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Universidade de Brasília Centro de Políticas, Direito, Economia e Tecnologias das Comunicações VI Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações Monografia Final de Curso JOSÉ DE SOUSA PAZ FILHO PROPOSTA DE MODELO CONVERGENTE DE OUTORGAS PARA EXPLORAÇÃO DE SERVIÇOS E REDES DE TELECOMUNICAÇÕES NO BRASIL Brasília – DF 2008

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Universidade de Brasília

Centro de Políticas, Direito, Economia e Tecnologias das Comunicações

VI Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações

Monografia Final de Curso

JOSÉ DE SOUSA PAZ FILHO

PROPOSTA DE MODELO CONVERGENTE DE OUTORGAS

PARA EXPLORAÇÃO DE SERVIÇOS E REDES DE

TELECOMUNICAÇÕES NO BRASIL

Brasília – DF

2008

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 1

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

REITOR

Timothy Martin Mulholand

VICE-REITOR

Edgar Nobuo Mamiya

DECANO DE PÓS-GRADUAÇÃO

Márcio Martins Pimentel

CENTRO DE POLÍTICAS, DIREITO, ECONOMIA E TECNOLOGIAS DAS COMUNICAÇÕES

DIRETOR

Murilo César Ramos

COORDENADORES DE ÁREA

(Comunicação) Murilo César Ramos

(Direito) Márcio Iorio Aranha e Ana Frazão

(Economia) Paulo Coutinho, André Rossi e Bernardo Mueller

(Engenharia) Humberto Abdalla Jr.

(Coordenação Administrativa) Luís Fernando Ramos Molinaro

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 2

JOSÉ DE SOUSA PAZ FILHO

Proposta de modelo convergente de outorgas para exploração

de serviços e redes de telecomunicações no Brasil

Monografia apresentada ao VI Curso de Especializaçãoem Regulação de Telecomunicações da Universidadede Brasília como requisito parcial à obtenção do graude Especialista em Regulação de Telecomunicações.

Orientador: Prof. Dr. José Leite Pereira Filho

Brasília – DF

2008

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 3

JOSÉ DE SOUSA PAZ FILHO

Proposta de modelo convergente de outorgas para exploração

de serviços e redes de telecomunicações no Brasil

Monografia final de Curso aprovada pela Banca Examinadora:

________________________________________Prof. Dr. José Leite Pereira Filho

Universidade de BrasíliaOrientador

________________________________________Engº. Jarbas José Valente

Superintendente de Serviços Privados, Anatel

________________________________________Prof. Bernardo Felipe Estellita Lins (MSc)

Universidade de Brasília

Brasília – DF2008

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 4

Ao meu pai (in memoriam).

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 5

AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, gostaria de agradecer à Agência Nacional de

Telecomunicações pela consideração que tem dispensado à Câmara dos Deputados ao

viabilizar a participação de servidores da Casa no Curso de Especialização em

Regulação de Telecomunicações promovido pela Agência e ministrado pela

Universidade de Brasília. Da mesma forma, gostaria de estender minha gratidão à

Presidência da Câmara pela designação de meu nome para participar deste curso.

Gostaria ainda de destacar o apoio que me foi dado pelos colegas da

Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados que souberam compreender as

limitações impostas ao meu trabalho durante o transcorrer do curso, suprindo minhas

ausências em um período legislativo especialmente atribulado.

Em especial, não posso deixar de agradecer ao meu orientador,

Professor José Leite, que, mesmo diante dos compromissos e obrigações profissionais

inerentes ao cargo que exerce, desdobrou-se em contribuir para esta monografia, com a

apresentação de sempre bem-vindas sugestões no intuito de enriquecê-la. Estendo os

agradecimentos aos membros da banca examinadora, Jarbas José Valente e Bernardo

Felipe Estellita Lins, pela atenção que dedicaram a este trabalho.

Agradeço ainda o inestimável apoio de todas as pessoas que

colaboraram na elaboração desta monografia, em especial o Sr. Ara Apkar Minassian,

da Anatel, pelo fornecimento de dados e documentos que contribuíram

significativamente para o aprimoramento do trabalho.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 6

RESUMO

A abertura dos mercados de telecomunicações e o fenômeno da convergência tecnológica, ao mesmotempo em que proporcionaram imensos benefícios para o usuário dos serviços, também introduziramquestões desafiadoras para os reguladores. A opção por regimes de licenciamento neutros tem sido umadas alternativas adotadas por diversos países para lidar com esse ambiente de inovação. Neste trabalho,discutimos a viabilidade da instituição de um modelo de outorgas convergentes no Brasil em substituiçãoao sistema tradicional em vigor, baseado em tecnologias específicas. Para tanto, introduzimos algumasquestões indispensáveis para o entendimento do assunto, tais como: quais as finalidades da outorgaconvergente? Quais as suas vantagens e desvantagens? Como fazer a transição para o sistemaconvergente sem beneficiar ou prejudicar indevidamente operadoras estabelecidas e entrantes? Olicenciamento convergente é compatível com obrigações de acesso universal? Ele é autonomamentecapaz de aperfeiçoar o ambiente de competição? Quais são os limites da sua eficácia? Qual a implicaçãoda convergência regulatória sobre os direitos de uso de espectro de radiofreqüências? Eles podem sercompletamente desregulamentados? Qual a viabilidade da adoção da licença convergente no Brasil? Emque termos esse modelo poderia ser instituído no País? Ao analisá-las, chegamos à conclusão de que, àluz das experiências internacionais acumuladas sobre o assunto e das restrições impostas peloordenamento constitucional e legal brasileiro, é possível implantar um regime de licenciamento híbridono País, composto por licenças orientadas a tecnologias específicas e outorgas abrangentes,tecnologicamente neutras e aplicáveis a classes de serviços. Para tanto, propomos mudanças regulatóriasde exclusiva competência da Anatel, preservando-se o arcabouço legal e os contratos de concessão emvigor. Concluímos ainda que a manutenção do adequado balanço entre certeza regulatória e estímulo aodesenvolvimento de tecnologias e serviços inovadores demanda uma migração suave entre sistemas delicenciamento, de modo a preservar o interesse dos investidores e, ao mesmo tempo, potencializar osbenefícios proporcionados pela convergência. Para alcançar esse objetivo, é necessário aperfeiçoar nãosomente o regime de outorgas, mas também outros elementos cruciais do arcabouço regulatório, como adefinição dos serviços e seus respectivos regulamentos. Apresentamos ainda nossas considerações sobreas dificuldades que deverão ser contornadas para a aplicação do modelo híbrido de outorgas e asperspectivas de sucesso do modelo proposto. Por fim, sugerimos tópicos a serem abordados em trabalhosfuturos no sentido de promover a revisão dos serviços e regulamentos vigentes.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 7

ABSTRACT

The opening of the telecommunications markets and the phenomenon of technological convergence, atthe same time have provided immense benefits for the end-users, have also given rise to challengingquestions for regulators. The option for neutral licensing regimes has been one of the alternatives adoptedby several countries to cope with this scenario of innovation. In this work, the aim is to discuss theviability of using the model of converged licensing in Brazil to substitute the traditional system, based onspecific technologies. For such a task, some major questions have been put and discussed: which are thegoals of the converged licensing framework? Which are its advantages and disadvantages? How thetransition for the converged system can be done without causing unfair benefits or damages to incumbentsand incoming operators? Is the converged licensing compatible with universal access obligations? Is itcapable to improve the competition environment autonomously? Which are the limits of its effectiveness?What are the implications of the regulatory convergence on the spectrum usage rights? Can this use becompletely deregulated? Is the adoption of the converged licensing in Brazil viable, and in which terms?In analyzing these questions, we concluded that, enlightened by international experiences on one handand on the other considering restrictions imposed by Brazilian constitutional and legal system, it ispossible to introduce a hybrid licensing regime in Brazil, composed by technology-oriented specificlicences and wide-scope technology-neutral licenses, applicable to classes of services. Therefore, weproposed regulatory changes over which Anatel has exclusive competence, and that preserves the legalframework and the granting of contracts in force. We concluded that the necessary preservation of theappropriated balance between regulatory certainty and incentive to the development of innovativetechnologies and services demands a gradual migration between licensing systems, in a way thatpreserves investors' interests and, at the same time, potentialyzes the benefits of convergence. To reachthis aim, it is necessary to improve not only the licensing regime, but also other crucial elements of theregulatory framework, as the definitions of the services and their respective rules. We also presented ourconsiderations about the challenges that should be faced to accomplish the application of the hybridlicensing model and the perspectives of success of the proposed system. Finally, we suggested topics tobe addressed in future works to study the review of services and its regulations.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 8

SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS............................................................................................ 05RESUMO.................................................................................................................06ABSTRACT............................................................................................................ 07SUMÁRIO...............................................................................................................08INTRODUÇÃO.......................................................................................................111. LICENCIAMENTO E CONVERGÊNCIA TECNOLÓGICA........................... 13

1.1 Conceitos básicos..................................................................................... 131.2 Impacto da convergência sobre o licenciamento de serviços...................20

2. ASPECTOS GERAIS DO LICENCIAMENTO DE SERVIÇOS.......................282.1 Histórico do licenciamento.......................................................................282.2 Finalidades do licenciamento................................................................... 312.3 Licenciamento no âmbito da Organização Mundial do Comércio...........372.4 Tendências do processo de licenciamento............................................... 38

2.4.1 Neutralidade tecnológica............................................................. 382.4.2 Flexibilização dos direitos de uso de espectro.............................392.4.3 Relaxamento de obrigações e taxas de licenciamento................. 392.4.4 Aderência a obrigações regulatórias............................................ 412.4.5 Simplificação de trâmites administrativos...................................412.4.6 Separação entre as regulações de telecomunicações e conteúdo 432.4.7 Regulação baseada na análise de poder de mercado....................43

3. MODELOS DE LICENCIAMENTO..................................................................453.1 Licenciamento baseado em serviços ou tecnologias................................ 453.2 Licenciamento baseado em classificações genéricas (classes)................ 473.3 Classificação única ou autorização geral................................................. 52

3.3.1 O regime de autorização geral da União Européia...................... 533.4 Modelo híbrido (múltiplas licenças convergentes).................................. 61

4. LICENCIAMENTO CONVERGENTE..............................................................634.1 Benefícios e desvantagens do modelo convergente de outorga............... 634.2 Eficácia do regime convergente............................................................... 674.3 Transferência de modelos de licenciamento............................................ 704.4 Transição entre regimes........................................................................... 72

5. USO DE ESPECTRO NO AMBIENTE DE CONVERGÊNCIA.......................805.1 Restrições à neutralidade tecnológica no gerenciamento de espectro......815.2 Tecnologias sem fio inovadoras...............................................................825.3 Aspectos do gerenciamento de espectro...................................................835.4 Vantagens e desvantagens do licenciamento de espectro........................ 85

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 9

5.5 Experiências internacionais......................................................................866. MODELO BRASILEIRO DE LICENCIAMENTO........................................... 89

6.1 Análise do modelo vigente.......................................................................896.2 Barreiras à implantação de modelo de licenciamento convergente......... 92

6.2.1 Lei Geral de Telecomunicações ..................................................926.2.2. Contratos de concessão...............................................................956.2.3 Lei do Cabo..................................................................................956.2.4 Regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia............... 986.2.5 Constituição Federal.................................................................... 109

7. PROPOSTA DE MODELO CONVERGENTE DE OUTORGAS.....................1107.1 Premissas do modelo proposto.................................................................1117.2 Descrição do modelo................................................................................1147.3 Dificuldades de implantação do modelo convergente..............................123

7.3.1 Reação à redução das taxas administrativas................................ 1247.3.2 Reformulação de regulamentos e da estrutura da Agência..........1247.3.3 Capacidade decisória do regulador.............................................. 1257.3.4 Reação dos agentes econômicos.................................................. 126

7.4 Mapeamento de serviços.......................................................................... 1307.5 Evolução do modelo proposto..................................................................134

8 – CONCLUSÕES................................................................................................. 136GLOSSÁRIO...........................................................................................................144REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................... 147

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 10

TABELASTabela 2.1 Aspectos multidimensionais dos regimes de licenciamento..................29Tabela 4.1 Regimes de licenciamento convergentes............................................... 63Tabela 6.1 Diferenças regulatórias entre serviços de TV por assinatura.................96Tabela 6.2 Comparativo: Diretiva Autorização x Regulamento do SCM............... 107Tabela 7.1 Séries históricas da receita do Fistel e das despesas da Anatel............. 125Tabela 7.2 Períodos efetivos dos mandatos dos conselheiros da Anatel.................126Tabela 7.3 Serviços de telecomunicações em vigor................................................ 131Tabela 7.4 Serviços de telecomunicações – revisão inicial.....................................133Tabela 7.5 Serviços de telecomunicações – revisão futura..................................... 135

FIGURASFigura 1.1 Dimensões do fenômeno da convergência tecnológica..........................17Figura 1.2 Evolução nos mercados promovida pela convergência..........................19Figura 2.1 Simplificação dos requisitos administrativos de licenciamento.............42Figura 6.1 Elementos da cadeia de valor dos serviços de telecomunicações.......... 89Figura 6.2 Regulamentação dos serviços de TV por assinatura.............................. 96Figura 6.3 Proposta da Anatel para agregação dos serviços de TV por assinatura. 97Figura 7.1 Diagrama em blocos do modelo proposto..............................................116Figura 7.2 Séries históricas da receita do Fistel e das despesas da Anatel..............125Figura 7.3 Evolução do número de conselheiros da Anatel.................................... 126Figura 7.4 Etapas de implementação do modelo proposto...................................... 129

GLOSSÁRIOGlossário de Siglas.................................................................................................. 144

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 11

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, muitos países optaram pelo aperfeiçoamento de

seus regimes de licenciamento no intuito de adequá-los ao fenômeno da convergência

tecnológica. No entanto, a migração entre modelos de outorga não se trata de tarefa

trivial, sobretudo em nações emergentes, que são permanentemente demandadas a

sinalizar aos agentes externos a estabilidade de seus marcos regulatórios. Por esse

motivo, os processos de reforma dos sistemas de licenciamento são usualmente

implementados de forma suave, de modo a preservar o adequado equilíbrio entre certeza

regulatória e estímulo ao desenvolvimento de novos serviços.

O Brasil encontra-se diante desse desafio. Ao mesmo tempo em que

determinados agentes de mercado requerem do Poder Público dinamismo para implantar

mudanças imediatas no modelo de outorgas, o legado institucional impede o Estado de

adotar medidas que alterem abruptamente o sistema regulatório.

Diante desse quadro, no presente trabalho, buscamos apresentar uma

proposta de alteração no modelo de licenciamento brasileiro que, dentro de certos

limites, seja capaz de compatibilizar as demandas e interesses dos diversos atores do

mercado de telecomunicações – consumidores, reguladores e operadores.

No capítulo inicial, introduzimos conceitos básicos que serão

referenciados ao longo do trabalho, em especial ‘licenciamento’, ‘convergência’ e

‘neutralidade tecnológica’. A partir daí, examinamos aspectos do cenário de

convergência tecnológica e seus efeitos sobre o ambiente regulatório no Brasil e no

mundo.

No segundo capítulo, apresentamos breve histórico sobre o processo

de licenciamento para prestação de serviços de telecomunicações e uma análise sobre os

fundamentos e finalidades dos regimes de outorga. Descrevemos ainda as principais

tendências internacionais de aperfeiçoamento nas regras de licenciamento.

Em prosseguimento, o terceiro capítulo trata dos sistemas de outorga

de maior expressão em operação no mundo, com ênfase para o modelo tradicional,

baseado em tecnologias e redes específicas, e o regime de autorização geral adotado

pela União Européia.

O quarto capítulo aborda os benefícios e desvantagens dos modelos de

licenciamento convergentes, além dos resultados alcançados pelos sistemas

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 12

convergentes em operação no mundo, especialmente na Europa. O capítulo introduz

ainda questões relevantes relativas à transição entre regimes e à viabilidade de

transferência de modelos entre países.

No quinto capítulo, analisamos a problemática do tratamento de

recursos escassos no ambiente de convergência regulatória, e as formas com que os

países lidam com a matéria. Em adição, procedemos ao exame dos impactos das novas

tecnologias sem fio sobre o gerenciamento de espectro e os regimes de licenciamento.

No sexto capítulo, descrevemos o modelo de outorga de exploração de

serviços e redes de telecomunicações em vigor no País, e examinamos as restrições

constitucionais, legais, regulamentares, contratuais e institucionais à implantação de um

modelo integralmente convergente. O capítulo descreve o Serviço de Comunicação

Multimídia, apontando elementos referentes à sua gênese, restrições de abrangência e

perspectivas de consolidação desse serviço como instrumento de licenciamento

convergente.

No sétimo capítulo, com base nas experiências internacionais sobre a

matéria e nas metodologias recomendadas pela literatura especializada, arquitetamos

proposta de modelo híbrido de outorgas convergentes a ser adotado no País. São

identificadas as similaridades entre a conjuntura regulatória do Brasil e a de países que

enfrentaram obstáculos na transição rumo à implantação do regime convergente. A

proposta elaborada é acompanhada das premissas que a fundamentam, com destaque

para a principal delas, que consiste na preservação do arcabouço legal vigente e dos

contratos de concessão em vigor. Finda a análise, mapeamos os serviços existentes que

seriam incorporados por outorgas convergentes no modelo proposto e aqueles que

continuariam a ser prestados mediante outorgas específicas.

Na conclusão, apresentamos as considerações finais sobre o tema em

exame, incluindo as tendências mundiais de licenciamento e as perspectivas da

implantação do sistema convergente no Brasil nos moldes propostos no trabalho, bem

como os benefícios proporcionados por ele para os atores envolvidos, principalmente

operadoras e consumidores.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 13

1 – LICENCIAMENTO E CONVERGÊNCIA TECNOLÓGICA

Uma das principais tendências regulatórias no setor de

telecomunicações observada nos últimos anos consiste na gradual substituição dos

modelos de licenciamento tradicionais, vinculados a serviços, redes ou tecnologias

específicas, por regimes simplificados e tecnologicamente neutros.

Sob essa nova perspectiva, para prestar quaisquer serviços sob as mais

distintas plataformas, os operadores são submetidos a procedimentos sumários, no

intuito de reduzir barreiras à entrada no mercado e, conseqüentemente, contribuir para a

construção de um ambiente de maior competição.

Embora à primeira vista a evolução rumo a sistemas de licenciamento

convergentes possa parecer uma decisão governamental de cunho meramente

administrativo, ela implica significativas transformações de ordem regulatória.

Conforme assinala Walden (2005), o licenciamento é um aspecto chave da regulação de

telecomunicações, haja vista ser freqüentemente empregado como ferramenta para

moldar a estrutura de mercados e auxiliar na condução de políticas públicas para o setor.

Nesse sentido, ao mesmo tempo em que pode ser usado para garantir exclusividade na

prestação de serviços, o modelo de outorga também pode contribuir decisivamente para

a abertura de mercados. Além disso, outras variáveis também podem ser controladas

mediante licenciamento, tais como o ritmo da expansão da infra-estrutura, a diversidade

de serviços à disposição dos consumidores e os preços cobrados dos usuários.

Preliminarmente ao exame mais acurado de questões pertinentes ao

regime de licenciamento convergente, apresentaremos alguns conceitos e terminologias

que serão referenciados com freqüência ao longo deste trabalho.

1.1 Conceitos básicos

Licença, outorga, autorização, concessão e permissão

Segundo Flanagan (2005), na perspectiva etimológica, o termo

“licença” deriva do latim “licere”, cujo significado é “permitir”. Sob esse prisma, o

conceito de licença está vinculado à permissão que é concedida ao particular para dispor

de um direito. Na prática, porém, os regimes regulatórios praticados no mundo podem

também atribuir à licença características de caráter contratual entre o Estado e o

particular. Hatfield et Lie (2004a) compartilham dessa visão, ao descrevê-la como a

autorização governamental concedida a uma pessoa física ou jurídica para prover

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 14

serviços ou operar redes de telecomunicações, prestando-se ainda como código

regulatório definidor dos termos e condições sob as quais ela deve operar, dentre os

quais se incluem os direitos e obrigações do provedor.

Embora em muitos países as expressões “franquia”, “concessão”,

“permissão”, “autorização” e “outorga” sejam utilizadas para expressar esse mesmo

conceito, a rigor, elas podem possuir significados distintos. Enquanto a “licença” não

implica necessariamente o estabelecimento de um arranjo mercantil entre a instituição

licenciada e o ente estatal que a emite, em contraste, “concessão” ou “franquia”

geralmente refere-se a um acordo comercial estabelecido entre o governo (no caso da

concessão) ou a operadora nacional (no caso da franquia) e uma entidade privada para

construir e operar uma infra-estrutura (Hatfield et Lie, 2004a). O objetivo usual desse

arranjo é atrair investimentos privados na forma de financiamento, tecnologia e

profissionais qualificados.

Em geral, os governos recorrem a concessões ou franquias quando o

ordenamento jurídico impede que o setor privado seja proprietário ou opere redes de

telecomunicações diretamente, ou quando há necessidade de incentivar a iniciativa

privada para promover a expansão de redes em regiões de baixa rentabilidade. É o caso

dos contratos de concessão firmados no Brasil entre a Agência Nacional de

Telecomunicações – Anatel – e as prestadoras do Serviço Telefônico Fixo Comutado –

STFC –, em que as companhias detêm o direito de exploração das redes estatais de

telefonia fixa em contrapartida, entre outras obrigações, ao cumprimento de metas de

universalização.

Em que pese a sua vasta utilização na literatura, os termos “licença” e

“outorga” não são claramente conceituados na legislação brasileira de

telecomunicações. Quanto às licenças, a Lei Geral de Telecomunicações – LGT –, no

caput do seu art. 162, apenas dispõe que “A operação de estação transmissora de

radiocomunicação está sujeita à licença de funcionamento prévia e à fiscalização

permanente, nos termos da regulamentação”. Com relação à outorga, o termo é

utilizado na LGT para designar o instrumento que assegura ao interessado o direito de

concessão ou permissão para prestação de serviços de telecomunicações, ou mesmo

autorização para uso de radiofreqüências.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 15

Por sua vez, os conceitos de “concessão”, “permissão” e “autorização”

são expressamente discriminados no parágrafo único do art. 83, no parágrafo único do

art. 118 e no § 1° do art. 131 da LGT, respectivamente:

Lei n° 9.472/97:

”Concessão de serviço de telecomunicações é a delegação de suaprestação, mediante contrato, por prazo determinado, no regimepúblico, sujeitando-se a concessionária aos riscos empresariais,remunerando-se pela cobrança de tarifas dos usuários ou por outrasreceitas alternativas e respondendo diretamente pelas suas obrigaçõese pelos prejuízos que causar.”

“Permissão de serviço de telecomunicações é o ato administrativopelo qual se atribui a alguém o dever de prestar serviço detelecomunicações no regime público e em caráter transitório, até queseja normalizada a situação excepcional que a tenha ensejado.”

“Autorização de serviço de telecomunicações é o ato administrativovinculado que faculta a exploração, no regime privado, de modalidadede serviço de telecomunicações, quando preenchidas as condiçõesobjetivas e subjetivas necessárias.”

A “consignação” de uma radiofreqüência, faixa ou canal de

radiofreqüências é definida no inciso XII do art. 4° do Regulamento de Uso do Espectro

de Radiofreqüências como:

Anexo à Resolução n° 259, de 19 de abril de 2001, da Anatel:

“o procedimento administrativo da Agência que vincula o uso de umaradiofreqüência, faixa ou canal de radiofreqüências, sob condiçõesespecíficas, a uma estação de radiocomunicações”.

Cabe ressaltar que a maioria dos doutrinadores brasileiros salienta a

natureza sui generis dos conceitos de concessão, permissão e autorização estatuídos pela

LGT. Di Pietro (2005) assinala que eles se afastam da conceituação tradicional do

direito administrativo brasileiro e do sistema constitucional. Primeiramente, porque a

Lei Geral estabelece uma gradação entre esses institutos em função do grau de

participação ou de controle do Poder Público na execução do serviço delegado ao

particular, em contraste com a doutrina. Em segundo lugar, porque a doutrina clássica

atribui à autorização as características de unilateralidade, discricionariedade e

precariedade, incompatíveis com o disposto na LGT, que a define como ato

administrativo vinculado. Por esse motivo, ao comentar a definição de autorização

estabelecida pela LGT, Di Pietro (2005, p.153) destaca que:

“a doutrina do direito administrativo brasileiro é praticamente unânime em distinguirautorização e licença pela discricionariedade da primeira e pela vinculação dasegunda. No caso de que se trata, tem-se que entender que o vocábulo autorização,na Lei n° 9.472, foi utilizado indevidamente, no lugar de licença”.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 16

Considerando que as expressões “licença” e “outorga” não são

claramente definidas na legislação brasileira de telecomunicações, doravante neste

trabalho os empregaremos em seu sentido mais amplo, isto é, para designar a permissão

conferida pelo Poder Público ao particular para prover serviços ou operar redes de

telecomunicações.

Convergência tecnológica

O Livro Verde Relativo à Convergência dos Setores das

Telecomunicações, dos Meios de Comunicação Social e das Tecnologias da Informação

e às suas Implicações na Regulamentação, publicado em 1997 pela Comissão

Européia1, caracteriza convergência como:

“a capacidade de diferentes plataformas de rede servirem de veículo a serviçosessencialmente semelhantes, ou a junção de dispositivos do consumidor como otelefone, a televisão e o computador pessoal”.

Segundo Pereira Filho (2005b, p.5), a conceituação de convergência

se funda em dois elementos principais. O primeiro deles é o da substitutibilidade

percebida pelo usuário, que deriva da capacidade de que as novas tecnologias dispõem

de “oferecer os mesmos serviços através de múltiplas plataformas”. Esse é caso da

comunicação de voz, que pode ser provida tanto por intermédio de telefonia fixa quanto

móvel, entre outras plataformas. O segundo é o da integração, que pressupõe a

“possibilidade de oferecer serviços mais atraentes pela integração de serviços

anteriormente distintos”, a exemplo do computador pessoal com acesso à banda larga,

que dispõe do potencial de servir de suporte para comunicação de voz, vídeo, áudio e

dados.

Narayan et alii (2004) apontam como os principais fatores

tecnológicos que estimulam a convergência: a) o expressivo desenvolvimento das

tecnologias sem fio, que têm permitido o aumento da banda útil de radiofreqüências

para aplicações de comunicações; b) desenvolvimento de tecnologias e aplicativos

multimídia avançados que estão sendo incorporados às redes e equipamentos de

comunicações; c) desenvolvimento de plataformas tecnológicas abertas, que ampliam o

universo de produtos e serviços colocados à disposição do usuário; d) substituição das

redes comutadas a circuito por redes a pacotes, consolidada principalmente sob a forma 1 COMISSÃO EUROPÉIA. Livro Verde Relativo à Convergência dos Setores das Telecomunicações,dos Meios de Comunicação Social e das Tecnologias da Informação e às suas Implicações na

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 17

do crescimento do uso da tecnologia IP2; d) desenvolvimento de equipamentos

terminais de múltiplo uso, e e) possibilidade de uso de uma mesma rede para

provimento de uma grande variedade de serviços.

Embora não haja definição universal do que seja convergência, é

unânime a concepção de que se trata de fenômeno que não pode ser analisado somente a

partir da sua vertente tecnológica, pois traz consigo implicações de natureza regulatória

e de mercado, que se encontram entrelaçadas. Ademais, é possível vislumbrá-la sob as

diversas dimensões da cadeia produtiva do mercado de telecomunicações, incluindo o

provimento de serviços, a industrialização de equipamentos terminais e a operação das

redes de distribuição de sinais, conforme ilustrado no diagrama na figura 1.1.

Provedores de Serviços

Radiodifusão

Telefonia móvelTV a cabo

Telefonia fixa

Energia elétrica

Equipamentos terminais

Telefone celular

Televisão

Computador Telefone fixo

Set-top box

Estratégia de mercado

Fusões/ incorporação

Operação integrada

PacoteTarifa plana

Infra-estrutura de distribuição

Cabo de energia

Fibra ótica

Cabo coaxial

Par trançadoSatélite

Microondas

Figura 1.1 – Dimensões do fenômeno da convergência tecnológicaFonte: adaptado de Narayan et alii (2004)

Regulamentação. Lisboa: Anacom, 1997. p.9. [on line] Disponível na Internet via WWW. URL:http://www.anacom.pt/template20.jsp?categoryId=2788&contentId=13608 (Consultado em 04.10.2007).2 Acrônimo de Internet Protocol.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 18

No que concerne aos equipamentos terminais, a convergência pode ser

ilustrada pela proliferação de aparelhos capazes de executar funções que anteriormente

demandavam dispositivos específicos. É o caso dos telefones celulares que permitem,

além da comunicação de voz, a recepção de programações de TV e a comunicação pela

Internet. A mesma tendência tem sido observada nas infra-estruturas de distribuição,

com a rápida migração para redes baseadas no protocolo IP, que permitem o tráfego de

conteúdos de naturezas diversas.

Em contraste, as infra-estruturas de acesso – a chamada última milha –

se diversificaram. Enquanto as redes de acesso em meio guiado mais populares

empregam tecnologias como o DSL3, o modem-cabo e o FTTH4, as soluções sem fio

oferecem várias outras opções de comunicação. A conseqüência desse cenário é que

grande parte dos usuários já dispõem de alternativas para a tecnologia de última milha

no provimento dos serviços de banda larga, comunicação de voz e televisão por

assinatura.

Em relação à evolução dos mercados, a convergência promoveu

drásticas transformações ao permitir que segmentos específicos que não competiam

entre si pudessem ser integrados. Esse movimento decorreu, dentre outros motivos, do

fenômeno da substituição fixo-móvel, que induziu as operadoras de telefonia fixa a

buscar novos nichos de mercado, como a comunicação de longa distância, provimento

de banda larga e oferta de conteúdos audiovisuais.

Dessa forma, a necessidade de diversificação de mercado e de atração

de novos clientes atuam como fatores que incentivam e realimentam a convergência,

sobretudo porque o usuário passou a ter expectativa crescente de contar com serviços

integrados. Assim, criou-se ambiente propício tanto para o crescimento de ofertas de

pacotes “triple-play”5 quanto para a aceleração do processo de fusões e aquisições de

provedores de serviços, operadores de infra-estrutura e fabricantes de equipamentos,

que até há alguns anos pertenciam a grupos empresariais distintos. Essas mudanças

foram sintetizadas no diagrama ilustrado na figura 1.2, que assinala que a estrutura

3 Acrônimo de Digital Subscriber Line, que representa a família de tecnologias que permitem atransmissão digital de dados através da rede de telefonia fixa.4 Acrônimo de Fiber-to-the-Home, tecnologia de última milha de serviços de comunicação de dadosatravés de fibras ópticas.5 Conceito que remete à prática de mercado de ofertar ao consumidor, em um mesmo pacote comercial, osserviços de telefonia, acesso de banda larga à Internet e televisão por assinatura.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 19

vertical dos mercados do final do século XX migrou para o ambiente horizontalizado de

convergência no novo milênio.

Figura 1.2 – Evolução nos mercados promovida pela convergênciaFonte: adaptado de Pereira Filho (2006) e Singh (2007)

Sob o prisma da regulação, um das principais implicações da

convergência consiste na gradual submissão da prestação dos serviços de

telecomunicações a regimes de licenciamento simplificados, conforme será explorado

posteriormente neste trabalho.

Por sua vez, do ponto de vista do consumidor, o editorial publicado

pelo jornal The New York Times, em 13 de agosto de 2006, refletiu com clareza e

concisão o sentimento do novo usuário dos serviços de comunicação eletrônica perante

a convergência: “A televisão se desintegrou. Tudo que restou foi o telespectador”.

Neutralidade tecnológica

Segundo Narayan et alii (2004), entende-se como neutralidade

tecnológica a capacidade de que o operador de telecomunicações dispõe para escolher a

tecnologia, a infra-estrutura e os equipamentos que serão empregados por ele e por seus

usuários na prestação de determinado serviço.

Conquanto seja usual a associação entre neutralidade tecnológica e

neutralidade de serviços, tais conceitos não se confundem. Um caso típico de

Serviço

Rede

Acesso

Terminal

TV acabo

Telefonia fixa

Telefoniamóvel

Radio-difusão

Serviço

Rede

Acesso

Terminal

Aplicações multimídia (e-mail, TV, web, voz)

Redes da nova geração (NGN)

Híbridos (fixo-móvel, celular-TV, 3G-Wimax, PDA)

TV aCabo

xDSL2G 3G4G

Radiodifusão

ServiçoFixo

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 20

neutralidade tecnológica sem neutralidade de serviços ocorre quando o regulador

expede uma licença para exploração de serviço móvel – que se trata de um serviço

específico – mas não impõe a tecnologia para a sua prestação, facultando ao operador o

uso de GSM e CDMA6.

Por outro lado, um exemplo de licenciamento neutro dos pontos de

vista tecnológico e de serviços se dá quando o regulador é instado a aplicar recursos de

universalização em projetos de comunicação de voz, vídeo e dados em banda larga e,

para tanto, não estabelece nem a tecnologia nem a arquitetura a serem empregadas.

Portanto, caberá à operadora a escolha da solução mais eficiente, que poderá recair

dentre as várias alternativas tecnológicas disponíveis – telefonia móvel celular, sistema

VSAT7, fibra óptica, fio de cobre ou mesmo uma combinação de soluções.

1.2 Impacto da convergência sobre o licenciamento de serviços

Até o final do século XX, os serviços de telecomunicações eram

preponderantemente definidos a partir das redes de transporte especializadas que os

suportavam com exclusividade. A definição do serviço de telefonia fixa no Brasil,

estabelecida pelo inciso XXIII do art. 3° do Regulamento do STFC, expressa com

precisão essa realidade, ao vinculá-lo com a tecnologia empregada para prestá-lo:

Anexo ao Regulamento n° 426, de 9 de dezembro de 2005, da Anatel:

“XXIII - Serviço Telefônico Fixo Comutado destinado ao uso dopúblico em geral (STFC): serviço de telecomunicações que, por meiode transmissão de voz e de outros sinais, destina-se à comunicaçãoentre pontos fixos determinados, utilizando processos de telefonia;”

Porém, com o desenvolvimento das tecnologias digitais, qualquer tipo

de informação – seja ela voz, imagem, vídeo, texto, dados ou qualquer forma de

expressão – tornou-se passível de codificação binária. Como conseqüência dessa

situação, qualquer rede digital de comunicação tornou-se apta a transportá-la. Essa

tendência conduziu à gradual desvinculação dos serviços de telecomunicações de suas

redes correspondentes.

Essa transformação, ao mesmo tempo em que potencializa benefícios

para consumidores e operadoras, também representa significativo desafio para os

reguladores, em virtude da tensão criada entre promover o desenvolvimento de novas

tecnologias e a necessidade de solucionar os conflitos gerados por elas. Por um lado, dar 6 Acrônimos de Global System for Mobile Communications e Code Division Multiple Access,respectivamente.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 21

condições para a açodada entrada no mercado de tecnologias ainda não maduras pode

dar margem à prestação de serviços inadequados ou que frustrem a expectativa dos

consumidores. Pelo outro, restringir a sua expansão pode desestimular a inovação e

prejudicar a diversidade de serviços e a competição.

Diante do dinamismo das mudanças tecnológicas, os elaboradores de

políticas públicas são constantemente instados a promover evoluções nas práticas de

licenciamento para que a regulação não se torne um obstáculo para o desenvolvimento

do setor, visto que a preservação de requisitos desnecessários, onerosos e complexos

pode levar à subutilização do potencial das redes. Segundo Narayan et alii (2004), é

crescente a percepção de que a classificação de licenças com base em tecnologias

específicas pode impedir a alocação eficiente de recursos, inibindo a introdução de

novas soluções para prestar serviços idênticos ou similares aos já existentes. Em

princípio, ao limitar a entrada no mercado com fundamento em artifícios meramente

administrativos, o regulador estará contrariando seu objetivo mais usual, que consiste

em criar condições para ofertas de serviços ao consumidor de boa qualidade e a preços

módicos, mediante o uso de redes modernas e em ambiente competitivo.

A reação a dilemas como esse já se manifesta de forma proeminente

nas nações desenvolvidas. Considerando não haver mais justificativas técnicas para

diferenciar serviços com base na rede que transporta os sinais, muitos países

aperfeiçoaram seus marcos regulatórios no intento de acompanhar a convergência

tecnológica. Nesse sentido, abandonaram os regimes de outorgas definidas a partir do

conteúdo acessado ou do tipo de infra-estrutura empregada e passaram a adotar modelos

convergentes – assunto que será objeto de exame detalhado no próximo capítulo deste

trabalho.

Não obstante a miríade de soluções encontradas para adaptação a esse

novo cenário, muitas questões ainda permanecem em aberto. Uma inovação que tem

merecido especial atenção dos responsáveis pela elaboração de políticas regulatórias diz

respeito à regulamentação do VoIP8, tecnologia com potencial de alterar drasticamente

o status quo da indústria global de comunicação. Levando em consideração que as redes

de banda larga permitem o compartilhamento de diferentes aplicações, os operadores de

7 Acrônimo de Very Small Aperture Terminal.8 Acrônimo de Voice over Internet Protocol, ou Voz sobre Protocolo da Internet, que consiste noroteamento da comunicação de voz através de redes de computadores mediante o uso do protocolo detransmissão de dados da Internet.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 22

VoIP dispõem da capacidade de oferecer serviços de voz ao usuário final a preços muito

mais acessíveis do que companhias telefônicas tradicionais. Essa situação tem gerado

um contencioso que acaba por desaguar no debate sobre a definição da natureza do

VoIP como serviço de informação ou de telecomunicações, sobretudo porque muitos

países – como é caso dos Estados Unidos – regulam esses segmentos de forma

completamente distinta.

Para enfrentar essa situação, é possível adotar diversas estratégias. No

Canadá, foi obedecido o princípio da neutralidade tecnológica, de modo que, a partir de

2005, a telefonia VoIP foi classificada como funcionalmente equivalente a outros

serviços de telecomunicações de voz e, dessa forma, submetida a regulação similar,

inclusive no que concerne à contribuição para o fundo de universalização (de La Torre

et Maddens, 2004).

No Japão, conforme assinalam Cohen et alii (2006), os provedores de

VoIP são submetidos a regulação mínima. Caso o operador ofereça qualidade de serviço

igual ou superior à do serviço de telefonia fixa, ele poderá utilizar o plano de numeração

da rede pública. Os preços não são regulados, e os provedores são obrigados a pagar

tarifas de acesso caso terminem chamadas na rede pública.

