jornalismo literário em evidência

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8/8/2019 Jornalismo Literário em evidência http://slidepdf.com/reader/full/jornalismo-literario-em-evidencia 1/74 Patrícia Almada Morais JORNALISMO LITERÁRIO EM EVIDÊNCIA: Análise de perfis e fait divers da seção esquina da revista piauí Belo Horizonte Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH) 2010

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    Patrcia Almada Morais

    JORNALISMO LITERRIO EM EVIDNCIA:Anlise de perfis e fait divers da seo esquina da revista piau

    Belo HorizonteCentro Universitrio de Belo Horizonte (UNI-BH)2010

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    Patrcia Almada Morais

    JORNALISMO LITERRIO EM EVIDNCIA:Anlise de perfis e fait divers da seo esquina da revista piau

    Monografia apresentada ao curso de Jornalismo do CentroUniversitrio de Belo Horizonte (UNI-BH) como requisitoparcial obteno do grau de Bacharel em Jornalismo.Orientador(a): Prof. Fabrcio Marques

    Belo HorizonteCentro Universitrio de Belo Horizonte (UNI-BH)

    2010

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    Dedico esta monografia aos meus pais, que sempre me incentivaram aestudar e correr atrs dos meus sonhos. Ao meu orientador, FabrcioMarques, por me ensinar a enxergar o Jornalismo Literrio com tonsainda mais doces e encantadores.

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    RESUMO

    Nesta monografia, encontramos um estudo do Jornalismo Literrio sobre a seo denominada

    esquina da revista piau, no perodo de setembro a novembro de 2009, baseado em perfis e fait divers .

    Foram analisadas, tambm, as teorias referentes ao jornalismo, literatura, ao jornalismoliterrio, perfis e fait divers. Dez matrias fizeram parte das selees.

    Procuramos entender estas teorias e como elas se entrelaam de maneira significativa.

    Mostramos tambm que existem perfis que se enquadram dentro de alguns conceitos de fait divers. Foi observado que muitas notcias fogem do chamadolead convencional do jornalismo e que a objetividade fica de lado quando tratada a questo do jornalismo literrio.As figuras de linguagem do jornalismo foram analisadas em cada matria selecionada.

    Alm disso, refletimos sobre a Teoria das Sete Pontas do Jornalismo Literrio, com base emPena (2006).

    Tudo o que foi analisado serve para mostrar que o jornalismo literrio praticado nos perfis e fait divers, na seo esquina, estabelece uma correlao destes dois gneros aparentementedistintos. Foi pensado tambm como a teoria de Pena (2006) sobre a literatura pode serquestionada sob alguns aspectos. Vale ressaltar que foi abordado, tambm, o uso dasubjetividade e da pirmide invertida nos textos.

    Palavras-chave: Literatura, Jornalismo, Jornalismo Literrio, Perfil,Fait Divers , revista piau ,esquina.

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    LISTA DE TABELAS

    Tabela1 Circulao total segmentos cultura, jovem e msica .......................................... 35Tabela 2 Perfil do assinante Sexo ..................................................................................... 35Tabela 3 Perfil do assinante Idade .................................................................................... 35Tabela 4 Perfil do assinante Classe social ........................................................................ 36Tabela 5 Perfil do assinante Escolaridade ........................................................................ 36

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    SUMRIO

    1 INTRODUO .................................................................................................................. 08

    2 O SURGIMENTO DO JORNALISMO LITERRIO ................................................... 102.1 Caractersticas do Jornalismo Literrio ............................................................................. 102.2 Jornalismo como estilo de poca e o abando no dolead ................................................... 142.3 Objetividade versus subjetividade no Jornalismo Literrio .............................................. 172.4 O Novo Jornalismo ............................................................................................................ 20

    3 DIFERENAS E SEMELHANAS ENTRE PERFIL E BIOGRAFIA E OSIGNIFICADO DE FAIT DIVERS ..................................................................................... 253.1 Definies de perfil e biografia ......................................................................................... 253.1.1 Perfil ............................................................................................................................... 253.1.2 Biografia ......................................................................................................................... 273.2 As diferenas entre perfil e biografia ................................................................................ 293.3 OFait Divers ..................................................................................................................... 30

    4 ANLISE DE PERFIL, FAIT DIVERS E CARACTERISTICAS DO JORNALISMOLITERRIO NA SEO ESQUINA ................................................................................. 324.1 Metodologia ....................................................................................................................... 324.2 A revista piau ................................................................................................................... 33

    4.3 Seo esquina .................................................................................................................... 364.4 Perfil / Fait Divers ............................................................................................................ 374.5 A Teoria da Sete Pontas do Jornalismo Literrio .............................................................. 394.6 Funes de linguagem aplicadas aos perfis e fait divers ................................................... 434.7 Abandono dolead na seo esquina .................................................................................. 474.8 Objetividade versus subjetividade ..................................................................................... 494.9 Novo Jornalismo e a seo esquina ................................................................................... 50

    5 CONCLUSO ..................................................................................................................... 52

    REFERNCIAS .................................................................................................................... 54

    ANEXOS ................................................................................................................................ 57Anexo A Chato, no Dessaune s quer ser bem atendido ................................................. 57Anexo B O Armani dos botes Tem Flamengo amarelo, rosa, da poca do Zico ............ 59Anexo C Ribeiro tem carncia de automobilismo Mas no de otimismo rosado ............ 61Anexo D Voyeurismo ortogrfico Sou besta, egosta, classista, perfeccionista, mimada,invejosa .................................................................................................................................... 62Anexo E Byte vista! Os piratas franceses querem conquistar o parlamento ..................... 64

    Anexo F Nota fnebre em segunda marcha A publicidade volante traz a m notcia ...... 66Anexo G Pedigree passado O animal domstico na era do RG subcutneo ................... 68Anexo H Seu futuro cabe numa xcara Na Turquia tomar caf pode ser perigoso ........... 70

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    Anexo I Que o Senhor possa continuar te abenoando A macaca Kate precisava da paz deCristo ....................................................................................................................................... 72Anexo J Apago sonoro Entre o presidente e do Cappio h um rio e uma rdio .............. 74

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    INTRODUO

    Esta monografia compreende um estudo detalhado sobre o Jornalismo Literrio emperfis e fait divers da seo esquina da revista piau .

    Para isso, so estudados captulos tericos do Jornalismo Literrio com a viso dediversos autores. Alm disso, so abordados o conceito de f ait divers , uma comparaoentre perfil e biografia e um contraponto entre objetividade e subjetividade.

    No primeiro captulo, apresentamos as definies de jornalismo e de literatura, bemcomo a explicao de como se deu a aproximao dessas duas vertentes. Traamostodas as caractersticas referentes ao jornalismo literrio, alm de abordar quesitos comoo abandono dolead , a subjetividade versus objetividade para um texto literrio easpectos do Novo Jornalismo praticado por Wolfe (2005), sem esquecer do jornalismoGonzo e do at chamado Novo Jornalismo Novo.

    J no segundo captulo, mostramos as definies de perfil, biografia e fait divers. Asdiferenas entre perfil e biografia so discutidas, alm de caracterizarmos o fait divers.

    No ltimo captulo, feitauma anlise da seo esquina da revistapiau. Equiparamos o perfil e fait divers das matrias analisadas, demos exemplos emostramos como esses dois gneros podem se misturar. Alm disso, trabalhamos comalgumas definies discutidas nos captulos anteriores. Questionamos autores ebuscamos aplicar teorias como as das funes de linguagem. Por fim, mostramos ascaractersticas do novo jornalismo naseo esquina.

