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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓSGRADUAÇÃO FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS PROGRAMA DE PÓSGRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS HUGO GARBÊNIO DE CARVALHO DO PÓ DO SERTÃO AO “OÁSIS DA NOVA ERA”: AGRICULTURA FAMILIAR E AGRONEGÓCIO NA CHAPADA DO APODI - RN MOSSORÓ-RN 2017

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS–GRADUAÇÃO

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS–GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS

HUGO GARBÊNIO DE CARVALHO

DO PÓ DO SERTÃO AO “OÁSIS DA NOVA ERA”: AGRICULTURA FAMILIAR

E AGRONEGÓCIO NA CHAPADA DO APODI - RN

MOSSORÓ-RN

2017

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HUGO GARBÊNIO DE CARVALHO

DO PÓ DO SERTÃO AO “OÁSIS DA NOVA ERA”: AGRICULTURA FAMILIAR

E AGRONEGÓCIO NA CHAPADA DO APODI, RN

Dissertação apresentada à banca examinadora como

requisito para a obtenção do título de mestre do Curso

de Mestrado em Ciências Humanas, vinculado ao

Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em

Ciências Sociais e Humanas - PPGCSIH da

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte -

UERN.

Orientadora: Profa. Dra. Maria Betânia Ribeiro Torres

Coorientadora: Profa. Dra. Márcia Regina Farias da

Silva

MOSSORÓ

2017

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HUGO GARBÊNIO DE CARVALHO

DO PÓ DO SERTÃO AO “OÁSIS DA NOVA ERA”: AGRICULTURA FAMILIAR

E AGRONEGÓCIO NA CHAPADA DO APODI - RN

Pesquisa apresentada à banca examinadora como

requisito para a obtenção do título de mestre junto ao

Curso de Mestrado em Ciências Humanas, vinculado

ao Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em

Ciências Sociais e Humanas - PPGCSIH da

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte -

UERN.

BANCA EXAMINADORA

Aprovada em ____/_____/_____

Profa. Dra. Maria Betânia Ribeiro Torres (Orientadora)

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN)

Profa. Dra. Márcia Regina Farias da Silva (Examinadora Interna)

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN)

Profa. Dra. Olga Nogueira de Sousa Moura (Examinadora Externa)

Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERSA)

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AGRADECIMENTOS

Após muitos caminhos percorridos, tantas veredas descobertas, poeira, lama e mato,

agradecer, depois de todo o percurso concluído, é a parte mais difícil. Corremos o risco de

deixar alguém fora dos registros que se tornam eterno através da escrita, e imortalizar

alguém é uma responsabilidade das maiores.

Começamos como de praxe, agradecendo a família: meu pai que desde sempre me

permitiu escolher os caminhos que eu quis percorrer, que nunca me impôs uma profissão ou

exigiu formação por mero status ou o acúmulo de dinheiro, segundo sua prática pedagógica

este é suficiente quando é suficiente. O agradeço, por ter trabalhado, gasto sua força física e

calejado, ainda mais, suas mãos calejadas, para permitir-me ser o que sou, tornar-me o que

me tornei. Sua pouca educação me ensinou muito, és, definitivamente meu mentor.

A minha mãe, minha âncora e fortaleza, que sempre se desdobrou vencendo toda

sorte de adversidades, renunciando muitas coisas para garantir-me a possibilidade de sonhar

e de realizar os sonhos, de ir além das expectativas que se depositam em um negro, pobre.

A meu irmão que sempre esteve comigo, na torcida, no incentivo, na palavra mais simples

ao impulso mais motivador, dividimos muitas coisas ao longo da vida, inclusive a

cumplicidade e o amor que mutuamente compartilhamos. Meus avós, tios, tias, primos,

enfim, a todas as pessoas essenciais, necessárias.

Agradeço, e não poderia deixar de fazê-lo, a minha esposa, minha companheira, que

sempre esteve ao meu lado nos momentos difíceis e na felicidade. Não fizemos a promessa

de nos apoiarmos na riqueza e na pobreza, pois, independente dela, vivenciamos isso no

nosso dia a dia, te agradeço por tudo, sempre foi mais do que eu merecia, se a vida pretende

se alongar, isso é uma incógnita, até aqui tens sido essencial. Não sei o que o futuro nos

aguarda, contudo, sua marca em minha vida é indelével. Não poderia deixar de agradecer

também sua família, a família que escolhi e que me acolheu como filho, dividiu comigo as

aflições de momentos difíceis e sustentou-me quando as coisas pareciam insustentáveis:

sogro, sogra, cunhados o meu muito obrigado.

Agradeço aos amigos pelo companheirismo, pela ajuda quando esta foi solicitada.

Na vida contraímos muitas dívidas, as financeiras são as mais fáceis de quitar, as de

gratidão, levamos para toda vida, nesse sentido contraí dívidas impagáveis. Devo muito a

vocês.

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Um obrigado especial ao Governo do Estado do Ceará, sobretudo a Secretaria de

Educação - SEDUC, por, nas vésperas da minha qualificação, ter dado início a um processo

contra mim por abandono de cargo, ameaçando tirar-me a coisa que dá sentido à minha

vida: a minha profissão, ser professor, lecionar, traduzir minha ciência para as mentes que

desabrocham. Obrigado mesmo, isto tem me feito mais forte.

As minhas, orientadora, Profa. Drª. Maria Betânia Ribeiro Torres e coorientadora,

Profa. Drª. Márcia Regina Farias da Silva, que desempenharam com maestria a função de

mostrar os caminhos, direcionar ao rumo correto. Vocês que fazem da ciência uma paixão,

“paixão com objetividade” de acordo com Betânia, meus viscerais agradecimentos.

Agradeço aos professores do programa e aos colegas de turma pelas discussões,

pelo incentivo a excelência, por todas as trocas de experiências. Vocês me fizeram melhor,

me abriram novas perspectivas, permitiram novas formas de pensar o social, nosso objeto

comum de análise. A todos vocês obrigado.

Por fim, não necessariamente em último, a sequência classificatória aqui é o que

menos importa meus mais profundos agradecimentos aos atores da minha pesquisa. Aos

agricultores que me revelaram um conhecimento que teoria nenhuma é capaz de traduzir e

ciência de modo nenhum pode engessar: o conhecimento popular, este é vivo, pulsante.

Com os homens e mulheres simples aprendi a ser forte nas adversidades, combativo quando

necessário, dialogar quando preciso, a amar o que se é e o que se faz. Acredito que, de tudo,

este seja o maior dos ensinamentos. Ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Apodi pela

solicitude com minha pessoa, as ONGs pela igual solicitude.

Enfim, a gratidão é uma das maiores virtudes que o homem pode dispor, nesse

momento sou muito grato por tudo, por todos. As palavras, em certas situações, são

ineficientes para demonstrar o que realmente se sente, o hoje os sentimentos são diversos,

transmiti-los através das palavras se torna impossível.

De tudo ser grato, ser grato por tudo!

Obrigado!

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RESUMO

As comunidades rurais da Chapada do Apodi-RN, assentadas na região há décadas como

resultado de lutas históricas por terra, promovidas em decorrência da falência da produção

do algodão e o consequente fim dos latifúndios, se organizam em assentamentos de reforma

agrária e concessão de crédito fundiário, com uma lógica produtiva de agricultura familiar

agroecológica, manejo de caatinga e conservação ambiental. O agronegócio se estabelece

na região atraído pelas potencialidades naturais e econômicas oferecidas na Chapada do

Apodi-RN. Este fato vem promovendo a articulação dos trabalhadores rurais junto as

instituições de representação, como: sindicatos, ONGs e associações, para discutir os

impactos do agronegócio nas comunidades rurais. Os conceitos agronegócio e agricultura

familiar tem proporcionado uma vasta produção acadêmica, pesquisadores discutem essa

relação como algo nocivo - agronegócio, um modelo produtivo que engole os produtores

familiares levando a falência econômica das estruturas organizacionais das comunidades

rurais e a saúde dos agricultores. Por outro lado, podem-se perceber em pesquisas recentes

sobre o tema, denúncias sobre excesso de ideologias nas análises sobre a relação

agronegócio e agricultura familiar, visto a possibilidade de coexistência dos dois modelos

produtivos, sendo o agronegócio importante por suas potencialidades econômicas e

produção. Este trabalho utilizou da metodologia qualitativa, por meio das técnicas de

observação participante, entrevistadas gravadas, registro fotográfico, analisando a fala dos

sujeitos da pesquisa a partir das categorias: conflito, resistência e coexistência entre a

agricultura familiar e o agronegócio, com o objetivo de analisar como os atores

investigados se colocam diante da instalação de empresas do agronegócio em suas

proximidades. Os resultados de tais investigações nos permitem afirmar que os dois

modelos são incompatíveis, sendo a convivência negada e o conflito e resistência os

instrumentos dos fatos futuros.

Palavras-chave: Agricultura Familiar. Agronegócio. Conflito. Resistência. Convivência.

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ABSTRACT

The rural communities of Chapada do Apodi-RN, settled in the region for decades as a

result of historical struggles for land, promoted as a result of the failure of cotton

production and the consequent end of the latifundia, are organized in agrarian reform

settlements and agrarian credit granting, with a productive logic of agroecological family

farming, caatinga handling and environmental preservation. Agribusiness is established in

the region attracted by the natural and economic potential offered in the Chapada do Apodi-

RN. This fact has promoted the articulation of rural workers with representative

institutions, such as: unions, NGOs and associations, to discuss the impacts of agribusiness

in rural communities. The concepts agribusiness and family agriculture have provided a

vast academic production, researchers discuss this relationship as something harmful -

agribusiness, a productive model that engulfs family farmers leading to economic

bankruptcy of the organizational structures of rural communities and the health of farmers.

On the other hand, in recent research on the subject, there are reports of excess ideologies

in the analysis of the relationship between agribusiness and family agriculture, considering

the possibility of coexistence of the two productive models, being agribusiness important

for its economic potential and production. This work used the qualitative methodology,

through participant observation techniques, recorded interviews, photographic record,

analyzing the speech of the subjects from the categories: conflict, resistance and

coexistence between family agriculture and agribusiness.

Keywords: Family Agriculture. Agribusiness. Conflict, Resistance. Coexistence.

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Lista de Ilustrações

Foto 01 – Feira da agricultura familiar da Apodi

Foto 02- Estação de tratamento de esgotos – Milagres

Foto 03 – Coleta seletiva de lixo – Milagres

Foto 04 – Produção de melão – Agrícola Famosa

Foto 05 – Fórum da Agricultura Familiar – Apodi-RN

Foto 06 – Produção de Bananas – Baixa Verde 02

Foto 07 – Colmeias para a produção de mel – Baixa Verde 02

Foto 08 – Quintal produtivo – Moacir Lucena

Foto 09 – Plantação de Palma com água de reuso – Milagres

Foto 10 – Plantação de capim com água de reuso – Milagres

Foto 11 – Cultivo de amendoim em quintais produtivos – Portal da Chapada

Foto 12 – Lote para o cultivo de caju – Portal da Chapada

Foto 13 – Colmeia em atividade produtiva – Portal da Chapada

Foto 14 – Acampamento do MST – Chapada do Apodi

Foto 15 – Marcha em defesa do Aquífero Jandaíra – Apodi-RN

Quadro 01 - Relação dos Assentamentos pesquisados

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Lista de Mapas

Mapa 01- Recorte espacial da Chapada do Apodi - RN

Mapa 02 – Índices dos reservatórios do RN

Mapa 03 – Visão Geral do Perímetro Irrigado

Mapa 04 – Visão Regional do Perímetro Irrigado

Mapa 05 – Extensão do Aquífero Jandaíra

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..................................................................................................................13

1 O CAMPO, ATORES E COMUNIDADES PESQUISADAS.....................................24

1.1 AS COMUNIDADES, ATORES E DISCURSOS......................................................... 24

1.1.1 O assentamento Baixa Verde 02 ............................................................................ 26

1.1.2 O assentamento Moaci Lucena .................................................................................... 28

1.1.3 O Assentamento Milagres ........................................................................................... 31

1.1.4 Assentamento Portal da Chapada ................................................................................ 33

1.2 MOVIMENTOS SOCIAIS: ATORES ATIVOS NA LUTA PELO

FORTALECIMENTO E PERMANÊNIA DA AGRICULTURA FAMILIAR NA

CHAPADA DO APODI ....................................................................................................... 37

1.2.1 Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Apodi (STTRA) ................. 37

1.2.2 O terceiro setor, adubo que faz nascer vida do pó do sertão ....................................... 40

1.2.3 ONG Terra Viva ........................................................................................................ 42

1.2.4 Comissão Pastoral da Terra – CPT .............................................................................. 44

1.2.5 Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ........................................... 46

1.2.6 Coopervida .................................................................................................................. 48

2 AGRICULTURA FAMILIAR AGROECOLÓGICA E AGRONEGÓCIO:

RESISTÊNCIA, CONFLITOS E CONVIVÊNCIA NA CHAPADA DO APODI........50

2.1 AGRICULTURA FAMILIAR E AGRONEGÓCIO ENQUANTO CATEGORIAIS

SOCIAIS ............................................................................................................................... 50

2.2 AGROECOLOGIA E AGRICULTURA FAMILIAR: SEMENTES QUE FAZEM

BROTAR A VIDA DO PÓ DO SERTÃO ........................................................................... 53

2.3 A NATUREZA DO CONFLITO SOCIOAMBIENTAL NA CHAPADA DO

APODI/RN ........................................................................................................................... 57

2.4 A SEMENTE DA RESISTÊNCIA GERMINA: MOVIMENTOS SOCIAIS E A

DEFESA DA AGRICULTURA FAMILIAR AGROECOLÓGICA NA CHAPADA DO

APODI .................................................................................................................................. 62

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2.5 AGRONEGÓCIO E REVOLUÇÃO VERDE - A PROMESSA DE

DESENVOLVIMENTO - NASCE O OÁSIS NO SERTÃO .............................................. 66

2.6 O OÁSIS EM MEIO AO PÓ DO SERTÃO: AGRONEGÓCIO, VERTICALIDADES E

IMPOSIÇÃO DO CAPITAL GLOBAL .............................................................................. 73

2.7 A SEMENTE GERMINA E ENRAÍZA: AGRICULTURA FAMILIAR,

AGROECOLOGIA, HORIZONTALIDADES E RESISTÊNCIA ...................................... 77

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO.....................................................................................82

3.1 A IMPORTÂNCIA DO MODELO AGROECOLÓGICO PARA AS COMUNIDADES

RURAIS PESQUISADAS ................................................................................................... 83

3.2 A RESISTÊNCIA AO AGRONEGÓCIO PELA AGRICULTURA FAMILIAR ......... 87

3.3 A POSSIBILIDADE DE CONVIVÊNCIA ENTRE O AGRONEGÓCIO E

AGRICULTURA FAMILIAR AGROECOLÓGICA .......................................................... 93

3.4 OS PRINCIPAIS CONFLITOS DAS COMUNIDADES RURAIS COM O

AGRONEGÓCIO ................................................................................................................. 97

CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................107

REFERÊNCIAS...............................................................................................................110

APÊNDICE A – ROTEIRO DE VISITA IN LOCO E LEVANTAMENTO DE

INFORMAÇÕES SOBRE AS COMUNIDADES RURAIS PESQUISADAS ................. 114

APÊNDICE B - ROTEIRO DE ENTREVISTA SOBRE A POSSIBILIDADE DE

RESISTÊNCA, CONFLITO E CONVIVÊNCIA ENTRE AGRONEGÓCIO E

AGRICULTURA FAMILIAR NA CHAPADA DO APODI........................................115

APÊNDICE C- ROTEIRO DE ENTREVISTAS COM O SINDICATO DOS

TRABALHADORES RURAIS DE APODI ...................................................................... 116

APÊNDICE D – ROTEIRO DE ENTREVISTAS PARA AS ONGS ............................... 117

APÊNDICE E – ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE .............................. 118

APÊNDICE F - ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE NAS COMUNIDADES

............................................................................................................................................ 119

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INTRODUÇÃO

Ó donos do agrobiz, ó reis do agronegócio

Ó produtores de alimento com veneno

Vocês que aumentam todo ano sua posse

E que poluem cada palmo de terreno

E que possuem cada qual um latifúndio

E que destratam e destroem o ambiente

De cada mente de vocês olhei no fundo

E vi o quanto cada um, no fundo, mente

Chico César

As comunidades rurais da Chapada do Apodi - RN vivenciam a chegada de

empresas de grande porte ligadas ao agronegócio, este processo tem promovido à

movimentação de diversos atores: trabalhadores rurais, movimentos sociais, associações de

trabalhadores, instituições de representação de classe, sindicato, e terceiro setor, envolvidos

historicamente com as lutas locais e com o desenvolvimento regional, tanto do ponto de

vista econômico quanto social.

Estes atores, ao somar as forças, alinhar os discursos e estimular o debate, tem

promovido a discussão acerca das estratégias de resistência as pressões exercidas pelas

empresas do agronegócio sobre as comunidades rurais instaladas na Chapada do Apodi -

RN, principalmente, as que se localizam nas regiões de interesse do agronegócio, isto é,

localizadas em pontos estratégicos pela facilidade na exploração de recursos como água

subterrânea de boa qualidade e terras propícias para a produção e mão de obra abundante

em decorrência do período de estiagem que se arrasta por cinco anos.

Tendo em vista os megaprojetos que envolvem o agronegócio e, sobretudo, o risco

que estes acarretam para as comunidades de assentamentos rurais e a sua estrutura

organizacional, desenham-se na região manifestações conflitantes, em que as comunidades

rurais disputam com o agronegócio, e seus arranjos político/econômicos, a possibilidade de

permanecer no lugar e continuar produzindo sem que a interferência da lógica produtiva do

grande capital leve ao declínio um modelo social, econômico participativo, desenvolvido ao

longo de décadas e que são consideradas modelos exitosos a serem reproduzidos por outras

comunidades no país.

A pesquisa aqui apresentada tem como enfoque a relação entre a agricultura familiar

e o agronegócio na Chapada do Apodi – RN, a partir de três categorias: resistência,

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convivência e conflito. Este recorte sócio espacial está relacionado à instalação, a princípio

como parte do projeto inicial do agronegócio no perímetro irrigado da Barragem de Santa

Cruz, tendo em vista a exploração das potencialidades dos recursos ambientais existentes

em toda a Chapada do Apodi- RN: água de boa qualidade e em relativa abundância,

sobretudo no subsolo no Aquífero Jandaíra, solo fértil, recursos mineiras, incentivos fiscais

e políticas públicas para empresas de agronegócio.

As comunidades assentadas na chapada do Apodi - RN são frutos de um processo

histórico de lutas que teve início no final dos anos 1970 e início dos anos 1980 através das

ações de organização popular dos (as) trabalhadores (as) rurais de Apodi na luta pelo acesso

a terra (PROJETO SERTÃO, 2013).

É importante ressaltar que em períodos anteriores, a Chapada do Apodi era ocupada

por latifúndios, principalmente ligados à cultura do algodão, que entra em colapso com a

crise promovida por pragas e pelo clima, deixando vastas extensões de terra sem uso para a

produção. Nesse contexto cria-se em 1990 o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras

Rurais de Apodi (STTRA), instituição de representação política dos trabalhadores rurais

que nasceu em consequência “da formação das associações comunitárias nas comunidades,

pela intensificação dessas lutas dessas organizações e do movimento dos agricultores e

agricultoras” (PONTES, 2012, p. 116).

O período entre 1980 e 1990 em que as comunidades rurais da Chapada do Apodi -

RN se estabeleceram na região, corresponde também ao período em que se inicia o debate

acadêmico sobre o conceito de agricultura familiar, enquanto categoria de análise. “A

criação do PRONAF (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar)

legitima do conceito pelo Estado” (SAUER, 2008, p. 22).

Sauer (2008) ao analisar realidades similares as vivenciadas na Chapada do Apodi

em outras partes do país, afirma que é na primeira metade da década de 1990 tem início no

Brasil o processo de desapropriação de terras, promovendo a distribuição fundiária na

região e possibilitando a criação de vários assentamentos. Parte deles nasce com a ação de

desapropriação, promovidas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

(INCRA) e outros com o auxílio de créditos fornecidos pelo governo por meio de suas

instituições bancárias especificamente para esses fins, o Crédito Fundiário, por exemplo. O

processo de estabelecimento das comunidades dá início a uma lógica produtiva que “torna

possível à conversão dos pobres em produtores rurais” (SAUER, 2008, p. 58).

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15

Ainda, segundo o Projeto SERTÃO (2013, p. 94-95) após esse processo de lutas que

resulta na desapropriação de terras e na criação de assentamentos, se estabelecem desde

então na região cerca de 800 (oitocentas famílias) que se dividem em aproximadamente 30

(trinta) comunidades rurais, trabalhando com agricultura familiar de características

preservacionista do ambiente e de espécies endêmicas, formações arqueológicas, fauna e

flora típicos da região. Este modelo de produção agroecológico é cultivado na região a mais

de 50 anos, dando origem a uma das cadeias produtivas mais fortes e organizadas de nosso

país (SERTÃO, 2013).

As comunidades rurais da Chapada do Apodi - RN, vivem sob a perspectiva da

agroecologia e de conservação1 ambiental que convergem com a definição de Sauer (2008)

para quem, as comunidades rurais que se estabelecem em determinada região como

resultado do processo de luta pela reforma agrária que se caracterizam por suas

similaridades, pois as comunidades assentadas “valorizam a paisagem, promovem a

preservação ambiental e mudanças de valores e perspectivas de vida no meio rural”

(SAUER, 2008, p. 64).

As comunidades rurais assentadas na Chapada do Apodi - RN estão organizadas por

meio de associações e cooperativas articuladas com o STTRA e formam uma das mais

importantes cadeias produtivas agroecológicas do Brasil (SER-TÃO 2013, p.95). Traçado

esse perfil preliminar, e mais geral, das comunidades rurais da Chapada do Apodi - RN se

faz necessário um aprofundamento investigativo em campo, analisando as configurações

políticas, sociais e econômicas que envolvem a região, observando as ações das

comunidades diante da implementação de empresas de agronegócio com aparato técnico e

lógica produtiva que difere em essência do que foi apresentado sobre as comunidades da

Chapada do Apodi.

Resta saber se as comunidades da Chapada do Apodi podem resistir às técnicas

globais do agronegócio por meio da força do lugar e como se dará essa resistência. “A força

própria do lugar vem das ações menos pragmáticas e mais espontâneas, frequentemente,

baseados em objetos tecnicamente menos modernos e que permitem o exercício da

criatividade” (SANTOS, M. 2006, p.152).

1 Optamos, por questões conceituais, pelo conceito de conservação, entendendo que, para a situação de

análise, se coloca como melhor definição, tendo em vista que conservação ambiental está associada a práticas

que utilizam os recursos naturais com o cuidado e o respeito aos limites. Por outro lado, o conceito de

preservação não há exploração destes recursos, o conceito de conservação, portanto é o que melhor se aplica a

realidade analisada.

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As comunidades rurais convivem com a concretização do processo de instalação de

empresas de agronegócio na região, estas portadoras de elementos em sua essência com

configurações mercadológicas de técnicas globais que as mesmas representam,

transformando a realidade local, já que, “as normas de mercado tendem a configurar as

normas públicas”. Assim, graças à competitividade e a tendência atual de uso das técnicas

globais e à implantação dos respectivos objetos técnicos, a técnica que o agronegócio

representa tende a ser mais anárquica do que antes, por não levar em consideração as

configurações históricas do lugar (SANTOS, 2006, p. 170).

É comum tratar os conceitos de agricultura familiar e de agronegócio como

conceitos antagônicos por suas proposições e por uma forte carga ideológica que contrapõe

os dois campos pelo discurso historicamente construído e reproduzido. Nesse sentido,

faremos uma discussão, em uma perspectiva mais descritiva dos dois conceitos e categorias

(agricultura familiar e agronegócio) discutidos e desenvolvidos por pesquisadores no meio

acadêmico tendo em vista tornar mais claro como cada uma das categorias e conceitos se

configuram.

As comunidades rurais da Chapada do Apodi - RN têm a tradição de práticas

estruturadas em uma lógica produtiva que envolve “políticas e práticas de convivência com

o semiárido, como manejo da caatinga, caprinocultura, apicultura e outros arranjos

produtivos no sentido de criar uma nova relação, ou voltar uma relação harmoniosa entre as

famílias, agricultores e meio ambiente” (PONTES, 2012, p. 117). Dessa forma, a

agricultura familiar tem sido um importante vetor econômico, político e social para os

trabalhadores rurais da Chapada do Apodi - RN, pois se configura como um dos principais

processos produtivos da região, com destaque para as práticas da “apicultura,

caprinocultura, ovinocultura, plantação de feijão, milho e sorgo, criação de bovinos,

quintais produtivos, pomares e plantações de hortaliças” (PONTES, 2012, p. 117). Para

além dos arranjos produtivos, o modelo de organização das comunidades rurais da Chapada

do Apodi é responsável pelo incentivo à participação política dos assentados por meio das

associações, onde, “participam de reuniões das associações das comunidades, do fórum das

associações, entre outras instâncias e movimentos de mobilização social” (PONTES, 2012,

p. 120) e o incentivo a práticas agrícolas agroecológicas, característica essencial das

comunidades pesquisadas.

O investimento do Estado em relação ao agronegócio tem sido questionado, e até

mesmo combatido, pelos movimentos sociais rurais, ONGs e as comunidades rurais da

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Chapada do Apodi RN. Com a idealização do projeto, e início das obras do perímetro

irrigado Santa Cruz do Apodi evidenciou-se a questão do investimento público a projetos

de interesses privados, quando foram destinados 145.629.000,85 (cento e quarenta e cinco

milhões, seiscentos e vinte e nove mil e oitenta e cinco centavos) milhões, pelo do Governo

Federal por meio do Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS) e do

Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), para a construção do perímetro irrigado

Santa Cruz do Apodi (PEREIRA, 2013, p. 15).

Assim, a problemática deste estudo está focada nas comunidades rurais assentadas

da Chapada do Apodi - RN, que convivem com uma lógica produtiva firmada na

agricultura familiar agroecológica e vivenciam, em consequência do projeto de

implementação do perímetro irrigado Santa Cruz do Apodi, projetado pelo DNOCS –

iniciado no ano de 2011 e atualmente com obras paradas, o processo de instalação de

empresas de agronegócio na região. O agronegócio adota um modelo produtivo empresarial

de produção, em condições de competitividade superiores em comparação com a

agricultura familiar em estudo nesta pesquisa, tendo em vista o aporte financeiro e a

capacidade técnica que dispõe (PONTES 2012).

No contexto desta pesquisa busca-se estudar a como as comunidades rurais da

Chapada do Apodi - RN e de instituições de representação dos trabalhadores rurais,

Sindicato, ONG’S de assessoria técnicas às comunidades rurais, se colocam diante do

processo de instalação de empresas do agronegócio na região, procurando evidenciar os

elementos de resistência, conflito e convivência presentes na trama das relações sociais na

região.

A resistência no contexto da Chapada do Apodi vai de acordo com a definição de

Sauer (2008, p. 43) por estar ligada a “luta por terra e ao processo de dominação e

exclusão”, próprio de grupos socais ameaçados por estruturas econômicas que lhes são

estranhas e até mesmo avessas. É a resistência dos sujeitos que “desejam ficar, o

movimento de resistência, é a defesa da vida que lá existe” (PEREIRA, 2013, p. 97).

A convivência da qual tratamos é aqui entendida como a possibilidade de

coexistência entre as duas formas de produção: a agricultura familiar e o agronegócio. A

convivência entre estes dois campos segundo Schneider (2011, p.996) não pode ser negada,

pois a relação agronegócio e comunidades rurais de agricultura familiar podem coexistir, de

modo que, “as unidades familiares podem subsistir com relativa autonomia em relação ao

capital e reproduzir nessas condições”.

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Nessa perspectiva, para o alicerce da pesquisa e o desenvolvimento da nossa

investigação, a pesquisa pretende responder as seguintes questões: como as comunidades

rurais2, advindas de assentamentos de reforma agrária e crédito fundiário da Chapada do

Apodi-RN, se colocam diante da possibilidade de mudanças no seu modelo produtivo

ancorado na agricultura familiar agroecológica e de convivência com o semiárido em

decorrência da instalação de empresas de agronegócio na região? Quais os impactos do

agronegócio ao modelo de produção da agricultura familiar das comunidades rurais

assentadas na Chapada do Apodi? Quais os elementos de resistência, de conflito e de

coexistência perceptíveis na relação das comunidades rurais com agronegócio na região?

Estas questões levaram a formulação dos objetivos centrais desta pesquisa: estudar a

relação entre a agricultura familiar desenvolvida pelas comunidades rurais assentadas e as

empresas de agronegócio na Chapada do Apodi -RN, identificando os fatores de resistência,

conflito e de convivência. E como objetivos específicos: a) investigar os elementos de

organização e atuação política das associações, sindicatos e ONG’S junto às comunidades

rurais assentadas no incentivo ao desenvolvimento, estímulo e produção da agricultura

familiar, desenvolvimento social e econômico local; b) identificar os impactos sociais,

econômicos e ambientais do agronegócio para as comunidades rurais da Chapada do

Apodi-RN; e; c) identificar os fatores de resistência, conflito e de convivência das

comunidades rurais diante da instalação do agronegócio na região.