Na mesma linha, nos Estados Unidos, a tendência é de não impor

regulações rígidas ao serviço. Não obstante o debate sobre o assunto ainda encontrar-se

em curso naquele país, mesmo onde os serviços de VoIP fazem troca de tráfego com a

rede pública, há regulação apenas em relação a chamadas de emergência e interceptação

legal de comunicação.

Cohen et alii (2006) esclarecem ainda que, embora as formas de lidar

com a regulação do VoIP sejam as mais variadas, a experiência empírica demonstra que

a abordagem que proporciona menores benefícios é aquela que mantém o VoIP à

margem da legalidade, haja vista limitarem os resultados alcançados pelos tecnologia.

Além de tolher o desenvolvimento de uma tecnologia que tem se revelado eficiente, a

sua proibição implica fiscalização custosa por parte do órgão regulador. Além disso, a

existência de um mercado “cinza” acaba por favorecer empresas que operam

ilicitamente, haja vista não serem obrigadas a recolher taxas, impostos e contribuições

para fundos de universalização, como o são as companhias legalmente autorizadas.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 23

Outro conflito recente decorrente do desenvolvimento das tecnologias

IP aflorou quando algumas operadoras de banda larga passaram a demandar o direito de

sobretaxar as provedoras de aplicações na Internet que demandam condições especiais

de banda, qualidade de serviço e tempo de resposta. Embora se possa vislumbrar

fundamento nos argumentos apresentados pelas prestadoras de banda larga, ao acatar

suas demandas, o regulador pode limitar a inovação e a competição, sobretudo se a

operadora construir redes paralelas concorrentes e der tratamento diferenciado a elas.

Nos Estados Unidos, o relatório publicado em 6 de setembro de 2007 pelo

Departamento de Justiça que recomenda à Federal Communication Commission – FCC

– o estabelecimento de limites à neutralidade de redes9 revela que o debate sobre o

assunto ainda se encontra em estágio de maturação.

Dorward et Rogers (2004) salientam que a forma de licenciamento dos

serviços que empregam a tecnologia Wimax – World Interoperability for Microwave

Access Forum – padrão WLAN10 IEEE11 802.16 – soma-se a outras questões críticas

ainda não solucionadas pelos reguladores. Com o desenvolvimento da característica de

mobilidade para essa plataforma, bem como dos protocolos de comunicação de voz e

dados sobre ela, as operadoras que desembolsaram vultosos volumes de recursos para

prestar serviços da terceira geração de comunicação móvel – 3G – se vêem ameaçadas

pela concorrência do Wimax. Ainda não há posição consensual entre os reguladores a

respeito da conveniência ou não do estabelecimento de instrumentos de proteção às

companhias de 3G, seja mediante cobrança de altas taxas de entrada para operadoras

que usem Wimax ou por meio de restrições à mobilidade para os serviços prestados

com essa tecnologia.

Outro ponto ainda em aberto diz respeito à necessidade de

licenciamento dos serviços que utilizem tecnologias baseadas no padrão IEEE 802.11(b)

– mais conhecidas como WiFi12 –, como é o caso dos hotspots públicos que oferecem

comunicação por meio dela. Em países como o Brasil e os Estados Unidos, o WiFi pode

9 DEPARTMENT OF JUSTICE – USA. Department of Justice comments on “network neutrality” infederal communications commission proceeding. Washington-DC: DoJ, 2007. [on line] Disponível naInternet via WWW. URL: http://www.usdoj.gov/atr/public/press_releases/2007/225782.pdf. (Consultadoem 16.10.2007).10 Acrônimo de Wireless Local Area Network.11Acrônimo de Institute of Electrical and Electronic Engineers.12Acrônimo de Wireless Fidelity.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 24

ser operado de forma não licenciada nas faixas de 2,4 GHz e 5 GHz13. Em 2003, a

União Européia adotou recomendação que instava os países membros a facilitar o uso

de WLANs públicas como forma de expandir o acesso em banda larga. Nesse sentido,

na França, os provedores de acesso WLAN públicos nas freqüências de 2,4 GHz e 5

GHz não estão sujeitos a licenciamento, bastando que encaminhem uma declaração ao

regulador para que possam operar (de La Torre et Maddens, 2004). Alguns países

adotaram uma postura ainda mais liberalizante em relação à matéria: em Cingapura, a

operação dos serviços que empregavam a faixa de 2,4 MHz foi deslocada para outras

bandas no intuito de facilitar o uso não licenciado do WiFi.

Outro aspecto relevante diz respeito ao uso de recursos de numeração.

Embora muitos países já tenham adotado regulamentação que assegura ao usuário o

direito à portabilidade, grande parte deles ainda não a adequou para o ambiente de

convergência de serviços, permitindo apenas a migração de códigos numéricos entre

redes de mesma natureza. Nos Estados Unidos, o conceito de portabilidade é

abrangente, pois prevê que um número telefônico originalmente pertencente à rede fixa

possa ser transferido para uma prestadora móvel, e vice-versa. Em nações como o

Brasil, em que a diferença entre a tarifação de ligações efetuadas para redes fixas e

móveis é relativamente alta, justifica-se a adoção do sistema de portabilidade restrita,

sob o argumento de que o usuário tem o direito de conhecer previamente o tipo de

serviço – e, conseqüentemente, o custo aproximado da ligação – provido pela rede do

usuário para o qual a ligação se destina.

Nesse contexto, merece destaque a iniciativa de países como Austrália

e Coréia do Sul, que já deflagraram projetos piloto de sistemas ENUM14 – protocolo de

mapeamento entre números telefônicos da rede pública para nomes de domínio em

ambiente IP (de La Torre et Maddens, 2004). O sucesso de experiências desse gênero

pode se constituir em embrião para a interoperabilidade e convergência numérica

generalizada entre serviços.

No Brasil, o anacronismo das licenças baseadas em tecnologias

específicas aflora freqüentemente na atividade regulatória em situações cotidianas, que

expressam a necessidade de aperfeiçoamento de mudanças no regime adotado pelo País.

Em passado recente, a Anatel deparou com um caso simples, mas que descreve com 13 No Brasil, embora as freqüências sejam não licenciadas, há o requisito de obtenção de autorização paraprestar o serviço – por exemplo, o Serviço de Comunicação Multimídia.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 25

precisão esse cenário. Uma operadora de serviço de TV por assinatura que emprega a

tecnologia MMDS15 para a transmissão de suas programações ofertava pacotes a seus

usuários com qualidade satisfatória. Ocorre que a construção de altos prédios ao redor

das residências de alguns assinantes passou a criar problemas de recepção de sinal. A

solução adotada pela operadora foi a captação dos sinais transmitidos via microondas

através de uma “antena coletiva”, para posterior retransmissão para essa pequena

parcela de usuários por meio guiado. Como a “distribuição de sinais de vídeo e/ou

áudio, a assinantes, mediante transporte por meios físicos” é caracterizada pela

legislação brasileira16 como serviço de TV a cabo, a prestadora foi obrigada a abster-se

de continuar a oferecer a referida solução para seus clientes, visto que detinha outorga

apenas para prestação de serviços de MMDS – e não de TV a Cabo.

Ainda em relação ao ambiente regulatório brasileiro, muitas outras

questões, ainda mais desafiadoras, instigam a busca por soluções capazes de aperfeiçoar

o marco regulamentar em vigor. Nesse contexto, alguns temas relacionados à TV digital

merecem especial destaque. O Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre –

SBTVD-T –, na forma em que foi concebido17, prevê a consignação de canais de seis

MHz de largura para cada emissora, bem como a opção da multiprogramação, que

permite a transmissão de programas distintos e simultâneos na mesma banda de

espectro. Porém, o próprio Ministério das Comunicações admite que, em razão de

embaraços de ordem legal e constitucional, as atuais outorgatárias do serviço de

radiodifusão de sons e imagens não estão habilitadas a fazer uso do recurso da

multiprogramação, mesmo que isso represente uso ineficiente do espectro. Caso a

emissora desenvolva plano de negócios que se aproveite dessa subutilização do espectro

mediante oferta remunerada de conteúdo por evento (“pay per view”), o ordenamento

jurídico a bloqueará, visto que o canal foi atribuído a ela apenas para transmissão de

audiovisual de forma livre e gratuita, sendo vedado, portanto, o seu uso para venda de

serviços a assinantes. Dessa forma, mesmo dispondo-se de solução técnica viável,

demanda do consumidor pelo serviço, modelo de negócios consistente e disposição em

promover o uso eficiente do espectro, do ponto de vista da regulação não será possível

prestar o serviço.

14Acrônimo de Telephone Number Mapping.15 Acrônimo de Multichannel Multipoint Distribution Service.16 Lei n° 8.977, de 6 de janeiro de 1995, mais conhecida como “Lei do Cabo”.17 As diretrizes do SBTVD-T foram estabelecidas no Decreto Presidencial nº 5.820, de 29.06.2006.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 26

A vedação ao uso generalizado da tecnologia VoIP sobre as redes de

banda larga de propriedade das operadoras de telefonia fixa é outra questão que

demanda atenção do regulador. Por um lado, é possível argumentar que o surgimento de

novas tecnologias se constituiria em risco natural de mercado para as concessionárias,

não cabendo à Anatel o estabelecimento de medidas para protegê-las. Nesse contexto, a

manutenção de barreiras supostamente artificiais à prestação do STFC mediante uso do

VoIP afigura-se como elemento dos mais relevantes nesse debate sobre a

regulamentação do emprego dessa tecnologia.

A Agência tem se mostrado especialmente cautelosa em relação à

matéria, sobretudo porque as concessionárias estão submetidas a condições especiais de

prestação de serviço, contando com obrigações de continuidade e universalização que

não podem ser desconsideradas. Sendo assim, o estabelecimento de critérios que

garantam a adequada remuneração das redes empregadas pelos operadores de VoIP

também afloram como componentes cruciais nessa análise.

A integração tecnológica dos serviços de telefonia fixa e móvel

constitui-se em outro tema que desperta interesse dos especialistas em regulação de

telecomunicações. No Brasil, esse assunto é de especial relevância porque se tratam de

serviços que podem ser prestados sob regimes jurídicos distintos, o que dificulta

enormemente a agregação entre eles, ao menos sob o prisma regulatório.

É possível vislumbrar ainda diversos outros desafios para os

reguladores decorrentes da convergência. Dentre eles, Bogdan-Martin et alii (2004)

apontam a flexibilização no gerenciamento de espectro, a redefinição das taxas de

licenciamento, o estabelecimento de normas que assegurem condições para justa

competição e a modernização das políticas públicas de universalização.

Infere-se, portanto, que a regulamentação brasileira – assim como a da

maioria dos países – ainda não está suficientemente preparada para adequar-se ao

fenômeno da convergência. Levando em consideração a imprevisibilidade dos avanços

tecnológicos, e que os reguladores não dispõem, em regra, da agilidade necessária para

acompanhar a velocidade das inovações técnicas e de mercado, vem se tornando mais

clara a percepção de que a regulação deve ser flexibilizada e tornada mais leve e neutra

do ponto de vista tecnológico.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 27

Embora pareça ser evidente a tendência de flexibilização do processo

de licenciamento, a questão que se coloca é qual o tipo de arcabouço mais adequado

para a realidade brasileira. A calibração correta entre relaxamento de barreiras à entrada

de novos operadores e preservação de instrumentos de controle e monitoração sobre os

mercados revela-se hoje como um dos principais desafios dos responsáveis pela

regulação do setor.

Ademais, o processo de migração em direção a regimes de

licenciamento inovadores conduz a riscos e incertezas que nem sempre são passíveis de

respostas conclusivas e imediatas. O real impacto dos modelos convergentes de outorga

sobre a complexidade da regulamentação, a qualidade dos serviços, a diversidade de

operadores, o custo das tarifas para o consumidor, o processo de fiscalização e o

desenvolvimento de novas tecnologias e aplicações ainda representa um questão que

permanece em constante exame pelos especialistas em regulação no Brasil e no mundo.

Por fim, é oportuno salientar que a convergência demanda não

somente a reforma do modelo de licenciamento, mas também do conjunto completo de

práticas e princípios regulatórios, conforme abordaremos posteriormente neste trabalho.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 28

2 – ASPECTOS GERAIS DO LICENCIAMENTO DE

SERVIÇOS

2.1 Histórico do licenciamento

No início do século XX, a monopolização dos serviços de

telecomunicações nos Estados Unidos por empresas privadas foi acompanhada pela

criação de órgãos reguladores com o objetivo de proteger o interesse público, focados

sobretudo na prevenção da cobrança de tarifas abusivas e das condutas consideradas

injustamente discriminatórias.

Enquanto isso, em muitos outros países, a prestação de serviços era

atribuída a operadoras estatais. De acordo com Narayan et alii (2004), essas entidades

operavam os serviços sem necessidade de autorização legal bem delimitada, ou sob o

abrigo de uma única licença que integrava todos os serviços prestados. Nesse caso, à

medida que novas tecnologias eram desenvolvidas e ofertadas ao público – como é o

caso dos serviços de dados e fax –, o operador monopolista as provia mediante essa

licença. Sob esse prisma, o propalado conceito de outorga convergente não é uma

novidade. A diferença é que o atual ambiente regulatório se encontra em estágio de

competição de mercado, o que traz ingredientes radicalmente diferentes em relação ao

regime de licenciamento unificado aplicado no passado.

Com o processo de privatização iniciado no final do século XX, foi

necessário introduzir instrumentos para controlar a entrada de operadoras privadas no

mercado, impor obrigações regulatórias e conferir segurança jurídica tanto para o

governo quanto para o setor privado. Esse objetivo foi concretizado por intermédio do

estabelecimento de um rol de direitos e obrigações entre Poder Concedente e empresas

prestadoras, que se aplicavam especificamente ao serviço objeto da licença.

Intven et alii (2007) esclarecem que, nesse contexto, uma experiência

pioneira foi realizada no Reino Unido, em 1984, com a privatização da British

Telecommunications – BT. O processo de evolução do regime de licenciamento ocorreu

em momento em que ainda havia escassa cultura das novas práticas regulatórias tanto

naquele País quanto no restante mundo. Na ocasião, a licença concedida para a BT foi

preparada na forma de um extenso código regulatório, que continha diversos aspectos

relacionados à operação da operadora, bem como assegurava a ela uma gama de direitos

exclusivos. Esse modelo foi preservado mesmo após a abertura do mercado para novas

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 29

operadoras. Com base na experiência britânica, outros países europeus adotaram

sistemas de licenciamento similares.

Esse tipo de regime estabelecia que cada serviço fosse submetido a

condições específicas. Em algumas situações, a licença determinava até mesmo a

tecnologia a ser empregada pelo operador. Esse foi o caso do serviço de telefonia móvel

de segunda geração prestado em muitos países europeus, onde o padrão GSM foi

adotado com o intento de integração e de proteção ao desenvolvimento tecnológico na

região. O Brasil acompanhou essa tendência de pulverização de serviços, prática que se

perpetua até os dias de hoje, haja vista a existência de trinta e nove tipos distintos de

outorgas de telecomunicações, conforme abordaremos no capítulo 7 deste trabalho.

O licenciamento baseado em serviços específicos foi uma resposta

lógica para o estado da arte da tecnologia ao final do século passado, visto que as

diferentes redes eram tecnicamente limitadas ao tipo de serviço que cada uma podia

prover. Portanto, nesse período, uma das principais características dos regimes de

licenciamento era sua natureza multidimensional, visto que as outorgas eram específicas

em relação ao serviço prestado, tecnologia empregada, área geográfica de cobertura,

demarcação temporal da sua duração e abrangência espacial do serviço, conforme

disposto na tabela 2.1.

Tabela 2.1 – Aspectos multidimensionais dos regimes de licenciamento ao finaldo século XX (fonte: adaptado de Doyle (2004))

Dimensão Exemplos de classificação

De serviço Telefonia pública de voz, dados, radiodifusão

Tecnológica Celular, WLL18, satélite

Geográfica Local, regional, nacional, internacional

Temporal Duração variável para as licenças

Espacial Terrestre, marítimo, aeronáutico

No que diz respeito à União Européia, esse momento correspondeu à

primeira fase do recente desenvolvimento das políticas de telecomunicações naquela

região, que abrangeu o período de 1987 a 1993. Os principais objetivos almejados pelos

Estados-Membros eram a liberalização da indústria de equipamentos e a abertura de

alguns mercados à competição. Não obstante, os órgãos governamentais ainda se

18 Acrônimo de Wireless Local Loop.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 30

mostravam preocupados em estabelecer salvaguardas que assegurassem a rentabilidade

das operadoras incumbentes, visto que, até então, a infra-estrutura era considerada um

monopólio natural.

No estágio seguinte, entre 1993 e 2003, iniciou-se o processo de

ampla liberalização dos mercados e de harmonização regional das legislações nacionais.

Em adição, conforme ressalta Couto (2007), uma das grandes preocupações da

Comissão Européia passou a ser a garantia do acesso da rede das operadoras

incumbentes aos novos entrantes em condições razoáveis. O principal marco desse

período foi a aprovação do novo ordenamento regulatório para o setor – o chamado

“Pacote 1998”.

Segundo Buckingham et Willians (2005), o resultado das medidas

implantadas foi decepcionante. As metas impostas não alcançaram o sucesso esperado

em razão de que as normas fixadas pelo Pacote 1998 não eram suficientemente claras,

dando margem a interpretações distintas entre os países-membros. Um dos preceitos

fundamentais que constavam dessas regras se fundava na atribuição de licenças

individuais apenas em casos excepcionais. Na prática, porém, em muitos países essa

orientação foi desvirtuada. Enquanto em Portugal a expedição das licenças dependia de

avaliação discricionária do Poder Público sobre a capacidade técnica da prestadora, na

Dinamarca a licença para operação de redes e serviços demandava simples

requerimento contendo a descrição da rede ou serviço a ser ofertado.

Adicionalmente, além de haver um grande número de tipos de

outorgas, para cada nova atividade surgida havia a necessidade da instituição de uma

nova modalidade de licença. Outro aspecto negativo observado diz respeito às sanções

aplicáveis às operadoras em caso de descumprimento das obrigações previstas nas

licenças, posto que, em algumas nações, havia registro de casos de revogação de

outorgas mesmo quando os vícios detectados eram passíveis de correção.

A revisão das práticas regulatórias na Europa foi novamente

comandada pelo Reino Unido, que popularizou o conceito de autorização de classe,

aplicável a todos os provedores que prestassem um mesmo serviço. A experiência

britânica encorajou a Comissão Européia a reformar, a partir de 1999, o arcabouço

regulatório vigente, processo que culminou com a aprovação do “Pacote 2002”,

composto pela Diretiva 2002/21/CE – a Diretiva Quadro – e por quatro outras que

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 31

orbitam em torno dela, quais sejam as Diretivas Autorização, Acesso, Serviço Universal

e Privacidade nas Comunicações Eletrônicas (Medeiros, 2004).

A partir de 2003, com a entrada em vigor dessas Diretivas, iniciou-se

a terceira fase dessa evolução. Embora a primeira proposta discutida previsse a criação

de sistema em que a autorização expedida por um Estado-Membro pudesse ser

estendida a qualquer nação da Comunidade, o risco de esvaziamento de poderes das

autoridades regulatórias nacionais impediu a adoção desse esquema.

Além de tentar corrigir as deficiências verificadas no marco anterior e

ajustar a regulação ao fenômeno da convergência tecnológica, o novo arcabouço

também buscou enfatizar a aplicação de regras de competição ex-post, contrariamente

ao que vinha sendo praticado até então. Segundo Buckingham et Willians (2005), a

idéia era criar uma “saída estratégica” para a atividade regulatória nos mercados em que

a competição estivesse suficientemente madura.

Nos últimos anos, com a liberalização dos mercados e a consolidação

da competição, diversas nações abandonaram a rigidez dos sistemas de licenciamento,

em consonância com as diretrizes adotadas pela União Européia. Contribui para essa

evolução o fato de que, ao final da década de 1990, a Internet e as tecnologias sem fio se

comportaram como precursoras do processo de convergência que colocou em xeque a

eficácia das políticas de licenciamento multidimensionais, visto que as plataformas

tecnológicas passaram a dispor da capacidade de oferecer múltiplos serviços, alargando

o potencial de competição.

Em resposta a esse cenário, os modelos de outorgas específicas estão

sendo paulatinamente substituídos por regimes convergentes, no intuito de facilitar a

entrada no mercado de novos operadores. De acordo com Tamayo (2003), embora de

maneira tímida, o Brasil acompanhou esse movimento ao instituir, em 2001, o Serviço

de Comunicação Multimídia – SCM –, que agregou 15 categorias de serviços em uma

única classificação. A experiência brasileira e as de alguns outros países serão

detalhadas em capítulos posteriores deste trabalho.

2.2 Finalidades do licenciamento

Ao longo dos anos, as operadoras de telecomunicações – em

particular, aquelas que constroem ou são proprietárias de redes, ofertam serviços sobre

elas ou empregam recursos de espectro – têm sido submetidas a rigoroso controle pelos

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 32

governos. Em virtude das preciosas ferramentas que oferece, o processo de

licenciamento é utilizado pelos reguladores para perseguir vasta gama de objetivos.

Detalharemos algumas dessas finalidades a seguir.

Instrumento para assegurar certeza regulatória na privatização de

operadoras estatais de telecomunicações

Desde o início do processo de privatização de operadoras estatais de

telecomunicações iniciado na década de 1980, o licenciamento foi fortemente

empregado com o objetivo de especificar os direitos e obrigações atinentes ao

provimento de serviços e operação de redes transferidas para o controle da iniciativa

privada. Em linhas gerais, a outorga descreve o que o investidor está adquirindo, bem

como as expectativas concretas do governo em relação ao provedor e ao investidor.

Essa abordagem permitiu sinalizar claramente aos atores envolvidos

nessa transição – consumidores, investidores e governo – as regras futuras na prestação

dos serviços. Dessa maneira, os termos das licenças estabeleciam, entre outros aspectos,

as condições de interconexão, compartilhamento de infra-estrutura, fórmulas de cálculo

de tarifas e seus índices de reajuste, possibilidade de entrada em outros mercados,

definição de instrumentos de salvaguarda contra práticas anticompetitivas, padrões de

qualidade técnica esperada do serviço, prazos e requisitos para renovação de contratos,

restrições à participação de capital estrangeiro na composição societária das prestadoras,

direitos de exclusividade concedidos à operadora e obrigações de universalização e

modernização de rede. Nesse contexto, as licenças, ao lado de um arcabouço legal

devidamente estruturado, tem por objetivo proporcionar um ambiente de máxima

certeza regulatória (Hatfield et Lie, 2004a).

Regulação da provisão de serviços públicos essenciais,

universalização de serviços e expansão das redes de telecomunicações

Em muitos países, os serviços de telecomunicações – ou ao menos

uma parcela deles – são considerados serviços públicos essenciais. Tanto em nações

desenvolvidas quanto emergentes, o licenciamento é empregado como instrumento

primordial para a promoção da universalização dos serviços e para a expansão das infra-

estruturas de telecomunicações em áreas rurais ou deficientemente servidas. Esse

objetivo pode ser alcançado por meio de tratamento favorecido para os provedores dos

serviços prestados nessas localidades. Na prática, isso pode ser implementado mediante

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 33

concessão de exclusividade por determinado período, bem como do direito de também

prover serviços mais rentáveis em mercados de concorrência restrita, como telefonia

móvel.

De acordo com Hatfield et Lie (2004b), um exemplo recente dessa

estratégia ocorreu na Venezuela, onde as licenças para as principais operadoras de

telefonia móvel – CANTV e Telcel – previam somente a cobertura das quarenta maiores

cidades do país. Em meados da década passada, as localidades rurais venezuelanas

praticamente não eram atendidas pelo serviço; porém, em 1997, o país licitou licenças

para provimento de telefonia residencial básica em comunidades rurais, incluindo

localidades com menos de cinco mil habitantes. Segundo as regras do processo de

licenciamento, os vencedores do certame também adquiririam direito a prestar telefonia

móvel, paging, serviços de valor adicionado, comunicação via satélite, localização de

veículos e telemedicina. Em resposta a essa ação planejada, os serviços de

comunicações foram expandidos de modo a cobrir mais de setenta e cinco por cento da

população rural.

Outra maneira de atingir metas de universalização consiste em

demandar que o provedor de serviços em áreas mais rentáveis seja obrigado a também

prestá-los em zonas de baixa lucratividade. No Brasil, o processo de privatização das

operadoras de telefonia fixa realizado em 1998 previu que as incumbentes fossem

obrigadas a instalar acessos individuais e públicos em regiões de baixa densidade

populacional.

Uma alternativa viável para assegurar a sustentabilidade dos serviços

providos em localidades de pouca rentabilidade consiste em reduzir as barreiras para sua

prestação, tais como a diminuição das contribuições para fundos de universalização e

pesquisa, taxas administrativas, taxas de importação de equipamentos e demais tributos

incidentes sobre eles, em comparação com atividades similares executadas em regiões

de apelo comercial privilegiado. Em determinadas circunstâncias, também é possível

suavizar as exigências dos padrões de qualidade recomendados pelo regulador, bem

como reduzir os lances mínimos para adquirir o direito de uso de radiofreqüências

associadas ao serviços.

O regulador pode se utilizar também do recurso do estabelecimento de

tarifas assimétricas de terminação entre operadoras, via subsídios cruzados. Nessa

hipótese, os preços de serviços em áreas rentáveis são mantidos em um patamar superior

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 34

ao seu custo econômico para que esse excedente seja empregado para financiar serviços

precificados abaixo do custo em zonas naturalmente deficitárias. Porém, na opinião de

especialistas como Hatfield et Lie (2004a), essa distorção deliberada de preços não deve

ser preservada em um mercado aberto e competitivo.

Em contraste a essa solução, nos últimos vinte anos fortaleceu-se a

tendência pela criação de mecanismos competitivamente neutros baseados em subsídios

explícitos, tais como os fundos de universalização compostos pela contribuição de um

variado leque de prestadoras, que permitem a consecução de objetivos sociais sem

restringir a entrada no mercado. Assim, a população pode se beneficiar das vantagens de

um mercado competitivo sem perder os benefícios sociais dos subsídios.

Embora a operacionalização dos objetivos de universalização seja

considerada uma das justificativas para manutenção de rígidos regimes de

licenciamento, a União Européia recentemente adotou modelo que contraria esse

argumento. O sistema de autorização geral em vigor nos seus Estados-Membros,

embora preveja o cumprimento de obrigações de universalização, em regra não

demanda a criação de complexos instrumentos de controle sobre as prestadoras.

Limitação da duplicação ineficiente de infra-estrutura

Segundo Toscano (2005a), muitos órgãos reguladores submetem a

construção e operação de infra-estruturas a vigoroso escrutínio com o objetivo de evitar

duplicação ineficiente de redes e perdas de grandes investimentos. Assim, caso uma

companhia deseje construir uma nova rede para ofertar serviços de telecomunicações,

deverá obter licença junto ao regulador para construí-la, operá-la e prover o serviço.

Porém, com o desenvolvimento das tecnologias e dos mercados,

especialistas em regulação têm questionado essa metodologia. Fortaleceu-se, assim, a

tese de que as eficiências dinâmicas associadas com um mercado aberto e competitivo

mais do que compensa a eficiência estática proporcionada por políticas restritivas de

licenciamento, conforme defende Mattos (2001).

Controle sobre o uso de recursos escassos

A mais trivial das finalidades do licenciamento consiste na alocação

eficiente de recursos escassos, tais como espectro de radiofreqüências, numeração e

direitos de passagem. Porém, cabe a ressalva de que o licenciamento não é única forma

de alocar recursos finitos, haja vista que, em certas situações, o uso de espectro não

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 35

licenciado pode se constituir em alternativa viável para o regulador. Essa opção tornou-

se mais factível após o desenvolvimento de tecnologias sem fio de faixa larga que

permitem o emprego compartilhado de freqüências sem necessidade de recorrer a

mecanismos de licenciamento que garantam direitos exclusivos sobre determinadas

bandas de freqüência. Esse assunto será abordado em capítulo posterior deste trabalho.

Instrumento de arrecadação

As licenças compõem importante fonte de captação de recursos para

os governos, sobretudo quando são vinculadas à concessão de exclusividade para

prestação de serviços. No entanto, é oportuno assinalar que a arrecadação de recursos

nem sempre é uma finalidade essencial do regime de licenciamento. Flanagan (2005)

assinala que, enquanto no Reino Unido foram arrecadados cerca de 22 bilhões de libras

no leilão de freqüências da 3G, na Finlândia não houve ingresso de recursos ao Tesouro

local para a consignação das mesmas freqüências. Levando em consideração a natureza

pública do espectro, o regulador finlandês argumentou que os valores advindos de um

eventual leilão seriam, em última instância, repassados para o consumidor final dos

serviços. Por esse motivo, optou por um processo de seleção objetivo, mas que não

envolvesse o pagamento de taxas de entrada.

Estabelecimento dos prazos de duração do direito de prestação do

serviço ou de uso de radiofreqüências

O período de duração de uma licença influi decisivamente no nível de

interesse de investidores, mormente quando o empreendimento demanda custos de

capital recuperáveis a longo termo, como é o caso da 3G. Por esse motivo, em muitas

situações, o prazo de validade da autorização é fixado no próprio instrumento de

licenciamento, bem como as condições de sua renovação. Porém, há também casos em

que esses parâmetros são estabelecidos em lei ou qualquer outro tipo de instrumento

regulamentar.

No caso brasileiro, há a particularidade de que os serviços prestados

em regime privado são outorgados com prazo indeterminado, embora o Poder Público

detenha o direito de rever os termos e condições da autorização com o objetivo de

refletir o desenvolvimento das tecnologias e de mercado, bem como das políticas

governamentais. Entretanto, para o caso de outorgas que demandem espectro, o art. 167

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 36

da LGT determina que a autorização de uso de radiofreqüências tem prazo de vigência

máximo vinte anos, prorrogável uma única vez por igual período.

Cumpre destacar a importância da existência de dispositivos nas

licenças ou nos regulamentos que estabeleçam com precisão os critérios para renovação

das outorgas, de modo a evitar ações excessivamente discricionárias por parte do

regulador. Hatfield et Lie (2004b) salientam que o Código Francês de

Telecomunicações e Correios determina as hipóteses de não renovação da licença, que

se restringem à necessidade de preservação da ordem pública e do uso adequado do

espectro, demonstração de incapacidade técnica ou financeira insanável da operadora e

incorrência em algum dos ilícitos considerados graves que são enumerados no próprio

Código.

Regulação da estrutura de mercado

Em países que optaram pela atração de grandes capitais no processo

de desestatização das operadoras de telecomunicações, foi necessário oferecer aos

potenciais investidores condições de licenciamento que lhes garantissem o retorno da

aplicação de seus recursos, em contrapartida à assunção de compromissos de expansão

da cobertura do serviço prestado e de modernização da infra-estrutura.

Esse objetivo foi alcançado, via de regra, moldando-se a estrutura de

mercado de modo a assegurar à incumbente o monopólio na prestação de serviços por

prazos determinados, apesar dos reflexos negativos sobre a eficiência econômica que

são intrínsecos aos arranjos monopolistas, conforme largamente explorado na literatura

econômica (Mankiw, 1999).

Mais recentemente, o regime de licenciamento também tem sido

usado para regular a estrutura de mercado, porém com o propósito inverso de

desenvolver um ambiente de competição. Nesse sentido, ele pode dispor sobre direitos

de interconexão para operadoras entrantes e compartilhamento de infra-estrutura das

incumbentes a preços razoáveis, baseados em custos e ofertados de forma não

discriminatória.

Instituição de instrumentos de proteção ao consumidor e ao cidadão

De acordo com Hatfield et Lie (2004a), as licenças podem ser

utilizadas para consolidar mecanismos de proteção ao consumidor, mediante

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 37

determinação de padrões de qualidade, limites de radiação eletromagnética e serviços de

oferta obrigatória, tais como os de emergência e de acesso ao código de assinantes.

No entanto, em muitos países, essas obrigações são estabelecidas em

lei e detalhadas em regulamentação, e, portanto, apartadas das licenças. À medida que

os instrumentos regulamentares crescem em importância, reduz-se o poder das licenças.

O exemplo dos serviços de informação nos Estados Unidos dá uma noção dessa

tendência: embora os provedores de Internet sejam considerados “desregulados”,

estando habilitados a operar sem necessidade de licenciamento, notificação ou registro,

a FCC determina que certos provedores de VoIP atendam os regulamentos aplicáveis a

chamadas para código de emergência.

Padronização de redes, serviços e equipamentos terminais

O licenciamento para uso de equipamentos foi originalmente

empregado para assegurar a interoperabilidade entre redes, assim como obrigar as

operadoras a manter suas redes tecnologicamente atualizadas. Entretanto, com o

acirramento da competição, o usuário passou a dispor da prerrogativa de migrar de

prestadora, de modo que o uso de redes ou equipamentos obsoletos tornam a companhia

mais vulnerável à concorrência. Esse cenário demandou mudança de postura dos

reguladores, que deixaram de focar seus controles no micro-gerenciamento das escolhas

das prestadoras mediante licenciamento de equipamentos.

2.3 Licenciamento no âmbito da Organização Mundial do

Comércio

Em relação à aplicabilidade de tratados internacionais de âmbito

global aos processos de licenciamento, as principais referências são o Reference Paper19

e o General Agreement on Trade in Services – GATS, bem como seu Anexo sobre

Telecomunicações.

De acordo com Buckingham et Willians (2005), o Reference Paper é

breve e abstrato, limitando-se a descrever um reduzido número de princípios gerais de

ampla interpretação. Cabe salientar que, embora a legislação brasileira seja

essencialmente aderente a esse instrumento, o País ainda não é signatário do acordo.

19 Acordo internacional assinado em fevereiro de 1997 em continuidade às negociações da RodadaUruguai do GATS/OMC que tinham por objetivo fixar princípios regulatórios e concorrenciais para osserviços de telecomunicações. Encontra-se disponível via WWW na URL:http://www.wto.org/english/tratop_e/serv_e/telecom_e/tel23_e.htm.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 38

O art. 4º do Reference Paper obriga seus signatários a tornar públicos

os critérios, termos e condições de licenciamento, bem como determina o

estabelecimento de prazos razoáveis para apreciação de requerimentos de outorgas.

Estatui ainda que os casos de negação de licença sejam devidamente motivados. Em

adição, o art. 6° delineia os critérios para uso de recursos escassos, determinando que

espectro, numeração e direitos de passagem sejam alocados de maneira objetiva,

tempestiva, transparente e não-discriminatória.

Embora não haja previsão de criação de um regime de licenciamento

de âmbito internacional, autores como Tang (2007) entendem que o Reference Paper

deva ser aperfeiçoado com o intuito de prever mecanismos de reconhecimento global de

licenças.

Por sua vez, o GATS e seu Anexo sobre Telecomunicações, no que

tange ao regime de licenciamento dos serviços de telecomunicações, determinam a

aplicação do princípio de tratamento da nação mais favorecida20. Além disso, a exemplo

do Reference Paper, estabelecem que os procedimentos e critérios de outorga devem ser

transparentes. Por fim, determinam que os requisitos para licenciamento não devem se

constituir em barreiras desnecessárias para o comércio.

Em resumo, os acordos mencionados, embora prevejam normas para o

licenciamento de serviços de telecomunicações, tratam do assunto de maneira

superficial, não estabelecendo compromissos rígidos para seus signatários.

2.4 Tendências do processo de licenciamento

O desenvolvimento tecnológico e a evolução dos mercados

promoveram sensíveis transformações nos processos de licenciamento. A seguir,

apontaremos as principais tendências internacionais em relação ao assunto.

2.4.1 – Neutralidade tecnológica

Com o fenômeno da convergência e o surgimento de tecnologias

como o VoIP, as fronteiras entre os serviços tradicionais de voz e dados se

entrelaçaram. Da mesma forma, o desenvolvimento de tecnologias sem fio fixas que

20 De acordo com o artigo XV do Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (General Agreement onTrade in Service – GATS), concluído em dezembro de 1997, na OMC, o princípio de nação maisfavorecida estabelece que cada Membro deve conceder “aos serviços e prestadores de serviços dequalquer outro Membro, tratamento não menos favorável do que aquele concedido a serviços eprestadores de serviços similares de qualquer outro país”.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 39

oferecem mobilidade restrita, como o WLL, reduziram as diferenças entre os serviços

de telefonia fixa e móvel. Com base nesses argumentos, muitos países migraram para

regimes de licenciamento neutros do ponto de vista tecnológico, como os Estados-

Membros da União Européia, Austrália, Bangladesh e Malásia. Essa abordagem

constitui-se em alternativa para mitigar as inconsistências dos modelos tradicionais

baseados em classificações por serviços específicos.

Conforme salientam Narayan et alii (2004), a migração para regimes

neutros também decorreu da percepção dos reguladores de que esse modelo provê

flexibilidade e previsibilidade regulatórias suficientes para suportar evoluções

tecnológicas e de mercado. Entre os benefícios proporcionados por esse regime,

Toscano (2005b) destaca o estímulo à provisão de novos serviços, à inovação e à

concorrência entre diferentes métodos de acesso – também conhecida por competição

baseada em facilidades –, apontada pela Comunidade Européia como a melhor forma de

induzir a redução de preços e o aumento da diversidade de serviços em médio e longo

prazo.

Cumpre ressaltar que a adoção de outorgas tecnologicamente neutras

usualmente está associada à assunção de sistemas de licenciamento convergentes,

assunto que será abordado nos próximos capítulos.

2.4.2 – Flexibilização dos direitos de uso de espectro

A rápida evolução das tecnologias sem fio tem permitido a gradual

adoção de regimes flexíveis no que concerne ao gerenciamento de espectro. Esse

assunto será explorado em capítulo específico deste trabalho.

2.4.3 – Relaxamento de obrigações e taxas de licenciamento

Embora seja possível desenvolver políticas públicas a partir dos

regimes de licenciamento, dado o extenso rol de alternativas à disposição dos

reguladores para controlar o comportamento dos agentes de mercado, a necessidade da

imposição de rigorosos requisitos de licenciamento tem sido questionada.