    O jornalismo literrio, de acordo com Pena (2006), surgiu como uma vontade de sair docotidiano das redaes jornalsticas. Sair de um modelo pronto para redigir um texto e,assim, potencializar os recursos do jornalismo.

    Dentro do jornalismo literrio, existem diversos recursos para potencializar um texto.Entre eles, esto a sada dodeadline, o rompimento com a periodicidade e o uso de

    fontes comuns, s vezes nem notadas por jornalistas que trabalham com a objetividade,para construir uma matria mais elaborada.

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    O uso do jornalismo literrio se faz presente em uma revista em que podemos trabalharcom todos os conceitos e tcnicas literrias no jornalismo: a piau. Criado em 2006, o arevista trabalha conceitos de jornalismo literrio sem deixar de apontar atualidades.

    Quanto ao formato revista da piau, Scalzo (2006) afirma que ummagazine umveculo de comunicao que, muitas vezes, trata de assuntos especficos e de temasligados ao jornalismo e ao entretenimento.

    A ideia de jornalismo literrio dentro de uma revista aplica-se tambm diverso, jque a leitura mais suave e conta com histrias diferenciadas, que expem informaesde qualidade aos leitores.

    Para mostrar que a objetividade, em comunho com odeadline, nem sempre ocaminho para uma matria de qualidade, Amaral (1996) destaca que, muitas vezes, estafalta de tempo pode acarretar a perda de qualidade, prejudicando os leitores. Estepblico, os leitores, ao buscar os jornais como veculos de informaes, muitas vezesno se do conta que isto acontece.

    Na seoesquina da piau, podemos chamar a ateno para um fato. Alm dasnotcias que fogem do cotidiano normal, conhecidas pelos fait divers , encontramos umasrie de perfis de pessoas no conhecidas do pblico de maneira em geral. Vamosmostrar, tambm, como estes dois conceitos podem se misturar.

    Perfil, de acordo com Vilas Boas (2008), um tipo de texto biogrfico que trata de um

    aspecto de uma pessoa, famosa ou no, e que esteja viva, preferencialmente.

    Sodr (2010), afirma que no fait divers , por mais que o jornalista busque a realidade etente reproduzi-la fielmente, o seu funcionamento discursivo permanece sempre comnarrativas fortes e fascinantes do que com presses realistas narrativas de uma histria.

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    2 O SURGIMENTO DO JORNALISMO LITERRIO

    2.1 Caractersticas do Jornalismo Literrio

    Antes de caracterizar o Jornalismo Literrio, sero apresentados os conceitos isoladosde Literatura e Jornalismo e como se deu essa unio.

    Marques (2009)afirma que a palavra Literatura nos remete a diversos significados emque cabem vrias respostas. O autor declara que cada autor tem sua prpria definio deliteratura, utilizando-se de vrios critrios, que vo desde a linguagem at o modo comoos assuntos so abordados em uma obra.

    Contudo, para definirLiteratura, parte-se para o conceito mais comum: o dicionrio.O dicionrio define que a literatura a arte de compor, seja em verso ou prosa, ou ainda, o conjunto de produes de um determinado pas.

    J o Jornalismo caracterizado por Marques (2009) como aquilo que se alimenta doque acontece e do que est acontecendo. A definio mais comum nutrida pelas

    famosas perguntas dolead , tais como quem, onde, como, o qu, quando, por qu.

    Por conseguinte, para Marques (2009), escrever jornalismo tudo o que imputvel aum jornalista, ou seja, a produo de uma notcia, de um artigo e de uma reportagem. Jliteratura consiste em criar o que normalmente conhecemos por fico, como contos,romance, novelas, ou at mesmo, crnica.

    Do dilogo entre esses dois gneros nasceu o Jornalismo Literrio.

    O Jornalismo Literrio concebeu-se, a partir da unio entre oJ e o L de acordo comVilas Boas(2003). Para aceitar o casamento do J com o L precisamos acreditar queo conceito de literatura precisa tambm englobar o texto de no-fico, esse termo tonegativo quanto negador, to certeiro quanto indiscreto, to confortvel como ardiloso (VILAS BOAS, 2003, p.1).

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    Ainda segundo Vilas Boas (2003), h muitos estudos acadmicos sobre as relaes entre jornalismo e literatura. Muitos desses estudos apontam que jornalismo e literatura nose misturam, que nem gua e leo. Outros afirmam que se complementam.

    O Jornalismo Literrio teve como princpio fundamental a unio da prtica jornalsticacom a forma e linguagem trabalhada literariamente. Mas a consolidao entre oJornalismo e a Literatura, a fuso, segundo Pena (2006), foi atravs do uso do folhetim,que reunia o estilo narrativo das novelas democratizando as culturas, pois o estiloliterrio tornou-se acessvel populao.

    As fronteiras entre a literatura e o jornalismo cruzam-se tambm quando, de acordo comEdvaldo Lima (1995), tratamos do livro-reportagem. Mais do que a ampliao daspginas de um texto, o autor observa que para se construir uma verdadeira reportagemexiste alguns fatores como o modo que se trata um tema, a observao participante e ouso da palavra como instrumento da extenso literria - jornalstica.

    Muitos autores afirmam que a literatura puramente ficcional e subjetiva. J o jornalismo seria puramente objetivo e factual. A discusso gira em torno da palavra

    Jornalismo Literrio, que mistura, s vezes equivocadamente, num primeiro instante,fico e realidade.

    Nanami Sato aferiu que a fico no jornalismo existe, pois cada jornalista, ao escreverum texto, produz tambm suas impresses pessoais sobre o acontecimento presenciado.

    Apesar da vocao para o real, o relato jornalstico sempre tem contornosficcionais: ao causar a impresso de que o acontecimento est se desenvolvendo nomomento da leitura, valoriza-se o instante em que se vive, criando a aparncia doacontecer em curso, isto , uma fico. Alm disso, o jornalista, produto industrial,precisa de esquemas de captao de noticias, dos quais a fonte uma das principais.As fontes podem constituir posies estereotipadas; frequentemente, com a consultaa especialistas, a ao quase no aparece, apenas a linguagem como reforo, comoredundncia (SATO, 2005, p.31).

    Se a literatura considerada fico, o que dizer sobre muitos autores, como Sato, aoconsiderarem o relato do jornalista como tambm parte da fico? Se o que o jornalistaproduz considerado fico e a literatura tambm vista de modo ficcional, nos

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    limitamos seguinte pergunta: o que fico? Por que o Jornalismo Literrio no podeser considerado realidade? Impresses pessoais podem ser consideradas fico?

    O Jornalismo Literrio pode ser considerado como parte do real do ponto de vista devrios autores. Lima (2003) considera que a literatura de realidade outro nome que sed ao Jornalismo Literrio- caracteriza-se pelo uso de tcnicas da literatura na captao,redao e edio de textos sobre a vida real. (...) Pressupe um mergulho intenso donarrador no ambiente sobre o qual escreve (LIMA, 2003, p.1).

    Segundo Vilas Boas (2003), o Jornalismo Literrio no fico, inveno ou histriabaseada em fatos. Para o autor, o Jornalismo Literrio o aprofundamento em textos e omodo como esses textos so transmitidos.

    Casatti (2005) destaca que, ao falar Jornalismo Literrio, o quem vem mente apalavra fico. Ela acredita que existe uma confuso em termos de definio. Se no tomado o conhecimento do que significam estas palavras (Jornalismo Literrio), pode-se pensar que se trata de um material que produzido por escritores ficcionais.

    Marques (2009) afirma que a aproximao da literatura s traria benefcios ao jornalismo. E a narratividade se faz presente neste contexto. Lima (1995) declara queexistem muitas discusses sobre a prtica do jornalismo aliada literatura. O autorafirma ainda que estes componentes so miscigenados, porm no so intransponveis.