Esta pesquisa desenvolveu-se com o auxílio dos passos exigidos pelo método

qualitativo, buscando em visitas feitas junto as comunidades rurais, associações, o STTRA,

movimentos socais rurais, Sem Terra, e ONG’S: CPT – Comissão Pastoral da Terra,

Coopervida, Terra viva, Dom Hélder Câmara, analisar a situação em que se encontra o

processo de desenvolvimento e de concretização da instalação de empresas de agronegócio

na Chapada do Apodi-RN e a convivência das comunidades com esse fato, atendendo aos

objetivos específicos da pesquisa de investigar a atuação das comunidades rurais junto às

associações e instituições de auxílio técnico/jurídico.

As pesquisas qualitativas têm proporcionado às ciências humanas uma vasta

produção de conhecimento desde que começou a ser empregada como forma de análise da

2 Não nos deteremos a um conceito específico no que se refere as comunidades visto que algumas estão

estabelecidas na região desde as primeiras formas de organização, outras se estabelecem através de um

processo de reforma agrária, portanto se caracterizam como assentamentos e por fim, existem aquelas que são

provenientes de crédito fundiário concedidos pelo governo para finalidades de compra de terra. Para fins

didáticos quando tratarmos das comunidades apontaremos em que categoria das citadas anteriormente as

mesmas se inserem.

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realidade, rompendo com a concepção positivista meramente quantitativa. As pesquisas

qualitativas começam a se desenvolver a partir do final do século XIX quando alguns

antropólogos realizam estudos sobre as sociedades tradicionais; posteriormente, a escola de

Chicago, torna-se o principal centro de estudos de pesquisas sociológicas do século XX

(BONI & QUARESMA, 2005, p. 69). Por seus métodos e instrumentos diversos, a

pesquisa qualitativa possibilita uma variedade de alternativas para a investigação que nos

propomos a desenvolver no contexto desta pesquisa. Sobretudo, porque esse método

possibilita uma compreensão mais profunda do fenômeno em estudo a partir do ponto de

vista dos atores sociais, ou seja, dos múltiplos olhares e saberes.

A pesquisa utilizou como suporte para a coleta de dados:

a) Análise documental junto a associações de trabalhadores rurais, Sindicatos de

Trabalhadores Rurais, ONG’S que atuam em parceria com esses atores;

b) Entrevistas conduzidas face a face com lideranças3 das comunidades rurais e

agricultores familiares, realizou-se ao todo sete entrevistas, sendo que quatro

delas com uma liderança de cada comunidade pesquisa e as demais se

distribuíram entre as ONGs, Sindicato e CPT. Propusemo-nos, pela delicadeza

do nosso objeto de estudo, e como meio de obter informações mais precisas sem

que houvesse constrangimentos ou inibições por parte dos entrevistados a

realização de entrevistas semiestruturadas, combinando perguntas abertas e

fechadas, seguindo um conjunto de questões previamente definidas e feitas em

um contexto semelhante ao de uma conversa informal (BONI & QUARESMA.

2005 p. 75). As entrevistas permitiram identificar os impactos, do ponto de vista

dos entrevistados, do agronegócio para as comunidades rurais de agricultura

familiar, bem como identificar os fatores de resistência.

c) A observação participante nas reuniões das associações, instituições de

representação das comunidades rurais, Sindicato dos Trabalhadores e

Trabalhadores Rurais de Apodi e eventos sobre agricultura familiar organizados

pelas instituições de representação de classe nas próprias comunidades.

Observar as atividades do cotidiano dos agricultores familiares em seus

respectivos locais de trabalho e de vida.

3 A escolha por entrevistas as lideranças das comunidades se deu em virtude destas (as lideranças), em sua

maioria, serem atores importantes no processo de lutas que dão origem aos assentamentos, bem como, a

efetiva participação nas discussões que se remetem as comunidades em todas as esferas: reuniões com o

Sindicato, movimentos em defesa da agricultura familiar e da agroecologia, sendo, portanto, atores

fundamentais para a criação dos assentamentos da Chapada do Apodi.

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A observação participante, como destaca Boni e Quaresma (2005, p. 70): “ajuda o

pesquisador a identificar e obter provas a respeito de objetivos sobre os quais os sujeitos

não têm consciência, mas que orientam seu comportamento”. Além de obrigar o

pesquisador a ter contato direto com a realidade vivida pelos sujeitos/grupos que se propõe

pesquisar. Parte essencial da nossa pesquisa foi realizada por meio da observação em

campo, com anotações de campos sobre o comportamento e das atividades dos

entrevistados local da pesquisa.

d) Realizamos visitas exploratórias nas comunidades divididas em três etapas: a

primeira visita foi feita no sentido de conhecer as comunidades e promover a

aproximação com o nosso campo de estudo. Desta feita, no primeiro momento

nos dedicamos a explorar os lotes, quintais produtivos, estrutura física das

comunidades, reconhecimento da produção e levantamento de informação

acerca do número de famílias assentadas e como de dava a organização das

comunidades. Neste primeiro momento também fizemos um pré-teste de nosso

roteiro de entrevistas. Em um segundo momento, junto à liderança da

comunidade, realizamos a aplicação das entrevistas semiestruturadas a fim de

aprofundar nossa discussão e trabalhar nossas questões norteadoras. Por fim, a

terceira visita se deu no intuito de assistir as reuniões das associações com o e

observar o caráter participativo e o espírito associativo e cooperativo

característico das comunidades pesquisadas.

e) Participação em diversas reuniões do fórum da agricultura familiar realizadas

mensalmente no STTRA. No período de aproximadamente um ano, agosto de

2015 a agosto de 2016 participamos ativamente das reuniões das associações,

assembleias, audiências públicas, junto a entidades governamentais de todas as

esferas: Municipal, Estadual e Federal. Também estivemos presentes nos atos de

ruas promovidos pelos agricultores. Estas visitas nos proporcionaram a

aproximação com a discussão acerca dos conflitos que envolviam a agricultura

familiar da Chapada do Apodi também na esfera dos poderes legitimadores. A

participação nesses ambientes nos permitiram fotografar, tomar notas das

discussões, promovendo a categorização dos discursos dentro do que nos

propúnhamos a pesquisar.

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A escolha do método qualitativo para o desenvolvimento da pesquisa decorreu da

possibilidade de uma maior dinamicidade na coleta de dados e de tornar possível uma

variedade de perspectivas explicativas e de investigação, permitindo a construção de

categorias de análise. O método qualitativo permite ao pesquisador observar, registrar

comportamentos e estados subjetivos, além da possibilidade de uso de instrumentos

diversos de coleta de dados: documentos, filmes, gravações, fotografias (GUNTHER, 2006,

p. 201).

Ainda, segundo Creswell: “a pesquisa qualitativa emprega diferentes alegações de

conhecimento, estratégias de investigação e métodos de coleta de dados [...] se baseiam em

dados de texto e imagem, têm passos únicos na análise de dados e usam estratégias diversas

de investigação” (CRESWEL 2007, p.185).

Dessa forma, acreditamos que o método de pesquisa qualitativa é o método mais

eficaz para obtenção de dados em nossa pesquisa, visto que, por meio dele foi possível um

diálogo com diferentes fontes, entrevistas, análise documental, fotografias e imagens. Além

disso a pesquisa qualitativa “trabalha com significados, motivações, valores e crenças e

estes não podem ser reduzidas às questões quantitativas (BONI & QUARESMA. 2005, p.

70).

Os dados da pesquisa de campo foram obtidos por meio de: visita às comunidades e

participação em reuniões das associações da agricultura familiar in loco e em instituições

de representação de classe, foram analisados por meio da elaboração de quadros

referenciais. Nos quadros pudemos categorizar as falas, tanto aquelas colhidas de forma

indireta nas reuniões e assembleias quanto as entrevistas realizadas diretamente com os

atores da nossa pesquisa.

Na coleta de dados fizemos observação participante em várias instâncias de

discussão da agricultura familiar de Apodi onde tomávamos nota sobre as discussões

filtrando nas falas dos atores aquilo que estava embutido em nossas categorias de análise,

este procedimento nos permitiu os primeiros contatos com os atores, bem como, com a

problemática, aqui o empírico começa a debater com o teórico.

O processo de aproximação e as entrevistas com os agricultores se deram em três

momentos específicos: em uma primeira etapa fizemos visitas as comunidades selecionadas

para a pesquisa, nesse primeiro contato pretendíamos colher dados sobre a produção, como

e o que se produzia em cada comunidade. Levantamos o número médio de habitantes por

assentamento e, por fim, analisamos a estrutura física das comunidades. Em um segundo

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momento realizamos as entrevistas individuais com os presidentes das associações das

comunidades pesquisadas, conduzidas face a face; e, por último, assistimos as reuniões das

associações comunitárias a fim de aprofundarmos nossas perspectivas de análise sobre os

elementos que buscávamos captar no campo de pesquisa.

Outro segmento importante para obtenção dos nossos dados, além dos já citados

agricultores, foram as ONG’s e o STTRA. Em nossos quadros referenciais também

colocamos as falas dos representantes destas instituições encaixadas dentro dos elementos

que nos propúnhamos a discutir. A partir desse procedimento metodológico podemos

cruzar as informações coletadas, comparar as falas e eliminar supostas incongruências.

Com o quadro confeccionado nos colocamos a construir a análise dos nossos resultados.

Os quadros referenciais foram montados após o processo de visita de campo,

mapeamento das comunidades e realização das entrevistas. Ao concluir estas etapas deu-se

início a transcrição das entrevistas. As transcrições das entrevistas foram feitas no sentido

de nos permitir dissecar as falas dos nossos entrevistados, filtrando-as de acordo com as

categorias norteadoras: agricultura familiar, agronegócio, conflito, resistência e

convivência. Feito essa categorização das falas, foi possível maior agilidade para a

construção da narrativa dos entrevistados como instrumento norteador para a constituição

dos resultados, o que nos permitiu montar o quebra cabeça das falas, depois das entrevistas

transcritas e produzir nosso artesanato intelectual tal qual nos fala Mills (2003). A análise

dos dados supracitados culmina em exercício de sistematização que implica a estruturação

da presente dissertação numa visão interdisciplinar que interage com a sociologia rural e a

geografia. Nela, apresentam-se a estrutura de capítulos abaixo especificada.

Ainda para fins metodológicos atribuímos pseudônimos aos atores da nossa

pesquisa de acordo com suas características. Escolhemos, dessa forma, aves do sertão:

Carcará, Asa Branca, Beija Flor e Sabiá, estes atores são as lideranças das comunidades

pesquisadas. Como dissemos, a escolha das aves se deu levando em consideração a forma

de como os atores se colocam em suas falas e atitudes. Nesse sentido, denominamos o

entrevistado de Carcará por sua firmeza nas afirmações e posições e a valentia em suas

defesas. O carcará é destemido e não se permite presa. Nomeamos Asa Branca tomando

como referência a poesia gonzagueana: a asa branca só bate asas do sertão quando as

condições já não são mais sustentáveis, o nosso Asa Branca afirma não arredar o pé do seu

lugar mesmo em condições adversas. Beija flor foi concedido a pedidos. Por ser mulher e

trabalhar na produção de mel, atividade que mais se identifica, solicitou que a

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identificássemos em nossa pesquisa como beija flor, a polinizadora. Por sua delicadeza, e a

sutileza das palavras, não haveria pseudônimos mais justo. Por fim, Sabiá, esta ave foi

escolhida para este ator em específico por sua maciez no falar, sua tranquilidade nas

atitudes e sua mansidão. Suave como o canto do sabiá, contudo igualmente altivo, nos

passava com convicção suas impressões sobre os aspectos dos quais era questionado.

Para fins de compreensão da organização do trabalho, apresentamos no primeiro

capítulo uma caracterização das comunidades, dos atores e dos discursos colhidos ao longo

deste trabalho. No segundo capítulo, nos dedicamos à revisão de literatura, discutindo os

aspectos teórico-metodológicos sobre nossas questões de pesquisa, hipóteses, objetivos e a

formulação da problemática. Encontram-se ainda, as discussões acerca das categorias

agricultura familiar agroecológica e agronegócio na perspectiva do pensamento da

sociologia rural e de teóricos da economia.

Neste capítulo estão os elementos que fundamentam nossa investigação. Por sua

feita, nos alicerça no campo teórico e na condução da continuidade da nossa pesquisa, com

as categorias basilares para nossa investigação, permeando todo o trabalho. Estão os

apontamentos que o campo de investigação nos revela, estes, realizados por meio da

observação participante em reuniões, assembleias e fóruns, visitas as comunidades

pesquisadas e entrevistas realizadas com os atores da pesquisa. Os discursos e as análises

feitas nos encaminham, direcionam rumo aos nossos resultados.

No terceiro capítulo, apresentaremos os resultados da nossa investigação, fazendo a

análise dos dados pesquisados no campo, dos discursos, dos atores, discutindo os achados

do campo de pesquisa com a teoria que alicerça nosso corpus conceitual. Este não pretende

encerrar, nem ao menos dar por esgotada a discussão, tendo em vista que o campo é

dinâmico e passível de transformações.

É válido destacar também que os fatos continuam a vir à luz no desenrolar das

circunstâncias, e elementos novos surgem à medida que o problema discutido se torna mais

evidente. No último capítulo, não pretendemos dar como concluso o trabalho, mas

direcionar para as questões mais importantes de nossa investigação, apresentando as

evidências que o campo nos demonstra, sobretudo no que se refere aos aspectos: conflito,

resistência e convivência em que as comunidades rurais da Chapada do Apodi e as

empresas do agronegócio estão envolvidas.

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1 O CAMPO, ATORES E COMUNIDADES PESQUISADAS

Vocês desterram povaréus ao léu que erram

E não empregam tanta gente como pregam

Vocês não matam nem a fome que há na terra

Nem alimentam tanto a gente como alegam

É o pequeno produtor que nos provê e os

Seus deputados não protegem, como dizem

Outra mentira de vocês, pinóquios véios

Vocês já viram como tá o seu nariz, hem? ...

Chico César

Este capítulo trata-se de uma descrição das comunidades pesquisadas, dos atores da

pesquisa e seus sentimentos a respeito do problema que a pesquisa se propôs abordar.

Nesse sentido, com base nas investigações desenvolvidas por meio da observação

participante, em que visitas às comunidades foi um dos recursos utilizados, destacando-se

os seguintes aspectos: a organização física, territorial, social, atividades produtivas e

políticas, organização associativa. Concomitante, foram realizadas entrevistas

semiestruturadas junto aos agricultores.

Ancorado no nosso referencial teórico, fizemos a transposição da fala dos

agricultores com a teoria de suporte da pesquisa, categorizando-a e articulando o que foi

dito e observado no sentido de construir um relato fidedigno a respeito das implicações para

as comunidades e para os agricultores da instalação de empresas do agronegócio na

Chapada do Apodi.

1.1 AS COMUNIDADES, ATORES E DISCURSOS

No período de agosto de 2015 e no decorrer de todo o primeiro semestre de 2016

foram pesquisadas quatro comunidades rurais da Chapada do Apodi: Baixa Verde 02,

Moaci Lucena, Milagres e Portal da Chapada.

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Mapa 01 – Recorte Territorial da Chapada do Apodi-RN

Fonte: Neto & Paulino (2016, p. 65).

A escolha dessas comunidades se deu pelo fato de estarem mais próximas das

empresas do agronegócio que se instalam na Chapada do Apodi. E, por estarem presentes

desde os primeiros momentos no desenvolvimento das comunidades e nos processos de

lutas históricas que promovem o surgimento dos assentamentos da Chapada do Apodi, bem

como a importante representação delas enquanto agentes e incentivadores da agricultura

familiar agroecológica que se pratica na região, além do associativismo e do

cooperativismo, práticas socioeconômicas caraterísticas das comunidades.

Essas comunidades, em sua maior parte, surgiram de um processo de lutas que tem

como resultado a divisão de terras decorrente da economia fragilizada pela produção em

larga escala do algodão, que passa por períodos de decadência econômica em decorrência

da monocultura, das secas e pragas que assolam a região e à produção. Como consequência

desse contexto de declínio produtivo da monocultura do algodão, nascem os assentamentos

rurais estabelecidos na região através de políticas de reforma agrária e/ou crédito fundiário.

Inicialmente, será feita uma descrição das comunidades pesquisadas apontando os

dados mais específicos no que diz respeito às questões que envolvem as formas de

apropriação da terra, números de agricultores que vivem e produzem nas comunidades, o

que é produzido e a forma de comercialização do que é produzido. Para obtenção desses

dados foi desenvolvido um roteiro de observação participante e de coleta de dados por meio

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de entrevistas informais, para poder captar esses elementos de forma que não fosse

necessário, nesse momento de aproximação inicial com o campo, a realização de entrevistas

informais e de observação, tendo em vista a coleta de dados sobre as comunidades para fins

de se traçar um perfil do campo de pesquisa.

O quadro que se segue (Quadro 01) passa uma noção geral dos assentamentos

pesquisados, um demonstrativo de número de habitantes por assentamento e hectares de

terra que cada assentado recebeu no memento das desapropriações.

Quadro 01 – Relação dos Assentamentos pesquisados

Assentamento Ano de criação Nº de Famílias Nº de

Habitantes

Nº de

he/assentado

Baixa Verde 02 2007 70 140 22,5

Moaci Lucena 1996 20 112 19,5

Milagres 1997 31 136 19,5

Portal da

Chapada

2001 52 100 20,0

Fonte: Pesquisa de campo, 2016.

Faremos em seguida uma descrição dos assentamentos pesquisados, os dados

abaixo relacionados correspondem ao período de observação participante dentro das

comunidades de onde podemos extrair as informações que compõe o quadro anterior, bem

como, as principais formas de produção e produtos, a forma de organização. Percebe-se,

portanto, que existe similaridades nos processos produtivos e organizacionais,

salvaguardadas sutis particularidades que destacamos nos tópicos que se seguem.

1.1.1 O assentamento Baixa Verde 02

O assentamento rural Baixa Verde 02 foi criado em 2007, das comunidades

pesquisadas é a mais recente. A comunidade comporta cerca de 70 famílias e

aproximadamente 140 habitantes4, assentadas na região por intermédio de financiamento

bancário junto a agentes de financiamento de terra para fins de Reforma Agrária. Os

agricultores ainda estão pagando as parcelas da terra e existe uma escritura conjunta que

será desmembrada para posse individual quando o saldo devedor estiver quitado junto as

4 Estas informações nos foram cedidas pelo presidente da Associação dos Trabalhadores Rurais do

Assentamento Baixa Verde 02.

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agências de financiamento. Cada família assentada recebeu 22,5 hectares de terra para o

desenvolvimento das atividades agrícolas.

A produção predominante na comunidade é a da cultura de sequeiro, principalmente

feijão, milho e sorgo, os dois primeiros dependentes de precipitações mais constantes e o

último plantado para produzir ração animal que dá sustentação aos rebanhos durante os

períodos de estiagens. A apicultura é também um ramo produtivo para os agricultores, se

configurando como um dos principais. No entanto, apicultura dependente de chuvas

regulares para a floração, dessa maneira, é uma atividade que só se desenvolve em período

de boas precipitações. A comunidade tem em média 150 colmeias que produz mel “de

ótima qualidade”, de acordo com o agricultor entrevistado.

A irrigação, por sua vez, é responsável pela produção de melancia, banana5 (FOTO

06). E se desenvolve de forma experimental o cultivo de uva, além de um projeto de

cajucultura que começa a ser implementado. São cerca de 600 cajueiros precoces plantados

na comunidade. Os quintais produtivos6 também são importantes para a comunidade, neles

são plantadas frutas e hortaliças para o consumo caseiro: manga, banana, cajarana e ervas

medicinais.

Foto 06 – Produção de bananas do assentamento Baixa Verde 02, Apodi-2016

5 O agricultor exibe orgulhoso a plantação de bananas com seus cachos de mais de um metro, afirmando que

esta é responsável por boa parte dos lucros obtidos como resultado de um projeto de irrigação implantado na

comunidade. 6 Os quintais produtivos são unidades produtivas que utilizam o espaço residencial do assentamento

aproveitando-o para promover a produção de frutas, verduras, hortaliças. Os quintais produtivos reusam

promovem o reuso das águas residenciais para irrigação possibilitando a produção constante dentro dos

quintais.

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Fonte: Acervo da pesquisa. 2016.

A comercialização da produção é feita por meio das cooperativas, principalmente a

Cooperativa Potiguar de Apicultura e Desenvolvimento Rural Sustentável – RN

(COOAPAPI), do Programa Compra Direta do Governo do Estado do Rio Grande do Norte

e da comercialização direta dos agricultores com compradores externos; e, parte da banana

produzida na comunidade é vendida aos comerciantes das cidades vizinhas (CARACARÁ,

2016).

A comunidade apresenta uma diversidade produtiva que a coloca como uma

importante representante da agricultura familiar da Chapada do Apodi, não só pela

produção em si, mas pelo fato da organização dos trabalhadores rurais, tendo em vista todas

as limitações que se podem perceber, a falta de chuvas, sem dúvida, é uma das mais

latentes. Destarte, a participação na economia local, também deve ser ressaltada, visto que

existe uma rede produtiva e comercial diversificada que vai do local ao regional. A Foto 07

ilustra a diversidade produtiva do assentamento.

Foto 07 – Colmeias para produção de mel na comunidade Baixa verde 02 – Apodi, 2016

Fonte: Acervo da pesquisa. 2016.

1.1.2 O assentamento Moaci Lucena

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O assentamento Moaci Lucena nasce no processo de lutas lideradas pelos

trabalhadores rurais e desenvolvidas através das ações de agricultores, movimento sindical,

CPT - Comissão Pastoral da Terra, ONGs. Estes figuram entre os principais atores, que

lutam pela divisão da terra na Chapada do Apodi tendo em vista a falência dos latifúndios

do algodão. Fruto das lutas pela Reforma Agrária, a terra é ocupada pelos agricultores em

1996, vindo a ser desapropriada em 1998, “antes vivíamos na escravidão, depois que

conseguimos a terra ficamos livres7” (ASA BRANCA, 2016). No assentamento vivem 20

famílias, sendo 07 delas de agregados8, contabilizando um total de 112 assentados. A terra

foi adquirida através de Reforma Agrária por via do INCRA, de onde forma distribuídos

lotes de 19,5 hectares por assentado.

Assim como a Baixa Verde 02, a maior parte da produção vem das culturas de

sequeiro: feijão, milho, algodão, sorgo e gergelim. A criação de caprinos, tanto para corte

como para produção de leite também é uma forte atividade produtiva. Outro destaque, é a

apicultura, salientando sempre que esta atividade depende dos períodos chuvosos para a

floração e consequentemente para a produção de mel. “Sem a chuva a jurema, o sabiá, o

mufumbo não floram” (ASA BRANCA, 2016).

A produção de polpa de diversas frutas de sequeiro serve de complemento das

atividades produtivas do assentamento, a exemplo do cajá, seriguela, caju, manga, goiaba,

acerola, tamarindo. Segundo o agricultor, por exigências de alguns clientes, se produz,

também, polpa de abacaxi, apesar de não fazer parte do cultivo local. A matéria-prima para

a produção de frutas em sua grande maioria sai dos quintais produtivos, onde se cultiva,

além das variedades citadas acima, hortaliças e ervas medicinais para o consumo familiar e,

em caso de excedente, para comercialização. A produção das polpas é feita por um grupo

de agricultores em um ambiente construído para este fim, equipado com liquidificador

industrial e de sete (07) freezers para armazenamento e conservação do produto.

Ao visitar um dos quintais produtivos (FOTO 08) da comunidade pode-se perceber

a preocupação dos agricultores com o meio ambiente e com o desenvolvimento de práticas

agroecológicas. As hortaliças e verduras, por exemplo, são plantadas em pneus como forma

de reuso deste recurso.

7 O agricultor relata que entes dos assentamentos os agricultores trabalhavam em sistema de ⅓ onde parte da

produção ficava com o dono da terra, posteriormente o valor dividido do que era produzido aumenta,

chegando a momentos em que praticamente tudo que se produzia ficava sob a posse dos donos da terra. 8 O agregado é um familiar dos primeiros assentados, na maioria filhos e suas famílias, que, a partir da

repartição da terra do assentado primeiro, se constrói uma residência para o agregado e família. Uma

característica importante do agregado é a continuação da ideologia da comunidade, em que a agricultura

familiar e a proteção do meio ambiente são os eixos norteadores.

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Foto 08 – Quintal produtivo do assentamento Moaci Lucena – Apodi, 2016

Fonte: Acervo da pesquisa. 2016.

A comercialização das polpas de frutas é feita de forma direta ao

consumidor/comerciante/atravessador. Falta, ainda, à comunidade o Selo de Inspeção

Federal – SIF, selo este que legitima a produção e aprova, segundo regulamenta a Lei

8.918/95, a venda e distribuição das polpas de forma legal do ponto de vista comercial.

De acordo com o agricultor entrevistado, a COOAFAP tem atuado para conseguir o

Selo e otimizar a produção de polpas de fruta de sequeiro na comunidade. Outra forma de

comercialização dos produtos da comunidade é a Feira da Agricultura Familiar de Apodi. A

comunidade tem um feirante que aos sábados leva os produtos para comercialização na

cidade incentivando a economia local.

O cooperativismo também se configura como uma atividade essencial na

comercialização dos produtos, a COOAFAP em parceria com a comunidade presta

assistência na comercialização do caprino de corte, ovinos e bovinos, bem como a galinha

caipira, ovos, produção de queijo e de doces de diversas qualidades: leite, goiaba, caju,

banana. Bolos também são produzidos: de leite, milho entre outros. A Coopervida também

auxilia de forma técnica a comunidade, sobretudo nos projetos de manejo da caatinga.

O manejo da caatinga é uma prática relevante para a comunidade por proporcionar

forragem animal durante o período de estiagem por meio de diversas técnicas adotadas:

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rebaixamento e raleamento9, por exemplo. A preocupação com o meio ambiente e a noção

de sustentabilidade da terra também é uma prática no manejo da caatinga.

São várias as cadeias produtivas do assentamento Moaci Lucena, o que coloca esta

comunidade como importante setor produtivo no município, destacando a diversidade de

produtos produzidos pela agricultura familiar e que atende a lógica da agroecologia, já que

são produtos orgânicos produzidos sem insumos químicos ou manipulação genética, visto

que as sementes crioulas são priorizadas no cultivo.

1.1.3 O Assentamento Milagres

O assentamento Milagres se instala na Chapada do Apodi no período

correspondente ao nascimento do Moaci Lucena, tem início em 1997 com a ocupação das

terras, mais precisamente no dia 26 de novembro, ocasião em que se funda por meio de

eleição a associação de Milagres, fato que demonstra a importância da participação desde o

surgimento do assentamento. Conta atualmente com 26 posseiros10 e 03 famílias agregadas,

contabilizando um total de aproximadamente 136 pessoas que vivem no lugar.

A produção característica de sequeiro cujas principais culturas são: feijão, milho,

algodão e sorgo e algodão, este último produzido de forma agroecológica, isso quando as

condições climáticas são favoráveis, por cerca de 10 famílias. Atualmente a comunidade

está sem a lavoura do algodão agroecológico tendo em vista a seca que assola a região.

A criação de caprinos, ovinos, bovinos, suínos e galinhas complementam a

diversidade de práticas econômicas e produtivas da comunidade. A apicultura também é

importante para a comunidade: “Mesmo nesse tempo difícil tem agricultor que já tirou 50

latas de mel” (BEIJA-FLOR, 2016). Assim como nas demais comunidades pesquisadas, os

quintais produtivos também se fazem presentes o consumo das famílias.

A comercialização da produção é feita, “quando é um ano bom”11 (chuvoso) pelas

cooperativas e em períodos de menor produção aparece a figura do atravessador. Vale

ressaltar, a forma exemplar de organização do assentamento: o saneamento básico e

9 Estas técnicas consistem em preparar o terreno, solo, para aproveitamento dos nutrientes dos vegetais em

decomposição, bem como rebaixar as árvores de maior porte para facilitar a alimentação caprinos e ovinos,

dessa forma a ramagem das árvores se encontram em uma altura que permite a alimentação animal. 10 O termo posseiro é utilizado aqui fazendo referência aos assentamentos em que os assentados ainda não

possuem o título da terra. Portanto, os assentados aguardam que o Governo Federal conceda o título da terra

para que possam de intitular definitivamente como donos dos lotes. 11 Grifos nossos.

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esgotamento sanitário, conforme nos mostram as Fotos 09 e 10 que se seguem, são

realidades, construído sob financiamento do CNPQ, edital MCT/CNPQ – N. 027/2008, foi

desenvolvido em parceria com universidades, UERN/UFRN e ONGs: Cooperativa Terra

Viva e Coopervida. A construção foi feita em parceria com os agricultores que emprestam a

mão de obra de forma colaborativa, cada agricultor escavando seu canal. A água das casas é

tratada, reutilizada na irrigação de plantas frutíferas como a acerola para comercialização,

por exemplo, da palma e do capim que são utilizados em época de estiagem para garantir o

alimento animal. Os resíduos sólidos são utilizados como adubo.

