguma intersecção entre ambos os

sistemas, mas sem influência recíproca (a este ponto, ver o item 5.1). Não há, ao

que parece, estudos conclusivos a respeito, estudos que levem em conta apenas

língua e cognição numérica – tal questão aguarda ainda maiores pesquisas.

Apenas o trabalho de Brysbaert, Fias e Nöel (1998) concentra-se

especificamente nesta questão. Nele, os autores buscaram evidências da influência

da chamada Hipótese de Sapir-Whorf sobre a cognição numérica. Segundo esta

hipótese, a língua que as pessoas usam interferiria no modo como a realidade é

percebida. Uma série de experimentos com falantes de francês e holandês foram

elaborados para descobrir efeitos de Sapir-Whorf na cognição numérica. Como as

línguas possuem sistemas de codificação numérica diversos, os sujeitos eram

ideais para o teste. As descobertas destes experimentos estão alinhadas com o

previsto pelo modelo de codificação complexa proposto por Campbell & Clark

(1988/1992). De acordo com este modelo, operações matemáticas são

desempenhadas num código específico que depende do formato do input.

Portanto, um problema apresentado em formato arábico provavelmente ativará o

mesmo código não verbal para sujeitos falantes de francês e holandês, e nenhuma

diferença de linguagem é esperada. Todavia, um problema apresentado em

formato verbal vai ativar representações relacionadas com a língua, o que poderia

incluir propriedades particulares da língua dos nomes dos números. Portanto, é

previsível aqui um “efeito de Whorf”, como de fato foi observado neste

experimento. Os resultados evidenciam a idéia de que o sistema numérico é

largamente autônomo do sistema da língua (exceto talvez durante a fase de

aquisição), o que não significa que o efeito de Whorf não possa existir em outras

áreas da cognição humana. O efeito de Whorf não deve ser considerado como

uma manifestação do determinismo lingüístico, mas sim uma indicação de quão

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extensa uma parte do sistema cognitivo pode ser penetrada por processos de

linguagem, ou é um módulo encapsulado, independente da linguagem.

2.4 – A Aquisição do Número Gramatical

No que diz respeito a sua aquisição, tem havido relativamente poucos

trabalhos sobre o número. Contudo, a pesquisa neste campo inclui alguns estudos

bastante interessantes. De um modo geral, a pesquisa sobre aquisição do número

subordina-se à pesquisa sobre a aquisição da morfologia. Estuda-se a aquisição do

número do ponto de vista da aquisição de regras morfológicas. Assim, línguas

morfologicamente mais ricas têm sido mais estudadas, como é o caso do alemão

(cf. Corbett, 2000).

Um dos primeiros e mais interessantes trabalhos nesta área é o de Berko

(1958, apud Saporta, 1961), sobre a aquisição da morfologia do inglês por

crianças nativas. Seu objetivo era identificar a natureza do conhecimento

envolvido na aquisição de regras morfológicas. Num experimento famoso, Berko

submeteu crianças em idade pré-escolar a um teste que consistia em eliciar

formas de plural de palavras inventadas, além de eliciar outras formas flexionadas.

Mostrava-se à criança um cartão contendo uma figura com um nome falso a

nomeá-la. “Isto é um wug”; em seguida mostrava outro cartão, desta vez com duas

figuras. “Agora há outro. Há dois deles. Agora há dois...?”. Outras formas lexicais

inventadas foram usadas neste experimento. Berko dividiu os sujeitos da pesquisa

em dois grupos, um com crianças entre quatro e cinco anos e outro com crianças

entre cinco e sete anos, e descobriu uma diferença significativa na habilidade dos

grupos em produzir formas plurais (o grupo mais velho obteve um desempenho

significativamente superior). Ela descobriu também diferenças de desempenho

causadas pelo tipo de alomorfe usado (o desempenho das crianças foi melhor

quando o morfema requerido foi /-s/ ou /-z/ e pior quando o plural correto exigia o

alomorfe /-ez/). A conclusão a que Berko chegou foi a de que o vocabulário das

crianças contém as marcas de plural /-s/ e /-z/ e o alomorfe /-ez/ e o desempenho

no uso de cada marca é diferenciado, sendo o plural em /-ez/ mais complicado em

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virtude de sua irregularidade. A cuidadosa metodologia deste trabalho tornou-o

um clássico nos estudos sobre aquisição da morfologia.

O trabalho de Cazden (1968) sobre a aquisição de flexões nominais e

verbais do inglês é outro estudo digno de nota. Cazden propõe a existência de

quatro estágios na aquisição do plural. No primeiro, as crianças não produzem

nenhuma forma de plural. No segundo, são produzidos plurais ocasionais, e as

formas de plural são sempre corretas. No terceiro estágio, há um acentuado

crescimento na produção de plurais e as crianças começam a produzir

superregularizações. No quarto e último estágio, o plural é produzido em 90% dos

contextos obrigatórios, sendo os falantes assim considerados proficientes no

domínio do plural. Este estágio é alcançado entre 25 e 34 meses. A transição do

primeiro para o segundo estágio ocorre quando as crianças começam a produzir

fragmentos estocados não analisados de falas ouvidas previamente, as quais

incluem formas de plural. A passagem do segundo para o terceiro estágio

representa um importante fenômeno: a criança formula uma regra produtiva e a

utiliza de forma indistinta. A transição do terceiro para o quarto estágio representa

um período de consolidação, generalização e revisão das regras criadas no terceiro

estágio.

Mervis e Johnson (1991) apresentam um estudo de caso cujo objetivo é

prover um conjunto de dados sobre a aquisição do morfema de plural por parte de

uma criança (o próprio filho de Mervis, Ari), e considerar as implicações destes

dados para as teorias e modelos de aquisição da linguagem. Mervis e Johnson

elaboraram um diário do desenvolvimento lexical de Ari, iniciando a coleta aos 10

meses de idade e continuando até os 21 meses, com notas estendidas até 30 meses.

Segundo estes dados, Ari adquiriu o morfema de plural com a idade de 1 ano, 8

meses e 7 dias (as autoras seguem a orientação de Brown (1973) e Cazden (1968),

os quais consideram que uma criança adquire o plural quando ele é produzido em

90% dos contextos obrigatórios). Uma nova periodização da aquisição do plural,

diferente da de Cazden, foi elaborada neste estudo. Para Mervis e Johnson, a

aquisição do morfema de plural se faz conforme os seguintes estágios:

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a) Pré-plural (até a idade de 1 ano, 6 meses e 4 dias): Durante este

período, o morfema de plural nunca foi usado. Corresponde ao

primeiro estágio de Cazden.

b) Transicional (1 ano, 6 meses e 5 dias até 1 ano, 8 meses e 6

dias): Durante este período, o morfema de plural foi usado em

algumas ocasiões. Formas de plural para palavras cuja pronúncia

é considerada não-fechada (not close) nunca foram produzidos.

Este estágio foi dividido em dois: I – Transicional pré-regra

(1;6.5 – 1;7.15): Durante este período, Ari não produziu erros de

supercategorização. Portanto, ele não demonstrou possuir uma

regra para formar plurais. Corresponde ao segundo estágio de

Cazden. II – Transicional pós-regra (1;7.16 – 1;8.6): Este

período começa com os erros de superregularização e continua

até os plurais serem usados em 90% dos casos obrigatórios.

Corresponde ao terceiro estágio de Cazden.

c) Plural Infantil (Child Plural, 1 ano, 8 meses e sete dias até 1 ano,

11 meses e 28 dias): Este estágio estende-se do tempo em que

Ari usou os plurais em 90% dos contextos obrigatórios até ele

não mais cometer erros de flexão de palavras cujos radicais

foram estabilizados em seu vocabulário. Corresponde ao quarto

estágio de Cazden.

d) Plural Adulto (a partir de 1 ano, onze meses e 29 dias): Do início

deste estágio, Ari demonstrou dominar completamente o

morfema plural. Ari já era capaz, nesta etapa, de perceber e

corrigir os seus erros.

Durante o período de aquisição estudado, Ari cometeu 5 tipos de erros:

• Formações Regressivas (Back Formations): O primeiro e mais

freqüente tipo de superregularização foi a formação regressiva

de nomes terminados em /S/ ou /Z/, permitindo uma forma de

singular na qual a consoante final foi deletada (“plier” para

“pliers”.

• Marcas regulares de nomes que possuem morfema zero para

plural: o segundo erro mais freqüente envolvia a adição de

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morfemas de plural regulares em nomes cujos plurais são

idênticos às formas do singular.

• “Mass Nouns”: foram registrados 3 casos de adição de

morfemas de plural regulares no final de nomes como “água”,

“macarrão”, etc.

• Nomes irregulares tratados como regulares: o tipo menos

freqüente de superregularização envolveu a adição de

terminações regulares a radicais de nomes que possuem uma

forma de plural irregular (“mans” ao invés de “men”).

• Adição de morfemas de plural a adjetivos

• Uso de formas de plural em contextos de singular obrigatório

• Erros envolvendo quantificadores (“many” , “much”)

Os dados obtidos na coleta longitudinal de dados levada a cabo nesta

pesquisa fornecem evidências compatíveis com a divisão em estágios de aquisição

proposta por Cazden (1968) e Mervis & Johnson (1991). Tendo em vista que os

sujeitos nos quais se baseou a coleta tinham idade entre 24 e 28 meses à época de

realização da coleta (inserindo-se, portanto, no último dos estágios sugeridos por

Cazden, e no final do estágio de plural infantil proposto por Mervis & Johnson)

era de se esperar que a sua produção de plurais se fizesse de acordo com as

características descritas para esses estágios por ambos os autores. Observou-se, na

análise dos dados da coleta, que os sujeitos que dela participaram produziram os

plurais nos contextos em que ele foi exigido, sem cometer erros de flexão tais

como superregularizações e troca de morfemas (para maiores detalhes sobre os

procedimentos usados para coletar dados de produção e sobre os resultados

obtidos, consultar os itens 4.2 e 5.1).

Koehn (1994) e Köpcke (1998) elaboraram trabalhos baseados na

aquisição do inglês e do alemão. Ambos partem de um crítica aos modelos

morfológicos fundamentados em Item e Processo (IP models) como os de Berko

(1958), argumentando que mecanismos diferentes de regras estão envolvidos no

processamento de informação morfológica. Ao termo “regras”, Koehn e Köpcke

preferem a palavra “regularidade”, para expressar os padrões distribucionais de

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variação alomórfica. As principais evidências contra os modelos IP foram feitas a

partir de um experimento conduzido por Bybee e Slobin (1982) em uma tarefa de

elicitação. Eles sugeriram que a omissão de uma terminação morfológica depende

não somente de certas regras ou de certos alomorfes, mas também da forma básica

do item lexical ao qual deveria ser adicionado. As crianças testadas por Bybee e

Slobin produziram formas de pretérito regulares e irregulares, e pôde-se notar que

as crianças mostraram uma significativa tendência a não colocar o afixo de

pretérito /-ed/, /-d/ ou /-t/ em verbos terminados em /t/ ou /d/ respectivamente. Isto

significa que as crianças tendem a não alterar verbos como “want”, tomando-o

como uma forma já marcada para pretérito. A conclusão foi a de que as crianças

inicialmente não operam com com regras de afixação de formas básicas mas sim

levam em consideração um modelo de forma desejada, ou seja, formulam

generalizações relativas aos modelos desejados, como formas de pretérito ou de

plural. A assunção básica desta abordagem reside no fato de que não apenas

existem formas básicas e formas derivadas através de afixação, mas que também

podem ser formuladas generalizações a respeito das propriedades fonológicas de

uma classe, como por exemplo a classe das formas de plural. Esta assunção

implica que afixos em geral não estão armazenados independentemente dos

radicais com os quais ocorrem e que a estrutura de formas morfologicamente

complexas é identificada através da comparação com outras formas que contém os

mesmos elementos. Na questão da aquisição da linguagem, as regras devem ser

induzidas através da comparação entre formas relacionadas que estão

representadas no léxico mental. Isto quer dizer que no mínimo uma certa

quantidade de formas morfologicamente complexas devem ser processadas e

extraídas do input como um todo, e estocadas no léxico mental como tais. Classes

de palavras podem ser estabelecidas a partir de formas que contêm os mesmos

traços semânticos e fonológicos. No nível mais abstrato, esquemas podem

envolver traços fonológicos específicos de uma dada classe morfológica (como o

plural, por exemplo). Para o inglês, um esquema poderia ser enunciado como “um

nome que termina em /s/ ou /z/, respectivamente, provavelmente é uma forma de

plural”. Os estudos de Koehn (1994) e Köpcke (1998) apresentam evidências

favoráveis a esta visão.

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Em português, a aquisição do número recebeu pouca atenção de

pesquisadores e estudantes, o que causou uma certa escassez de estudos

concernentes a esta área.

Inicialmente, tem-se o trabalho de Massotti (1977) sobre a aquisição das

regras de plural de substantivos. Trabalhando com crianças de 6 a 10 anos de

idade, Massotti pretendeu controlar as variáveis envolvidas no processo de

aquisição, quais sejam, segundo ela, idade, escolaridade, maturação, sexo e nível

sócio-econômico. Sua hipótese é a de que a aquisição depende de tais variáveis,

sendo a sócio-econômica a mais relevante. A pesquisa também aponta para uma

ordem de aquisição das regras de plural de acordo com o nível de complexidade

das mesmas (regras mais complexas são adquiridas posteriormente) propondo

então um modelo de ensino de plural que obedeça a esta ordenação (Massotti

propõe que as regras de plural sejam ensinadas na escola de acordo com as sua

ordem de aquisição). A metodologia de pesquisa foi baseada nas experiências de

Berko (1958) e os dados empíricos obtidos levaram à depreensão de diferentes

gramáticas, de acordo com a produtividade apresentada pelas crianças nos testes

aplicados.

Palhares (1981), em sua dissertação de mestrado, nos apresenta uma

pesquisa sobre a aquisição das regras de formação do plural das palavras

terminadas em –l ou em –u assilábicos. Por meio de um teste, aplicado a 120

crianças de 5 a 10 anos, procurou-se verificar como se dá a aquisição das regras

de plural de palavras com terminação –l ou –u. A escolha desta questão deveu-se

ao fato de que a aquisição do plural de tais palavras é de fato problemática, uma

vez que o –l pósvocálico é pronunciado como a semivogal /w/, principalmente no

dialeto da área do Rio de Janeiro. Em posição posvocálica, o fonema /l/ tem uma

variante velar cuja realização é muito próxima da semivogal /w/. Deste modo, ao

se formar o plural de uma palavra pouco usual que possua o ditongo final

terminado pela semivogal /w/, não se tem meio de saber se a palavra termina com

/w/ ou /-l/. Este fenômeno irá ter influências na formação do plural das palavras

terminadas em –al, -el, -il, -ol e –ul, provocando a confusão destes plurais com os

das palavras terminadas em ditongos correspondentes. Os resultados mostraram

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que o desempenho das crianças vai aprimorando-se ao longo do tempo, de acordo

com o domínio do conhecimento do vocabulário.