    Casatti (2005) diz que a palavra narrao no remete fico. Talvez por isso, seja maisfcil clarificar o termo Jornalismo Literrio, substituindo o termo por Jornalismo

    Narrativo. Contudo, a autora ressalta tambm que nem sempre a palavra narrao temcarter literrio.

    Marques (2009) defende que a confluncia entre jornalismo e literatura s se d atravsda narrao.

    Um ponto essencial da confluncia de gneros do jornalismo e da literatura, semdvida, atende pelo nome de narratividade. Produzir textos narrativos, ou seja, quecontam uma sequncia de eventos que se sucedem no tempo, algo que inclui tantoa vivncia literria quanto a jornalstica. Quanto narratividade, a busca daconfluncia atinge os gneros narrativos em prosa (MARQUES,2009, p. 3).

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    Chaparro (2003) acredita que a narrao humanizada o que falta ao jornalista.

    J para Amaral (2005), a narrao foi o que mais se perdeu com a modernizao. Oautor comenta que os textos jornalsticos atuais esto em falta com a narrao por seremsucintos demais. E que a literatura muito mais do que uma palavra simples e semimportncia. A literatura seduz. Ela o que penetra atravs da palavra bem construda.

    Pena (2006) afirma que o Jornalismo Literrio uma estrela de sete pontas. Em cadaponta, encontra-se um conjunto de temas harmnicos ligados ao contexto literrio. Aprimeira ponta o desenvolvimento das tcnicas narrativas de um texto. Sair dodeadline, romper com a periodicidade o que caracteriza a segunda ponta. J a terceiradiz que se deve relacionar os fatos e apurar bem as informaes. A quarta prope umcompromisso com a sociedade, o exercer da cidadania. A necessidade do no uso dolead a fim de sair da objetividade a quinta ponta. Pena (2006) defende que a sextaponta deve ser a busca por fontes comuns com vidas comuns, pois a matria se tornamais rica e cheia de detalhes. A ltima ponta apregoa que se deve deixar que a obra setorne eterna, no ficando ultrapassada com o passar dos tempos.

    A questo das pontas, abordada por Felipe Pena, nem sempre verdadeira. OJornalismo Literrio no possui regras prontas. O Jornalismo Literrio flui por si s.

    Quanto s funes de linguagem, Marques (2009) definiu que, de acordo comJackobson, existem seis funes de linguagem e elas so importantes para a construodo jornalismo. So elas: emotiva, conotativa, referencial, ftica, metalingustica e

    potica.

    A funo emotiva se refere ao remetente e possui carter opinativo. Aparece geralmenteem frases exclamativas, na primeira pessoa dos verbos e pronomes. A funo temrelao com o destinatrio, pois existe um apelo social. Encontra-se em frasesinterrogativas e imperativas. J a funo referencial tem ligao com o fato em si. uma linguagem de carter informativo.

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    Esta funo a mais adequada para o jornalismo, de acordo com Marques (2009). Afuno ftica est entre o emissor e receptor. Ela facilita o prolongamento ouencerramento de um dilogo. A funo metalingustica diz respeito a palavras queexplicam palavras (MARQUES, 2009, p. 11). Ou seja,est relacionada ao cdigo. E,finalmente, a funo potica, que centrada na mensagem. Ela se caracteriza por ter emseu vocabulrio palavras de sentido conotativo.

    Marques (2009) afirma que mesmo a funo referencial seja uma das mais importantespara a prtica jornalstica, quando se remete ao contexto de Jornalismo Literrio,percebe-se que todas as figuras de linguagem podem ser utilizadas.

    Deste modo, poder-se-ia afirmar que, enquanto no texto jornalstico tradicionalpredomina a funo referencial ou seja, a nfase na informaotout court ,desprovida de opinio -, no texto literrio permitido valer -se de todas as funesda linguagem. Dizendo de outro modo, a linguagem literria quando a produo deum texto se abre a todas as possibilidades e recursos no trabalho com umadeterminada lngua e, assim, transcende a mera repetio de frmulas, esteretipos,clichs e frases feitas, comuns a textos jornalsticos e, evidente, a (maus) textosliterrios (MARQUES, 2009, p12).

    O Jornalismo Literrio apresenta diversas significaes e modos diferentes de aplicao,

    como visto acima. Mas ele possui seu valor e no a toa que est na imprensa h tantotempo. Com o jornalismo Literrio, podemos de tudo um pouco. Aprendemos a escrevermelhor, apurar o valor da notcia com mais rigor e transmitir tudo isso de formaelegante e emocionante.

    2.2 Jornalismo Literrio como estilo de poca e abandono dolead

    Em muitas redaes, a vontade de sair do cotidiano, de um modelo pronto para redigiruma notcia, se d atravs de opes como a do Jornalismo Literrio. Felipe Pena(2006) afirma que [...] no se trata apenas de fugir das amarras da redao ou deexercitar a veia literria em um livro-reportagem. O conceito muito mais amplo.Significa potencializar os recursos doJornalismo (PENA, 2006, p.13).

    Para abordar toda a histria do jornalismo literrio, Pena (2006) remete tambm ao

    conceito de Novo Jornalismo. O autor afirma que esta tendncia jornalstica veio atravsdas redaes americanas que buscavam uma nova forma de escrever uma reportagem.

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    O que vai proporcionar o advento do Novo Jornalismo contemporneo [...], nosEstados Unidos, a insatisfao de muitos profissionais da imprensa com as regras deobjetividade do texto jornalstico. (PENA, 2006, p. 53). A figura dolead passa a servista como uma priso, devido ao fato de ser um costume padro na construonarrativa de uma notcia.

    Casatti (2005) ressalta que a infinita repetio da mesma frmula pronta do jornalismolhe tira a vontade de ler, ouvir ou ver uma produo jornalstica. A sensao de que oesquema tradicional de construo da notcia, o esquema do "lead" e da pirmideinvertida (informar primeiro o que se supe que interessa mais e por ltimo o que sesupe que interessa menos),assassinou todas as outras formas de jornalismo(CASATTI, 2005, p2).

    Segundo Lima (1995), a reportagem veio para atender as necessidades da extenso deuma matria rompendo tambm com o Lead e a pirmide invertida:

    a ampliao do relato simples, raso, para uma dimenso contextual. Em especial,esse patamar de maior amplitude alcanado quando se pratica a grande-reportagem, aquela que possibilita um mergulho de flego nos fatos e em seu

    contexto, oferecendo, a seu autor ou a seus autores, uma dose pondervel deliberdade para escapar aos grilhes normalmente impostos pela frmulaconvencional do tratamento da notcia, como o lead e as pirmides j mencionadas(LIMA, 1995, p. 24).

    Portanto, alguns fatores, como a sada dodeadline, o rompimento com a periodicidade eo uso de fontes comuns, s vezes nem notadas por jornalistas que utilizam aobjetividade, serviram para construir uma matria mais elaborada.

    Amaral (1996) aborda que o maior fator que impede o jornalista de ser subjetivo e optarpela objetividade odeadline. A falta de tempo para elaborar e trabalhar a notcia oque muitas vezes afeta os jornalistas, pois as matrias devem ter pontualidade naentrega. Alm disso, Amaral (1996) destaca que essa falta de tempo pode acarretar naperda da qualidade de uma matria e o pblico no se d conta que isso acontecequando recorre aos jornais para buscar informaes.Abordando a pirmide invertida citada acima por Casatti, Passos (2003) lembra que esse

    tipo de jornalismo teve sua origem na Guerra de Secesso norte-americana e ditou opadro da imprensa brasileira.