A coleta seletiva de lixo também é uma preocupação da comunidade, observa –se

lixeiras distribuídas por toda a extensão da comunidade. A agricultora entrevistada

ressaltou que o assentamento é um campo de estudos para a universidade, de onde já saíram

várias dissertações de mestrado, bem como, teses de doutoramento de agrônomos e de

tantos outros pesquisadores de diversos campos do conhecimento.

Foto 09 – Plantação de Palma com água de reuso, Assentamento Milagres – Apodi, 2016.

Fonte: Acervo da pesquisa. 2016.

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Foto 10 – Plantação de Capim aguado com água de reuso, Assentamento Milagres – Apodi, 2016

Fonte: Acervo da pesquisa. 2016

1.1.4 Assentamento Portal da Chapada

No assentamento Portal da Chapada, fundado em 2001, a luta pela desapropriação

do assentamento levou mais de 05 anos, entre reuniões com as instituições governamentais,

sobretudo o INCRA, Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadores Rurais de Apodi e

Comissão Pastoral da Terra - CPT.

Ao nos receber na comunidade, o agricultor destaca a atuação destes últimos

segmentos no processo, “sem eles não teríamos condições de estarmos aqui” (SABIÁ,

2016), estão assentados 52 famílias das quais 45 são os assentados que estão desde o

princípio do processo de desapropriação e 07 agregados filhos dos assentados que dão

continuidade a vida no lugar adotando as práticas dos primeiros assentados. O

assentamento contabiliza uma faixa de 100 habitantes, cada família recebeu 20 hectares de

terra para a produção, onde se desenvolvem diversas atividades, tais como: a cajucultura, a

apicultura; criação de ovinos, bovinos e galinhas. A produção de sequeiro são as

tradicionais culturas do feijão e do milho; os quintais produtivos são responsáveis pela

segurança alimentar da família onde se produzem frutas, verduras e hortaliças, é também

espaço para experimentar as potencialidades, até amendoim (FOTO 11) podemos encontrar.

Apesar de desapropriada e estabelecido o assentamento, os agricultores ainda não possuem

o título das terras.

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Foto 11 – Cultivo de amendoim em quintais produtivos, Portal da Chapada – Apodi, 2016

Fonte: Acervo da Pesquisa. 2016.

Fato que merece destaque é a considerável representatividade de agricultores que

tiveram suas terras desapropriadas neste assentamento, das 20 famílias, cinco (5) perderam

suas terras pelo governo para dar lugar à construção dos canais do Perímetro Irrigado da

Barragem de Santa Cruz do Apodi. Relatos dos entrevistados apontam o descontentamento

na forma como o governo conduziu o processo, afirmando que o valor da terra fica abaixo

do esperado pelo proprietário e de porções de terra que ficaram sem indenização, por não

entrarem nos critérios de contabilização das instituições governamentais. É relevante

salientar que mesmo deslocados de suas terras de origem, a maioria herdadas de pais e

avós, os agricultores não se desprendem do vínculo que possuem com as terras da Chapada

do Apodi, tendo em vista a aquisição de lotes para dar prosseguimento a vida no campo nos

assentamentos.

A comercialização da produção é feita em parceria com cooperativas, sendo a

COOAFAP – Cooperativa da Agricultura Familiar de Apodi, uma das principais no auxílio

à comercialização do mel, do caju e da castanha. É importante destacar também que os

produtos são comercializados com a figura do atravessador, este aparece quando as

cooperativas não conseguem promover a circulação da produção, sendo que o atravessador,

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nesse contexto, se torna o principal comprador do que é produzido. É válido salientar que

as atividades supracitadas estão condicionadas a períodos chuvosos em bom volume.

“Quando é ano de inverno bom, os caminhões não param de carregar caju e castanha da

comunidade” (SABIÁ, 2016).

Um dos diferenciais da comunidade é a ótima qualidade da água: “a água que cai na

torneira é mineral” (SABIÁ, 2016). Há dois poços que os agricultores utilizam para o

consumo humano e para o sustento animal, através de uma caixa elevada a água é

distribuída para todos os assentados. Ao contrário do que ocorre no assentamento de Baixa

Verde, os agricultores ainda não percebem a diminuição de vazão dos poços em

decorrência da perfuração e do uso das águas do Aquífero Jandaíra. Cabe destacar, que o

assentamento, encontra-se localizado em maior distância da vila, apesar dos lotes estarem

praticamente dividindo as cercas com a empresa.

Pode-se perceber que a assistência técnica construída em parceria com ONGs,

universidades e instituições de incentivo e fomento às práticas agrícolas alternativas na

comunidade, ainda é tímida, tendo em vista ser uma comunidade recente, se comparada as

demais pesquisadas, e a redução dos investimentos públicos no assessoramento das

comunidades da agricultura familiar nos últimos anos (TERRA VIVA, 2016).

Porém, algumas atividades começam a ganhar vida, como por exemplo, o manejo

da caatinga para a criação de ovinos; a produção agroecológica de melancia e de outras

frutas, com destaque para o caju (FOTO 12), verduras e hortaliças dos quintais produtivos.

A comunidade, dessa maneira, passa por uma transição agroecológica, implantando esta

prática às atividades desenvolvidas pelos agricultores.

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Foto 12 – Lote para o cultivo do caju, Portal da Chapada – Apodi, 2016

Fonte: Acervo da pesquisa, 2016.

A produção de mel (FOTO 13) também se configura como uma importante

atividade para a comunidade que, mesmo em períodos de estiagens, continua a ser um

gerador de renda para os agricultores.

Foto 13 – Colmeia em atividade produtiva, Portal da Chapada – Apodi, 2016

Fonte: Acervo da Pesquisa. 2016.

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1.2 MOVIMENTOS SOCIAIS: ATORES ATIVOS NA LUTA PELO

FORTALECIMENTO E PERMANÊNIA DA AGRICULTURA FAMILIAR NA

CHAPADA DO APODI

No processo do caminhar da pesquisa buscamos alcançar atores ativos na luta pela

permanência da agricultura familiar e sua lógica produtiva e organizacional, isto nos

permitiu desvelar as questões de pesquisa além das falas dos atingidos diretamente, por

meio da perspectiva de outros atores – aqueles que se dedicam ao auxílio, seja técnico,

jurídico ou de formação. Estes atores são responsáveis de fato por trazer vida ao pó do

sertão antes mesmo da chegada das “empresas da redenção”.

Nesse sentido, fazemos uma contextualização do nascimento, desenvolvimento e

fortalecimento da agricultura familiar na Chapada do Apodi, a atuação de atores

importantes para a consolidação dos projetos de reforma agrária e para o desenvolvimento

das comunidades pesquisadas: o STTRA, a Comissão Pastoral da Terra (CPT); e ONGs,

como a Terra Viva e Coopervida, atores que a estrada empoeirada pelo pó do sertão,

através de suas várias veredas, promoveu o encontro com as comunidades pesquisadas.

1.2.1 Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Apodi (STTRA)

O STTRA configura-se como um ator importante para a manutenção e o

desenvolvimento da agricultura familiar da Chapada do Apodi. Ao desenvolver uma pauta

de discussões e de reflexões com os agricultores acerca dos riscos que o agronegócio

representa para as comunidades e sua lógica produtiva organizacional, o STTRA tem

permitido que os agricultores familiares da Chapada do Apodi participem como

protagonistas das discussões e das elaborações das estratégias de enfrentamento ao poder

do capital global.

O STTRA nasce no início da década de 1980. De acordo com as falas dos atores

entrevistados (CPT, ONGs), em seus primeiros anos de vida, o sindicato esteve distanciado

dos agricultores: “o sindicato, era uma instituição que estava na mão de figuras políticas, o

típico sindicato pelego, assistencialista, que vinha do período da ditadura militar, onde o

sindicato era aparelhado pelo estado, se fazia uma política assistencialista” (STTRA, 2016).

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Dessa forma a atuação sindical se limitava a promoção da discussão acerca dos trâmites

previdenciários.

A partir da criação das associações, em 1988-1989 onde foram criadas as

primeiras associações, a princípio com a junção de agricultores da região

do Vale do Apodi e da Pedra, como por exemplo: em Água fria, Lagoa

Rasa, Sororoca, Queimadas, Santa Rosa, enfim, uniram-se agricultores de

todas as comunidades nesse espaço coletivo onde foi formada uma

associação de trabalhadores rurais para lutar contra esse sistema. (STTRA,

2016).

A criação da associação dos trabalhadores rurais de Apodi promoveu o nascimento

de um espaço de discussão alternativo ao sindicato. Esta associação ganha força e coloca os

trabalhadores rurais à frente do sindicato a partir da década de 1990. Renascido da base, o

STTRA começa a promover a discussão pela base.

Ao promover a discussão pela base, buscando o debate com as principais vítimas

alcançadas pelos problemas que atingem os agricultores, o STTRA parece romper com a

lógica fisiologista, assistencialista e política eleitoral que os sindicatos têm assumido nas

últimas décadas, sobretudo no início deste século, conforme nos alerta Santos, B (2010).

Nessa perspectiva, o sindicalismo que se pratica é exercido no sentido de ouvir as bases e

os anseios dela e a partir disso elaborar estratégias plurais em benefício coletivo.

O STTRA apresenta as características daquilo que Santos, B (2010, p. 391) chamou

de novo sindicalismo. O novo sindicalismo para este autor tem de ser de contestação e de

participação. Sendo que,

Na grande maioria das situações, a melhor estratégia é a que mistura em

doses diferentes a contestação e a participação. Consoante os casos,

teremos uma contestação participativa ou uma participação contestatória.

Nas novas condições de desenvolvimento do capitalismo, o movimento

sindical consolidar-se-á tanto mais quando melhor calibrar as doses

necessárias de participação e de contestação na sua estratégia. [...]. Este

novo sindicalismo tem de valorizar e de reinventar a sua tradição

solidarista de modo a desenhar um novo, mais amplo e mais arrogado arco

de solidariedades adequados ás novas condições de exclusão social

(SANTOS, B. 2010, p.391).

Ao analisarmos o contexto histórico do STTRA constatamos que a construção do

novo sindicalismo tem seus alicerces no processo de edificação das associações

comunitárias, que, a partir da base, galgaram a presidência do sindicato. Segundo relatos do

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Sindicato, o mesmo esteve durante décadas sob comando de pessoas que nada tinham de

agricultores e administravam o sindicato com fins escusos. A partir da organização das

comunidades e o surgimento das associações “o sindicato é tomado das mãos de pessoas

cujos interesses estavam ligados ao desenvolvimento de práticas burocráticas junto aos

órgãos previdenciários” (SINDICATO, 2016) e dar-se o início de um modelo de

sindicalismo voltado para a construção coletiva onde se promovia a discussão de uma

concepção de espaço de representatividade coletiva.

Feito o resgate do sindicato pelos trabalhadores, busca-se o debate acerca dos

problemas a serem enfrentados pelos agricultores e agricultoras diretamente na base. Na

fala da CPT, evidenciam-se essas características de distanciamento entre o movimento

sindical e suas bases em períodos anteriores, onde: “o sindicato estava muito distante dos

agricultores. Era mais um sindicato de performance para questão previdenciária, era muito

frágil” (CPT, 2016).

O STTRA tem sido importante ator na luta pela agricultura familiar de Apodi,

destacando o papel que assume na discussão, no debate, na proposição de alternativas para

que os agricultores permaneçam no lugar, dando seguimento a lógica de produção e

organização da agricultura familiar. Dessa forma, o STTRA destaca que o trabalho junto às

comunidades no sentido de discutir a implantação do agronegócio é o de:

fazer o debate nas comunidades, nas reuniões das associações, nas

organizações. Cada comunidade tem uma agenda mensal de reunião, nos

recebe, a gente faz o debate, desmitificando o discurso da geração de

emprego e renda que eles pregam. Se a gente for ver não é um emprego de

carteira assinada do agricultor familiar, mas também é renda tudo aquilo

que está lá, só não vem em uma folha como o agronegócio paga todo mês.

Isso tem psicologicamente tem um peso para o agricultor, é bem mais

palpável quando ele recebe o valor no final do mês do que está produzido

em seu quintal. Então o nosso papel é o enfrentamento, mas é muito difícil

combater o agronegócio principalmente diante de uma conjuntura política

que a gente tem hoje em nosso país, uma política agrícola onde a bancada

ruralista é muito forte, eles fazem políticas de fortalecimento do

agronegócio. No sistema capitalista, o agronegócio está embutido nesse

sistema, quebrar o agronegócio é difícil. É possível fazer resistência, mas

também é uma luta muito complicada, nós temos consciência disso. No

debate a gente já ganhou isso, a ciência já mostrou também que é a

agricultura familiar que produz de forma saudável, que alimenta o povo

na cidade, a história do agronegócio é uma história manchada pela

contaminação do solo, deixa o solo estéril, trabalho escravo, pistolagem,

assassinam quem combate, então não é fácil combater. Mas, nós temos

consciência enquanto sindicato que o nosso papel é esse. O campo sem

gente não é interessante, não é importante para nós, nós temos que lutar

por uma vida digna, no campo principalmente.

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Dito isso, o STTRA, ao promover o debate junto aos agricultores e incentivar a

participação dos mesmos na discussão, valoriza experiências como a da

cidadania contra a exclusão social, da participação contra a alienação, da

democracia contra os fascismos privados, dos direitos do consumidor

contra o consumo degradado, dos direitos ecológicos e culturais contra a

perda da qualidade de vida. Por essa via, far-se-á uma transferência

progressiva da identidade operária para a identidade do cidadão.

(SANTOS, B. 2010, p. 387).

1.2.2 O terceiro setor, adubo que faz nascer vida do pó do sertão

Ao fazer uma análise mais ampla, levando em consideração o histórico sobre o

surgimento do terceiro setor em escala global, a discussão nos remete aos países centrais,

em especial os da Europa do século XIX. Nestes, o terceiro setor surge como alternativa ao

capitalismo e traz em sua gênese raízes ideológicas diversas: do socialismo em suas

múltiplas faces, do cristianismo social ao liberalismo. O terceiro setor visava novas formas

de organização de produção e de consumo. “A ideia de autonomia associativa é, pois;

matricial. É ela que organiza e articula todos os outros vetores normativos do movimento

como sejam a ajuda mútua, a cooperação, a solidariedade, a confiança, a educação para

formar alternativas de produção, de consumo e, afinal, de vida” (SANTOS, B. 2010, p.

350).

De acordo com Santos, B. (2010, p. 350), o conceito terceiro setor:

é uma designação residual e vaga com que se pretende dar conta de um

vastíssimo conjunto de organizações sociais que não são nem estatais,

nem mercantis, ou seja, organizações sociais que, por um lado, sendo

privadas, não visam fins lucrativos, e por outro lado, sendo animadas por

objetivos sociais, públicos ou coletivos, não são estatais entre tais

organizações podem mencionar-se cooperativas, associações mutualistas,

associações não lucrativas, organizações não governamentais,

organizações quase-não governamentais, organizações voluntárias,

organizações comunitárias ou de base.

Interessa-nos, para o desenvolvimento da nossa análise, as categorias: ONGs,

associações comunitárias de base e o cooperativismo. Estas são importantes no campo da

nossa pesquisa enquanto atores no processo de fortalecimento das comunidades da Chapada

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do Apodi, tendo em vista que estes, segundo Santos, B (2010, p. 352), têm se colocado aos

países periféricos como alternativas de resistência às pressões internacionais, sobretudo das

empresas do Norte hegemônico. Configurando-se como instrumento importante para a

edificação de potencialidade do lugar, o terceiro setor coloca os atores como protagonistas

do desenvolvimento local. Ainda de acordo com Santos, B. (2010, pp.350-351) ao traçar

um panorama sobre a atuação do terceiro setor em uma escala global, evidencia-se que:

As áreas de atividade onde o terceiro setor têm mais peso dizem respeito

a serviços sociais, educação, saúde e desenvolvimento, o que constitui

64% do setor. As áreas ditas de atividades expressivas representam 32%,

com um peso elevado das organizações culturais (19%). Quando ao

financiamento, ele é, em grande medida proveniente de pagamentos dos

utilizadores, quotizações e vendas (53%), em segundo lugar, o Estado

(35%). Existe a tendência para o Estado ter mais peso de prestação de

serviços. [...]. Nos países em desenvolvimento e em transição o terceiro

setor representa 1,9% da população economicamente ativa (SANTOS, B,

2010, pp. 350-351).

O terceiro setor tem promovido na Chapada do Apodi mudanças no que se refere às

concepções de vida locais, sobretudo no campo da produção e de estratégias para a

permanência das pessoas no lugar através de mecanismos e de tecnologias sociais que

possibilitem a vida. A prestação de serviços, sobretudo a assistência técnica, tem sido o

principal ramo de atividades desenvolvidas pelo terceiro setor na Chapada do Apodi.

Saltam aos olhos o estágio de desenvolvimento das comunidades assistidas pelo terceiro

setor há mais tempo, projetos de convivência com o semiárido, criação de caprinos,

apicultura e quintais produtivos, por exemplo. Já as comunidades em que a assistência das

ONGs se deu de forma mais tímida a diversificação das práticas nas comunidades são

igualmente tímidas.

As empresas do agronegócio que se instalam na Chapada do Apodi, como já

supracitado, imprimem no território a lógica do capital global, da globalização hegemônica.

O trabalho realizado pelas ONGs junto às comunidades tem por objetivo fortalecer o local,

criando alternativas de sobrevivência em que os agricultores, por meio de arranjos

produtivos e organizacionais diversos consigam permanecer no lugar.

Nesse sentido, as ONGs caminham em direção oposta das empresas do

agronegócio, ou como afirma Santos, B. (2010, p. 362), são responsáveis por articular as

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comunidades no sentido de uma globalização contra hegemônica. A globalização contra

hegemônica, dessa forma12,

É fundamental para organizar e disseminar estratégias políticas eficazes,

criar alternativas ao comércio livre por via de iniciativas de comércio

justo e garantir o acesso das organizações não governamentais dos países

periféricos ao conhecimento técnico e científico disponíveis e as redes políticas de onde emergem as políticas hegemônicas que afetam estes

países e regiões. (SANTOS, B. 2010, p. 362).

Feito esta análise panorâmica sobre o terceiro setor, destacaremos a atuação das

ONGs e associações comunitárias na Chapada do Apodi, salientando as contribuições das

mesmas para o desenvolvimento local na perspectiva do incentivo da permanência no lugar

e da produção das condições para tanto.

1.2.3 ONG Terra Viva

A atuação da Terra Viva na Chapada do Apodi teve início precisamente em 1998. A

instituição trabalha desenvolvendo projetos de assessoria técnica e ações de

desenvolvimento local, traçando estratégias e elaborando políticas de permanência no lugar

junto aos agricultores que havia em períodos anteriores, conquistado terras na região. As

atividades realizadas pela Terra Viva na Chapada do Apodi são das mais variadas

perspectivas, a instituição vem, desde sua criação, agindo em diversas frentes. Como

salienta a Terra Viva (2016) ao destacar sua missão e principais atividades:

A nossa missão é trabalhar na perspectiva da melhoria da qualidade de

vida das famílias ligadas à agricultura familiar. Nós nascemos como uma

cooperativa, depois mudamos a personalidade jurídica para uma ONG e

nossa linha de atuação é estritamente a agricultura familiar. Trabalhamos

em diversas áreas: formação, captação, agroecologia, gênero, juventude,

convivência com o semiárido e alternativas de convivência como:

tecnologias, cisternas de placa, de primeira e segunda água,

acompanhamento na elaboração de projetos e acompanhamento

12A globalização contra hegemônica, na concepção de Santos, B (2010), é uma estratégia de viabilização

política e econômica para colocar os países periféricos e os atores da periferia mundial dentro de uma lógica

organizacional e produtiva que não obedeça aos mandos da globalização hegemônica. Nesse sentido, é

necessário promover estratégias de autonomia que coloquem estes atores como protagonistas do

desenvolvimento local. O terceiro setor, dessa feita, aparece como elemento importante na promoção de

desenvolvimento dessas estratégias. Acreditamos que o conceito se aplica ao contexto da nossa pesquisa.

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especificamente em áreas produtivas. Tudo que abrange assessoria e

orientação aos agricultores nos seus direitos e deveres, nas

reinvindicações, melhorias, enfim a Terra Viva trabalha diretamente com

a agricultura familiar.

A agricultura familiar, tanto na Chapada do Apodi, quanto em outras regiões, tendo

em vista que o número de habitantes do município que vivem no campo e a porção

territorial rural são significativos, é portanto, o principal foco de atuação da instituição.

Nas regiões onde a Terra Viva atua, “nas associações todo mundo trabalha no regime

familiar, marido, mulher, filhos, agricultura familiar propriamente dita, produzido de forma

orgânica” (TERRA VIVA, 2016).

O incentivo a práticas agroecológicas, e o desenvolvimento de estratégias de

convivência com o semiárido fazem parte, também, das atividades realizadas. É destaque

que, desde que a ONG começa a desenvolver trabalhos junto à agricultura familiar na

Chapada do Apodi ocorre em paralelo o nascimento da concepção de agroecologia. Nessa

perspectiva, é importante ressaltar:

claro que já teve o uso de veneno, mas a partir da segunda metade da

década de 1990, mais especificamente 1998 quando tem início nosso

trabalho, todas as áreas que começamos a trabalhar demos inícios ao

trabalho de conscientização. De repente você chega a um patamar que a

maiorias das pessoas estão preocupados em plantar comida saudável.

Tudo que foi investido em Apodi, e isso é uma avaliação que fazemos,

pelo governo federal e por diversos projetos que estiveram aqui, a

exemplo o projeto Dom Hélder Câmara, nos permite afirmar que todo o

trabalho que foi feito foi no sentido de fortalecer a agricultura familiar e a

agroecologia. (TERRA VIVA, 2016).

Como dito acima, nas comunidades onde a atuação das ONGs já é uma realidade

concreta, com projetos realizados, acompanhamento e estratégias desenvolvidas, percebe-se

um nível de desenvolvimento considerável a julgar com outros que isto não ocorre.

Você pode perceber que nas comunidades onde desde o início teve

acompanhamento, assessoria, começam a ter outra perspectiva em tudo.

Tem assentamento em que trabalhamos aproximadamente 10 anos, então

deu tempo fazer tudo, formação de mulheres, juventude. Quando não tem

os projetos às coisas dependem muito das associações das próprias

comunidades. Com assessoria técnica se tem muito mais oportunidades de

fortalecer as comunidades. Hoje vemos muitos agricultores endividados

com o banco sem poder pagar os empréstimos tendo em vista a falta de

inverno, isso reflete de certa forma a falta de assessoria. Não estamos

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mais acompanhando com acompanhávamos, não temos convivido os

problemas das famílias. (TERRA VIVA, 2016).

A atuação das ONGs faz com que a Chapada do Apodi seja referência no que diz

respeito à estrutura organizacional e da adoção da bandeira da agroecologia, da produção

limpa e do envolvimento de toda a família no desenvolvimento das atividades. A

organização das comunidades da Chapada do Apodi é exemplar. Nesse sentido,

(...) a experiência da Chapada do Apodi é referência. Quando se fala em

agroecologia, convivência com o semiárido, alternativa de convivência,

agricultura familiar, associativismo, cooperativismo, Apodi é um

destaque. Isso é importante para o município. Talvez seja o que tenhamos

de melhor seja exatamente essas pessoas e suas potencialidades. É uma

experiência exitosa, Apodi é o município que mais recebe intercâmbio,

inclusive de outros Estados, de pessoas querendo ver essa experiência

que, apesar das dificuldades, deram certo (TERRA VIVA, 2016).

1.2.4 Comissão Pastoral da Terra – CPT

A CPT, por sua vez, começa a realizar suas atividades no município de Apodi no

período que corresponde os anos de 1988-1989. A chegada da CPT se deu a princípio na

região do Vale do Apodi onde se formam as primeiras associações de agricultores de Apodi

que reunia agricultores tanto do Vale do Apodi quando da região da pedra. A atuação a

princípio, se deu no sentido de promover a organização dos agricultores. Feito isso, o passo

seguinte foi à discussão a respeito da produção.

O processo de articulação promovido entre CPT e agricultores na perspectiva da

criação das associações do Vale do Apodi permitiu que estes últimos dessem início ao

processo de lutas por terras na Chapada do Apodi. De acordo com a CPT (2016) o processo

de lutas tem sua gênese quando os agricultores e CPT:

começam a perceber que havia um problema a ser enfrentados pelos

camponeses: um dos principais era a falta de terra. Discutíamos a

produção e a organização, mas quando íamos fazer um

levantamento sobre a quantidade de terra nas mãos de pequenos

agricultores constatamos que era muito pouco. Começamos a

debater com os trabalhadores. Começamos a discutir junto às

associações a necessidade da luta pela terra, pela reforma agrária.

Foi aí que surgiram várias lutas de agricultores e agricultoras das

diversas comunidades de Apodi no intuito da reforma agrária e toda

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essa luta foi caminhando para a Chapada do Apodi, era lá onde

tinham as grandes propriedades de terra. Com o apoio da CPT

criou-se a Aurora da Serra, e após a conquista deste assentamento

houve o despertar dos agricultores para a luta pela terra. Sugiram

daí em diante vários movimentos, foram surgindo, ocorrendo várias

ocupações: Moacir Lucena, Milagres, Laje do Meio, Frei Damião,

enfim, tudo isso culminou com a conquista de 15 áreas de

assentamentos que assentam hoje aproximadamente 600 famílias na

Chapada do Apodi, só nas áreas de reforma agrária originárias do

INCRA (CPT, 2016).

Após a efetivação da conquista das terras a CPT se dedica, em parceria com os

agricultores, a promover a discussão acerca da produção e do desenvolvimento de

estratégias para assegurar a permanência dos agricultores no lugar, é nesse contexto,

que surgem os primeiros projetos de assistência técnica, começou com um

projeto chamado Lumiar, um programa mais experimental lançado pelo

INCRA, posteriormente veio a conquista de assistência técnica a partir de

contratos que o INCRA fazia com as ONGs e foi surgindo as ONGs. A

primeira a atuar aqui foi a ACC, depois surgiu a Terra Viva no sentido de

trabalhar a questão da produção, da assistência técnica nas áreas de

assentamento. Foi um pouco isso no início. No fim dos anos 1980 e início

dos anos 1990 muita luta pela reforma agrária. Fomos conquistando várias

fazendas, lembrando que muitas áreas que foram conquistadas eram de

fazendas que estavam praticamente sem produzir. No fim dos anos 1980

com a crise da produção do algodão as fazendas ficaram sem produzir,

isso faz com que se reforçasse, fortalecesse a luta pela reforma agrária e a

conquista das terras na Chapada do Apodi (CPT, 2016).

A assistência técnica prestada pelas ONGs também é destacada na fala da CPT, se

pode evidenciar que, nas comunidades em que a assistência técnica foi devidamente

prestada aos assentamentos que:

conseguiram organizar melhor o seu modo de vida e produção com a

ajuda da assistência técnica. Conseguissem organizar sua produção na

perspectiva da agroecologia. Isso fez com que essas regiões de Apodi,

com todo esse trabalho e com o acúmulo da luta pela conquista da terra

travada pelos trabalhadores, por um modelo próprio de organização, no

processo da produção com o auxílio das ONGs, conseguiram fazer com

que essas áreas se tornassem referência na produção agroecológica e na

convivência com o semiárido. São áreas que tem muito que ensinar, tanto

a outras comunidades como as próprias instituições. (CPT, 2016).

Dito isso, a Chapada do Apodi, no período do nascedouro dos assentamentos, vê

nascer também à emergência do terceiro setor e portanto:

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(...) a emergência do terceiro setor significa que finalmente, o terceiro

pilar da regulação social na modernidade ocidental, consegue destronar13 a

hegemonia que os outros dois pilares, o princípio do Estado e o princípio

do mercado, partilharam até agora com diferentes pesos relativos em

diferentes períodos. [...] O terceiro setor estabelece o princípio da

comunidade afirmativa a obrigação política horizontal e solidária de

cidadão a cidadão. [...] O ressurgimento do terceiro setor pode ser lido

como a oportunidade para o princípio da comunidade comprovar suas

vantagens comparativas em relação ao princípio do mercado e ao

princípio do Estado. (SANTOS, 2010, p.352).

1.2.5 Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)

O Movimento dos trabalhadores Rurais Sem terra tem suas origens ligadas aos

processos desiguais de distribuição de terra pelas quais o Brasil passou ao longo de sua

história. A política fundiária no país sempre esteve voltada para a concessão latifúndios

caracterizados pela concentração de terras, o que colocava vastas porções de terras nas

mãos de poucos possuidores, deixando uma gama numerosa de trabalhadores rurais sem

terras para produção. Dito isso, de modo geral o movimento é formado, em sua gênese:

trabalhadores que historicamente estiveram alijados da participação e

marginais em relação ao acesso às políticas públicas. Com pouca ou

nenhuma ou sem nenhuma escolaridade, sem trabalho ou em trabalho

precário, vão formando uma categoria política denominada sem-terra.