A fixação de obrigações em demasia pode acabar por surtir efeitos

inversos aos almejados originalmente pelo regulador. Em caso de significativas

mudanças tecnológicas, mercadológicas ou de políticas públicas, essas obrigações

podem se tornar obsoletas, causando problemas tanto para o regulador quanto para o

setor privado. A experiência brasileira com o Plano Geral de Metas de

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 40

Universalização21 – PGMU – de 2006 expressa essa dificuldade. Quando foi

originalmente planejado, o PGMU/06 previa a obrigatoriedade da instalação de Postos

de Serviços de Telecomunicações – PST – em localidades de baixa densidade

populacional. Porém, hoje há a percepção entre regulador e entes regulados de que essa

meta, nos limites em que foi imposta, não mais se ajusta com perfeição aos interesses

dos consumidores, embora tenha sido prevista com essa finalidade.

Além disso, quando o regulador tenta criar expectativas irreais das

rendas potencialmente auferíveis pelo detentor da licença, o resultado costuma se

refletir na dificuldade em atrair o interesse de potenciais entrantes. Isso ocorreu na

Europa entre 1999 e 2001, no processo de licenciamento da 3G. No primeiro leilão,

realizado no Reino Unido, foram fixadas altas taxas de licenciamento e metas

exageradamente ambiciosas de cobertura. O resultado final foi que algumas licenças ou

não foram distribuídas ou foram abandonadas. Na Alemanha, por sua vez, verificou-se

novo fracasso. Essa situação levou países como a França a conceder abatimentos nos

lances mínimos e reduzir as metas de cobertura22.

No que diz respeito à cobrança de taxas de licenciamento, a tendência

é de que a evolução em direção a regimes convergentes não encoraje o aumento de

tributos incidentes sobre as operadoras. Muitos formuladores de políticas têm

concretizado esse objetivo mediante a criação de licenças de classe ou categorias de

autorização automática que estão sujeitas a pequenas taxas de licenciamento, ou até

mesmo a isenção delas.

Dorward et Rogers (2004) argumentam que essa medida proporciona

benefícios sociais e econômicos, haja vista estimular a reaplicação do capital gerado

pelas operadoras em investimentos em infra-estrutura e inovações no próprio setor de

telecomunicações. Em oposição a essa tendência, no Brasil ocorre significativa fuga de

recursos para outros segmentos econômicos: segundo dados da Anatel23, dos 2,4 bilhões

arrecadados pelo Fistel – Fundo de Fiscalização das Telecomunicações – em 2006,

apenas cerca de 230 milhões foram destinados à Agência.

21 Aprovado pelo Decreto Presidencial n° 4.769, de 27 de junho de 2003.22 De acordo com Dorward et Rogers (2004), em 2000, a taxa inicial mínima paga por licença no ReinoUnido e na Alemanha foram, respectivamente, de 6,3 e 7,6 bilhões de euros, enquanto que, na França,esse valor foi de apenas 570 milhões de euros, em 2001.23 Dados disponíveis no sítio da Agência via WWW nas URL:http://www.anatel.gov.br/hotsites/relatorio_anual_2006/cap_09.htm ehttp://www.anatel.gov.br/hotsites/relatorio_anual_2006/cap_05.htm.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 41

Ademais, caso o governo opte pela utilização do instrumento da

licença como forma de implementar objetivos de universalização, a fixação de taxas

elevadas pode colocar em risco a habilidade dos operadores em atingi-los. Em adição, a

cobrança de baixos valores para as outorgas estimula a entrada no mercado e fomenta a

competição, tendendo a aumentar a oferta de serviços e reduzir os preços para o usuário

final.

A Diretiva Autorização da União Européia – Diretiva 2002/20/CE, de

7 de março de 2002 – reflete a tendência do que é considerada a prática mais adequada

para a questão. Ela prevê que os governos locais apliquem taxas reduzidas, calculadas

de modo a apenas permitir a recuperação dos custos administrativos relacionados à

manutenção das atividades do regulador. Porém, em certas circunstâncias, o emprego

dessa diretriz justifica a adoção de medidas compensatórias para empresas que pagaram,

no passado, taxas substanciais por suas licenças.

2.4.4 – Aderência a obrigações regulatórias

A adoção de sistemas de licenciamento convergentes não implica o

abandono a regras e condições de prestação de serviço. Pelo contrário, uma das

premissas dos modernos modelos regulatórios consiste em transferir parte dos

conteúdos das licenças para regulamentos e códigos.

Da mesma forma, os regimes convergentes não asseguram indistinção

absoluta entre os operadores. As Diretivas européias são claras no sentido de submeter

todos os prestadores de serviços de comunicação eletrônica ao mesmo instrumento de

autorização geral, porém os regulamentos também garantem tratamento diferenciado

para empresas que detenham poder de mercado significativo – PMS –, conforme será

abordado a seguir neste capítulo. Segundo Narayan et alii (2004), a Índia seguiu

orientação similar, ao determinar obrigações específicas para operadores com PMS.

2.4.5 – Simplificação de trâmites administrativos

De acordo com de La Torre et Rush (2006), a migração para regimes

de licenciamento neutros está associada à simplificação dos procedimentos de entrada

no mercado.

Conforme ilustrado na figura 2.1, o processo mais complexo é o

tradicional, em que cada solicitação de outorga é considerada individualmente, enquanto

que o mais simples é o de livre entrada, em que não há necessidade de licença para

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operar o serviço. Em posição intermediária, está o licenciamento em classes, que prevê

processo de aprovação único para um amplo conjunto de serviços, bem como a

aplicação de direitos e obrigações comuns a todos os operadores pertencentes à classe.

Por sua vez, a principal diferença entre registro e notificação é que,

enquanto a notificação automaticamente habilita o operador a prestar o serviço,

independentemente do assentimento do regulador, com o registro isso não acontece.

Quando o registro é requerido, para iniciar a operação, o proponente deve aguardar seu

reconhecimento pelo regulador de que foi aceito, visto que pode haver rejeição pelas

razões estabelecidas previamente na regulamentação. Além disso, nesse caso, o

licenciamento envolve procedimentos mais complexos, que demandam identificação

mais acurada sobre o provedor e os serviços que almeja prestar ou as redes que deseja

operar. No caso da notificação, a instituição a submete ao regulador previamente ao

início de sua operação. Juntamente com ela, devem ser apresentadas informações

básicas, como dados mínimos de identificação da companhia, a área de cobertura e as

facilidades que a empresa pretende prover ou explorar.

A distinção empregada no Japão entre notificação e registro evidencia,

na prática, a diferença de uso desses instrumentos. Em regra, proponentes à provisão de

serviços e redes de telecomunicações devem encaminhar notificação ao Ministro de

Assuntos Internos e Comunicações. Porém, se a instalação de facilidades exceder os

limites previstos nos padrões especificados pelo Ministério, a companhia deverá obter

registro junto à pasta.

Em geral, a decisão sobre o uso dos mecanismos de notificação ou

registro depende do grau de supervisão que o regulador deseja exercer sobre as

empresas e a entrada no mercado. Embora não seja tão oneroso quanto o regime de

licenças individuais, o processo de registro pode ser burocrático e moroso. Segundo

Flanagan (2005), anteriormente à vigência do atual quadro regulatório, o Reino Unido

possuía vinte e três tipos de licenças de classe, algumas das quais compostas por mais

de cem páginas de termos e condições a serem cumpridas pelo operador, não obstante as

cláusulas existentes fossem uniformes para todas as prestadoras.

Figura 2.1 – Simplificação dos requisitos administrativos de licenciamento

Licençaindividual

Licença declasse Registro Notificação Livre

entrada

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 43

Os países adotaram diferentes combinações dos métodos indicados na

figura 2.1 – inclusive soluções híbridas –, de acordo com o grau de controle considerado

necessário para cada serviço. Enquanto Malásia e Cingapura implantaram sistemas

baseados em classes, outras nações adotaram modelos baseados em licenças que

abrangem a totalidade ou um grande número de serviços. Com relação à livre entrada,

as situações também são diversas. No Brasil, os serviços de valor adicionado não são

considerados serviços de telecomunicações e, como tal, são prestados sem necessidade

de licenciamento perante as autoridades locais. Nos Estados Unidos, o acesso à Internet,

o VoIP e outros serviços baseados no protocolo IP são classificados como serviços de

informação, de modo que suas prestadoras não precisam de licenciamento para operar.

2.4.6 – Separação entre as regulações de telecomunicações e

conteúdo

Outra tendência verificada em diversos modelos de licenciamento

emergentes consiste na separação entre as regulações das atividades de programação e

de distribuição de audiovisual. Na União Européia, enquanto que estas são englobadas

no escopo dos serviços de comunicação eletrônica regulados pelas Diretivas do “Pacote

2002”, aquelas são tratadas pela Diretiva Televisão Sem Fronteiras – a Diretiva

89/552/EEC (Flanagan, 2005) –, alterada recentemente pela Comunidade.

2.4.7 – Regulação diferenciada para operadoras que detenham

PMS

Reconhecendo que a competição no setor de telecomunicações não

será alcançada e preservada ao longo do tempo somente com a remoção de barreiras à

entrada nos mercados, diversos países alteraram seus ordenamentos regulatórios de

modo a estabelecer regras específicas para operadores que detenham PMS.

A ênfase no controle sobre mercados relevantes revela que o poder

das grandes operadoras e o legado institucional ainda requerem ação estatal

intervencionista mínima que imponha obrigações assimétricas entre as prestadoras. Na

União Européia, as Diretivas locais demandam que os reguladores conduzam análises

em mercados suscetíveis à regulação ex-ante e proponham medidas caso concluam não

haver efetiva competição24.

24 Esse assunto voltará a ser discutido no capítulo 7.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 44

Porém, sob a perspectiva da análise da concorrência, uma

conseqüência da convergência consiste no aumento da dificuldade do Poder Público em

reconhecer a abrangência dos mercados relevantes. Isso porque a acelerada

aproximação entre os segmentos de audiovisual, informática e telecomunicações tende a

tornar os serviços substituíveis. Essa situação torna complexo e dinâmico o trabalho das

instituições públicas responsáveis pelo combate de práticas anticoncorrenciais.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 45

3 – MODELOS DE LICENCIAMENTO

Embora as práticas adotadas em cada país apresentem suas

especificidades, é possível identificar alguns tipos principais de regimes de

licenciamento. Cumpre salientar que, embora possuam características distintas entre si,

esses modelos não são mutuamente exclusivos. Sendo assim, há sistemas híbridos –

como é o caso do modelo brasileiro, que será analisado em capítulo posterior neste

trabalho – que combinam aspectos de dois ou mais dos regimes apresentados a seguir.

3.1 Licenciamento baseado em serviços ou tecnologias

A classificação baseada em tipo de serviço, facilidade ou tecnologia é

considerada a mais tradicional. O apogeu desse regime ocorreu na década de 1990,

quando o desenvolvimento de tecnologias como a Internet, em paralelo com a

introdução da competição no setor de telecomunicações, levou reguladores a licenciar

os serviços emergentes separadamente da telefonia fixa.

De acordo com Hatfield et Lie (2004b), à época, os governos

passaram a observar que certas obrigações deveriam ser aplicáveis a alguns serviços e

não a outros, mesmo que providos a partir de uma mesma infra-estrutura.

Exemplificando, verificou-se a necessidade de fixar requisitos de interconexão para os

provedores de telefonia fixa, mas não para serviços de dados. Essa situação demandou a

classificação diferenciada desses serviços. A disseminação desse recurso fez com que,

com o passar dos anos, para cada nova modalidade de serviço surgida fosse criada uma

categoria adicional de licença, gerando uma miscelânea de licenças baseadas em

tecnologias específicas.

Com o avanço das tecnologias móveis, esse movimento de

diversificação levou muitos países inclusive a expedir outorgas específicas baseadas em

sistemas como AMPS, GSM, CDMA ou DECT25. Essa, porém, não foi uma prática

unânime entre os países. Nos Estados Unidos, o Personal Communications Service –

PCS –, criado para estimular a expansão da telefonia móvel, abrangeu uma ampla

quantidade de serviços de comunicação móveis, portáveis e ancilares que podem se

conectar a uma grande variedade de redes.

25 Acrônimos de Advanced Mobile Phone System, Global System for Mobile Communications, CodeDivision Multiple Access e Digital Enhanced Cordless Telecommunications, respectivamente.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 46

Segundo Toscano (2005a), embora o regime tradicional confira ao

regulador a prerrogativa de influenciar diversas condições de mercado, ele é de difícil

gerenciamento em ambientes de inovação tecnológica, expansão acelerada de redes,

competição acirrada e crescente convergência, visto que torna difícil e conflituosa a

acomodação de novos serviços. Essa é a realidade que se observa hoje em vários países

em relação à tecnologia VoIP.

Apesar da dificuldade em compatibilizar as características do regime

baseado em serviços e tecnologias específicas aos desafios proporcionados pela

convergência, muitos países ainda o preservam. Ele é normalmente aplicado quando o

mercado não está suficientemente competitivo ou quando ainda não há ambiente

regulatório suficientemente consolidado e estável.

Assim, Intven et alii (2007) assinalam que licenças individuais

continuam a ter grande importância em economias emergentes, onde a percepção de

risco pelos investidores é alta. Nessa situação, mesmo que o regulador considere que o

emprego de um regime de licenciamento mais flexível pode ser mais eficiente do ponto

de vista econômico, a manutenção do modelo tradicional por muitas vezes se faz

mandatória. Esse comportamento é previsto na teoria econômica por autores como Levy

et Spiller (1995), que argumentam que a conquista da credibilidade dos investidores

pelos governos pode requerer o comprometimento da eficiência econômica do sistema

regulatório.

Por esse motivo, nessas circunstâncias, são utilizadas licenças

individuais que especificam com exatidão os direitos e deveres da operadora e do Poder

Público. Além disso, o processo de seleção da operadora habilitada a prestar o serviço

objeto da licença demanda a execução de procedimentos administrativos relativamente

complexos, como a demonstração de capacidade financeira e técnica para prover o

serviço ou construir a rede, o que exige do regulador acompanhamento mais próximo

junto aos entes regulados.

Esse fenômeno foi observado no Brasil na década passada, quando

ocorreu o processo de desestatização das operadoras de telefonia fixa praticamente em

paralelo com a criação do novo arcabouço regulatório para o setor, estabelecido pela

LGT. Consoante Hatfield et Lie (2004b), em 2003, a situação se repetiu no Paquistão

com o fim do monopólio estatal na provisão de telefonia básica e a instituição de

sistema de classificação por serviços específicos.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 47

Convém ressaltar que, embora seja inegável a tendência pela adoção

de regimes de licenciamento convergentes, muitos países ainda vêem no modelo

tradicional uma ferramenta indispensável para induzir a expansão do acesso das

tecnologias da informação e comunicação pela população, mediante a aplicação de

regras diferenciadas entre os operadores. Contudo, a experiência da União Européia

demonstra que esse objetivo pode ser alcançado mesmo sem a preservação do sistema

tradicional de licenciamento.

A tendência geral parece ser a de que, com o amadurecimento dos

mercados nos países emergentes, o modelo baseado em licenças específicas seja

gradualmente substituído por outorgas convergentes. Essas outorgas, contudo,

estabeleceriam condições especiais para serviços que: a) exijam investimentos de larga

escala; b) demandem o uso de recursos escassos, ou c) forem necessários para o

atendimento de interesses de segurança nacional. Nos dois últimos casos, mesmo em

países desenvolvidos, as licenças individuais continuam a ser largamente empregadas,

conforme salientam Hatfield et Lie (2004b).

3.2 Licenciamento baseado em classificações genéricas (classes)

As licenças baseadas em classes distinguem-se pelo agrupamento de

serviços distintos de acordo com um conjunto de características comuns. A cada grupo

são aplicadas condições regulatórias semelhantes. O regulador publica os critérios de

elegibilidade e condições gerais aplicáveis ao grupo, e aqueles que se encaixarem nesses

requisitos estão automaticamente autorizados a realizar a atividade, sem margem para

discricionariedade por parte do Poder Público, de modo que não há submissão a

escrutínio individual (Hatfield et Lie, 2004b). Cabe ressaltar que, na prática, a maioria

dos países que emprega esse regime também faz uso de licenças individuais, para casos

específicos.

À medida que os mercados se tornam mais maduros, as licenças de

classe incrementam sua importância. Diminuem-se, assim, a exigência de cumprimentos

administrativos pelas operadoras e a intervenção do regulador nos mercados,

priorizando-se os instrumentos de regulação ex-post e a auto-regulação. Nesse regime,

as formalidades exigidas variam de acordo com o país, mas, na maioria deles, é prevista

a necessidade de registro ou notificação perante o regulador.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 48

A forma mais corriqueira de determinação de classe se faz mediante a

distinção entre operadores baseados em infra-estrutura (facilidades) e operadores que

façam uso dela para provimento de serviços, de modo a estabelecer-se uma separação

por camadas. Esse tipo de arcabouço foi adotado na Malásia, em Cingapura e na

Austrália. No intuito de evitar a duplicação ineficiente de infra-estrutura, o regulador

exerce maior supervisão sobre os operadores de rede, exigindo licenças individuais

nessa hipótese. Por sua vez, os provedores de serviços são submetidos, em regra, a

licenciamento de classe.

Porém, essa regra não é unânime; enquanto na Austrália somente

alguns operadores baseados em infra-estrutura demandam licenciamento individual, em

Cingapura, há serviços não baseados em facilidades que também são sujeitos a

licenciamento individual26.

Outro exemplo de formação de classe pode ocorrer quando um mesmo

serviço é passível de prestação mediante diferentes tipos de licenças, em razão do

emprego de tecnologias distintas, como acontece com o serviço de TV por assinatura no

Brasil. Nesse caso, em tese, todas as outorgas podem ser aglutinadas em apenas uma

classe.

A seguir, abordaremos alguns casos de licenciamento baseados em

classes.

Malásia

Em 1999, o Malaysia’s Communications and Multimedia Act – CMA

– foi aprovado com o objetivo de acomodar o fenômeno da convergência aos processos

de licenciamento de redes e serviços de comunicações na Malásia (Intven et alii, 2007).

O regime adotado introduziu um sistema neutro dos pontos de vista de serviço e de

tecnologias, em substituição à classificação anterior, baseada em serviços específicos. O

resultado da nova regulação foi que, ao final da migração, em 2002, um total de

cinqüenta e seis categorias de serviços e vinte e quatro de facilidades licenciadas foi

reorganizado em apenas quatro categorias genéricas:

26 TELECOM REGULATORY AUTHORITY OF INDIA – TRAI. Consultation Paper on UnifiedLicensing for Basic and Cellular Services, Consultation Paper n° 3/2003. Nova Delhi: TRAI, 2003. [online] Disponível na Internet via WWW. URL:http://www.trai.gov.in/trai/upload/ConsultationPapers/36/final%20consutation1-16th%20july.pdf(Consultado em 15.03.2007).

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 49

• provedores de facilidades de rede (Network Facilities Providers –

NFP), que incluem proprietários de cabos de fibra ótica, estações terrestres de satélite,

linhas de comunicação, equipamentos de radiocomunicação e transmissão, estações

base de comunicação móvel e equipamentos e torres de radiodifusão;

• provedores de serviços de rede (Network Service Providers – NSP),

abrangendo companhias que ofertam conectividade básica e banda para suportar grande

variedade de aplicações e conectar redes distintas. Inclui ainda serviço celular,

distribuição de radiodifusão e serviços móveis por satélites;

• provedores de serviços de aplicação (Application Service Providers

– ASP), que englobam funções particulares tais como serviços de voz, dados, comércio

eletrônico, acesso à Internet, telefonia IP e outros serviços de comunicação; e

• provedores de serviços de conteúdo (Content Service Providers –

CSP), que se constituem em subconjunto do grupo anterior, incluindo serviços

tradicionais de radiodifusão e outros tais como serviços de conteúdo de Internet,

serviços de informação e de notícias em tempo real.

Em cada uma dessas categorias, há subdivisão em serviços

individuais, de classe e isentos de licenciamento. As licenças individuais são aplicadas

quando um grau elevado de controle regulatório é considerado necessário, como no caso

do provimento de facilidades de rede que demandam recursos escassos. Outras razões

para impor supervisão mais rígida são o interesse em evitar a duplicação ineficiente de

redes, a proteção de investimentos de grande monta e motivos de segurança nacional.

As licenças individuais são válidas por cinco a dez anos, sendo expedidas após

aprovação ministerial. Por sua vez, as licenças de classe são sujeitas a condições

regulatórias mais brandas do que as individuais, exigem registro junto às autoridades

locais, e o prazo de vigência é de apenas um ano.

A filosofia do modelo malaio se baseia na separação de redes e de

serviços. Teoricamente, uma companhia de TV a cabo poderia ser provedora de

telefonia de voz sobre sua própria rede, e uma operadora de telefonia poderia prover

serviços de conteúdo sem necessidade de nova outorga. No entanto, conforme salientam

de La Torre et Maddens (2004), há instrumentos legais adicionais que restringem essa

flexibilidade.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 50

Outro ponto que merece destaque é que, apesar de a idéia de

separação entre infra-estrutura e serviços ser relativamente inovadora, para o caso de

empresas verticalmente integradas, no regime anterior só havia necessidade de uma

licença para operar, enquanto que, no novo regime, poderão ser necessárias até quatro.

Porém, um provedor de Mobile Virtual Network Operator – MVNO27 – precisará

apenas de uma licença ASP, empregando redes e serviços de operadores que detenham

licenças NSP e NFP.

Austrália

De acordo com Hatfield et Lie (2004b), na Austrália, a classificação

de licenças é baseada na propriedade da infra-estrutura. O Telecommunications Act de

1997 estabeleceu, como entidades reguladas, as transportadoras (“carriers”) e as

provedoras de serviços. As transportadoras são proprietárias de infra-estruturas

específicas e unidades de redes, e são submetidas a licenças individuais expedidas pela

Australian Communications Authority – ACA –, desde que haja oferta de serviços de

telecomunicações para o público. Elas são submetidas a obrigações de universalização e

pagamento de taxas anuais de licenciamento, entre outras. Quando não há oferta de

serviços ao público, não há necessidade de licença de transporte.

Por sua vez, as provedoras de serviço não são sujeitas a licenciamento

individual, embora devam obedecer a regras estabelecidas no Telecommunications Act.

Elas se subdividem em provedoras de serviços de transporte e provedoras de serviço de

conteúdo. Ambas as categorias utilizam a infra-estrutura de rede de uma transportadora,

mas as primeiras ofertam serviços de telecomunicações, e as últimas, conteúdo,

incluindo TV paga.

Cingapura

Em Cingapura, a regulação diferencia operadores de acordo com a

natureza de sua operação. Nesse sentido, há duas classes de licenciados: operadores

baseados em facilidades (Facilities Based Operators – FBO) e em serviços (Service

Based Operators – SBO). Segundo Toscano (2005a), as operações baseadas em

facilidades se referem à preparação de redes, sistemas e facilidades para oferta de

serviços de telecomunicações a terceiros, que podem ser outros operadores licenciados,

clientes específicos ou o público em geral.

27 Consiste na prestação do serviço móvel pessoal mediante uso da rede de terceiros.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 51

Caso deseje alugar elementos de rede de um FBO – como a

capacidade de transmissão – para prover serviços próprios de telecomunicações ou

revendê-los a terceiros, a empresa deve obter uma licença SBO. Os FBO são sempre

submetidos a licenciamento individual, enquanto que os SBO, em certos casos, podem

estar sujeitos a licença de classe. Em geral, operadores que instalam e operam qualquer

tipo de infra-estrutura de rede são obrigados a requerer licenças FBO. Porém, serviços

sem fio são licenciados em separado, devido a políticas de gerenciamento de espectro.

Licenças SBO individuais são requeridas para serviços tais como revenda de circuitos

dedicados e acesso à Internet, entre outros. Licenças de classe SBO abrangem revenda

simples de telefonia pública, serviços de call-back internacional e serviços de voz e

dados baseados em Internet, por exemplo. Esses licenciados podem oferecer serviços

sem a necessidade de autorização específica, embora estejam sujeitos ao cumprimento

de regulamentos e padrões.

ECTEL

Conforme assinala Toscano (2005a), o regime de licenciamento

adotado pela Autoridade Leste-Caribenha de Telecomunicações – Eastern Caribbean

Telecommunications Authority – ECTEL – determina que a outorga seja expedida em

função do serviço provido, e não da tecnologia empregada. Exemplificando, não há

licença específica para VSAT, pois a outorga a ser emitida dependerá se a prestadora

operará uma rede pública ou privada, e não da tecnologia usada.

A classificação adotada emprega quatro categorias de licenças:

individuais, de classe, ancilares e especiais. As licenças individuais são geralmente

orientadas a infra-estrutura, sendo utilizadas para oferecer serviços celulares, serviços

que requeiram espectro, serviços de telefonia fixa, serviços de cabo submarino, serviços

públicos de pager, operações de rede de Internet, serviços de radiodifusão de sons e

imagens, serviços de rádio comunitária e serviços de televisão por assinatura sem fio.

Por sua vez, licenças de classe são utilizadas para serviços de acesso à

Internet, serviços de valor adicionado, redes e serviços privados, revenda internacional

de voz, serviços móveis terrestres, serviços móveis marítimos, serviços móveis

aeronáuticos, serviços de radioamador e de rádio cidadão. A licença de uso de

radiofreqüências é considerada ancilar, sendo obtida em conjunto com uma individual

ou de classe. Por último, as licenças especiais são reservadas para casos excepcionais.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 52

3.3 Classificação única ou autorização geral

Um número crescente de países evoluiu ainda mais em direção à

simplificação do processo de licenciamento com o objetivo de acomodá-lo à

convergência tecnológica. Reconhecendo que até mesmo sistemas de licenciamento em

classe podem impedir o uso eficiente da tecnologia e a provisão de novos serviços, essas

nações adotaram modelos de outorga baseados em classificação única. A Comunidade

Européia, ao criar o regime de autorização geral aplicável a todos os serviços e redes de

comunicação eletrônica, deu um passo significativo nessa direção. No mesmo intento, a

Índia está gradualmente movendo seu ordenamento regulatório de um regime de

licenciamento individual, calcado em serviços específicos, para um sistema unificado.

De acordo com Intven et alii (2007), as principais vantagens das

autorizações gerais consistem na eliminação de tratamentos individuais diferenciados

entre provedores de serviços, na consistência com princípios de neutralidade

tecnológica e com políticas de abertura de mercados, na simplificação do processo de

licenciamento, na redução de custos administrativos e de regulação e no aumento da

transparência. Além disso, o regime permite a incorporação de aperfeiçoamentos à

regulação em resposta a mudanças tecnológicas e de mercado sem necessidade da

assinatura de aditivos a termos contratuais individuais.

Embora um dos pilares do licenciamento único seja a neutralidade, em

virtude da existência de recursos escassos, sobretudo o espectro de radiofreqüências, os

reguladores não dispõem de capacidade ilimitada para liberar a entrada de novas

operadoras no mercado. A União Européia enfrenta esse problema conferindo

tratamento específico para a alocação de freqüências, de modo que os serviços que

façam uso de espectro são submetidos a licenciamento em duas etapas: na primeira,

aplicam-se as regras já estabelecidas pertinentes a espectro, enquanto que, na segunda, a

prestadora se submete às normas dos demais serviços não baseados em recursos

escassos. Assim, preserva-se praticamente intacto o caráter de neutralidade do regime

de autorização geral adotado (Hatfield et Lie, 2004b).

Na Argentina, o Decreto 465/2000 instituiu regime unificado de

licenciamento de serviços de telecomunicações que habilita a prestação de toda espécie

de serviço, seja ele fixo ou móvel, prestado em meio confinado ou não, de abrangência

nacional ou internacional e com ou sem emprego de infra-estrutura própria. No entanto,

se o serviço demandar o uso de radiofreqüências, o operador deverá obter a

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 53

correspondente outorga junto a Autoridad de Aplicación. Para operar, a proponente

precisa informar o regulador sobre o tipo de serviço a ser provido, a área de prestação e

a classe de usuários alvo da prestação.

No Peru, também encontra-se em operação sistema de licenciamento

unificado que permite a provisão de qualquer serviço de telecomunicações. O modelo

foi construído com base na Lei nº 28.737, de 18 de maio de 2006 – conhecida como Lei

de Concessão Única. De acordo com os artigos 47 e 63 dessa Lei, a concessão única

outorga o direito de prestação de todos os serviços públicos de telecomunicações,

incluindo telefonia fixa e móvel e televisão a cabo. Os detentores de contratos firmados

anteriormente à sua promulgação podem optar pela adaptação dos respectivos

instrumentos de outorga aos termos da concessão única. Por sua vez, a prestação de

serviços de valor adicionado requer simples registro perante o Ministério de Transportes

e Comunicações.

3.3.1 O regime de autorização geral da União Européia

Até o final da década de 1980, o marco legal europeu era focado no

processo de transição do regime monopolista para o concorrencial. Com o fenômeno da

convergência, a União Européia adaptou seu arcabouço regulatório para responder às

demandas de um mercado cada vez mais dinâmico e imprevisível, caracterizado pela

diversidade de operadores. O novo marco foi construído com os objetivos de

harmonizar a legislação na Comunidade Européia, estabelecer ambiente flexível e

desregulamentar a prestação dos serviços.

Dentre os principais aperfeiçoamentos introduzidos pelo novo

ordenamento jurídico, está a instituição do regime de autorização geral, estabelecido

pela Diretiva 2002/20/CE, de 7 de março de 2002 – a Diretiva Autorização. Conforme

já abordado, ela encontra-se inserida no esforço de reforma do setor de

telecomunicações empreendido na União Européia a partir de 1999, e que culminou, em

2002, com a aprovação do novo marco regulamentar para as comunicações eletrônicas –

o chamado “Pacote Regulatório”, ou “Pacote 2002”. Esse pacote, que entrou em vigor

em 25 de julho de 2003, foi consolidado na Diretiva 2002/21/CE – a Diretiva Quadro –

e nas quatro Diretivas a ela vinculadas – as Diretivas Autorização, Acesso, Serviço

Universal e Privacidade nas Comunicações Eletrônicas (Medeiros, 2004). A Diretiva

Quadro contém princípios gerais e orientações aplicáveis às políticas de regulação de

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 54

serviços e redes de comunicação eletrônica, e consiste na coluna cervical do novo

ambiente.

Por sua vez, a Diretiva Autorização contém regras específicas

aplicáveis à autorização para prestação de serviços e operação de redes de

telecomunicações nos países membros. Ela introduziu regime de autorização geral, em

superação aos modelos de outorga baseados em licenças individuais ou de classe. Além

disso, tem o propósito de reduzir os custos administrativos para os operadores, evoluir

em direção à integração de serviços e redes na região, melhorar o funcionamento do

mercado interno à Comunidade e garantir os direitos básicos do usuário.

O conjunto de Diretivas enfatizou ainda a adoção de normas com foco

na neutralidade tecnológica e na progressiva acomodação à convergência de redes e

serviços de comunicações, ao estabelecer um regime de outorga que prevê tratamento

isonômico para serviços similares, independentemente da plataforma.

Também avançou sensivelmente em direção à simplificação das regras

e condições de autorização, garantindo a sujeição da oferta de redes e serviços a

restrições mínimas, notadamente em relação à manutenção da ordem, segurança e saúde

públicas. O objetivo da medida é estimular novos serviços e redes, bem como permitir

que os operadores e usuários se beneficiem dos ganhos de escala proporcionados pela

expansão dos mercados.

Para tanto, aboliu a necessidade da emissão de ato administrativo

habilitante – ou seja, de uma licença – pela autoridade reguladora nacional para a

operação de redes e serviços de comunicações. De acordo com a Diretiva Autorização,

para iniciar suas atividades, basta que a prestadora de serviços de telecomunicações –

ou, mais apropriadamente, de serviços de comunicação eletrônica – encaminhe

notificação ao regulador, não sendo necessária decisão ou ato prévio da autoridade.

Nessa notificação, o operador deve detalhar as principais características da rede ou do

serviço que será prestado. As exceções envolvem os serviços que demandem atribuição

de recursos escassos, em especial espectro e numeração. Ao serem notificados, os

reguladores devem emitir uma autorização geral, com o intento de facilitar a negociação

da interligação de redes.

As condições gerais para execução do serviço são fixadas previamente

em regulamentos, e não nos instrumentos de outorga. Baseado em critérios de

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 55

razoabilidade e proporcionalidade, o regulador pode promover alterações nas normas

vigentes, desde que notifique os interessados com a devida antecedência, os quais terão

o direito de manifestar sobre elas.

Os aspectos mais relevantes relacionados à Diretiva Autorização são

examinados a seguir.

Conceito jurídico de autorização geral

A definição de autorização geral foi estabelecida pela alínea ´a´ do

parágrafo 2 do art. 2° da Diretiva, e dispõe que:

Diretiva 2002/20/CE, de 7 de março de 2002, da União Européia

“Autorização geral significa o quadro regulamentar estabelecido pelosEstados-Membros que garante os direitos relacionados com a oferta deserviços ou redes de comunicações eletrônicas, e que fixa obrigaçõessetoriais específicas que podem ser aplicadas a todos os gêneros ou agêneros específicos de serviços e redes de comunicações eletrônicas,em conformidade com a presente diretiva”.

Embora a designação oficial remeta à expressão “autorização geral”, é

comum vê-la referenciada na literatura e na mídia como “licença única”, termo

considerado duplamente errôneo por Couto (2007). Primeiramente, porque o regime não

é propriamente de licença, visto que não há submissão prévia da requisição de prestação

do serviço ao regulador, o que se constitui na característica mais inovadora instituída

pela Diretiva. Em segundo lugar, porque a autorização não pode ser considerada única.

A título de ilustração, caso um operador deseje prestar os serviços de telefonia fixa local

e de IPTV28, ele deve notificar o regulador em separado sobre cada um deles. A

autoridade, por sua vez, também deverá expedir autorizações distintas, cada qual com a

descrição dos direitos e obrigações relacionados aos serviços em questão.

Condições de prestação dos serviços

No que diz respeito às condições gerais de prestação dos serviços, o

regime tem escopo minimalista. Segundo de La Torre et alii (2007), sob a perspectiva

dos direitos derivados da autorização geral, são concedidas prerrogativas mínimas à

operadora, entre elas a de prover serviços e redes de comunicação eletrônica, a de

negociar interconexão com outros provedores europeus, a de exercer direitos de

passagem e a de receber recursos destinados aos provedores de serviço universal, para o

caso de operadores de redes e serviços públicos.

28 Acrônimo de Internet Protocol Television.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 56

As condições a que podem estar submetidas as operadoras aderentes

ao regime são classificadas em três categorias. Na primeira, incluem-se as oriundas de

instrumentos legais aplicáveis a todos os segmentos econômicos. Na segunda, estão as

condições específicas sobre serviços e redes de telecomunicações que demandam

recursos de espectro e de numeração. Na terceira categoria, estão englobadas as

condições que podem ser impostas a todas as operadoras aderentes ao regime de

autorização geral.

Estas últimas são listadas de forma exaustiva na Parte A do Anexo à

Diretiva Autorização, e restringem-se às seguintes: contribuição para o financiamento

de serviços universais; pagamento de taxas administrativas; interoperabilidade de

serviços e interconexão de redes; obediência aos planos nacionais de numeração;

adaptação às regulamentações de planejamento urbano; oferta de co-locação e

compartilhamento de infra-estruturas; obrigações de transporte (“must-carry”) em

conformidade com a Diretiva de Acesso Universal – Diretiva 2002/22/CE –; proteção

de dados pessoais e privacidade; regras de proteção ao consumidor específicas para

comunicação eletrônica; restrições à transmissão de conteúdos nocivos e ilegais; dever

de informar a prestação do serviço ou operação da rede por meio de procedimento de

notificação; permissão de escuta autorizada se solicitado por autoridades competentes;

compromisso de uso para serviços de emergência em casos de desastres de grandes

proporções; limitação à geração de campos eletromagnéticos, compatível com a

legislação da Comunidade; obrigações de acesso; manutenção da integridade de redes

públicas; segurança de redes públicas contra acessos não autorizados; condições de uso

de radiofreqüências, não necessariamente com a garantia de direito exclusivo de uso, e

medidas impostas para assegurar o cumprimento dos padrões da Diretiva Quadro.

A imposição de condições suplementares só se justifica em caso de

segurança nacional ou quando demandar o uso de radiofreqüências ou numeração. Essa

característica permite que mercados emergentes, como o de VoIP, não se sujeite a

obrigações inapropriadas.

É importante ressaltar que, consoante o disposto no parágrafo 1 do art.

6° da Diretiva Autorização, uma ou mais das condições previstas na Parte A do Anexo

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 57

poderão ser aplicáveis ao serviço ou rede em causa. Portanto, sobre cada serviço ou rede

recaem obrigações distintas29.

No que tange às sanções imputáveis às operadoras, a Diretiva

determina que elas sejam proporcionais à infração cometida, de modo que a suspensão

ou revogação do direito sobre a autorização só possa ser aplicada em casos

excepcionais, e como última alternativa.

O regime instituído também pretende evitar a cobrança de elevadas

taxas recorrentes incidentes sobre a operação de redes e prestação de serviços de

comunicações. Essa prática, que era usual em muitas nações, desencorajava a entrada de

novas empresas no mercado. Assim, a Diretiva dispõe que as taxas devem ser utilizadas

exclusivamente para cobrir os custos administrativos de manutenção das atividades dos

reguladores. Determina ainda que o gerenciamento das taxas cobradas seja transparente,

de maneira que os recursos arrecadados e as despesas administrativas realizadas sejam

publicados anualmente.

As taxas administrativas podem ser fixas ou cobradas com base no

faturamento da companhia, enquanto que as vinculadas ao uso de espectro podem ser

pagas em uma ou mais parcelas, devendo financiar as atividades do regulador que não

possam ser cobertas pelas taxas administrativas. A Diretiva estabelece que as taxas

sejam cobradas de maneira a assegurar o uso eficiente de radiofreqüências, números e

direitos de passagem, devendo ser devidamente justificadas, não discriminatórias e

proporcionais.

Direitos de uso de espectro

Conforme já mencionado, os serviços de comunicação eletrônica que

demandarem uso de radiofreqüências são submetidos a regramentos especiais. Não

obstante, a Parte B do Anexo da Diretiva Autorização determina as condições que

podem ser associadas aos direitos de utilização de espectro, as quais abrangem duração,

pagamento de taxas de utilização e conformidade com padrões técnicos para evitar

interferência, entre outras.

As Diretivas dispõem ainda que os reguladores somente poderão

limitar o número de provedores em virtude da escassez de recursos, sobretudo espectro.