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    No Brasil, Genro (1987) afirma que a tcnica da pirmide invertida se espalhougradativamente em 1950, pela iniciativa de um jornalista chamado Pompeu de Souza.Mas a primeira notcia redigida de acordo com a tcnica da Pirmide Invertida foi no jornalThe New York Times em abril de 1861.

    Mas afinal, o que a pirmide invertida?

    A tese da pirmide invertida, ainda de acordo com Genro(1987), quer ilustrar que anotcia caminha do mais importante para o menos importante (GENRO,1987,p.191).

    Ele justifica que a notcia segue do mais importante para o menos importante de acordocom as regras dolead , onde se pressupe que o fundamental de uma notcia estaria noprimeiro pargrafo, que responde s perguntas: "O qu?", "Quem?", "Quando?","Onde?", "Como?", e "Por qu?".

    A proposta da pirmide, nesses casos, como se invertesse todo o processo. Genro

    (1987) argumenta que nesse sentido, a notcia caminha no do mais importante para omenos importante, mas do singular para o particular, do cume para a base. O segredo dapirmide que ela est invertida, quando deveria estar como as pirmides seculares doEgito: em p, assentada sobre sua base natural (GENRO, 1987, p.191).

    Genro (1987) fala tambm que olead uma importante conquista da notcia, pois asinformaes so sintticas e responde muitas das perguntas dos leitores interessados. J

    a pirmide muitas vezes tem que ser potencializada dentro do jornalismo.

    A ideia da pirmide invertida pretende encarnar uma teoria da notcia mas, de fato,no consegue. Ela apenas uma hiptese racional de operao, uma descrioemprica da media dos casos, conduzindo por este motivo, a uma redaopadronizada e no lgica da exposio jornalstica e compreenso daepistemologia do processo. Somente uma viso realmente teorica do jornalismopode, ao mesmo tempo que oferecer criterios para a operao redacional, noconstranger as possibilidades criativas, mas ao contrrio, pontecializa-los e orient-las no sentido da eficcia jornalstica da comunicao (GENRO, 1987, p.191).

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    Voltando ao jornalismo literrio, no Brasil, esse gnero ganhou fora comO Cruzeiro,Senhor e Realidade .

    Scalzo (2006) afirma que revistas comoO Cruzeiro, de cunho literrio, foraminovadoras para a literatura. Alm disso, na maioria das vezes, o jornalismo literrioopta pelomagazine ou pela publicao em um livro, j que as matrias costumam serextensas. Com o fechamento desta revista , muitas outras publicaes surgiram, maspereceram logo depois.

    Alm desses fatores, o jornalismo de revista foi muito usado para a propagao daliteratura , que apresentou um modo diferente de tratar uma reportagem.

    Um bom texto, com histrias quentes e que fiquem para a posteridade, o que esperaum jornalista que se dedica a escrever uma reportagem de caractersticas literrias. Omais importante para Pena (2006), seria a ruptura, como, por exemplo, um texto simplesde matria tradicional. Romper com o lead e mostrar algumas vises que so amplas darealidade, de acordo com o autor, garantem a profundidade do que est sendo contado.Deseja-se que essa ruptura proporcione perenidade ao texto.

    2.3 Objetividadeversus subjetividade no Jornalismo Literrio

    Para Amaral, a objetividade na arte de realizar um jornal dirio muito importante naviso de diversos autores. A objetividade, de acordo com o autor, uma das principaisvirtudes de um reprter ao elaborar uma matria jornalstica.

    Amaral (1996) faz uma anlise dos aspectos que diferenciam a objetividade e asubjetividade para a construo de uma notcia. Neste confronto, a objetividade muitasvezes questionada. A questo saber se possvel, e em que grau, o ser humanodescrever as coisas como elas realmente so. Independentemente da relao que temoscom elas. saber se, de fato, a objetividade um caminho para a verdade e a realidade(AMARAL, 1996, p.18).

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    Conforme Amaral (1996), as discusses sobre objetividade e subjetividade nos textosvm tona quando tratamos da questo da realidade. Para o autor, no podemosobservar a realidade sem modific-la, pois ela criada de acordo com o que se visualizae o que processado. Talvez a objetividade neste caso no prevalea, pois no se sabese o que se escreve puramente observao sem, no caso, o ser subjetivo.

    Amaral (1996) afirma que at a primeira metade do sculo XIX a preocupao com aimparcialidade era inexistente, pois os jornais produzidos na poca eram de cunhopoltico.

    dos primeiros 30 anos do sculo XIX na Inglaterra, Frana e Estados Unidos a

    passagem da imprensa politizante para uma imprensa comercializada. A partir deento, a objetividade, ou melhor, aquilo que mais tarde ganharia o nome deobjetividade, passa a se identificar com uma mistura de estilo direto, imparcialidade,fatualidade, iseno, neutralidade, distanciamento, alheamento em relao a valorese ideologia. Quer dizer que, em sua tarefa diria, o jornalista precisaria deixar emcasa suas normas, princpios, referencias polticas e ideologias, procurar exclu-losdo pensamento e se concentrar na narrao dos fatos, sem tentar explic-los oucoment-los (AMARAL, 1996, p. 26).

    Com o advento das agncias de notcias, Amaral (1996) destaca que foi necessrio

    manter a imparcialidade para a comercializao das matrias redigidas pelos jornalistasa fim de contemplar todos os lados da questo. A partir da a objetividade se fixou.

    Os conceitos de verdade so discutidos por Amaral (1996) que entende esses conceitoscomo uma adaptao do real com a funo de trazer tona os fatos escondidos erelacion-los uns com os outros.

    Sobre a objetividade, Amaral (1996) relata que ela serve como uma prtica que os jornalistas utilizam na tentativa de serem imparciais. J do jornalista, na busca diriada notcia, exige-se iseno e imparcialidade. E, nessa luta constante, ele enfrenta nos as dificuldades criadas pela formao, posies e preconceitos, como outras cujocontrole escapa vontade pessoal (AMARAL, 1996, p.51).

    Segundo Amaral (1996), a objetividade no Brasil veio por meio de influncias dasredaes norte - americanas. A funcionalidade e eficincia atravs do uso dolead

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    uniformizaram o texto. O autor aponta que essas caractersticas foram adotadas peloBrasil, mas o que se destaca a forma como a notcia foi construda.

    Acontece, porm, que essa grande mudana no jornalismo brasileiro no foi muitoalm da valorizao da notcia e de sua construo. Ficou sobretudo na forma. Ocontedo continuou o mesmo, sem a mostra de esforo maior de iseno,imparcialidade, equidade, como se fazia notar, bem ou mal, a imprensa americana(AMARAL, 1996, p. 75).

    Amaral (1996) defende que a mdia, alm de ser objetiva, utiliza-se de manipulaespara construir sua imagem. A imprensa utiliza-se de linguagens que vo fundo no que sepretende manipular, usando at mesmo de fontes oficiais.

    Com o advento da internet, a propagao da objetividade, contrapondo a forma de seescrever no jornalismo literrio, veio por meio da internet. Carlos Magno Arajo (2005)coloca que a internet um meio de comunicao que veio inicialmente para questesmais objetivas e notcias curtas. Temendo o advento da internet, muitos jornaisencurtaram suas produes literrias. Passaram a elaborar textos mais curtos tratadossuperficialmente. Assim sendo, Arajo relata que os jornalistas tornaram-se superficiais.

    A necessidade de tornar os textos mais enxutos, a significando mais curtos, criou,diro os especialistas do futuro, uma gerao de jornalistas sem profundidade. Soaqueles profissionais que, por completa ausncia de prtica, jamais conseguiramfazer um texto com mais de 40 linhas (ARAJO, 2005, p. 94).