Somam hoje, no país, em torno de 4,5 milhões de trabalhadores

(VENDRAMINI, C. R 2005, p. 68).

O MST se configura como um importante ator histórico na luta contra a

concentração fundiária da qual o Brasil é refém, tendo em vista seu poder de organização e

estrutura o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra que:

ao longo de sua trajetória tem empreendido transformações sistemáticas

nas estruturas formais de tomada de decisão e de mobilização de seus

membros, respondendo ou antecipando-se aos problemas com que se

defronta, seja em sua atuação política, seja nas atividades de mobilizações

da militância, de organizações dos acampamentos ou implementação dos

13 Não acreditamos que o terceiro setor tenha conseguido ainda destronar os pilares do mercado e do Estado

na Chapada do Apodi, mas tem promovido a formulação de estratégias coletivas de resistência em junção com

outros atores. A força do Estado e do mercado são duras de combater, sobretudo quando os interesses de

ambos estão em total sintonia, mas a Chapada do Apodi tem promovido ações variadas de resistência,

principalmente no tocante ao Estado.

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projetos de assentamento (MIRANDA, R.S. CUNHA, L.H.H, 2013, p.

363).

Nesse sentido o movimento é um dos maiores e mais organizados do país atuando

na perspectiva da reforma agrária enquanto um instrumento de promoção da equidade

social no campo e a possibilidade de romper com a lógica da concentração de terras. É

importante destacar o papel combativo do MST no âmbito dos debates e das avaliações dos

efeitos perversos do modelo de desenvolvimento econômico que se tem pregado no Brasil,

sobretudo no campo onde a relações homem-natureza, no contexto da defesa que o

movimento faz, se dá de forma não exploratória/degradante (RIGOTTO; AUGUSTO,

2002, p. 482).

O MST, no contexto da discussão da Chapada do Apodi, é importante por estar

presente na região desde os primeiros momentos em que o conflito se anunciava, montando

acampamentos conforme a fotos abaixo, bem como, em todo o processo de lutas que

permite o estabelecimento das comunidades na Chapada do Apodi por meio das políticas de

reforma agrária. Com o início das obras do perímetro irrigado montou-se as margens das

obras um dos maiores acampamentos do Brasil (SINDICATO, 2016), que cobrava das

instituições do Estado, principalmente do DNOCS, a não desapropriação dos agricultores

da Chapada do Apodi e a garantia de mais terras para a reforma agrária. A princípio

aproximadamente 100 famílias assentaram-se as margens da BR 405 em ações de

resistência as arbitrariedades cometidas pelo Estado.

Foto 14 - Acampamento do MST – Chapada do Apodi-RN, Apodi, 2015

Fonte: Acervo da Pesquisa. 2015.

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O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra é de acordo com Rigotto e

Augusto (2007) “o mais vigoroso movimento social organizado do país, em torno de uma

causa definida: a reforma agrária”. Com assentamentos advindos de políticas de reforma

agrária e que se desenvolvem de forma exitosa o MST se coloca em defesa da lógica

adotada nas comunidades da Chapada do Apodi, configurando-se como um ator a mais na

luta pela permanência dos agricultores no lugar, bem como, reafirmar a necessidade de

terras para reforma agrária, dizendo não a política de desapropriação de terras promovidas

pelo DNOC em decorrência do projeto do perímetro irrigado.

A estrutura dos acampamentos do MST obedece a lógica da perspectiva

agroecológica, da participação coletiva e do enfretamento conjunto. Atualmente são cerca

de 30 famílias instaladas as margens da BR 405. Os acampamentos contam com escolas,

fomento a participação das mulheres e jovens como instrumentos utilizados nos

acampamentos no sentido de espaços participativos e cooperativos. Dessa forma, ao atuar

ao lado dos agricultores no combate as pressões do Estado e do agronegócio, o MST é um

ator fundamental no enfrentamento, no fortalecimento das comunidades da Chapada do

Apodi e na defesa da agroecologia enquanto lógica produtiva.

1.2.6 Coopervida

A Coopervida também é um importante ator que atua junto os assentamentos rurais

na Chapada do Apodi, tendo como principal finalidade trabalhar atividades que promovam

o desenvolvimento sustentável, considerando a relevância da cultura e dos recursos naturais

existentes e promover/potencializar a transformação da realidade local mediante a

construção de valores que possibilite a igualdade de gênero e etnia, melhorando, dessa

forma, a qualidade de vida e incentivando o exercício da cidadania.

A Coorpervida tem atuado na Chapada do Apodi no sentindo, a princípio com

assessoramento técnico, este se configurando como multidisciplinar de incentivo a

perspectiva agroecológica que valoriza os arranjos produtivos e a cultura local, bem como,

o incentivo de práticas de produção no sentido da convivência com o semiárido.

Outro aspecto importante é a formação política e cooperativa. É perceptível, nas

comunidades assistidas pela instituição os avanços alcançados e o nível de organização que

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as comunidades conseguem alcançar. No assentamento Moaci Lucena as práticas

agroecológicas e o manejo da caatinga são realidades concretas. “Não sabíamos nada disso,

manejo de caatinga, processamento de polpa de frutas, com a ajuda da Coopervida

começamos a produzir de outra maneira, mesmo em períodos difíceis” (ASA BRANCA,

2016).

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2 AGRICULTURA FAMILIAR AGROECOLÓGICA E AGRONEGÓCIO:

RESISTÊNCIA, CONFLITOS E CONVIVÊNCIA NA CHAPADA DO APODI

“... Vocês me dizem que o Brasil não desenvolve

Sem o agrebiz feroz, desenvolvimentista

Mas até hoje na verdade nunca houve

Um desenvolvimento tão destrutivista

É o que diz aquele que vocês não ouvem

O cientista, essa voz, a da ciência

Tampouco a voz da consciência os comove

Vocês só ouvem algo por conveniência...”

Chico César

Este capítulo tem por objetivo desenvolver a discussão sobre as comunidades rurais

da Chapada do Apodi e as possibilidades que se apresentam no contexto de enfrentamento

do agronegócio estabelecido na vizinhança das comunidades. Para tanto, dar-se-á ênfase

aos conceitos de resistência, conflito e convivência.

2.1 AGRICULTURA FAMILIAR E AGRONEGÓCIO ENQUANTO

CATEGORIAIS SOCIAIS

A categoria agricultura familiar, passa a figurar como categoria de análise no meio

acadêmico em período recente. Os conceitos e categorias de análise são criados e

desenvolvidos pela ciência para que determinadas realidades possam ser tomadas pelo

intelecto dando uma conotação abstrata as práticas vivenciadas pelos grupos no cotidiano.

Dessa forma, a categoria agricultura familiar dentro da análise sociológica pode definir uma

variedade de grupos e de situações de organização social que recebem de acordo com quem

as estuda definições distintas para a mesma forma de organização. Conceitos como

campesinato, pequenos produtores, agricultura de subsistência, tomaram conta do discurso

relativo ao estudo das comunidades rurais organizadas em torno da família.

Percebe-se, portanto, a existência heterogênea de conceitos para definir as unidades

familiares de produção agrícola e silvopastoril. O conceito de campesinato, por exemplo,

segundo Baudel (2015, p. 26) corresponde a uma forma social de produção, cujos

“fundamentos se encontram no caráter familiar, tanto dos objetos da atividade produtiva

cotados para necessidades, quanto do modo de organização do trabalho que supõe

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cooperação de seus membros. A ele corresponde, portanto, a uma forma de viver e de

trabalhar no campo” (BAUDEL, 2015, p. 26). O conceito de campesinato, usado para

definir determinadas atividades agrícolas tem como base a estrutura familiar, configurando-

se, dessa maneira, em uma atividade da agricultura em que a família é ator principal.

Dito isso, concordamos com Baudel (2015, p. 31) quando a autora afirma que:

Parece-nos, portanto, evidente que, mais do que recortar campos distintos,

com denominações particulares, atribuindo a cada um características

excludentes, e, mesmo antagônicos em relação aos demais, deve-se

atentar para a constituição de um vasto campo de agricultores não

patronais e não latifundiários que exercem formas próprias de viver e

trabalhar no mundo rural. Assim, o mais importante é perceber que,

apesar da heterogeneidade referida, todas as situações concretas apontam

para a existência, no meio rural brasileiro, de produtores agrícolas

vinculados à família e grupos sociais que se relacionam em função da

referência ao patrimônio familiar e constroem um modo de vida e uma

forma de trabalhar, cujos os eixos são construídos pelos laços de

vizinhança.

Feitas as devidas ressalvas, a categoria agricultura familiar que nos propomos a

trabalhar nos remete a todas as formas familiares de produção, que tenha a família como

elemento essencial do processo produtivo. Respeitando as devidas particularidades, mas

reafirmando, destacando, a devida importância da família como protagonista, como agente.

Até os anos 1990, a categoria agricultura familiar era praticamente inexistente no

Brasil. Os termos mais comuns para denominar essa categoria era os de pequeno produtor,

produtor de subsistência ou produtor de baixa renda (SHNEIDER & NIERDELE, 2003). A

categoria agricultura familiar ganha força no discurso acadêmico somente:

em meados dos anos de 1990, onde se assistiu a uma verdadeira

efervescência desses movimentos, que produziram inclusive formas de

manifestação política que perduram até hoje, como é o caso dos eventos

anuais em torno do “Grito da Terra”. Diante dos desafios que o

sindicalismo rural enfrentava nesta época - impactos da abertura

comercial, falta de crédito agrícola e queda dos preços dos principais

produtos agrícolas de exportação –, a incorporação e a afirmação da noção

de agricultura familiar mostrou-se capaz de oferecer guarida a um

conjunto de categorias sociais, como, por exemplo, assentados,

arrendatários, poceiros, integrados à agroindústrias ou não, entre outros,

que não mais podiam ser confortavelmente identificados com as noções

de pequenos produtores ou, simplesmente, de trabalhadores rurais

(SHNEIDER & NIERDELE, 2003, pp. 99-100).

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A agricultura familiar engloba todo um setor produtivo ligado ao campo e é usado

em substituição de outras designações feitas em relação a este setor produtivo. A

“Agricultura familiar, como categoria sociológica, veio substituir o termo como “pequena

produção”, “pequena propriedade”, “agricultura de baixa renda” e “agricultura de

subsistência”, entre outros. (CAUME, 2009, p. 35, grifos do autor).

A agricultura familiar é característica por sua diversidade organizacional e

produtiva, por se organizar e se articular sob os elementos família, terra e trabalho; e, se

mostrar capaz de se adaptar a diferentes contextos sociais, econômicos e políticos

(CAUME, 2009). Os estudos por essa temática cresceram, sobretudo, nos anos 1990 em

virtude da afirmação da temática ambiental e sustentabilidade, temas caros a agricultura

familiar e incorporadas as práticas e ao discurso.

Do ponto de vista econômico, a agricultura se mostra como ambiente de

rentabilidade e melhoria das condições de vida das comunidades, sobretudo, quando há

respaldo político e políticas públicas de incentivo ao desenvolvimento local e a

produtividade. Com a devida assistência é possível à emancipação econômica dos

trabalhadores rurais e certa autonomia produtiva das comunidades. A segurança alimentar,

dessa feita, é um elemento essencial para a agricultura familiar, práticas para esse fim são

incentivadas, tais como, quintais produtivos.

A agricultura familiar também trata do que se pode considerar uma das maiores

questões do setor agrário no Brasil, a reforma agrária. Por seu histórico o país concentrou

terra, dando origem a latifúndios de monoculturas que excluíam uma parcela significativa

dos trabalhadores rurais ao processo de acesso e posse da terra e dos instrumentos

produtivos. “Durante o Regime Militar, os subsídios e incentivos fiscais aos grandes

proprietários fizeram parte desse pacto político, que propiciou a perpetuação do poder e a

manutenção da concentração fundiária” (SAUER, 2008, p. 40).

A agricultura familiar abre a perspectiva para uma mudança nesses padrões,

desmontando paradigmas, pois a “disseminação de assentamentos, na medida em que estes

se tornam uma sementeira de agricultores familiares, permite recuperar forças sociais para

o desenvolvimento” (BAUDEL, 2001, p. 40). A agricultura familiar tem sido dessa maneira

um importante veículo, embora ainda exista uma assimetria gigantesca, para a distribuição

de terra no Brasil e tem fomentado ao desenvolvimento, mesmo que tímido, da reforma

agrária.

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Por suas características a agricultura familiar tem promovido, mesmo que

timidamente, a reforma agrária. Os assentamentos, na Chapada do Apodi- RN, sobretudo.

Em seu processo histórico de luta, os assentamentos se constituem como exemplo de

reforma agrária, colocando os trabalhadores rurais como atores ativos no processo

produtivo e na organização social e política, pois “a luta por terra – e, consequentemente,

pela reforma agrária – passa a ser então uma luta política, e não apenas uma luta social ou

econômica (SAUER, 2008, p 43)”.

Por sua forma de organização e o processo histórico de instalação das comunidades

rurais da Chapada do Apodi -RN repovoam os espaços, promovendo o estabelecimento de

associações de trabalhadores rurais com o modelo econômico de agricultura familiar. Os

assentamentos rurais têm a capacidade de repovoar e reanimar a vida rural e de integrar os

habitantes do campo à sociedade local (BAUDEL, 2001), rompendo com a lógica da

“concentração da propriedade fundiária e a exclusão social e política” (SAUER, 2008,

p.42).

O termo agronegócio passou a ser utilizado pela academia brasileira e torna-se uma

categoria de análise também na década de 1990. Ele é usado para definir esse setor

produtivo “como a soma de todas as operações envolvidas no processamento e na

distribuição dos insumos agropecuários, as operações de produção na fazenda, e o

armazenamento, o processamento e a distribuição dos produtos agrícolas” (CAUME, 2009,

p. 28).

Agronegócio, segundo Sauer (2008, p. 14) é “o conjunto de ações ou transações

comerciais, ou seja, negócios relacionados a agricultura e a pecuária”. Enquanto modelo

produtivo, está associado as práticas capitalistas comerciais pela forma como se relaciona

com diversos setores econômicos, setor financeiro global representados pelos bancos,

mecanismos de distribuição, armazenamento e comercialização de mercadorias agrícolas.

2.2 AGROECOLOGIA E AGRICULTURA FAMILIAR: SEMENTES QUE FAZEM

BROTAR A VIDA DO PÓ DO SERTÃO

A agroecologia é umas das características mais marcantes das práticas

socioeconômicas que se desenvolvem nas comunidades rurais e assentamentos da Chapada

do Apodi. Durante o processo de observação participante nas quatro comunidades

pesquisadas: Milagres, Moaci Lucena, Portal da Chapada e Baixa Verde 02, constatamos a

preocupação dos agricultores em produzir de forma limpa sem o uso de aditivos químicos -

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pesticidas ou fertilizantes, onde a preservação, conservação e manejo do meio ambiente era

a preocupação central. “Para mim é motivo de orgulho produzir sem veneno e preservar a

natureza que alimenta a gente” (ASA BRANCA, 2016). As práticas produtivas

agroecológicas são responsáveis por fazer nascer em meio ao sertão à utilização de meios

alternativos e sustentáveis de produção, respeitando o meio ambiente sem causar danos à

diversidade da flora e fauna, sobretudo a vida e ao trabalho humano que ali se

desenvolvem.

O conceito de agroecologia aparece no Brasil na década de 1970, sendo utilizado

como estratégia e instrumento para desenvolver alimentos sem insumos químicos ou

provocar impactos desnecessário ou irreparáveis ao meio ambiente. Porém, a agroecologia

vai ganhar visibilidade e passa a ser discutida como alternativa a agroindústria/agronegócio

e seu respectivo modelo produtivo nas décadas de 1980 e 1990, tendo incentivo dos

movimentos sociais ligados ao campo e as ONGs, consolidando-se com a realização do

encontro brasileiro de agricultura alternativa em 1981 (SAQUET, 2014, p. 127).

No campo da legalidade as práticas agroecológicas ganham legitimidade com a

promulgação da lei no. 10.821, de 23 de dezembro de 2003, e mais precisamente através do

decreto de no. 7.794, de 20 de agosto de 2012, estes dispositivos legais institui a Política

Nacional da Agroecologia e Produção Orgânica (SANTOS, C.F, et al. 2014, p. 39).

As práticas agroecológicas apresentam uma infinidade de características, sendo que

as mais importantes são: ampliação e conservação da biodiversidade, aproveitamento dos

componentes biológicos e dos recursos de cada unidade produtiva, controle biológico de

pragas, recuperação do solo degradado e sua proteção como o manejo adequado, produção

de alimentos sem utilização de insumos químicos, contribuição para a conservação das

águas, plantas e animais, aumento da capacidade de uso múltiplo do território, preservação

das identidades culturais, tentativa de fortalecer a comercialização direta como o

consumidor e marcados locais, além do incentivo de uma agricultura menos agressiva ao

meio ambiente e a oferta de produtos limpos, isentos de resíduos químicos (SAQUET, et al.

2014). A agroecologia corresponde, portanto, a um amplo conjunto de “arranjos

socioeconômicos recentes ou tradicionais. A produção agrícola nesses contextos é obtida

com o uso predominante de recursos endógenos, que propiciam baixo impacto ambiental e,

reduzido custo energético” (CHALUB et al, 2012, p. 443).

A agricultura familiar agroecológica tem se apresentado como importante setor

produtivo para o país e garante a segurança alimentar do Brasil. De acordo com Baudel

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(2015, p.33), analisando o Senso Agropecuário de 2014 no que refere a produção da

agricultura familiar apontando os seguintes dados: ela (a agricultura familiar) é responsável

pela produção de 87% da produção de mandioca; 70% do feijão; 58% do leite; 46% do

milho; 38% do café; 34% do arroz, bem como, 59% do rebanho de suínos; 50% dos

efetivos avícolas e 30% do gado bovino. A agricultura familiar agroecológica não pode ser

considerada incompatível com o desenvolvimento agrícola, ou como muitos apontam

atrasada em relação e modos de produção de agronegócio e fora do contexto de mercado.

Deve-se observar a importância da agricultura familiar apoiada em práticas agroecológicas

a nível nacional na produção de alimentos essenciais voltado para o mercado local.

O incentivo a agroecologia eclode no país em paralelo a consolidação dos

assentamentos rurais da Chapada do Apodi, portanto, ambos surgem em simbiose e se

desenvolvem simultaneamente na região. A agricultura familiar agroecológica está

vinculada a práticas ecologicamente positivas, portanto, estes conceitos, agricultura familiar

e agroecologia, coexistem nas comunidades rurais da Chapada do Apodi. Configurando-se

como um dos pilares das práticas socioeconômicas da região, a agroecologia é um conceito

fundamental, adotado pelas comunidades como instrumento de vida diário é incorporado

nas práticas cotidianas, fazendo, portando, parte da cultura das comunidades rurais que

adotam as práticas agroecológicas como um elemento fundamental da vida.

Dessa forma, as comunidades rurais da Chapada do Apodi desenvolvem práticas

produtivas agroecológicas pois, “a agroecologia é entendida como um processo de

aplicação prática de conceitos ecológicos no manejo de agroecossistemas, no intuito de

gerar menos impactos negativos ambientais e sociais, e diminuir o uso de insumos externos

a cada estabelecimento rural” (SAQUET, 2014, p.127).

Ao desenvolver práticas agroecológicas, o agricultor familiar:

Produz para alimentação familiar, mas também vendo o excedente e

cultiva produtos exclusivamente para o mercado, com distintas técnicas e

tecnologias; centra as atividades produtivas no trabalho da família sem o

intuito de valorizar o capital e sua acumulação, concretizando um estilo

um estilo de vida com uma sociabilidade territorializada

preferencialmente em nível local e vinculadas ao lugar. Há assim,

temporalidades e territorialidades singulares à vida no campo (SAQUET,

2014, p. 130).

A agroecologia como conceito incorporado a vida cotidiana dos atores promove o

nascimento da identidade com o lugar, pois promove a permanência das famílias no campo

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com incentivo do manejo e uso sustentável dos solos, a conservação dos recursos naturais, a

valorização dos saberes locais e a independência do pequeno agricultor que comercializa

seus produtos, em uma política de inclusão social e econômica que elimina a necessidade a

venda da força de trabalho e a produção a terceiros, colocando o agricultor familiar como

ator dos processos que desenvolve. Dessa maneira, a expansão da agroecologia é vista

como uma alavanca para a emancipação social dos pequenos agricultores (SHALUB &

SANTOS, F.C. 2012, p.443).

Práticas agroecológicas são desenvolvidas em todas as comunidades pesquisadas.

Os quintais produtivos são responsáveis por produzir frutas, verduras e hortaliças para o

consumo dos assentados, caracterizando uma forma de segurança alimentar, e o excedente14

é comercializado na feira da agricultura familiar de Apodi - praticamente todas as

comunidades pesquisadas tem pelo menos um feirante. Os produtos são adquiridos por

compradores diversos e cooperativas que trabalham junto aos assentados. Os quintais

produtivos além de representar uma fonte de renda e segurança alimentar também é

instrumento de fortalecimento das práticas agroecológicas tendo em vista a reutilização da

água das residências, o não uso de veneno uma vez que se localizam dentro das áreas

residenciais. Dessa forma, as práticas agroecológicas começam de fato no quintal dos

agricultores, este serve de embrião, e passam a ser implementadas nos demais setores

produtivos.

A feira da agricultura familiar (FOTO 15) que ocorre aos sábados na feira livre do

município de Apodi ilustra a definição das práticas comerciais que os agricultores da

Chapada do Apodi desenvolvem segundo a definição acima. Os produtos agrícolas e o

excedente produtivo são comercializados na feira livre com o diferencial da produção

agroecológica que dispensa o uso de insumos químicos e coloca à disposição da sociedade

local a possibilidade de consumir produtos orgânicos que não oferecem risco a saúde, tanto

do homem quanto da terra, e que são produzidos atendendo as exigências das práticas

agroecológicas nos quintais produtivos ou nas plantações tradicionais.

Outro fator que merece destaque é a circulação econômica que coloca os produtores

rurais como sujeitos ativos, inseridos em uma lógica mercantil diferenciada da lógica do

14 É importante salientar o termo excedente que aqui utilizamos não diz respeito ao seu uso tradicional que

comumente se vincula a grandes proporções produtivas em que o excedente em questão é o responsável pelo

lucro. O termo excedente aqui utilizado deve ser entendido como uma das formas de geração de renda,

contudo, o essencial é a garantia da alimentação da unidade familiar.

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mercado capitalista. “Por sábado estimamos que a feira da agricultura familiar de Apodi

movimente em torno e 10 a 17 mil reais” (STTRA, 2016).

Foto 15 – Feira da agricultura familiar de Apodi

Fonte: Acervo da pesquisa, 2016.

2.3 A NATUREZA DO CONFLITO SOCIOAMBIENTAL NA CHAPADA DO

APODI/RN

O conflito, segundo Simmel (1983, pp. 122-128) “está destinado a resolver

dualismos divergentes; é um modo de conseguir algum tipo de unidade”. Os conflitos que

aqui tratamos diz respeito a unidades de produção agrícola distintas: agricultura familiar

agroecológica e o agronegócio, e a disputa travada pelos agricultores familiares para

manter-se produzindo de acordo com a lógica local, tendo, no outro horizonte, a imposição

de um modo de produção ligado ao mercado global exportador que o agronegócio

simboliza. É dentro dessa perspectiva dual, do qual nos alerta Simmel, que a disputa na

Chapada do Apodi se dá.

O conflito social não representa como é pensado de imediato pelo senso comum,

aspectos negativos ou degradantes onde obrigatoriamente um lado tende a ser esmagado

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para que o outro se declare vitorioso, o conflito também pode ser importante por

possibilitar a aproximação dos atores em condições adversas em relação ao seu adversário.

Dessa feita, ele “aproxima os membros estreitamente e os sujeita a um impulso uniforme. O

conflito pode elevar a concentração de uma unidade já existente, pode aproximar pessoas e

grupos, que de outra maneira não teriam relação entre si” (SIMMEL, 1983, pp.154-157).

Dessa forma, o conflito, para as comunidades rurais da Chapada do Apodi é um

instrumento de unificação para a luta contra as investidas do agronegócio, o conflito faz

nascer a semente da resistência, do associativismo e da cooperação. Barbani (2014, p. 05)

afirma que “um conflito não é algo dado em si, existente, mas sim construído nas relações

sociais”. As relações conflitantes na Chapada do Apodi se tornam evidente e inevitável com

a instalação de empresas de agronegócio que colocam em risco a cadeia produtiva local

historicamente estabelecida na região e que representa um modo de vida e produção em que

as identidades dos sujeitos se firmam. A mudança depende de conflitos socais (BARBANI,

2014, p. 15), em determinadas organizações sociais o conflito faz com que:

o grupo como um todo possa entrar numa relação de antagonismo como

um poder exterior a ele e é por causa disso que ocorre o estreitamento das

relações entre seus membros e a intensificação de sua unidade, em

consciência e ação. Por outro lado, cada elemento de uma pluralidade

pode ter o seu próprio oponente, mas quando esse oponente é o mesmo

para todos os elementos, todos eles se unem e nesse caso os elementos

podem não ter qualquer relação entre si antes disso; ou podem ter tido,

mas agora novos grupos emergem entre eles. A importância do conflito é

mais a oportunidade para a unificação exigidas internamente do que o

propósito dessa unificação, [...] como o propósito de defesa, é provável

que a unificação ocorra na maioria das coalizões de grupos existentes,

especialmente quando os grupos são numerosos. Esse propósito de defesa

é o mínimo coletivo, porque mesmo o grupo isolado e para o indivíduo

isolado, constitui o teste menos dispensável do impulso de

autopreservação (SIMMEL, 1983, pp. 154-159).

“O conflito é importante, pois possibilita a interação social, por meio da relação

social, bem como o incentivo a mudanças que venham a ocorrer no seio da sociedade”

(MADEIRA, 2013, p. 05). O conflito social, portanto, exige que os envolvidos encontrem

condições para que a batalha seja travada em unidade, da perspectiva dos atingidos pelo

problema, observando que o conflito promove a surgimento de condições para mudanças e

adaptações no interior dos grupos conflitantes. Consequentemente, todo indivíduo deve

utilizar, como posição e incentivo interior a chance de vitória como forma de concentração

(SIMEL 1983, p. 151).

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O conflito se torna um catalizador de atores, instrumento unificador, em que as

particularidades tomam consciência da necessidade de articular e unifica-se em torno de um

problema comum. No caso específico da Chapada do Apodi, assim como em todo território

nacional “o conflito ambiental é marcado pelo viés da equidade social”. (MADEIRA, 2015

p.15), o conflito se dá em virtude da defesa do território, cultura, identidades, e das práticas

de agricultura familiar agroecológica desenvolvidas pelos atores e comunidades.

Em outra definição do conceito de conflito social, que também reflete e ilustra o

embate travado na Chapada do Apodi, Santos, L.B (2014, p.545) afirma que,

o conceito de conflito social delimita disputas em torno de objetivos

coletivos, que muitas vezes representam disparidades no modelo –

organizado ou não – de desenvolvimento aplicado a sociedade. O conflito

social, assim, representa a disputa entre grupos com posições diferentes

sobre um determinado tema, tendo como pano de fundo o modelo de

desenvolvimento social de um grupo coletivo específico.

Dito isso, o conflito que ocorre na Chapada do Apodi se desenrola no território das

comunidades rurais da região é um conflito social, por envolver e atingir grupos familiares

diversos. De acordo com Filho e Oliveira (2015, p.12): “o território é o campo de batalha

que explicita relações de poder assimétricas”. Na Chapada do Apodi, o conflito mostra as

relações desiguais na disputa travada entre agricultura familiar e agronegócio, este último,

por ter acesso direto ao sistema financeiro global, ao Estado e à justiça, desponta à frente

das comunidades rurais no que tange as possibilidades de atuação, instalação e exploração

do território e recursos naturais e humanos.

As comunidades rurais, por sua vez, recorrem a estratégias plurais de resistência

para tornarem-se protagonistas de suas lutas e de seus conflitos (FILHO, C.F, OLIVEIRA,

A.C. p.12). O conflito surge como meio de unificação dos atores atingidos pelo

agronegócio, fazendo surgir a cooperação mútua dos sujeitos em forças unificadoras, bem

como, meios para que os sujeitos atingidos ganhem visibilidade, pois,

para os envolvidos o conflito se mostra como um meio na busca de

processos mais democráticos de engajamento do território, ocasião de dar

visibilidade no debate sobre e gestão das águas, dos solos, da

biodiversidade aos distintos atores socais que requisitam aos processos de

monopolização dos recursos ambientais nas mãos dos grandes interesses

econômicos (ACSERALD, 2004, p. 11).

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Ao se posicionar contra as forças coercitivas que o agronegócio representa, as

condições para que o conflito ocorra se tornam evidentes e inevitáveis. O conflito passa a

ser necessário na Chapada do Apodi quando agentes do agronegócio impõem aos sujeitos

locais discursos e práticas sociais que “buscam negar a diversidade e mercantilizar os

sujeitos, recursos, territórios e natureza, para impor o seu valor de troca: de lucros e

benesses para uns, de perdas, destruição e marginalização para outros” (FILHO,

OLIVEIRA, PARALIMPO 2015, p.12).