29 A implementação prática desse dispositivo será abordada posteriormente neste capítulo, no casoespecífico da regulamentação britânica.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 58

Nesse aspecto, o regime de autorização geral aproxima o modelo europeu do praticado

nos Estados Unidos e no Canadá, onde praticamente não há requisitos para o

provimento de serviços de telecomunicações, consoante salientam Intven et alii (2007).

De acordo com Medeiros (2004), o novo arcabouço europeu também

inovou significativamente ao prever a possibilidade de transferência de direitos de uso

de radiofreqüência. De acordo com o previsto no art. 9 da Diretiva Quadro, “Os

Estados-Membros poderão prever a possibilidade de as empresas transferirem os

direitos de utilização de radiofrequências para outras empresas”.

O relatório independente “Study on conditions and options in

introducing secondary trading of radio spectrum in the European Community”,

encomendado pela Comissão Européia junto a Analysis Consulting, DotEcon e

Hogan&Harston, estimou benefícios financeiros da ordem de nove bilhões de euros

com a liberação do mercado de espectro na região. O estudo, publicado em 2004, além

de recomendar aos países membros a adoção da medida, propôs as condições para

introduzi-la.

Regulação diferenciada para operadoras que detenham PMS

No novo marco institucional, a ênfase da supervisão regulatória na

infra-estrutura foi substituída pelo foco na regulação de mercado. Nesse sentido, são

diversas as referências nas Diretivas que imputam condições regulatórias diferenciadas

para as prestadoras que detenham PMS, sobretudo no que diz respeito a obrigações de

universalização e de acesso. Nesse sentido, a citação 17 da exposição de motivos da

Diretiva Autorização esclarece que (grifos nossos):

Diretiva 2002/20/CE, de 7 de março de 2002, da União Européia

“(17) As obrigações específicas dos fornecedores de serviços e redesde comunicações eletrônicas com poder de mercado significativo,como definido na Diretiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e doConselho, de 7 de Março de 2002, relativa a um quadro regulamentarcomum para redes e serviços de comunicações eletrônicas (diretiva-quadro), que podem ser impostas de acordo com o direito comunitário,devem ser impostas separadamente dos direitos e obrigações geraisdecorrentes da autorização geral.”

Em relação à definição do que seja PMS, Walden (2005) assinala que,

após intenso debate entre os membros da Comunidade, estabeleceu-se o disposto no art.

14(2) da Diretiva Quadro, que estatui que:

Diretiva 2002/20/CE, de 7 de março de 2002, da União Européia

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 59

“Considera-se que uma empresa tem poder de mercado significativose, individualmente ou em conjunto com outras, gozar de uma posiçãoequivalente a uma posição dominante, ou seja, de uma posição deforça econômica que lhe permita agir, em larga medida,independentemente dos concorrentes, dos clientes e mesmo dosconsumidores”.

Durante a discussão, foi majoritária a opinião de que, devido às

variações entre as estruturas de mercado de cada país e às singularidades das análises de

caso, não seria pertinente fixar um percentual de participação de mercado para definir o

conceito de PMS.

Segregação entre programação e distribuição de conteúdo

A Diretiva Quadro estabeleceu uma clara diferenciação entre as

camadas de programação e distribuição de conteúdo, de sorte que os chamados

“serviços de informação” não foram incluídos no seu escopo. Essa situação difere da

realidade norte-americana, onde as operadoras de redes públicas de telecomunicações

que executem serviços de informação se submetem a regulação distinta da aplicável

àquelas que apenas prestam serviços de telecomunicações. Assim, nos Estados Unidos,

uma provedora de serviços de Internet que também opere a rede ou o serviço de

comunicação eletrônica associado a eles não se submete à regulação de

telecomunicações, conforme assinala Flanagan (2005):

“Por exemplo, provedores de serviços de Internet na União Européia que façamprovimento de redes e serviços de comunicação eletrônica, tais como a transmissãode correio eletrônico, e serviços de conteúdo, tais como correio eletrônico, sãoregulados tanto por regimes de comércio eletrônico quanto de comunicações. NosEstados Unidos, eles não seriam regulados sob o regime de telecomunicações, assimcomo a transmissão de correio eletrônico não seria separada do correio eletrônicocomo um serviço de valor adicionado ou de informação.”30

Implementação da Diretiva Autorização nos Países membros

Conforme salienta Flanagan (2005), as disposições contidas na

Diretiva Autorização são genéricas, não diretamente aplicáveis a nenhum Estado-

Membro. Por isso, cada país a internalizou em seu próprio ordenamento jurídico de

maneira particular. Na Suécia, os termos da Diretiva foram inseridos em legislação

ordinária, enquanto que na Noruega e na Irlanda os requisitos mais relevantes constam

30 Flanagan, A. Authorization and Licensing, In: Walden, I. e Angel, J. (orgs.), Telecommunications Lawand Regulation, Nova York, Oxford University Press, 2005. p. 153-213 . “For example, ISPs in the EUthat provide electronic communication networks and services, such as the transmission of email, andcontent services, such as email, are regulated under both the e-commerce and communications regimes. Inthe US, they would not be regulated under the telecommunications regime as the email transmissionwould not be separated from the email as an enhanced or information service” – tradução livre dooriginal.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 60

em regulação infra-legal. Mais raramente, há casos em que o arcabouço que delineia o

processo de obtenção de licenças é fundado em decisões regulatórias.

Além disso, a generalidade dos dispositivos instituídos pela Diretiva

pode gerar diferentes entendimentos pelos Países-Membros. Segundo Cohen et alii

(2006), um exemplo disso ocorre com a prestação de serviços mediante VoIP. A

Diretiva Acesso Universal prevê a existência de duas categorias de serviços: os serviços

de comunicação eletrônica (Electronic Communications Services – ECS) e Serviços

Publicamente Disponíveis de Telefonia (Publicly Available Telephone Services –

PATS). Os primeiros são submetidos a regulação mais branda, enquanto que os últimos

se sujeitam a controles e obrigações mais rígidos. A classificação dos prestadores de

VoIP em conformidade com essa categorização não é interpretada de forma uniforme na

Comunidade: enquanto Espanha e Reino Unido atribuem às próprias operadoras a

referida classificação, Áustria e Finlândia estabelecem parâmetros específicos para os

serviços, conferindo menor liberdade na prestação do serviço.

A Diretiva Autorização também assegura a qualquer provedor público

de rede de comunicação eletrônica o direito de negociar interconexão. O conceito de

provedor de rede de comunicação eletrônica, entretanto, varia conforme o país:

enquanto na Dinamarca ele abrange não apenas companhias telefônicas tradicionais,

mas também provedores de Internet e radiodifusores, na Grécia esse conceito é mais

restrito, englobando provedores públicos de telefonia e de linhas dedicadas.

No que concerne à implementação da Diretiva Autorização no Reino

Unido, cabe ressaltar que não há um documento legal específico que verse sobre os

termos da autorização geral. Em seu lugar, há um conjunto de vinte e uma “Condições

Gerais de Habilitação” aprovadas pelo órgão regulador, composto de quarenta e nove

páginas de direitos, obrigações e definições. Embora especialistas como Flanagan

(2005) entendam que o regulador britânico teria exorbitado das prerrogativas conferidas

a ele pela Diretiva Autorização ao dispor sobre algumas dessas condições, na prática,

elas representam a transposição, para o arcabouço jurídico local, das restrições previstas

na parte A do Anexo à Diretiva Autorização.

Ainda em relação ao ordenamento britânico, enquanto algumas dessas

condições são aplicáveis a todos os operadores de redes e provedores de serviços, outras

são válidas apenas para um subconjunto bem delimitado deles. A “Condição 1”, que

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 61

dispõe sobre obrigações gerais de acesso e interconexão31, determina que os provedores

de Redes de Comunicação Publicamente Disponíveis (PECN), se demandados por outro

PECN, são obrigados a negociar interconexão em prazo razoável. Dessa forma, essa

obrigação aplica-se apenas aos PECN, e não aos demais provedores de redes. Por sua

vez, a “Condição 3” impõe aos provedores de redes de telefonia fixa pública, em

especial, o dever de adotar as medidas necessárias para assegurar funcionamento

adequado e efetivo da rede. Em contraste, a “Condição 2”, que trata das padronizações e

interfaces, atribui a todo e qualquer provedor de serviços ou operador de redes de

comunicação eletrônica o encargo de atender os padrões técnicos compulsórios

adotados pela União Européia.

Cabe ressaltar ainda que, no caso britânico, para a prestação de

serviços diversos, a operadora deve encaminhar diferentes notificações ao regulador.

3.4 Modelo híbrido (múltiplas licenças convergentes)

Segundo Pereira Filho (2005a), em que pese a tendência mundial pela

adoção de regimes de licenciamento de classe e de autorizações gerais, o legado de

modelos de outorga construídos em períodos anteriores à explosão da convergência

constitui-se em obstáculo particularmente relevante para os países emergentes. O caso

brasileiro ilustra essa situação. O País atraiu cerca de 20 bilhões de dólares de

investimentos no processo de privatização e, para tanto, ofereceu aos investidores

estrangeiros uma série de condições favoráveis na prestação dos serviços de

telecomunicações. Para a preservação de ambiente regulatório estável, é imprescindível

que as regras pactuadas sejam obedecidas.

Diante de cenários como esse, no intuito de estabelecer uma transição

suave entre modelos regulatórios, é comum a adoção de regimes híbridos, que

combinam características dos sistemas anteriormente abordados. Nesse espírito, no

Brasil, o SCM foi instituído em resposta à demanda dos agentes econômicos pela

aglutinação de serviços de telecomunicações; porém, a maioria das licenças tradicionais

foi preservada pela Anatel. De forma gradativa, a Agência tem sinalizado aos agentes

que pretende substituir o sistema de classificação baseado em serviços específicos por

uma ou mais licenças convergentes. Esse assunto será examinado em mais detalhes

posteriormente neste trabalho.

31 Em consonância com a condição A(3) do Anexo à Diretiva Autorização.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 62

Concluindo, os principais sistemas de licenciamento em classe

praticados no mundo – Malásia, Cingapura e Austrália – apresentam características

nitidamente híbridas, haja vista previrem parcela de serviços que são outorgados

mediante licenças específicas. Essa constatação explica o crescente interesse dos

reguladores – em especial, da Anatel – pela adoção de regimes dessa natureza.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 63

4 – LICENCIAMENTO CONVERGENTE

Os regimes de licenciamento convergentes em operação no mundo

foram construídos com propósitos diversos. Enquanto alguns foram arquitetados com o

objetivo central de simplificar os procedimentos de entrada no mercado, outros visaram

primordialmente à instituição de sistemas de regulação por camadas. A tabela 4.1

sumariza algumas dessas experiências.

Tabela 4.1 – Regimes de licenciamento convergentes (fonte: adaptado deNarayan et alii (2004))

País Regime de licenciamento

Austrália Licenças de transporte e de provimento de serviços

União Européia Regime de autorização geral

Japão Simples registro/notificação

Malásia Regime de licenciamento baseado em classes

Cingapura Licenciamento baseado em facilidades e serviços

Argentina Regime de licenciamento único

Narayan et alii (2004) apontam como os principais objetivos do

regime de licenciamento convergente: (a) encorajar o crescimento de novas aplicações e

serviços; (b) simplificar procedimentos de licenciamento para facilitar a entrada no

mercado de novos operadores; (c) criar regulamentação abrangente em assuntos como

interconexão, qualidade de serviço, acesso/serviço universal e alocação de espectro e

numeração; (d) assegurar flexibilidade regulatória de maneira a não obstar o

desenvolvimento tecnológico e de mercado; (e) assegurar uso eficiente de recursos de

infra-estrutura, de modo que cada rede possa ser empregada para prover vasto leque de

serviços; (f) encorajar a entrada no mercado tanto de operadores de larga escala quanto

de pequenos empreendedores, e (g) assegurar ambiente regulatório estável e de

convivência entre os competidores.

4.1 Benefícios e desvantagens do modelo convergente de outorga

Conquanto haja carência de indicadores que atestem as vantagens

proporcionadas pelos sistemas de licenciamento convergentes, diversos autores apontam

benefícios para operadores, consumidores, governos e reguladores. Ndukwe (2005)

discrimina as seguintes vantagens do modelo convergente:

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 64

Operadores: a) permite aproveitamento das economias de escopo32,

como resultado do compartilhamento de infra-estrutura para provimento de múltiplos

serviços, mediante uso da capacidade ociosa da rede ou de investimentos incrementais.

Esse é o caso das operadoras de TV a cabo que passaram a prestar os serviços de

telefonia fixa e de banda larga sob uma mesma plataforma de telecomunicações; b)

permite que o operador se beneficie rapidamente das potencialidades das novas

tecnologias, haja vista não existirem barreiras regulatórias para provimento de novos

serviços e uso de novas redes; c) aumenta a rentabilidade dos negócios ao facilitar a

diversificação das atividades das operadoras e o aumento de base de clientes; d) redução

dos custos administrativos das operadoras, e e) permite o avanço de novas operadoras

em nichos de mercado até então explorados somente por grandes empresas. Cumpre

salientar que, ao mesmo tempo em que os novos modelos podem representar

oportunidades de negócios para algumas empresas, podem também significar risco de

insucesso para outras, sobretudo aquelas que não se prepararam devidamente para o

processo de convergência, sob os prismas tecnológico, mercadológico e financeiro.

Consumidores: a) torna os preços dos serviços mais acessíveis em

conseqüência do aumento da concorrência e da redução dos custos dos serviços para as

operadoras; b) permite maior diversidade de serviços à disposição do usuário. No

Brasil, uma parcela dos consumidores já começou a se beneficiar dessa tendência, ao

passar a dispor de mais alternativas de serviços a preços mais reduzidos, visto que a

expansão na oferta tende a reduzir a dependência por infra-estruturas específicas na

última milha; c) estimula o desenvolvimento de tecnologias e serviços orientados para

as demandas do consumidor; d) possibilita o atendimento à expectativa do consumidor

de relacionamento com menor número de operadoras, e e) permite economia no número

de equipamentos terminais que o consumidor terá que adquirir.

Regulador/governo: a) simplifica os procedimentos de licenciamento,

diminuindo o custo de regulação; b) assegura flexibilidade e uso eficiente de recursos

escassos; c) estimula pequenos operadores eficientes a cobrir áreas de nicho, em

particular em áreas remotas, rurais e não servidas; d) facilita a entrada no mercado de

novos operadores; e) incentiva o uso de novas tecnologias e serviços, e f) permite o

surgimento de novos negócios e oportunidades de trabalho.

32 Segundo Ramos (2006b), economias de escopo existem quando é menos custoso para uma empresaproduzir dois ou mais produtos simultaneamente do que seria para produzi-los em separado.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 65

A evolução da Internet é reiteradamente citada na literatura como

demonstração de que a liberdade regulatória induz competição robusta no mercado,

mesmo em áreas geográficas pequenas. Na maior parte do mundo, o provimento de

Internet não está submetido a rigorosas barreiras econômicas de entrada, licenciamento

individual ou requisitos administrativos complexos. Por esse motivo, a natureza

desregulada do serviço é normalmente apontada como razão para sua rápida expansão,

em contraponto a mercados caracterizados por elevados custos de entrada, pesados

trâmites burocráticos associados e sujeição a ações arbitrárias por parte do regulador,

que usualmente desencorajam o investimento, a inovação tecnológica e a entrada

competitiva. Wallsten (2003) destaca que esse argumento se torna ainda mais

convincente quando se constata que os países que demandam aprovação regulatória para

operação dos provedores de serviços de Internet possuem menos servidores e usuários

na rede mundial do que países onde não se faz tal exigência. Cumpre observar ainda que

a não submissão de provedores de Internet a processos de licenciamento não os

desobriga da supervisão governamental. Nesse sentido, argumenta que o enfoque mais

apropriado para a questão consiste na submissão do serviço às regras gerais aplicáveis

às demais atividades econômicas.

Além disso, Martin et alii (2004) assinalam que a existência de

arcabouço regulatório simplificado é um dos principais elementos considerados pelos

investidores que desejam aportar capitais em mercados emergentes. O Marrocos, que

possui regime de licenciamento tradicional, recentemente encontrou dificuldade para

atrair investidores interessados em competir no serviço de telefonia fixa; enquanto isso,

Mali e Uganda, que optaram por conferir ao segundo operador de telefonia fixa a

alternativa de escolher a tecnologia empregada para prestação do serviço, tiveram mais

sucesso em encontrar investidores.

Outro aspecto relevante é que o controle de tarifas sobre serviços

específicos torna-se mais difícil em um ambiente de convergência regulatória, em razão

da emergência de provedores que ofertam serviços de grande substitutibilidade. No

Brasil, essa situação pode ser verificada no mercado de voz, em que as tarifas são

rigorosamente reguladas apenas para as concessionárias do STFC. Embora a

convergência tecnológica entre os serviços fixos e móveis seja uma realidade iminente,

do ponto de vista regulatório, a submissão de ambos os serviços a regimes tarifários

diferenciados certamente postergará essa tendência. Esse problema se tornará ainda

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 66

mais acentuado com o pleno desenvolvimento dos serviços VoIP, cuja operação ainda

não se encontra completamente regulada. Esse exemplo ilustra o fato de que regimes de

licenciamento baseados em tecnologias específicas podem criar barreiras artificiais que

limitam a introdução de inovações tecnológicas e os benefícios proporcionados por elas.

Em contrário, os regimes convergentes, orientados à neutralidade tecnológica,

usualmente estão preparados para esse desafio.

Conquanto o balanço dos resultados alcançados após a implantação do

regime de autorização geral na União Européia seja positivo, foram detectados riscos

relacionados à insegurança jurídica na aplicação do novo regime. Como não há controle

prévio do regulador sobre um novo serviço prestado, caso ele contrarie dispositivos

legais existentes, o regulador só poderá a intervir a posteriori. A suspensão de uma

oferta já em estágio de comercialização no mercado conseqüentemente causará grandes

prejuízo para o operador e seus assinantes. Couto (2007) reporta que tal situação

ocorreu recentemente em Portugal, quando a operadora Optimus lançou o serviço de

telefonia denominado “Optimus Home”, baseado no acesso à rede móvel GSM, mas

com tarifas e numeração característicos ao serviço fixo. Dez dias após o início da

operação do serviço, o órgão regulador português – Anacom – ordenou a sua suspensão,

baseado no argumento de que a sua atribuição de numeração contrariava o Plano

Nacional de Numeração. Não obstante a agência ter recuado do seu posicionamento

original, o mencionado exemplo dá uma noção dos riscos envolvidos na aplicação do

novo regime, bem como demonstra que ele se encontra ainda em processo de franco

amadurecimento.

No que tange ao VoIP, há crescente reconhecimento de que a

comunicação de voz em tempo real, independentemente da plataforma tecnológica

empregada para transmiti-la, é uma só (Martin et alii, 2004)). Porém, a completa

liberalização do serviço e a falta de padronização mínima podem causar sérios

problemas para o regulador. O primeiro deles diz respeito à dificuldade de interceptação

legal de ligações telefônicas e de identificação de chamadas de emergência. Caso os

operadores de VoIP sejam completamente liberados de licenciamento, a monitoração de

chamadas suspeitas poderá até mesmo ser inviabilizada. Ademais, a prática pode levar à

conclusão de que a taxação de serviços não licenciados pode se revelar complexa para o

regulador, gerando assimetria tributária em relação aos operadores licenciados.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 67

O estabelecimento de índices de qualidade de serviço33 é apontado

como outra dificuldade dos regimes convergentes. Embora os padrões comerciais de

qualidade de serviço – índices de recebimento de contas erradas, de reparo no serviço,

etc – possam normalmente ser aplicados indistintamente da tecnologia empregada pela

operadora, o mesmo não ocorre para os padrões técnicos que aferem a sua qualidade.

Exemplificando, na medição do QoS para telefonia pública, normalmente é empregada

a métrica do índice de ligações não completadas, enquanto que para o serviço de banda

larga é usada a taxa de perda de pacotes.

Por sua vez, o documento “Consultation Paper on Unified Licensing

for Basic and Cellular Services”34, elaborado pela autoridade regulatória indiana

TRAI35, alerta que a combinação entre a convergência tecnológica, o processo de

consolidação empresarial em curso no mundo e a tendência de licenciamento

convergente pode causar prejuízos para a competição. Nesse sentido, a flexibilização da

prestação dos serviços de telecomunicações sem a adoção conjunta de medidas de

combate a práticas abusivas decorrentes da concentração de mercado pode acarretar

sérios danos para o consumidor.

4.2 Eficácia do regime convergente

Pela abrangência dos países envolvidos no regime e pelo pioneirismo

na sua implantação, o regime de autorização geral adotado pela Comunidade Européia

pode ser considerado o principal parâmetro de aferição da eficácia dos modelos de

outorga convergentes. Passados mais de quatro anos da sua adoção, o regime europeu

atualmente encontra-se em fase de revisão – a chamada “Revisão 2006” –, em

atendimento ao art. 16 da Diretiva Autorização, que prevê a reavaliação periódica do

funcionamento dos sistemas nacionais de licenciamento.

De acordo com Couto (2007), a expectativa é que não sejam

implementadas mudanças substanciais, o que parece sinalizar que seu funcionamento é,

no mínimo, satisfatório. Cabe salientar que as principais recomendações indicadas no

exame preliminar submetido à consulta pública, em outubro de 2006, apontam para o

33 Quality of Service – QoS.34 TELECOM REGULATORY AUTHORITY OF INDIA – TRAI. Consultation Paper on UnifiedLicensing for Basic and Cellular Services, Consultation Paper n° 3/2003. Nova Delhi: TRAI, 2003. [online] Disponível na Internet via WWW. URL:http://www.trai.gov.in/trai/upload/ConsultationPapers/36/final%20consutation1-16th%20july.pdf(Consultado em 15.03.2007).35 Acrônimo de Telecom Regulatory Authorithy of India.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 68

aprofundamento das medidas de convergência regulatória. O estudo recomenda a

implantação de nova política de gestão de espectro, em que os detentores de direitos de

uso de radiofreqüências poderão optar pela tecnologia empregada e pelo serviço

prestado. Além disso, propõe a significativa redução dos mercados relevantes

suscetíveis a regulação ex-ante, que passariam de dezoito para doze, dentre os quais

apenas um no mercado de varejo36. Recomenda ainda a abertura do debate sobre as

vantagens e desvantagens da separação estrutural de redes.

No que tange aos resultados práticos dos marcos regulatórios

instituídos pelas Diretivas Quadro e Autorização, a Comissão Européia encomendou

três estudos elaborados por consultores externos destinados a apoiar o processo de

revisão do arcabouço regulamentar. O relatório “Preparing the next steps in regulation

of electronic communications - A contribution to the review of the electronic

communications regulatory framework”37, de autoria da Hogan&Hartson, em 2006,

baseou-se em entrevistas realizadas com empresas européias de telecomunicações para

obter informações sobre até que ponto o quadro regulamentar contribuiu para a

concretização dos objetivos da União Européia. Das quarenta operadoras entrevistadas,

apenas duas não apontaram correlação significativa entre a implantação do regime de

autorização geral e a facilitação na entrada ao mercado. Porém, as opiniões se dividiram

em relação à possibilidade de adoção de um regime de autorização geral de alcance pan-

europeu, sobretudo devido às particularidades locais e às diferenças de tratamento de

espectro no âmbito dos Estados-Membros.

Em específico, o relatório aponta vinte e duas recomendações

principais de alteração na Diretiva Autorização, dentre as quais se incluem: (i) definição

mais precisa das circunstâncias para enquadramento de atividades como serviços de

comunicação eletrônica, bem como os casos em que deve haver isenção de autorização

geral; (ii) orientação clara sobre a regulação de VoIP; (iii) consulta sobre a necessidade

de autorizações em âmbito pan-europeu, com a identificação dos serviços que poderiam

se beneficiar dessa decisão; (iv) aprofundamento da discussão sobre gerenciamento

36 Em novembro de 2007, a Comissão Européia divulgou a redução do número de mercados relevantespara apenas sete. Europa reduz de 18 para 7 os mercados relevantes em telecom. Banda larga, no alvo daregulação. Tele.Síntese – Análise. 14-11-2007, nº 119, p. 4.37 HOGAN & HARTSON E ANALYSYS. Preparing the next steps in regulation of electroniccommunications - A contribution to the review of the electronic communications regulatoryframework. Bruxelas: Comunidade Européia, 2006. [on line] Disponível na Internet via WWW. URL:http://ec.europa.eu/information_society/policy/ecomm/doc/info_centre/studies_ext_consult/next_steps/regul_of_ecomm_july2006_final.pdf (Consultado em 25.08.2007).

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 69

flexível de espectro; (v) vinculação do uso de faixas de freqüência a tecnologias ou

serviços específicos somente com a devida justificação, em respeito ao princípio da

neutralidade; (vi) estudo sobre comercialização de espectro, e (vii) exame sobre a

necessidade do desenvolvimento de um novo sistema de numeração telefônico europeu.

Por sua vez, o documento “An Assessment of the regulatory

framework for electronics communications: growth and investment in the EU e-

Communications sector”38, elaborado em 2006 pela London Economics em associação

com a PriceWaterhouseCoopers, é conclusivo no sentido de apontar a regulação como

um fator positivo na atração de investimentos para o setor. Revela ainda que os

investimentos em comunicação eletrônica na União Européia mostraram recuperação a

partir de 2004, e que, comparativamente aos Estados Unidos, Japão e Coréia do Sul, os

quinze Estados-Membros inclusos na pesquisa obtiveram desempenho

significativamente superior nesse quesito.

O estudo indica que os principais fatores regulatórios que contribuem

para o aumento de percepção de segurança para o investidor são: legislação clara;

implementação tempestiva da regulamentação; interpretação abrangente dos requisitos

previstos na legislação; harmonização entre Estados-Membros; comunicação entre

órgãos reguladores; processos de apelação adequados e bem dosados, e poderes

coercitivos atribuídos aos reguladores.

Porém, de acordo com o modelo de regressão empregado no

documento, a magnitude do efeito do regime regulatório sobre o aumento dos

investimentos é inferior às decorrentes de outros fatores, como renda per capita,

densidade populacional, novas oportunidades de mercado, condições econômicas gerais

e mudanças tecnológicas.

O relatório “Regulatory Scorecard 2006”39, divulgado em dezembro

de 2006 pela ECTA – Associação Européia para a Concorrência nas Telecomunicações

–, esclarece que, três anos após a entrada em vigor do novo quadro regulamentar, os

38 LONDON ECONOMICS E PRICEWATERHOUSECOOPERS. An Assessment of the regulatoryframework for electronics communications: growth and investment in the EU e-Communicationssector. Lisboa: Anacom, 2006. [on line] Disponível na Internet via WWW. URL:http://www.anacom.pt/template20.jsp?categoryId=202262&contentId=395098. (Consultado em25.08.2007).39 EUROPEAN COMPETITIVE TELECOMMUNICATIONS ASSOCIATION - ECTA. RegulatoryScorecard 2006. Lisboa: Anacom, 2006. [on line] Disponível na Internet via WWW. URL:http://www.anacom.pt/template20.jsp?categoryId=54689&contentId=430737. (Consultado em25.08.2007).

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 70

Estados-Membros onde a regulamentação já foi implementada na íntegra alcançaram

sucesso mais expressivo em termos de competição e investimento nas comunicações

eletrônicas. O estudo, cujos parâmetros básicos de análise foram o enquadramento

institucional, as condições gerais de acesso ao mercado e a efetiva aplicação do quadro

regulamentar das comunicações eletrônicas, foi elaborado com fundamento em noventa

e sete critérios selecionados em conformidade com as regras e linhas de orientação da

OMC e da União Européia.

A publicação também assinala o fato de que os consumidores dos

países em estágio menos avançado de implantação das reformas continuam a pagar

preços mais elevados pelos serviços. Em adição, as nações que ocupam os primeiros

lugares do comparativo elaborado – Reino Unido, Dinamarca e França – possuem maior

variedade de ofertas de telecomunicações, bem como maior taxa de crescimento e de

investimento no setor. De forma inversa, Polônia, Grécia e Alemanha, que ocupam os

últimos lugares nessa classificação, ainda não alcançaram ambiente favorável à

concorrência no segmento, o que induz a reflexos negativos tanto para consumidores

quanto para a iniciativa privada.

Porém, ainda pairam dúvidas entre reguladores a respeito da real

eficácia dos novos regimes de outorga. Conforme já mencionado, o regulador indiano

TRAI alerta que a evolução em direção ao licenciamento convergente pode acarretar

prejuízos para a competição, caso não sejam adotadas salvaguardas apropriadas. Entre

especialistas do setor, até mesmo o modelo europeu ainda suscita desconfianças,

conforme expressa a declaração de Flanagan (2005, p.212):“Ainda veremos se este

regime ‘suave’ é realmente efetivo”.

4.3 Transferência de modelos de licenciamento

Diante do relativo êxito na implantação dos regimes de licenciamento

convergentes, é natural que diversos países pretendam estendê-los a seus ordenamentos

locais. Porém, como ponto de partida, é imprescindível salientar que não existe um

texto regulatório padrão que possa ser reproduzido para a realidade de outra nação,

conforme ressaltam Buckingham et Willians (2005).

Mesmo o modelo da União Européia – considerado exemplo

paradigmático de regime convergente de sucesso – estabelece apenas parâmetros que

devem orientar a elaboração das normatizações nos países da Comunidade, visto que

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 71

cada nação possui situações específicas que não podem ser desconsideradas. A mera

transposição das regras das Diretivas européias para o arcabouço jurídico de países

emergentes é uma tarefa ainda mais inalcançável, em virtude das diferenças nas

composições mercadológicas e nos ambientes institucionais.

Da mesma forma, o emprego do modelo norte-americano como

referência para outras nações, sobretudo as menos desenvolvidas, carece de viabilidade

prática. As características intrínsecas daquele país, como a natureza federalista que

limita os poderes do governo central, a multiplicidade de entidades reguladoras, a

ausência da presença estatal no setor de telecomunicações em passado recente e a

discricionariedade atribuída aos órgãos reguladores tornam a realidade norte-americana

um caso sui generis em todo o mundo.

Outra forte diferenciação entre o cenário europeu e o dos países

emergentes observa-se na estrutura de mercado. Segundo Buckingham et Willians

(2005), nos países da União Européia, os sistemas de telefonia fixa e celular coexistem

com certo equilíbrio, enquanto que, nos países em desenvolvimento, as redes móveis se

tornaram a fonte primária de acesso a serviços de telecomunicações. Sendo assim, a

vital importância atribuída à desagregação da última milha na Comunidade Européia

não encontra a mesma guarida nos países emergentes. Além disso, em razão das

diferenças socioeconômicas entre as regiões do planeta, o conceito de universalização

previsto nas Diretivas européias não se encaixa nas demandas da maioria das nações:

enquanto na Europa o foco é direcionado para a qualidade e o preço dos serviços, nos

países emergentes, a preocupação é assegurar o acesso aos serviços de

telecomunicações para toda a população.

Em relação aos aspectos institucionais, a ausência de um judiciário

capacitado em assuntos regulatórios, a falta de ambiente regulamentar suficientemente

consolidado e as freqüentes interferências políticas sobre as atividades de regulação são

características usualmente encontradas em países em desenvolvimento. Esse ambiente

de insegurança jurídica afeta a credibilidade dos investidores sobre os mercados, o que

demanda a construção de quadros normativos orientados a conferir limitada

discricionariedade aos reguladores locais, de modo a reduzir o risco de expropriação dos

investidores, conforme assinalam Levy et Spiller (1995). Ademais, em grande parte

desses países, a atração de capitais estrangeiros no processo de desestatização

implementado nos últimos quinze anos só foi possível com a oferta de significativos

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 72

benefícios para as operadoras, como a concessão de direitos de exclusividade por

grandes períodos. Essas condições especiais acabaram por se refletir diretamente nos

sistemas de licenciamento, que se caracterizam por possuir flexibilidade mais restrita

em relação ao regime empregado na Comunidade Européia. Dessa forma, as licenças

são extremamente detalhadas, de modo a prever em minúcias todos os direitos e

obrigações vinculados à prestação dos serviços.

Considerando esses argumentos, Buckingham et Willians (2005)

destacam os seguintes elementos do regime de licenciamento europeu como passíveis

de transferência para os ambientes regulatórios de países em desenvolvimento: (i)

criação de autoridade reguladora independente; (ii) desenvolvimento de mecanismos

eficientes de apelação; (iii) princípio da provisão de redes abertas; (iv) aplicação de

controles regulatórios mais rígidos apenas para operadoras que detenham PMS; (v)

neutralidade tecnológica; (vi) redução de barreiras à entrada nos mercados; (vii)

minimização de custos administrativos sobre as operadoras; (viii) busca de consenso por

meio da realização de consultas públicas, e (ix) simplificação dos processos de

licenciamento. Como aspectos de difícil transposição, assinalam: (i) foco na regulação

de redes fixas; (ii) delimitação de metas de serviços universal em consonância com os

parâmetros europeus; (iii) regime de licenciamento baseados em mera notificação; (iv)

complexidade do arcabouço regulatório; (v) elevado nível de discricionariedade

atribuído ao órgão regulador, e (vi) assunção da existência de leis eficientes de combate

a condutas anticoncorrenciais.

No que diz respeito à simplificação das licenças, para transmitir

segurança aos investidores, os autores recomendam a preservação das cláusulas que

estabeleçam os requisitos fundamentais de prestação do serviço que forem aplicáveis

especificamente à atividade em questão, remetendo a dispositivos da legislação

ordinária e regulamentar os termos de alcance genérico sobre todos os serviços.

4.4 Transição entre regimes

Muitas regulações em vigor até a introdução dos regimes

convergentes foram criadas com o objetivo de proteger operadoras incumbentes de

potenciais competidores. Com o surgimento de tecnologias como o VoIP, muitas nações

mantiveram o sistema tradicional, estabelecendo restrições que impedem que elas

possam ser empregadas para fazer concorrência às operadoras já estabelecidas. Porém,

conforme salientam de La Torre et Maddens (2004), simplesmente ignorar as inovações

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 73

tecnológicas não tem se revelado uma solução adequada, posto que elas continuam a se

desenvolver e, conseqüentemente, a pressionar a abertura dos mercados. E o que é ainda

mais grave: essa abordagem regulatória reticente acaba por confundir tanto investidores

quanto consumidores.

Por esse motivo, tem crescido o número de países que aperfeiçoaram

seus marcos regulatórios com o intuito de conceber regimes de licenciamento “à prova

de futuro”. Embora já haja certo consenso em torno da necessidade da adoção de

sistemas mais abertos, também é unânime que a transição para modelos convergentes

não se trata de tarefa trivial. Conforme ressaltam de La Torre et Maddens (2004, p.107),

a autoridade regulatória indiana TRAI identificou esse problema em 2004, quando

tratou da questão do estabelecimento do regime de licenciamento unificado:

“Em uma situação ideal de mercado, seria de se imaginar que não devesse haverregime algum de licenciamento. Porém, se houver necessidade de um, seus termos econdições devem ser tais que assegurem facilidades para entrada no mercado, taxasde licenciamento as mais baixas possíveis, etc. Essa situação ideal seria possível seestivéssemos começando do zero. Mas iniciamos esse processo em 1994-95 com aliberalização dos serviços básicos e móveis celulares e então, subseqüentemente, acompetição foi aberta em todos os outros serviços de telecomunicações. Temosdiferentes áreas de serviço (municipais e nacionais), diferentes taxas de entrada (dezero a algumas centenas de crores) e diferentes taxas de licenciamento (zero aquinze por cento) para diferentes serviços de telecomunicações. Com esse tipo delegado, pode não ser possível atingir a situação ideal em um passo, mas devemosplanejar a mudança de uma maneira tal que ela possa ser alcançada em poucosanos.”40

Essa declaração ilustra com clareza as dificuldades a que estão

submetidos os governos ao deparar com a necessidade de aperfeiçoamento do regime

regulatório. Segundo Hatfield et Lie (2004b), o desafio reportado pela autoridade

indiana teve em início em 2001, quando os operadores de serviço básico (BSO)41 foram

habilitados a ofertar, além de acessos via fio de cobre, terminais de mobilidade restrita

com a plataforma WLL em suas áreas de cobertura. Como os serviços assim prestados

40 de La Torre, M., Maddens, S. Transitioning Regulation from Old to the New. In: Toure, H.I. (org.),Trends in Telecommunication Reform – 2004/2005. Licensing in an Era of Convergence, Genebra, UniãoInternacional de Telecomunicações, 2004. p. 107-126. “In an ideal market situation, one could imaginethat there should be no licensing regime. If at all there is a licensing regime, then terms and conditionsshould be such that ease of entry, lowest possible licence fee, etc., are ensured. This ideal situation couldhave been possible if we were starting form scratch. But we started this process in 1994-95 with theliberalization of cellular mobile services and basic services and then subsequently competition wasopened to all other telecommunication services. We have different service areas (city to whole nation),different entry fees (zero to a few hundred crores) and different licence fees (zero to 15 per cent) fordifferent telecommunication services. With this type of legacy, it may not be possible to reach an idealsituation in one step, but we should plan in a manner that it may be achieved in a few years.” – traduçãolivre do original.41 Conhecidos como Basic Service Operators – BSO.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 74

alcançaram preços bem mais acessíveis que os dos serviços móveis celulares com

tecnologia GSM, houve grande migração de usuários.

O ápice desse processo se deu quando a taxa de aderência aos serviços

prestados pelas BSO alcançou a marca aproximada de dois milhões de assinantes

adicionais por mês. O órgão regulador indiano se viu diante do seguinte dilema: por um

lado, a solução oferecida pelas BSO havia se tornado muito popular e, pelo outro, as

operadoras com tecnologia GSM, que haviam realizado grandes investimentos para

obtenção de licenças para prestação de telefonia celular, alegavam que não haviam sido

informadas previamente da competição a que seriam submetidas com a liberação da

tecnologia WLL para mobilidade restrita.