    Quanto forma, Moacyr Scliar (2005) afirma que a literatura ensina algo ao jornalismosubjetivo literrio, como cuidar da forma, escrever e reescrever e utilizar-se daimaginao.

    Os discursos literrio e jornalstico so retratados por Nanami Sato (2005). Sato mostraque o uso da linguagem para a formao dos discursos a representao do real. Aquesto que fica em xeque para a autora o fato da relao mediadora entre realidade naliteratura e no jornalismo atravs do uso da palavra. A realidade mutvel e em mutaoconstante, carrega o princpio de sua prpria contradio [...]. A linguagem, ao tentarrepresentar o real, funciona como mediadora da relao dialtica entre sujeito e omundo real em contnua mudana. (SATO, 2005, p.30).

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    Sato (2005) ressalta que apesar da vocao para o real, o relato do jornalista literriopossui pontos ficcionais.

    Gustavo de Castro (2005) afirma que a cultura a extenso adquirida por um jornalistaque necessita de conhecimento e amplo vocabulrio na hora de redigir um texto.

    Para Castro (2005), esses conhecimentos se adquirem por meio da leitura, que se torna apalavra-chave para o enriquecimento intelectual. da proximidade de cada um com aspalavras que vem a sensibilidade necessria para comunicar aos outros o que quer queseja; seja o mundo inscrito nos livros, seja o mundo no inscrito nos acontecimentos(CASTRO, 2005, p. 73)

    2.4 O Novo Jornalismo

    Para Wolfe (2005), o Novo Jornalismo veio como umasoluo para o modoamericano de redigir o texto para a produo de uma matria. Esse tipo de jornalismo,considerado de inveno, adicionou elementos de literatura e fico aos fatos.

    Mas o que significa exatamente o Novo Jornalismo e de onde ele surgiu?

    Encontramos a definio em Pena (2006). O autor afirma que o Novo Jornalismo surgiuatravs das redaes americanas que buscavam uma nova forma de escrever umareportagem. O que vai proporcionar o advento do Novo Jornalismo contemporneo [...]nos Estados Unidos a insatisfao de muitos profissionais da imprensa com as regrasde objetividade do texto jornalstico (PENA, 2006, p. 53). A figura dolead passa a servista como uma priso, devido ao fato de ser um costume padro na construonarrativa de uma notcia.

    Wolfe (2005) afirma que havia a necessidade de realizar uma produo diferenciada, eque ele e nem ningum haviam feito antes. Mesmo no fazendo parte de nenhum grupo jornalstico importante, Wolfe (2005) estava indo alm dos limites convencionais do jornalismo e tcnica.

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    No com frequencia que se encontra um estilo novo, ponto final. E se um estilonovo fosse criado no pela via do romance, nem do conto, nem da poesia, mas pelavia do jornalismo - acho que isso pareceria excepcional. Foi provavelmente essaideia mais que qualquer recurso especfico, como o uso de cenas e dilogo emestilo romanesco que comeou a me dar ideias muito grandiosas sobre um NovoJornalismo. Da maneira como eu via, se um novo estilo literrio pudesse ter origem

    no jornalismo, era razovel achar que o jornalismo podia aspirar a algo mais que asimples imitao daqueles gigantes envelhecidos, os romancistas (WOLFE, 2005,p.39).

    Muitos autores, na viso de Wolfe (2005), acreditavam que o Novo Jornalismo erapuramente ficcional. Ao falar de no-fico para estes jornalistas provocou certo pnicono cl da comunidade literria, pois os literatos estavam acostumados a uma estruturanos moldes do sculo XVIII, onde se competia com pessoas de mesma classe social.Deve-se fazer uma ressalva neste caso, pois anteriormente, os jornalistas j utilizavamdos recursos do jornalismo. A partir dessas novas alternativas que houve a incorporaodo Jornalismo Literrio.

    Wolfe (2005) afirma que os nicos escritores tidos como verdadeiros criadores nomundo da literatura eram os romancistas. Eles usavam da fico para falar de emoes,mistrios da vida, dentre outros. Quando os escritores comearam a usar a literaturapara escrever matrias no-ficcionais, os romancistas sentiram a necessidade de produzir uma literatura real. (...) pela primeira vez, na lembrana de qualquer um, omundo literrio comeava a falar de no-fico como uma forma artstica sria (WOLFE, 2005, p.45).

    Dentre vrios jornalistas que comearam a nova vertente do jornalismo, Wolfe (2005)cita Truman Capote como um fundador desta nova prtica literria, pois era umromancista de longa data.

    Wolfe (2005) ressalta que Capote escreveu uma matria, denominada A Sangue Frio(1965), que demorou cinco anos para ser apurada. Diante disso e de outras produesextensas, foi-se criando uma nova raa de jornalistas que penetra em qualquer ambiente, perfilando e buscando boas histrias para contar.

    O autor destaca que a prtica de um realismo detalhado, que o Novo Jornalismo, no

    pode ser ignorada por outros escritores e literatos. Em 1969, ningum do mundo

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    literrio podia simplesmente descartar esse Novo Jornalismo como um gnero inferior.A situao era um tanto semelhante situao do romance na Inglaterra dos anos 1850(WOLFE, 2005, p.48).

    Wolfe (2005) afirma que os melhores anos para a histria do jornalismo foram os de1960, pois os costumes, estilos de vida e moral daquela poca foram importantes para aconstruo de boas notcias dos anos 1960. E estas histrias, contadas com maestria,mudaram os Estados Unidos para o autor. Este ano foi considerado com o da geraodas drogas, conscincia negra e permissividade sexual. Wolfe (2005) afirma que estesfatores foram ignorados pelos romancistas. Deste descuido, o Novo Jornalismo surgiumais forte, retratando com rigor, atravs do texto, aquela poca.

    Todo esse lado da vida americana que aflorou com a ascenso americana do ps-guerra enfim destampou tudo os romancistas simplesmente viraram as costas paratudo isso, desistiram disso por descuido. E restou uma enorme falha nas letrasamericanas, uma falha grande o suficiente para permitir o surgimento de umdesengonado caminho-reboque Reo como o Novo Jornalismo (WOLFE, 2005,p.51).

    O autor questionava-se a respeito das revistas, se as elas conseguiram dominar astcnicas de no-fico que deram ao romance poder no realismo social.

    As tcnicas e recursos do realismo apreendidas pelos jornalistas foram cruciais, segundoWolfe (2005), para o desenvolvimento do novo jornalismo. Por meio de experincia eerro, por instinto mais que pela teoria, os jornalistas comearam a descobrir osrecursos que deram ao romance realista seu poder nico, conhecido entre outras coisascomo (...) sua qualidade absorvente ou fascinante. (WOLFE, 2005, p.53).

    Wolfe (2005) conta que as revistas, assim como os primeiros romancistas, aprenderamalgo que se v em estudos acadmicos, que o leitor como o melhor recurso decaptao informacional. O leitor estabelece e define o personagem mais depressa e commais eficincia.

    Um potencializador, de acordo com Wolfe (2005) foi o uso do registro de hbitos,gestos, maneiras, costumes estilos de vida, moblia, decorao que a fonte usava, dentreoutros detalhes simblicos. O registro desses detalhes no mero bordado em prosa.

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    Ele se coloca junto ao centro do poder do realismo assim como qualquer outro recursoda literatura(WOLFE, 2005, p. 55).

    Alm de usar tambm o dilogo com mais eficincia que os romancistas, os jornalistastambm potencializaram outro recurso,denominado ponto de vista da terceira pessoa,que definido por Wolfe (2005) como o apresentar cada cena ao leitor, construindo osespaos atravs da narrao.