O conflito em questão, por sua localização e pelos atores envolvidos, indica as

configurações de um conflito socioambiental, por estar envolvidos no embate questões que

envolvem tanto a defesa do modelo organizacional e produtivo a ser defendido - agricultura

familiar agroecológica -, como a natureza enquanto espaço em que se desenvolvem as

atividades.

De acordo com Acserald (2004, p. 45),

Os conflitos ambientais são, portanto, aqueles envolvendo grupos sociais

com modos diferenciados de apropriação, uso e significação do território,

tendo origem quando, pelo menos um dos atores tem na continuidade das

formas sociais de apropriação do meio em que desenvolvem suas

atividades ameaçadas por impactos indesejáveis e desestruturastes.

Na Chapada do Apodi, as comunidades rurais entram em conflito com as empresas

do agronegócio, pois estes conflitos estão relacionados aos recursos naturais localizados em

“espaços habitados a várias gerações por grupos humanos, que reivindicam o seu território

de moradia e vivência, portanto, esses conflitos extrapolam a esfera econômica, pois os

mesmos têm dimensões políticas, socais e jurídicas (PINTO, M. et al. 2014, p. 272).

A natureza do conflito socioambiental na Chapada do Apodi convida os sujeitos a

ação em coletividade, pois,

Os sujeitos da questão ambiental que têm se constituído nas últimas duas

décadas são sujeitos coletivos, que não têm existência individual ou

atomizada, mas que se afirmam por meio da sua existência coletiva,

politizando a vida cotidiana e trazendo a complexidade de elementos para

o campo de significação da questão ambiental (FLEURY et al, 2013, p.

69).

De acordo com Fleury, Cândido e Almeida (2013, p. 65),

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Em cada configuração de desenvolvimento tende-se a encontrar

modalidades específicas de conflitos ambientais dominantes, mas que,

regra geral, a concentração de posse sobre o elemento da base material da

sociedade por meio de grandes projetos de apropriação do espaço e do

ambiente tem efeitos de desestruturação de ecossistemas ao mesmo tempo

em que concentra produtores, populações deslocados compulsórios em

terras exíguas.

O conflito em discussão se configura como um conflito socioambiental por encadear

diversos fatores que devem ser defendidos pelas comunidades, sobretudo, o direito de ficar

no lugar e nele continuar produzindo de acordo com o ritmo e as concepções de produção

localmente concebidas. Levando em consideração a afirmação de Pinto, Nascimento e

Ferreira (2014, pp. 272-281) “os conflitos socioambientais se instalam quando as formas de

uso e apropriação de um território são comprometidos por determinados agentes ou grupos

de agentes sociais, provocando, dentro desse território, a constituição de movimentos de

resistência”; ou ainda: “ocorrem quando estão envolvidos grupos socais com modos

diferenciados de apropriação, uso e significado do território, quando pelos menos um dos

grupos sofre ameaças quanto à continuidade das formas sociais de apropriação do seu

meio”.

Segundo Vargas (2007) os conflitos socioambientais são importantes pois

promovem mudanças em termos dos sistemas ecológicos e das propostas de

desenvolvimento. Ao travar um conflito em defesa da agricultura familiar agroecológica, as

comunidades rurais da Chapada do Apodi investem contra um modelo de exploração dos

recursos naturais adotados pelo agronegócio que não respeita as necessidades de renovação

dos recursos naturais, tampouco as formas de organização social e convivência com o meio

ambiente.

A relação entre comunidades rurais e o agronegócio envolve uma disputa entre dois

modelos produtivos e de organização social, cada um com os instrumentos que lhes são

característicos, refletindo a ideia da terra como um ambiente de interesses contrastantes.

Terra enquanto instrumento de geração de riquezas tanto para empresas de agronegócio

como para as comunidades rurais, porém com elementos potencialmente mais complexos

para as comunidades rurais, por ser a terra um ambiente de identidade, sobrevivência e

também fonte de recursos econômicos.

O conflito na Chapada do Apodi envolve elementos compatíveis com os salientados

por Shiva (2015, p. 174), a exemplo: conflito pelo uso da água dos rios e do lençol freático,

conflito de classes, o empobrecimento de um campesinato já pobre, o uso da mecanização

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que causa desemprego, o declínio na rentabilidade da agricultura moderna etc. Dentro desse

contexto, vários elementos de resistência por parte das comunidades vão sendo desenhadas

e desenvolvidas, por meio de estratégias plurais e de agentes diversos. A resistência se

coloca, dessa forma, como uma possibilidade.

Nesse sentido, a semente da resistência começa a germinar na Chapada do Apodi,

sendo a agricultura familiar e a agroecologia seus principais vetores.

2.4 A SEMENTE DA RESISTÊNCIA GERMINA: MOVIMENTOS SOCIAIS E A

DEFESA DA AGRICULTURA FAMILIAR AGROECOLÓGICA NA CHAPADA

DO APODI

A resistência aos processos de dominação de toda espécie sempre esteve presente na

história do Brasil, os indígenas brasileiros se levantavam em resistência ao serem forçados

a tornaram-se mão de obra escrava para os colonizadores, o período que imperou o

escravismo colonial foi permeado de rebeldia e lutas dos escravos negros africanos, que

utilizavam formas diversas de resistência contra a violência do escravismo, indo desde a

desobediência e a lentidão na execução das tarefas até a sabotagem da produção e fugas

(FILHO. C, OLIVEIRA, PATALIMPO, 2015).

Para Wanderlei (2015) uma das características do sistema de produção hegemônico

é promover a exclusão social de parcelas significativas de grupos sociais, no mundo rural é

comum que os grandes projetos expulsem massivamente os trabalhadores residentes em seu

interior, passando a contratá-los em momentos de necessidade de trabalho, convertendo

trabalhadores independentes em trabalhadores assalariados submetidos as demandas

mercadológicas globais das empresas que utilizam a técnica global como meio de

produção, financiamento e legitimidade.

A resistência nesse cenário se desenvolve como um fim na luta contra a dominação

exercida pelo capital global, assim as “formas e processos de resistência, surgem e são

necessárias evidentemente em função das relações sociais de dominação que se

estabelecem em virtude de assimetrias de poder existentes entre distintos e diversos atores

sociais” (RODRIGUES & JUNIOR, 2015, p. 35).

Sendo a Chapada do Apodi, em virtude da instalação de empresas de agronegócio,

um ambiente de técnicas distintas, tomaremos de empréstimo do pensamento de Milton

Santos (2006, 2007, 2015) o conceito de técnica para que possamos trabalhar em

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conformidade com o processo de resistência, onde a resistência se dá no embate travado

entre a técnica global, agronegócio, e a técnica local, agricultura familiar.

A noção de técnica de que se revestem os termos agronegócio e agricultura

familiar, remete-nos a Santos, M (2006), no sentido de compreender a técnica, enquanto um

conjunto material e simbólico. Ao situarmos no contexto desta pesquisa, convém refletir a

respeito da situação da Chapada do Apodi enquanto um ambiente de técnicas distintas.

Uma técnica global – agronegócio – e uma técnica local – comunidades rurais e agricultura

familiar. A técnica global tem se mostrado indiferente em relação ao meio em que se

instalam. SANTOS ( 2006). A técnica local está situada num tempo histórico de luta e

resistência.

Segundo Marin e Rossato (1994, p. 440)

A resistência está inserida no interior da luta de classes, caracterizando-se

pela recusa e indignação à dominação econômica, política e cultural que

recai sobre grupos populares. [...] A resistência constitui-se num entrave à

homogeneização do mundo proposta e defendida pelas classes detentoras

do poder.

Neste sentido, a atuação histórica dos movimentos sociais rurais na luta contra a

pressão financeira do agronegócio e instituições governamentais se faz presente na

Chapada do Apodi. As obras no perímetro irrigado da Barragem de Santa Cruz do Apodi-

RN, atualmente paralisadas, tem como finalidade transportar água por meio de canais da

barragem de Santa Cruz do Apodi até a Chapada do Apodi, como forma de incentivo à

produção agrícola na região, sobretudo de grandes empresas do agronegócio, nesse

processo a atuação dos movimentos sociais é fundamental enquanto movimentos

resistentes, o movimento dos Social Sem-Terra se apresenta como elemento de resistência

ao processo de desapropriação territorial e de implementação do modelo de produção do

agronegócio na região.

Giddens (1991, p. 40), ao tratar dos movimentos sociais e modernidade, afirma que

eles se caracterizam por ser “associações cujas origens e campo estão ligados à difusão do

empreendimento capitalista”. É nessa perspectiva que os movimentos sociais rurais, em

destaque o Movimento dos Sem-Terra (MST), se apresenta como um movimento social

contestatório das formas de apropriação do agronegócio, enquanto forma de dominação

financeira e territorial e a conversão de trabalhadores da agricultura de modelo familiar em

empregados do empreendimento de agronegócio (RIGOTTO, 2011).

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Os movimentos sociais rurais e as demais organizações que lutam em defesa do

modelo de agricultura familiar de cunho agroecológico estabelecido na região da Chapada

do Apodi “são resultado da necessidade de resistência a um modelo de desenvolvimento

excludente e concentrador de renda e de terra” (SAUER, 2008, p. 46).

A ação dos movimentos sociais rurais, notadamente dos Sem-Terra, converge em

torno da perspectiva de um modelo econômico em que, “a questão da posse ou propriedade

da terra está, indissoluvelmente ligada à valorização do meio ambiente e da biodiversidade,

em oposição ao modelo tecnológico, à monocultura, e à mercantilização (LACEY &

OLIVEIRA, 2011, p. 06). Por sua configuração como instrumentos reivindicatórios e de

resistência, os movimentos sociais “criam condições políticas indispensáveis para as

transformações políticas [...]. Essas forças permanecem ampliando as mobilizações e lutas

por participação, cidadania e vida digna no meio rural”. (SAUER, 2008, p.46).

Gohn (2011, p. 336) vem afirmar que “os movimentos sociais são o coração, o

pulsar da sociedade. Eles expressam energias de resistência ao velho que oprime ou de

construção do novo que liberte”. Sendo em essência manifestações coletivas, de cunho

social, político e contestatórios, “os movimentos sociais são ações coletivas de caráter

sociopolítico e cultural que viabilizam formas distintas de a população se organizar e

expressar suas demandas” (GOHN 2011, p. 335). E na “(...) luta por terra - e

consequentemente, pela reforma agrária – passa a ser então uma luta política, e não apenas

uma luta social ou econômica, que atinge o conjunto da sociedade brasileira” (SAUER,

2008, p. 44).

Por ser o ambiente onde o problema se estabelece, a terra e sua propriedade é

elemento importante na região da Chapada do Apodi-RN. Entendendo a terra como lugar

em que se desenvolvem as atividades produtivas de ambas as partes, das comunidades

rurais e do agronegócio. A questão da terra se eleva em nível de complexidade, quando se

analisa a terra como elemento em que diferentes propostas de sua utilização se apresentam:

de um lado, as comunidades rurais com um modelo produtivo, com base em agricultura

familiar; e, do outro, o agronegócio que utiliza de técnicas de produção intensiva

(mecanização e química) (SAUER, 2008).

O modelo de organização da Chapada do Apodi e sua íntima relação com a terra

estão além da agricultura de subsistência, ou a terra como simples instrumento de trabalho e

retenção de lucro. A relação entre as comunidades e a terra refletem, como afirma Shiva,

(2015, p.06): “um ambiente que tem como objetivo promover práticas agrícolas tradicionais

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e sustentáveis”. Perspectiva, que em primeira análise, difere das práticas de uso da terra

defendidas e incorporadas pelo agronegócio, que adota uma lógica produtiva com

perspectivas antagônicas: uso dos recursos à exaustão.

A pesquisa de Rigotto (2011), desenvolvida do lado cearense da Chapada do Apodi,

também alerta para os aspectos nocivos da tomada das terras pelo processo de instalação de

empresas de agronegócio, isso constatado em suas pesquisas já concluídas e ainda em

andamento na região da Chapada do Apodi - CE, nas quais se pode observar que:

Na raiz da dominação social residem processos estruturais de um novo

modelo de acumulação de capital, que já não só trabalha mediante a

extração de mais-valia e os tradicionais mecanismo de mercado, mas

desenvolve práticas predatórias, a fraude e a extração violenta,

aproveitando as desigualdades e assimetrias entre os grupos sociais, para

pilhar os recursos dos mais frágeis. Pilhagem ambiental e pilhagem do

vigor e da saúde humana (RIGOTTO, 2011, p. 124).

Segundo Rigotto, expropria-se não só a terra, mas a própria vida dos indivíduos na

mais ampla interpretação do termo. A tomada da terra pela expansão das fronteiras

agrícolas promove a falência social muitas vezes com o auxílio do próprio Estado, que

exerce um papel de interventor em nome do agronegócio desprezando as raízes das

comunidades.

Rigotto (2011, p. 124) assevera que:

Se olharmos para os territórios sobre os quais se expandem as fronteiras

agrícolas, é exatamente isto que veremos. É isto que vemos agudamente

hoje na expropriação pelo DNOCS, da terra dos camponeses e

comunidades, várias delas em transição agroecológica, no lado potiguar

da Chapada do Apodi, para dar lugar a grandes conglomerados

transnacionais interessados em explorar o solo, água, pessoas, em

verdadeira grilagem governamental para uma reforma agrária às avessas.

Percebe-se, dessa forma, que, como foi mencionado anteriormente, a terra é um

elemento importante da investigação, pois existe uma complexa relação que se constitui

entre os sujeitos implicados em todo processo. É relevante, dessa forma, tratar a respeito da

terra e de sua posse, desenvolvendo possibilidades de uma reflexão sobre o contexto

histórico em que se edificam. A maioria dos assentamentos e assentados da Chapada do

Apodi-RN conquistam suas terras por concessões governamentais e suas instituições, por

meio da mobilização dos movimentos sociais rurais. Nesse processo o Instituto Nacional de

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Colonização e Reforma Agrária (INCRA), através da concessão ou do crédito fundiário ou

políticas de desapropriação de terra para fins de reforma agrária, disponibiliza a posse das

terras paras as comunidades em forma de assentamentos rurais.

Caminhando em sentido oposto está o agronegócio, desconsiderando todo o

processo de lutas que se deu na Chapada do Apodi para o estabelecimento de uma lógica

produtiva e um projeto sustentável de reforma agrária e desconstruindo as formas de

organização existentes, promovendo uma reforma agrária às avessas conforme discutido no

Projeto SER-TÃO (2013). Este documento afirma que a instalação de empresas de

agronegócio na Chapada do Apodi além de destruir uma das mais importantes cadeias

agroecológicas de nosso país, irá também proporcionar uma reforma “agrária ao contrário”,

contribuindo para uma financeirização da agricultura, disseminando o uso intensivo de

agrotóxicos, destruindo o meio ambiente e desalojando o campesinato.

O agronegócio, dessa feita, como dito acima, representa os interesses da técnica

global e a utiliza a seu favor na otimização da sua produção que se edifica no controle da

natureza por meio da técnica e da ciência.

2.5 AGRONEGÓCIO E REVOLUÇÃO VERDE - A PROMESSA DE

DESENVOLVIMENTO - NASCE O OÁSIS NO SERTÃO15

A Revolução Verde nasce como alternativa proposta por grupos de pesquisa e

empresas multinacionais estabelecidas em países hegemônicos para desenvolver métodos

de sanar os problemas da crise de produção de alimentos mundial com o auxílio da ciência

e da tecnologia, controlando a natureza e os processos de manuseio dos recursos,

desenvolvida a partir da década de 1960 e 1970. Segundo Shiva (2015, p. 09) “a Revolução

Verde foi anunciada como uma conquista política e tecnológica sem precedentes na história

humana. Foi concebida como uma estratégia tecnopolítica para a paz, através da criação de

abundância pela superação dos limites e variabilidades da natureza”.

A princípio a Revolução Verde foi vista como uma alternativa para resolver o

problema da produção de alimentos no planeta, pois prometia devolver aos solos

improdutivos sua produtividade e aumentar a produtividade dos solos já produtivos por

15

Usaremos como referencial teórico neste tópico Shiva (2015). É certo que Shiva analisa a Revolução Verde

de uma perspectiva bem particular, especificamente a do Punjab indiano durante o processo de instalação da

política da Revolução Verde. Porém os elementos essenciais da Revolução Verde são os mesmos em todos os

países que ela se estabelece. Acreditamos, portanto, que o modelo de Revolução Verde tratado por Shiva no

caso indiano nos serve como modelo comparativo para fazer relação com o que nos propomos a discutir neste

trabalho.

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meio do melhoramento genético das plantas, da adubação artificial dos solos e controle de

pragas por meio do uso de pesticidas. “A Revolução Verde partiu do pressuposto de que a

tecnologia é uma alternativa superior à natureza e, como tal, um meio de gerar crescimento

sem estar condicionado pelos limites naturais” (SHIVA, 2015, p.13).

As promessas da Revolução Verde promoveram uma corrida mundial, sobretudo

nos países do Sul, para que os setores agrícolas convertessem o modelo de produção,

considerado atrasado pela nova proposta de produção aos arranjos produtivos estabelecidos

pela política econômica e produtiva da Revolução Verde. Neste sentido, os agricultores,

pequenos e grandes, dão início a uma corrida em busca de converter os mecanismos de

produção a lógica estabelecida pela Revolução Verde, o que significa mecanização do

trabalho, abandono das formas tradicionais de agricultura e, sobretudo, o uso de insumos

químicos no sentido de “dinamizar a produção16”.

Segundo Shiva (2015, pp. 44, 102) “a Revolução Verde foi essencialmente um

pacote de semente e adubos. A tecnologia da Revolução Verde requer elevados

investimentos em adubos, pesticidas, sementes, água e energia”. A princípio a Revolução

Verde foi recebida como uma alternativa, nos países do Sul, para o melhoramento da

produção e a otimização dos lucros dos agricultores, porém, a política da Revolução Verde,

por basear-se no uso de produtos industrializados, trouxe para os agricultores, sobretudo os

pequenos, um processo de exclusão, endividamento, pois:

A política foi integrada na Revolução Verde porque as tecnologias criadas

estavam direcionadas para investimentos intensivos de capital por parte

dos agricultores abastados nas melhores áreas, e afastava-se das opções

prudentes dos pequenos agricultores em regiões escassas em recursos. A

ciência e a tecnologia da Revolução Verde excluiu regiões pobres, bem

como opções sustentáveis. (SHIVA, 2015, p. 43).

Nesse contexto, o Resultado da Revolução Verde nos países subdesenvolvidos, foi a

geração de uma grave destruição ecológica e social, por promover o rompimento com as

formas tradicionais de produção e criando novos tipos de escassez, de vulnerabilidade, e

altos níveis de ineficiência no uso dos recursos naturais (SHIVA, 2015, p. 44). Ao

abandonar os meios de produção tradicionais em que os agricultores respeitam os limites da

terra com plantações rotativas de produtos diversos e o respeito ao processo natural de

16

Grifos nossos.

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recuperação dos nutrientes do solo, a Revolução Verde promove uma agricultura intensiva,

que envolve o uso de fertilizantes e pesticidas na produção de monoculturas. Dessa forma,

A agricultura intensiva gerou uma grave destruição ecológica, pois os

adubos químicos não podem substituir a fertilidade orgânica do solo e que

a fertilidade orgânica só pode ser mantida devolvendo ao solo parte da

matéria que ele produz. Em virtude disso, há uma estagnação na resposta

dos cultivos à aplicação de adubos químicos. [...] A estratégia da

agricultura intensiva foi, de fato, um roubo da fertilidade do solo.

(SHIVA, 2015, p.110, 114).

A manipulação genética também se configura como um elemento fundamental

desse pacote que a Revolução Verde desenvolve. As plantas são modificadas geneticamente

para que possam produzir mais, as “sementes milagrosas”, produzidas em laboratórios,

prometem um fornecimento de produtos muito além do cultivo tradicional. Porém, a

produção das sementes milagrosas está atrelada a necessidade do uso de insumos químicos,

fertilizantes e pesticidas, e ao aumento da necessidade por água. “As sementes milagrosas

são sedentas por água” (SHIVA, 2015). Dessa maneira, as formas tradicionais de produção

que fazem uso das sementes nativas, crioulas, adaptadas através do processo evolutivo ao

solo e as condições climáticas, e em consonância com o cuidado com que é tratada a terra

pela agricultura tradicional, é abandonada para dar lugar ao uso das sementes milagrosas da

Revolução Verde que exigem mais dos recursos naturais para que possam produzir.

Santos. B (2010, p. 64), afirma que as sementes milagrosas da Revolução Verde

apesar de consideradas pelo grande capital como uma realidade extraordinária para a

agricultura por otimizar a produtividade, não deixam de suscitar interrogações e críticas,

nos obrigando a questionar os possíveis perigos para o homem e para a vida desta

manipulação dos recursos naturais, apontando a necessidade de uma maior vigilância por

parte do Estado, cientistas e sociedade sobre a manipulação da vida, assim sendo:

Criar tecnologias de manipulação da vida vai de par com a crescente

dificuldade em compreender a complexidade dos processos biológicos e

as consequências que essas manipulações pode ter sobre o ecossistema da

terra. A impossibilidade ou dificuldade crescente de desenvolver projetos

de pesquisas capazes de investigar as consequências das novas

capacidades de manipulação da vida ao longo do tempo e sobre os

ecossistemas e a sociedade, cria um hiato perigoso entre a crescente

capacidade de intervenção e transformação através da inovação

tecnológica e a reduzida compreensão dos processos que organizam a

vida. Outro elemento importante nesta discussão é a incompatibilidade de

uma pesquisa orientada para elucidação dessa complexidade com os

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tempos curtos dos mercados financeiros e das exigências empresariais

num ambiente de competição feroz está a contribuir para que Estados,

cidadãos leigos e cientistas se mobilizem para suscitar interrogações de

caráter ético, e preocupações com as consequências sanitárias, sociais,

ambientais e econômicas destas práticas: tentativas de encontrar formas de

regular e governar a inovação biotecnológica e biomédica e as suas

consequências e de submeter ao debate a deliberação democrática as

decisões sobre a aceitabilidade social das inovações e a definição de

prioridades de investigação e desenvolvimento nestes domínios

(SANTOS. B. 2010, p. 64).

Feito este esboço inicial sobre a Revolução Verde, cabe-nos fazer a relação entre a

Revolução Verde e seus mecanismos produtivos e o agronegócio, trazendo a discussão para

o caso específico da Chapada do Apodi. É certo que, ao levar em consideração o período do

surgimento da Revolução Verde como modelo produtivo e o contexto atual da instalação de

empresas do agronegócio na Chapada do Apodi, parece haver de nossa parte uma espécie

de anacronismo histórico, porém a proposta de produção do agronegócio obedece aos

mesmos processos que a Revolução Verde imprime no contexto do seu nascimento:

produção mecanizada com o auxílio da manipulação genética das espécies vegetais, o uso

de insumos químicos na “proteção” contra pragas e para a fertilização dos solos são práticas

em uso pelo agronegócio. A Revolução Verde chega a Chapada do Apodi por meio das

empresas do agronegócio no momento em que elas ali se instalam.

Como mencionado anteriormente, a Chapada do Apodi se caracteriza por sua

produção agrícola ancorados na sustentabilidade (PONTES, 2012), obedecendo as

características da agroecologia. O agronegócio, por outro lado, faz uso da monocultura,

trabalho mecanizado e uso de insumos químicos: fertilizantes e pesticidas, para a produção

em larga escala. Dessa forma o agronegócio instalado na Chapada do Apodi produz de

acordo com o modelo implantado pela Revolução Verde.

A agroecologia desenvolvida na Chapada do Apodi baseia-se no uso consciente da

terra, respeitando os limites da mesma com práticas de agricultura sustentável a exemplo do

manejo da caatinga para a reposição dos nutrientes da terra. A agricultura sustentável, como

afirma Shiva (2015, p. 116):

baseia-se na reciclagem dos nutrientes do solo. Isto envolve devolver ao

solo parte dos nutrientes que dele vieram, seja diretamente com adubo

orgânico, seja indiretamente através do estrume dos animais. A

manutenção do ciclo dos nutrientes, e através dele da fertilidade do solo,

baseia-se nesta lei inviolável da devolução.

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Em contrapartida o agronegócio, por meio das monoculturas, dos fertilizantes e

adubos químicos coloca em risco a fertilidade da terra, já que, “os adubos químicos têm

assim contribuído para a erosão da segurança alimentar através da poluição da terra, da

água e da atmosfera” (SHIVA, 2015, p. 117). Isto pode ser evidenciado nas comunidades

da Chapada do Apodi, sobretudo na Agrovila Milagres, cercada aos quatro cantos pela

empresa Angel Agrícola e Agrícola Famosa, a agrovila já sente os impactos do

agronegócio: “quando os tratores começam a cortar a terra o cheiro dos químicos é muito

forte e quando a pulverização acontece o vento traz o veneno para dentro de casa”

(AGRICULTORA, 2016). Os produtos também são afetados: “vendo pimenta de cheiro na

feira, mas nem digo mais que é agroecológico, com o veneno ao lado” (AGRICULTORA,

2016).

Outra característica da Revolução de Verde de acordo com Shiva (2015, p. 124), é a

“expansão e intensificação da irrigação a partir da água da superfície e também de água

subterrânea”. O agronegócio se instala na Chapada do Apodi tendo em vista o uso das

águas do Perímetro Irrigado de Santa Cruz do Apodi - sistema de canais que levariam a

água da Barragem de Santa Cruz do Apodi, localizada na região da Pedra, levando-a até a

Chapada. Com a paralisação das obras dos canais que levariam água até a região da

Chapada a água do Aquífero Jandaíra passa a ser utilizada como recurso econômico para a

produção de frutas. Dessa forma, uma irrigação que costumava ser usada de forma

preventiva pelos agricultores da Chapada do Apodi, tornou-se produtiva.

O uso da água do Aquífero Jandaíra tem impactado os assentamentos e diminuído a

vazão dos poços dos agricultores estabelecidos mais próximos, tendo em vista que as

empresas, por dispor de estudos topográficos e equipamentos conseguem perfurar poços

onde a vasão é maior e em maior profundidade. “A gente já sente a falta da água nos

poços” (AGRICULTOR, 2016).

Nesse sentido, alerta Shiva (2015, p. 129): “se a extração da água subterrânea for

superior às perdas de infiltração profunda, percolação e movimento lateral dessa zona, o

balanço da água da região será negativo e o lençol freático a descer nessa área”. Vale

salientar que a Chapada do Apodi vem de um longo período de estiagem, quatro anos para

ser mais exato, 2011 a 2015, sendo que 2016 as chuvas também ficaram abaixo do volume,

a extração da água do aquífero tem sido maior do que a infiltração, o que contribui para os

prejuízos aos agricultores locais. A comunidade de Baixa Verde 02, também cercada pela

empresa Agrícola Famosa, já é perceptível, segundo os relatos do agricultor, a diminuição

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da vazão da água do poço da comunidade usado para diversos fins, do consumo para o

abastecimento a irrigação das plantações.

A agroecologia desenvolvida na Chapada do Apodi torna-se um elemento produtivo

posto em risco pelo agronegócio e os danos começam a aparecer nas comunidades. Outro

exemplo que podemos destacar da fala dos agricultores é a produção de mel que é afetado

pela seca, também corre o risco de sofrer os impactos através do uso de pesticidas

utilizados pelas empresas no controle de pragas. Mesmo nestas situações adversas a

produção ainda é geradora de renda, a exemplo do Assentamento Moacir Lucena onde os

agricultores com o pouco que choveu no ano de 2016, produziram pouco mais de 30 latas

de mel de abelha.

A defesa de uma agricultura alternativa na Chapada do Apodi é essencial porque

“além de reduzir os riscos para a saúde e para o ambiente colocados pela agricultura

química, os sistemas alternativos têm viabilidade econômica” (SHIVA, 2015, p 251). Shiva

(2015, p. 253), defende as formas alternativas de agricultura, sobretudo a agroecologia e o

saber tradicional dos agricultores, pois evidencia que,

a nível mundial, exemplos da agricultura alternativa de sucesso existem, e

são cada vez mais, ainda que continuem a ser ignoradas pela visão

mundial dominante de agricultura. E são estas iniciativas que transportam

as sementes de uma agricultura sustentável. Fechar os olhos a estas

alternativas não prova a sua existência. É apenas um reflexo da nossa

cegueira.

As práticas agroecológicas da Chapada do Apodi são exemplo dessa agricultura

alternativa que dá certo, a exemplo da Agrovila Milagres que em parceria com instituições

diversas (Universidades, ONGS), tem transformado o pó do sertão no verde vivo da

natureza e servido de referência a outros assentamentos.