Cappellari & Zilles (2002) apresentam uma análise de dados longitudinais

da fala de uma criança de 4 a 8 anos de idade, extraídos do Banco de Dados do

Projeto DELICRI (Desenvolvimento da Linguagem da Criança em Fase de

Letramento, conduzido pelo Instituto de Letras da Universidade Federal do Rio

Grande do Sul (UFRS). O propósito do trabalho não é, todavia, investigar o

surgimento da marcação de plural na fala infantil, haja visto que os dados desta

pesquisa foram coletados em uma série de entrevistas realizadas com uma criança

de 4 anos de idade, gravadas durante um espaço de tempo de 4 anos; e a

emergência da marcação de plural na fala infantil ocorre por volta dos 2 anos de

idade. O objetivo é na realidade descobrir em que medida a fala da criança é

comparável à do adulto, no que diz respeito à influência de variáveis lingüísticas e

extralingüísticas que ambas sofrem. Para tanto, a autora recorre aos resultados

obtidos por Scherre (1996) em sua pesquisa sobre a variação da concordância

nominal no português falado, para caracterizar o plural na fala do adulto; e aos

dados de Lamprecht (1997) sobre a aquisição do plural por parte de crianças

bilíngües, para caracterizar o plural na fala da criança. Os resultados obtidos

parecem favorecer a visão de que as crianças na faixa etária observada

apresentam, no que toca à marcação de plural, um comportamento bastante

semelhante aos dos adultos, o que comprova que ambas as falas (a do adulto e a

da criança) parecem ser afetadas pelas mesmas variáveis lingüísticas e

extralingüísticas.

2.5– Considerações Finais:

Conforme pôde ser atestado pela leitura deste breve histórico, trabalhos

sobre aquisição de número têm sido relativamente pouco freqüentes na literatura

sobre aquisição da linguagem. A rigor, somente o trabalho de Mervis e Johnson

(1991) cuida especificamente do assunto, ao passo que os demais o citam dentro

do contexto maior da aquisição da morfologia. Em português, a situação ainda é

mais dramática, uma vez que as pesquisas neste campo foram realizadas com

sujeitos em idade um tanto avançada (para além dos 2 anos de idade), como nos

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trabalhos de Massotti (1977), Palhares (1981) e Cappellari & Zilles (2002). A

presente dissertação vem suprir esta lacuna, iniciando um trabalho específico em

aquisição do número gramatical com dados do português, efetuando experimentos

com sujeitos em idade precoce (entre 18 e 42 meses).

Os trabalhos acima resenhados apresentam problemas em comum, a

despeito do rigor metodológico com que foram conduzidos e do seu inegável

valor. Em primeiro lugar, faltou definir exatamente aquilo que deve ser adquirido.

Em Berko (1958), Cazden (1968), Mervis & Johnson (1991), Koehn (1994) e

Köpcke (1998), o objeto a ser adquirido é concebido em termos de regras

morfológicas de formação de plural. Tal concepção pressupõe uma visão de

língua como um sistema de regras,e , ainda que modelos de língua possam admitir

entre os seus componentes conjuntos de regras, não fica claro, nos textos

resenhados, qual o lugar das regras morfológicas de formação de plural no sistema

total da língua. Em outras palavras, faltou especificar o que é exatamente uma

regra gramatical. Igualmente são ignoradas questões acerca dos conhecimentos

prévios que a criança deve possuir para chegar a formulação de uma regra

gramatical.

Além disso, a maneira como as crianças chegam a formular uma regra

também não se acha muito explícita. De um modo geral, afirma-se que a criança

observa as diferentes manifestações lingüísticas do número gramatical e induz

destes dados uma regra genérica de formação de plural, armazenando as

irregularidades em um léxico. Contudo, nada é dito sobre quais informações

presentes no input lingüístico são relevantes para que a criança adquirindo número

gramatical induza regras gramaticais, nem sobre como estas informações são

processadas pela criança (em realidade não são especificadas as habilidades

perceptuais necessárias para o processamento dos dados lingüísticos primários e

consequente retirada de informações relevantes para a aquisição do número

gramatical)

Portanto, tais estudos carecem ou de um modelo de língua que defina com

clareza o que deve ser adquirido, assim como especifique quais conhecimentos

devem estar disponíveis previamente na criança. Eles carecem também de um

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modelo de processamento que permita explicitar o modo como é processado o

sinal acústico. Como já foi afirmado anteriormente, entende-se que o processo de

aquisição de linguagem fica melhor compreendido se se considerar teoria de

língua conjuntamente com teoria de processamento, e isto parece não ter sido

observado por nenhum dos estudos em questão.

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3 – Fundamentação Teórica

Neste capítulo, procurar-se-á mostrar, através de uma argumentação

expositiva, os pressupostos teóricos nos quais se fundamenta a pesquisa aqui

desenvolvida. O objetivo é delinear um quadro teórico sob cuja perspectiva os

resultados dos experimentos realizados no âmbito desta dissertação possam ser

analisados e discutidos. Busca-se igualmente a construção de uma sustentação

teórica para as hipóteses aqui assumidas.

3.1 – O Problema da Aquisição da Linguagem sob a Perspectiva da Criança

Nos capítulos anteriores, verificou-se que a informação relativa a número

gramatical se manifesta na maioria das línguas conhecidas. Da mesma forma,

observou-se que esta manifestação é muito variada, aparecendo de maneira muito

diversificada na fonologia, morfologia, sintaxe e semântica. Entretanto, viu-se

também que o morfema de número é um dos primeiros a se manifestar na fala da

criança em fase de aquisição.

Tal situação leva-nos a um interessante paradoxo: se, por um lado, a

manifestação linguística do número é extremamente variada, mesmo dentro de

uma determinada língua (se se considerarem também as variações

sociolinguísticas presentes em qualquer língua), por outro, o número é adquirido

de maneira relativamente fácil e rápida, ou seja, em torno de 3 anos. A observação

deste curioso fenômeno é fundamental na teorização sobre os processos de

aquisição do número gramatical, em particular, e da linguagem como um todo.

Segundo Corrêa (2002), uma teoria de aquisição de linguagem deve

forçosamente encarar duas questões fundamentais: determinar o que de fato está

sendo adquirido pela criança e explicitar o processo mediante o qual a criança

adquire aquilo que deve ser adquirido. A primeira questão pressupõe uma teoria

de língua e representa o marco zero de qualquer teorização sobre a aquisição de

linguagem. Já a segunda assume uma teoria de processamento linguístico e

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configura-se como aquilo que deve ser explicado por uma teoria do processo de

aquisição.

Como esta dissertação versa sobre aquisição de linguagem, não se pôde

furtar a encarar as questões acima delineadas, pois quaisquer questões relativas à

compreensão do mecanismo de aquisição da linguagem devem levar em

consideração não só a definição do que é tomado como problema de aquisição

mas também a formulação de hipóteses acerca das habilidades de processamento

lingüístico presentes na criança em fase de aquisição.

A perspectiva teórica assumida nesta dissertação busca conciliar um

modelo de língua com um modelo de processamento. Tal perspectiva propõe um

modelo de identificação da informação relativa a número fundamentada no modo

como é estabelecida, pela criança, uma relação entre aquilo que é captado

perceptualmente (informação de natureza acústica) com aquilo que é fornecido

por um programa biológico (informação de natureza genética). Formula-se o que

se apresenta como um problema de aquisição do número gramatical pela criança

com base no Programa Minimalista (Chomsky, 1995), e na hipótese do

bootstrapping (Pinker, 1987, Morgan & Demuth, 1996) considerando-se que a

percepção de regularidades (padrões de natureza sintática, morfológica,

fonológica e semântica) presentes principalmente no âmbito do vocabulário das

categorias funcionais, permite a inicialização do programa biológico responsável

pela identificação das categorias e relações gramaticais da língua em aquisição.

Acompanhando este raciocínio, o problema da aquisição do sistema de

número em qualquer língua pode ser formulado em termos de um processo que

compreende duas fases: uma segmentação, pela criança, do input linguístico que

lhe é oferecido, seguida do estabelecimento de uma relação entre esta informação

e o programa biológico responsável pelo tratamento linguístico desta informação,

de modo a reconhecer nos dados segmentados a informação relativa a número.

Assim posto, quaisquer hipóteses formuladas segundo tal pensamento devem

pressupor a existência tanto de habilidades perceptuais muito sensíveis presentes

na criança desde os primeiros meses de vida, quanto a de uma dotação biogenética

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encarregada de guiar o processamento linguístico, e que se constituiria no estágio

inicial do processo de aquisição.

Nesta fundamentação teórica, portanto, deve ser apresentado um modelo

de língua que assuma um conhecimento linguístico inato, o qual permitiria a

determinação exata daquilo que será adquirido, assim como deve ser igualmente

apresentado um modelo de processamento que possibilite relacionar os dados

processados com a informação biologicamente especificada.

Com relação ao modelo de língua, recorreu-se ao quadro teórico fornecido

pela teoria linguística de base gerativa, em sua vertente chomskyana, qual seja a

sua formulação mais recente, o Programa Minimalista (Chomsky, 1995,1999).

Procurar-se-á explicitar não só a definição de número gramatical proposta por esta

teoria de língua (número como um traço formal φ presente na entrada lexical dos

itens lexicais), mas também os mecanismos de concordância de número que

atuam no âmbito do DP. No que se refere ao modelo de processamento, buscar-se-

á mostrar a hipótese do bootstrapping como uma teorização válida sobre o que e

quanto de informação perceptual é preciso para que a criança relacione os dados

linguísticos primários provenientes do ambiente no qual se acha inserida com a

informação biológica especificamente linguística geneticamente especificada,

além de citar quais são as habilidades perceptuais que a criança possui na fase de

aquisição de linguagem.

A hipótese assumida por esta dissertação é a de que a informação relativa a

número presente nos elementos que formam a categoria Determinante é crucial

para a fixação do(s) parâmetro(s) relativo(s) ao traço de número. Tal hipótese, à

luz do Programa Minimalista, concebe o número como um traço formal φ,

constante da entrada lexical dos itens lexicais, e pressupõe que a criança seja

capaz de segmentar o fluxo da fala de modo a identificar a porção do input

lingüístico relativa a número, bem como sugere a disponibilidade precoce das

categorias funcionais na criança em fase de aquisição. Nos itens a seguir, buscar-

se-á explicitar em mais detalhes o acima exposto.

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3.2 – O Programa Minimalista (Chomsky, 1995,1999)

O Programa Minimalista (1995) é uma das mais recentes versões da Teoria

Lingüística de base gerativa chomskyana. Ele não se constitui como um novo

modelo teórico da gramática gerativa, muito ao contrário: partindo do modelo de

Princípios e Parâmetros, o Programa Minimalista propõe uma série de orientações

teóricas que visam especificar as condições que a faculdade da linguagem humana

deve satisfazer para se desenvolver, bem como determinar as propriedades que

esta faculdade deve possuir. O Programa Minimalista é motivado pela idéia de

que devem ser evitados postulados teóricos não estritamente necessários à teoria,

daí o adjetivo “minimalista”.

O Programa Minimalista propõe dois níveis de representação, os quais

atuam como níveis de interface com os sistemas de desempenho. O nível de

representação PF (Phonetic Form) funciona como nível de interface com o sistema

A-P (articulatório-perceptual) e o nível LF (Logic Form), por sua vez, age como

interface com o sistema C-I (conceptual-intensional). Apenas estes níveis de

representação (PF e LF) são assumidos pela teoria. Chomsky propõe o conceito de

spell-out, como o momento em que a derivação separa os objetos distintos de cada

nível de representação.

Uma língua particular L é concebida, dentro do Programa Minimalista,

como um procedimento gerativo que constrói pares (π, λ). π é a representação

correspondente à Forma Fonética (PF) e λ a representação correspondente à

Forma Lógica (LF). Os pares (π,λ) são interpretados nas interfaces A-P

(articulatória-perceptual) e C-I (conceitual-intencional), respectivamente, como

instruções para sistemas de desempenho. PF e LF são os únicos níveis de estrutura

lingüística, tendo sido eliminados os níveis Estrutura-S e Estrutura-D. Uma língua

L especifica uma série de computações, ditas derivações, responsáveis pela

geração de expressões. Uma expressão de L é pelo menos um par (π,λ) que

satisfaça ao Princípio de Interpretação Plena (Full Interpretation, ou FI), segundo

o qual as interfaces PF e LF não possuem elementos que não possam ser

interpretados por elas em seus respectivos sistemas de performance.

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Para dar origem a uma derivação, o sistema computacional mapeia uma

matriz de escolhas lexicais A no par (π,λ). Esta matriz indica quais os itens

escolhidos e quantas vezes cada um é selecionado na formação de uma expressão

L, formando assim uma numeração (conjunto de pares (LI, i) onde LI é um item

do léxico e i o seu índice, entendido como o número de vezes que LI é

selecionado). Sendo N uma numeração, o sistema computacional mapeia N em

(π,λ) e cada vez que um item de N é selecionado, subtrai-se 1 de seu índice. O

processo termina quando o índice é reduzido a zero e o resultado é uma derivação

S que satisfaz ao Princípio FI e a considerações de economia.

3.2.1 - O Número Gramatical no Programa Minimalista

Dentro do modelo minimalista, as línguas humanas seriam formadas por

um sistema computacional e por um léxico. O léxico especifica os elementos que

o sistema computacional seleciona e integra para gerar expressões da língua.

Pode-se conceber o léxico como o lugar onde estão representadas as propriedades

idiossincráticas dos itens lexicais (concepção que não difere muito das versões

anteriores da teoria gerativa). Estas propriedades configurar-se-iam como uma

espécie de “exceções” – tudo aquilo que não é produto de princípios gerais, ou

seja, não é resultado de operações sintáticas estaria codificado no léxico.

Um item lexical armazenado no léxico é composto por traços, como por

exemplo o traço categorial, que indica a que categoria o item em questão pertence

(N, A, V, etc.) e os traços de concordância (pessoa, número, gênero) chamados de

traços φ. Uma entrada lexical típica conteria uma relação som-sentido, uma matriz

fonológica, uma matriz semântica e traços formais não previsíveis, como o traço

plural de um item como “óculos” ou o gênero gramatical, mas esta entrada lexical

não precisaria especificar propriedades previsíveis a partir de outras propriedades

também presentes. Assim, a entrada lexical de “livro”, por exemplo, não

necessitaria especificar que “livro” tem caso ou traços φ, pois isso decorre do fato

de pertencer à categoria N que, presumivelmente por princípios de GU, apresenta

esta espécie de traços.