    Atravs do Novo Jornalismo, Pena (2006) destaca a criao de outra forma literria: oJornalismo Gonzo. O autor afirma que este tipo de jornalismo pertence a uma versomais radical do modo de produo de uma reportagem. Este tipo de produo literriacaracteriza-se por um envolvimento pessoal do jornalista com a fonte e a matria, semmedir consequncias, mesmo que elas sejam perigosas. o vivenciar da matria. Ocriador do Jornalismo Gonzo foi Hunter Thompson.

    Segundo Pena (2006), Hunter Thompson defendia a ideia de que era necessrioprovocar o entrevistado e visualizar sua reao para que a notcia rendesse e desse o tomdesejado para a matria.

    De acordo com Pena (2006), depois do Jornalismo Gonzo, outra tendncia literria sefaz presente. o chamado Novo Jornalismo Novo.

    O Novo Jornalismo Novo explora situaes do cotidiano, o mundo ordinrio, assubculturas. Mas no envereda pela abordagem do exotismo ou do extraordinrio,encarando os problemas como sintomas da vida americana. O objetivo assumir umperfil ativista, questionar valores, propor solues. O novo jornalista novo seenvolve at o talo com sua matria e seus entrevistados. [...] preciso sentir os

    poros abertos, a trilha epidermica, o cheiro de suor (PENA, 2006, p. 60).

    Alm desses estilos de jornalismo literrio, o Gonzo e o Novo Jornalismo Novo,existem mais outros dois: o romance-reportagem e a fico jornalstica. De acordo comPena (2006), estes dois estilos devem estar bem diferenciados, pois costuma-seconfundi-los. O romance-reportagem um gnero que se situa entre o discurso literrioe o jornalstico. Neste tipo de narrativa, o autor no inventa nada. Trata-se docruzamento da narrativa romanesca com a narrativa jornalstica. O que significa mantero foco na realidade factual apesar das estratgias ficcionais (PENA, 2006, p. 103).

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    J a fico jornalstica, aponta Pena (2006), constitui-se por narrativas inventadas peloescritor. No tem compromisso com a realidade. O autor da fico-jornalstica inventadeliberadamente, enquanto o escritor de romances-reportagens est impregnado pelapromessa solene do Jornalismo de relatar somente a verdade factual, ainda que isso noseja ontologicamente possvel. (PENA, 2006, p. 114). Na fico a construo fiel dosacontecimentos fica a desejar, pois o escritor apenas tem um fato e o transforma emfico com caractersticas inventivas.

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    3 DIFERENAS E SEMELHANAS ENTRE PERFIL E BIOGRAFIA E OSIGNIFICADO DE FAIT DIVERS

    3.1 Definies de perfil e biografia

    3.1.1 Perfil

    Para o incio da discusso sobre as diferenas entre perfil e biografia precisa-se saberprimeiro o que significam ambos os quesitos para o Jornalismo Literrio. Nestecontexto abordaremos os conceitos de Srgio Vilas Boas, um pesquisador que analisa osdois mdulos, perfil e biografia.

    Perfil, de acordo com Vilas Boas (2008), um tipo de texto biogrfico que fala sobreum aspecto de uma pessoa, famosa ou no, e que esteja viva, preferencialmente.

    Para o autor, o perfil tem muita importncia enquanto produo jornalstica, mesmo quedepois a pessoa perfilada mude suas opinies e questionamentos a respeito de algumaideia descrita no perfil. Ele se atm individualidade, mas no ao individualismo. Operfil possui uma durabilidade menor, mas tem grande relevncia como gnero jornalstico.

    Vilas Boas (2008) afirma que uma misso importante do perfil gera a empatia dequem l o texto. E que esta empatia leva o autoconhecimento tanto do autor queescreveu o perfil quanto do leitor.

    O perfil no tem preocupao com a estrutura da pirmide inversa, composta dolead esublead. O perfil uma combinao de elementos como memria, conhecimento,imaginao, sntese e sentimentos. A frieza e o distanciamento so altamente nocivosaos perfis. Portanto, objetividade no necessria neste tipo de gnero.

    Vilas Boas (2003) ressalta que existe uma srie de caractersticas que o perfil precisater, pois alguns fatores podem atrapalhar o processo de pesquisa e redao sobre operfilado.

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    Algumas caractersticas: o momento entre o autor e o perfilado tem que ser empolgantenos dilogos para que o texto tome corpo e desenvoltura; como o perfil geralmentemenor que uma biografia, no necessria que se tome uma noite inteira relendo osdilogos obtidos do personagem, pois para quem escreve um livro, o tempo para redigiruma matria pode ser maior.

    No caso do perfil, isso no se permite; o espao no pode passar de poucas pginas, poish sempre um limite nas publicaes em revista e jornal; Por mais que o dialogo sejagrande com o entrevistado, aproveita-se apenas uma pequena parte; Devem-se tirar ospreconceitos ou ignorncia a respeito dos personagens. Procure conhecer primeiro apessoa; Pode se criticar em um perfil, mas no praticar a ofensa.

    Vilas Boas (2003) mostra que por mais que se interaja com o perfilado, as vezes, estepersonagem no haja de forma espontnea, representa um papel simplesmente.

    Mais, o perfilado no exatamente um modelo em pose. Sua imagem no pode ser pretendida, portanto, e talvez nem se considere que ela seja plenamente natural ouespontnea (VILAS BOAS, 2003, p.19).

    Vilas Boas (2003) explica que o retrato da pessoa perfilada precisa ser construda demodo que as questes interessem tanto ao leitor quanto ao prprio personagem em foco.Devem ser atraentes e que provoquem reflexes sobre aspectos objetivos e subjetivosque aticem a curiosidade. Alm disso, o autor precisa saber escrever bem e lidar com anarrativa com bastante competncia.

    Segundo Vilas Boas (2008), o perfil tomou fora no Brasil a partir de 1930.

    No incio, os personagens mais retratados eram os olimpianos do mundo das artes,da poltica, dos esportes e dos negcios. Esperava-se que as matrias lanasse luzessobre a fase atual, o comportamento, os valores, a viso de mundo e algunsepisdios da vida da pessoa para que sua personalidade e atitudes pudessem sercompreendidas num contexto maior. Com esse esprito, os perfis se tornaram marcaregistrada de revistas norte-americanas como The New Yorker, Esquire, Vanity Fair,Harpers e Atlantic, entre outras. No Brasil, O Cruzeiro e Realidade tambm ovalorizaram em suas pocas ureas (VILAS BOAS, 2008, p. 1).

    Vilas Boas(2008) afirma que a revista Realidade chamou muita ateno em seumodode perfilar. Algumas caractersticas: imerso total do reprter no processo de captao;

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    jornalistas eram autores e personagens da matria; nfase em detalhes reveladores;frases sensitivas; valorizao dos detalhes fsicos e das atitudes das pessoas e estimuloao debates.

    Vilas Boas (2008) chama ateno para a atualidade. Nos jornais de hoje, o espao etempo para destinar-se a um perfil raro. Existe um custo por trs de toda a produo, etambm demanda tempo. Os jornais e revistas vivem de imediatismo.

    Mesmo assim, Vilas Boas destaca que o perfil o resultado de todas as artimanhas deum bom jornalista.

    Para fazer um bom perfil (aprendi isso com meus prprios erros) preciso pesquisar,conversar, movimentar, observar e refletir. Voc tem de pesquisar os contextossocioculturais da pessoa; conversar com ela e com os convivas dela; movimentar-secom ela por diversos locais, evitando o simples de frente (pingue-pongue trivialtransformado depois em texto corrido); tem de observar as linguagens verbais e no-verbais da pessoa; e examinar com carinho as reflexes que ela lhe oferece sobre opassado, mas tambm, e principalmente, sobre a fase atual (VILAS BOAS, 2008,p.2).