Projetos de saneamento básico (FOTO 02 - Estação de Tratamento de esgoto do

assentamento Milagres – Apodi- RN) e de reutilização de resíduos sólidos é uma realidade

na Agrovila. Este reutiliza a água das residências dos assentados para a irrigação de frutas

para o consumo familiar e à comercialização tanto da fruta como a polpa, a palma e o

capim, que servem de alimento e forragem para rebanhos de caprinos, ovinos e bovinos

gerando uma reserva de pasto para os animais nos tempos de estiagem, principalmente.

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Foto 02 – Estação de Tratamento de esgoto do assentamento Milagres – Apodi-RN

Fonte: Acervo da pesquisa. 2016

A coleta seletiva de lixo (FOTO 03 - Coleta seletiva de lixo do Assentamento

Milagres) também é outra realidade no assentamento e, estão distribuídos por todo o

assentamento coletoras seletivas de lixo, o que demonstra o cuidado e a preocupação da

comunidade com o meio ambiente.

Foto 03 – Coleta seletiva de lixo do Assentamento Milagres – Apodi, 2016

Fonte: Acervo da pesquisa. 2016.

A agroecologia desenvolvida na Chapada do Apodi aparece como essa agricultura

alternativa que nos fala Shiva (2015), por ter como alicerce a preservação ambiental em

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sintonia com a produção de culturas agrícolas. O agronegócio em contrapartida representa a

agricultura intensiva que faz uso da manipulação genética das sementes e do uso de

insumos químicos para a otimização da produção.

2.6 O OÁSIS EM MEIO AO PÓ DO SERTÃO: AGRONEGÓCIO,

VERTICALIDADES E IMPOSIÇÃO DO CAPITAL GLOBAL

As verticalidades nada mais são do que “a tendência atual de uma união vertical dos

lugares: créditos internacionais são postos à disposição dos países e regiões mais pobres,

para permitir que as redes se estabeleçam ao serviço do grande capital” (SANTOS, p. 194).

As verticalidades, portanto, se colocam como um instrumento de imposição, um modelo a

ser fixado no lugar atendendo a demandas externas. No caso específico da Chapada do

Apodi, as verticalidades podem ser percebidas no momento em que as empresas do

agronegócio se fixam no lugar dando início ao processo de imposição de técnicas e normas

ao lugar.

As firmas hegemônicas, das quais o agronegócio é parte ativa que tomam para si a

função das instituições públicas regulam verticalmente os ditames de como o território será

usado, dessa forma:

As firmas globais, os bancos, tomam o lugar das instituições

governamentais. Usurpam das assembleias eleitas um poder legislativo

que não têm, impondo regras à totalidade dos cidadãos. Mediante essa

invasão descabida, a vida social é igualmente regulada em função de

interesses privatistas (SANTOS, 2007, p. 35).

O agronegócio se estabelece na Chapada do Apodi em um momento delicado, visto

que a região passa por um dos maiores períodos de estiagem que já se pôde evidenciar na

série histórica. Contrariando o fator natural, seca prolongada, que, pelo menos em teoria,

dificultaria a produção de culturas agrícolas, as empresas do agronegócio se instalam e dão

início a produção de furtas para a exportação. Isto se dá, sem que haja planejamento,

discussão sobre os impactos do agronegócio para as comunidades rurais ali existentes.

As decisões são tomadas verticalmente por meio de centros de decisões distantes e

recaem no lugar. Institutos de pesquisa comprovam essa tendência como, por exemplo, a

Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - EMBRAPA (2015), constatando que nos

primeiros meses de 2015 o quadro de estiagem não se modificaria, assim: “existe uma

tendência de que as chuvas para os próximos três meses (fevereiro, março e abril de 2015)

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apresentarem valores abaixo da normalidade, com grande variabilidade temporal e espacial,

conforme os seguintes percentuais”: 45%, abaixo do normal; 35% normal; e, 20%, acima

do normal).

O IGARN – Instituto de Gestão de Águas do Rio Grande do Norte, também

corrobora com as previsões de estiagem, ao avaliar a capacidade hídrica do maior

reservatório da região, podem-se constatar os seguintes dados: “na cidade de Apodi, a

barragem de Santa Cruz perdeu cerca de 8 milhões de metros cúbicos no último mês. O

reservatório que tem a capacidade máxima de quase 600 milhões de m³, hoje tem apenas

28,4% de sua capacidade inicial, o que no início do mês era 30%”. (IGARN, 2016). Vale

salientar que os números divulgados são de maio de 2016, sendo que a diminuição do

volume das águas da barragem de Santa Cruz do Apodi tende a permanecer tendo em vista

a permanência da estiagem na região. Contudo, bacia Piranhas-Açu, que alimenta o

Aquífero Jandaíra, nos primeiros meses de 2016 apresentou leve recarga. Segundo o

IRGAR (2016): “na bacia do Rio Piranhas-Açu, dos 18 reservatórios monitorados pelo

IGARN, metade apresentou recarga de água, mas em especial a barragem Armando Ribeiro

Gonçalves, em Assú, teve um ganho de 7,5 milhões de m³, chegando a 23,23%”.

O mapa 01 - Índices de reservatório do Rio Grande do Norte que se segue

demonstra o índice dos reservatórios de água no Rio Grande do Norte no período que

correspondo ao ano de 2014/2015. Pode-se observar que a estiagem tem castigado o Estado

e a Região Oeste, onde se localiza a Chapada do Apodi.

Mapa 01 – Índices de reservatório do Rio Grande do Norte

Fonte: EMBRAPA. Natal. Jan. 2015.

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A verticalidade, portanto, se configura como uma das principais características da

imposição das técnicas globais ao lugar, dispondo de aporte técnico, financeiro, político e

jurídico que legitimam a ação das empresas hegemônicas, elas se estabelecem no lugar e

passam a impor, a sua maneira, como o território, e os sujeitos que o habitam serão

explorados. Dessa forma:

O território passa a ser visto como um recurso, justamente a partir do uso

programático que o equipamento modernizado de pontos escolhidos

assegura. [...]. Pode-se dizer então que, em última análise, a

competitividade acaba por destroçar as antigas solidariedades,

frequentemente horizontais, e por impor uma solidariedade vertical, cujo

epicentro é a empresa hegemônica, localmente obediente a interesses

globais mais poderosos e, desse modo, indiferente ao entorno (SANTOS,

2015, pp. 85 - 108).

As ordens de cima chegam ao território e se apresentam as comunidades por meio

de diversos mecanismos: um exemplo é a pressão exercida pelo governo sobre os

agricultores (as) no que se refere ao uso da água, configurando uma das estratégias de

intimidação. Como foi mencionado acima, a seca assola a região a mais de quatro anos

seguidos. A água tornou-se evidentemente, um recurso a ser preservado e utilizado dentro

dos limites que a natureza impõe; porém, as empresas do agronegócio batem recorde de

produção explorando o mesmo território que habitam os agricultores que pouco, ou nada,

produzem como resultado do longo período de estiagem. Estes últimos são, portanto, os

únicos atingidos pela seca, mas seca de políticas que os assistam e única fartura que são

beneficiários é a de normas verticais que se amontoam em obrigatoriedades a serem postas

em prática.

A Foto 04 que se segue serve para ilustrar a contradição pela qual passa a Chapada

do Apodi, que em meio de um período de estiagem que castiga a região as empresas

produzem frutas para exportação em grande quantidade:

Foto 04 – Produção de Melão da Agrícola Famosa para a exportação na Chapada do Apodi,

2016.

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Fonte: http://apodiariooblog.blogspot.com.br/ acesso:06/01/16.

Na fala dos agricultores o tom de revolta é pertinente, já que as verticalidades se

impõem como norma jurídica: outorgas17 de água são exigidas dos mesmo como modo de

pressioná-los a não usar a água superficial do leito do Rio Apodi-Mossoró e dos lençóis

freáticos que correm sob a terra em relativa abundância, enquanto as empresas perfuram

poços para a produção. “A luta das comunidades no começo era por terra, agora é por água”

(AGRICULTOR, 2015).

É evidente, portanto, que a força da técnica global é uma barreira para as

comunidades da Chapada do Apodi, as verticalidades que elas imprimem forçam os

agricultores a recorrer à organização e a resistência como instrumento de luta. Dessa forma,

a horizontalidade passa a ser essencial, visto que, é um elemento importante para a

mobilização e a ação política dos agricultores. Nesse sentido, a cooperação, organização

política, associativismo são instrumentos de luta.

É por meio das horizontalidades de uma formação cidadã, na perspectiva da ação

política, nasce nas comunidades: reuniões onde todos têm o direito a voz, debates com a

academia, junção de saber científico e popular, manifestações de rua – o problema que se

torna público.

17

É importante destacar que as outorgas de água no caso que pesquisamos, os assentamentos rurais da

Chapada do Apodi, ainda não houve notificação. Os agricultores notificados pelo IGARN - Instituto de

Gestão das Águas do Rio Grande do Norte, foram os trabalhadores da região do Vale do Apodi como forma

de pressão para a legalização junta a instituição dos poços e limitar o uso da água do Rio Apodi-Mossoró para

a cultura do arroz, uma cultura secular na região.

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2.7 A SEMENTE GERMINA E ENRAÍZA: AGRICULTURA FAMILIAR,

AGROECOLOGIA, HORIZONTALIDADES E RESISTÊNCIA

A semente da resistência18 germina nas comunidades rurais da Chapada do Apodi,

promovendo a união horizontal dos trabalhadores rurais no intuito de defender-se das

imposições horizontais que o agronegócio imprime ao lugar. A resistência faz germinar

também a cidadania na perspectiva de participação coletiva em defesa de interesses

comuns, enraizando nas comunidades a noção de resistência como instrumento e arma para

desafiar as imposições colocadas pelo agronegócio.

Falar de cidadania no Brasil é delicado, sobretudo quando estamos tratando de

comunidades rurais fincadas no interior do Nordeste do país, fincadas no interior do Estado

do Rio Grande do Norte. Santos (2007, p. 59), nos alerta para o fato de que: “olhando-se o

mapa do país, é fácil constatar extensas áreas vazias de hospitais, postos de saúde, escolas

secundárias e primárias, informação geral e especializada, enfim, áreas desprovidas de

serviços essenciais à vida social e à vida individual”.

As comunidades rurais da Chapada do Apodi não escapam a essa realidade, porém,

existe um diferencial que merece destaque nas organizações sociais ali localizadas: as

horizontalidades tornam claras as possibilidades, e a necessidade de resistência às

verticalidades, já que “os lugares podem se fortalecer horizontalmente, reconstruindo, a

partir de ações localmente constituídas, uma base de vida que amplie a coesão da sociedade

civil, a serviço do interesse coletivo” (SANTOS, 2006, p. 194).

Horizontalmente a discussão dos problemas que pesam sobre as comunidades são

construídas e, dessa forma, trazem a possibilidade de romper com o fascismo social e

territorial que nos fala Boaventura de Sousa Santos (2010). As verticalidades pela forma

que se apresentam na Chapada do Apodi oferecem de acordo como o seu modo de ação,

características deste fascismo social e territorial, pois, o fascismo social se configura como

um conjunto de processos sociais mediante os quais grandes setores da

população são irreversivelmente mantidos no exterior ou expulsos de

qualquer tipo de contrato social. São rejeitados, excluídos. [...] por terem

sido excluídos ou expulsos de algum tipo de contrato social que haviam

integrado antes (trabalhadores relegados para o trabalho precário, sem

18

Trataremos a resistência, no contexto desta pesquisa, como forma de dizer não as imposições do capital

global que o agronegócio representa. Permanecer no lugar e lutar para produzir de acordo com as condições

desenvolvidas historicamente pelas comunidades é uma forma de resistência, acreditamos ser a mais

importante, assim como as demais: associativismo, manifestações, audiências públicas etc.

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direitos, camponeses depois do colapso de projetos de reforma agrária ou

outros megaprojetos de desenvolvimento) (SANTOS. B, 2010, pp. 192-

193).

No fascismo territorial criam-se linhas divisórias onde aqueles que estão ao lado do

contrato social e os que passam a viver em seu território, nesse sentido,

os atores sociais com forte capital patrimonial retiram do Estado o

controle do território onde atuavam, ou neutralizam esse controle,

cooptando ou violentando as instituições estatais e exercendo a regulação

social sobre os habitantes do território sem a participação destes e contra

seus interesses. São os territórios coloniais privados dentro de Estados

quase sempre pós-coloniais (SANTOS. B, p.335).

Para romper com o fascismo social e territorial que as empresas hegemônicas

impõem verticalmente se faz necessário uma integração horizontal, pela qual, os

agricultores possam tomar consciência dos problemas trazidos pela técnica global e que as

ordens de cima acarretam para as comunidades. Nesse processo, aprender a dizer não

também se faz necessário: “dizer não é mostrar-se permanentemente vivo e portador de

uma existência ativa, é recuperar os poderes perdidos e levantar-se sobre os próprios

escombros, reaprendendo a liberdade (SANTOS, 2007, p. 74)”. Dizer não é o primeiro

passo para romper com o fascismo social e territorial e afirmar-se enquanto ser político.

As horizontalidades se tornam essenciais, pois, “trata-se, aqui, da produção local de

uma integração solidária, obtida mediante as solidariedades horizontais, cuja natureza é

tanto econômica, social e cultural (SANTOS, 2015, p. 110). Horizontalmente trabalhadores

rurais se organizam e montam as estratégias de resistência as verticalidades: fortalecidos

pelo associativismo, a horizontalidade é elemento que une os sujeitos a um pleito comum: a

defesa do direito de permanecer no lugar, de não deixar a terra deslocando-se para a cidade:

“não temos condições de vir para a cidade, pois só sabemos criar bode, plantar feijão”

(AGRICULTOR19, 2015).

Historicamente o homem do campo, sempre esteve desassistido das políticas

públicas governamentais de toda espécie: saúde, educação, assistências diversas, como

afirma Santos (2007, p. 41 - 42):

19 Para efeitos metodológicos e didáticos chamaremos de Agricultor os atores ouvidos durante as reuniões,

fóruns, assembleias da agricultura familiar, em situações de coletividade de onde a individualização do ator se

torna mais complexa tendo em vista a diversidade de falas e de atores. As falas escolhidas e colocadas no

corpo do trabalho foram captadas em situações de debate coletivo e filtradas de acordo com o que nos remete

a nosso campo de estudo.

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O homem do campo brasileiro, em sua grande maioria, está desarmado diante de

uma economia cada vez mais modernizada, concentrada, e desalmada, incapaz de

se premunir contra as vacilações da natureza, de se armar para acompanhar os

progressos técnicos e de se defender contra as oscilações dos preços externos e

internos, e a ganância dos intermediários. Esse homem do campo é mesmo titular

de direitos que a maioria dos homens da cidade, já que os serviços públicos

essenciais lhes são negados, sob a desculpa da carência de recursos para lhe fazer

chagar a saúde e a educação, para não falar de tantos outros serviços essenciais.

Nesse contexto, a formação cidadã é essencial. No processo contínuo de reuniões e

debates a essência da cidadania aflora, o direito a voz se concretiza como instrumento

importante, “gente junta cria cultura e, paralelamente, cria uma economia territorializada,

um discurso territorializado, uma política territorializada” (SANTOS, 2015, p 144).

Na região em estudo, por meio de observações informais, percebe-se que a

participação dos agricultores nas reuniões, assembleias, fóruns, intermediadas pela

representação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Apodi representa um campo de

ação, campo político, de modo que a participação política institui o habitus político, no

sentido orientado por Bourdieu, (2009), no sentido de disposições duráveis que promovem

a ruptura com o isolamento desses atores e possibilita a proposição de estratégias para

enfrentar as demandas locais, além de ser um espaço de aprendizagem política e

participativa.

A imagem que se segue (foto 05 - Reunião do Fórum da Agricultura Familiar de

Apodi) ilustra o momento do debate político, onde os atores rompem com o isolamento e

buscam discutir em coletividade os problemas.

Foto 05 – Reunião do Fórum da Agricultura Familiar de Apodi – Apodi, 2016

Fonte: STTRA. 2015

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O incentivo a participação cumpre, de certa forma, um papel pedagógico na

construção da cidadania20, afinal, “a cidadania, sem dúvida, se aprende. É assim que ela se

torna um estado de espírito, enraizada na cultura” (SANTOS, 2007, p. 20). A participação

nas instâncias de discussão atende as carências de representatividade da qual os

trabalhadores são submetidos, “trata-se, para eles, da busca do futuro sonhado como

carência a satisfazer – carência de todos os tipos de consumo, consumo material e imaterial,

também carência do consumo político, carência de participação e de cidadania” (SANTOS,

2006, p. 22).

No exercício da participação política por meio da possibilidade de ser ouvido e

expor suas demandas os agricultores da Chapada do Apodi encontram no outro os mesmos

problemas e aflições. Esta possibilidade de expor ao outro as demandas, permite a junção

de atores que as verticalidades tendem a separar. É na união horizontal, portanto é

instrumento de multiplicação das forças coletivas, pois:

Sozinhos, ficamos livres, mas não podemos exercitar a liberdade. Com o

grupo, encontramos os meios de multiplicar as forças individuais,

mediante a organização. É assim que nosso campo de luta se alarga e que

um maior número de pessoas inconformadas se reúne, ampliando,

destarte, sua força e arrastando, pela convicção e o exemplo, gente já

predisposta, mas ainda não solidamente instalada nesses princípios

redentores. (SANTOS, 2007, pp. 104-104).

Não se pode descartar, ou dar um papel secundário, na discussão ao território. Nesse

contexto, o território não é um mero elemento de produção a ser explorado é, sobretudo,

onde se fixam as atividades contrastantes, uma dialética se produz: verticalidades e

horizontalidades se cruzam. O território não é um dado neutro, sem vida, ou como destaca

Santos (2015, p.80):

o território não é um dado neutro nem um ator passivo. Produz-se uma

verdadeira esquizofrenia, já que os lugares escolhidos acolhem e

beneficiam os vetores da racionalidade dominante, mas também permitem

20

É certo que para Santos (2007), a cidadania plena se exerce quando as necessidades mais essenciais de uma

sociedade são atendidas, como por exemplo: escolas, moradia, hospitais, bem como a possibilidade da ação.

Porém, ressaltamos aqui a importância da participação política dos trabalhadores rurais nos processos de

tomada de decisões visto a importância que a participação toma diante das demandas locais. A ação política,

na ausência dos demais elementos da cidadania, torna-se um instrumento de inserção dos trabalhadores no

mundo da cidadania, da discussão, do ser político.

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a emergência de outras formas de vida. Essa esquizofrenia do território e

do lugar tem um papel ativo na formação da consciência.

Este conjunto de elementos, território e sociedade, a vida que o anima na Chapada

do Apodi dão vida ativa ao lugar e o associativismo é importante para que a vida exista. A

vizinhança, a proximidade, que o território promove entre os sujeitos produz um indivíduo

refortificado. “A dialética da vida aos lugares, agora mais enriquecidas, são paralelamente o

caldo de cultura necessário à proposição e ao exercício político” (SANTOS, 2015, p. 173).

Por meio das horizontalidades, associativismo e participação política, a resistências

as verticalidades se tornam parte integrante da cultura das comunidades. “A cultura popular

tem raízes na terra em que se vive, simboliza o homem em seu entorno, encarna a vontade

de enfrentar o futuro sem romper com o lugar, e de ali obter a continuidade, através da

mudança” (SANTOS, 2006, p. 222).

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3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

“Pelos milhares que ontem foram e amanhã serão

Mortos pelo grão-negócio de vocês

Pelos milhares dessas vítimas de câncer

De fome e sede, e fogo e bala, e de avcs

Saibam vocês, que ganham "cum" negócio desse

Muitos milhões, enquanto perdem sua alma

Que eu me alegraria se afinal morresse

Este sistema que nos causa tanto trauma

Que eu me alegraria se afinal morresse

Este sistema que nos causa tanto trauma

Que eu me alegraria se afinal morresse

Este sistema que nos causa tanto trauma

Que eu me alegraria se afinal morresse

Este sistema que nos causa tanto trauma

Ó donos do agrobiz, ó reis do agronegócio

Ó produtores de alimento com veneno”...

Chico César.

Propomo-nos, nesta pesquisa fazer apontamentos embasados na pesquisa teórica e

empírica sobre nosso objeto de estudo. As visitas feitas as comunidades, participação em

eventos da agricultura familiar de Apodi organizadas pelo Sindicato dos Trabalhadores e

Trabalhadoras Rurais, fóruns, assembleias, reuniões mensais realizadas pelas associações

comunitárias, bem como, entrevistas feitas com agricultores nas comunidades pesquisadas,

ONGs e movimentos sociais, nos direcionam ao desvelamento das questões de pesquisa

levantadas na construção da nossa problemática, sobretudo no que diz respeito ao conflito,

a resistência e a convivência.

Neste capítulo, a voz aos atores sociais entrevistados é destacada, permitindo-lhes

expor suas perspectivas, aflições e posições sobre o processo de implantação das empresas

do agronegócio na Chapada do Apodi. Acreditamos que a Ciência, sobretudo quando

investiga atores em condições assimétricas em relação a um modelo de exploração que os

oprime e desmantela sua lógica organizacional, tem o dever de dar voz aos silenciados. Isto

não incorre perca do Deus neutralidade, mas em colocar os atores como falantes,

protagonistas diante da indiferença.

Em uma contextualização mais geral, o conflito na Chapada do Apodi pode ser

percebido em sua gênese no momento em que o projeto da construção do perímetro irrigado

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da Barragem de Santa Cruz do Apodi começa a ser posto em prática com a autorização para

o início das obras concedida pelo DNOCS no ano de 2013. Nesse momento, os agricultores

se mobilizam em movimentos – passeatas, atos públicos, discussão com a cidade – na

tentativa de combater o que eles denominavam “projeto da morte21”. O conceito de

resistência a um modelo de desenvolvimento que não atendia o modo de produção

agroecológica construído ao longo de décadas na Chapada do Apodi começa a ganhar

força, tornando-se uma bandeira defendida pelos agricultores, movimentos sociais, ONGs,

Sindicato, que se somam aos agricultores no processo de resistência.

No período correspondente ao início das obras dos canais que levariam água da

barragem de Santa Cruz até a Chapada do Apodi empresas começam a se instalar na região,

comprando terras em vastas extensões e dando início a produção mesmo com a obra

inconclusa. Os recursos naturais existentes na Chapada do Apodi que dispõe de água

subterrânea em relativa abundância e qualidade extraída do Aquífero Jandaíra e do

Aquífero Assú que alcança a região da Chapada em considerável porção, dispensam, para

as empresas munidas de um aparato técnico do qual nos fala Santos (2006), a construção do

perímetro irrigado, e dão início a produção de frutas tropicais para a exportação mesmo

sem que este estivesse concluído. Segundo o Carcará (2016) em entrevista realizada na

comunidade Baixa Verde 02 “as empresas chegaram à terra plantaram o que eles chamam

de lote em que esperavam colher 80 carroções de melão, colhendo praticamente o dobro”.

O discurso do agricultor ilustra a riqueza de recurso que a Chapada do Apodi é portadora.

Dessa forma, do modo como tem se instalado, as empresas que representam a

técnica global do agronegócio têm promovido um conflito na Chapada do Apodi, sendo os

agricultores representantes da agricultura familiar agroecológica os principais afetados pela

forma como as empresas exploram a terra e o modo de como elas produzem.

3.1 A IMPORTÂNCIA DO MODELO AGROECOLÓGICO PARA AS

COMUNIDADES RURAIS PESQUISADAS

A agricultura familiar agroecológica, como destaca Baudel (2015) é um importante

setor de produção de alimentos para a população brasileira e também responsável por

promover o desenvolvimento regional por meio das políticas que adotam e do modelo de

produção implantado que possibilitam que os agricultores familiares permaneçam no lugar

21 Grifos nosso.

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e lá consigam viver com relativa autonomia. Dessa forma a agricultura familiar que se

desenvolve na Chapada do Apodi, de perspectivas agroecológica, compromete-se com a

soberania alimentar e com a garantia de melhores condições de vida para a população local,

conforme destaca Pessoa e Rigotto (2012).

Por meio das práticas agroecológicas, os agricultores da Chapada do Apodi

implementam em meio ao pó do sertão modos de produção que não agridem a

biodiversidade, flora e fauna, como por exemplo: as práticas de manejo da caatinga que

permitem, mesmo em períodos de estiagem a alimentação dos rebanhos caprinos e ovinos;

os quintais produtivos reutilizam produtos como pneus como instrumento para produzir, o

aproveitamento das culturas locais na produção para comercialização como, por exemplo, a

produção de polpas de fruta do assentamento Moaci Lucena, que faz uso como matéria-

prima de frutas locais: cajá, cajarana, caju, manga. “Antes da gente saber o que era a

agricultura familiar e a agroecologia tudo isso era desperdiçado pois pensávamos que

depois que a fruta cai no chão não prestava mais, hoje isso dá lucro” (ASA BRANCA,

2016).

A agricultura familiar agroecológica dá vida ao lugar, permitindo que os que

habitam a região lá permaneçam. “A agricultura familiar para mim é vida” (ASA

BRANCA, 2016). Mais do que um modelo produtivo, a agroecologia se configura como

um modo de vida, por incentivar a participação de todos os atores envolvidos a adotar essa

perspectiva que ela representa. A agroecologia está presente não só nas práticas como nos

discursos.

Merece destaque a perspectiva da flexibilidade do trabalho que a agroecologia

permite. O agricultor não está preso a uma rotina fixa de trabalho com horas rígidas e

atividades específicas, ele tem a liberdade de escolher a hora do seu trabalho e em que

trabalhar. Essa perspectiva é o aspecto da liberdade que nos relatou Asa Branca (2016).

Elemento importante nessa discussão é a possibilidade do associativismo, da

participação horizontal. Nas comunidades são realizadas reuniões mensais, definidas em

conjunto pelos associados, onde são discutidas as pautas relevantes a cada comunidade e

são feitos os repasses das reuniões externas. É salutar o processo democrático na forma

como são conduzidas as reuniões nas quais todos têm direito a fala e posicionamento, bem

como, a possibilidade de elegibilidade de qualquer agricultor das comunidades como

representante da diretoria da associação. A agricultura familiar agroecológica permite que

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os agricultores se tornem agentes políticos ao promover a discussão, a participação, enfim,

a junção dos atores, fomentando a união vertical da qual destaca Santos (2006).

A agroecologia é uma das principais caraterísticas do modelo produtivo das

comunidades da Chapada do Apodi. Os agricultores admitem a agroecologia como um dos

elementos mais importantes para as comunidades e forte aliada da agricultura familiar,

sendo que ambas estão atreladas. Os agricultores, munidos da perspectiva agroecológica,

não gostam de lutar com agrotóxicos. Sempre plantam sem colocar

veneno. Até porque a gente cria uma abelha, e as abelhas não podem

conviver com veneno. As pessoas até comentam que as abelhas vão

morrer. Aqui a gente planta completamente agroecológico: feijão,

verdura, no lote o cajueiro quando está produzindo é limpo, a gente não

pulveriza ele. É um pouco castigado pelos insetos, mas quanto tem um

caju você pode chupar direto do pé que não tem agrotóxico. A

agroecologia é muito boa para a saúde, é muito bom, apesar de que a

gente no período que a gente está vivendo não pode nem dizer que planta

assim porque não tem nem como mostrar. Um pessoal veio aqui e foi no

campo de feijão de um assentado e ele viu que não tinha colocado veneno

e o pouco que tirou foi limpo. A gente acredita que é muito bom porque

para consumir e importante. Não agride o meio ambiente, não vamos

atacar o meio ambiente. Não usamos fogo. No meu lote eu só usei fogo no

primeiro desmatamento. Se eu corto um cajueiro eu deixo ali mesmo,

enterro vira adubo. (SABIÁ, 2015).

Das comunidades investigadas todas, em menor ou maior escala, utilizam dos

métodos adotados pela agricultura familiar agroecológica. A agroecologia é uma das

principais características das comunidades, após o processo de lutas que promoveu o

nascimento dos assentamentos a lógica agroecológica começa a ser adotada. Ou seja:

quando a gente abraçou a causa da luta pela terra, tivemos que abraçar

também logo em seguida a da agroecologia. Sabemos que a agricultura

familiar só é possível sobreviver dentro da agroecologia. Não tem como

você ser um agricultor familiar e insistir no monocultivo, com o uso de

químicos, com desmatamento com queimadas porque para gente não tem

como, são lotes pequenos que se for partir para o monocultivo não vai

resistir. A gente abraçou a agroecologia vendo que é a forma mais correta

de permanência da agricultura familiar. (ASA BRANCA, 2016).

A CPT (2016) destaca que “a agricultura familiar, a agroecologia tem uma

importância fundamental na cidade, na vida do camponês, é ela que garante a moradia, a

alimentação”. A agroecologia promove não só uma maneira de produzir, mas permite aos

agricultores familiares toda uma estrutura, por exemplo:

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Se formos analisar nos assentamentos podemos perceber que as condições

das pessoas que moram no campo, que estão nesse processo de produção

agroecológica, de convivência com o semiárido, a condição de vida deles

é melhor do que a vida das pessoas que vivem nas periferias. Se for

comparar a vida dos assentados com a vida dos empregados das empresas

podemos constatar que a vida dos assentados é bem melhor. A agricultura

familiar, a agroecologia, ela sem dúvida tem uma importância

fundamental: a permanência das pessoas no campo, capacidade na

geração de renda e ocupação. Onde se tem um processo de organização da

produção da agricultura familiar baseada na agroecologia há uma certa

estabilidade, autonomia, e isso é muito visível (CPT, 2016).