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Os traços opcionais de uma ocorrência particular de um dado item lexical,

como, por exemplo, um traço de caso acusativo ou número plural, podem ser

acrescidos ou no momento em que o item é selecionado para a numeração ou no

momento em que é introduzido na derivação. Não é plausível que tais traços

sejam determinados pela posição da palavra na configuração da oração, uma vez

que o item é tomado isoladamente, sendo os traços determinados ainda que não

exista estrutura.

A especificação de caso e de traços φ é em princípio acrescentada a um

item lexical (como um nome) provavelmente no momento em que é selecionado

para a numeração. Diz-se em princípio, pois leva-se em conta aqui apenas o

mecanismo gerativo, e não as intenções e escolhas do falante. Estas só poderão ser

consideradas quando o modelo for adaptado a situações de produção e

compreensão, o que ainda não ocorreu. Desta forma, na numeração, o caso e os

traços φ são especificados alguns pela entrada lexical (os chamados traços

intrínsecos, como o traço de gênero e o traço categorial) outros pela operação que

forma a numeração (os chamados traços opcionais, como o traço acusativo ou de

plural).

3.2.2 - A Concordância no Programa Minimalista

Como foi dito anteriormente, as línguas humanas, segundo o modelo

minimalista, são formadas por um léxico e por um sistema computacional que

atua sobre os dados armazenados no léxico. Todo item do léxico nada mais é do

que um conjunto de traços enfeixados sob uma mesma entrada lexical, traços estes

que representam informações fonológicas, semânticas e formais. Sob esta ótica, o

número gramatical é um traço formal, um traço φ, assim como o de gênero e o de

pessoa. Somente traços formais, como os traços φ e traços categoriais são

acessíveis ao sistema computacional e podem ser passados para LF para serem

interpretados.

Traços podem ser interpretáveis ou não-interpretáveis, intrínsecos ou

opcionais. Um traço é interpretável quando pode ser lido nos níveis de interface. É

intrínseco quando o seu valor já está especificado na entrada lexical e é opcional

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quando o seu valor varia, sendo especificado quando selecionado para a

numeração. A manifestação desta opcionalidade é morfológica tanto nos nomes

quanto nos determinantes (presença ou não do morfema de número).

O traço de número é opcional para a grande maioria das palavras em

português, à exceção de um certo grupo de palavras que só se usam no plural

(como, férias, núpcias, bodas, etc., conforme o exposto no capítulo 1, as quais

apresentam traço de número intrínseco), Para um outro grupo de palavras cuja

terminação em –s é puramente acidental, o traço de número é opcional, como se

pode concluir a partir da existência de formas de plural de palavras como lápis ou

pires (o lápis/os lápis, o pires/os pires).

No que toca à interpretabilidade, há uma grande discussão a respeito de

onde o traço de número deve ser interpretável, ou nos nomes ou em outros itens.

Chomsky postula que o traço de número é interpretável somente no nome e não-

interpretável nos determinantes (de modo geral, segundo postula o Programa

Minimalista, categorias lexicais possuem traços [+ interpretável], ao passo que

categorias funcionais possuem traços [- interpretável]). Há, no entanto, trabalhos

que consideram a possibilidade de o traço interpretável de número estar no

determinante (cf. Magalhães, 2002). Nesse caso, a identificação do núcleo em que

o traço de número se faz interpretável seria um parâmetro a ser fixado. No caso do

português do Brasil, uma vantagem de se aceitar a interpretabilidade do traço de

número nos determinantes seria a possibilidade de explicar em termos sintáticos o

que acontece em algumas variantes dialetais brasileiras, nas quais o morfema de

plural não aparece em todos os itens que formam o DP (Scherre, 1988).

De acordo com o Programa Minimalista, o movimento de traços em que se

baseia a concordância seria motivado pelo Princípio da Interpretação Plena, o qual

exigiria a eliminação de traços não-interpretáveis nos níveis de interface da

língua. Desta maneira, traços [- interpretável] de categorias funcionais seriam

pareados com os traços [+ interpretável] de categorias lexicais e atraídos,

provocando um movimento sintático. Após este processo de concordância (aqui

entendida como uma operação de checagem), haveria a eliminação de traços [-

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interpretável]. Vê-se, portanto, que traços [-interpretável] precisam ser checados e

eliminados, no curso da derivação.

Ao lado das distinções intrínseco/opcional e interpretável/não-

interpretável, há também a distinção forte/fraco. Um traço é forte se ocasiona

movimento na sintaxe aberta (aquela que ocorre antes do ponto de spell-out),

tendo assim expressão morfofonológica (envio de material morfofonológico à

Phonetic Form). Um traço é fraco se o movimento acontece na sintaxe encoberta

(aquela que ocorre antes do ponto de spell-out) não possuindo manifestação

morfofonológica.

Depreende-se do acima exposto que o mecanismo de concordância, no

Programa Minimalista, é concebido como uma operação de checagem de traços, e

sua manifestação morfofonológica um produto da força dos traços envolvidos, os

quais podem promover movimento sintático ou na sintaxe aberta ou na sintaxe

encoberta. Assim, tem-se que, no português, no que tange à concordância de

número, este traço seria forte, provocando a checagem na sintaxe aberta, com

envio de material morfofonológico para a PF.

A Teoria Lingüística admite a existência de dois mecanismos de

concordância: a checagem de traços como operação Agree, que ocorreria no

âmbito da sentença, e a checagem de traços como operação Concord (Chomsky,

1999), que se processaria entre os elementos que formam o DP. Num primeiro

momento, a discussão se concentrou na concordância entre sujeito, verbo e objeto,

mas, com a proposta de Abney (1987) sobre a estrutura do DP, passaram a surgir

interessantes trabalhos sobre a manifestação de gênero e de número no nome

(Picallo, 1991, Ritter, 1993), e sobre a concordância entre Nome e Determinantes

(Carstens, 2000). Este último é altamente relevante para a pesquisa aqui

desenvolvida, uma vez que a hipótese de trabalho assumida por esta dissertação é

a de que a informação relativa a número contida nos elementos que formam a

categoria funcional Determinante (D) é crucial para a fixação do parâmetro

relativo a número no português. Acresce, ainda, o fato de que tal estudo propõe

uma configuração para a categoria de número gramatical diversa das inicialmente

propostas por Chomsky. Este estudo será apresentado e discutido a seguir.

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3.2.2.1 – A Concordância no DP Na Teoria de Checagem proposta (Chomsky, 1995), as relações de

checagem ocorrem entre núcleo e especificadores. Para checar seus traços [-

interpretável], um elemento de uma categoria funcional atrai o núcleo de uma

categoria lexical no seu domínio. O núcleo se move para a posição Spec

(especificador) da categoria funcional, checando seus traços [+ interpretável] com

os traços da outra categoria, os quais são posteriormente eliminados.

Uma forma variante desta operação de checagem é a que acontece entre

Determinante e Nome, ou seja, entre núcleo e complemento (checagem in situ).

Chomsky vale-se do termo Concord para separar a concordância com movimento

(Agree), da concordância que envolve somente concatenação (merge), com

checagem de traços in situ, i.e., sem alçamento do Nome para uma posição de

especificador.

Carstens (2000) afirma que esta operação de checagem entre Determinante

e Nome aconteceria diferentemente. Ela assume um nível intermediário entre NP

e DP, o NumP, que seria uma projeção do número (Num) na sintaxe. A categoria

lexical D teria traços interpretáveis de pessoa e não-interpretáveis de gênero e

número; Num, por sua vez, teria traço interpretável de número e N teria traço

interpretável de gênero. O traço não-interpretável de gênero de D motivaria o

alçamento de N, que seria alçado primeiramente para NumP, onde receberia

número, e, em seguida, para D. N seria adjungido a D (o esquema a seguir foi

retirado de Name, 2002)

DP

D NumP [α pessoa] Num NP [β número] N XP [γ gênero]

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A proposta de Carstens, além de cuidar especificamente da concordância no

DP, traz embutidas interessantes modificações das formulações iniciais de

Chomsky (1995). A mais notável delas é a criação de uma categoria funcional

para o número, o qual, segundo esta concepção, sairia do âmbito do léxico

(deixaria de ser tratado como um traço formal presente na entrada lexical do

nome) para ser incluído na sintaxe (como uma projeção).

No que tange aos objetivos deste trabalho, importa sobremaneira estabelecer

uma articulação entre as formalizações do mecanismo de concordância

apresentadas e a aquisição da linguagem. Dito de outro modo, cumpre determinar

de que maneira uma criança que está processando o material acústico à sua volta

retira dele a informação necessária para a fixação do valor relativo aos traços,

notadamente o de número. Tanto na concepção de Chomsky quanto na de

Carstens, há uma relação de concordância entre nome e determinante na qual os

traços envolvidos já estão especificados na gramática do adulto, (na proposta de

Carstens, o problema seria determinar o quão precocemente estaria disponível a

categoria funcional NumP, já que a presença de categorias funcionais no período

inicial de aquisição da linguagem tem sido alvo de muitas controvérsias).

Assumindo-se um sistema computacional inato, comum às diferentes línguas, este

teria de ser capaz de atuar a despeito de o número do nome não ter traço com

valor especificado, como é no caso da aquisição de itens lexicais (nomes novos)

Para elucidar esta questão, é necessário estabelecer como ponto de partida o

fato de que uma criança que adquire uma dada língua o faz processando os

enunciados à sua volta. Uma teoria de aquisição de linguagem, seja ela de base

empirista ou de base racionalista, não pode se furtar a inserir este fato em seus

modos de teorização. Assim, torna-se altamente relevante determinar as

habilidades perceptuais e competências processuais básicas que subjazem o

processamento de enunciados lingüísticos por parte da criança adquirindo uma

língua.

A criança precisa identificar informação morfofonológica do morfema de

número. Observe-que, pelo menos no português do Brasil, a realização fonológica

do morfema de número ser muito variada, sendo a alofonia expressivamente vasta

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neste caso (vide seção 2.1), o que pode ser uma dificuldade inicial para a criança.

Entretanto, se for assumido que a criança é capaz de delimitar determinantes e

nomes no fluxo da fala, e que é igualmente capaz de identificar o morfema de

número presente nos elementos da categoria D como indicativo de elemento

marcado e não marcado e de que é capaz de lidar com a idéia de numerosidade,

ela terá de interpretar o morfema de número como indicativo de numerosidade

relativa ao referente de um DP.

No português brasileiro, o morfema de número pode estar presente somente

no D. Com isso, é crucial que a concordância entre D e N possa se estabelecer

para que a informação quanto à numerosidade que diz respeito ao referente do DP

seja reconhecida no D. Para isso, é necessário o processamento da concordância

no DP. Caso a criança extraia informação de número exclusivamente do nome,

não há evidência de que essa concordância se estabelece.

Comparativamente ao gênero, a identificação do morfema em questão talvez

não seja bastante para o desencadeamento da operação do sistema computacional

lingüístico, já que o caráter predominantemente semântico mais visível da

categoria de número acarreta informações a mais a serem processadas, o que

tornaria a sua aquisição mais custosa.

Para que as hipóteses de trabalho aqui assumidas sejam apreciadas, é preciso

assumir uma série de habilidades perceptuais presentes precocemente na criança.

Estas habilidades são apresentadas a seguir.

3.3 - A percepção das propriedades fônicas do estímulo acústico de fala pelos bebês

As habilidades discriminatórias das crianças em fase de aquisição face ao

input lingüístico ao qual são submetidas é condição sine qua non para a aquisição

da linguagem. Pesquisas recentes têm mostrado que os bebês já de muito cedo são

sensíveis a certas propriedades fonéticas. Estas mesmas pesquisas também

apontam para uma sofisticação crescente das habilidades discriminatórias da

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criança, o que a permite segmentar o sinal acústico de fala de modo a extrair

informações relevantes para a aquisição de sua língua materna.

Dehaene-Lambertz (1999), em um estudo sobre as bases cerebrais da

percepção de fonemas nos adultos e nos bebês, registrou os potenciais evocados

em bebês de três meses em tarefas de discriminação fonética e acústica.

Diferenças significativas na distribuição da voltagem no escalpo sugerem que

redes neuronais diferentes são ativadas segundo a natureza da modificação.

Existiria então, no bebê, como também no adulto, uma organização em redes

especializadas para o tratamento de estímulos auditivos.

A evolução das habilidades perceptuais ocorrida no primeiro ano de vida

indica que a criança desenvolve uma série de competências que podem ser

relevantes para o processamento do material lingüístico. Admite-se que tais

competências permitem a criança extrair do material lingüístico informações sobre

regularidades de sua língua, tais como propriedades fonotáticas (cf. Friederici &

Wessels, 1993), unidades supra-segmentais (padrões prosódicos e melódicos de

unidades lingüísticas), distribuição estrutural (posição de determinados itens nas

sentenças – Shady, 1996). Além disso, crianças em fase de aquisição são capazes

de diferenciar contrastivamente as vogais e as consoantes possíveis nas línguas

humanas, especializando-se em seguida no reconhecimento de vogais e

consoantes de sua língua materna. Ao atingir a idade média de seis meses, perdem

a sensibilidade a contrastes entre vogais que não sejam de sua língua; e por volta

de 10 a 12 meses, esta perda se estende às consoantes (Peperkamp & Dupoux, no

prelo, Polka & Werker, 1994, Werker & Tees, 1984).

3.4 - A percepção de morfemas pelo bebê

Dentre os estudos sobre a percepção de morfemas pelo bebê destaca-se o

de Gerken et al. (1990). Neste trabalho, buscou-se averiguar a importância dos

morfemas funcionais para a segmentação do fluxo da fala e identificação das

categorias gramaticais por parte de crianças em fase de aquisição. Morfemas

funcionais, como artigos e desinências verbais, por exemplo, possuem

propriedades distribucionais sistemáticas que as tornam adequadas para

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funcionarem como pistas para a segmentação da fala. Nos experimentos

registrados por Gerken et al., sujeitos com dois anos de idade em tarefas de

imitação de sentenças que continham morfemas funcionais ingleses e não-ingleses

omitiram mais os primeiros do que os segundos. As sentenças foram controladas

em seus fatores segmentais e supra-segmentais, e os resultados apontaram para a

evidência de que as crianças são capazes de usar morfemas funcionais nas fases

iniciais da aquisição de linguagem para proceder à segmentação da fala e

identificação de categorias.