    3.1.2 Biografia

    A biografia, para Vilas Boas (2003), uma das maiores sofisticaes do JornalismoLiterrio, pois promove um namoro entre histria, literatura, antropologia, psicologia e jornalismo.

    As biografias so extensas e trazem, de maneira concreta, a vida do personagem comtodas as histrias e captulos de sua vida. Vilas Boas (2003) considera que o papel do

    bigrafo pode ser comparado de uma obra de arte, pois demanda tempo, e a pea (nocaso o personagem) lapidada aos poucos at a produo final. Em certo sentido, opapel do bigrafo idntico ao do espectador de uma obra de arte. Ambos desejamalgo. Procuram e so procurados pela obra e pelo humano ser que est por trs dela(VILAS BOAS, 2003, p.2).

    A biografia apresenta a trajetria humana do personagem. Busca desvendar o vital, ohumano e o psquico em sua obra sobre a pessoa do qual se escreve. Vilas Boas (2003)

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    diz que a biografia tem o papel de reviver o passado atravs do entrevistado. Porm, opersonagem tambm evoca a memria do biografo frente contemporaneidade da obra.O que os jornalistas-bigrafos podem oferecer ao leitor? Essa resposta, Vilas Boas(2003) responde:

    Oferecem as qualificaes tpicas do bom reprter de grandes reportagens: flegoinvestigativo; habilidade (natural ou adquirida) para pesquisar; agilidade naseleo/interpretao de informaes difusas; compromisso com os fatos; ecapacidade de expressar clara, precisa e refinadamente para pblicos heterogneos(VILAS BOAS, 2003, p.3).

    As tcnicas utilizadas por Vilas Boas (2003) aproximam o jornalismo da literatura e onarrador torna-se onisciente, pois sabe tudo e v tudo de sua obra. No de carter

    ficcional, pois no se pode criar personagens ou manipular situaes. O romance sim considerado ficco. Com recursos de caracterizao, o r omancista transmite aimpresso de um personagem ilimitado, contraditrio, infinito em sua riqueza. Acompreenso do personagem de um romance muito mais precisa do que a de umpersonagem existente, real (VILAS BOAS, 2003, p.3).

    A biografia, de acordo com Vilas Boas (2003), pode ser comparada a uma cebola. A

    primeira camada concentra a histria de vida do indivduo, sua trajetria de vida e odestino. Na segunda camada, o modo como a histria retratada pelo autor retratada.J a terceira camada envolve o perodo histrico em que o personagem viveu. A ltimacamada, a quarta, o leitor consegue perceber se as facetas da personagem foram bem oumal definidas pelo bigrafo.

    Vilas Boas (2003) acredita que o encontro do espectador com a obra de arte idntico

    ao do bigrafo com o personagem retratado. Por isso, ele afirma que a biografia umaarte. Ela lembra e vive o passado atravs da escrita. o nico legado intransfervel eperene.

    A biografia, na viso de Vilas Boas (2003), pode ser dividida em metabiografia que uma espcie demaking off da obra sobre a vida que o autor tambm considera comoarte.

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    Conceitualmente, o que proponho o seguinte: metabiografia a histria de vidaescrita na qual o autor (bigrafo) se posiciona diante das solues e impassesinerentes ao seu trabalho; e explicita esses impasses e solues, expe suas dvidas,opes e conflitos pessoais decorrentes de sua relao bigrafo-biografado; expetambm os impasses do personagem consigo mesmo, baseado no que ouvir. Emoutras palavras, a metabiografia uma histria de vida em que as relaes

    motivacionais entre a vida do biografado e as obras (as realizaes inevitveis dequalquer vida) compem uma nica aventura (VILAS BOAS, 2003, p.1).

    Vilas Boas (2008) faz apenas uma ressalva: nem sempre biografia pode ser chamada deJornalismo Literrio. Ele afirma que h biografias terrivelmente relatoriais, frias eoutras muito preocupadas em analisar a obra em si, em vez de nos mostrar os dramasdos indivduos.

    3.2 As diferenas entre perfil e biografia

    Existe certa confuso em definir e separar claramente perfil de biografia. Pelasdefinies dadas acima, tem-se uma ideia concreta das classificaes isoladas de cadagnero. Portanto, para que fique mais claro, mostraremos algumas diferenas marcantesentre os dois.

    Vilas Boas (2008) afirma que o perfil concentra-se em aspectos do personagem central.J a biografia retrata o personagem como um todo, de forma bem consistente e intensa.

    Diferentemente das biografias em livro, em que os autores tm de enfrentar ospormenores da histria do biografado, os perfis podem focalizar apenas algunsmomentos da vida da pessoa. uma narrativa curta tanto na extenso (tamanho dotexto) quanto no tempo de validade de algumas informaes e interpretaes doreprter (VILAS BOAS, 2003, p.13).

    A biografia retrata a histria de vida dos personagens, enquanto o perfil limita-se aopersonagem em si, a um fato e caracterstica marcante.

    Segundo Vilas Boas (2003), a biografia costuma ser mais densa em nmeros de pginasdo que o perfil. Isto se deve, tambm, ao tempo para a redao da matria, que relativamente maior. Alm disso, o tempo de apurao grande.

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    O perfil se preocupa em tratar certos aspectos da vida da pessoa, no a vida toda dopersonagem como a biografia.

    3.3 O Fait Divers

    Notcias inusitadas, aspectos da vida humana diferenciada, coisas que chamem aateno. assim, de imediato, que chamamos estas notcias de fait divers . Na Amricado Norte, ofait divers , termo em francs, conhecido comofeature.

    Sodr (2010) afirma que a palavra feature possui diversas significaes como arepresentao de algum ou alguma coisa com traos caractersticos:

    No jornalismo norte-americano, essa palavra tem largo espectro de designaes,dentre as quais matria de interesse humano, aquela em que um acontecimento,ainda que de pequenas propores, adquire valor de notcia por sua intensidadeemotiva, dando margem elaborao de narrativas, que nem sempre obedecem aoscnones tcnicos da redao jornalstica(SODR, 2010, p.223).

    Os features tambm podem ser definidos como notcias. Porm cobrem reas comocoisas bizzaras, esquisitice, anomalias, pessoas, coisas, lugares que se conhecem e nose sabem muito; informaes sobre diversas editorias; situaes dramticas e quemexem com as emoes. Ou seja, um conto, um romance, um roteiro cinematogrfico,so gneros que se apresentam na forma de feature.

    Sodr afirma que os features se desenvolvem tambm a partir de termos que sopeculiaresdaquela localidade. O feature depende inteiramente da capacidade doredator de obter algum impacto emocional fazer rir, comover, etc. sem incorrer no

    exagero da pieguice.

    Os franceses definem o feature como fait divers , expresso que usada para minimizara importncia de um acontecimento. O sentido do fait divers extrado de um mundo designificaes que ocorre internamente datada e situada. Possui um fundo permanente designificaes como um romance que, de acordo com Sodr,infinitas possibilidades derealizao giram sempre ao redor de um conjunto de significaes (amor, dio, morte,

    ambio, etc.) (SODR,2010, p. 228).Existem alguns traos tpicos do fait divers :

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    (1)Uma situao desproporcional entre dois personagens; (2) uma relao deincompatibilidade entre as aes. O primeiro caso se refere a ocorrncia que violamuma certa expectativa da normalidade, por parte do senso comum, tais comosuicidou-se por um sapato, saltou no abismo com medo de um rato, etc. Embora j se possa falar a de uma situao paradoxal, o segundo caso mais definido aeste respeito, j que registra uma perturbao lgica na relao de causalidade: umhomem morde o urso(SODR, 2010, p.229).