Podemos constatar que as comunidades estabelecidas há mais tempo na região, as

que se estabelecem no fim da década de 1980 e início dos anos 1990, a ideia de

agroecologia é um instrumento importante para os agricultores e a comunidade tendo em

vista a construção de parcerias com ONGs – Dom Hélder Câmara, Coopervida, permitiram

que os agricultores adotassem métodos de produzir sem agredir o meio ambiente. A

agroecologia passa a ser adotada como instrumento cotidiano.

A agroecologia para os agricultores é sinônimo de vida, conforme os relatos da

agricultora Beija-Flor (2016), que destaca que a agroecologia é vida e denuncia os perigos

do agronegócio para as famílias dos agricultores:

A agroecologia é qualidade de vida, ter a vida saudável, alimentação

saudável. Quantos que não adoecem com a comida contaminada de

veneno? Se você viver a vida inteira comendo sem veneno isso não

acontece. Esse alimento do agronegócio sai todo para fora, o dinheiro

volta todo para eles, fazendo das pessoas escravos. E esse dinheiro vai

trazer muita sequela no futuro. (Sussurrando). Tem muita mãe que

percebe quando lava a roupa e deixa fora o veneno é tão forte que fica na

roupa. É gravíssimo. Trazem problemas para eles, os trabalhadores e

família.

A consciência agroecológica está acima da busca por lucros, o que em essência

difere das concepções do agronegócio. Toda a produção se desenvolve no sentido de

promover práticas agroecológicas.

Nós aqui no Milagres fazíamos sabonetes, chamávamos o sabonete de

mel. Quem veio dar um curso foi um pessoal de Fortaleza, o material

ficava muito caro só vendia as essências em Mossoró ou em Natal.

Quando começou a trabalhar a gente pôde perceber que tinha muita

química, irritava muito a pele das mãos, mesmo com a luva e a máscara.

Aí nós deixamos, a gente começou a dizer “se nós pregamos o

agroecológico e a gente botava no sabonete só 30% do mel, como era que

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nós íamos dizer fazer a propaganda? Aí eu disse nós vamos sair dessa,

porque nós estamos enganando os consumidores, não estamos sendo

legítimos. Deixamos”. Além de perceber que irritava a pele a gente sabia

que estava enganando o consumidor, dizendo que era agroecológico sem

ser. “Só era 30% do mel” (ASA BRANCA, 2016).

Contudo as práticas agroecológicas desenvolvidas pelas comunidades são

ameaçadas pelo agronegócio e pelo seu modelo produtivo, como salientado por Shiva

(2015), que utilizam de insumos químicos e necessita do uso da terra a estagnação, além de

desprezar as formas tradicionais de cultivo e manejo da terra. Nesse sentido, os agricultores

relatam que manutenção da lógica agroecológica é ameaçada. Na comunidade de Baixa

Verde 02, o agricultor Carcará (2016) narra as dificuldades já existente em um ambiente em

que:

É difícil manter essa lógica. Aqui com mosca branca a gente já tem

problema no verão. O melão que eles plantam aí junta muita mosca, no

verão é fora do comum quando arrocha o melão mesmo. Outra coisa

também, eles usam os produtos que é o enxofre, usam aquelas máquinas, é

uma catinga de podre que não tem que aguente, pode até melhorar agora

que estão plantando mamão aqui do lado, o mamão não usa enxofre, mas

no melão que eles usam, tem dia/noite aqui que não dá para aguentar. É

um cheiro forte, o enxofre é podre, eu mesmo não me dou com ele, o

veneno não me causa nada, mas o enxofre me dá logo dor de cabeça. É

justamente para a peste se afastar, as pragas. Mosca é fora do comum

quando arrocha a plantação do melão e da melancia. A agroecologia é

importante, mas a gente não tem mais como produzir orgânico como a

gente chama, porque os nossos terrenos são próximos. Para plantar de

irrigação só se for uma cultura que não seja exigente de veneno, a peste

aqui é fora do comum, a mosca branca, o pulgão, se você planta melancia

aqui e não pulverizar tudo, você não vai colher nada. Antes da empresa

tinha a mosca, mas era moderada. Hoje não tem como plantar melancia

sem pulverizar. Até o feijão que é mais resistente as pestes esse ano já foi

um negócio fora do comum, chega fazia nuvem de mosca branca. Com as

áreas grandes de melancia plantadas e abandonadas, não incorporadas

como eles chamam, ficam as pestes ali, até no feijão deu demais a mosca

branca.

3.2 A RESISTÊNCIA AO AGRONEGÓCIO PELA AGRICULTURA FAMILIAR

Aos resultados da pesquisa indicam que a ideia de resistência da agricultura familiar

é algo vivo nas comunidades e um instrumento de defesa do qual não se abre mão.

Percebemos durante a pesquisa por diversas vezes e em variadas situações, manifestações

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dos agricultores em que a resistência aparecia como um elemento fundamental para a

sobrevivência da agricultura familiar agroecológica na região da Chapada do Apodi.

O fortalecimento das horizontalidades, a discussão feita pela base com a

participação dos agricultores, permite que estratégias de enfrentamento sejam pensadas

coletivamente. É nessa perspectiva que com a intermediação do Sindicato dos

Trabalhadores Rurais e ONGs, os agricultores conseguem expor suas demandas a

instituições do Estado, como por exemplo, as diversas reuniões, audiências públicas na sede

do sindicato e Câmara de vereadores, com o IGARN – Instituto de Gestão das Águas do

Rio Grande do Norte, e da SEMARH - RN – Secretaria de Meio Ambiente e Recursos

Hídricos do Rio Grande do Norte, para discutir a autuação e a exigência de outorgas de

água dos agricultores ribeirinhos que fazem uso das águas do Rio Apodi/Mossoró para a

produção de arroz – cultura secular no município – e de outras atividades agrícolas

tradicionais.

Nesse cenário, os agricultores conseguem pontuar situações críticas para a

agricultura familiar do ponto de vista da legitimação, do poder simbólico que nos fala

Bourdieu (2015), onde as empresas perfuram poços profundos com a autorização do Estado

enquanto os pequenos agricultores são ameaçados de processos judiciais por usar a água

para suas culturas. Com essas estratégias de resistência faz-se ouvir e existir.

Como resultado, e a resistência dos agricultores, as instituições do Estado sinalizam,

mesmo que timidamente, recuos, acatando, ou se propondo a discutir com maior

profundidade as questões, não a impor, algumas proposições dos trabalhadores rurais:

dispensa de outorga para pequenas propriedades, outorgas coletivas para comunidade de

agricultores familiares.

Entendendo o Estado como um agente legitimador do agronegócio e com a

negligência dos órgãos do Estado em relação à agricultura familiar a resistência tem se

construído na base, travando a discussão e promovendo intercâmbios com :

universidades, movimento Sindical, CPT, órgãos ligados mesmo a

agricultura familiar. Mas quando você parte para questão de normas

jurídicas como o IBAMA, IDEMA, a própria SEMARH você não vê

nenhuma preocupação, você não vê nenhuma fiscalização. O poder

público é totalmente negligente, a favor do agronegócio, não mostra

nenhuma intenção de pelo menos se preocupar no que vai ser da chapada

do Apodi daqui a dez anos. Por parte do Estado não existe nenhuma

preocupação, a resistência é totalmente da comunidade, dos que vivem

próximo e não tem para onde ir (ASA BRANCA, 2016).

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A luta pela base é essencial, sendo os agricultores e seu modelo de produtivo e

organizacional as potenciais vítimas da instalação do agronegócio na Chapada do Apodi. A

luta de acordo com a Terra Viva (2016):

tem que ser pela base, não adianta as instituições lutarem sem que as

comunidades estejam envolvidas. Em todas as formações a gente trabalha

isso aí, com vídeos, textos, opiniões, fizemos vários eventos aqui em

Apodi trazendo pessoas trazendo pessoas de outro município, a gente vê

que é muito importante é está trazendo pessoas que vivem isso, esse

intercâmbio com regiões que já foram afetadas como o Ceará, onde o

agronegócio está bem além do que na Chapada do Apodi, o pessoal de

Baraúna onde essas empresas já estão há um bom tempo. Então a gente

traz essas pessoas para seminários, eventos de rua, para que as pessoas

entendam isso. A luta é feita diretamente na base, com estudos,

discussões, textos, vídeos, para que as famílias compreendam isso. Não

adianta ser só uma opinião da terra viva, as famílias devem refletir sobre

também.

A resistência a partir da base também é mencionada na fala da CPT (2016), que

reafirma:

A CPT sempre acreditou que para barrar, resistir, ser exitosos na luta de

resistência a discussão tem que ser feita a partir das comunidades, não é a

direção do sindicato, a CPT as ONGs que vão barrar, quem tem a

legitimidade e tem que ser os protagonistas são as comunidades. Diante

disso nós apostamos na mobilização local, no debate nas comunidades. A

gente sempre vem, junto ao sindicato, que é um ator importante, ajudando

nesse importante papel de articulação e fortalecimento das comunidades.

Então as reuniões nas comunidades, debates, intercâmbios levando

pessoas das comunidades que estão sendo atingidas para observar

comunidades que já foram atingidas em outras regiões, que

desapareceram. Esse processo de articulação junta as comunidades, são

instrumentos de resistência, são fundamentais. Temos outras frentes de

resistência: mobilização, atos de rua, a frente jurídica a judicialização da

luta, essa frente se deu sobretudo junto ao perímetro irrigado. Enfim,

sempre acreditamos que a luta por resistência tem que partir da base, da

mobilização das comunidades, elas têm que ser as protagonistas.

A resistência tem se dado somando forças, reunindo atores, agregando forças e

vozes. A luta travada na Chapada do Apodi acontece em outras regiões do Brasil e nos

estados vizinho, sobretudo no Ceará, que se configuram como o exemplo mais próximo.

Dessa forma as redes se articulam.

As articulações em defesa da Chapada quando tentaram implantar o

perímetro irrigado o movimento de todo o estado do RN esteve junto, a

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Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar do Rio Grande do

Norte - FETARN esteve junto nesse debate, diferentes movimentos

sociais, de repente o pessoal ainda não teve a capacidade de ver que o

inimigo não somos nós que fazemos a agricultura familiar, o inimigo é o

agronegócio é o capital que tenta fazer tudo isso até aqui. As estratégias

são de tentar unidade, defesa do território, não é diferente a defesa das

terras dos agricultores da chapada do Apodi com a luto dos índios que

estão sofrendo na Amazônia, que lutam para permanecer nas suas terras

contra a construção das hidroelétricas, o inimigo é o mesmo, o capital, o

acúmulo de riquezas por empresas nacionais e internacionais, não é

diferente a nossa luta da Luta dos companheiros de Santa Quitéria contra

a mineração. Uma das estratégias é a articulação, a gente tem viajado no

país, mostrado nossa história, conhecer outras histórias e se juntar,

denunciar. Juntar pesquisadores, professores. Recentemente tem-se

promovido uma articulação muito grande entre o RN e o CE. No CE foi

atropelado o processo, a gente tem a oportunidade de olhar para o CE e

ver o futuro da chapada se a gente não se articular. Também temos a

criação do Comitê Interestadual das Águas, onde, mais de 70

representações assinaram uma carta denunciando tudo isso, os abusos, e

se configura como um espaço de debate também, vários municípios tanto

do RN como do CE estão promovendo o debate. É assim que a gente se

fortalece, com a unidade respeitando as diferenças, mas com unidade na

defesa do território (STTRA, 2016).

Resistir ao agronegócio é uma tarefa difícil, sobretudo quando se aproveitando de

um longo período de estiagem, as empresas começam a cooptar os agricultores como

trabalhadores assalariados. Ao ficar refém do emprego “não tem muita contestação. Quem

contesta é o aposentado que está debaixo do seu alpendre que sente quando eles adubam

aquele cheiro de enxofre que vem a dois, três quilômetros, o cheiro forte” (Beija-Flor,

2016).

Por se tratar de instituições privadas a luta se torna mais difícil, pois

uma coisa é a gente brigar com o governo, deputado, senador, outra coisa

é brigar com empresas privadas. O que podemos fazer é o nosso trabalho

de continuar resistindo, dizendo que é contra, fortalecendo as associações,

mas impedir que venha é difícil, até porque os próprios poderes públicos

de Apodi, prefeitura, vereadores, apoiam, então eles ficam à vontade, são

bem-vindos. Mas a luta continua, nós vamos estar sempre resistindo

(TERRA VIVA, 2016).

Ao agregar os agricultores em seus quadros de funcionários, o agronegócio

desmantela a lógica organizacional das associações e promove a adoção, por parte dos

agricultores empregados, do discurso de suas benesses, de acordo dom Sabiá (2016), os

agricultores que trabalham nas empresas

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estão achando é bom. Por mais que eu dissesse assim: não tem alguma

coisa que está prejudicando alguém ia dizer assim: “não para nós está bom

demais”. Aqui eu já estou com dificuldade, sou eu que coordeno as

reuniões, já estou tendo dificuldade de fazer as reuniões nas sextas porque

o pessoal está todo trabalhando, vou ter que mudar as datas das reuniões.

Isso acontece porque no período que a gente está, uns poucos de anos de

seca, anos de pouca chuva, se não fosse essa empresa como é que estava

aqui, 45 donos de casa todos de cara para cima sem ter o que fazer? Por

isso que eu digo: até agora trouxe benefício, não sei daqui para frente.

O fato de permanecer no lugar, cercadas, algumas comunidades rodeadas aos quatro

cantos como o Milagres e a Baixa Verde 02, pelas empresas do agronegócio é sinal de

resistência, é o dizer não que nos fala Santos (2015). A luta é também para permanecer no

lugar, a luta

por resistência começa com a existência da própria comunidade. Isso já é

uma forma de resistência ao agronegócio. Para o agronegócio não precisa

ter comunidades, ele precisa de grandes campos de produção. Existe

muita luta de resistência, não aquela luta mais direta, das mobilizações,

ocupações, luta na justiça, ela vai se dando a partir do momento que as

pessoas vão começando a sentir a ameaça, quando a ameaça está muito

presente. Quando se falava no projeto do perímetro irrigado se falava que

levaria água para a Chapada era difícil dialogar com as comunidades

porque eles afirmavam que precisavam de água, mas quando ficou mais

claro o que era o projeto, seus objetivos, com desapropriações, atração de

empresas, entregar terra e águas da barragem e do aquífero para as

empresas, as pessoas começam a se sentir ameaçadas e começam a se

mobilizar em resistência. Agora quando as empresas começam a se

instalar, a perfurar poços, os agricultores já estão apavorados pela

quantidade e a dimensão dos poços que eles perfuram em comparação

com os das comunidades. Começam a perceber que o lençol começa a

baixar e começam a aparecer a dificuldade de sobreviver. Então tem muita

resistência, as vezes de forma mais direta, mais acirrada, por outras mais

adormecida, mas a vida das comunidades é de luta e resistência, dizer que

existem. Ficar no lugar é uma forma de resistência. Já garantimos o direito

de ir e vir mas, precisamos concretizar o direito de ficar. Quando chegam

as grandes empresas alguns são obrigados a sair para dar lugar a esses

grandes empreendimentos (CPT, 2016).

Dizer não ao agronegócio é um sintoma de resistência, enfrentar as instituições do

Estado na defesa da agricultura familiar e da produção tradicionalmente desenvolvida é

resistência. A resistência, portanto, passa a fazer parte da agenda da agricultura familiar da

Chapada do Apodi e da manutenção da produção agroecológica. O direito de ficar e a

vontade de permanecer são fortes elementos de resistência. Os agricultores, todos os

entrevistados, afirmam não ter intenção de abandonar o lugar.

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Eu não deixaria a comunidade de Baixa Verde 02 por motivo algum. Hoje

eu estou vendo oportunidade aqui, apesar de não ter condição financeira,

mas estou vendo uma condição aqui que na região poucos tem. Tem água

e solo fértil. Água boa, a produtividade dá alta, acima da média como se

diz, e devido essa crise hídrica a fruticultura está um negócio caro, quer

dizer, muita gente chama hoje o mamão e a banana de ouro, “é mesmo

que ouro”, assim que o pessoal comenta (CARCARÁ, 2016).

A comunidade representa tudo para os agricultores, os mesmos possuem vínculos

fortes com a terra, para mim ela, a comunidade, significa tudo, vida, eu não sei [...] A vida

que escolhi é aqui, onde criei meus filhos” [...] (lágrimas)” (BEIJA-FLOR, 2016).

Segundo Sabiá:

A comunidade é boa, a gente gosta, porque a gente não tinha terra nem

casa própria. Pegamos aqui o lote, tem nossa casinha, tem a terra para

plantar e criar algum bicho. É um setor de água muito boa, franca. Para a

gente é muito importante. Não sairia da comunidade, hoje não. A não ser

que piore, que apareça alguma coisa que a gente não possa conviver aí é o

jeito que tem é sair, mesmo que obrigado [...] A vida é essa. A gente vai

estar por aqui até o dia que Deus permitir.

Asa Branca (2016) afirma que a comunidade é tudo para ele e que

Essa comunidade para mim representa ela é o local que eu escolhi, assim,

decidi viver nela, criar meus filhos, netos, enfim, foi aonde eu decidi fazer

minha vida. Não deixaria a comunidade não, de jeito nenhum, só se for o

caso [...], em última instância mesmo de sair daqui, não tenho para onde

ir, e também não sei trabalhar em outra coisa que não seja na agricultura.

No decorrer dos acontecimentos, do fortalecimento das horizontalidades e da soma

de atores que resistem à investida do agronegócio na Chapada do Apodi, o Comitê Popular

das Águas CE-RN promoveu no dia 27/07/2016 à marcha pelo aquífero jandaíra que reunia

agricultores, ONGs e sociedade dos dois Estados para denunciar e levar o debate sobre o

uso sem limites das águas do aquífero a comunidade. Na ocasião foi protocolada junto ao

ministério público uma ação coletiva na busca de, por meio do instrumento jurídico,

regulamentar a exploração das águas subterrâneas.

O ato também confrontou o poder público local, sobretudo o executivo, onde uma

pauta com as reinvindicações dos agricultores foi colocada em discussão abrindo um canal

de diálogo entre os agricultores e a representatividade política do município. Dessa forma,

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o movimento de resistência tem se deslocado do campo e dos auditórios do STTRA e

ganhado das ruas (FOTO 16) dando visibilidade aos problemas que os agricultores

enfrentam em suas comunidades com relação à água: diminuição do volume, possível

contaminação e alertando que os impactos também afetam a cidade. O movimento de

resistência se faz no cotidiano e os atores continuam a expor suas demandas aos poderes

públicos bem como a toda a comunidade local e regional.

Foto 16 – Marcha Pelo Aquífero Jandaíra – Apodi-RN, 2016

Fonte: STTRA (2016).

3.3 A POSSIBILIDADE DE CONVIVÊNCIA ENTRE O AGRONEGÓCIO E

AGRICULTURA FAMILIAR AGROECOLÓGICA

Schneider22 (2011, p.996) ao discutir sobre o modelo produtivo da agricultura

familiar e do agronegócio no Brasil, ressalta que o agronegócio não pode ser negado

enquanto setor de viabilidade econômica e de desenvolvimento para o país, já que é

responsável por uma considerável fatia participativa das exportações de gêneros primários

para o mundo, sendo, portanto, um setor vital para a economia brasileira pelas riquezas que

gera. Dessa forma, afirma que é necessário traçar estratégias para que o agronegócio e a

22 É importante ressaltar que no contexto em que Schneider desenvolve essa análise, a convivência entre a

agricultura familiar e o agronegócio é possível, contudo, não em um ambiente de vizinhança. Como este é o

caso que permeia nossa análise: empresas e comunidades separadas por uma cerca de arames, a convivência

se torna insustentável conforme os discursos ouvidos

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agricultura familiar possam conviver guardadas as devidas atividades correspondentes a

cada modelo produtivo. Este argumento nos trouxe a possibilidade de refletir sobre a

convivência entre agronegócio e agricultura familiar agroecológica, sobretudo na Chapada

do Apodi, referência no desenvolvimento da agricultura familiar.

Os caminhos da pesquisa nos têm apontado a direção para a aproximação com esta

temática. Através de entrevistas realizadas com agricultores, movimentos sociais, ONGS e

instituições de representação dos trabalhadores da agricultura familiar, das vozes ouvidas e

das falas registradas, podemos fazer nossas inferências ao perceber que, do ponto de vista

dos agricultores familiares e dos demais atores, a convivência com o agronegócio é

insustentável.

Os argumentos para tal afirmação se sustentam na narrativa e nos depoimentos de

um dos agricultores e demais atores entrevistados, que ressaltam: “grande com pequeno não

dá, o pequeno na frente do grande não consegue sobreviver” (ASA BRANCA, 2016). Esta

afirmação sinaliza para a negação da convivência como propõe Schneider (2011).

Para sustentar os argumentos em defesa da agricultura familiar e a negação do

agronegócio convivendo no mesmo lugar, os agricultores levantam vários elementos para

contestação que nos apontam para a incompatibilidade dos modelos em questão, tais como:

a degradação ambiental que o agronegócio promove o risco para a saúde do

agricultor/trabalhador rural que as empresas representam em decorrência do uso intensivo

de insumos químicos para a produção, do trabalho repetitivo e a rigidez do trabalho,

contaminação do solo e das águas, a desigualdade de possibilidades, assimetrias entre os

dois modelos, diminuição dos recursos naturais – diminuição da vasão dos poços das

comunidades e consequente escassez de água para as atividades e consumo, desertificação

do solo pelo uso intensivo de monoculturas, fertilizantes e sementes geneticamente

modificadas.

Nesse contexto, a convivência com o agronegócio para os agricultores não é uma

possibilidade, mas uma imposição, levando em consideração que as empresas se instalam

indiferentes à organização do lugar, não levam em consideração o que se desenvolve ao seu

redor. A terra, os recursos naturais, o homem se torna instrumento de produção para a

técnica global, como nos alerta Santos (2006).

“O agronegócio não faz o que a gente faz, não trabalha protegendo o meio

ambiente, com manejo de caatinga, sem usar veneno nas plantações” (ASA BRANCA,

2016). Agronegócio e agricultura familiar agroecológica parecem fazer parte de uma

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dialética em que para que um exista o outro precisa ser negado. Incompatíveis, adotam

modelos produtivos contrastantes. Enquanto a agricultura familiar desenvolve estratégias de

desenvolvimento a longo prazo, o agronegócio se instala no lugar até o momento em que os

recursos e as políticas lhes são favoráveis, assim como destaca Santos (2006).

A convivência é insustentável se for levado em consideração às condições

assimétricas dos dois setores, conforme nos relata o agricultor familiar do assentamento

Baixa Verde 02:

Nós estamos rodeados nos quatro cantos pelas empresas. É difícil os dois

modelos conviverem. A estrutura que eles têm, por exemplo: eu plantava

melancia antes, eu não tenho mais como plantar melancia porque eu não

tenho a estrutura que eles têm. Eles pulverizam todos os dias, de segunda

a sexta é pulverizado. Tem dias que é pulverizado até duas vezes por dia.

A pulverização é feita toda em trator, tudo em máquina moderna, segundo

eles tem máquina de 1,5 milhão. Tem uma (máquina) aí que dizem que

pulverizam 200 hectares dia e noite, quer dizer é uma coisa fora do

comum. Nós não temos nem condição, se eu plantar melancia aqui eu nem

tenho condições nem estrutura. Eles exportam, vende caro, no dólar, no

euro, nós não temos como plantar melancia, tem que mudar para outras

culturas que não exijam tanto veneno. A banana, o mamão, mas melancia,

melão é besteira, se o pequeno tentar plantar aqui é só para ter prejuízo.

(CARCARÁ, 2016).

No relato de alguns agricultores é perceptível o tamanho do abismo que separa os

dois modelos reafirmando a impossibilidade da convivência. Dessa forma, segundo Asa

Branca (2016) afirma que a convivência “não é possível de jeito nenhum. A agricultura

familiar se contrapõe. É um casamento que não dá certo de jeito nenhum. Pequeno com

grande não dá certo, de uma forma ou de outra ele, o pequeno, se sente engolido,

“tratorizado” por esse sistema. A agricultura familiar não tem como se dizer que vive bem

ao lado do agronegócio”.

O mote das instituições que tralham com a agricultura familiar na Chapada do

Apodi é o mesmo, onde os mesmos afirmam, com tom de lamento, o fato de que:

o município de Apodi hoje está passando por uma invasão pelo

agronegócio. As empresas oferecem risco a agricultura familiar. São

modelos diferentes, a agricultura familiar jamais trabalharia da forma

como o agronegócio trabalha: com exploração, colocando em risco o meio

ambiente, a água o solo, uso intensivo de veneno, são coisas que nós, nas

capacitações, treinamentos condenamos, então achamos um risco muito

grande. Temos experiências em outros municípios, estivemos em

Baraúna, e vimos que tudo que tinha lá de agricultura familiar foi se

destruindo a partir da implantação das empresas. Os dois modelos são

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incompatíveis, não conseguem conviver, pelo menos não de forma

harmônica, são modelos totalmente diferentes. Alguns afirmam: Dá para

conviver, dá para os dois andarem juntos, mas a gente sabe que um

modelo engole o outro, não há como dizer que dá para viver

harmonicamente. As experiências que temos comprovam isso.

Trabalhamos com o Dom Helder no Milagres e as famílias nos relatavam

que já estavam acontecendo problemas, as pessoas não podiam sentar nas

calçadas na hora da aplicação do veneno, da dor de cabeça, a diminuição

da apicultura, da produção de mel especificamente nesse assentamento,

algumas plantas morrem. As próprias famílias que lá vivem comentam

também que não dá para conviver, pela diferença que os dois modelos

têm. As mulheres no Milagres reclamavam muito, principalmente da dor

de cabeça, irritação na pele, então não dá para ser bons vizinhos. (TERRA

VIVA, 2016).

Na concepção do STTRA a possibilidade da convivência é uma perspectiva

fantasiosa, sobretudo porque:

na nossa concepção não tem como conviver. Há quem fale da convivência

do agronegócio com a agricultura familiar, inclusive alguns perímetros

irrigados no Nordeste vêm com essa lógica de colocar pequenos

agricultores em lotes, mas o exemplo que a gente tem, e o próprio Estado

brasileiro percebe isso, é que a agricultura familiar é incompatível com o

agronegócio. Quem é pequeno agricultor, que entra nesses pequenos lotes

termina endividado, termina ditado pelas grandes empresas, porque o

agricultor não vai ter autonomia para produzir o que ele quer. O

agronegócio que agora se instala aqui tem a intensão de exportar frutas

para o exterior e, por exemplo, quem criava abelha e produzia mel, quem

criava caprino, quem cria galinha, boi, quem produz hortaliças, é

incompatível, porque ele vai tentar produzir de forma orgânica, toda a

produção da agricultura familiar é orgânica, e não vai conseguir produzir

porque vai ter as empresas jogando muito veneno ali do lado, não vai ter

comércio porque a empresa domina o comércio somente para a

fruticultura. Para nós é incompatível os dois modelos, são modelos

diferentes de produção, na agricultura familiar as famílias têm autonomia,

as famílias têm liberdade de ir e vir do roçado na hora que quiser,

descansar, repousar, já na dinâmica do agronegócio você é refém de todo

um modelo. As comunidades da Chapada do Apodi vizinhas as empresas

tentando sobreviver com a agricultura familiar nas áreas de assentamento

se tiver pulverização aérea principalmente não vão sobreviver. Então para

nós é incompatível, agricultura familiar e agronegócio não tem como

conviver. (STTRA, 2016).

O discurso da CPT corrobora com a fala do STTRA no que se refere a

compatibilidade dos dois modelos, não sendo possível a convivência ou mesmo a

proximidades, pois:

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primeiro, o modelo do agronegócio é um modelo totalmente avesso a

agroecologia. É um modelo que não se dá com as comunidades. Existe

uma incompatibilidade: o processo de produção do agronegócio é um

processo baseado na monocultura de grandes áreas, então o desmatamento

de grandes áreas é um expediente. Isso contradiz a agroecologia, provoca

o desaparecimento das abelhas, impossibilita a criação de pequenos

animais, como o caprino. O uso intensivo de veneno, os agrotóxicos e

outros produtos químicos como o adubo, isso vai impactar fortemente no

solo, atingir as comunidades vizinhas. Então a agroecologia tem todo um

processo diferente, o agronegócio vem para desmantelar tudo. No lugar

onde a agrícola está se instalando vai inviabilizar a proposta de produção

agroecológica do assentamento de Milagres, lá em breve vai ter

dificuldade de as pessoas morarem em função do veneno que é despejado

em virtude da forma de produção da empresa agrícola. A chegada dessas

empresas é uma grande ameaça para as comunidades, para a permanência,

a sobrevivência. Geralmente onde essas grandes empresas chegam as

comunidades desaparecem. (CPT, 2016).