A TRAI e as cortes indianas apresentaram uma solução que

compatibilizou a promoção da penetração do serviço e a preservação de um ambiente

regulatório estável. Em novembro de 2003, foi aprovada a criação do Licenciamento

Unificado de Serviços de Acesso – Unified Access Services Licensing – UASL. De

acordo com a decisão adotada, serviços básicos e celulares poderiam ser executados

com base em qualquer tecnologia por detentores de licenças do tipo UASL. Tanto as

BSO quanto as operadoras de telefonia celular poderiam manter suas licenças originais

ou migrar para o novo regime, porém sem direito a novas faixas de espectro. Para as

operadoras de telefonia celular, não foram exigidas taxas para migração; já para as BSO

foi cobrada taxa adicional que correspondia à diferença entre o valor pago pela licença

obtida pela quarta operadora de telefonia celular na área de prestação do serviço e a taxa

já paga pela BSO para prestar o serviço na mesma área. Além disso, ao migrar, a BSO

passaria a obedecer às mesmas obrigações de expansão de rede, cobertura e garantias

bancárias a que estava submetida a provedora de telefonia celular. A introdução do

regime UASL marcou o primeiro passo da Índia em direção à unificação de licenças

para todos os serviços de telecomunicações.

O intrincado exemplo indiano corrobora a tese de que a forma de

migração para sistemas convergentes deve ser individualizada, em razão da natureza do

legado de redes e das condições institucionais, contratuais, regulamentares e legais

vigentes.

Ao lidar com o desafio da transição para regimes de licenciamento

tecnologicamente neutros, de La Torre et Maddens (2004) recomendam que o regulador

empregue metodologia baseada na identificação de respostas às seguintes questões:

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 75

a) Decidir qual o modelo a ser adotado: para tanto, é recomendável

que o regulador leve em consideração as falhas e acertos das experiências internacionais

de sistemas que já se encontrem em operação;

b) Decidir a velocidade de migração para o novo regime: a maioria

dos países implementou processos graduais de migração, estabelecendo cronogramas e

marcos para acompanhamento das ações adotadas, com o propósito de conferir

credibilidade à evolução. A Índia está implantando a licença única em dois estágios: no

primeiro, empreendido a partir de novembro de 2003 com base nas considerações

previstas em Consulta Pública lançada pela TRAI em julho do mesmo ano, foi instituída

a licença única para serviços móveis e fixos; no segundo, planeja-se adicionar nesse

regime a maioria dos serviços restantes. Na Argentina, por sua vez, o governo anunciou

com dez anos de antecedência sua intenção de promover a abertura do mercado, de

modo a preparar as operadoras sobre o prazo para a mudança nas regras de exploração

de serviços. Há registros, no entanto, de países como Cingapura e Hong Kong que

realizaram mudanças abruptas de abertura em relação à competição e à convergência

(de La Torre et Maddens, 2004);

c) Decidir a entidade responsável pelo licenciamento;

d) Mapear os serviços existentes em novas categorias de licenças

convergentes: obviamente, quanto mais simples for o arcabouço de licenciamento

proposto, menor será o trabalho de mapeamento. Esse é o caso do regime de autorização

geral da União Européia, em que as licenças não são mais exigidas. Porém, há

abordagens em que as outorgas são categorizadas por classes, conforme já abordado

anteriormente. Portanto, é necessário decidir quais serviços continuarão a ser

licenciados, quais deverão requerer apenas processo de registro ou notificação e quais

não serão sujeitos a licenciamento.

Quando há embaraços instransponíveis no arcabouço jurídico que

impedem o regulador de adotar sistema integralmente neutro, pode haver nichos em que

o licenciamento pode ser simplificado. O caso brasileiro do SCM expressa essa

realidade: embora haja restrições à prestação de telefonia, televisão por assinatura e

radiodifusão por meio dessa licença, ele aglutinou quinze serviços que anteriormente

eram outorgados em separado, de acordo com a rede de transmissão empregada.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 76

e) Estabelecer instrumentos que assegurem ambiente regulatório

estável: é recomendável a construção de um arcabouço que não imponha desvantagens

competitivas nem para as operadoras já estabelecidas, nem para novas entrantes;

f) Determinar se os licenciados existentes deverão fazer jus a

compensações para migrar para o novo regime: o movimento em direção ao

licenciamento convergente esbarra, em não raras ocasiões, nos benefícios já concedidos

a operadoras incumbentes. O argumento suscitado é o de que a redução das barreiras

financeiras para entrada de novos operadores no mercado caracterizaria situação de

privilégio em favor destas, o que justificaria compensação monetária pelas rendas não

auferidas pelas firmas já estabelecidas em decorrência da implantação do novo regime.

Esse raciocínio foi especialmente preponderante em alguns países de

pequenas dimensões geográficas, onde o incentivo para a atração de investidores se deu

mediante concessão de longos períodos de exclusividade. Em Hong Kong, as

negociações para liberalização do mercado internacional de telecomunicações

iniciaram-se em 1996 e duraram dezoito meses. O resultado foi que, em razão da

antecipação de 2007 para 2000 da perda do monopólio pela exploração do serviço, a

Hong Kong Telecom foi indenizada em cerca de um bilhão de dólares, valor calculado

com base na metodologia de fluxo de caixa descontado no período. O valor monetário

dos benefícios ao consumidor decorrentes dessa antecipação foi estimado em 2,2

bilhões de dólares (de La Torre et Maddens, 2004).

Em Cingapura, como compensação pela antecipação da perda dos

direitos de exclusividade pela exploração dos serviços domésticos e internacionais de

telecomunicações de 2007 para 2000, a Singapore Telecommunications – SingTel –

recebeu 1,05 bilhão de dólares para que se estabelecesse o regime de duopólio. Além

disso, foi concedido à operadora o direito de rebalancear tarifas locais e introduzir

sistema de precificação ao usuário baseado em tarifa plana para chamadas locais. Em

adição, em 2000, a SingTel e a StarHub receberam compensações por nova decisão do

governo de promover a completa abertura do mercado, em substituição ao duopólio

formado por essas companhias.

Porém, a compensação financeira não é uma regra na transição para

modelos de licenciamento convergentes. Cumpre assinalar que a possibilidade de não

pagar altas taxas pela entrada no mercado não garante às operadoras entrantes a

conquista de novos assinantes, visto que as incumbentes sempre levarão a vantagem de

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 77

terem partido de base de clientes consolidada, a partir da qual poderão ser ainda mais

beneficiadas com a liberação para provimento de novos serviços. Esse é um dos

principais argumentos para que as incumbentes cooperem no processo de

desenvolvimento de sistemas de licenciamento convergentes. Assim, em diversos países

do Caribe onde a Cable & Wireless detinha direitos de exclusividade sobre alguns

serviços de telecomunicações, a competição foi estabelecida sem necessidade de

pagamentos compensatórios, conforme esclarecem de La Torre et Maddens (2004).

Os mesmos autores salientam que, nas situações em que não há

compensação financeira direta, usualmente a migração se dá por intermédio da abertura

para prestação de novos serviços pelas incumbentes e de outros tipos de incentivos. Na

Malásia, a transição para o regime introduzido em 2000 previu que as operadoras já

estabelecidas oferecessem serviços em áreas onde anteriormente não eram habilitadas a

prestá-los. O Peru encurtou o período de exclusividade para operação de telefonia fixa

local e de longa distância em um ano em troca da eliminação da obrigação de instalar

redes em áreas rurais e não rentáveis.

Por sua vez, a migração em direção à UASL na Índia foi

acompanhada por protestos das operadoras de telefonia celular. Essas empresas

argumentaram que a liberação da mobilidade restrita para operadoras de telefonia fixa

sem a exigência de pagamento das mesmas taxas de entrada pagas por elas colocava as

concorrentes em situação de vantagem competitiva. O governo não concedeu incentivos

compensatórios para as operadoras de telefonia celular sob a justificativa de que, em

1999, havia sido conferido a elas o direito de pagar taxas anuais baseadas em

faturamento, ao invés de taxas de entrada. Ademais, quando a mobilidade restrita foi

facultada para as operadoras de serviços fixos, em 2001, as empresas de telefonia móvel

já haviam sido compensadas com a redução da taxa sobre o faturamento de quinze por

cento para até oito por cento. Adicionalmente, foi permitido a elas reter cinco por cento

sobre os valores pagos aos provedores de telefonia fixa para terminação de chamadas.

Por fim, a TRAI argumentou que as companhias de telefonia celular também foram

habilitadas a oferecer serviços fixos com suas infra-estruturas de tecnologia GSM (de

La Torre et Maddens, 2004);

g) Revisar as regulações de acesso/serviço universal, incluindo

alterações nas obrigações de expansão de rede, cobertura e investimento, bem como

contribuições para fundos de universalização: no passado, eram usuais as políticas de

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 78

universalização de telefonia fixa baseadas em subsídios implícitos, que faziam migrar

recursos dos serviços de longa distância para os locais, bem como de usuários

comerciais para residenciais. Com o passar dos anos, foram criados modelos de

subsídios explícitos para regiões de baixa rentabilidade. Os governos passaram a

encarregar-se das tarefas de selecionar os operadores que devem contribuir para os

fundos de universalização, definir a forma de distribuição dos recursos dos fundos e

estabelecer os serviços e entidades que podem recebê-los.

Como a competição, em tese, tende a gerar melhor qualidade de

serviços e menores preços para o usuário final, a necessidade da preservação dos

regimes de universalização nesses moldes passou a ser questionada, principalmente nas

nações desenvolvidas. Esse movimento pode levar à revisão dos serviços que

contribuem para os fundos de universalização, à redução do encargo sobre aqueles que

já pagam e à reavaliação dos serviços onde devem ser aplicados os recursos de

universalização (de La Torre et Maddens, 2004).

Além disso, em muitos países, a universalização passou a ser vista

como oportunidade de negócios, e não como obrigação. Para tanto, é recomendável

reexaminar o arcabouço regulatório no intento de introduzir medidas de incentivo. Uma

delas consiste na redução das taxas de licença para prestadoras que operem em áreas

remotas e rurais. Outra seria estimular o desenvolvimento de serviços de banda larga

sem fio, com o intuito de promover o barateamento de serviços e tecnologias de rede de

última milha. A vertiginosa expansão dos telefones móveis pré-pagos nos países

emergentes ilustra com nitidez o sucesso desse tipo de abordagem;

h) Desenvolver um arcabouço regulatório que antecipe a evolução de

mercado e incorpore desenvolvimentos tecnológicos recentes, como o VoIP e sistemas

LAN sem fio;

i) Revisar as regulações atinentes à qualidade de serviço,

interconexão, espectro e numeração, entre outros aspectos, com o objetivo de acomodá-

las ao regime convergente e transferi-las das licenças para códigos regulatórios:

conforme já abordado anteriormente, embora os padrões comerciais de qualidade de

serviço possam, em regra, ser aferidos indistintamente da tecnologia empregada pela

operadora, o mesmo não ocorre para os padrões técnicos. Países como a Malásia, não

obstante tenham adotado regime de licenciamento convergente, monitoram a qualidade

técnica de forma diferenciada, de acordo com o serviço provido. De La Torre et

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Maddens (2004) esclarecem que a solução adotada foi a transferência dos padrões de

QoS das licenças para o ordenamento regulamentar. Essa abordagem concedeu

flexibilidade do regulador ao lidar com mudanças tecnológicas e de mercado mediante

revisão periódica desses padrões.

Além disso, com a diversidade de serviços e operadores, a regulação

de interconexão e de compartilhamento de infra-estruturas tornou-se mais complexa. A

definição das categorias de serviços e operadores que devem ser obrigados a ofertar

interconexão não se trata de questão trivial. A polêmica surgida em torno do serviço de

mensagens curtas – Short Messaging Service – SMS – expressa essa realidade. Em

resposta aos conflitos entre operadores, países como Venezuela, México e Bahrein

recentemente definiram que a prestação desse serviço deve estar sujeita à interconexão.

Em adição, a métrica de tarifação de interconexão também está em

transformação, visto que pode ser implementada tanto em função de critérios baseados

no tempo de ocupação da rede quanto da capacidade de transmissão. No que concerne

ao compartilhamento de infra-estrutura, diversos países também se encontram em

estágio de reavaliação dos serviços e categorias de operadores que devem estar

submetidos a obrigações de desagregação de meios.

A reorganização do processo de licenciamento também constitui-se

em oportunidade para a eliminação de outras barreiras para novos entrantes, como as

restrições geográficas de prestação de serviços. Outro ponto passível de revisão é o da

necessidade generalizada de cumprimento de obrigações de qualidade de serviço, uma

vez que a flexibilização dessas exigências em áreas de baixo apelo comercial pode

estimular pequenos prestadores a prover serviços nessas localidades;

j) Desenvolver instrumentos que aumentem a capacidade coercitiva do

regulador para solucionar disputas e aplicar sanções.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 80

5 – USO DE ESPECTRO NO AMBIENTE DE

CONVERGÊNCIA

O controle sobre o uso de radiofreqüências é considerado uma das

principais finalidades dos regimes de licenciamento. Pelo fato de ser empregada como

sustentáculo para o provimento de funções essenciais, como navegação e segurança

pública, a utilização do espectro demanda estreita supervisão por parte dos reguladores.

Em virtude da sua acessibilidade pública, usualmente faz-se

necessário adotar medidas para mitigar seu uso descoordenado, no intuito de evitar

interferências e degradação da qualidade do serviço, fenômeno conhecido na literatura

econômica como “tragédia dos comuns”, conforme salienta Mankiw (1999). Lima et

Ramos (2006, p.6) o definem como:

“o uso ineficiente de um recurso em virtude do seu emprego excessivo, causado pelaausência de instrumentos que impeçam novos usuários de usufruir dele sem nenhumcontrole”.

A tragédia dos comuns pode ocorrer quando um usuário aumenta o

desempenho de sua estação mediante incremento da potência do seu transmissor,

causando interferência e redução do desempenho dos demais usuários. Em resposta, os

estes também aumentam a potência de seus transmissores, em prejuízo de todos, de

modo que a utilidade do espectro é erodida drasticamente pela “guerra de potência”.

Essa característica justificou, ao longo dos anos, rigorosa regulação

sobre o espectro, inclusive com regras sobre a designação de tecnologias e freqüências

específicas para certos serviços e a atribuição de exclusividade no direito de uso,

modelo conhecido como “comando e controle”. Essa abordagem prioriza a eficiência

técnica, ao prevenir interferências e assegurar convivência de serviços inclusive em

nível internacional. Entretanto, ela tem sido criticada em razão da sua excessiva rigidez,

que sufoca a inovação e não oferece incentivos para uso eficiente do espectro, além de

criar barreiras para compartilhamento de radiofreqüências.

Segundo Lima et Ramos (2006), alternativas a esse modelo foram

adotadas na Austrália, Guatemala, Nova Zelândia e, em menor escala, nos Estados

Unidos, Canadá e Reino Unido. Nesses países, já se praticam sistemas orientados a

mercado, em que a gestão de espectro evolui em direção à sua comercialização em

bases descentralizadas, aproximando-o de outras “commodities”. No caso extremo, essa

abordagem elimina a necessidade de licenças e da atribuição do direito de uso exclusivo

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 81

sobre o espectro. Isso permite que a operadora tenha mais flexibilidade na tecnologia

empregada e na oferta de serviços, além de possibilitar a comercialização de faixas não

utilizadas.

Embora haja evidências das perdas de eficiência causadas tanto pelo

mau uso de faixas não licenciadas quanto pela subutilização do espectro decorrente de

restrições impostas à sua livre utilização e comercialização pelos licenciados –

fenômeno conhecido como “tragédia dos anticomuns” –, a maior parte dos reguladores

ainda hesita em implementar políticas de gerenciamento de espectro que busquem

otimizar o valor econômico desse recurso. Nesse sentido, Hazlett (2005, p.1) assinala:

“Em alocações tradicionais que empregam espectro licenciado, reguladores impõemrestrições aos licenciados e proíbem transações de faixas de espectro, levando àsubutilização desse recurso – tragédia dos anticomuns. No caso de espectro nãolicenciado, reguladores distribuíram direitos de uso de forma tão ampla quetornaram impossível o seu uso eficiente - tragédia dos comuns. Ambas as formas defalha de mercado provocam expectativas que acabam por desestimularinvestimentos, o que impede o desenvolvimento de serviços socialmenteproveitosos.”42

5.1 Restrições à neutralidade tecnológica no gerenciamento de

espectro

Quando a prestação de serviços envolve o uso de radiofreqüências, o

enfoque de neutralidade tecnológica nem sempre é aplicável. Em sua interpretação mais

extremada, um arcabouço regulatório perfeitamente neutro conferiria aos licenciados

total liberdade de uso do espectro, isto é, permitiria o emprego de qualquer tecnologia

em qualquer faixa de freqüências para prestação de qualquer serviço. Porém, conforme

assinala Doyle (2004), há fatores que obstam a adoção de sistemas dessa natureza.

Em primeiro lugar, está o fato de que a propagação de sinais varia de

acordo a freqüência, podendo causar interferências em outras bandas. Potenciais

investidores, diante da falta de controle sobre interferências entre os serviços prestados,

não se sentirão seguros para aportar recursos onde não seja possível assegurar bom

funcionamento de suas redes. Por esse motivo, a UIT – União Internacional de

Telecomunicações – estabelece padrões internacionais de harmonização do espectro.

42 Hazlett, T.W. Spectrum Tragedies, Yale Journal of Regulation, 2005. Vol. 22, Summer, 2005, p. 243-274. “In traditional allocations involving licensed spectrum, regulators impose restrictions on licenseesand prohibit transactions to create improvements, leading to airwave under-utilization - tragedy of theanticommons. With allocations for unlicensed spectrum, regulators have dispersed use rights so widely asto make efficient use impossible – tragedy of the commons. Both forms of market failure triggeranticipations that undercut investment incentives, deterring socially useful services.” – Tradução livre dooriginal.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 82

Atualmente, 190 nações são signatárias da Constituição e Convenção da UIT e, como

tal, se obrigam a praticar gerenciamento de espectro em conformidade com as

Regulações de Rádio que são revisadas periodicamente pela World

Radiocommunications Conferences (Doyle, 2004).

Em adição, a padronização de serviços em determinadas faixas de

freqüências induz economias de escala em nível mundial que permitem o barateamento

de equipamentos de rede e de usuário final. Os países membros da União Européia se

utilizam dessa estratégia para criar seus próprios padrões para reduzir custos, como é o

caso do GSM.

Essa abordagem, no entanto, não é unânime. Katz et Shapiro (1994)

argumentam que a competição entre padrões pode resultar em benefícios de longo prazo

para os consumidores, possibilitando que melhores tecnologias emerjam como

vencedoras em mercados competitivos. Ademais, de acordo com a demanda, a indústria

é estimulada a desenvolver equipamentos capazes de operar em multibanda. Isso

ocorreu na Coréia do Sul, onde foram instalados sistemas IMT-200043 em faixas

diferentes daquelas originalmente alocadas pela UIT.

5.2 Tecnologias sem fio inovadoras

Em meio a essas controvérsias, a emergência de tecnologias

inovadoras tem revolucionado o enfoque sobre a rigidez no controle do espectro. Dentre

elas, Hatfield et Lie (2004a) destacam os sistemas WLAN ou RLAN44 que se apóiam na

tecnologia WiFi. Na sua versão mais simples, esses sistemas consistem de uma estação

base sem fio ou ponto de acesso que provê conexão interativa de banda larga com

equipamentos de usuário final, tais como computadores portáteis ou PDAs45, a

distâncias da ordem de poucas centenas de metros. Em razão do custo relativamente

baixo tanto do servidor quanto do terminal, essa solução tem sido crescentemente

empregada em aeroportos, campi universitários e saguões de hotéis com uso de faixas

não licenciadas de freqüência. Em virtude do sucesso alcançado, tem também sido

empregada para estender o acesso à Internet em pequenas comunidades de localidades

remotas.

43Acrônimo de International Mobile Telecommunications-2000.44Acrônimo de Radio Local Area Network.45Acrônimo de Personal Digital Assistant.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 83

Quando os fabricantes reconheceram o potencial de expansão do

mercado de uso não licenciado de freqüências, desenvolveram sistemas ainda mais

sofisticados. Essa nova geração tecnológica foi denominada Wimax, e é capaz de prover

serviços de melhor desempenho em relação ao WiFi, usando espectro licenciado ou não

licenciado.

O consórcio Wimax desenvolve padrões para dispositivos que possam

operar em larga faixa de freqüências, com alcance da ordem de cinqüenta quilômetros e

com mobilidade. A flexibilidade permitida pelo padrão 800.16a de dar suporte a

diferentes bandas empregando tanto FDD quanto TDD46 resolve o problema enfrentado

pelos fabricantes de oferecer uma mesma solução tecnológica para países que operam

serviços idênticos em faixas de freqüências e tecnologias distintas. Além disso, os

operadores de Wimax podem dispor da facilidade de otimizar o uso de espectro

mediante setorização e divisão de células à medida do crescimento de assinantes

(Doyle, 2004).

Outra tecnologia de grande impacto são os rádios definidos por

software – Software Defined Radios – SDR, terminais cujo funcionamento pode ser

reorientado de acordo com programações recarregáveis. Isso permite que um mesmo

aparelho possa operar em GSM, CDMA ou outras tecnologias, podendo também ser

empregado em qualquer aplicação, seja ela telefonia móvel, trunking ou comunicação

em faixa destinada à segurança pública, entre outras.

A tecnologia Ultra-Wideband – UWB –, por sua vez, permite a

comunicação móvel em redes locais com enlaces de alta velocidade – as chamadas

Wireless Personal Area Networks – WPAN. Duas das principais características da

tecnologia UWB são a neutralidade das freqüências empregadas pelos dispositivos e a

baixa potência dos terminais, que reduzem o risco de interferências (Doyle, 2004).

5.3 Aspectos sobre o gerenciamento de espectro

Uso não licenciado de espectro

O uso não licenciado de espectro consiste na aplicação do “sistema

dos comuns”, que permite que qualquer agente tenha acesso a determinada faixa de

espectro, desde que sujeito a certas regras básicas, como a restrição à potência irradiada

e o uso de protocolos, de modo a assegurar compartilhamento eficiente do espectro e

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 84

mitigar a interferência. Essa é uma prática corriqueira empregada na banda do serviço

de radioamador e em serviços que usam canais de rádio internamente a uma companhia

– hotéis, por exemplo –, onde as freqüências são utilizadas em uma base comum.

Os benefícios proporcionados por equipamentos e serviços inovadores

desenvolvidos para operar em faixas de freqüência não licenciadas podem ser aferidos

pelo sucesso do modelo implantado em países como os Estados Unidos, onde, segundo

Hatfield et Lie (2004a), estima-se que há mais de trezentos e cinqüenta milhões de

dispositivos utilizando serviços desse gênero, incluindo telefones sem fio, porteiros

eletrônicos, brinquedos de controle remoto e chaves eletrônicas para automóveis, entre

outros.

Mais recentemente, o acesso não licenciado à Internet em banda larga

cresceu em popularidade, sobretudo em virtude do desenvolvimento do WiFi e do

Wimax. Mirando-se no sucesso dessas tecnologias e no exemplo da Internet, cuja

arquitetura descentralizada, aberta e não proprietária propiciou prodigiosa inovação no

mercado, muitos países perceberam o rápido potencial dos serviços que operam em

bandas não licenciadas, o que os levou a rever seus posicionamentos em relação à

rigidez dos sistemas de gerenciamento de espectro baseados em “comando-e-controle”.

Para superá-los, são fundamentais a liberalização dos regimes de licenciamento e o uso

de tecnologias avançadas para reduzir interferências.

Mercado secundário de espectro

O processo de atribuição de direito de uso de espectro pode ser

realizado por diversas metodologias, dentre elas os leilões, as avaliações comparativas

de ofertas – mais conhecidas como “concursos de beleza” – e os sorteios. Em razão dos

resultados financeiros que proporciona, os leilões são largamente empregados em países

em desenvolvimento. Porém, o uso descontrolado desse instrumento pode levar à

concentração econômica, gerando pouca competição, preços abusivos e desestímulo à

inovação.

Independentemente do método empregado, os procedimentos de

atribuição de radiofreqüências podem levar a escolhas ineficientes de operadores. A

existência de mercado secundário de direitos de uso de espectro pode mitigar essa

imperfeição, visto que os seus detentores podem se utilizar desse mecanismo para

46 Acrônimos de Frequency Division Duplex e Time Division Duplex, respectivamente.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 85

transferi-los para companhias que possuam planos de negócio mais eficientes ou mesmo

mudar sua destinação para a prestação de novos serviços.

Cabe ressaltar que essa prática possui efeitos potenciais negativos,

como a aquisição do direito de uso de espectro para eliminação de competidores. No

entanto, há possibilidade de intervenção regulatória para evitar esse comportamento,

como a imposição de restrições ex-ante sobre a quantidade de espectro atribuível a um

grupo econômico, ou de ações ex-post, derivadas da aplicação de leis anti-monopólio.

Por outro lado, Doyle (2004) assinala que esse tipo de análise por vezes revela-se

complexo e administrativamente oneroso, além de demandar discricionariedade por

parte das instituições de proteção da concorrência.

O autor aponta ainda instrumentos adicionais para evitar práticas

anticompetitivas na comercialização de espectro em mercado secundário. Dentre eles,

está a precificação por incentivo administrativo, em que o operador paga pelo espectro

de acordo com a sua efetiva utilização e/ou o custo de oportunidade associado ao

recurso. Porém, não obstante seus benefícios, trata-se de procedimento oneroso e

propenso a erro.

Lima et Ramos (2006) salientam que o principal argumento contrário

à adoção de modelos que habilitem a livre comercialização de espectro é que, nos

principais países onde ela foi implementada – Austrália e Nova Zelândia –, há baixo

índice de transações de faixas de freqüências.

Interferência

Hatfiel et Lie (2004) salientam que, com o avanço tecnológico, certos

tipos de interferência foram drasticamente reduzidos, o que levou alguns países a

relaxar a regulação sobre equipamentos terminais, estações e operadores, eliminando-se

a necessidade de manutenção de registros individuais, da obediência de qualificações

especiais e do pagamento de taxas.

5.4 Vantagens e desvantagens do licenciamento de espectro

A ciência econômica ocupou-se largamente em descrever os

benefícios e desvantagens do licenciamento de espectro. Dentre as vantagens, Martin et

alii (2004) destacam que o licenciamento baseado em direito de uso exclusivo estimula

investimentos à medida que assegura maior certeza às prestadoras. Além disso, permite

que o operador garanta qualidade de serviço ao consumidor, em razão do rígido controle

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 86

sobre interferências que impede a ocorrência da tragédia dos comuns. Em adição,

permite aos governos arrecadar vultosos recursos no processo de atribuição de

freqüências.

Por outro lado, a literatura também assinala as desvantagens do

licenciamento, dentre elas a criação de barreiras de entrada ao mercado e a oportunidade

para acumulação inapropriada de espectro. Ademais, o processo de licenciamento exige

certo grau de discricionariedade por parte do regulador, o que é considerado

desvantajoso em alguns países. Ele também desestimula a inovação e preserva

ineficiências no uso de espectro, à medida que oferece obstáculos à livre incorporação

das novas tecnologias sem fio.

5.5 Experiências internacionais

Alguns países são pioneiros na evolução para regimes de

gerenciamento de espectro neutros sob as perspectivas tecnológica e de serviços. Essas

experiências serão abordadas a seguir.

Austrália

De acordo com Doyle (2004), o Radiocommunication Act, de 1992,

introduziu na Austrália o licenciamento neutro para espectro, que foi colocado em

prática pela primeira vez em 1997. Na ocasião, foram concedidos aos licenciados

direitos comercializáveis de uso de freqüência por até quinze anos. Por intermédio da

outorga, a companhia pode prestar qualquer tipo de serviço de comunicação com

qualquer tecnologia na faixa concedida. A autorização prevê inclusive o direito de

alterar as condições do serviço consoante o desenvolvimento tecnológico ou a demanda

dos usuários. As faixas de freqüência são separadas em pequenas unidades chamadas

Standard Trading Units, em um total de 21.998. Cada licença de espectro consiste de

blocos de freqüência que podem ser agregados ou subdivididos para formar novas

outorgas.

Um dos únicos requisitos administrativos desse modelo é que certos

tipos de equipamentos devem ser registrados no Australian Communications Authority

– ACA – antes de começarem a ser operados. Outra exigência é que, anteriormente à

atribuição da licença, seja expedido documento que descreva as condições de prestação

do serviço, com o propósito de evitar interferências. Se, por um lado, essas exigências

tendem a depreciar o valor da licença ao fixar restrições para o serviço, pelo outro, elas

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 87

o incrementam, visto que asseguram a proteção contra interferências indevidas. Esse

sistema compatibiliza a flexibilidade no gerenciamento de espectro com a segurança

oferecida ao operador de que o serviço prestado disporá da qualidade pretendida.

Um aplicação prática do princípio da neutralidade tecnológica no

licenciamento de espectro ocorreu em 2001, na consignação de freqüências para a 3G.

Na ocasião, a ACA pretendia inicialmente realizar leilões de freqüência em blocos

pareados de transmissão e recepção, como é usual na consignação de faixas para

telefonia móvel. Porém, o órgão concluiu que essa abordagem não era tecnologicamente

neutra, pois restringia a prestação de outros serviços. Essa exigência foi removida, e o

resultado do leilão acabou por levar à consignação de 5 MHz de um bloco não pareado

de espectro na banda de 1,9 GHz para a companhia Personal Broadband Australia, que

desejava oferecer serviços de transmissão de dados sem fio. A empresa iniciou a

prestação comercial do serviço em 2004, em Sydney.

Guatemala

Na Guatemala, em 1996, a legislação local foi atualizada com o

intuito de liberalizar o gerenciamento de radiofreqüências, submetendo o controle sobre

a utilização do espectro apenas a limitações contra interferências. Segundo Doyle,

(2004), desde então, os direitos sobre o uso de freqüências são concedidos por prazos de

quinze anos, renováveis sem custo, mediante Titulos de Uso de Frecuencias – TUF –,

que são transferíveis. O TUF trata-se de um documento que determina apenas a banda

alocada, os períodos de operação, a potência de transmissão máxima, a potência limite

nas freqüências adjacentes, o território de abrangência e os termos inicial e final dos

direitos.

Nova Zelândia

A Nova Zelândia, por sua vez, mostrou-se ainda mais arrojada na

forma de lidar com o gerenciamento de espectro. Desde 1989, com a edição do

Radiocommunications Act, foram estabelecidas políticas de liberalização que incluem a

introdução de mercado secundário de espectro e a liberdade de prestação de qualquer

serviço por qualquer tecnologia nas faixas de freqüência consignadas, desde que o

licenciado opere nos limites estabelecidos pelo governo.

Porém, a novidade mais surpreendente é que o regime instalado

permite dois tipos básicos de autorização. O primeiro tipo confere direitos para uso

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 88

direto do espectro. No segundo, são atribuídos ao licenciado direitos de gerenciamento

sobre a faixa consignada. Esses direitos dão à entidade autorizada a prerrogativa de

expedir licenças, mas não o direito de fazer transmissão. Doyle (2004) ressalta que, em

2001, o governo expediu oitenta e um direitos de gerenciamento, dos quais apenas

dezoito foram conferidos ao governo, incluindo blocos para cobertura de serviços de

radiodifusão. Os sessenta e três restantes foram atribuídos à iniciativa privada, para

operação de serviços de telefonia celular, de distribuição multiponto e de enlaces fixos,

entre outros. Os detentores de direitos sobre essas bandas são livres para emitir licenças

de acordo com as políticas fixadas por eles próprios.

Reino Unido

Em 2003, a Ofcom aliou-se às iniciativas de liberalização no

gerenciamento de espectro ao decidir implementar diversas medidas contidas no Cave

Review, estudo independente encomendado pela agência para revisão das políticas de

comunicação eletrônica, que foi publicado em 2002. Desde então, está implantando

reformas para introduzir a comercialização de espectro, o relaxamento de restrições no

seu uso e a revisão anual das taxas pela utilização de faixas de freqüência.

Segundo Doyle (2004), o planejamento determinou o início da

comercialização de bandas ao final de 2004, com a liberação de mercado secundário

para algumas aplicações, tais como o acesso fixo sem fio. Estabeleceu ainda a extensão

da medida para os serviços de emergência em 2006, e para a telefonia móvel de segunda

e terceira gerações em 2007. Em etapas posteriores, serão inclusos os serviços de

radiodifusão sonora e de sons e imagens.

Estados Unidos da América

Em reconhecimento aos potenciais benefícios da liberalização do

espectro, o Congresso norte-americano emendou, em 1999, o Communications Act com

o propósito de conferir à FCC o poder de alocar freqüências de forma flexível. O órgão

promoveu reorganizações de espectro no intento de tornar seu uso mais eficiente, tendo

realocado 30 MHz destinados originalmente a serviços móveis de satélite para serviços

fixos e móveis (Doyle 2004).

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 89

6 – MODELO BRASILEIRO DE LICENCIAMENTO

6.1 Análise do modelo vigente

O regime brasileiro de licenciamento para prestação de serviços e

operação de redes de telecomunicações é baseado fundamentalmente em outorgas

tradicionais vinculadas a tecnologias e/ou redes, embora haja movimento recente no

sentido de torná-lo mais aderente ao fenômeno da convergência.

A cadeia de valor do setor é ilustrada na figura 6.1. O primeiro

elemento engloba as atividades de produção, programação e empacotamento de

conteúdo, representado sob a forma de voz, áudio, vídeo, dados e outros modos de

representação da comunicação. No Brasil, assim como na maioria dos países, as

atividades vinculadas à criação, produção e agregação de conteúdo não são consideradas

serviços de telecomunicações e, por esse motivo, não há necessidade de outorga da

Anatel para executá-las. Por sua vez, a infra-estrutura abrange as redes de transporte e

de acesso – a chamada “última milha” –, que permite ao usuário acessar o conteúdo. A

competência para regulá-las é da Anatel, que também é responsável pela expedição de

outorgas para explorá-las.

Figura 6.1 –Elementos da cadeia de valor dos serviços de telecomunicaçõesFonte: adaptado de Pereira Filho (2006)

No regime em vigor, normalmente há necessidade de apenas uma

outorga para acesso ao conteúdo e exploração da infra-estrutura, ou seja, para a

exploração de serviços e redes de telecomunicações. Entretanto, conforme esclarece

Medeiros (2004), há situações em que a infra-estrutura é operada por mais de uma

prestadora, como ocorre com os provedores de rede de acesso que se diferenciam dos

provedores de backbone47. Existem ainda casos em que a outorga também confere à

operadora o direito à exploração do conteúdo, a exemplo das diversas modalidades de

TV por assinatura. Além disso, há outorgas específicas em função do tipo de conteúdo e

47 Espinha dorsal de grandes redes de comunicação.

Conteúdo

AcessoExploração de Serviços

TransporteExploração de Redes

Usuário

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 90

da finalidade do serviço, entre outras. A regra, porém, é que os serviços sejam

caracterizados pelas infra-estruturas que dão suporte aos conteúdos transportados, caso

das redes de telefonia fixa e móvel. Em suma, grande parte dos tipos de licenças

vigentes no Brasil, num total de trinta e nove, é de outorgas específicas vinculadas a

tecnologias e redes.

Finalidades do regime de licenciamento em vigor

A espinha dorsal do regime brasileiro de licenciamento foi

consolidada no bojo do processo de desestatização e liberalização dos serviços de

telecomunicações, iniciado a partir da promulgação da Emenda Constitucional n° 8, de

15 de agosto de 1995. Com o intuito de criar um ambiente de certeza regulatória que

assegurasse a atração de grandes investimentos e, ao mesmo tempo, garantisse o

cumprimento de metas sociais, no processo de privatização, o governo brasileiro deu

continuidade ao sistema tradicional de outorgas vigente até então, baseado em

tecnologias e redes. Esse regime especificava com precisão os direitos e obrigações

atrelados à operação de redes e ao provimento dos serviços que foram transferidos para

o controle da iniciativa privada.

Diante desse quadro, as principais finalidades do regime instituído – e

que se mantém praticamente intacto até hoje – foram: a) assegurar uma transição suave

entre o modelo estatal de prestação de serviços de telecomunicações e o ambiente

privado de concorrência; b) promover a universalização dos serviços de telefonia fixa

mediante imposição de metas a provedores específicos, em especial, as concessionárias

de telefonia fixa; c) regular tarifas; d) limitar temporariamente a competição no mercado

de telefonia; e) limitar a duplicação ineficiente de redes; f) manter rígido controle sobre

recursos escassos, e g) estabelecer condições detalhadas sobre a prestação de alguns

serviços de telecomunicações, como aderência a padrões técnicos e atendimento de

metas de qualidade de serviço. Além das finalidades mencionadas, também é inegável

que um dos principais objetivos do licenciamento no Brasil é promover arrecadação de

recursos para os cofres públicos.

Prestação dos Serviços de Telecomunicações

A LGT estabelece dois critérios básicos para classificar os serviços de

telecomunicações. O primeiro os diferencia em conformidade com os interesses

atendidos por eles, que podem ser coletivos ou restritos. De acordo com o Regulamento

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 91

dos Serviços de Telecomunicações – RST –, instituído pela Resolução n° 73/98, da

Anatel, os serviços de telecomunicações de interesse coletivo e restrito são definidos da

seguinte forma:

Anexo à Resolução n° 73/98, da Anatel:

“Serviço de telecomunicações de interesse coletivo é aquele cujaprestação dever ser proporcionada pela prestadora a qualquerinteressado na sua fruição, em condições não discriminatórias,observados os requisitos da regulamentação”.

“Serviço de telecomunicações de interesse restrito é aquele destinadoao uso do próprio executante ou prestado a determinados grupos deusuários, selecionados pela prestadora mediante critérios por elaestabelecidos, observados os requisitos da regulamentação”.

O segundo critério diz respeito ao regime jurídico de prestação, que

permite distinguir os serviços prestados em regime público dos executados em regime

privado, conforme será visto a seguir neste capítulo.

Serviços de telecomunicações e neutralidade tecnológica

O art. 60 da LGT dispõe que “Serviço de telecomunicações é o

conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicação”. Em complemento,

o art. 69 estatui que:

Lei nº 9.472, de 1997

“Art. 69. As modalidades de serviço serão definidas pela Agência emfunção de sua finalidade, âmbito de prestação, forma, meio detransmissão, tecnologia empregada ou de outros atributos.

Parágrafo único. Forma de telecomunicação é o modo específico detransmitir informação, decorrente de características particulares detransdução, de transmissão, de apresentação da informação ou decombinação destas, considerando-se formas de telecomunicação, entreoutras, a telefonia, a telegrafia, a comunicação de dados e atransmissão de imagens.”