O fato de crianças freqüentemente falharem na produção de morfemas

funcionais em sua fala espontânea (omitindo-o algumas vezes) poderia indicar que

elas os ignoram durante a fase de aquisição. Na realidade, conforme afirmam

Gerken et al., as crianças podem detectar morfemas funcionais no input

linguistico, mas omiti-lo na sua fala natural por limitações na produção da fala.

O trabalho de Name (2002), sobre a aquisição do sistema de gênero em

português, apontou evidências de que as crianças identificam a informação

relativa a gênero presente nos elementos da categoria funcional Determinante (D)

para atribuir o valor do traço intrínseco de gênero de nomes [- animado], o qual é

arbitrário ao falante da língua. Essa atribuição de valor ao traço dos nomes seria

dada pela identificação da variação morfo-fonológica na categoria D, o que, em

outras palavras, significa dizer que a criança percebe o morfema de gênero

presente no determinante. Através do mecanismo gramatical de concordância, o

valor do traço de gênero identificado na variação do determinante seria transferido

ao nome. O trabalho de Name (2002) também proveu evidências de que bebês são

sensíveis à incongruência de gênero entre elementos do DP, sugerindo que a

sensibilidade à concordância gramatical está presente desde muito cedo na

criança.

Os trabalhos acima citados parecem indicar uma disposição precoce da

criança para a segmentação e identificação de morfemas no fluxo da fala.

Contudo, acredita-se, com base nos resultados mostrados pelos estudos acima, que

é possível o desenvolvimento de uma pesquisa que clarifique estas questões,

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58

objetivando assim uma melhor compreensão do processo de aquisição da

linguagem.

3.5 – Sensibilidade Precoce dos Bebês aos Determinantes e Desenvolvimento da Cognição Numérica Höhle & Weissenborn (2000) observaram a sensibilidade de crianças

adquirindo o alemão aos determinantes, valendo-se da técnica de escuta

preferencial. Os resultados vistos apontam para uma sensibilidade a itens

funcionais e a determinantes. Para o português, tem-se o trabalho de Name (2002),

cujos resultados sugerem que crianças brasileiras aos 15 meses (idade média) são

sensíveis à forma fônica dos elementos da categoria Determinante da língua que

estão adquirindo, o português brasileiro.

No que diz respeito ao desenvolvimento da cognição numérica, foram

visto no Capítulo 2 uma série de trabalhos a este respeito. Com base neles, é

possível afirmar que bebês desenvolvem suas habilidades de raciocínio numérico

bastante cedo. Tal desenvolvimento provavelmente influi apenas indiretamente na

aquisição do número gramatical – as evidências aqui descritas sugerem que o

conhecimento matemático e o conhecimento lingüístico se desenvolvem

paralelamente, mas com algumas intersecções. A coleta de dados de produção

lingüística realizada no âmbito desta dissertação provê algumas evidências neste

sentido. Todavia, a literatura carece de estudos conclusivos a esse respeito (cf.

item 2.3).

3.6 – O Bootstrapping

A hipótese do bootstrapping é uma proposta de processamento relativa à

aquisição da linguagem que visa a explicar o modo como a criança processa o

material lingüístico de que dispõe, retirando dele informações relevantes para a

aquisição da língua em questão. Hipóteses de bootstrapping concentram-se na

teorização dos processos envolvidos na identificação, por parte da criança em fase

de aquisição, das regularidades sintáticas, morfológicas, fonológicas e semânticas

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59

que permitem a inicialização do programa biológico responsável pela aquisição de

linguagem.

Existem várias teorias que levam em conta o bootstrapping, como as de

Pinker (1987) e a de Gleitman (1990), respectivamente conhecidas como

bootstrapping semântico e bootstrapping sintático. Interessa aqui sobremaneira a

versão do bootstrapping fonológico (Morgan & Demuth, 1996) a qual afirma que

uma análise da fala levada a cabo pela criança permite a obtenção de informações

relevantes sobre a estrutura da língua em aquisição. A identificação de padrões

fonotáticos e distribucionais presentes no input lingüístico desencadeariam o

reconhecimento das estruturas gramaticais subjacentes.

Na base do conceito de bootstrapping fonológico está o fato de que,

mesmo que haja uma programação biológica inata, sob forma de uma GU, a tarefa

da criança ao adquirir uma dada língua é assaz complexa, exigindo-se que ela

perceba regularidades específicas de sua língua, como o padrão fonológico, a

ordem de palavras, etc. Não obstante, a aquisição não se consuma apenas a partir

do que a criança recebe como estímulo externo, uma vez que a identificação dos

elementos da língua a partir do processamento do material lingüístico é que vai

permitir a alavancagem das categorias lingüísticas comuns a todas as línguas

naturais, permitindo que a criança relacione os elementos extraídos dos

enunciados com essas categorias.

Desta forma, é necessário que a criança esteja apta ao processamento do

material lingüístico desde o início da aquisição da linguagem. Conforme visto

acima, no item 3.3, vários estudos apresentam evidências experimentais que

sugerem que a criança analisa o material lingüístico nos dois primeiros anos de

vida, o que acaba por justificar um estudo que assuma a hipótese do bootstrapping

fonológico.

3.7 - Conclusão As hipóteses que orientam esta dissertação pressupõem que a criança seja

capaz de processar o material lingüístico ao qual é submetida. Pressupõem

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60

igualmente a existência de um mecanismo de aquisição inato, responsável por

conferir um tratamento lingüístico à informação processada.

Foi visto neste capítulo um conjunto de trabalhos que dão suporte teórico

às hipóteses aqui assumidas. Descreveram-se os processos de concordância no

âmbito do DP, juntamente com as habilidadas perceptuais disponíveis na criança

em fase de aquisição. Registrou-se ainda uma teorização acerca do modo como é

desencadeado o programa biológico responsável pela aquisição da linguagem.

No entanto, algumas questões permanecem em aberto, as quais se

constituem nos objetivos a que este trabalho visa. Portanto, a seguir, será vista

uma série de experimentos, os quais buscam prover evidências acerca da

percepção das crianças à presença do morfema de número no nome e do

processamento da concordância de número no DP. Além disso, busca-se

evidenciar o caráter mais custoso da aquisição do sistema de número gramatical,

face à aquisição do gênero gramatical, dada a natureza semanticamente mais

visível do número. Por fim, a análise dos dados de produção obtidos em uma

coleta longitudinal pretende jogar alguma luz sobre o desenvolvimento da

expressão lingüística do número gramatical e do número conceitual na fala da

criança, por meio do registro de exemplos de formas flexionadas em número e

exemplos de concordância entre Determinante e Nome, além de outras

manifestações lingüísticas do conhecimento da numerosidade.

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4. Metodologia Este capítulo está voltado para a descrição da técnica experimental

utilizada nos experimentos levados a cabo neste estudo. Optou-se pelo paradigma

da tarefa de seleção de imagens (picture identification task), em dois

experimentos, um dos quais requereu o uso da voz sintetizada. Além disso,

realizou-se igualmente um estudo longitudinal, o qual consistiu de uma coleta de

dados de produção feita durante um período de 4 meses.

4.1. O Paradigma da Tarefa de Seleção de Imagens

O modelo experimental da tarefa de seleção de imagens é especialmente

válido quando o objetivo de um dado trabalho é a investigação das habilidades de

percepção e compreensão lingüísticas de uma determinada população. Pode ser

aplicada a adultos e crianças, indistintamente.

O objetivo básico desta metodologia é fazer com que o sujeito, adulto ou

criança, aponte para uma imagem, escolhida dentre uma série de outras imagens

semelhantes oferecidas como estímulo. Pode-se também observar o

direcionamento do olhar do sujeito para uma certa figura, o que é particularmente

interessante com crianças, as quais nem sempre apontam para a imagem. Neste

caso, é também necessário contar o tempo decorrido entre a nomeação e a fixação

da imagem escolhida, o que é feito off-line por dois observadores diferentes.

Uma vantagem deste tipo de experimento é que ele pode ser realizado em

qualquer lugar onde o sujeito se sinta à vontade, como a sua própria casa, creche

ou escola. Evitam-se assim eventuais constrangimentos advindos do fato de o

sujeito não se habituar ao local de experimentação. Qualquer lugar, desde que este

seja calmo, silencioso e imperturbável, é apropriado para a execução desta

técnica.

Descrição da Técnica

Material:

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• Pranchas de imagens contendo de duas a quatro figuras. Estas pranchas

podem ser organizadas em um álbum de pranchas impressas, ou dispostas

na tela de um computador portátil;

• Marionete de mão com um alto-falante acoplado

• Aparelho de CD-Player portátil

• CD com estímulos sonoros gravados

• Caixas de som portáteis, que servem como amplificadores de som

• Câmera de vídeo para a filmagem da sessão de experimentação

• Brinquedos variados usados na familiarização

Procedimento:

• Inicialmente, procede-se a uma familiarização entre o experimentador e o

sujeito, em especial quando este é uma criança. Nesta fase são utilizados

alguns brinquedos, para facilitar a integração entre experimentador e

sujeito.

• Uma vez que a interação entre experimentador e sujeito tenha atingido um

grau satisfatório, é mostrada à criança uma marionete, a qual se

apresentará à criança como um boneco falante, mas que na realidade

apenas gesticula durante a execução do CD com os estímulos gravados.

Esta etapa tem por objetivo acostumar a criança à voz do boneco, bem

como criar uma atmosfera lúdica para a execução do experimento.

• O experimentador mostra em seguida ou o álbum com as pranchas ou o

computador portátil já preparado para exibir as imagens. É proposta então

a “brincadeira” ou o “jogo”: o boneco pede e a criança aponta para uma

determinada imagem

• Há uma etapa inicial no experimento na qual as imagens são mostradas

apenas para que a criança se acostume com a tarefa. As duas primeiras

pranchas possuem esta finalidade.

• São apresentadas à criança um total de 16 pranchas-teste

O experimento acima valeu-se do uso da voz sintetizada, previamente

gravada, uma vez que se pretendeu evitar o estranhamento da criança à frases

agramaticais, as quais não são produzidas por falantes normais. Uma variante

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desta técnica foi também utilizada, desta vez sem o uso de voz sintetizada, porque

os estímulos apresentados às crianças não continham frases agramaticais. Neste

caso, o próprio experimentador produz os estímulos, incitando as crianças a

responder (apontar) ao que é proposto.

4.2. A Coleta Longitudinal de Dados

A coleta longitudinal de dados é um dos métodos de pesquisa mais antigos

e usados de que se tem notícia. Tem sido usada desde o final do século XVIII em

estudos descritivos que visavam registrar a evolução de certas formas de

comportamento humano. São muito conhecidos, nos estudos de aquisição de

linguagem, os famosos diários, nos quais eram registrados dados de produção

lingüística de crianças.

Os objetivos básicos de uma coleta de dados são, em primeiro lugar,

descrever a evolução das habilidades lingüísticas de uma criança, especialmente

no tocante à produção de fala; e, em segundo lugar, obter dados de fala que

permitam prover evidências favoráveis às hipóteses assumidas por uma pesquisa.

Não há uma forma fixa de se proceder a uma coleta de dados. Em

realidade, as maneiras variam muito em função do tipo de dado que é relevante

para a pesquisa em questão. Procura-se, no entanto, seguir determinadas regras

básicas, o que permite a obtenção de dados mais confiáveis, como, por exemplo,

registrar dados de fala produzidos em situação mais natural possível, realizar

sessões de coleta em intervalos regulares, interagir com a criança durante as

sessões, etc.

Para a pesquisa realizada no âmbito desta dissertação, importou sobretudo

o registro de formas plurais. As sessões de coleta foram realizadas durante 4

meses (de outubro a janeiro) com duas crianças que contavam, à época do início

da coleta, com 1 ano e 10 meses de idade. As sessões eram feitas semanalmente, e

duravam cerca de 15 minutos. Procurou-se estimular (embora sem forçar) a

produção de formas plurais, através de atividades lúdicas com objetos repetidos

em número variado (como 3 carrinhos, 2 bonecas, 5 bolinhas, etc.). Usaram-se

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64

também livros e álbuns de figuras, os quais exibiam várias figuras com desenhos

que variavam em número. As sessões foram conduzidas por uma assistente de

pesquisa, especialmente treinada para tarefas envolvendo crianças em idade

precoce, e por um experimentador que filmava toda a sessão. Posteriormente, foi

realizada a transcrição e a análise dos dados obtidos.

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65

5. Dados Longitudinais e Experimentos

Este capítulo contém a apresentação de uma coleta longitudinal de dados

de fala espontânea e de 3 experimentos que seguiram o paradigma da tarefa de

seleção de imagens, os quais foram realizados com vistas a verificar: se e quando

a criança apresenta evidência de número gramatical em sua fala; se e quando a

criança reconhece morfema e número no nome e se crianças de 18 a 28 meses

processam concordância de número no DP.

A coleta longitudinal de dados de fala espontânea teve por objetivo

principal prover exemplos de formas flexionadas em número e de concordância

entre os elementos do DP advindos da fala de duas crianças com idade de 24

meses no início da coleta (escolheu-se esta faixa etária em virtude de ser nesta

fase do desenvolvimento lingüístico o momento em que as formas de plural

aparecem mais frequentemente, conforme o exposto no Capítulo 2). Procurou-se

registrar exemplos de formas flexionadas em número, bem como exemplos de

concordância entre Determinante e Nome e outras manifestações lingüísticas de

conhecimento da numerosidade.

Os experimentos relatados neste capítulo buscam prover evidências

compatíveis com a hipótese sobre aquisição do sistema de número apresentada na

Introdução desta dissertação, segundo a qual a informação relativa a número

contida nos elementos que formam a categoria funcional Determinante (D) é

crucial para a fixação de parâmetros relativos a número no português (ainda que,

conforme o item 1.1, não seja claro como a fixação paramétrica relativa a número

é caracterizada), considerando-se que os valores assumidos pelo traço formal de

número podem ser identificados no âmbito do Determinante (conforme item 3.5).

Os valores relativos a número são posteriormente atribuídos ao nome por meio do

mecanismo da concordância. O número do nome pode ser atribuído pelo

mecanismo lingüístico da concordância independentemente de sua realização

fonológica. Tal hipótese pressupõe a existência de habilidades discriminatórias

que permitam à criança relacionar os elementos às suas categorias e de

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capacidades lingüísticas que lhe permitam estabelecer a concordância entre

Determinante e Nome.

O experimento 1 diz respeito à identificação do morfema flexional de

número adjungido ao nome e da informação semântica por ele veiculada. Ele foi

realizado em duas partes: a primeira, com crianças com idades entre 18 e 28

meses; e a segunda, com crianças entre 30 e 42 meses.