Podemos inferir, portanto, que a possibilidade da convivência entre a agricultura

familiar e o agronegócio na Chapada do Apodi do ponto de vista dos atores da pesquisa não

se sustenta, contudo, as empresas encontram-se estabelecidas na região, isto é um fato

dado, e continua a expandir seus territórios por meio da compra de terras. Dessa forma

percebemos que a convivência é negada pelos atores da pesquisa, convivência no sentido de

aceitação, normalidade, boa vizinhança. O que ocorre é uma coexistência forçada, onde

apesar de negado, o agronegócio permanece instalado e produzindo nas cercanias dos

assentamentos pesquisados. Dessa forma, os conflitos e a resistências se potencializam,

tendo em vista que o agronegócio não será eliminado.

3.4 OS PRINCIPAIS CONFLITOS DAS COMUNIDADES RURAIS COM O

AGRONEGÓCIO

Os conflitos que se desenvolvem na Chapada do Apodi em decorrência da

instalação das empresas do agronegócio são socioambientais. Na Chapada do Apodi esses

conflitos começam, como mencionado acima, com a implantação do projeto do perímetro

irrigado da barragem de Santa Cruz do Apodi que se iniciam em 10 de junho de 2011 com a

assinatura do decreto presidencial que autorizava a desapropriação de uma área de

13.855,13 hectares de terra para a construção dos canais. A obra teve início em agosto de

2013. Os recursos para a execução das obras são provenientes do PAC – Programa de

Aceleração do Crescimento. (SOUZA, 2016, p. 30).

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Na concepção do DNOCS (2016) o perímetro irrigado “é um projeto de

desenvolvimento da agricultura familiar que traria inestimáveis benefícios para toda a

população potiguar, pois traria empregos e renda para pequenos, médios e grandes

produtores”. Ainda segundo o DNOCS os lotes de terra ficariam em um total de 396,

divididos da seguinte maneira: 305 lotes de 8,0ha para pequenos irrigantes, 120 lotes de

16,00ha para técnicos, 25 lotes de 24ha para profissionais de ciências agrárias e,

finalmente, lotes com área nominal de 48ha para empresários.

Os mapas 02 e 03, que seguem ilustram todo o percurso os canais do perímetro

irrigado Santa Cruz do Apodi e é revelador dos processos de desapropriações ocorridos na

Chapada do Apodi.

Mapa 02 – Visão Geral do Perímetro Irrigado

Fonte: DNOCS (2016).

Mapa 03 – Visão Regional do Perímetro Irrigado

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Fonte: DNOCS (2016).

Na prática, o que se efetivou foram obras que desapropriam agricultores instalados

no percurso da obra, pagando, segundo os depoimentos de alguns agricultores assentados

no Portal da Chapada, um preço abaixo do exigido. “Ou aceita esse valor ou vão sair sem

nada” (SABIÁ. 2016). Os agricultores afirmam que frações da terra que não entram na

contabilização das indenizações são perdidas, embora sejam pequenas porções de terra.

Fato de destaque nesse contexto é a forma como o Estado se coloca diante dos agricultores

que “impedem o projeto de desenvolvimento” idealizado pelo Estado em benefício das

empresas, “é como se fosse um trator passando por cima da gente” (ASA BRANCA, 2016).

O assentamento Portal da Chapada tem um número considerável de assentados

remanescentes das desapropriações, são filhos, netos, bisnetos, herdeiros de parentesco

próximo. É essencial destacar que estes processos abalam as identidades dos atores levando

em consideração que gerações diferentes viveram nas terras desapropriadas. Porém, as

identidades são reavidas quando os agricultores desapropriados retomam a vida no campo

nos assentamentos, evidenciando a necessidade de permanecer no lugar, de reafirmar que é

agricultor. As desapropriações se configuram na gênese dos conflitos socioambientais da

Chapada do Apodi.

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Em uma belíssima pesquisa realizada por Souza. L.M.N (2016) desenvolvida em

um minucioso estudo estatístico acerca das impressões da população urbana sobre o projeto

do perímetro irrigado Santa Cruz do Apodi, nos faz perceber que o conflito apesar de ter

sua frente concentrada no campo, na cidade também é objeto de discussão, e que os

impactos do projeto do perímetro irrigado vão além das promessas de desenvolvimento.

As pessoas da cidade, segundo dados levantados pela pesquisadora, não consideram

que o perímetro irrigado trará benefícios para os habitantes da cidade de Apodi, 56% dos

entrevistados afirmam que o projeto não trará benefícios. É também perceptível nos dados

que 80% dos entrevistados afirmam que o mesmo não trará benefícios aos pequenos

agricultores e exceto 4% da população da amostra pesquisada acredita que o projeto não

causará impactos positivos ao meio ambiente. Os dados são sintomáticos quanto as dúvidas

sobre a promessa de redenção econômica do perímetro irrigado na cidade de Apodi e

revelam também a preocupação com os impactos que o projeto trará aos habitantes da

cidade, com por exemplo os ambientais caso o projeto seja concretizado.

Em períodos recentes com a paralização das obras do perímetro irrigado e, mesmo

assim, a concretização do processo de instalação das empresas do agronegócio e o início da

produção destas na Chapada do Apodi, o conflito começam a ganhar novos contornos: a

luta por permanecer no lugar é, em primeira análise, o mote que embala o conflito, a

resistência. Quando questionado sobre a possibilidade de sair do lugar é colocada ao

entrevistado Asa Branca (2016) ele prontamente nos responde: “não penso em sair daqui,

para mim não existe vida fora da minha terra, do meu lugar. A vida que eu conheço é essa”.

Os conflitos se configuram como conflitos de interesses, sobretudo interesses

ligados à concentração econômica e a viabilidade legal, que para as empresas do

agronegócio se tornam menos burocráticas em virtude de sua estrutura. Os conflitos

ambientais são, também, evidentes. De imediato já se pode perceber que:

no campo ambiental, de imediato, temos o conflito por água. Isso se torna

evidente. Para se ter noção, cada uma área de assentamento que quer

perfurar um poço para desenvolver algum projeto existe várias exigências,

muitas vezes perdemos o tempo para executar o projeto porque tem que

ter outorga de água, tudo isso leva muito tempo. As grandes empresas,

pelo que a gente observa, nas falas das pessoas que nos chegam, perfuram

poços do jeito que querem, sem acompanhamento do Estado, sem que seja

observado essas questões como é exigido da agricultura familiar. Alguns

tem mais acesso a água do que outros, quem tem poder, dinheiro, acesso

como as empresas, vai ter o domínio muito maior de água do que os

pequenos. Muitas vezes os pequenos não conseguem produzir porque não

tem poços em profundidade e com vazão que possibilitem plantações

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maiores. Acredito que um dos grandes conflitos que vai acorrer é pela

água. Sem contar que entramos em 5 anos de seca, quer dizer, um

agricultor que vive vizinho as empresas e vê a água passando e eles sem

acesso, o que tem é no máximo uma cisterna, um barreiro que está

acabando, um poço que não é profundo como é o caso de os

assentamentos. Daqui para frente ninguém sabe se vier mais anos de

estiagem, como se dará o acesso a água (TERRA VIVA, 2016).

Os conflitos pelos recursos naturais começam a ganhar força e visibilidade,

sobretudo no que se refere a reinvindicação do direito à água. A água, usada

indiscriminadamente pelo agronegócio, diminui nas comunidades mais próximas das

empresas, a exemplo podemos destacar o assentamento Baixa Fechada dois, segundo o

agricultor entrevistado a vasão do poço comunitário diminuiu cerca de 2 metros desde a

instalação das empresas e com a contribuição da estiagem já supracitada.

As empresas perfuram poços de 200, 300, enquanto os da comunidade

chega no máximo a 80, 100 metros. Eles já perfuraram mais de 40 poços

profundos com uma vasão grande. E vai piorar, estão chegando máquinas

que perfuram de 500 a 1.000 metros. Como é que vai ficar a situação da

comunidade? “ (CARACARÁ, 2016).

O depoimento do agricultor aponta para o conflito por água e a forma como ela é

utilizada de forma desigual, sobretudo com o consentimento do governo sob a alegação de

total legalidade das empresas do agronegócio. Em audiência pública realizada na Câmara

Municipal de Apodi no dia 06/05/2016 com os representantes do IGARN e SEMARH os

agricultores colocam essa angústia, recebendo como resposta a justificativa dada pelo

diretor do IGARN que afirma: “as empresas chegam com a parte legal e técnica toda

pronta, não podemos fazer nada a não ser conceder as licenças, não podemos ir contra as

leis”. A legalidade, o aparato técnico e jurídico, asseguram a exploração das águas

subterrâneas do Aquífero Jandaíra por parte do agronegócio e penaliza os agricultores que

não dispõem da mesma estrutura como tem acontecido no Vale do Apodi.

A exploração é legitimada pelo próprio Estado conforme nos alerta Rigotto (2011),

o poder público se exime de responsabilidade, a fala do consonante do agricultor nos revela

que:

nem o prefeito se manifesta, nem a câmara de vereadores, se eles

quisessem tinha como baixar um decreto para pelo menos limitar a

quantidade de poços, não deixar as coisas do jeito que eles estão fazendo.

Não tem fiscalização do governo do Estado. As empresas fazem do jeito

que querem, desmatam o tanto que querem, não tem licença para o

desmatamento, não tem licença para cavar poço, eles fazem aí do jeito que

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dizem “na tora”. As carretas chegam aqui, eu vi um encarregado, alguns,

chegam e perguntam pela nota fiscal eles respondem: “aqui veio na tora.

Você pensa que porque é empresário grande, multinacional, pensa que é

tudo regularizado, mas é mais irregular que o pequeno. Eu vejo que se a

gente deixar assim vai acontecer o que eles querem, que a gente saia e

ficar com a água só para eles. Eles passam por cima de tudo para

conseguir os objetivos deles. O primeiro passo quem tinha que dar eram

os órgãos do governo, o poder público: o prefeito, vereadores se reunir.

Eu não digo nem acabar, mas limitar, a gente sabe que acaba, eles dizem

que não acaba, mas a gente sabe que acaba. No fundo eles sabem que

acabam só que não vão dizer. Tem que ter uma limitação. Estão

comentando que vão ser perfurados mais de 250 poços. Já tem 50, todos

poços profundos. Eu tive conversando com um menino que entende dessa

parte de geólogo e ele disse para mim que esses poços de 150 metros é

irregular, eles estão em um lençol que é proibido por lei. Tem que ser

denunciado ao ministério público. Se foi feito mesmo até agora não teve

nenhuma fiscalização não. A gente teve uma reunião no sindicato, o cara

ficou de dar uma resposta em março, que ia ter uma fiscalização, mas não

retorna nada, não deu retorno até agora do que foi feito, parece que fez foi

sumir sabe. Quer dizer, com certeza já bateram lá, alguém se manifestou,

que o governo do Estado tem interesse também que é acionista da

empresa, deixa correr tudo solto. (CARCARÁ, 2016).

A agricultura familiar contabiliza os prejuízos, e os agricultores e ONGs demostram

as assimetrias existentes entre esta e o capital do agronegócio. “Não temos condição de

perfurar mais poços, tem que pagar geólogo, máquina, licença, outorga, tudo isso custa

caro, aí temos que esperar pelo governo” (CARCARÁ, 2016). O conflito, que a princípio

era pela terra, embora este ainda seja presente na Chapada do Apodi, ganha outro

componente de contestação, o que:

existe hoje é um conflito é pela água. Este menos visível para a

população, mas para nós está muito claro. Desde o perímetro irrigado e

sua proposta que o conflito pela água explode, inclusive não só com as

comunidades da chapada, mas do vale também. O perímetro iria irrigar a

partir das águas da Barragem de Santa Cruz iria tirar a água das

comunidades do vale. O conflito pela terra, a vinda das empresas sufoca

as pequenas comunidades, as pequenas propriedades, alguns são

obrigados a vender suas terras ou se desfaz por impossibilidade de

produzir. Sem ter muitas condições e com a oferta da compra da terra

muitos estão vendendo e saindo, então o conflito pela terra também existe.

O conflito ambiental também é muito forte. Isso repercute na saúda das

pessoas, das comunidades. Pesquisas da UFC- TRAMAS, mostram a

gravidade que esse modelo do agronegócio oferece a saúde dos

trabalhadores. Então, a chegada das empresas muda a realidade local, todo

um modo de vida, provoca o conflito trabalhista com os funcionários, as

condições de trabalho são precárias. São vários fatores que comprovam

que esse modelo é bastante maléfico para as comunidades. (CPT, 2016).

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O conflito por água tem ganhado força, segundo o STTRA (2016), que elenca

vários elementos, ou seja:

diante desse senário atual, modernização do campo, do setor agrícola, ela

chegou agora na Chapada do Apodi, essa ideia de o agronegócio produzir

para exportar, de privatizar as nossas águas. As empresas do agronegócio,

de certa forma, se apoderam de toda água da chapada usando ela para

exportando melão, melancia. Além de se apropriar das terras se apropriam

das águas também.

Dessa forma, estratégias de resistência começam a ser construídas. De forma

coletiva, contando com a participação dos agricultores, ONGs, movimentos socais,

Universidades e Pesquisadores, em assembleia realizada no Sindicato dos Trabalhadores

Rurais de Apodi foi fundado no dia 19/05/2016 o Comitê Popular Interestadual das Águas

CE/RN. O comitê é fundado com alternativa aos comitês ligados ao Estado, Comitê de

Bacias do RN, por exemplo, e tem por objeto discutir a questão das águas a partir da base,

dos agricultores. Diversas representações dos Estados fundadores do comitê participaram

da assembleia, colocando as demandas acerca do uso das águas do Aquífero, que se estende

do Ceará ao Rio Grande do Norte, e do Rio Apodi/Mossoró.

O mapa abaixo apresenta a extensão do Aquífero e sua importância para os atores

formadores do comitê, por ser a fonte se água para diversas regiões, tanto de Apodi e Alto-

Oeste potiguar, quanto para as cidades cearenses que compõe a Chapada do Apodi.

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Mapa 04 – Extensão do Aquífero Jandaíra

Fonte: ANA, (2010).

Limoeiro-CE, Quixeré - CE, Aracati-CE, Potiretama - CE, fizeram suas colocações

e apontamentos das realidades do lado cearense da Chapada do Apodi. Apodi-RN,

Baraúnas-RN, Caraúbas -RN, Tibau-RN, Governador-RN, Upanema-RN, Umarizal-RN,

Patu-RN, se colocaram como representantes do Rio Grande do Norte, os agricultores de

Apodi como representantes da agricultura familiar da região. Dessa feita, com a junção de

atores e a exposição de diversas realidades que comungam acerca da água, o Comitê

Popular nasce como instrumento importante na soma de forças para o enfretamento do

conflito.

O conflito socioambiental é percebido nas comunidades nos depoimentos dos

agricultores entrevistados, nas denúncias feitas no que se refere às técnicas de produção que

o agronegócio utiliza, sobretudo ao uso dos pesticidas e fertilizantes. Segundo o Agricultor

Beija-flor (2016) no assentamento Milagres, “quando os tratores estão cortando a terra e

adubando o cheiro de enxofre invade as casas, principalmente no fim de tarde quando o

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vento traz o cheiro forte. Tem gente que sofre com ânsia de vômito, os olhos ardem”. No

Moacir Lucena, assentamento mais afastado23 das empresas, “a comunidade passa a

perceber os animais fugindo do desmatamento e do envenenamento, tatus passam aos

rebanhos durante a noite” (ASA BRANCA, 2016).

Um risco iminente, e que também deve fazer parte do nosso debate, é o

desaparecimento das culturas tradicionais produzidos pela agricultura familiar em

detrimento da lógica mercadológica do agronegócio. Os cultivos tradicionais produzidos

pela agricultura familiar como: milho, feijão, algodão, estão sendo

substituídos pelo melão, pela banana e pelo mamão, com toda a cadeia

produtiva sob o domínio de empresários com larga experiência no ramo

da fruticultura. Portanto o agronegócio está mudando a cultura e o tipo de

produtor, do pequeno produtor não capitalizado para o grande empresário

(PESSOA; RIGOTTO, 2012, p. 69).

Fator que merece destaque na discussão e que é completamente presente nas

comunidades é o medo. Este pode ser percebido na fala de alguns agricultores, a exemplo

da nossa entrevistada a Beija-Flor, que em certos momentos, sobretudo quando perguntada

sobre os impactos que o agronegócio oferece as comunidades, diminui o tom de voz aos

sussurros como se estivesse vivendo em constante vigilância.

O conflito tem provocado, além de outros tantos problemas, o medo. Bater de frente

com as empresas do agronegócio significa enfrentar um poder que alguns agricultores

temem. Usando o exemplo do lado cearense da Chapada do Apodi, Beija-flor (2016), relata

o medo de acontecer com os agricultores o mesmo que aconteceu no Tomé, comunidade de

Limoeiro que teve seu líder, o Zé do Tomé, assassinado por se recusar a curvar-se diante da

pressão das empresas do agronegócio. Os agricultores têm se tornado reféns do medo, “para

as reuniões não vai mais nem todo mundo da comunidade. Uns dizem:” não vamos bater de

frente com uma empresa dessas não que eles têm dinheiro. Eles têm medo”. (CARCARÁ,

2016).

A queda na autoestima também pode ser percebida na fala dos agricultores,

principalmente quando estes, através de trocas com os agricultores já atingidos de outras

comunidades, constatam os impactos que o agronegócio provocou.

23 É importante destacar que embora este assentamento esteja mais afastado das empresas, as terras destas são

fronteiriças. O espaço onde da comunidade destinado a reserva ecológica e onde se desenvolvem algumas

atividades importantes está separada das terras das empresas por um cerca de arame farpado.

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A gente fez vários intercâmbios de conhecimento e só constatamos

devassidão, destruição, doenças, desaparecimento das matas, mortalidade

das águas, mataram o lençol freático, quando não mataram contaminaram,

mas no final o lençol freático já está condenado a morte e a contaminação.

Uma série de impactos que só traz preocupação e gera na gente uma

queda muito grande na autoestima. Como você consegue manter uma

autoestima sabendo que a cada dia essa empresa está levando um pouco

do que a natureza tem: a água, o ar, as matas, os animais e ainda por cima

a questão da mão de obra (ASA BRANCA, 2016).

Dito isso, no momento em nos encontramos em nossas investigações e nos

caminhos percorridos pelo pó do sertão até então, nossas análises nos apontam nas direções

relatadas, outros elementos, no decorrer da pesquisa, se somarão ao corpo deste trabalho.

Os caminhos nos levarão a outras realidades, a outras falas e outras vidas.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Seu avião derrama a chuva de veneno

Na plantação e causa a náusea violenta

E a intoxicação "né" adultos e pequenos

Na mãe que contamina o filho que amamenta

Provoca aborto e suicídio o inseticida

Mas na mansão o fato não sensibiliza

Vocês já não tão nem aí co'aquelas vidas

Vejam como é que o ogrobiz desumaniza

Eu vejo o campo de vocês ficar infértil

Num tempo um tanto longe ainda, mas não muito

E eu vejo a terra de vocês restar estéril

Num tempo cada vez mais perto, e lhes pergunto

O que será que os seus filhos acharão de

Vocês diante de um legado tão nefasto

Vocês que fazem das fazendas hoje um grande

Deserto verde só de soja, cana ou pasto?

Pelos milhares que ontem foram e amanhã serão. ”

Chico César.

A guisa de finalizar nos parece e aparece, sempre como necessidade: os ciclos se

encerram. É comum ao discurso das ciências sociais a inevitabilidade das conclusões e dos

encerramentos, mas a história não tem pontos finais, ela é feita de reticências. Nossa

perspectiva nos permite o atrevimento da não conclusão. Por acreditarmos que os fatos

continuam a se desenrolar, concluir seria portanto, estancá-los, engessá-los em suas ações

já concretizadas, contudo a história também é devir.

As comunidades da Chapada do Apodi continuarão firmes em suas defesas, os

atores não vacilam conscientes de seu papel. Tendo consciência dos desafios estão seguras

enquanto ao futuro, e o futuro, o amanhã, ainda os reservará muitas lutas, vitórias e

aprendizagens. Não derrotas, tendo em vista que esta, só chega para quem desiste. E no pó

do sertão não existem derrotas, existem mudanças de estratégias, o sertão, é esse ser tão, ser

tão forte, ser mais.

No desenrolar da nossa pesquisa, das observações feitas e das questões lançadas

podemos concluir, até onde nossa pesquisa nos permite conclusão, que a luta na Chapada

do Apodi apenas se inicia. Os discursos ouvidos nos permitem essa afirmação.

Como a chegada das empresas do agronegócio é um fato novo e recente, as

comunidades começam a montar suas estratégias de resistência, esta, por sua vez, pretende

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ser o mote principal do desenrolar dos fatos futuros. A resistência parece palavra de ordem

para as comunidades da Chapada do Apodi, as instituições e ONG’s, é ela que anima a

coletividade na defesa da ideia de permanência no lugar.

A resistência, a defesa da permanência, promove a união horizontal dos lugares na

perspectiva de enfrentamento do capital hegemônico e dos instrumentos de poder que por

ele são utilizados, do capital econômico e simbólico que dispõe. Embora a luta seja de

assimetrias contundentes, a força do lugar se mostra capaz de resistir e alicerçar

enfretamentos, para isso, as comunidades da Chapada do Apodi contam com o seu poder de

organização, a rede cooperativa que se construiu ao longo de décadas edificada na

perspectiva de coletividade. As parcerias que se criam com os pares e instituições diversas

também são importantes instrumentos contestatórios na luta contra o avanço do

agronegócio em relação às comunidades da Chapada do Apodi.

Os conflitos são inevitáveis, estes já podem ser evidenciados no que diz respeito ao

uso das águas subterrâneas. As comunidades já enfrentam dificuldades, isso levando em

consideração o longo período de estiagem pela qual passa a região, na utilização da água

para as atividades mais básicas. A lâmina d’água tem perdido vazão, limitando o uso por

parte das comunidades, em contrapartida o agronegócio, com o poder já supracitado,

produz oásis em meio ao pó do sertão.

O conflito pela água se mostra como o mais imediato, contudo, a luta pela

permanência e a defesa do modelo agroecológico desenvolvido pelas comunidades também

se configuram como vetor de conflito. As práticas da agricultura tradicional: uso intensivo

de insumos químicos, fertilizantes, pesticidas e herbicidas, tem feito com que as

comunidades se manifestem em defesa das práticas agroecológicas, no sentido de preservar

as atividades produtivas características da região.

Como ilustração das assimetrias que separam a agricultura familiar e o agronegócio,

para além das práticas já citadas, destacamos o banco de sementes crioulas que as

comunidades possuem, alguns dos exemplares tem mais de três séculos de existência e

passaram por gerações, mantendo-se como elemento importante, tanto do ponto de vista

produtivo e preservacional, quanto identitário, e exemplificam a riqueza de saberes que as

comunidades possuem.

A convivência entre empresas do agronegócio e as comunidades rurais da Chapada

do Apodi, de acordo com os discursos ouvidos, os dados coletados e as ações realizadas

pelas comunidades, instituições de representação de classe e terceiro setor, no decorrer das

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nossas observações, se mostram insustentáveis os motivos são evidentes, contudo, os mais

relevantes são as diferenças gigantescas nas concepções de produção existente entre o

projeto encabeçado pelas empresas do agronegócio e das comunidades rurais da Chapada

do Apodi.

Levando em consideração que os dois modelos, como já mencionado no trabalho,

possuem estruturas opostas de produção, sendo que as comunidades rurais vivem sob a

perspectiva da agroecologia, onde em algumas delas esse modelo já é consolidado,

enquanto outras passam por um período de transição, abandonando as práticas tradicionais

de produção e adotando, paulatinamente, a bandeira e a prática da agroecologia, enquanto o

agronegócio explora vastas porções territoriais e com a prática de monocultivos.

O conflito e a resistência portanto, se apresentam como elementos que permeiam a

ralação agricultura familiar e agronegócio na Chapada do Apodi, sendo estes os

instrumentos de análise que não permitem encerramento, conclusões, tendo em vista que os

atores continuam em cena, os fatos continuam em seu processo de desenvolvimento.

A discussão, portanto, não pode ser estanque ou se esgotar aos dados levantados

nesta pesquisa, novos fatos surgem e se faz necessário compreende-los em sua amplitude e

complexidade, pois estes não se esgotam e por estarem em constante processo de mudanças

possuem novos significados da cada nova ação e com todo novo ator.

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APÊNDICE A – ROTEIRO DE VISITA IN LOCO E LEVANTAMENTO DE

INFORMAÇÕES SOBRE AS COMUNIDADES RURAIS PESQUISADAS

Nome do entrevistado:

Idade:

Escolaridade:

Estado civil:

Ocupação-cargo:

1. Quando e como foi o processo de formação da comunidade?

2. A terra foi comprada, doada?

3. De quem era a terra antes de se tornar a comunidade?

4. São quantos hectares e para quantas famílias?

5. Como o Sr. percebe a instalação de empresas do agronegócio muito próximas a sua

comunidade? Em que essa proximidade alterou a vida da sua comunidade?

6. Qual o modo de produção da comunidade?

7. E como ocorre o envolvimento das famílias na produção da comunidade?

8. Quais os principais pontos positivos da vida comunitária na região?

9. Quem são os parceiros da comunidade? Como atuam esses parceiros na

comunidade?

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APÊNDICE B - ROTEIRO DE ENTREVISTA SOBRE A POSSIBILIDADE DE

RESISTÊNCA, CONFLITO E CONVIVÊNCIA ENTRE AGRONEGÓCIO E

AGRICULTURA FAMILIAR NA CHAPADA DO APODI

1 . O que a comunidade representa para o senhor? (o assentado)

2 . O agronegócio está instalado na Chapada do Apodi, próximo a comunidade. É possível

que a comunidade e o agronegócio consigam conviver?

3 . Existe, por parte da comunidade, alguma forma de contestação a instalação das

empresas do agronegócio? (Se existe o que é contestado? Quem contesta?)

4. Como a comunidade se coloca diante da instalação do agronegócio em suas

proximidades?

5. Quais as ações que a comunidade deve desenvolver para resistir ao agronegócio? (fazer a

pergunta caso a resistência seja ressaltada).

6. Como o Sr. percebe a instalação do agronegócio na comunidade?

7. As comunidades desenvolvem suas atividades produtivas atendendo a um modelo de

organização e manuseio na natureza de forma agroecológica. O agronegócio oferece algum

risco ao modelo de produção que vocês desenvolvem?

8. Qual a importância da agroecologia para a comunidade?

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APÊNDICE C- ROTEIRO DE ENTREVISTAS COM O SINDICATO DOS

TRABALHADORES RURAIS DE APODI

1. Como o sindicato observa a instalação de empresas de agronegócio na Chapada do

Apodi?

2. É possível a convivência do agronegócio com as comunidades da Chapada do

Apodi? Que tipo de possível?

3. Qual a posição do sindicato em relação a instalação de empresas de agronegócio na

Chapada do Apodi?

4. Como tem se dado o processo de instalação de empresas de agronegócio na

Chapada do Apodi?

5. Sabemos que as comunidades da Chapada do Apodi se instalaram na região através

de um processo de lutas. O agronegócio, de alguma forma ameaça essa luta

histórica?

6. Comente as estratégias de resistência que o sindicato adota junto aos trabalhadores e

trabalhadoras em relação a instalação do agronegócio na Chapada do Apodi.

7. Qual a importância das comunidades para a economia local?

8. Qual a importância de um modelo produtivo agroecológico para as comunidades e

para a cidade?

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APÊNDICE D – ROTEIRO DE ENTREVISTAS PARA AS ONGS

1. Há quanto tempo esta instituição desenvolve suas atividades na Chapada do Apodi?

Qual a principal finalidade destas atividades?

2. Como a instituição se coloca diante da instalação de empresas de agronegócio na

Chapada do Apodi?

3. As empresas, de alguma forma, interferir no modelo de organização das

comunidades ou ambos os modelos podem conviver?

4. Quais os conflitos principais conflitos das comunidades com o agronegócio?

5. Quais os mecanismos de resistências adotados frente ao agronegócio?

6. Como a instituição tem se posicionado junto as comunidades no que se refere a

instalação das empresas de agronegócio?

7. Quais os impactos (positivos e negativos) sociais, econômicos e ambientais das

empresas de agronegócio (fazer mesma pergunta para a agricultura familiar)

instaladas aqui na Chapada do Apodi?

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APÊNDICE E – ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE

● Observar nas reuniões os discursos que corroborem para as nossas questões de

partida no que tange ao conflito, resistência ou convivência entre agronegócio e

agricultura familiar;

● Elencar as lideranças e suas respectivas comunidades afim de definir os possíveis

entrevistados durante a pesquisa;

● Observar as instituições e as posições tomadas pelas mesmas a respeito da relação

entre o agronegócio e a agricultura familiar na Chapada do Apodi.

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APÊNDICE F - ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE NAS COMUNIDADES

● Observar a comunidade como um todo - estrutura, organização.

● Número de assentados a atividades realizadas pelos mesmos.

● Produção de fotografias da comunidade.