Com base nesses dispositivos, na definição dos serviços de

telecomunicações, o modelo regulatório em vigor, em regra, privilegia os atributos da

forma, meio de transmissão e tecnologia empregada. Porém, o exame desses mesmos

artigos induz a conclusão de que os serviços de telecomunicações não se vinculam

necessariamente à tecnologia que lhes dá suporte. Embora o art. 69 preveja que as

modalidades de serviço possam ser definidas em função da tecnologia empregada ou

mesmo da sua forma – incluindo-se aí a telefonia – , também permite que elas sejam

estabelecidas consoante “outros atributos”, que podem abranger necessidades

regulatórias.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 92

Portanto, em primeira análise, a interpretação do referido dispositivo

abre perspectivas para a legalidade da adoção de regime de licenciamento neutro do

ponto de vista tecnológico. Para tanto, bastaria que a Anatel elegesse como prioridades

critérios distintos das características meramente tecnológicas para definir as

modalidades de serviço48.

Ao regular a matéria, o RST expressou exatamente a perspectiva da

existência de espaço na legislação vigente para implantar modelo de outorga

convergente, conforme se depreende da sua leitura (grifos nossos):

Anexo à Resolução n° 73/98, da Anatel

“Art. 22. Os serviços de telecomunicações serão definidos em vista dafinalidade para o usuário, independentemente da tecnologiaempregada e poderão ser prestados através de diversas modalidadesdefinidas nos termos do art. 69 da Lei nº. 9.472, de 1997.

§1º. A escolha de atributos para definição das modalidades do serviçoserá feita levando-se em conta sua relevância para efeitosregulatórios.”

6.2 Barreiras normativas e institucionais à implantação do modelo

convergente

Em que pese a LGT prever que os serviços de telecomunicações não

se vinculam necessariamente a tecnologias, a própria Lei Geral estabelece barreiras

intransponíveis para a instituição de regime de licenciamento tecnologicamente neutro.

Além disso, outros instrumentos de ordem legal e constitucional instituem regimes

jurídicos próprios para os serviços de radiodifusão e de TV a cabo. A seguir,

abordaremos essas restrições.

6.2.1 – Lei Geral de Telecomunicações49

Diferenciação entre regimes público e privado

No intuito de cumprir objetivos de universalização e de assegurar a

continuidade de serviços públicos considerados essenciais, a LGT instituiu um regime

jurídico diferenciado de prestação de serviços de telecomunicações – o regime público.

Nesse regime, os prestadores de serviços são submetidos a obrigações não aplicáveis às

demais operadoras.

48 Conforme a abordaremos seguir neste capítulo, há restrições legais que criam obstáculos para a adoçãoplena dessa solução.49 Lei n° 9.472, de 16 julho de 1997.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 93

Dentre as principais características atribuídas pela Lei Geral às

empresas que operam em regime público, destacam-se as seguintes: (i) submissão a

obrigações de universalização e continuidade (art. 79); (ii) regulação de tarifas (art.

103); (iii) garantia de preservação do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos (§

4º do art. 108); (iv) reversibilidade de bens (art. 100); (v) prestação mediante concessão

ou permissão (arts. 83 e 118); (vi) exclusividade para recebimento de recursos do Fundo

de Universalização dos Serviços de Telecomunicações – FUST (§ 2º do art. 79); (vii)

prazo de concessão limitado a vinte anos, prorrogável uma única vez, por igual período

(art. 99); (viii) sujeição à intervenção (art. 108), e (ix) exigência de processo licitatório

(arts. 88 e 119).

De forma inversa, consoante o inciso I do art. 128 da LGT, para os

prestadores em regime privado “a liberdade será a regra, constituindo exceção as

proibições, restrições e interferências do Poder Público”. Segundo o art. 136, não há

limite para o número de autorizações de serviço, ressalvada a hipótese de

impossibilidade técnica.

Em adição, no regime privado, o instrumento de licença empregado é

a autorização (art. 131), cujos termos têm prazo de validade indeterminado (art. 138).

Para serviços que demandam espectro, no entanto, a autorização para uso de

radiofreqüências é de, no máximo, vinte anos, prorrogável uma única vez por igual

período (art. 167).

No que diz respeito à possibilidade de implantação de licenças em

regime privado baseadas em simples notificação, à primeira vista, o art. 131 parece

inviabilizar a medida (grifo nosso):

Lei nº 9.472, de 1997

“Art. 131. A exploração de serviço no regime privado dependerá deprévia autorização da Agência, que acarretará direito de uso dasradiofreqüências necessárias”.

Porém, o § 2° do mesmo artigo estabelece que “A Agência definirá os

casos que independerão de autorização”. Esse dispositivo abre perspectivas para a

existência de serviços não sujeitos à expressa autorização da Anatel.

Não obstante o inciso I do art. 18 da LGT facultar ao Poder Executivo

a instituição de modalidade de serviço em regime público mediante Decreto

Presidencial, a própria Lei Geral, em seu art. 64, parágrafo único, determinou a

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 94

classificação do STFC nessa categoria, em adição a outros eventualmente criados pelo

Poder Executivo – o que não ocorreu, até o presente momento.

Concluindo, a clara diferenciação jurídica entre os serviços prestados

nos regimes privado e público constitui-se em forte empecilho para a adoção do regime

unificado de licenças. Em virtude dessa restrição, caso pretenda reformar o atual

modelo, a Agência deverá manter ao menos duas classes de serviços, de modo a não

contrariar essa disposição.

Porém, a migração para um modelo de simples registro, à semelhança

do adotado pela Comunidade Européia, ao menos para algumas categorias de serviços,

revela-se viável, visto que a Lei Geral habilita a liberação de assentimento prévio da

Anatel para que a proponente à licença possa iniciar sua operação.

Gerenciamento de espectro

Conforme salientam Lima et Ramos (2006), o modelo de gestão de

espectro adotado no Brasil é do tipo “comando e controle”, baseado em direitos de uso

exclusivo e em licenças que tratam em pormenores dos termos de uso das

radiofreqüências. Porém, o sistema admite a alocação de bandas para uso não

licenciado, conforme dispõe o inciso I do § 2° do art. 163 da LGT50, regulamentado pela

Resolução nº 365, de 10 de maio de 2004, da Anatel:

Por sua vez, a adoção de regime de licenciamento com uso flexível de

espectro no que diz respeito tanto à tecnologia empregada quanto à existência de

mercado secundário encontra sérios obstáculos no ordenamento legal em vigor.

Enquanto o art. 168 impõe pesadas restrições a transferências de direito de uso de

espectro, o § 1° do art. 163 associa o direito de uso de radiofreqüências à concessão,

permissão ou autorização outorgada para prestação de serviço de telecomunicações:

Lei nº 9.472, de 1997

“Art. 163. ...

§ 1° Autorização de uso de radiofreqüência é o ato administrativovinculado, associado à concessão, permissão ou autorização paraprestação de serviço de telecomunicações, que atribui a interessado,por prazo determinado, o direito de uso de radiofreqüência, nascondições legais e regulamentares.

50 Lei nº 9.472/97: “Art. 163. O uso de radiofreqüência, tendo ou não caráter de exclusividade, dependeráde prévia outorga da Agência, mediante autorização, nos termos da regulamentação. (...) § 2°Independerão de outorga: (...) I - o uso de radiofreqüência por meio de equipamentos de radiação restritadefinidos pela Agência”.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 95

...

Art. 168. É intransferível a autorização de uso de radiofreqüênciassem a correspondente transferência da concessão, permissão ouautorização de prestação do serviço a elas vinculada.”

Assim, conquanto o art. 155 da LGT disponha sobre o

compartilhamento de infra-estruturas de rede de prestadoras de serviços de

telecomunicações de interesse coletivo51, a migração do modelo de “comando e

controle” para um regime flexível de gestão de espectro só seria passível de

implementação na hipótese de alteração da Lei Geral.

Taxas de fiscalização

No que diz respeito às taxas cobradas pela Anatel para fiscalização

dos serviços de telecomunicações, o Anexo III da LGT estabeleceu valores

discriminados para cada modalidade. Embora muitas delas estejam submetidas às

mesmas taxas, a agregação de serviços poderia ser prejudicada pela referida distinção.

6.2.2 – Contratos de concessão

Os contratos firmados entre o Poder Público e as concessionárias do

STFC consolidam diversas restrições aplicáveis ao serviço que constam do

ordenamento jurídico em vigor, em especial a LGT, o Plano Geral de Metas de

Universalização – PGMU, o Plano Geral de Metas de Qualidade – PGMQ – e o Plano

Geral de Outorgas – PGO. Da mesma forma, contêm restrições à prestação do serviço

de TV cabo pelas concessionárias de telefonia fixa, que são previstas no art. 15 da Lei

n° 8.977, de 6 de janeiro de 1995. Todas essas limitações, aplicáveis apenas a uma

parcela restrita de operadores, dificultam a aplicação do regime convergente.

6.2.3 – Lei do Cabo52

A regulamentação dos serviços de TV por assinatura no Brasil

constitui-se em exemplo típico da aplicação do modelo de licenciamento baseado em

tecnologias específicas. Embora prestem serviços similares, os operadores de TV a

cabo, DTH53, MMDS e TVA54 estão submetidos a regulamentações distintas, consoante

mostrado na figura 6.2.

51 Lei nº 9.472/97: “Art. 155. Para desenvolver a competição, as empresas prestadoras de serviços detelecomunicações de interesse coletivo deverão, nos casos e condições fixados pela Agência,disponibilizar suas redes a outras prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo”52 Lei n° 8.977, de 6 de janeiro de 1995.53 Acrônimo de Direct to Home.54 Serviço Especial de Televisão por Assinatura.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 96

Figura 6.2 – Regulamentação dos serviços de TV por assinaturaFonte: Minassian (2007b)

A Lei do Cabo é o principal motivo para a preservação dessa

distinção. Enquanto as três outras modalidades de TV por assinatura não dispõem de

norma legal específica sobre regras de prestação do serviço, a Lei n° 8.977, de 6 de

janeiro de 1995, trata em particular da TV a cabo.

Dentre os principais dispositivos previstos na Lei do Cabo que não são

extensíveis à regulação dos demais serviços está a expressa limitação à participação de

capital estrangeiro nas operadoras do serviço (art. 7°, II). Além disso, pelo art. 23, as

prestadoras devem obrigatoriamente veicular, nos pacotes ofertados, as programações

dos canais de televisão aberta, entre outros (“must carry”). Ademais, a prestação do

serviço por concessionárias de telefonia fixa está condicionada ao manifesto

desinteresse de outras empresas, conforme estatui o art. 15. A Tabela 6.1 apresenta um

resumo dessas diferenças.

Tabela 6.1 – Principais diferenças regulatórias entre os serviços deTV por assinatura (fonte: adaptado de Valente(2007))

TecnologiaDisposições regulamentares e legais

Cabo MMDS DTH TVA

Participação irrestrita de capital estrangeiro Não Sim Sim Sim

Restrição à prestação por concessionárias do STFC Sim Não Não Não

Obrigação de “must carry” Sim Não Não Não

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 97

As especificidades estabelecidas pela Lei do Cabo constituem-se em

forte empecilho para a implantação do regime de licenciamento convergente, e até

mesmo de uma classe que agrupe todos os serviços de televisão por assinatura. Cumpre

ressaltar que, segundo Minassian (2007b), a Anatel pretende mitigar esse problema com

a agregação, ainda que forma incompleta, dos serviços de TV por assinatura, conforme

mostrado na proposta ilustrada na figura 6.3.

Figura 6.3 – Proposta da Anatel para agregação parcial dos serviços de TV porassinatura

Fonte: Minassian (2007b)

Os principais defensores da supressão das restrições previstas na Lei

do Cabo – notadamente as concessionárias do serviço local de telefonia (Valente, 2007)

– sustentam a tese de que a baixa penetração da TV a cabo no Brasil, em comparação

com países com condições socioeconômicas similares, como Argentina, Chile, México

e Venezuela55, se deve à aplicação de condições regulatórias não equitativas entre os

prestadores dos serviços de televisão por assinatura.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 98

6.2.4 – Regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia

O SCM, instituído pela Resolução n° 272, de 9 de agosto de 2001, da

Anatel, foi desenhado como resposta aos agentes econômicos à demanda por um

modelo de outorga adequado ao ambiente de convergência tecnológica.

De acordo com Medeiros (2004), a decisão de criação do SCM se

pautou nas orientações previstas no Livro Verde da Comissão Européia, e que previam

três propostas para a modernização dos regimes de licenciamento. Na primeira delas,

todas as condições das licenças vigentes deveriam ser respeitadas. As reformas

ocorreriam à medida da evolução do mercado e das tecnologias. Na segunda, criar-se-ia

uma nova licença com características convergentes, eliminando-se alguns serviços já

existentes. Por fim, a terceira proposta previa a criação de um novo regime aplicável a

todos os serviços, cujas inevitáveis incoerências seriam suprimidas ao longo dos anos.

A solução adotada pela Anatel está em consonância com as linhas

gerais da proposta intermediária apresentada no Livro Verde. Da instituição do SCM,

resultou a simplificação do ordenamento regulatório até então vigente, ao unificar a

prestação dos serviços de interesse coletivo que até então eram prestados mediante o

Serviço Limitado Especializado – SLE –, nas submodalidades de Rede Especializado e

Circuito Especializado, e o Serviço de Rede de Transporte de Telecomunicações –

SRTT –, compreendendo o Serviço por Linha Dedicada, o Serviço de Rede Comutada

por Pacote e o Serviço de Rede Comutada por Circuito. Embora não tenha determinado

a migração das operadoras desses serviços para o SCM, a Agência admite a adaptação

das autorizações já concedidas para o regime regulatório do SCM, desde que atendidas

as condições subjetivas e objetivas requeridas, conforme previsto no art. 68 do

Regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia – RSCM.

Características gerais do serviço

O SCM é um serviço de telecomunicações de interesse coletivo,

prestado sob o regime privado (art. 3º do RSCM) em âmbito nacional e internacional, e

que possibilita a oferta de capacidade de transmissão, emissão e recepção de

informações multimídia – sinais de áudio, vídeo, dados, voz e outros sons, imagens,

textos e outras informações de qualquer natureza – a assinantes dentro da área de

prestação de serviço, utilizando quaisquer meios.

55 De acordo com Valente (2007), as taxas de penetração da TV a cabo nesses países são de 8%, 54%,

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 99

Sujeita-se ao licenciamento sob autorização, não havendo limite de

operadoras (art. 10, caput e parágrafo único do RSCM). Em adição, não há vedação

para que as operadoras de SCM prestem outros serviços de telecomunicações. De

acordo com o disposto no art. 3° do RSCM, se destina à comunicação entre pontos

fixos, embora o Regulamento não vede a mobilidade restrita.

As licenças de SCM são outorgadas por tempo indeterminado,

conforme previsto no art. 138 da LGT e no parágrafo único do art. 10 do RSCM. Os

prestadores podem empregar qualquer infra-estrutura existente, seja ela própria ou de

terceiros. Os usuários dos serviços podem se utilizar de qualquer tipo de terminal, tais

como microcomputador, PDA, celular ou qualquer outro.

No que diz respeito à interconexão, o art. 6º do RSCM determina que:

Anexo à Resolução n° 272, de 9 de agosto de 2001

“É obrigatória, quando solicitada, a interconexão entre as redes desuporte do SCM e entre estas e as redes de outros serviços detelecomunicações de interesse coletivo, observado o disposto na Lein.º 9.472, de 1997 e no Regulamento Geral de Interconexão, aprovadopela Resolução n.º 40, de 23 de julho de 1998”.

Por sua vez, o art. 8° dispõe que:

Anexo à Resolução n° 272, de 9 de agosto de 2001

“As prestadoras de SCM têm direito ao uso de redes ou de elementosde redes de outras prestadoras de serviços de telecomunicações deinteresse coletivo, de forma não discriminatória e a preços e condiçõesjustos e razoáveis”.

Segundo dados disponíveis no sítio da Internet da Anatel, o número de

licenciados para o serviço em 11 de setembro de 2007 era de 65256. O valor anual da

licença é nove mil reais57. Porém, para serviços que demandem espectro, é exigido que

a prestadora adquira o respectivo direito de uso de radiofreqüências. Ademais, para

efeito de pagamento das taxas do Fistel, como a criação do SCM se deu posteriormente

à promulgação da LGT, as estações de comutação e de radiocomunicação para o serviço

são enquadradas na mesma categoria do Serviço Móvel Celular (item 1 do anexo da Lei

25%, 23% e 19%, respectivamente.56 Informação disponível via WWW na URL:http://sistemas.anatel.gov.br/stel/consultas/ListaPrestadorasServico/tela.asp?pNumServico=045.57 Conforme disposto no Regulamento de Cobrança de Preço Público pelo Direito de Exploração deServiços de Telecomunicações e pelo Direito de Exploração de Satélite, aprovado pela Resolução nº 386,de 03 de novembro de 2004, da Anatel.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 100

nº 5.070, de 7 de julho de 1966), em conformidade com o art. 10 da Lei do Fistel58.

Portanto, para o SCM, são aplicadas as taxas pertinentes ao Serviço Móvel Celular.

Restrições ao SCM

Não obstante o objetivo original de congregar serviços diversos, as

restrições a que foi submetido o SCM pela regulamentação o afastam sobremaneira do

modelo de licença única nos moldes do praticado pela União Européia. Isso porque as

regras do serviço proíbem: (i) o encaminhamento de tráfego telefônico através das redes

do SCM originado e terminado simultaneamente nas redes do STFC (art. 66 do RSCM);

(ii) o fornecimento de transporte de sinais de vídeo e áudio que possam ser livremente

recebidos pelo público em geral, como ocorre no serviço de radiodifusão (parágrafo

único do art. 3º do RSCM); (iii) o fornecimento de transporte de sinais de vídeo e áudio

que possam ser distribuídos de forma simultânea para assinantes, como se dá nos

serviços de TV por assinatura (parágrafo único do art. 3º do RSCM), e (iv) mobilidade

irrestrita (caput do art. 3º do RSCM). Na prática, essa determinação inviabiliza a

competição de seus prestadores com as companhias de telefonia, radiodifusão e

televisão por assinatura. É o que prevêem os arts. 3° e 66 do RSCM, reiterados pela

Súmula n° 6, de 24 de janeiro de 2002, da Anatel:

Anexo à Resolução n° 272, de 9 de agosto de 2001

“Art. 3°...

Parágrafo único. Distinguem-se do Serviço de ComunicaçãoMultimídia, o Serviço Telefônico Fixo Comutado destinado ao uso dopúblico em geral (STFC) e os serviços de comunicação eletrônica demassa, tais como o Serviço de Radiodifusão, o Serviço de TV a Cabo,o Serviço de Distribuição de Sinais Multiponto Multicanal (MMDS) eo Serviço de Distribuição de Sinais de Televisão e de Áudio porAssinatura via Satélite (DTH).

...

Art. 66. Na prestação do SCM não é permitida a oferta de serviço comas características do Serviço Telefônico Fixo Comutado destinado aouso do público em geral (STFC), em especial o encaminhamento detráfego telefônico por meio da rede de SCM simultaneamenteoriginado e terminado nas redes do STFC.”

Desde a criação do SCM, as limitações impostas aos prestadores do

serviço suscitaram críticas ao seu regulamento. O principal argumento levantado

sustenta que elas obstam a consecução de um dos principais objetivos do marco legal

58 Lei nº 5.070/66: “Art. 10. Na ocorrência de novas modalidades de serviços de telecomunicações,sujeitas a taxas de fiscalização não estabelecidas nesta Lei, será aplicada em caráter provisório a taxa doitem 1 da Tabela Anexa, até que a lei fixe seu valor.”

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 101

instituído em 1997, que é o estímulo à competição e à diversidade de serviços,

conforme estabelecem os arts. 2°, III e 127, I e II, da LGT (Medeiros, 2004):

Lei nº 9.472, de 1997

Art. 2° O Poder Público tem o dever de:

...

III - adotar medidas que promovam a competição e a diversidade dosserviços, incrementem sua oferta e propiciem padrões de qualidadecompatíveis com a exigência dos usuários;

...

Art. 127. A disciplina da exploração dos serviços no regime privadoterá por objetivo viabilizar o cumprimento das leis, em especial dasrelativas às telecomunicações, à ordem econômica e aos direitos dosconsumidores, destinando-se a garantir:

I - a diversidade de serviços, o incremento de sua oferta e suaqualidade;

II - a competição livre, ampla e justa;”

Em complemento, a legislação em vigor não impede a concorrência

em qualquer segmento de comunicação eletrônica, seja telefonia, televisão por

assinatura, radiodifusão ou qualquer outro. Pelo contrário, os arts. 84 e 136 da LGT

determinam a prestação de serviços de telecomunicações em bases preferencialmente

não exclusivas, tanto em regime público quanto privado. No ambiente convergente,

caberia às operadoras estabelecidas adaptar-se aos aperfeiçoamentos técnicos e

regulamentares, visto que a elas não foi conferida proteção contra a evolução

tecnológica, nem tampouco direito de exclusividade na prestação dos serviços. Assim,

faria parte do risco empresarial imanente ao capitalismo o surgimento de tecnologias e

serviços inovadores. E quanto a estes últimos, não caberia à Agência estabelecer óbices

artificiais que os impedisse de prosperar.

Todavia, é possível defender a postura conservadora da Agência por

meio da alegação de que a criação de um modelo realmente convergente, a exemplo do

regime de autorização geral adotado pela Comunidade Européia, não traria ganhos

econômicos consideráveis, mas apenas agravariam a relativa estagnação em que se

encontram os mercados de radiodifusão e de telefonia fixa.

Em adição, a mudança abrupta para um novo cenário regulatório traria

insegurança aos investidores e causaria prejuízos irreparáveis à credibilidade das

instituições nacionais, decorrentes da quebra da cláusula do equilíbrio econômico-

financeiro dos contratos das concessionárias de telefonia fixa e do descumprimento de

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 102

normas constitucionais e legais vigentes, tais como as que estabelecem condições

jurídicas especiais para os serviços de radiodifusão e TV a cabo.

No relatório “Brazil Mini-Case Study 2003”, elaborado em

colaboração com a Anatel, Tamayo (2003, p.5) esclarece que a restrição imposta ao

trânsito de chamadas entre assinantes do STFC pelas redes do SCM decorre do fato de

que as concessionárias aportaram vultosos investimentos no processo de privatização,

tendo sido atribuídas a elas obrigações de universalização e cobertura de serviços. Da

mesma forma, as autorizatárias do serviço também realizaram investimentos para

custear a expansão da infra-estrutura, embora de menor monta. Nesse sentido, afirma

que:

“A Anatel concluiu que não seria justo permitir que um operador de SCM que nãoincorreu em tais custos venha a competir com as operadoras fixas por serviçospúblicos de telefonia fixa.[§] Os direitos assegurados às operadoras incumbentesno Brasil por meio de contrato constituem um obstáculo legal à criação de umalicença única tecnologicamente neutra sob as quais qualquer tipo de serviçopoderia ser ofertado”.59

Essa não é uma posição isolada: conforme assevera Flanagan (2005,

p.165), é natural que as licenças sejam usadas para “limitar as mudanças na regulação

nacional que possam afetar as operações e direitos da prestadora”. O regulador

indiano TRAI enfrentou situação semelhante a essa recentemente, tendo sido levado a

estabelecer uma solução conciliatória entre os agentes.

Cabe ressaltar que a postura da Agência de proteção às

concessionárias não foi aplicada uniformemente a todas elas, haja vista que a ampla

disseminação das chamadas via VoIP realizadas por meio do “by-pass” das redes de

telefonia fixa interestaduais e internacionais não sofreu resistência da Anatel.

É interessante observar que, embora questionem a ampla abertura do

uso do SCM para encaminhamento de tráfego de voz, as concessionárias de telefonia se

valem das alternativas de serviço passíveis de prestação pelo SCM para ofertar serviços

de banda larga e corporativos de voz, empregando inclusive as infra-estruturas

construídas originalmente para o STFC.

59 Tamayo, G. Brazil Mini-Case Study 2003 - Brazil’s SCM Licensing Service Category: A Step TowardConvergence, Genebra, Jose Lloreda Camacho & Co, 2003, 7p. “ANATEL concluded that it would notbe fair to allow a third party SCM operator who had not incurred such costs to compete with the fixed lineoperators for public fixed telephone services. [§] The rights granted to the incumbent operators in Brazilthrough their service contracts constitute a legal obstacle to the creation of a single technology neutrallicense under which all types of services could be offered.” Tradução livre do original.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 103

Cabe ainda salientar que os incisos XI e XII do art. 21 da Constituição

Federal, que expressamente estabelecem a separação entre os serviços de radiodifusão e

de telecomunicações, submetendo apenas os últimos à esfera normativa da Anatel,

impedem que a Agência habilite a prestação de serviços similares aos de radiodifusão

mediante SCM.

Numeração

O RSCM permite que usuários corporativos do serviço possam

estabelecer enlaces de voz entre si. Da mesma forma, também habilita que um assinante

do SCM prestado sobre a rede de banda larga ofertada por uma operadora qualquer

possa originar chamadas para usuários dos serviços de telefonia fixa e móvel. Porém,

conforme já ressaltado, impede que o SCM tenha chamadas originadas e terminadas

simultaneamente na rede pública de telefonia. Essa restrição impede que novas

tecnologias possam ser exploradas via SCM na sua máxima potencialidade.

Uma solução para essa limitação seria a adoção de plano de

numeração específico para o SCM, que poderia permitir ligações tanto entre usuários

desse serviço como a interconexão com assinantes do STFC e do SMP. Cumpre

observar que serviços de menor potencial de mercado, como é o caso do serviço de

sistema troncalizado (“trunking”) – regulamentado pela Resolução n° 404, de 2005 –, e

do Serviço Móvel Global por Satélites – SMGS – regido pela Portaria n° 560, de 1997 –

prevêem plano de numeração e interconexão com os serviços de telefonia pública.

Embora o art. 5º do RSCM expressamente preveja a criação de plano

de numeração para o serviço60, esse assunto não é considerado prioritário pela Anatel.

Segundo notícia divulgada no sítio da Internet da Teletime, em 24 de maio de 2007, o

conselheiro Pedro Jaime Ziller declarou-se contrário à sua elaboração, sob as

justificativas da incompatibilidade dos aplicativos empregados pelos prestadores, da

dificuldade em estabelecer critérios para aferição da qualidade do serviço e do efeito da

criação de nichos, considerado prejudicial à competição pelo conselheiro. Sendo assim,

em virtude da ausência de normatização infra-legal, os prestadores de VoIP só podem

interagir com o sistema público de telefonia valendo-se do uso da numeração do STFC

ou do SMP, e, mesmo assim, nas condições mencionadas.

60 Anexo à Resolução n° 272, de 9 de agosto de 2001: “Art. 5° A utilização de recursos de numeraçãopelas redes de suporte à prestação do SCM é regida pelo Regulamento de Numeração, aprovado pelaResolução n.° 83, de 30 de dezembro de 1998 e pelo Plano de Numeração do SCM”

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 104

Segundo Pereira Filho (2005b), as seguintes alternativas estão em

análise pela Anatel para a numeração do SCM: 1) compartilhar recursos do STFC (os

códigos iniciados por “5” seriam reservados para o SCM); 2) adotar códigos não

geográficos, não compartilhados com o STFC, e 3) usar o código “99” para chamadas

inter-redes. Nesse último caso, haveria 12 dígitos de numeração. Os seis últimos seriam

o código de acesso, os dois seguintes identificariam a rede, mais dois indicariam o

serviço (o SCM seria o “70”, por exemplo), e os dois últimos poderiam identificar um

código de chamadas inter-redes (“99”, por exemplo).

Cumpre ressaltar que a instituição de plano de numeração para o

SCM, mesmo que incompatível com o da rede pública de telefonia, em tese poderia

estimular a criação de uma poderosa rede de comunicação multimídia paralela à de

telefonia, assim como o desenvolvimento de aplicativos e inovações tecnológicas

associados a ela. Além disso, a rede se tornaria mais valiosa à medida do seu

crescimento, pois, conforme salienta Mattos (2007, p.5):

“O valor do serviço de telecomunicações para um usuário é diretamenterelacionado ao número de outros usuários conectados ao sistema; quanto maisusuários um sistema tiver, maior o número de pessoas para as quais umdeterminado usuário poderá ligar. Como as chamadas para outras pessoas seconstituem na própria fonte de demanda do consumidor pelo serviço, o número deusuários com quem se pode falar determina o próprio valor do serviço.”

SCM x SMP

As prestadoras do Serviço Móvel Pessoal – SMP –, por executarem

atividade prestada em regime privado, não têm assegurada pela LGT a preservação do

equilíbrio econômico-financeiro dos termos de autorização pactuados com a Agência,

como ocorre com as concessionárias do STFC. Pelo contrário, no regime de

autorizações, não se admite o direito adquirido, conforme previsto no art. 130 da LGT:

Lei nº 9.472, de 1997

“Art. 130. A prestadora de serviço em regime privado não terá direitoadquirido à permanência das condições vigentes quando da expediçãoda autorização ou do início das atividades, devendo observar os novoscondicionamentos impostos por lei e pela regulamentação”.

Cabe salientar que esse dispositivo não implica que o Poder Público

detém a prerrogativa de alterar as condições de prestação de forma injustificada, mas

apenas que a regulamentação dessas atividades se caracteriza por maior potencial de

mutabilidade em relação aos serviços prestados em regime público.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 105

No entanto, diante da evolução das tecnologias sem fio, pode-se

argumentar que, ao impedir o SCM de dispor do atributo da mobilidade plena, a

Agência estaria preservando uma barreira meramente artificial ao desenvolvimento do

serviço, sobretudo se for levado em consideração que ele foi instituído com o intuito de

se transformar em serviço convergente.

Na realidade, como o Regulamento do SMP61 não impede que o

prestador oferte comunicação de dados ao assinante, caso o RSCM fosse alterado com o

objetivo de estender ao SCM a possibilidade de prover mobilidade irrestrita, essa

medida aproximaria ambos os serviços. Para tanto, seria também necessário suprimir as

limitações previstas no RSCM e na Súmula 6 que proíbem essa convergência, bem

como atribuir plano de numeração para o SCM.

No que diz respeito à proteção dos investimentos já realizados pelas

companhias de telefonia celular, como a prestação de um suposto “SCM móvel”

demandaria o emprego de recursos de espectro, as entrantes seriam obrigadas a aportar

recursos financeiros para dispor do direito de uso de radiofreqüências, tal como o

fizeram no passado as operadoras do SMP. Sendo assim, em princípio, não se

justificaria o argumento de tratamento discriminatório entre as prestadoras.

SCM x TV por assinatura

Embora o RSCM estabeleça vedações à distribuição de conteúdo de

forma similar à realizada pelas operadoras de TV por assinatura, o art. 67 habilita o

fornecimento de sinais de vídeo e áudio de forma eventual, mediante contrato ou

pagamento por evento. De acordo com Medeiros (2004), à época da expedição do

RSCM, esse dispositivo foi questionado judicialmente pelas operadoras de televisão por

assinatura, que se viram ameaçadas pela possibilidade do surgimento de competidores

que não estariam submetidos às mesmas rígidas condições regulatórias aplicáveis a elas.

Com o intuito de dirimir as questões suscitadas em torno no assunto, a Anatel acabou

por expedir a Súmula 6, de 24 de janeiro de 2002, que reiterou as restrições previstas no

RSCM. Consoante assinala Tamayo (2003, p.4):

“os operadores de SCM devem cumprir as obrigações estabelecidas nos respectivosTermos de Autorização que especificam as condições sob as quais estão habilitados

61 Anexo à Resolução n° 477, de 7 de agosto de 2007, da Anatel.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 106

a transmitir vídeo, voz e dados, para diferenciá-los dos operadores de TV pagaexistentes.”.62

Assim, o SCM pode ser usado para videoconferências e transmissão

de programas entre produtores e radiodifusores, mas não para distribuir conteúdo

eletrônico audiovisual mediante “pay per view”, conforme o disposto na referida

Súmula 6:

Súmula 6, de 24 de janeiro de 2002

“A prestação do Serviço de Comunicação Multimídianão admite a transmissão, emissão e recepção deinformações de qualquer natureza que possamconfigurar a prestação de serviço de Radiodifusão ou deserviços de TV a Cabo, MMDS ou DTH, assim como ofornecimento de sinais de vídeo e áudio, de formairrestrita e simultânea, para os assinantes, na forma econdições previstas na regulamentação daquelesserviços”.

Comparativo entre a Diretiva Autorização e o Regulamento do SCM

No intuito de estabelecer um paralelo entre os principais dispositivos

constantes do regulamento do principal serviço convergente em vigor no País – o SCM

– e os preceitos do quadro regulamentar convergente da União Européia que foi

consolidado na Diretiva Autorização, elaboramos a tabela 6.2. Cabem, no entanto, duas

ressalvas. A primeira delas é que a Diretiva estabelece apenas diretrizes a serem

incorporadas nos arcabouços jurídicos de licenciamento dos Estados-Membros e, como

tal, tem caráter de generalidade, ao contrário do SCM, que visa regulamentar em

detalhes a outorga de um serviço. A segunda é que a arquitetura do SCM foi construída

ao redor de uma miríade de restrições formais e informais inerentes à realidade

brasileira, enquanto que a Diretiva não estava submetida às mesmas limitações.

62 Tamayo, G. Brazil Mini-Case Study 2003 - Brazil’s SCM Licensing Service Category: A Step TowardConvergence, Genebra, Jose Lloreda Camacho & Co, 2003, 7p. “SCM operators must also comply withthe obligations set forth in their respective Terms of Authorization that specify the conditions underwhich SCM operators are able to transmit video, voice and data, in order to differentiate SCM fromexisting Paid TV Operators.” Tradução livre do original.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 107

Tabela 6.2 – Comparativo: Diretiva Autorização x Regulamento do SCM

Característica Diretiva Autorização Dispositivo RSCM Dispositivo

Extinção daautorização

Em caso de descumprimentoreiterado e grave das condiçõesda autorização

Parágrafo 5 do art. 10°Por perda das condiçõesindispensáveis à prestação doserviço

Art. 19

Informações exigidasao requerer a licença

Identificação do operador, brevedescrição do serviço e dataprovável de início dasatividades

Parágrafo 3 do art. 3° Rol extenso de qualificações Art. 14, caput eparágrafo único

Exclusividade naprestação do serviço Não há Alínea ´a´ do parágrafo

2 do art. 2° Não há Art. 10, parágrafoúnico

Normas paranumeração Obediência a regras exaustivas Parte C do Anexo da

DiretivaPlano de numeração previsto,mas não implementado Art. 5°

Alocação defreqüências

Em separado da autorizaçãogeral, e em obediência a regrasexaustivas

Parte B e parágrafo 15do Anexo A da Diretiva

Em separado da autorização paraprestação do serviço, masvinculado a ele

§ 1° do art. 163 daLGT

Mobilidade Não há vedação Alínea ´a´ do parágrafo2 do art. 2° Serviço fixo Art. 3°

Interesse Público ou não Alínea ´a´ do parágrafo2 do art. 2° Coletivo Art. 3°

Atividades vedadas

Não há, mas as atividadesrelacionadas a conteúdo não sãoregidas pela DiretivaAutorização

Citação 12 da Exposiçãode Motivos

Radiodifusão, televisão porassinatura, STFC e SMP

Art. 3°, parágrafoúnico

Condições e termosda licença Condições exaustivas Parágrafo 1 do art. 6°

Previsão de condições nãoexaustivas. O termo deautorização é detalhado.

Arts. 12 e 17

Interconexão Dever e direito, se houverprestação ao público

Alínea ´a´ do parágrafo2 do art. 4° Dever e direito Art. 6°

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 108

Característica Diretiva Autorização Dispositivo RSCM Dispositivo

Infra-estruturaempregada Própria ou de terceiros Alínea ´a´ do parágrafo

2 do art. 2° Própria ou de terceiros Art. 8°

Prazo para entradaem operação doserviço

Prestação imediata a partir dorequerimento, a critério dooperador

Parágrafo 2 do art. 3° Não fixado -

Transferência dalicença Não prevista - Prévia anuência da Agência, e

após três anos da operação Art. 34

Serviço deemergência

Pode ser imposto acesso aserviço de emergência

Parágrafo 12 da parte Ado Anexo Acesso gratuito Art. 62

Encaminhamento detráfego telefônicopela rede pública

Não há vedações específicas -É proibida a chamadasimultaneamente originada eterminada nas redes do STFC

Art. 66

Taxas Limitadas à cobertura deencargos administrativos

Alínea ´a´ do parágrafo1 do art. 12°

Cobertura de despesas naexecução da fiscalização deserviços de telecomunicações

Art. 1° da Lei nº 5.070,de 7 de julho de 1966(Fistel) e Anexo I doAnexo à Resolução nº386, de 03/11/2004

Alterações na licença Possível Parágrafo 1 do art. 14° Possível Art. 130 da LGTAcesso aos recursosdo fundo universal

Sim, se houver prestação deserviços ao público

Alínea ´b´ do parágrafo2 do art. 4° Não Parágrafo 2° do art. 80

da LGTTransferência dedireito de uso deespectro

Possível Art. 9° da DiretivaQuadro

Somente em conjunto com atransferência da autorização Art. 168 da LGT

Abrangência doserviço A ser informada pelo prestador Alínea ´a´ do parágrafo

2 do art. 2° Âmbito nacional e internacional Art. 3°

Duração daautorização Indeterminada - Indeterminada Art. 10, parágrafo

únicoPreço ao consumidorfinal Não há previsão - Livre Art. 129 da LGT

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 109

6.2.5 – Constituição Federal

A Constituição Federal estabelece que os serviços de radiodifusão

estão submetidos a condições especiais, entre elas o limite de trinta por cento para a

participação estrangeira no capital social e votante das empresas que os prestam (§ 1º do

art. 222). Além disso, o § 1º do art. 223 remete as outorgas de radiodifusão à apreciação

do Congresso Nacional.

Como o conceito do serviço de radiodifusão é verticalizado no Brasil,

formalmente, não há como desvincular as atividades de programação e distribuição de

conteúdo de TV aberta. Por isso, uma multinacional estrangeira de telecomunicações

que esteja interessada em prover difusão de sinais de televisão, terceirizando a

programação, não poderá fazê-lo, haja vista a Carta Magna vedar outorgas de

radiodifusão para empresas controladas por estrangeiros63. Portanto, a inclusão do

serviço de difusão dos sinais de televisão aberta em um eventual regime convergente de

licenças de telecomunicações não seria possível. Isso não ocorre na União Européia,

onde a transmissão de sinais de TV é considerada serviço de comunicação eletrônica e,

como tal, submetida ao regime de autorização geral.