O experimento 2 visa à obtenção de evidências sobre a habilidade da criança

em reconhecer a informação relativa a número dentro da categoria D e relacioná-

la a um nome por meio da concordância. Neste experimento, foram usados como

estímulos apenas nomes que designavam objetos reais. Estes resultados foram

comparados com os resultados obtidos em Name (2002) relativos ao

processamento da concordância de gênero, com vistas a prover evidências

compatíveis com a hipótese de que a aquisição do número é mais demorada e

custosa do que a do gênero, em virtude de envolver processamento semântico

adicional. O experimento 3 assumiu o mesmo objetivo do que o experimento

anterior, todavia foram usados como estímulos, além de nomes que designavam

objetos reais, também nomes que nomeavam objetos e seres inventados (não-

reais), de forma a concentrar a informação semântica no morfema de número. A

idéia por trás da diferença entre os dois experimentos é a necessidade de se

verificar se a criança processaria a informação de número veiculada no morfema

de número quando esta é crucial para a realização da tarefa de identificação de

gravuras.

5.1 – Análise da Coleta Longitudinal de Dados

A coleta de dados de produção foi feita com duas crianças, uma do sexo

masculino e outra do sexo feminino, sem relação de parentesco entre si, ambas

com idade semelhante (24 meses no início da coleta), e ambas oriundas de classe

social média da cidade de Petrópolis (RJ). Foram realizadas sessões filmadas,

sempre em locais onde a criança se sentia mais à vontade (em creches ou em suas

próprias residências). As sessões duravam em média 15 minutos, durante os quais

uma assistente de pesquisa, por intermédio de atividades tais como jogos,

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brincadeiras e diálogos, buscava eliciar exemplos de produção lingüística relativa

a número ou à numerosidade. Foram usados livros, álbuns de figuras e brinquedos

variados para ajudar nas atividades. As sessões ocorriam uma vez a cada quinze

dias. A seguir, será apresentado um resumo destas sessões. Os exemplos de

produções lingüísticas marcados nas tabelas encontram-se transcritos

foneticamente em tabela anexa (vide Anexo 1, no capítulo 7).

Criança: Y* Perído de acompanhamento longitudinal: de 13/10/2002 a 17/02/2003 Número de sessões gravadas: 08 Duração de cada sessão: 15 minutos (em média) Tipos de situação de interlocução: Emissão espontânea Emissão eliciada

• repetição imediata da fala do adulto

• complementação no DP (como em aqui tem duas....)

• resposta a pergunta QU para identificação de objeto

• outra Tabulação da produção de nomes ou DPs com marca morfológica de plural de cada criança por sessão em função do(s) elemento(s) morfologicamente marcado(s) do tipo de situação de interlocução Sessão Criança: Y* 1 2 3 4 Situação Elemento morfologicamente marcado D N D N D N D N D N D N D N D N

Produção espontânea Produção eliciada

Repetição X Complementação X

Resposta X Outra

Total Sessão Criança: Y* 5 6 7 8 Situação Elemento morfologicamente marcado D N D N D N D N D N D N D N D N

Produção espontânea Produção eliciada

Repetição X Complementação X

Resposta

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Outra Total Criança: A* Período de acompanhamento longitudinal: de 17/10/2002 a 17/02/2003 Número de sessões gravadas: 08 Duração de cada sessão: 15 minutos (em média) Tipos de situação de interlocução: Emissão espontânea Emissão eliciada

• repetição imediata da fala do adulto

• complementação no DP (como em aqui tem duas....)

• resposta a pergunta QU para identificação de objeto

• outra Tabulação da produção de nomes ou DPs com marca morfológica de plural de cada criança por sessão em função do(s) elemento(s) morfologicamente marcado(s) do tipo de situação de interlocução Sessão Criança: A* 1 2 3 4 Situação Elemento morfologicamente marcado D N D N D N D N D N D N D N D N

Produção espontânea Produção eliciada

Repetição Complementação X

Resposta XX Outra X

Total Sessão Criança: A* 5 6 7 8 Situação Elemento morfologicamente marcado D N D N D N D N D N D N D N D N

Produção espontânea X Produção eliciada

Repetição X Complementação

Resposta Outra

Total Os dados obtidos com esta coleta não permitem afirmar que crianças no

período de 24 a 28 meses de idade já produzem exemplos de concordância no

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âmbito do DP, haja vista que não foi registrado nenhum exemplo deste tipo.

Ressalva-se o fato de que procedeu-se a esta coleta durante um período de tempo

relativamente curto, o que não possibilitou a observação de um número maior de

exemplos. O que estes dados permitem dizer é que crianças nesta idade já são

capazes de produzir formas flexionadas em número, denotando que o morfema de

número foi, de algum modo, percebido pela criança na fala do adulto e registrado

na fala da criança. Os exemplos acima também sugerem que a criança já tem

noção do valor semântico do morfema de número.

Os exemplos de formas flexionadas em número apareceram somente no

Nome, em situações de produção eliciada. Tais exemplos sugerem que crianças

em fase de aquisição já são capazes de flexionar corretamente alguns nomes em

número, o que sugere algum domínio do sistema de flexão dos nomes em número,

ainda que de forma parcial. A presença de um alomorfe do morfema de número (-

es, presente em flor-es, forma produzida por ambas as crianças participantes)

também evidencia um conhecimento de alomorfia, embora não se saiba precisar

em que nível se dá este conhecimento (se se trata de mera memorização, ou de

respeito às regras de estrutura silábica, etc.). Observaram-se ainda casos de flexão

de nomes em número obtidos por repetição.

É importante ressaltar a presença constante de marcações lingüísticas que

indicam conhecimento de numerosidade (ver anexo 1, no capítulo 7). Conforme já

visto no capítulo 2, seção 2.3, a criança já desde muito cedo apresenta evidências

de um conhecimento numérico, sendo capazes de realizar pequenos cálculos e de

reconhecer quantidades. Lingüisticamente, este conhecimento se manifesta muito

visivelmente, por meio de formas lingüísticas indicativas de número conceitual

um tanto variadas (repetição de palavras, como em “peixe, peixe, peixe”, uso de

pronomes, como em “a bola, a outra bola”, contagem de pequenas quantidades de

itens, etc). O registro de tais formas, que parecem indicar o desenvolvimento

paralelo do conhecimento de número conceitual e do sistema de número

gramatical, pode ser explicado pelo fato de a criança buscar outros meios

lingüísticos para expressar seus conhecimentos sobre numerosidade que não seja o

sistema de flexão e concordância de número, indicando alguma intersecção entre

o sistema da língua e outros sistemas cognitivos. Todavia, o desenvolvimento

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daquilo que é especificamente lingüístico, no caso, o sistema de número

gramatical, parece obedecer a padrões particulares, denotando assim uma

especificidade no que toca à aquisição e desenvolvimento de conhecimento

estritamente lingüístico.

Relacionando-se estes os dados com os de Mervis & Johnson (1991),

observa-se que a emergência do morfema de número se faz no nome em idade

compatível com os dados do inglês. O fato de a informação de número estar

exclusivamente presente no nome, no determinante ou em ambos não é

determinante de diferenças no desenvolvimento. Contudo, os dados são de uma e

duas crianças, no inglês e no português, respectivamente. Seria interessante ter a

idade média de emergência dessa marca nas duas línguas para atestar se a

informação de número em elementos de uma classe fechada facilita a

identificação do morfema.

5.2 – Experimento 1: Percepção das Crianças à Presença do Morfema de Número no Nome

O experimento aqui proposto visa a verificar se a criança é sensível à

presença morfema de número no nome e se é capaz de atribuir a ele o significado

de “pluralidade”. Valendo-se do paradigma da tarefa de seleção de imagens,

conforme o descrito no item 4.1 desta dissertação, o experimento consistiu de uma

apresentação de um álbum com desenhos-alvo (desenhos que apresentavam uma

mesma figura de forma individual e multiplicada), e desenhos distratores,

seguidos de um enunciado lingüístico produzido pela assistente de pesquisa, a

qual alternava frases que apresentavam nomes sem morfemas de plural com

presença de determinantes (ex.: “Mostre o gato para mim” – condição-controle),

com frases que continham nomes com morfemas de plural sem determinantes

(ex.: “Aqui tem patos ?” – condição teste), num total de 16 frases (oito de cada

tipo). A razão de não se colocarem determinantes nas frases com nomes no plural

foi verificar apenas se as crianças identificam a presença do morfema de número

no nome, e não se processam concordância de número. Considerou-se como

resposta correta na condição-teste apontar para o desenho que apresente figuras

multiplicadas.

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O álbum contendo os desenhos foi previamente preparado, assim como as

frases que serviram como estímulo (vide Anexo 2 para a lista de frases utilizada e

exemplo de prancha de desenhos). O experimento foi todo filmado, para posterior

análise das respostas dadas pelas crianças. Cada sessão experimental durou em

média 15 minutos, e o experimento foi dividido em duas partes: na primeira os

participantes foram crianças com idades entre 18 e 28 meses; na segunda, os

participantes foram crianças entre 30 e 42 meses.

Parte I:

- Objetivo:

1. Verificar a sensibilidade das crianças à presença do morfema de

número adjungido a nomes em frases do português, bem como

investigar se elas reconhecem a informação semântica expressa por

este morfema.

- Variável Independente: presença do morfema de número no nome

- Variável Dependente: número de respostas correspondentes às figuras

multiplicadas

- Condições Experimentais:

1. Condição-Teste: Frases que apresentavam nomes com morfemas de plural

Ex.: Aqui têm vacas ?

2. Condição-Controle: Frases que apresentavam nomes e determinantes que

não continham morfema de plural

Ex.: Mostre o carro pra mim ?

- Hipótese:

1) Com base na presença de nomes flexionados em número verificados na

coleta de dados, tem-se a hipótese de que a criança entre 18 e 28 meses

identifica o morfema de número adjungido aos nomes, bem como

reconhece o valor semântico por ele expresso.

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- Previsões:

1) O número de respostas correspondentes a figuras multiplicadas será maior

na condição-teste do que na condição-controle.

- Método:

Participantes: 8 crianças de 18 a 28 meses de idade (idade média 22,9 meses)

11 crianças participaram das atividades, porém 3 não puderam ser

aproveitadas, por não terem respondido ao mínimo de 2 frases por condição.

Estímulos:

- Álbum com 18 páginas, correspondendo a 18 pranchas, cada uma

contendo 4 figuras: 1 figura-alvo, sempre no plural, e 3 figuras distratoras.

Controlou-se a animacidade dos alvos, assim, metade dos alvos era de

nomes animados e metade era de nomes inaminados, constituindo assim

dois grupos de tipos de pranchas, 1 (inanimados) e 2 (animados). As

figuras distratoras correspondiam uma ao singular do alvo, outra a um

desenho diferente do alvo (para saber se a criança identifica corretamente a

figura-alvo) e um desenho inventado. Também foi controlada a

animacidade dos distratores, sendo que metade deles era de animados e

metade de inanimados, constituindo assim 4 subtipos de pranchas, a, b,c,d.

A posição da figura-alvo foi variada. As duas primeiras pranchas foram

usadas como treinamento.

- 1 lista de frases. Cada criança ouviu 8 frases por condição, sendo 4 com

alvo animado e 4 com alvo inanimado, o que perfaz um total de 16 frases-

estímulo. Intercalaram-se alvos animados e alvos inanimados.

Procedimento:

Tarefa de Identificação de Imagens (conf. seção 4.1)

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- Resultados e Discussão:

A contagem dos dados considerou o número de escolhas da figura

multiplicada em ambas as condições.Os dados em percentuais e os resultados de

testes t(student) aparecem na lista e no gráfico a seguir:

Experimento 1 (18 a 28 meses) Condição-Teste Condição-Controle Média 50% 28,1% Desvio Padrão 0,283473 0,208725 p< 0,046705 t (df 7) = 2,410998 Idade Inicial = 18 meses Idade Final = 26 meses Media de Idade = 22,9 meses Condição-Teste Condição-Controle % de Respostas Válidas 73,4% 85,9% Média de Respostas Válidas 5,87 por criança 6,87 por criança

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74

Experimento 1 (Crianças de 18 a 28 meses)

50.0%

28.1%

0%

20%

40%

60%

80%

100%

1

Condições Experimentais

Méd

ia d

e A

cert

os (%

)

Condição-Teste Condição-Controle

Ainda que o número de respostas correspondentes à figura multiplicada

seja pequeno (50% das respostas válidas), há uma diferença marginalmente

significativa entre as condições (p=.05). É possível pois, que as crianças estejam

sensíveis à presença do morfema de número, embora o processamento semântico

do número seja difícil para ela. Uma explicação provável para essa dificuldade é

que a informação semântica contida na raiz dos nomes usados nos estímulos

interfere na execução da tarefa, fazendo com que as crianças mostrem os

desenhos, baseadas apenas no reconhecimento da figura, não levando em conta a

informação semântica expressa pelo morfema de número. A fim de verificar a

sensibilidade da criança ao morfema de número realizou-se este mesmo

experimento, desta vez valendo-se de sujeitos de faixa etária mais elevada,

conforme o apresentado a seguir.

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75

Parte II

- Objetivo:

1. Verificar se as crianças de 30 a 42 meses identificam a presença do

morfema de número adjungido a nomes em frases do português, bem

como o grau de reconhecimento da informação semântica expressa por

este morfema, aumenta com a idade.

- Variável Independente: presença do morfema de número no nome

- Variável Dependente: número de respostas correspondentes à figura multiplicada

- Condições Experimentais: As mesmas do experimento anterior

- Hipótese:

1. Com base na presença de nomes flexionados em número verificados na

coleta de dados, tem-se a hipótese de que a criança entre 30 e 42 meses

identifica o morfema de número adjungido aos nomes, bem como

reconhece o valor semântico por ele expresso.

- Previsões:

1. O número de respostas correspondentes à escolha de figuras multiplicadas

será maior na condição-teste do que na condição-controle.

- Método:

Participantes: 12 crianças de 30 a 42 meses de idade (idade média 38,6 meses)

Todas as crianças que participaram das atividades puderam ser

aproveitadas, por terem respondido ao mínimo de 2 frases por condição.

Estímulos:

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76

Os mesmos do experimento anterior

Procedimento:

Tarefa de Identificação de Imagens sem voz sintetizada (conf. seção 4.1)

Os resultado dos testes t (student) obtidos por este experimento na nova

faixa etária pesquisada foram os seguintes:

Experimento 1 (30 a 42 meses) Condição-Teste Condição-Controle Média 70,8% 28,1% Desvio Padrão 0,221906 0,1696 p< 0,000203 t (df 11) = 5,441252 Idade Inicial = 36 meses Idade Final = 42 meses Media de Idade = 38,6 meses Condição-Teste Condição-Controle % de Respostas Válidas 100% 100% Média de Respostas Válidas 8 por criança 8 por criança

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77

Experimento 1 (Crianças de 30 a 42 meses)

70.8%

28.1%

0%

20%

40%

60%

80%

100%

1

Condições Experimentais

Méd

ia d

e A

cert

os (%

)

Condição-Teste Condição-Distratora

Os resultados do teste comparativo entre as médias obtidas na condição-

teste (t (df 11) = 5.44, p < 0002) sugerem que crianças com idade média de 38,6

meses não só identificam o morfema de número adicionado aos nomes, mas

também reconhecem a informação semântica contida neste morfema.