63 A transmissão das programações das emissoras de televisão pelas operadoras de DTH é prevista naNorma 008/97, que dispõe sobre o “Serviço de Distribuição de Sinais de Televisão e de Áudio porAssinatura via Satélite (DTH)”, aprovada pela Portaria n° 321, de 21 de maio 1997, do Ministério dasComunicações. Segundo o disposto no item 5.3 dessa Norma, “a transmissão de programação deconcessionária ou permissionária de Serviços de Radiodifusão através do Serviço DTH somente poderáser feita após celebração do respectivo contrato de cessão de programação entre as partes, respeitando ascondições nele estabelecidas e na legislação pertinente”.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 110

7 – PROPOSTA DE MODELO CONVERGENTE DE

OUTORGAS

Conforme abordado nos capítulos anteriores, a evolução do mercado

de telecomunicações demanda a adoção de um modelo de outorga de serviços e redes

capaz de responder aos desafios proporcionados pela convergência tecnológica, de

modo a permitir que os diversos agentes, sobretudo operadoras e consumidores, possam

usufruir as oportunidades propiciados por ela.

Cabe reiterar que, embora o sistema de autorização geral praticado

pela União Européia seja considerado a iniciativa de modelo convergente de maior

sucesso, a mera transferência desse regime para a realidade brasileira se revela inviável.

Em primeiro lugar, é essencial considerar que, em maior ou menor grau, seus Estados-

Membros estão envolvidos nessa transição desde a década de 1980. Além disso, não

obstante a relativa homogeneidade dos países da Comunidade, a consolidação do novo

marco regulatório na região ocorreu a velocidades completamente distintas. Enquanto

no Reino Unido a liberalização do mercado de telecomunicações ocorreu rapidamente,

na Alemanha o processo se deu forma muito mais morosa.

Em segundo lugar, conforme esclarecem Buckinghan et Willians

(2005), as condições institucionais a que estão submetidos os países que compõem a

União Européia são absolutamente distintas daquelas a que se sujeitam as nações

emergentes. Mesmo países como o Brasil, cuja credibilidade das instituições se elevou

significativamente nos últimos anos64, não transmitem a mesma percepção de certeza

regulatória para os investidores estrangeiros do que as nações européias. Portanto, o

processo de reforma do modelo regulatório – e, em particular, do regime de

licenciamento – deve considerar essa realidade, conforme vastamente explorado na

literatura econômica por autores como North (1990).

Em razão dos motivos elencados, neste trabalho, pretendemos propor

a adoção não de um modelo ideal, mas de um regime que busque promover uma

transição gradual em direção à neutralidade tecnológica e de serviços, principalmente

porque a legislação e a própria Constituição Federal brasileiras estabelecem severas

restrições à aglutinação de determinados serviços.

64 O índice EMBI+ (mais conhecido como “Risco País”), criado em 1992 pelo JP Morgan, revela que onível de confiança dos investidores no Brasil mostrou sensível progresso, caindo de 1.034 pontos, em1999, para 235, em 2006 (Faria, 2007).

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 111

Na análise, serão identificadas as similaridades entre a atual

conjuntura institucional brasileira e os obstáculos enfrentados por outros países na

transição rumo à implantação de regimes convergentes de licenciamento. Cumpre

ressaltar ainda que a metodologia empregada para elaborar o modelo proposto se baseia

nas sistemáticas recomendadas por Buckingham et Willians (2005) e de La Torre et

Maddens (2004), apresentadas nas seções 4.3 e 4.4 deste trabalho.

7.1 Premissas do modelo proposto

Preservação dos instrumentos contratuais, legais e constitucionais em

vigor

A principal premissa assumida fundamenta-se na manutenção dos

contratos de concessão de telefonia fixa e do arcabouço legal vigente, especialmente a

Constituição Federal, a LGT, a Lei do Cabo, a Lei do FUST e a Lei do Fistel. Sendo

assim, do ponto de vista normativo, serão admitidas apenas inovações jurídicas em nível

infra-legal. Para justificar a adoção das medidas propostas, nos fundamentaremos na

motivação de mérito e no embasamento jurídico apresentados anteriormente neste

trabalho.

A principal vantagem dessa abordagem reside no fato de que o

modelo proposto é passível de implantação sem a necessidade de alterações legais ou

constitucionais, cujos trâmites legislativos são complexos e morosos. Prova disso é que,

até hoje, a LGT sofreu apenas dois emendamentos legais – pelas Lei nº 9.986, de 18 de

julho de 2000, e nº 9.691, de 22 de julho de 1998 –, não obstante o arcabouço legal do

setor por vezes clamar por aperfeiçoamentos65. Além disso, o texto legal resultante do

processo legislativo raramente reflete a escolha mais eficiente sob a perspectiva técnica

e/ou econômica, em privilégio de fatores políticos.

Por outro lado, essa premissa limita os resultados alcançados, visto

que o modelo será construído ao redor de restrições que dificultam o cumprimento do

objetivo de neutralidade originalmente almejado. Porém, do ponto de vista da segurança

regulatória, a implementação de migração suave em direção ao cenário de licenciamento

65 AGÊNCIA CÂMARA. Conferência revela consenso sobre necessidade de mudanças na LGT.Brasília: Agência Câmara, 2007. [on line] Disponível na Internet via WWW. URL:http://intranet2.camara.gov.br/internet/comissoes/cctci/leia-mais-conferencia-encerrada. (Consultado em18.10.2007).

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 112

convergente atenua os eventuais efeitos adversos causados por mudanças abruptas de

regulamentação, mantendo-se, assim, um clima de segurança jurídica.

A opção pela evolução gradual também foi a alternativa adotada pela

Índia, que recentemente se viu envolta em desafios semelhantes aos vividos pelo Brasil.

No documento “Consultation Paper on Unified Licensing for Basic and Cellular

Services”66, o regulador indiano, afirma que, após ter vencido um estágio intermediário

rumo ao cenário convergente, aquele país se valeu da experiência adquirida para

estendê-la ao planejamento das etapas posteriores.

Para tanto, a TRAI considerou questões como o tipo de licença a ser

adotada, taxas de licenciamento, definição de áreas de prestação de serviço, obrigações

de abrangência, preços e condições de alocação de espectro, obrigações de interconexão

entre serviços, prazo de outorga, contribuição para o fundo de universalização, planos

de numeração e preços de entrada a serem pagos pelos novos entrantes, levando-se em

consideração os valores já pagos pelas operadoras estabelecidas.

Examinou ainda possíveis alterações nas licenças vigentes para

adaptá-las às novas condições regulatórias, bem como as implicações do regime de

licenciamento unificado para a sustentabilidade do mercado. Ademais, no intuito de

estabelecer regras para que a competição não fosse comprometida, conferiu especial

ênfase para a reavaliação dos mercados relevantes, levando em conta a aglutinação de

serviços em licença única, aliada ao movimento de fusões e aquisições.

Evolução em direção à neutralidade dos serviços e tecnologias

Conforme já mencionado, o ordenamento jurídico brasileiro não

determina que os serviços de telecomunicações sejam necessariamente atrelados às

tecnologias empregadas para suportá-los. Em consonância com as tendências mundiais

em relação à matéria, o regime de licenciamento elaborado será compatível com o

princípio de neutralidade tecnológica e de serviços, porém, com as restrições

estabelecidas pela premissa anterior.

Exclusão das atividades relativas a conteúdo do escopo do modelo

66 TELECOM REGULATORY AUTHORITY OF INDIA – TRAI. Consultation Paper on UnifiedLicensing for Basic and Cellular Services, Consultation Paper n° 3/2003. Nova Delhi: TRAI, 2003. [online] Disponível na Internet via WWW. URL:http://www.trai.gov.in/trai/upload/ConsultationPapers/36/final%20consutation1-16th%20july.pdf(Consultado em 15.03.2007).

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 113

À semelhança do modelo europeu, o regime proposto não tratará de

questões relacionadas a fomento, produção, programação e empacotamento de

conteúdo, restringindo-se apenas à sua distribuição.

Balanço adequado entre ambiente regulatório estável e estímulo ao

desenvolvimento tecnológico

A maior parte da literatura defende que os regimes de licenciamento

devem ser construídos de maneira a construir um balanço equilibrado entre o estímulo

ao desenvolvimento de novas tecnologias e serviços e a preservação de um ambiente de

certeza regulatória, com conseqüente limitação à discricionariedade do regulador.

Segundo Singh (2007), esse princípio deve nortear os regimes de outorga

principalmente de países emergentes, onde a atração de investimentos demanda

permanentes sinalizações positivas sobre a segurança jurídica do modelo praticado.

Assim, o regime elaborado pretende oferecer flexibilidade na

prestação de serviços e uso de tecnologias, porém sem conferir discricionariedade

excessiva à Agência, de modo a não afastar o interesse de investidores no mercado

brasileiro.

Regulação diferenciada para operadores que detenham PMS

De acordo com as considerações anteriormente apresentadas neste

trabalho, a redução de barreiras à entrada no mercado deve ser acompanhada da

imposição de obrigações especiais para operadoras que detenham poder de mercado

significativo. O objetivo é não permitir que a flexibilização proporcionada pelo regime

convergente se converta em oportunidade para a excessiva concentração de mercado,

em consonância com as soluções adotadas pela União Européia e Índia.

Essa medida é imprescindível porque o regime convergente implica a

aproximação conceitual de serviços, com reflexos no ambiente concorrencial, como a

superposição de mercados. Também é essencial que a análise sobre os mercados

relevantes seja feita de forma dinâmica, de forma a acompanhar a velocidade da

evolução do setor.

Simplificação de procedimentos de entrada no mercado

Em conformidade com o disposto em capítulos anteriores, a redução

de encargos administrativos e financeiros sobre potenciais entrantes consiste em

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 114

estímulo para a entrada no mercado e o aumento da competição. Por esse motivo, essa

se constituirá em uma das premissas básicas do modelo elaborado.

7.2 Descrição do modelo

Linhas gerais do modelo

No atual regime de licenciamento, cada outorga autoriza a exploração

de um serviço (acesso) e/ou uma rede (infra-estrutura) específica. A exemplo das

tendências internacionais analisadas anteriormente, o sistema brasileiro pode ser

aperfeiçoado de modo a permitir que as licenças sejam mais abrangentes, de forma a

englobar diversos serviços existentes.

Na abordagem proposta, as outorgas não mais serão mais definidas

com base em parâmetros tecnológicos, mas serão tipificadas por categorias que se

justificarão, em regra, pelas limitações legais impostas. Conforme explorado no capítulo

6, as características particulares do arcabouço legal brasileiro não permitem a adoção

imediata de modelo puramente convergente. A opção será, portanto, por regime de

natureza híbrida, composto de licenças individuais e licenças convergentes, à

semelhança da experiência de países como a Índia.

A simplificação de procedimentos de licenciamento será

acompanhada de acompanhamento mais próximo dos mercados relevantes com o intuito

de estabelecer obrigações especiais para operadoras que detenham PMS e detectar

condutas anticoncorrenciais, o que exigirá do regulador e dos órgãos de defesa da

concorrência maior agilidade e capacitação técnica para lidar com a matéria.

Classes de serviços

A premissa de respeito aos instrumentos legais em vigor demanda que

o STFC seja obrigatoriamente preservado, haja vista ser o único passível de prestação

em regime público, o que demanda tratamento jurídico diferenciado em relação aos

demais serviços, prestados em regime privado. Pelo mesmo motivo, o serviço de TV a

cabo também deve ser mantido, visto que a Lei n 8.977/95 impõe dificuldades para

integrá-lo aos demais serviços de TV por assinatura. Esse assunto será analisado

posteriormente. O serviço de radiodifusão, em função das restrições constitucionais

vigentes, está fora do escopo do regime de licenciamento proposto.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 115

Os serviços de interesse restrito poderão ser minimizados a uma única

classe, que englobará serviços tais como o móvel aeronáutico, rádio do cidadão e

radioamador. Conforme admitido pelo art. 131, § 2°, da LGT, os serviços abrangidos

por essa classe serão submetidos a processo de autorização geral similar ao praticado na

Comunidade Européia, em que o operador apenas notifica o regulador de que irá iniciar

suas operações, prestando informações básicas sobre o serviço prestado. Ainda à

semelhança do modelo europeu, a prestação dos serviços da classe se fará

preponderantemente segundo o disposto em regulamento, e não na licença. Além disso,

os regulamentos determinarão que esses serviços não causarão interferências indevidas

nos serviços de interesse coletivo. Caso o serviço demande radiofreqüências licenciadas,

o operador deverá obter a respectiva autorização de direito de uso de espectro para

prestá-lo, como já ocorre hoje.

Os demais serviços serão agregados em uma única classe. Portanto,

comporão essa categoria todos os serviços prestados em regime privado de interesse

coletivo, à exceção da TV a cabo. Essa licença conterá características comuns a todos os

serviços pertencentes à classe. Assim, os serviços que comporão essa classe poderão

dispor de mobilidade plena, plano de numeração e possibilidade de prestação de

serviços similares à telefonia fixa e móvel, bem como televisão por assinatura. Essa

proposta permite a incorporação dos benefícios oriundos de desenvolvimentos

tecnológicos recentes como o VoIP e sistemas sem fio como o Wimax, que poderão

concorrer com as tecnologias já consolidadas. A infra-estrutura empregada para

executar o serviço poderá ser própria ou de terceiros, inclusive radiofreqüências. Essa

solução não implica transferência de espectro – o que conflitaria com as premissas

adotadas –, mas o compartilhamento de redes. Além disso, nessa classe também seriam

agregados os serviços de telefonia fixa prestados em regime privado. Porém, para que

não haja favorecimento indevido para essas operadoras, será concedido às

concessionárias de telefonia o direito de dispor do recurso da mobilidade irrestrita67.

A homogeneização das normas de atendimento ao consumidor

aplicáveis aos serviços de interesse de coletivo poderá alcançada por intermédio do

67 Em razão do disposto no art. 87 da LGT (“A outorga a empresa ou grupo empresarial que, na mesmaregião, localidade ou área, já preste a mesma modalidade de serviço, será condicionada à assunção docompromisso de, no prazo máximo de dezoito meses, contado da data de assinatura do contrato, transferira outrem o serviço anteriormente explorado, sob pena de sua caducidade e de outras sanções previstas noprocesso de outorga”), o prestador do STFC em regime público – ou empresas pertencentes ao seu grupoempresarial –não poderá deter outorga para prestação do mesmo serviço em regime privado.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 116

estabelecimento de regras comuns aplicáveis aos prestadores desses serviços, as quais

constarão do regulamento da classe (figura 7.1). Essa medida justifica-se em razão da

crescente popularização da oferta de pacotes do tipo “triple-play”. Por meio dela, a

operadora que prestar serviços distintos a um mesmo usuário será obrigada a oferecer

condições similares de atendimento – horário de funcionamento da central telefônica de

suporte ao cliente, por exemplo – para todos os serviços prestados em regime coletivo.

Portanto, o modelo é composto por quatro tipos de licenças, duas

delas específicas – STFC em regime público e TV a cabo – e outras duas convergentes –

de interesse restrito e coletivo, as quais doravante denominaremos “Classe de Serviços

Restritos” e “Classe de Serviços Coletivos”, respectivamente. Ao prever a criação de

licenças abrangentes que abarquem, ao mesmo tempo, infra-estrutura e acesso, o

modelo proposto se aproxima do adotado pela União Européia e Argentina, em

oposição aos regimes em vigor na Malásia, Cingapura e Austrália, que privilegiaram a

separação em camadas. Cumpre assinalar que, a exemplo do regime de autorização

geral empregado pela União Européia, a diferença de tratamento entre operação de

redes e prestação de serviços será estabelecida em regulamento, e não na licença.

Figura 7.1 – Diagrama em blocos do modelo proposto

É fundamental destacar que o regime proposto, embora contenha

apenas quatro classes, preserva todos os serviços existentes e seus respectivos

regulamentos. Contudo, os regulamentos em vigor poderão ser modificados em função

STFC em regimepúblico

Serviço de TV acabo (TVC)

Classe dosServiçosColetivos

Classe dosServiços Restritos

• Regulamento• Atributos do STFC

• Regulamento• Atributos da TVC

• Regulamento• Atributos da classe: - notificação - ...

• Regulamento• Atributos da classe: - numeração - mobilidade - atendimento - ...

SMP Regulam.

MMDS

DTH

...

Regulam.

Regulam.

R.amador Regulam.

R.cidadão

...

Regulam.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 117

das características atribuídas a cada classe. Exemplificando, o Regulamento do SCM

deverá ser modificado para incorporar todos os recursos previstos para a “Classe de

Serviços Coletivos”, como a mobilidade.

A título de ilustração, caso uma empresa opte por ofertar ao público

em geral o STFC em regime privado e o SMP, ela deverá obter apenas uma outorga

junto ao Poder Público, aplicável à “Classe de Serviços Coletivos”, não obstante

pretenda operar dois serviços distintos. Além disso, na prestação de ambos os serviços,

a prestadora deverá obedecer às normas comuns da referida classe; ao mesmo tempo,

submeter-se-á aos regulamentos individuais de cada serviço. O funcionamento do

modelo é esquematizado na figura 7.1.

Redução de taxas

Para aliviar os encargos incidentes sobre as operadoras e,

conseqüentemente, diminuir as barreiras de entrada no mercado, a priori, pode-se

aventar a alternativa de reduzir tanto os preços públicos cobrados pela outorgas quanto

as taxas de fiscalização incidentes sobre cada serviço. A diminuição destas últimas,

porém, revela-se incompatível com a premissa de manutenção da legislação vigente,

haja vista que os valores das taxas de fiscalização correspondentes a cada serviço de

telecomunicações encontram-se discriminados no Anexo da Lei nº 5.070, de 7 de julho

de 1966. Ademais, o art. 10 da Lei do Fistel fixa os valores das taxas a serem cobradas

no caso da instituição de novas modalidades de serviços, retirando flexibilidade do

órgão regulador para dispor sobre elas.

Restaria à Anatel a faculdade de alterar os preços públicos cobrados

pelo direito de exploração dos serviços de telecomunicações – ou seja, os valores das

outorgas, propriamente ditas –, que constam da Resolução nº 386, de 3 de novembro de

2004.

Velocidade de migração

O modelo proposto prevê um prazo de três anos a partir da sua

aprovação para entrada em vigor. O objetivo é sinalizar para os agentes econômicos os

efeitos da reforma com a devida antecedência, bem como permitir à Agência fazer os

ajustes necessários ao modelo, à semelhança do ocorrido em países como a Argentina.

A partir daí, iniciar-se-á período de transição no qual as novas licenças conviverão com

as hoje vigentes. Porém, as autorizações de direito de uso de espectro vinculadas a

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termos de autorização para prestação de serviços de telecomunicações que se não se

encaixarem no perfil das classes criadas não serão renovadas nos moldes em que foram

originalmente expedidas. Ademais, será concedido às empresas detentoras de outorgas o

direito à migração para o novo regime, desde que atendidas as condições objetivas e

subjetivas previstas no novo modelo.

O período de transição foi fixado de tal modo que o novo regime

comece a viger aproximadamente na época da revisão dos contratos das concessionárias

de telefonia fixa. Na oportunidade, poderão ser feitos os ajustes necessários aos

contratos para adaptação ao novo cenário.

Medidas compensatórias

No caso da instituição de regras regulatórias que venham a causar

redução substancial das suas receitas, as concessionárias de telefonia fixa poderão

invocar a cláusula que lhes assegura a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro

dos contratos, sob a justificativa de risco à continuidade do serviço.

Nesse contexto, a criação de uma classe convergente de serviços de

interesse coletivo com reduzidas barreiras à entrada – cujas operadoras poderão

inclusive empregar as redes das concessionárias para prestar serviços – poderá ser usada

como argumento para demandar revisão contratual, cabendo às empresas o ônus de

demonstrar esse desequilíbrio. No intento de assegurar a preservação de ambiente

regulatório estável, que não imponha desvantagens competitivas para as operadoras já

estabelecidas, o regulador poderá ser obrigado a adotar medidas compensatórias. Nessa

análise, no entanto, cabe a consideração de que as companhias estabelecidas dispõem do

diferencial de já possuírem base de clientes consolidada, de modo que a redução de

barreiras à entrada no mercado não assegurará às novas operadoras a conquista de

usuários das incumbentes.

Conforme já abordado, a compensação financeira direta para

operadores eventualmente prejudicados por reformas empreendidas no ordenamento

regulatório não é uma regra habitualmente praticada no cenário internacional na

transição para modelos de licenciamento convergentes. Em geral, a compensação é

implementada mediante a concessão de outros tipos de incentivos, como a abertura para

prestação de novos serviços pelas incumbentes. No modelo brasileiro, no entanto, não

há mais restrições a outorga de serviços, com exceção da prestação do serviço de TV a

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cabo por concessionárias de STFC local na respectiva área de concessão. Assim, a

menos dessa hipótese, uma prestadora pode obter outorga para prestar quaisquer

serviços de telecomunicações.

No que diz respeito a incentivos, uma das alternativas seria adotar

medidas similares às instituídas no Peru, em que houve negociação com a incumbente

para a substituição da obrigação de instalar infra-estrutura em áreas não servidas pela

antecipação em um ano do período de exclusividade para operação de telefonia fixa (de

La Torre et Maddens, 2004). Considerando a tendência mundial de universalização do

serviço de banda larga, e não mais da telefonia fixa (Vedana, 2006), algumas das metas

previstas no Plano Geral de Metas de Universalização poderão ser negociadas com as

concessionárias.

Em relação à telefonia celular, como o regime regulatório proposto

permitirá que novas tecnologias sem fio de baixo custo possam ser empregadas, com

mobilidade plena, para provimento de serviço de banda larga e de serviços similares à

telefonia móvel, as metas de cobertura e investimento mais arrojadas impostas às

operadoras já estabelecidas também poderão ser negociadas.

Na Índia, as operadoras móveis foram beneficiadas com a redução da

taxa incidente sobre o faturamento, bem como com a retenção de parte dos valores

pagos aos provedores de telefonia fixa para terminação de chamadas (de La Torre et

Maddens, 2004). No Brasil, em princípio, uma medida passível de implantação como

compensação seria a isenção temporária de parcela das contribuições para o FUST,

Funttel e Fistel. No entanto, mecanismos de renúncia tributária demandam aprovação

legislativa, o que contraria as premissas assumidas.

O cálculo das compensações que se fizerem eventualmente

necessárias poderá ser feito com base em metodologias já empregadas por países como

Hong Kong, onde foi aplicado o fluxo de caixa descontado (de La Torre et Maddens,

2004). A maior dificuldade, porém, será discenir a magnitude das perdas das operadoras

estabelecidas com a implantação do novo regime. Não obstante, essa medida permitirá

que as empresas cooperem no desenvolvimento do sistema de licenciamento

convergente. Vale ressaltar que a referida análise de compensações exige exercício

complexo que foge ao escopo desse trabalho.

Exclusão dos serviços de radiodifusão do escopo do modelo

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Uma das implicações imediatas da premissa de preservação do

arcabouço constitucional é a exclusão, no modelo elaborado, dos serviços de

radiodifusão, haja vista não se tratarem de serviços de telecomunicações em sentido

estrito. Isso ocorre porque os incisos XI e XII do art. 21 da Constituição Federal

estabelecem clara distinção entre os segmentos de radiodifusão e telecomunicações.

A referida condição é semelhante à adotada pela Comunidade

Européia quando da adoção do marco regulatório para os serviços de comunicação

eletrônica, que não abriga as atividades relacionadas a conteúdo, à exceção da sua

distribuição. Nesse aspecto, a grande distinção em relação ao modelo proposto neste

trabalho é que, na União Européia, as redes de distribuição de radiodifusão estão

submetidas às regras das Diretivas aprovadas no “Pacote 2002”, o que não é possível no

cenário jurídico brasileiro, uma vez que a atividade de programação de conteúdo de

radiodifusão está verticalmente agregada à sua distribuição.

Agregação parcial dos serviços de TV por assinatura

Conquanto se possa imaginar em princípio que o regime proposto

dispusesse da capacidade de agregar todas as modalidades de serviços de televisão por

assinatura, em bases puramente infra-legais não é possível reuni-las em uma só classe

de serviço, e nem tampouco em apenas um serviço. Embora a premissa da neutralidade

tecnológica aparentemente torne mandatória a criação, pela Anatel, de um serviço único

para a atividade de distribuição de conteúdo audiovisual eletrônico para assinantes, há

fatores que impedem essa convergência.

Senão vejamos: suponhamos uma prestadora que deseje construir e

operar uma rede de fibra ótica para prestação de TV por assinatura em determinada

localidade, e que, para tanto, receba uma outorga para a “Classe de Serviços Coletivos”.

Imaginemos ainda que as emissoras de TV aberta não entrem em acordo financeiro com

a operadora sobre a remuneração adequada para a veiculação de suas programações no

pacote ofertado pela prestadora68. Os assinantes poderão alegar que o serviço

convergente prestado a eles foi agregado na “Classe de Serviços Coletivos” apenas sob 68 Consoante abordado no capítulo 6, à exceção das prestadoras do Serviço de TV a cabo, nenhuma outraoperadora de serviço de televisão por assinatura é obrigada a ofertar gratuitamente o transporte dos canaisabertos de televisão a seus usuários, e nem tampouco as emissoras de TV aberta são obrigadas a cedersuas programações para uso pelas operadoras de telecomunicações. Essa tese, embora dominante, écontroversa: há aqueles que sustentam que, em razão da definição de “canal” prevista no inciso VII do art.5º da Lei nº 8.977/95 (“conjunto de meios necessários para o estabelecimento de um enlace físico, ótico

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o ponto de vista formal, pois, sob o prisma material, ele se caracteriza como Serviço de

TV a cabo, visto que o art. 2º da lei que instituiu o serviço (Lei n° 8.977/95) o define

como (grifo nosso) “o serviço de telecomunicações que consiste na distribuição de

sinais de vídeo e/ou áudio, a assinantes, mediante transporte por meios físicos”. Diante

dessa situação, exigirão que os canais de TV aberta sejam agregados aos pacotes

ofertados, em cumprimento ao art. 23 da Lei do Cabo (“must carry”).

O embaraço na aglutinação dos serviços de TV por assinatura é

compartilhado por Minassian (2007a, p.12), que reconhece que, “À vista da Lei de TV a

Cabo, há dificuldades de integração total dos quatro serviços existentes com a mesma

finalidade (TV a Cabo, MMDS, DTH e TVA)”. Na mesma direção, o Conselho de

Comunicação Social do Congresso Nacional, na Recomendação nº 1, de 2004, ressalta a

“a desproporção, o desequilíbrio e a falta de correspondência e de equivalência entre o

tratamento regulatório dado ao serviço de TV a Cabo, instituído e regulamentado pela

Lei 8.977/95, e o serviço DTH, tratado por Portarias ministeriais, convalidadas pela

Anatel, apesar de ambos serem modalidades essencialmente semelhantes de serviço de

comunicação social eletrônica”69.

Características da “Classe de Serviços Coletivos”

Ao discorrer sobre os conceitos para a prestação dos serviços de

telecomunicações no período de 2015 a 2020, Ramos (2006a, p.164) apontou a

importância da “existência de um grande Serviço de Telecomunicações, base da

outorga de licença firmada com o Poder Concedente, calcado sobre a estrutura

tecnológica de redes dotadas de mobilidade e independência do tipo de acesso, tal qual

apresentado pelas NGN”70. Nesse contexto, a proposta de criação da “Classe de

Serviços Coletivos” coaduna-se com o objetivo de instituir um serviço – ou,

alternativamente, uma classe de serviços – convergente, a exemplo do SCM, porém sem

as restrições que limitam a sua prestação.

De acordo com a análise apresentada no capítulo 6, as principais

restrições vigentes para o SCM são: (i) vedação à prestação de serviços que possam se

ou radioelétrico, para a transmissão de sinais de TV entre dois pontos”), as operadoras de MMDS e DTHtambém deveriam se submeter aos dispositivos da Lei do Cabo.69Conselho de Comunicação Social. Recomendação nº 1, de 2004, Brasília: Congresso Nacional, 2004. p.17 [on line] Disponível na Internet via WWW. URL:.Disponível no sítio:http://webthes.senado.gov.br/sil/COPARL/CCS/Recom/REC200412061.rtf. (consultado em 28.08.2007).70 Acrônimo de Next Generation Networking.

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confundir com radiodifusão, televisão por assinatura e telefonia; (ii) limitação à

mobilidade irrestrita, e (iii) inexistência de plano de numeração.

A “Classe de Serviço Coletivo” proposta tem características similares

às que hoje regem o SCM, porém com a supressão por completo das duas últimas

restrições. A primeira delas será suprimida apenas parcialmente, haja vista a existência

de instrumentos legais específicos aplicáveis à radiodifusão, telefonia fixa em regime

público e TV a cabo demandar que o sistema de licenciamento atribua licenças

individuais para esses serviços. A regulamentação da radiodifusão, em especial,

permanecerá apartada da de telecomunicações.

O objetivo da eliminação de restrições é instituir uma outorga de

interesse coletivo verdadeiramente multimídia e convergente, que possa abarcar os mais

diversos serviços, à exceção daqueles já referidos. Para tanto, será necessário atribuir

plano de numeração aos serviços da classe, de modo a facilitar a integração de seus

assinantes intra-rede e extra-rede. Dessa forma, o usuário poderá se beneficiar na

plenitude de inovações como o VoIP e o IPTV, entre outras.

Ao findar-se o período de latência estabelecido, o mercado deverá

estar suficientemente maduro para absorver os impactos dessa medida. Cabe assinalar

que, como a criação do plano de numeração do SCM já estava prevista desde a

instituição do RSCM, em 2001, a Agência já fez a devida sinalização para o mercado

dessa perspectiva.

Além disso, ao prover os serviços da classe do atributo da mobilidade,

serão viabilizadas novas aplicações que empreguem tecnologias sem fio. Embora essa

medida possa sofrer forte oposição por parte das operadoras de telefonia móvel, cumpre

reiterar que essas companhias devem se submeter às transformações de mercado

decorrentes das oscilações tecnológicas, inclusive para se aproveitar delas para se tornar

mais eficientes e competitivas. Como última alternativa, restará a solução de conferir

medidas compensatórias a essas operadoras, caso haja comprovada necessidade.

Para que se essa medida possa ser implementada de forma gradual,

propomos que, durante um período transitório, seja assegurada a todos os prestadores

pertencentes à “Classe de Serviços Coletivos” apenas a funcionalidade da mobilidade

restrita, definida segundo o disposto no item I da Consulta Pública nº 805, de 18 de

julho de 2007, da Anatel. Consoante esse dispositivo, a “Função de Mobilidade

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Restrita” permite “o estabelecimento de sessão, chamada ou outra espécie de

comunicação com células ou setores distintos daquele em que foi inicialmente

instalada”, porém, sem a capacidade de fazer o chamado “hand-off”. Após o período de

transição, o atributo da mobilidade plena será concedido a todas as prestadoras de

serviços pertencentes à classe.

Transferência de condições do serviço para códigos regulamentares

O modelo proposto prevê que as condições gerais de prestação dos

serviços serão preferencialmente contidas nas regulamentações das classes e/ou dos

próprios serviços, e não nas licenças. A medida pretende conferir flexibilidade ao

regulador diante de mudanças tecnológicas e de mercado.

Portanto, será demandada completa reformulação das normas da

Anatel no sentido de ajustá-las ao novo cenário. As outorgas serão compostas de

cláusulas mínimas, enquanto que a regulamentação da classe possuirá normas gerais que

incidirão sobre todos os serviços pertencentes a ela. A regulamentação do serviço, por

sua vez, conterá apenas as normas específicas aplicáveis a ele.

Nesse sentido, o modelo proposto se assemelha ao regime britânico,

em que a Ofcom fixou vinte e uma “Condições Gerais de Habilitação” que se aplicam a

categorias específicas de provedores de serviços e/ou operadores de redes (Flanagan,

2005). Naquele caso, os padrões de qualidade do serviço são fixados em regulamentos

apartados das licenças, e são estabelecidos de acordo com o tipo de serviço provido. Da

mesma maneira, a diferenciação entre as condições atribuíveis a provedores de serviços

e operadores de redes também são tratadas em normatização da agência.

Espectro

Em razão das limitações prescritas pela LGT, o modelo proposto

mantém o regime de gestão de espectro do tipo “comando e controle” que se encontra

em vigor, baseado em licenças que tratam em detalhes das condições de utilização das

radiofreqüências e em direitos de uso exclusivo, à exceção das bandas alocadas para uso

não exclusivo ou não licenciadas.

7.3 Dificuldades de implantação do modelo convergente

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Em que pesem os potenciais benefícios advindos da adoção do modelo

convergente de outorgas, é inegável a existência de embaraços para sua implementação

prática. A seguir, passaremos a abordar alguns aspectos relacionados ao assunto.

7.3.1 – Reação à redução das taxas administrativas

A primeira dificuldade para implantação do sistema proposto decorre

da premissa de redução das taxas administrativas impostas aos provedores de serviços

de telecomunicações.

Conforme ilustrado na tabela 7.1, apenas pouco mais de dez por cento

dos recursos oriundos do Fistel são efetivamente empregados na Anatel – órgão

responsável pela atividade fiscalizatória –, enquanto que o restante é contingenciado

pelo governo federal. Portanto, é natural que a proposta de corte na arrecadação desse

fundo mediante redução dos valores cobrados pelas outorgas venha a enfrentar

resistências das autoridades instituídas. Reação ainda maior encontraria a proposição de

diminuição das taxas de fiscalização, que também compõem o Fistel.

Embora se possa argumentar que a renúncia fiscal decorrente da

redução da arrecadação do fundo pode ser compensada com os diversos benefícios

proporcionados pela expansão do setor de telecomunicações – redução do custo de

infra-estrutura para os demais segmentos econômicos, aumento de postos de trabalho e

atração de investimentos, entre outros –, a medida só seria passível de implantação de

forma gradual, de modo a minimizar seu impacto imediato sobre as contas

governamentais.

7.3.2 – Reformulação de regulamentos e da estrutura da Agência

A mudança em direção ao sistema de licenciamento convergente

requer um período de maturação para que as instituições formais e informais possam se

adequar a ele. A experiência dos países da União Européia, que se encontram

envolvidos nessa transição desde a década de 1980, demonstra que a consolidação do

novo marco regulatório demanda tempo e recursos consideráveis. Nesse contexto, a

reformulação dos regulamentos e contratos em vigor e a reestruturação administrativa

de reguladores e regulados fazem parte de um complexo processo de adaptação ao novo

ambiente. No Brasil, o recente insucesso da Anatel em promover alterações na sua

estrutura organizacional revela as dificuldades a que está submetida a Agência ao tentar

empreender mudanças dessa natureza.

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Considerando que a adoção do regime de licenciamento convergente

pressupõe forte atuação da Anatel sobre mercados relevantes e flexibilização do

controle sobre os demais mercados, é necessário que seus agentes sejam capacitados

para lidar com esse cenário nascente. Essa realidade exige completa revisão das normas

aplicáveis aos serviços de telecomunicações, processo que demanda a realização de

consultas públicas e discussões com operadores, consumidores e outros entes

governamentais, o que torna morosa a migração proposta.

Tabela 7.1 – Séries históricas da receita do Fistel e das despesas da Anatel71

1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

Receita do Fistel 2.173 2.277 4.430 2.694 1.288 1.987 2.056

Empenhos liquidados–Anatel 217 224 225 258 231 252 231

0

500

1.000

1.500

2.000

2.500

3.000

3.500

4.000

4.500

5.000

1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

Milh

ões

de re

ais

Receita do FistelDespesas - Anatel

Figura 7.2 – Séries históricas da receita do Fistel e das despesas da Anatel

7.3.3 – Capacidade decisória do regulador

Segundo o disposto no art. 20 da LGT72, as decisões do Conselho

Diretor da Anatel devem ser tomadas por maioria absoluta do colegiado, composto de

cinco membros. Porém, o exame da composição do Conselho ao longo dos últimos

quatro anos aponta que apenas em raros momentos ele dispôs da sua capacidade

decisória plena, conforme mostrado na Figura 7.3. Dessa forma, a tomada de decisão a

respeito de matéria que altera drasticamente o funcionamento e a estrutura da Agência

poderá ser prejudicada pela ausência de membros efetivos do seu corpo diretivo.

71 1) Dados disponíveis no sítio da Teleco via WWW na URL: http://www.teleco.com.br/anatel.asp; 2)Valores em milhões de reais.

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Tabela 7.2 – Períodos efetivos dos mandatos dos conselheiros da Anatel73

Conselheiro Posse SaídaAntônio Carlos Valente da Silva 05/11/1997 04/06/2004Antônio Domingos Teixeira Bedran 14/05/2007 -Elifas Chaves Gurgel do Amaral 06/04/2005 03/11/2005José Leite Pereira Filho 05/11/1997 04/11/2007Luiz Alberto da Silva 02/05/2002 04/11/2006Luiz Francisco Tenório Perrone 05/11/1997 04/11/2001Luiz Guilherme Schymura de Oliveira 02/05/2002 08/11/2004Luiz Tito Cerasoli 08/01/1999 04/11/2003Mário Leonel Neto 05/11/1997 18/12/1998Pedro Jaime Ziller de Araújo 07/01/2004 -Plínio Aguiar Júnior 10/07/2006 -Renato Navarro Guerreiro 04/11/1997 01/04/2002Ronaldo Mota Sardenberg 02/07/2007 -

Número de Conselheiros da Anatel

0

1

2

3

4

5

nov/

97

nov/

98

nov/

99

nov/

00

nov/

01

nov/

02

nov/

03

nov/

04

nov/

05

nov/

06

nov/

07

Figura 7.3 – Evolução do número de conselheiros da Anatel

7.3.4 – Reação dos agentes econômicos

Um dos principais objetivos do modelo proposto consiste em

aumentar a competição no segmento das telecomunicações. Diante dessa premissa, é

72 Lei n° 9.472, de 16 de julho de 1997: “Art. 20. O Conselho Diretor será composto por cincoconselheiros e decidirá por maioria absoluta.”73 Dados disponíveis no sítio da Agência via WWW na URL:http://www.anatel.gov.br/Portal/exibirPortalInternet.do#

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natural que operadoras que ocupem posições privilegiadas no mercado exerçam pressão

sobre a Agência contra eventuais mudanças no status quo.

O passado recente revela diversas ocorrências em que iniciativas

regulatórias destinadas a estimular a concorrência sofreram forte oposição por parte das

empresas dominantes. A título de ilustração, não obstante esteja prevista em

regulamentação desde a aprovação da Resolução nº 86, de 28 de dezembro de 199874, a

portabilidade numérica teve sua implementação seguidamente postergada em função,

entre outros fatores, da resistência oferecida pelas operadoras. Essa postura foi mantida

mesmo após a edição do Decreto n° 4.733, de 2003, que estabelece o que se segue:

Decreto n° 4.733, de 10 de junho de 2003

“Art. 7º A implementação das políticas de que trata este Decreto,quando da regulação dos serviços de telefonia fixa comutada, doestabelecimento das metas de qualidade e da definição das cláusulasdos contratos de concessão, a vigorarem a partir de 1º de janeiro de2006, deverá garantir, ainda, a aplicação, nos limites da lei, dasseguintes diretrizes:

...

VIII - a possibilidade de ser assegurada aos assinantes de serviço detelecomunicações, residenciais e não residenciais, a portabilidade donúmero local;

IX - a possibilidade de ser assegurada, em todo o território nacional, aportabilidade dos códigos não geográficos.”

Por sua vez, a desagregação de redes – idealizada desde a edição da

LGT75 - e o modelo de custos – elemento essencial para a implantação desse recurso –

ainda não se encontram em plena operação, apesar do seguinte mandamento estatuído

pelo Decreto n° 4.733, de 2003:

Decreto n° 4.733, de 10 de junho de 2003

“Art. 7º ....................................................................................................

I - a definição das tarifas de interconexão e dos preços dedisponibilização de elementos de rede dar-se-á por meio da adoção demodelo de custo de longo prazo, preservadas as condições econômicasnecessárias para cumprimento e manutenção das metas deuniversalização pelas concessionárias;”

Além das dificuldades técnicas inerentes à materialização dessas

medidas, não há como desconsiderar os interesses contrários das grandes operadoras em

74 Anexo à Resolução nº 86, de 28 de dezembro de 1998: “Art. 7° Na estruturação do Plano deNumeração do STFC, são premissas básicas: (...) VIII – a capacidade para introdução da Portabilidade deCódigos de Acesso”.75 Lei nº 9.472/97: “Art. 155. Para desenvolver a competição, as empresas prestadoras de serviços detelecomunicações de interesse coletivo deverão, nos casos e condições fixados pela Agência,disponibilizar suas redes a outras prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo.”

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torná-las realidade. Diante da possibilidade da adoção de regime de outorgas

convergente nos termos propostos neste trabalho, é esperado que as empresas de

telefonia celular se revelem refratárias à abertura do mercado de comunicação móvel

para prestadores que utilizem tecnologias como o Wimax mediante um “SCM móvel”.

Da mesma forma, é natural que as empresas do STFC venham a reagir ao uso ilimitado

do VoIP para prestação do serviço de telefonia.

Diante desse ambiente de adversidades, uma estratégia recomendável

para o regulador consiste em buscar instituir incentivos para estimular a cooperação dos

agentes econômicos, de modo a contribuir para a criação de um cenário que não

introduza somente riscos, mas também grandes oportunidades. Além disso, é necessário

que o Poder Público acene com a possibilidade de compensações para determinadas

operadoras, caso a medida se justifique. A título de ilustração, a instituição de tarifa

plana para as concessionárias do STFC pode ser empregada como contrapartida para a

adesão dessas operadoras ao regime proposto.

Em adição, a proposta de migração paulatina para o sistema

convergente constitui-se em forte elemento a favor da adoção do modelo, haja vista

permitir que os atores possam se preparar de forma apropriada para o novo cenário.

Nesse sentido, vale salientar que a própria legislação vigente já impede que a Agência

tome decisões de maneira açodada, sem a devida oitiva dos agentes interessados76. A

figura 7.4 expressa sinteticamente as diversas etapas a serem cumpridas pela Anatel

para que o regime proposto seja implantado.

76 Lei nº 9.472/97: “Art. 42. As minutas de atos normativos serão submetidas à consulta pública,formalizada por publicação no Diário Oficial da União, devendo as críticas e sugestões merecer exame epermanecer à disposição do público na Biblioteca.”

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 129

Figura 7.4 – Etapas de implementação do modelo proposto

Definiçãodo modelo

ConsultaPública do

Modelo

Aprovaçãopelo Conselho

Redefiniçãoda estruturada Agência

Contratação/capacitaçãode pessoal

Revisão dosregulamentos

Definição decompensações

ConsultaPública dos

Regulamentos

Implementação

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 130

7.4 Mapeamento de serviços

O arcabouço regulatório brasileiro contempla serviços de

telecomunicações em quantidade de difícil contabilização, haja vista a possibilidade de

interpretações diversas da regulamentação em vigor no que diz respeito ao que deve ser

classificado como um serviço de telecomunicações.

Na tabela 7.3, optamos por tomar como referência a relação dos trinta

e sete serviços de telecomunicações constantes do Anexo ao Ato nº 3.807, de 23 de

junho de 1999, da Anatel, que dispõe sobre a “Classificação dos Serviços de

Telecomunicações quanto aos Interesses a que atendem”. Acrescentamos a essa relação

mais dois serviços que foram instituídos pela Agência posteriormente ao Ato nº 3.807,

de 1999 – o Serviço de Rede de Transporte de Telecomunicações e o Serviço Móvel

Pessoal. Ressalte-se que, no modelo atual, é necessária uma outorga específica para

cada serviço de telecomunicações, ou seja, há trinta e nove tipos distintos de outorga.

Cumpre observar ainda que a maioria dos serviços em tela permanece

com as mesmas disposições existentes antes do advento da LGT, quando os serviços

eram agrupados em Serviço Público-Restrito, Serviço Especial e Serviço Limitado,

além dos serviços oferecidos ao público em geral.

Quanto à regulamentação de serviços, desde a sua criação, a Anatel

concentrou seus esforços naqueles de maior impacto para o consumidor: STFC, SMP

(substituto do Serviço Móvel Celular), Serviço Móvel Especializado e SCM – único

serviço efetivamente criado pela Anatel. Por sua vez, a aplicação de disposições

regulatórias sobre os demais serviços vem sendo guiada pelos conceitos e regras

estabelecidos na LGT. Além disso, ressalte-se que, ao longo dos últimos anos, a

Agência desenvolveu importantes disposições de proteção ao consumidor, incluindo as

referentes aos serviços de televisão por assinatura.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 131

Tabela 7.3 - Serviços de telecomunicações em vigor

SERVIÇO COM OUTORGA ESPECÍFICA RegimePúblico

RegimePrivado

InteresseColetivo

InteresseRestrito

1. Serviço Telefônico Fixo Comutado X X X2. Serviço de TV a Cabo X X3. Serviço Móvel Pessoal X X4. Serviço Móvel Celular X X5. Serviço de Comunicação Multimídia X X6. Serviço de Rede de Transporte de Telecomunicações X X7. Serviço de Telestrada X X8. Serviço Rádio do Cidadão X X9. Serviço de Radioamador X X

Serviço Público-Restrito10. Serviço Móvel Global por Satélite X X11. Serviço Radiocomunicação Aeronáutica X X

Serviço Especial12. Serviço de Distr. Sinais TV/Áudio por Ass. via Satélite X X13. Serviço de Distribuição de Sinais Multiponto Multicanal X X14. Serviço Especial de Televisão por Assinatura X X15. Serviço Especial de Radiochamada X X16. Serviço Avançado de Mensagem X X17. Serviço Especial de Radiorecado X X18. Serviço Especial de Freqüência Padrão X X19. Serviço Especial de Boletim Meteorológico X X20. Serviço Especial de Sinais Horários X X21. Serviço Especial para Fins Científicos e Experimentais X X22. Serviço Especial de Radioautocine X X23. Serviço Especial de Radiodeterminação X X X24. Serviço Especial de Supervisão e Controle X X X25. Serviço Especial de Radioacesso X X X

Serviço Limitado26. Serviço Limitado Especializado X X X27. Serviço de Rede Especializado X X X28. Serviço de Circuito Especializado X X X29. Serviço Móvel Especializado X X30. Serviço de Radiotaxi Especializado X X31. Serviço Limitado Privado X X32. Serviço Móvel Privativo X X33. Serviço Radiochamada Privado X X34. Serviço Radiotaxi Privado X X35. Serviço de Rede Privado X X36. Serviço Limitado Estações Itinerantes X X37. Serviço Limitado de Radioestrada X X38. Serviço Móvel Aeronáutico X X39. Serviço Móvel Marítimo X X X

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 132

Com base nas análises e premissas apresentadas anteriormente neste

capítulo, na tabela 7.4, formulamos o mapeamento entre os serviços vigentes e as quatro

classes de serviços previstas na proposta de revisão inicial do atual modelo de outorgas.

A tabela pressupõe a manutenção dos mesmos trinta e nove serviços listados na tabela

7.3, sem necessidade de mudança imediata de seus regulamentos77.

Na proposta, é mantida outorga específica para o STFC em regime

público, serviço que demanda pesada regulação e dificulta o emprego de licença

unificada. Para o Serviço de Televisão a Cabo, por ser regido por lei própria, também

propomos a preservação de outorga específica.

Para os demais serviços de interesse coletivo, propomos unificar as

suas diversas outorgas específicas em uma única outorga para a “Classe de Serviços

Coletivos”, não obstante as normas de prestação de cada serviço da classe permaneçam

em vigor. Entretanto, propomos que sejam estabelecidas regras gerais válidas para todos

os serviços prestados no interesse coletivo – à exceção dos já mencionados.

Quanto aos serviços prestados no interesse restrito, respaldados pelo §

2º do art. 131 da LGT, propomos que a Anatel dispense a obrigação de outorga.

Entretanto, em obediência ao § 3º do mesmo artigo, a prestadora deverá comunicar

previamente à Agência o início de suas atividades.

Cumpre observar que os serviços que são prestados hoje

concomitantemente nos interesses coletivo e restrito aparecem de forma duplicada na

tabela 7.4, para efeito de enquadramento tanto na “Classe de Serviços Coletivos” quanto

na de “Serviços Restritos”. Cabe a ressalva de que a criação do SCM tornou

desnecessária a previsão do SRTT, do Serviço de Rede Especializado e do Serviço de

Circuito Especializado na classe de “Serviços Coletivos”, uma vez que o art. 2º do

RSCM determina que não sejam expedidas autorizações adicionais para esses serviços

no interesse coletivo, pois, neste caso, o SCM passou a sucedê-los. Como o Serviço de

Rede Especializado e o Serviço de Circuito Especializado podem ser prestados no

interesse restrito, esses serviços foram enquadrados na “Classe de Serviços Restritos”.

Além disso, em virtude da instituição do SMP e da adesão a ele de todos os detentores

de outorga do Serviço Móvel Celular, optamos por excluir este último da tabela 7.4.

77 Em caso de conflito, as normas gerais para a classe de serviços prevaleceriam sobre as regrasespecíficas aplicáveis ao serviço pertencente à classe.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 133

Tabela 7.4 - Serviços de telecomunicações – revisão inicial

SERVIÇO OUTORGA1. Serviço Telefônico Fixo Comutado em regime público STFC PÚBLICO2. Serviço de TV a Cabo TV A CABO3. Serviço Telefônico Fixo Comutado em regime privado4. Serviço Móvel Pessoal5. Serviço de Comunicação Multimídia6. Serviço de Telestrada7. Serviço Móvel Global por Satélite8. Serviço Radiocomunicação Aeronáutica9. Serviço de Distr. Sinais TV/Áudio por Ass. via Satélite10. Serviço de Distribuição de Sinais Multiponto Multicanal11. Serviço Especial de Televisão por Assinatura12. Serviço Especial de Radiochamada13. Serviço Avançado de Mensagem14. Serviço Especial de Radiorecado15. Serviço Especial de Freqüência Padrão16. Serviço Especial de Boletim Meteorológico17. Serviço Especial de Sinais Horários18. Serviço Móvel Especializado19. Serviço de Radiotaxi Especializado20. Serviço Móvel Marítimo21. Serviço Especial de Radiodeterminação22. Serviço Especial de Supervisão e Controle23. Serviço Especial de Radioacesso24. Serviço Limitado Especializado

OUTORGA ÚNICA

PARA A CLASSE DE

SERVIÇOS COLETIVOS

25. Serviço Rádio do Cidadão26. Serviço de Radioamador27. Serviço Especial para Fins Científicos e Experimentais28. Serviço Especial de Radioautocine29. Serviço Limitado Privado30. Serviço Móvel Privativo31. Serviço Radiochamada Privado32. Serviço Radiotaxi Privado33. Serviço de Rede Privado34. Serviço Limitado Estações Itinerantes35. Serviço Limitado de Radioestrada36. Serviço Móvel Aeronáutico37. Serviço Móvel Marítimo38. Serviço Especial de Radiodeterminação39. Serviço Especial de Supervisão e Controle40. Serviço Especial de Radioacesso41. Serviço Limitado Especializado42. Serviço de Rede Especializado43. Serviço de Circuito Especializado

DISPENSA DE

OUTORGA PARA A

CLASSE DE SERVIÇOS

RESTRITOS

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 134

7.5 Evolução do modelo proposto

Em fase posterior de revisão do modelo, que poderá ser objeto de

trabalhos futuros, é possível antever uma aproximação ainda maior do sistema brasileiro

de outorgas com o regime britânico, que é baseado em condições gerais aplicáveis a

determinados grupos de provedores de serviços ou operadores de redes. Na evolução do

sistema, ilustrada na tabela 7.5, será necessário reformular por completo a maioria dos

atuais serviços de telecomunicações e, inclusive, a LGT, a Lei do Cabo, a Lei do Fistel e

a Lei do FUST78.

Em primeiro lugar, no intuito de reduzir ainda mais os encargos

financeiros incidentes sobre as prestadoras de serviços de telecomunicações, aventa-se a

possibilidade de diminuir os valores das taxas de fiscalização, mediante revisão da Lei

do Fistel.

Até o encerramento dos contratos de concessão, em 31 de dezembro

de 2.025, o STFC em regime público possivelmente continuará a ser prestado sob

condições similares às vigentes hoje, haja vista as particularidades desse regime

demandarem outorga específica para o serviço. A partir de então, uma alternativa seria

encerrar a prestação de serviços em regime público, preservando-se apenas o regime

privado. Para tanto, seria necessário modificar a LGT e a Lei do FUST, de modo a

desvincular a aplicação exclusiva dos recursos do fundo em programas, projetos e

atividades implementados pelas concessionárias de telecomunicações. A hipótese de

eliminação do regime público, porém, é extremamente polêmica e foge por completo ao

escopo deste trabalho.

Os regulamentos dos quatro serviços destinados ao provimento do

serviço de televisão por assinatura – Serviço de TV a Cabo, Serviço de Distribuição de

Sinais de TV e de Áudio por Assinatura via Satélite, Serviço de Distribuição de Sinais

Multiponto Multicanal e Serviço Especial de Televisão por Assinatura – deverão ser

revistos e integrados em um único serviço, neutro quanto à tecnologia empregada. Essa

iniciativa já encontra-se em análise pela Anatel. A Agência pretende implantá-la

mediante a criação do Serviço de Comunicação Eletrônica de Massa por Assinatura –

SCEMA – serviço convergente para distribuição eletrônica de audiovisual para

assinantes. Para tanto, haveria necessidade de aperfeiçoamento ou revogação da Lei do

78 As alterações legais necessárias para essa adaptação extrapola os objetivos deste trabalho.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 135

Cabo, que estabelece condições especiais para a prestação do serviço de distribuição

eletrônica de audiovisual por assinatura mediante uso de meios físicos.

Em caso de aprovação legislativa dessas medidas, todos os serviços de

interesse coletivo poderão ser autorizados mediante uma única outorga, denominada

“Outorga Única para a Classe de Serviços Coletivos”. Entretanto, esses serviços

deverão ser revistos e possivelmente reduzidos em número, como resultado da

aglutinação de atividades similares, como é o caso das diversas modalidades de

televisão por assinatura.

O mesmo processo de simplificação aplicar-se-á aos serviços de

interesse restrito. Porém, neste caso, a outorga será dispensada, bastando que o

interessado informe à Agência que prestará um determinado serviço e, quando a Anatel

confirmar o recebimento da notificação, a prestação do serviço poderá ser iniciada.

Evidentemente, a prestadora continuará obrigada a cumprir as disposições

regulamentares do serviço a ser prestado, bem como a pagar as taxas de fiscalização

(Fistel), o preço pelo uso do espectro radioelétrico, se for o caso, e o preço estabelecido

pela Anatel para a outorga do serviço, mesmo sendo esta dispensada.

O processo de revisão dos regulamentos e serviços, tanto de interesse

coletivo quanto restrito, deverá prever a criação de normas gerais contendo as

disposições comuns a cada classe. Assim, os regulamentos dos serviços de uma mesma

classe poderão ser mais objetivos por disporem somente sobre as peculiaridades de cada

um deles. Salientamos, contudo, que essa tarefa extrapola os limites do presente

trabalho. Propomos, portanto, que o aperfeiçoamento dos regulamentos e instrumentos

legais em vigor necessário para a implantação do modelo de licenciamento nos moldes

previstos na tabela 7.5 seja objeto de monografias futuras.

Tabela 7.5 - Serviços de telecomunicações – revisão futuraSERVIÇO OUTORGA

Regras Gerais para o Serviço ColetivoServiço Coletivo C1Serviço Coletivo C2Serviço Coletivo C3..............................

OUTORGA ÚNICA

PARA A CLASSE DE

SERVIÇO COLETIVO

Regras Gerais para o Serviço RestritoServiço Restrito R1Serviço Restrito R2Serviço Restrito R3..............................

DISPENSA DE

OUTORGA PARA A

CLASSE DE SERVIÇO

RESTRITO

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 136

8 – CONCLUSÕES

O avanço das tecnologias da informação e comunicação, ao mesmo

tempo em que proporcionou a ampliação da oferta de serviços para o usuário, também

introduziu questões desafiadoras para os reguladores. O surgimento do fenômeno da

convergência tecnológica, por sua vez, contribuiu para tornar ainda mais complexo o

cenário de transformações que presenciamos no início deste milênio. A convergência

fixo-móvel, a oferta de pacotes de serviços, a proliferação de equipamentos terminais de

múltiplo uso, o desenvolvimento do VoIP e os serviços emergentes viabilizados pelas

novas tecnologias sem fio são apenas algumas das manifestações da revolução que se

encontra em curso.

Diante da inexorável constatação de que a regulação jamais

conseguirá acompanhar a velocidade da evolução tecnológica, mais e mais se verifica a

tendência mundial pela migração de regimes de licenciamento tradicionais, baseados em

serviços e tecnologias específicas, para modelos abrangentes e flexíveis, aderentes ao

moderno cenário de convergência. Uma vez que o processo de digitalização

transformou conteúdos de toda natureza – voz, imagem, dados ou qualquer forma de

expressão de informação – em meras seqüências binárias, tornaram-se anacrônicos os

regimes de licenciamento que submetem a regulações diferenciadas serviços idênticos

prestados mediante tecnologias distintas.

A evolução em direção a regimes tecnologicamente neutros tem sido

acompanhada por outras tendências, como a simplificação dos procedimentos de

entrada nos mercados, a flexibilização dos direitos de uso de espectro, a separação entre

as regulações de conteúdo e telecomunicações e a regulação diferenciada sobre

prestadoras que detenham poder de mercado significativo.

O quadro atual também revela profundas mudanças no que diz

respeito às finalidades do licenciamento. Nas décadas de 1980 e 1990, a ênfase nos

países emergentes concentrava-se em assegurar a criação de ambiente regulatório

estável para as operadoras recém-privatizadas, proporcionar arrecadação de recursos

para os cofres públicos e estabelecer com clareza os direitos e deveres associados à

prestação dos serviços.

Com o aumento da competição na maior parte dos serviços de

telecomunicações, esse cenário se alterou. Em muitos países, o licenciamento focado em

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 137

rígidos controles foi substituído pelo relaxamento das obrigações impostas às

operadoras, com o propósito de incentivar a entrada no mercado e, assim, estimular a

concorrência. Por esse motivo, regras de interconexão, numeração, qualidade de serviço

e proteção ao consumidor estão sendo paulatinamente adaptadas ao ambiente

convergente.

No Brasil, a Anatel não se encontra inerte diante dessas tendências.

Em 2005, ao se referir sobre os impactos da convergência sobre a regulação de

telecomunicações, Pereira Filho (2005a, p.1) declarou que “a evolução do regime de

licenciamento tradicional baseado em serviços específicos para um regime convergente

é uma adaptação regulatória de fundamental importância”. Defendeu ainda a adoção

de modelo híbrido, que garanta uma “transição suave para um regime convergente que

assegure a preservação dos direitos dos operadores que detenham licenças

tradicionais”.

No âmbito da Comissão Brasileira de Comunicações 7 – CBC 7 –, que

acompanha os trabalhos concernentes ao Setor de Desenvolvimento da União

Internacional de Telecomunicações – UIT-D – , a Anatel constituiu grupo para

examinar a questão 10/1, que trata da “Regulação para licenciamento e autorização de

serviços convergentes”. Em que pese o esforço empreendido pelo grupo, ainda não

foram elaborados estudos de impacto sobre a eventual implantação de regime de

licenciamento convergente no Brasil, nem tampouco foram estimados os ganhos

econômicos a serem atingidos com a adoção da medida. Concorre para essa situação a

ausência de informações disponíveis sobre os resultados práticos alcançados pelos

modelos convergentes em operação no mundo, haja vista ainda se encontrarem em

pleno estágio de amadurecimento, inclusive na União Européia.

Não obstante os propalados benefícios do regime convergente,

conforme esclarecem de La Torre et Maddens (2004), não se trata de panacéia capaz de

solucionar todos os desafios enfrentados pelos reguladores. Ele não oferece soluções

prontas para as restrições de espectro, nem tampouco esclarece se tecnologias como o

VoIP devem ou não ser reguladas. Ademais, a adoção desse modelo, por si só, não tem

o condão de promover melhorias significativas ao ambiente regulatório. Porém, se

implantado em harmonia com políticas adequadas de combate a práticas

anticoncorrenciais, universalização, flexibilização do uso do espectro, interconexão e

compartilhamento de meios, entre outras, pode se transformar em importante ferramenta

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 138

de estímulo ao desenvolvimento do setor de telecomunicações, manifestado sob a forma

de serviços inovadores, redes modernas e preços acessíveis à população.

Tudo isso requer completa revisão do arcabouço setorial no intuito de

assegurar a harmonia regulatória. No mercado brasileiro de televisão por assinatura, de

nada adiantará desenvolver sofisticados instrumentos de regulação por PMS se as

diferenças regulatórias entre as diversas modalidades do serviço forem preservadas. Da

mesma forma, o estabelecimento de um regime de licenciamento tecnologicamente

neutro dissociado da implantação de mecanismos de controle sobre operadores que

detenham PMS poderá representar sérios riscos para a concorrência nesse mesmo

mercado.

Na esfera internacional, não obstante o balanço preliminar dos

resultados alcançados pelo modelo de autorização geral adotado na Comunidade

Européia seja favorável, o regime ainda se encontra em estágio embrionário. Problemas

de interpretação intrínsecos à ampla flexibilidade do novo sistema implantado, a

exemplo do ocorrido com a operadora Optimus, em Portugal, demonstram que o regime

ainda revela fragilidades e riscos (Couto, 2007).

Ademais, embora pesquisas recentes realizadas junto a grandes

operadoras de telecomunicações na Europa tenham apontado correlação significativa

entre a implantação do novo regime e a facilitação de entrada ao mercado, há que se

ressaltar a inexistência de estudos científicos conclusivos sobre os efeitos econômicos

dos modelos convergentes sobre o ambiente de competição e, em especial, sobre as

políticas de combate à concentração ineficiente de mercado. Em adição, aspectos como

qualidade de serviço, tarifação e interceptação legal de chamadas ainda dividem

reguladores em relação à necessidade de licenciamento de novos serviços como o VoIP.

A despeito dessas incertezas, as experiências internacionais

demonstram que a construção do regime convergente deve ser implementada de modo

suave, de modo a romper gradualmente a inércia e o ceticismo dos atores, conquistando-

os com a sinalização dos benefícios proporcionados pelo modelo. Para a iniciativa

privada, o provimento de múltiplos serviços permite o aproveitamento das economias

de escopo, aumentando a rentabilidade dos negócios. Para os consumidores, o aumento

da concorrência e a diminuição dos custos dos serviços para as operadoras pode se

reverter em preços finais mais acessíveis. Para os governos, a simplificação do processo

de licenciamento e a redução das obrigações aplicadas às operadoras diminui o custo de

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 139

regulação e estimula a inovação tecnológica. Além disso, o desenvolvimento setorial

permite a criação de oportunidades de emprego e negócios.

Ademais, a necessidade da preservação de ambiente regulatório

estável demanda a sinalização prévia para o mercado do alcance das medidas propostas.

Isso pode ser implementado por intermédio de consultas públicas, que, ao longo do

processo de amadurecimento do modelo, se comportam como lócus de intercâmbio de

informações entre os agentes, auxiliando no aperfeiçoamento de sua arquitetura.

Conquanto o modelo de autorização geral implementado na União

Européia seja considerado paradigmático, à vista das condições institucionais

diferenciadas de cada país, a mera transferência de regimes de licenciamento não se

revela viável. A grande variedade de sistemas praticados no mundo reflete essa

realidade, não obstante a disposição geral de evolução rumo a cenários convergentes.

A transição completa do regime tradicional, baseado em obrigações e

regras rígidas, em direção a outro, fundado em direitos e oportunidades, tal como o

praticado na Comunidade Européia, ainda é uma realidade distante para nações

emergentes como o Brasil. Qualquer que seja o regime adotado pelo País, a necessidade

da manutenção de um ambiente regulatório estável na percepção dos investidores

demanda que o regulador brasileiro não disponha da mesma discricionariedade e

flexibilidade que são conferidas pela legislação européia aos reguladores locais.

Em que pese essa restrição, há elementos dispostos no conjunto de

Diretivas estatuído pela União Européia que podem ser reproduzidos para o cenário

brasileiro. A aplicação de controles regulatórios mais rígidos para as prestadoras que

detenham PMS, a neutralidade tecnológica, a minimização de barreiras à entrada, a

redução dos custos administrativos sobre as operadoras, a busca de consenso mediante

realização de consultas públicas e a simplificação de processos de licenciamento são

algumas das medidas cuja transposição se faz possível.

Embora a migração para regimes convergentes por vezes consista em

tarefa complexa e que enfrente forte oposição de diversos atores, não se trata de

obstáculo intransponível. O enredado processo de convergência fixo-móvel na Índia

expressa com autoridade essa realidade. Nessas circunstâncias, o principal desafio do

regulador consiste em estabelecer o apropriado balanço entre certeza regulatória e

flexibilidade suficiente para que a regulamentação não inviabilize a adaptação dos

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 140

serviços aos avanços tecnológicos e mercadológicos, bem como às políticas

governamentais.

Ainda em relação à necessidade de preservação da estabilidade

institucional, a experiência internacional demonstra que o regulador por vezes pode ser

levado a conceder compensações para operadoras comprovadamente prejudicadas pela

adoção de regimes de licenciamento emergentes. Não obstante as compensações

financeiras sejam mecanismos viáveis, são mais recomendáveis os instrumentos de

incentivo, tais como a habilitação para provimento de novos serviços, a eliminação do

cumprimento de certas obrigações e o relaxamento de metas de qualidade, sob

determinadas circunstâncias.

Diante do quadro traçado, apresentamos proposta de migração do

modelo de licenciamento tradicional praticado no Brasil para um regime convergente, à

semelhança de experiências promovidas em outros países. O apontamento da

necessidade de aperfeiçoamento do sistema brasileiro explorada neste trabalho não se

trata de iniciativa isolada. Em artigo elaborado em dezembro de 2006, Lima et Ramos

(2006, p.30) assinalaram o que se segue:

“A convergência tecnológica é incompatível com o modelo regulatório atual,balizado no controle da exploração dos serviços (acesso ao conteúdo) e das redes detelecomunicações, sendo que algumas dessas licenças abrangem a exploração deconteúdo.

As normas regulatórias tendem, a exemplo do ocorrido na Inglaterra, a adotar umalicença única, que unifique as outorgas para exploração de todos os serviços e redesde telecomunicações, uma vez que, sob o ponto de vista técnico, todo conteúdoveiculado é tratado da mesma maneira”.

Por sua vez, no sumário da publicação “Trends in Telecommunication

Reform – 2004/2005. Licensing in an Era of Convergence”79, a UIT salienta que “Se

não for aperfeiçoado, o processo de licenciamento pode ser um obstáculo para o

desenvolvimento do mercado de telecomunicações”.

Considerando as dificuldades de toda sorte inerentes à tramitação de

proposições legislativas no Brasil, o modelo proposto foi fundamentado sob a premissa

basilar da preservação do arcabouço constitucional e legal em vigência no País, em

especial a Constituição Federal, a LGT, a Lei do FUST, a Lei do Cabo e a Lei do Fistel.

A principal vantagem da adoção dessa premissa é que a proposta elaborada é passível de 79 União Internacional de Telecomunicações - UIT. Trends in Telecommunication Reform – 2004/2005.Licensing in an Era of Convergence. Genebra: UIT, 2004. p. 20. [on line] Disponível na Internet via

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 141

implementação pelo próprio Poder Executivo, prescindindo da autorização legislativa

para entrada em operação. Porém, essa abordagem limita a abrangência do modelo,

sobretudo no que diz respeito à neutralidade tecnológica.

Outro aspecto fundamental da proposta reside na manutenção do

adequado equilíbrio entre estabilidade regulatória e incentivo ao desenvolvimento de

novos serviços e tecnologias. Em adição, excluímos do escopo do modelo as atividades

relativas a programação e empacotamento de conteúdo. Consideramos ainda a

necessidade de migração de um regime baseado em rígidos controles regulatórios para

um sistema simplificado e flexível, com ênfase regulatória diferenciada sobre

operadoras que detenham PMS, no intuito de combater a concentração ineficiente de

mercado.

Nesse contexto, ao apresentar proposta para a modernização

progressiva da regulamentação e dos sistemas de telecomunicações, Ramos (2006a,

p.132) aponta entre os fatores necessários para a existência e sustentação do regime “a

competição, as diretrizes da defesa da concorrência e os limites e imposições da

regulamentação”, à semelhança dos pilares do modelo apresentado neste trabalho.

A assunção das referidas premissas conduziu à elaboração de proposta

de modelo de natureza híbrida, composto por outorgas individuais e convergentes. A

restrição de inalteração do quadro legal demandou a preservação de dois serviços

baseados em tecnologias específicas – o STFC em regime público e o Serviço de TV a

cabo. Pelo mesmo motivo, a difusão de sinais de radiodifusão aberta não foi inserida no

contexto do sistema apresentado.

Os serviços de interesse restrito foram agregados em uma única

classe, denominada “Classe de Serviços Restritos”. Seus prestadores são submetidos a

processo de licenciamento simplificado, a exemplo do modelo europeu de autorização

geral. Portanto, à operadora bastará apenas notificar a Agência de que irá iniciar suas

operações, assim como prestar informações básicas sobre o serviço em questão. As

condições de prestação do serviço são estabelecidas segundo o disposto em

regulamentos, e não na licença. Em caso de necessidade de utilização de espectro, o

operador deverá obter autorização de direito de uso de radiofreqüências de forma

apartada da notificação. WWW. URL:.Disponível no sítio: http://www.itu.int/pub/D-REG-TTR.7-2004/en (Consultado em15.03.2007).

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 142

Os demais serviços, todos eles de interesse coletivo e prestados em

regime privado, compõem a “Classe dos Serviços Coletivos”. Suas características

comuns são similares às hoje aplicáveis ao SCM, porém sem algumas das restrições

impostas a ele. Nesse sentido, contrariamente ao que prevê o Regulamento do SCM, os

prestadores de serviços dessa classe disporão de plano de numeração e mobilidade

irrestrita – ainda que de forma gradual. Além disso, no regulamento da classe, não

haverá vedação expressa para o provimento de serviços assemelhados à telefonia e à

televisão por assinatura – à exceção da TV a cabo. Essas medidas permitirão que as

operadoras e usuários possam se beneficiar de inovações como o VoIP, o IPTV e as

tecnologias sem fio emergentes. As redes empregadas para executar o serviço poderão

ser próprias ou de terceiros, inclusive espectro. No entanto, a transferência de espectro

não será permitida, e o regime de gestão do tipo “comando e controle” deverá se

preservado. Com base nas análises apresentadas, foi feito um mapeamento entre os

serviços de telecomunicações hoje vigentes e as classes previstas no modelo proposto.

Não obstante o regime preveja a criação de duas classes abrangentes,

ele preserva todos os serviços existentes e seus respectivos regulamentos. Porém, a

Agência poderá alterá-los com o objetivo de compatibilizá-los com as características

gerais atribuídas a cada classe. A operadora que optar pela prestação de dois ou mais

serviços pertencentes a uma mesma classe será obrigada a obter apenas uma outorga

junto ao órgão regulador. Contudo, na prestação dos serviços, a companhia deverá

obedecer tanto às normas comuns da classe quanto aos regulamentos individuais de

cada serviço.

No intuito de assegurar transição suave entre regimes, foi fixado o

prazo de três anos para a entrada em vigência do modelo proposto. Após esse período,

os detentores das atuais outorgas poderão migrar para o novo sistema, desde que

atendidas as condições objetivas e subjetivas previstas no regime. Em etapa posterior,

que demandaria mudanças de ordem legal, vislumbra-se a possibilidade de supressão de

alguns serviços e integração de outros, como é o caso das diversas modalidades de

serviços de televisão por assinatura. Esse aperfeiçoamento do modelo, contudo, não faz

parte do escopo do presente trabalho, e pode ser explorado como objeto de futuras

monografias.

O modelo prevê ainda a possibilidade da adoção de medidas

compensatórias para concessionárias de telefonia fixa que comprovarem prejuízos

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 143

indevidos causados pela entrada em vigor do novo sistema, haja vista a necessária

continuidade desses serviços. Dentre as alternativas apontadas, está a negociação da

obrigatoriedade do cumprimento de determinadas metas do PGMU e do PGMQ. No que

tange às companhias de telefonia celular, em que pese operarem sob o regime privado,

sujeito a condições de mutabilidade de mercado e regulação mais pronunciadas, o

modelo prevê a renegociação das metas de cobertura impostas a essas prestadoras.

Dessa forma, a transição do regime de licenciamento tradicional em

direção a um modelo compatível com o cenário de convergência tecnológica revela-se

viável. Não obstante a resistência dos agentes envolvidos, sua adoção poderá

proporcionar benefícios e oportunidades tanto para consumidores quanto para as

próprias operadoras. A abordagem mais adequada para a migração consiste em

promover aperfeiçoamentos de forma gradual. Nesse sentido, o modelo proposto poderá

representar uma etapa intermediária no processo de estabelecimento de um sistema

verdadeiramente convergente, que demandará a modernização de dispositivos de ordem

legal e constitucional. A experiência indiana, ao mesmo tempo em que revela as

dificuldades dessa transição, também demonstra que não se trata de tarefa impossível.

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 144

GLOSSÁRIO DE SIGLAS

Acrônimo Significado

ACA Australian Communications Authority

AMPS Advanced Mobile Phone System

Anatel Agência Nacional de Telecomunicações

ASP Application Service Provider

BSO Basic Service Operator

BT British Telecom

CBC Comissão Brasileira de Comunicações

CDMA Code Division Multiple Access

CMA Communications and Multimedia Act

CSP Content Service Provider

DECT Digital Enhanced Cordless Telecommunications

DSL Digital Subscriber Line

DTH Direct-to-Home

ECS Electronic Communications Services

ECTA European Competitive Telecommunications Association

ECTEL Eastern Caribbean Telecommunications Authority

ENUM Telephone Number Mapping

FBO Facilities Based Operator

FCC Federal Communication Commission

FDD Frequency Division Duplex

FISTEL Fundo de Fiscalização das Telecomunicações

FTTH Fiber-to-the-Home

Funttel Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações

FUST Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações

GATS General Agreement on Trade in Services

GSM Global System for Mobile Communications

IEEE Institute of Electrical and Electronic Engineers

IMT-2000 International Mobile Telecommunications-2000

IP Internet Protocol

IPTV Internet Protocol Television

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 145

Acrônimo Significado

LGT Lei Geral de Telecomunicações

MMDS Multichannel Multipoint Distribution Service

MVNO Mobile Virtual Network Operator

NFP Network Facilities Provider

NGN Next Generation Networking

NSP Network Service Provider

OMC Organização Mundial do Comércio

PATS Publicly Available Telephone Services

PCS Personal Communications Service

PDA Personal Digital Assistant

PECN Publicly Available Communications Network

PGMQ Plano Geral de Metas de Qualidade

PGMU Plano Geral de Metas de Universalização

PGO Plano Geral de Outorgas

PMS Poder de Mercado Significativo

PST Posto de Serviço de Telecomunicações

QoS Quality of Service

RLAN Radio Local Area Network

RSCM Regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia

RST Regulamento dos Serviços de Telecomunicações

SBO Service Based Operator

SBTVD-T Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre

SCEMA Serviço de Comunicação Eletrônica de Massa por Assinatura

SCM Serviço de Comunicação Multimídia

SDR Software Defined Radios

SLE Serviço Limitado Especializado

SMGS Serviço Móvel Global por Satélites

SMP Serviço Móvel Pessoal

SMS Short Messaging Service

SRTT Serviço de Rede de Transporte de Telecomunicações

STFC Serviço Telefônico Fixo Comutado destinado ao uso do público em geral

TDD Time Division Duplex

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 146

Acrônimo Significado

TRAI Telecom Regulatory Authority of India

TUF Titulos de Uso de Frecuencias

TVA Serviço Especial de Televisão por Assinatura

TVA TV a cabo

UASL Unified Access Services Licensing

UIT União Internacional de Telecomunicações

UWB Ultra-Wideband

VoIP Voice Over Internet Protocol

VSAT Very Small Aperture Terminal

Wifi Wireless Fidelity

Wimax World Interoperability for Microwave Access Forum

WLAN Wireless Local Area Network

WLL Wireless Local Loop

WPAN Wireless Personal Area Network

3G Terceira geração de comunicação móvel

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José de Sousa Paz Filho – Curso de Especialização em Regulação de Telecomunicações – UnB 147

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