Possivelmente, nesta faixa etária, a influência da informação semântica expressa

pela raiz dos nomes presentes nos estímulos é menor do que na faixa etária

anterior. Comparando-se os resultados obtidos na Parte 1, tem-se uma diferença

expressiva, conforme mostra o gráfico a seguir.

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Experimento 1 = Gráfico Comparativo

50

70.8

28.1 28.1

0

20

40

60

80

100

18 a 28 meses 30 a 42 meses

Faixas Etárias

Méd

ia d

e A

cert

os (%

)

Condição Teste Condição Singular

Uma análise de variância ANOVA com design fatorial 2(idade) X 2

(presença de morfema) em que idade foi um fator grupal e presença de morfema

medida repetida foi realizada e foi conduzida e obteve-se um efeito principal de

presença de morfema F(2,18) = 24.43 p<.0001. Idade e a interação entre idade e

presença de morfema não atingiram o nível de significância, embora essa

interação tenha se aproximado deste p=.1. Um teste t que comparou o número de

respostas esperadas do grupo de crianças de 18 a 28 meses com as respostas das

crianças de 30 a 42 meses revelou, contudo, um efeito significativo de idade t(17)

= 2,16 p < 0.04 . Isso demonstra que a ausência de efeito de idade obtido na

ANOVA deve-se ao fato de o número de respostas na condição controle ter-se

mantido inalterado.

Os resultados acima permitem chegar à conclusão de que crianças com

idades entre 30 e 42 meses são sensíveis à presença do morfema de número no

material lingüístico ao qual são submetidas, e conseguem associar a este morfema

uma significação específica. O mesmo não se pode dizer das crianças entre 18 e

28 meses, o que não quer dizer que elas sejam de todo modo insensíveis – na

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realidade, os resultados obtidos podem ter sido afetados pelo fato de a

metodologia adotada não ter se concentrado na informação semântica

exclusivamente do morfema de número, deixando-a concomitante com a

informação semântica expressa pelo radical dos nomes utilizados no experimento.

O fato de a criança ser sensível ao morfema de número no nome não

garante, contudo, que ela tenha identificado o sistema de número do português,

pois isso envolve concordância gramatical. Para conferir se a criança processa

concordância de número no DP, foi proposto o experimento descrito a seguir.

5.3 – Experimento 2: Sensibilidade das Crianças à Concordância de Número no DP (com voz sintetizada e nomes reais)

Conforme o exposto na Introdução desta dissertação, a hipótese de

trabalho que norteia a pesquisa aqui desenvolvida é a de que a informação relativa

a número presente nos determinantes é crucial para a identificação do sistema de

número em português. Uma vez identificada esta informação, o valor do traço de

número do nome independe da presença do morfema de número adjungido a este,

dado que D e N se relacionam sintaticamente por concordância. Tal hipótese

pressupõe que a criança processe concordância de número no âmbito dos

elementos que formam o DP. Para prover evidências compatíveis com essa

hipótese foi realizado o experimento exposto abaixo.

O experimento aqui proposto se baseou no estudo conduzido por Name

(2002) sobre a aquisição do gênero em português. Seu objetivo principal é obter

evidências sobre a habilidade da criança em processar informação relativa a

número dentro da categoria D e relacioná-la com um nome através da

concordância, considerando-se que, em português, a informação relativa a número

pode manifestar-se morfo-fonologicamente no somente no Determinante ou no

Determinante e no Nome.

Foram elaboradas frases com determinantes no singular e no plural,

relacionados com nomes conhecidos pelas crianças. Para tanto, valeu-se do

Inventário MacArthur, adaptado para o português na versão de Teixeira (1999),

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uma lista de palavras conhecidas por crianças de 18 a 26 meses, tanto no que toca

à produção quanto à compreensão, construída a partir de um questionário

preenchido pelos pais. Com base nesta lista, foram escolhidos 16 nomes

facilmente reconhecíveis sob forma de desenho.

Os estímulos sonoros foram gravados por uma falante nativa do português

e sintetizados através do programa SoundForge9. A sintetização de voz foi

necessária para se evitar estranhamentos da criança a frases modificadas.

Realizou-se o experimento principalmente em casas de família que

tivessem crianças, do sexo masculino ou feminino, na faixa etária especificada,

mas outros lugares também foram visitados: creches, escolas maternais e jardins

de infância, etc. Todas as crianças eram oriundas de classe social média, sendo

naturais da cidade de Petrópolis (RJ). A duração média de cada sessão

experimental foi de 20 minutos, sendo todas elas filmadas. Seus objetivos

principais foram:

a) Verificar a sensibilidade da criança à informação morfo-fonológica

relativa a número presente nos itens que formam a categoria Det;

b) Verificar a sensibilidade da criança à concordância de número entre Det/N

Variáveis:

- Independente: expressão do número no DP.

- Dependente: número de respostas correspondentes à figura multiplicada

Condições Experimentais:

Redundante – RED

Determinante plural e Nome plural

Exemplo: Ache as bolas pro Dedé

9 O Sound Forge é um software que permite o trabalho com arquivos de informação sonora tipo wmv, possibilitando a gravação, edição e sintetização de estímulos sonoros. Ele é produzido pela Sonic Foundry Inc., e, no âmbito da pesquisa aqui desenvolvida, utilizou-se a versão 5.0

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Não-redundante – NRED

Determinante plural e Nome singular

Exemplo: Mostre as estrela pro Dedé

Agramatical – AGRM

Determinante singular e Nome plural

Exemplo: Ache o gatos pro Dedé

Condição Controle – CON

Determinante singular e Nome singular

Exemplo: Ache o pato pro Dedé

A razão de se terem escolhidos as condições experimentais RED, NRED e

AGRM foi o fato de o português apresentar o morfema de número adjungido ora

ao Nome, ora ao Determinante, ora ao dois simultaneamente, e o experimento

visou a identificar de onde a criança retira a informação relativa a número, se

somente do Nome (condição AGRM, assim chamada por não fazer parte da

gramática do português); se somente do Determinante (condição NRED, freqüente

em alguns dialetos sociais do português do Brasil); ou se do Determinante e/ou do

Nome (condição RED, considerada a concordância padrão). O singular foi

considerado apenas como condição controle.

Hipóteses e Previsões:

a) A criança identifica a informação relativa a número a partir da

informação contida no Determinante.

Previsão: O número de acertos na condição RED será igual

ao na condição NRED.

b) A criança identifica a informação relativa a número a partir da

informação contida no Determinante e no Nome.

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Previsão: O número de acertos na condição RED será maior

do que na condição NRED e maior do que na condição

AGRM.

c) A criança identifica a informação relativa a número a partir da

informação contida no Nome.

Previsão: O número de acertos na condição RED será igual

ao da condição AGRM.

Método:

Participantes: crianças entre 18 e 28 meses

Um total de 13 crianças, com idade entre 20 e 28 meses, participou do

teste. Deste, 3 foram eliminadas da contagem de dados por não terem respondido

ao mínimo de 25% de estímulos por condição.

Estímulos:

• Álbum com 18 páginas, correspondendo a 18 pranchas, cada uma

contendo 4 figuras: 1 figura-alvo, sempre no plural, e 3 figuras

distratoras. Utilizaram-se igualmente as mesmas figuras, desta vez

reproduzidas na tela de um computador portatil por um software

especialmente desenvolvido para esta pesquisa. Controlou-se a

animacidade dos alvos, assim, metade dos alvos era de nomes

animados e metade era de nomes inaminados, constituindo assim

dois grupos de tipos de pranchas, 1 (inanimados) e 2 (animados).

As figuras distratoras correspondiam uma ao singular do alvo,

outra a um desenho diferente do alvo (para saber se a criança

identifica corretamente a figura-alvo) e um desenho inventado

(uma vez que a criança, ouvindo um estímulo não-gramatical,

pudesse considerá-lo uma palavra nova). Também foi controlada a

animacidade dos distratores, sendo que metade deles era de

animados e metade de inanimados, constituindo assim 4 subtipos

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83

de pranchas, a, b,c,d.. A posição da figura-alvo foi variada. As duas

primeiras pranchas foram usadas como treinamento.

• 4 listas de frases, todas começando por duas perguntas-treinamento

e com duas variações de perguntas (“Ache.../Mostre...”). Cada

criança ouviu 4 frases por condição, sendo 2 com alvo animado e 2

com alvo inanimado, o que perfaz um total de 16 frases-estímulo.

A ordem dos estímulos em cada lista obedeceu a um critério que

levava em conta a necessidade de se intercalarem tipos e subtipos

de pranchas, sem que houvesse repetição contínua de um ou de

outro. Assim, as listas apresentavam uma ordem como 1A, 2B, 1C,

2D... Foram feitas quatro listas correspondendo a 4 ordens

diferentes de apresentação das diferentes condições. Antes da

apresentação da lista, as crianças ouviram uma série de saudações

com o intuito de se familiarizaram com a voz da marionete (“Oi!”,

“Tudo Bem?”, “Que lugar legal”).

Procedimento:

Tarefa de Identificação de Imagens com voz sintetizada (conf. item 4.1)

Exemplos de frases e pranchas utilizadas podem ser vistos no Anexo 3.

- Resultados e Discussão:

Os percentuais obtidos e os resultados da aplicação de testes t (student)

estão registrados na lista e no gráfico que são apresentados abaixo.

Experimento 2 (18 a 28 meses) Cond. RED Cond. NRED Cond.AGRM Cond. SING Média 42,5 % 47,5 % 52,5 % 50,0 % Desvio Padrão 0,334373 0,321671 0,299305 0,235702 Idade Inicial = 20 meses Idade Final = 28 meses Media de Idade = 25 meses

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Cond. RED Cond.NRED Cond.AGR Cond. SING % de Resp.Válidas 95,0 % 92,5 % 97,5 % 90,0 % Media de Resp.Válidas 3,45 3,36 3,54 3,27

Gráfico Experimento 2

42.5%47.5%

52.5% 50.0%

0.0%

20.0%

40.0%

60.0%

80.0%

100.0%

1

Condições Experimentais

Méd

ia d

e A

cert

os (%

)

Condição RED Condição NREDCondição AGRM Condição SING

REDxNRED REDxAGRM REDxSING p< 0,33089 0,13475 0,196911 t (df 9) = 1,01335 1,603746 1,366268 NREDxAGRM NREDxSING p< 0,321208 0,405687 t (df 9) = 1,034708 0,861806

AGRMxSING p< 0,411327 t (df 9) = 0,851192

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85

Os resultados não revelaram diferenças significativas entre as médias nas

diferentes condições. Embora os desenhos das figuras tivessem sido identificados

muito satisfatoriamente, nenhuma das previsões se confirmou. Ao que parece,

dado o número relativamente semelhante de respostas correspondentes à figura

multiplicada na condição controle e nas demais, a criança escolheu aleatoriamente

uma figura, entre a figura-alvo singular e a figura-alvo multiplicada.

Os resultados acima transcritos não permitem afirmar que a criança na

faixa etária estudada é sensível à concordância de número no DP. Os resultados

não apresentaram efeito significativo da expressão do número plural no DP,

revelando que as crianças trataram indiferentemente as três condições

experimentais, assim como a condição singular. A razão para tanto talvez resida

no fato de que as crianças dão mais atenção à informação semântica contida no

radical do que à informação semântica expressa pelo morfema de número. Note-

se que o desempenho na condição controle singular foi pior do que o obtido no

Experimento 1. É possível que a metodologia tenha favorecido a busca pela

informação da raiz, tendo em vista o uso da fala sintetizada.

Comparativamente ao número, a aquisição do sistema de gênero se realiza

de maneira mais fácil. O estudo sobre aquisição do sistema de gênero conduzido

por Name (2002) com crianças da mesma faixa de idade mostrou um percentual

de acertos maior, em todas as condições experimentais, o que sugere uma

aquisição menos custosa do sistema de gênero. Uma possível razão para essa

diferença seria o fato de que o experimento de Name ter utilizado apenas nomes (-

animados) com traço de gênero intrínseco, ao passo que, no experimento 2 o

número é sempre um traço opcional. A opcionalidade do traço pode, portanto,

acarretar processamento semântico adicional, dificultando a realização da tarefa.

5.3.1 – Comparação entre Experimentos de Gênero e de Número

Um dos objetivos do estudo de Name (2002) foi verificar se a não

concordância de gênero entre o D e o N já conhecido da criança interfere na

compreensão.

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Em tarefa de seleção de imagem com a voz sintetizada (na qual se baseou

o experimento relativo a número aqui descrito), crianças com idade média de 24

meses escutaram sentenças imperativas em que eram solicitadas a mostrar à

marionete um desenho dentre 4 num álbum de gravuras. Assim como no

experimento 2, o uso de fala sintetizada com marionete deveu-se ao fato de

estímulos agramaticais terem sido apresentados à criança.

Em cada sentença imperativa, o elemento na posição do D foi manipulado

em função da (in)congruência de gênero com o Nome (determinante congruente X

incongruente), da categoria funcional (determinante X complementizador) e de

seu pertencimento à língua (determinante X pseudo-item funcional). Teve-se,

assim, as seguintes condições experimentais:

1. D congruente com gênero de N (CON) Mostre o/esse/aquele carro pro Dedé. 2. D incongruente com gênero de N (INC)

Mostre a/essa/aquela carro pro Dedé. 3. Item funcional de categoria diferente de D (COMP)

Mostre se/que carro pro Dedé. 4. Pseudo-item funcional (PS)

Mostre gur/biu carro pro Dedé.

O Gráfico 2 apresenta os resultados.

Gráfico 2 Experimento 2: Taxa de acertos por condição

CON X INC: t= 3.28, p<0.01 CON X PS: t= 3.52, p<0.01 INC X PS: t= 2.22, p=0.04 CON X COMP: t=3.12, p<0.01 CON X DES: t= 5.82, p<0.001 INC X DES: t= 3.08, p<0.01

92%

77%

64% 64%

52%

0%

20%

40%

60%

80%

100%

Condições

Taxa

de

acer

to (%

)

Congruente Incongruente Complementizador Pseudo-Item Desordenado

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87

Esses resultados sugerem que a criança, de 21 a 28 meses (idade média 24

meses), é sensível à concordância entre determinante e nome no DP.

Determinantes incongruentes quanto ao gênero do nome dificultam a

compreensão (cf. diferença estatisticamente significativa encontrada entre CON e

INC). O fraco desempenho na condição desordenada indica que os resultados nas

demais condições não são fruto de uma estratégia de busca lexical, de um mero

reconhecimento de nomes familiares, independentemente da estrutura em que se

inserem. Além disso, no que concerne à aquisição do sistema de gênero

gramatical, a criança, aos 24 meses, é sensível à (in)congruência de gênero entre

determinante e nome no DP.

Para verificar o processamento diferenciado de número e de gênero por

parte das crianças entre 18 e 28 meses, foram comparadas as seguintes condições

experimentais dos dois experimentos: a condição CONG de gênero foi comparada

com a condição RED de número, pois correspondem ao padrão gramatical de

formação do DP, e também foi comparada com a condição NRED de número,

visto que esta é uma possibilidade da língua. A condição INCONG de gênero foi

comparada com a condição AGRM de número visto que em ambos os casos a

formação do DP se apresenta incompatível com gramática da língua.

Comparando-se os resultados da maneira descrita acima, chega-se ao

seguinte gráfico:

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92%

43%

92%

48%77%

53%

0%

50%

100%

1

Condições Experimentais

Méd

ia d

e A

cert

os

Condição CONG (Genero) Condição RED (Numero) Condição CONG (Genero)

Condição NRED (Numero) Condição INCONG (Genero) Condição AGRM (Numero)

Os dados da comparação foram submetidos a duas análises de variância

ANOVA, com design fatorial 2(traço(gênero/número)) x 2

(congruência(congruente/ incongruente)), sendo traço um fator grupal e

congruência medida repetida. Na primeira análise, a congruência de gênero

correspondeu à condição RED, e, na segunda análise, à condição NRED.

Os resultados de ambas as análises revelaram um efeito principal de traço

(1ª análise F(2,22) = 17,76, p < .0004; 2ª análise F(2,22) =17,58, p <.0004). A

primeira análise revelou um efeito significativo de interação entre traço e

congruência (F (2,22) = 7,19, p < .01), e n segunda análise essa interação

aproximou-se do nível de significância estipulado (F(2,22) = 3,64, p = .07).

Os resultados apontam na direção de que a despeito de gênero e número

apresentarem o mesmo tipo de informação no âmbito do determinante e de a

informação de número poder ser redundante no nome, o processamento da

concordância de número no DP apresenta maior dificuldade para crianças do que

o processamento da concordância de gênero.

Comparativamente ao número, o processamento de informação relativa a

gênero gramatical se realiza de maneira mais fácil. O estudo sobre aquisição do

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89

sistema de gênero conduzido por Name (2002) com crianças da mesma faixa de

idade mostrou um percentual de acertos maior, em todas as condições

experimentais, o que sugere que a percepção de informação relativa a gênero, da

in/congruência de gênero e a identificação do referente transcorrem transcorrem

mais facilmente. Esse fato pode ser indicativo de um processamento menos

custoso do sistema de gênero em contraste com número. Uma possível razão para

essa diferença seria o fato de que o experimento de Name ter utilizado apenas

nomes (-animados) com traço de gênero intrínseco, ao passo que, no experimento

2 o número é sempre um traço opcional. A opcionalidade do traço pode, portanto,

acarretar processamento semântico adicional, dificultando a realização da tarefa.

Diferenças quanto à opcionalidade do traço, que acarretam processamento

semântico adicional no número, podem explicar a dificuldade encontrada, uma

vez que o traço de número, por ser opcional, necessita, além de ser identificado no

input lingüístico processado pela criança, de ser relacionado semanticamente com

uma referência externa, o que não acontece com o traço intrínseco de gênero, o

qual tem de ser adquirido logo que um novo item lexical é registrado no léxico.

Essa dificuldade acarretaria um atraso na aquisição do sistema de número em

relação à aquisição do sistema de gênero. É possível, não obstante, que a própria

fixação de parâmetros pertinentes à identificação do modo como número se

apresenta na língua seja uma dificuldade para criança. Diferenças quanto ao

núcleo em que o traço formal de número se apresenta interpretável para o sistema

computacional, se é interpretável no Nome, ou se é interpretável no Determinante

(cf. Magalhães, 2002), talvez se constituam como um provável fator de

dificuldade na aquisição do número gramatical, configurando-se assim em uma

hipótese a ser explorada.

A fim de verificar o grau de interferência semântica na aquisição do

sistema de número em português, elaborou-se um experimento, o qual também

obedeceu ao paradigma da tarefa de seleção de imagens, que se valeu de figuras e

de nomes inventados. Este experimento visou basicamente a investigar a

habilidade da criança em processar concordância de número, da mesma forma que

o experimento anterior, desta vez minimizando-se o custo do processamento

semântico dos radicais dos nomes utilizados, buscando fazer com que a criança se

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90

concentrasse na informação semântica do morfema de número. A descrição deste

novo experimento será mostrada a seguir.

5.4 – Experimento 3: Sensibilidade das Crianças à Concordância de Número no DP (sem voz sintetizada e com nomes inventados)

Este experimento, em linhas gerais, segue o modelo do experimento 1,

diferindo deste pelo fato de usar desenhos e nomes inventados, e de a condição-

teste apresentar determinantes flexionados em número. A faixa etária pesquisada

foi a mesma da Parte I do experimento 1, de 18 a 28 meses, não se realizando o

teste com crianças entre 30 e 42 meses.

O experimento ora descrito pretende prover evidências sobre a habilidade

da criança em processar a concordância de número no âmbito do DP. Tal objetivo

se assemelha ao do experimento 2, e a razão disto foi a de não se ter obtido

resultados satisfatórios com a tarefa proposta no experimento 2. O que se

percebeu naquele experimento foi que, talvez, o fato de os estímulos usados não

fazerem com que a criança se concentrasse na exclusivamente na informação

semântica contida no morfema de número, o que acarretava uma dificuldade na

execução da tarefa, uma vez que a criança apontava para uma figura levando em

conta apenas a informação semântica da raiz do nome presente no estímulo,

apontando aleatoriamente para a figura singular ou para a plural. Novamente

valendo-se do paradigma da tarefa de seleção de imagens, sem uso de voz

sintetizada (uma vez que não havia frases agramaticais), conforme o descrito no

item 4.1 desta dissertação, o experimento consistiu da apresentação de um álbum

com desenhos-alvo, seguida de um enunciado produzido pela assistente de

pesquisa, a qual produzia frases que alternavam as condições experimentais.

O álbum contendo os desenhos foi previamente preparado, assim como as

frases que serviram como estímulo (vide Anexo 4 para a lista de frases utilizada e

exemplo de prancha de desenhos). O experimento foi todo filmado, para posterior

análise das respostas dadas pelas crianças. Cada sessão experimental durou em

média 15 minutos.

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91

- Objetivos:

a) Verificar a sensibilidade da criança à informação relativa a número

presente nos itens que formam a categoria Det;

b) Verificar a sensibilidade da criança à concordância de número

entre Det/N

Variável Independente: expressão do número no DP.

Variável Dependente: número de respostas correspondentes à figura multiplicada

- Condições Experimentais:

1. Condição RED: Frases com nomes inventados e determinantes, ambos

contendo morfema de número

Ex.: Mostra os tebes pra mim ?

2. Condição NRED: Frases com nomes inventados no singular e

deteminantes no plural.

Ex.: Mostre as gapa pra mim ?

3. Condição SING: Frases com nomes reais ou inventados e determinantes,

todos no singular.

Ex.: Mostra a cafa pra tia ?

Adicionalmente, foram incluídos 4 enunciados com nomes reais e

conhecidos, os quais funcionaram apenas como preenchedores (“fillers”)

Ex.: Mostra o rato pra mim ?

- Hipóteses:

Foram apresentadas inicialmente duas hipóteses:

1. Diante da ausência de exemplos DP´s que apresentassem flexão de número

na fala das crianças estudadas pela coleta longitudinal de dados, em

contraposição a presença de formas alternativas de expressão da

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numerosidade, tem-se a hipótese de que a criança entre 18 e 28 meses não

processa concordância de número no DP.

2. Por outro lado, diante do fato de o processamento do gênero no DP se

realizar, considera-se que, minimizando-se a dificuldade de processamento

semântico, a criança irá processar o número no DP.

- Previsões:

1. Levando-se em conta a primeira hipótese, o número de respostas

correspondentes à figura multiplicada será semelhante nas três condições

experimentais.

2. Levando-se em conta a segunda hipótese, o número de respostas

correspondentes à figura multiplicada será maior nas condições RED e

NRED do que na condição SING.

- Método:

Participantes: 9 crianças de 23 a 28 meses de idade (idade média 25,3 meses)

Estímulos:

- Álbum com 18 páginas, correspondendo a 18 pranchas, cada uma

contendo 3 figuras: 1 figura-alvo, a qual representava um objeto ou ser

inventado, sempre no plural, e 2 figuras distratoras. Controlou-se a

animacidade dos alvos, assim, metade dos alvos era de nomes animados e

metade era de nomes inaminados, constituindo assim dois grupos de tipos

de pranchas, 1 (inanimados) e 2 (animados). As figuras distratoras

correspondiam ao singular, sendo uma representado um objeto ou ser

inventado e outra um objeto ou ser não-inventado. Também foi controlada

a animacidade dos distratores, sendo que metade deles era de animados e

metade de inanimados. A posição da figura-alvo foi variada. As duas

primeiras pranchas foram usadas como treinamento.

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- 1 lista de frases. Cada criança ouviu 4 frases por condição, sendo 4

correspondentes à condição RED, 4 à condição NRED, e 8 à condição

SING (4 com nomes reais e 4 com nomes inventados), o que perfaz um

total de 16 frases-estímulo. Intercalaram-se alvos animados e alvos

inanimados.

Procedimento:

Tarefa de Identificação de Imagens sem voz sintetizada (conf. seção 4.1)

- Resultados e Discussão:

Os dados foram submetidos a um teste t (student) em que as condições

experimentais foram comparadas. Os resultados obtidos por este teste foram os

seguintes:

Experimento 3 (18 a 28 meses)

Cond. RED Cond. NRED Cond. SING Média 66,7 % 61,1 % 26,4 % Desvio Padrão 0,353553 0,220479 0,229167

REDxNRED REDxSING NREDxSING p< 0,256052 0,012182 0,008481 t = 1,255279 3,542482 3,847817 Idade Inicial = 23 meses Idade Final = 28 meses Media de Idade = 25,3 meses

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Gráfico Experimento 3

66.7%61.1%

26.4%

0.0%

20.0%

40.0%

60.0%

80.0%

100.0%

1

Condições Experimentais

Méd

ia d

e A

cert

os (%

)

Condição RED Condição NRED Condição SING

Os resultados da comparação entre as condições RED e NRED (t(df 8) =

1,25 p = 0.2) e da comparação entre RED e SING (t(df 8) = 3,54, p< 0,01) e

NRED e SING (t(df 8) = 3,84, p < 0,01) revelam que a criança percebe a

informação relativa a número presente no Determinante, uma vez que houve

diferença significativa entre RED e SING e NRED e SING e não houve diferença

significativa entre as médias de RED e NRED. Tal resultado é compatível com a

hipótese de trabalho assumida por esta dissertação, a qual assume que a

informação relativa a número presente nos elementos quer formam a categoria Det

é crucial para fixação de parâmetros concernentes a número. Observou-se um

significativo número de acertos nas condições RED e NRED, o que sugere que a

criança nesta faixa etária reconhece a informação relativa a número. Estes

resultados são compatíveis com a hipótese de que as crianças possuem habilidade

de processamento de concordância de número no âmbito do DP, tendo em vista

que não houve diferença entre as condições RED e NRED.

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5.5. – Conclusão:

Este capítulo apresentou e discutiu os resultados obtidos pela coleta

longitudinal de dados de produção espontânea de fala de duas crianças, além dos

resultados auferidos pelos procedimentos experimentais realizados no âmbito

desta dissertação. Após esta análise, crê-se poder chegar às conclusões a seguir.

No que tange à coleta de dados, observou-se que as crianças estudadas não

produziram DP´s flexionados em número, limitando-se a somente emitirem

exemplos de nomes flexionados em número. Tal fato permite afirmar que crianças

entre 24 e 28 meses (idades inicial e final dos participantes da coleta) possuem

algum domínio do sistema de flexão dos nomes em número. Além disso, o

registro de outras formas de expressão lingüística da numerosidade que não a

concordância de número leva a crer na existência de uma interação entre o

domínio de conhecimento lingüístico e outros domínios da cognição, ainda que o

desenvolvimento daquilo que é especificamente lingüístico obedeça a padrões

peculiares.

O experimento 1, em sua primeira parte, apontou para uma diferença

marginalmente significativa entre as condições, deixando entrever a possibilidade

de que as crianças estejam sensíveis à presença do morfema de número, ainda que

o processamento semântico do número seja difícil para ela. Já os resultados

relatados na parte II possibilitam afirmar que a criança entre 30 e 42 meses

percebe a presença do morfema de número, e são capazes de identificar a

informação semântica por ele veiculada. Uma análise de variância ANOVA

realizada com os dados obtidos por ambas as partes não revelou um efeito

significativo de idade na diferença entre as médias.

No que concerne ao experimento 2, nada foi possível concluir. Os

resultados auferidos não obedeceram ao previsto, não fornecendo evidências

compatíveis com nenhuma das hipóteses assumidas. Comparando-se os resultados

com o experimento realizado por Name (2002) relativo à aquisição do sistema de

gênero em português, tem-se que a opcionalidade do traço de número é

possivelmente um fator complicador para o processamento e a aquisição do

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sistema de número em português. Contudo, esta dificuldade em se processar

número é compatível com uma das hipóteses aqui assumidas, a de que a aquisição

do sistema de número é mais demorada e custosa do que a do gênero, em virtude

de envolver processamento semântico adicional. Acresce ainda o fato de que este

experimento não observou uma influência da informação semântica expressa pela

raiz dos nomes utilizados nos estímulos, o que levou a respostas aleatórias por

parte dos participantes.

Acerca do experimento 3, pode-se dizer que o número de respostas

correspondentes à figura multiplicada deveu-se ao fato de a criança ter processado

concordância no DP, o que é compatível com uma das hipóteses assumidas.

Também é possível afirmar que crianças entre 18 e 28 meses já são capazes de

extrair informação relativa a número do Determinante, o que se constitui em uma

evidência compatível com a hipótese assumida neste trabalho.

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6. Conclusão Geral

A presente dissertação buscou descrever o reconhecimento do número

gramatical e processamento da concordância de número no sintagma determinante

na aquisição do português brasileiro, além de compará-lo com a aquisição do

sistema de gênero. Foram realizados experimentos com crianças de 18 a 28 meses

e de 30 a 42 meses, acrescidos de um coleta longitudinal de dados de produção

lingüística de duas crianças de 24 meses. Tantos os experimentos quanto a coleta

concentraram-se na análise da manifestação do número gramatical no âmbito do

DP.

A hipótese de trabalho que orienta esta dissertação é a de que a informação

relativa a número contida nos elementos que formam a categoria funcional

Determinante (D) é crucial para a identificação do sistema de número no

português. A presente dissertação pretendeu não só verificar o quanto de

informação relativa a número a criança pode reconhecer no âmbito do DP, mas

também averiguar a sua sensibilidade à concordância de número. Por outro lado,

esta dissertação visou igualmente a comparar os processos de aquisição de gênero

e de número, objetivando o estabelecimento de distinções entre as duas categorias

e entre os dois processos.

A aquisição do número gramatical parece ser afetada pela opcionalidade

do traço de número, o que não ocorre com o gênero, o qual é semanticamente

mais opaco, além de ser um traço intrínseco. O presente trabalho obteve

evidências de que o processamento da concordância de número no DP apresenta

maior dificuldade para crianças do que o processamento da concordância de

gênero. A explicação dada para este fenômeno parece residir na opcionalidade do

traço de número, o que acarreta processamento semântico adicional

Um dos objetivos específicos pretendidos por este trabalho foi caracterizar

o que se apresenta como um problema para a criança no processamento do

material lingüístico no que diz respeito a número gramatical. Tal objetivo

relaciona-se à caracterização inicial das habilidades perceptuais relevantes para a

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identificação da informação relativa à número (o que e quanto de informação a

criança é capaz de retirar do input). Nesse sentido, pode-se afirmar que a criança

deve ser perceptualmente capaz de identificar o morfema de número presente no

input, assim como deve estar apta a reconhecer o conteúdo semântico deste

morfema e a estabelecer concordância de número no DP. Os resultados do

experimento 1 mostraram que a criança com idade média de 22,9 meses é sensível

à presença do morfema de número adjungido aos nomes, e esta sensibilidade

aumenta conforme a idade, como demonstrou a comparação com os resultados

obtidos com crianças com idade média de 38,6 meses submetidas ao mesmo teste.

Os resultados do experimentos 3 sugerem que a criança entre 18 e 28 meses tem

uma certa dificuldade em reconhecer o conteúdo semântico do morfema de

número, comparativamente ao gênero, mas que é capaz de extrair informação

relativa a número exclusivamente do determinante. Assumindo-se, como em

Chomsky (1995) que o traço de número é interpretável no nome, a identificação

do referente com base na informação de número expressa no Determinante é

evidência de que a concordância foi estabelecida (no nível da sintaxe aberta).

Caso, considere-se, como em Magalhães (2002) que o núcleo em que o traço de

número é interpretável é um parâmetro a ser fixado, sendo o Determinante o

núcleo em que número seria interpretável no português, então, crianças de 18

meses em diante evidenciam ter levado em conta a informação morfológica que

levaria a essa fixação.

Com base no que foi dito até aqui, pode-se descrever, em linhas gerais, o

processo de aquisição do número em português como sendo um processo

envolvendo as seguintes etapas:

1. Identificação, por parte da criança, de propriedades fônicas relativas à

presença/ausência do morfema de número no âmbito do DP, as quais remetem

a categoria marcada/não marcada. O reconhecimento destes padrões levaria a

inicialização do programa biológico responsável pelo tratamento lingüístico da

informação processada, por meio do processo do bootstrapping.

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2. Uma vez reconhecidas estas propriedades, e inicializado o programa

biológico, a informação relativa a número seria identificada como um

morfema de número, portador de um determinado valor semântico.

Não obstante o fato de a explicação acima ter sido baseada em dados

experimentais obtidos com crianças adquirindo português, espera-se que ela possa

ser relevante para a descrição do processo de aquisição em qualquer língua em

que um sistema de número se apresente.

Esta dissertação levou em consideração, para a elaboração dos

experimentos, a existência de um sistema de concordância de número no DP o

qual permite que Determinante e Nome, ou somente o Determinante, possam

aparecer marcados por um morfema de número. Contudo, sabe-se que o português

brasileiro apresenta uma gama bastante variada de manifestações de concordância

de número entre os elementos que formam o DP, o que é observado quando se

analisam os diversos dialetos sociais e regionais. Possivelmente, estas variações

influem de algum modo no processo de aquisição do sistema de número

gramatical em português brasileiro, embora tal possibilidade não tenha sido

explorada aqui. Recomenda-se, portanto, que estudos posteriores sobre a

aquisição do número não deixem de investigar a influência da variação lingüística

sobre os processos de aquisição.

Os estudos conduzidos para a elaboração desta dissertação tiveram caráter

preliminar, o que pode ser atestado pelo relativamente baixo número de

participantes dos experimentos e coleta longitudinal. A idéia foi apenas abrir um

campo de pesquisas dentro de aquisição do português, o qual se acha ainda pouco

explorado. Contudo, acredita-se que os resultados aqui obtidos sejam relevantes,

constituindo-se assim em uma base confiável sobre a qual estudos posteriores

mais aprofundados podem se assentar.

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7. Anexos

Anexo 1: Transcrição Fonética dos Exemplos Obtidos na Coleta de Dados

Data da Gravação: 13/10/2002 Sujeito: Y* Participantes: Mãe Professora Local: Creche

Prof.: isso aqui (aponta para uma figura) é um monte de... Y*.: estrelas [iΣ∋τΡeλΑΣ]

Prof.: quantas borboletas ! Y*.: borboletas [βορβο∋λeτασ]

Data da Gravação: 07/11/2002 Sujeito: Y* Participantes: Assistente de Pesquisa Mãe Local: Creche

Assistente: quem é ? (aponta para uma figura) quem ? Y*.: a bola...a outra bola [α ∋β λα...α ∋οωτρα ∋β λα]

Data da Gravação: 20/11/2002 Sujeito: Y* Participantes: Mãe Pesquisador Local: Creche

Pesquisador: o que é aqui ? Y* .: bolas [∋β λαΣ]

Pesquisador: e aqui ? (mostra uma figura com peixes) Y*.: é peixe, peixe, peixe [Ε ∋πεϕΣε,∋πεϕΣε,∋πεϕΣε]

Pesquisador: e esse ? Y*.: três (aponta para o desenho do número 3) [‘τΡεϕΣ]

Pesquisador: quantos bibi têm aqui ? Mãe: dois Y*.: dois [‘δοϕΣ]

Mãe.: o que é isso aqui ? Y*.: a banana [α βα∋νãνα] Mãe.: e isso ?

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Y*.: banana [α βα∋νãνα] Y*.: outro, outro (aponta para as figuras de banana) [∋οωτρΥ,∋οωτρΥ ]

Data da Gravação: 09/12/2002 Sujeito: Y* Participantes: Mãe Assistente de Pesquisa Local: Creche

Mãe: e esse aqui ? Y*.: bibi ! [βι∋βι] Y*.: o elefante [Υ ελε∋φãτι] Y*.: cachorros (a mãe apontava para uma figura de vários cachorros)

[kα∋ΣορΥΣ]

Assistente: O que é isso aqui ? Y*.: mais um ! [µαϕ∋ζυµ] Assistente.: tem mais ! Assistente.: olha o caminho da abelha ! Y*.: tem mais um [∋τẽy µαϕ∋ζυµ]

Asssistente: e isso aqui, o que é ? (mostra uma buquê de flores no mural) Y*.: deis flores [∋δεϕΣ φλο∋ριΣ]

Assistente: quantos carros tem aí ? Y*.: tem mais um [∋τẽy µαϕ∋ζυµ] Y*.: bateu outra vez (bate um carrinho no outro) [βα∋τεω ∋οωτΡα ∋ϖειΣ]

Assistente: quantos carrinhos tem aí, Y* ? Y*.: um ! (mostra o carrinho que tem nas mãos) [∋ữm] Y*.: tem mais um (mostra outro carrinho) [∋τẽy µαϕ∋ζυµ] Y*.: tá vazio [∋τα ϖα∋ζιΥ] (mostra uma caixa vazia)

Assistente: quantos bibi têm ali ? Y*.: um ,dois, três, quatro... [∋ữm, ∋δοϕΣ, ∋τΡεϕΣ, ∋κωατΡΥ]

Assistente:o que a menina está segurando ? Y*.: bola [∋β λα] Assistente: bolas Y*.: bolas [∋β λαΣ]

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Data da Gravação: 17/10/2002 Sujeito: A* Participantes: Mãe Assistente de Pesquisa Local: Residência

Assistente: quem é esse aqui ? (aponta para uma boneca) A*.: a menina [α µι∋νινα] A*.: pabins pa você (parabéns pra você ) (bate palmas)

[πα∋βινΣ ∋πα ∋οσε]

Data da Gravação: 06/11/2002 Sujeito: A* Participantes: Mãe Assistente de Pesquisa Local: Residência

Assistente: E esse aqui ? (mostra uma figura de um macaco) A*.: é o macaco [‘Ε Υ µα∋κακΥ] Assistente: isso, parabéns. E esse ? (mostra uma figura de flores) A*.: é flores [ ∋Ε φλο∋ΡιΣ]

Assistente: vamos ver outro. Esse aqui ? (mostra uma figura de sapos) A*.: sapos [∋σαπΥΣ]

Assistente: aqui é uma bola, e aqui, duas...bo... Assistente: aqui tem duas... A*.: bola Assistente: não, duas bo... A*.: ...las [...λαΣ]

Assistente: e aqui ? (mostra um desenho de um aquário) A*: peixinhos }[πεϕ∋ΣιΝΥΣ]

Assistente: Q que tem aqui ? (mostra um desenho de uma fazenda) A*.: dusavacas (duas vacas) [δυζα∋ϖακαΣ]

Data da Gravação: 20/12/2002 Sujeito: A* Participantes: Assistente de Pesquisa Local: Residência

Assistente: quantos patinhos têm aqui ? (mostra uma figuras com vários patinhos)

A*.: um patinho, um carro (aponta para um dos patinhos e um dos carros, na outra página) [∋ữm πα∋τιΝΥ] [∋ữm ∋kαρΥ]

Assistente: Mas você nem viu as abelhinhas que têm ?

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A*.: abelhinhas [αβε∋λΝαΣ] Assistente: conta quantas... A*.: ...duas, três... e já [δυ∋αΣ, ∋τρεϕΣ... ε ∋Ζα]

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Anexo 2: Frases e pranchas utilizadas no Experimento 1

A tia quer ver gatos. Têm gatos aqui ? Cadê o cavalo ? Flores ! Têm flores nesta folha ? Mostra a casa pra mim ? A tia quer ver vacas. Aqui têm vacas ? Ache o telefone pra Lu ? Aqui têm ratos ? Cadê a cadeira ? Patos ! Têm patos aqui ? Mostra a mesa pra tia ? Estrelas ! Eu quero ver estrelas ! Cadê o avião ? Sapos ! Aqui têm sapos ? Ache o peixe pra mim ? A Lu quer ver bolas. Têm bolas aí ? Ache o cachorro pra mim ?

Condição PLURAL Condição SINGULAR

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Anexo 3: Frases e pranchas utilizadas no Experimento 2

LISTA 1 LISTA 2 LISTA 3 LISTA 4 Ache o gato pro Dedé Ache o gatos pro Dedé Ache os gatos pro Dedé Ache os gato pro Dedé

Mostra as casas pro Dedé Mostra as casa pro Dedé Mostra a casas pro Dedé Mostra a casa pro Dedé

Ache os cavalo pro Dedé Ache os cavalos pro Dedé Ache o cavalo pro Dedé Ache o cavalos pro Dedé

Mostre a flor pro Dedé Mostre a flores pro Dedé Mostre as flores pro Dedé Mostre as flor pro Dedé

Ache a vacas pro Dedé Ache a vaca pro Dedé Ache as vaca pro Dedé Ache as vacas pro Dedé

Mostra os telefone pro Dedé Mostra os telefones pro Dedé Mostra o telefone pro Dedé Mostra o telefones pro Dedé

Ache os ratos pro Dedé Ache os rato pro Dedé Ache o ratos pro Dedé Ache o rato pro Dedé

Ache a cadeiras pro Dedé Ache a cadeira pro Dedé Ache as cadeira pro Dedé Ache as cadeiras pro Dedé

Ache o pato pro Dedé Ache o patos pro Dedé Ache os patos pro Dedé Ache os pato pro Dedé

Ache as mesas pro Dedé Ache as mesa pro Dedé Ache a mesas pro Dedé Ache a mesa pro Dedé

Mostre os cachorro pro Dedé Mostre os cachorros pro Dedé Mostre o cachorro pro Dedé Mostre o cachorros pro Dedé

Ache o avião pro Dedé Ache o aviões pro Dedé Ache os aviões pro Dedé Ache os avião pro Dedé

Mostre esse sapos pro Dedé Mostre esse sapo pro Dedé Mostre esses sapo pro Dedé Mostre esses sapos pro Dedé

Mostre as estrela pro Dedé Mostre as estrelas pro Dedé Mostre a estrela pro Dedé Mostre a estrelas pro Dedé

Mostre os peixes pro Dedé Mostre os peixe pro Dedé Mostre o peixes pro Dedé Mostre o peixe pro Dedé

Ache a bolas pro Dedé Ache a bola pro Dedé Ache as bola pro Dedé Ache as bolas pro Dedé

Controle = Det e N singular Redundante = Det e N plurais Agramatical = Det singular e N plural Não-redundante = Det plural e N singular

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Anexo 4: Frases e pranchas utilizadas no Experimento 3

Nesta folha tem dabos. Mostra os dabos pra mim ? Aqui tem uma tada. Ache a tada pra mim ? Aqui tem muitos pafas. Ache os pafa pra mim ? Eu estou vendo o gato. Cadê o gato ? Nesta folha tem laba. Ache as labas pra tia ? Eu quero ver uma vama. Mostra a vama pra mim ? Nesta folha tem muitas gapas. Ache as gapa pra tia ? Aqui tem um rato. Mostra o rato pra mim ?

Olha só os tebes ! Mostra os tebes pra mim ? Eu estou vendo uma cafa. Cadê a cafa ? Nesta folha tem muitos mopes. Ache os mope pra tia ? A tia quer ver um trem. Cadê o trem ? Olha só as tifes. Mostra as tifes pra mim ? Aqui tem uma zarre. Ache a zarre pra mim ? Aqui tem mabas. Cadê as maba ? Nesta folha tem um carro. Mostra o carro pra tia ?

Condições RED = redundante NRED = não-redundante SING = controle

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