    Sodr (2010) ressalta que no se trata tambm de apenas expor caractersticas tcnicasde uma categoria, pois o interesse maior nesse estilo poder fazer analogias entre o fait divers e o jornalismo na produo textual.

    Segundo Sodr (2010), o fait divers se situa na temporalidade das grandes narrativas.No possui muita mobilidade e se dispe com uma pea de fundo para um romance. Apartir da, pode-se fazer uma profunda analogia entre jornalismo e literatura (a partir doromance). Portanto, cabe muito bem dentro do Jornalismo Literrio.Por outro lado, o

    fait divers , entendido com uma aberrao normativa das relaes entre o homem enatureza, contribui para a explicao da ideologia da pratica jornalstica que faz doenunciado anmalo homem mordeu o animal o paradigma do valor -notcia (SODR,2010, p.230).

    Sodr ressalta que no fait divers , por mais que o jornalista busque a realidade e tentereproduzi-la fielmente, o seu funcionamento discursivo permanece sempre comnarrativas fortes e fascinantes do que presses realistas narrativas de uma histria.

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    4. ANLISE DE PERFIL, FAIT DIVERS E CARACTARSTICAS DOJORNALISMO LITERRIO NA SEO ESQUINA

    4.1 Metodologia

    O objetivo desta monografia analisar a seo da piau denominada esquina,disponvel tanto na revista quanto em seu site oficial, no perodo de setembro adezembro de 2009. Esse perodo foi escolhido por amostragem, j que, de certo modo, omodelo da seo se reproduz em todas as edies da revista, desde seu incio.

    O critrio de anlise dos textos selecionados compreende a caracterizao dos perfis edos fait divers quanto s figuras de linguagem; subjetividades versus objetividade; oscritrios de noticiabilidade e a criatividade das matrias quanto ao uso de recursosliterrios e angulao das pautas. A anlise pretende, tambm, entender os textos deesquina a partir de teorias relativas ao jornalismo literrio e da histria do novo jornalismo (new journalism). Nesse caso, a teoria que servir de base o conceito dassete pontas, conforme Pena (2006).

    O artigo de Marques (2009), que retrata as figuras de linguagem baseadas emJackobson, apresenta de maneira clara, os conceitos abordados e analisados nestecaptulo.

    Vamos mostrar tambm, nos exemplos recolhidos, como o texto foi construdo de formaque o lead tradicional no se mostre to presente. E onde a pirmide invertida seencaixa nestas amostragens, ou no. Vrios autores, como Pena (2006), Amaral (2005),

    Casatti (2005), Lima (1995) abordaram este assunto.

    Nos textos destrinchados, procuraremos mostrar as caractersticas do novo jornalismoenumeradas por Wolfe (2005).

    A questo do contraponto entre objetividade e subjetividade baseia-se em Amaral(1996). Com os textos selecionados da piau , foram feitas as exemplificaes desses

    itens, mostrando os contrapontos.

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    Mostraremos, atravs dos textos selecionados, exemplos que identifiquem o perfil e o fait divers , as caractersticas marcantes e peculiaridades, do ponto de vista de Sodr(2010).

    4.2 A revista piau

    A revista piau nasceu em agosto de 2006 e seu lanamento foi feito durante a FLIP Feira Literria Internacional de Parati pelo documentarista e cineasta Joo MoreiraSalles e pelo editor Luiz Schwarcz.

    Ao folhear a revista, j se percebe que no h editorial, editorias, e colunistas fixos. Asexcees so para assees esquina, charges e anais. A ausncia do editorial parte da concepo da equipe da piau , que busca no se posicionar politicamente. Arevista deixa merc do leitor tirar as prprias concluses.

    De acordo com Biagiotti (2007), no h reunies de pauta na revista piau. Cadareprter tem livre-arbtrio para redigir o que pensa e no tempo que quiser, noimportando o tamanho da matria. Importa que ela tenha contedo narrativo e cunho

    literrio.

    O site da revista Abril, editora que distribui a revista, informa que a piau uma revistaque apresenta grandes reportagens e pequenos artigos, alm de perfis, humor,informaes relevantes que no esto na imprensa que trata de factualidade.

    A revista piau procura notcias que no esto nas capas de grandes jornais. Prefere-se o

    relato opinio, a leitura por prazer e a leitura utilitria.

    A revista tem periodicidade mensal, est afiliada ao Instituto Verificador de Circulao(IVC) e ANER, sendo editada pela Editora Alvinegra, impressa pela Editora Abril edistribuda pela Dinap, do Grupo Abril.

    Todas as matrias que a piau produz podem ser conferidas no site. A edio mais atual

    vai sendo desbloqueada aos poucos, at que todo o contedo possa ser visualizado.Alm disso possvel ler algumas reportagens de edies antigas.

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    Seu formato de 26,5 cm x 34,8 cm. A piau impressa em papel especial de altaqualidade da Companhia Suzano de Papel e Celulose, o mesmo utilizado em impressode livros, produzido exclusivamente em bobinas para sua impresso.

    As assinaturas no Brasil e no exterior so feitas pela Abril Assinaturas. At novembro ,a carteira de 18.064 assinantes, A revista est em 4 lugar na converso com uma taxade 55,7%. A mdia da Abril de 50%.

    De acordo com Maia (2009), arevista piau reconhecida e apreciada por uma misturaconsistente de inteligncia e bom humor. Com um design de vanguarda e amplavariedade temtica, tenta captar e registrar a realidade nacional segundo uma abordagemque envolve graa e criatividade (MAIA, 2009, p.3).

    Maia (2009) afirma tambm que, apesar de a revista ter poucos anos de existncia, elatem sido muito bem premiada, principalmente pela qualidade de seus textos.

    O pblico-alvo, leitor de tais textos de qualidade, est marcado em seu prprio slogan:revista piau, pra quem tem um parafuso a mais .

    Maia (2009) argumenta que, para a revista, as pessoas (que possuem um parafuso amais) so divididas em duas categorias:

    Os formadores de opinio, categoria que envolve executivos, artistas, intelectuais,empresrios, jornalistas e publicitrios, atrados pela abordagem serena que piau faz defiguras e perfis interessantes da sociedade; e os estudantes e professores universitrios,curiosamente excludos da categoria dos formadores de opinio, mas entusiasmadoscom o contedo e com a diversidade temtica da revista (MAIA, 2009, p.5).

    No site da piau dados importantes chamam a ateno. Em pesquisa realizada pelaprpria revista sobre nmeros importantes conseguidos pela empresa, h ndices derelevncia, pois traado o nmero de pessoas que lem a revista, qual o sexopredominante dos leitores, a escolaridade e idade, a classe social e a circulao doperidico em relao outras revistas do segmento. Abaixo alguns nmeros importantes.

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    Circulao total segmentos cultura, jovem e msica

    Ttulo CirculaoRollingStone 49.522piau 30.839Bravo! 26.900SET 16.800Trip 11.972

    Perfil do assinante Sexo

    SEXO %Masculino 47%Feminino 44%Jurdico 9%TOTAL 100%

    Perfil do assinante Idade

    Idade %11 a 12 0%13 a 14 0%15 a 17 0%18 a 19 2%20 a 24 13%25 a 29 15%30 a 34 12%35 a 39 10%40 a 44 8%45 a 49 9%50 a 54 8%55 a 59 7%60 a 69 8%

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    70 a 79 3%Acima de 80 6%TOTAL 100%

    Perfil do assinante Classe social

    Classe Social %A1 5%A2 20%B1 25%B2 23%C 22%D/E 5%TOTAL 100%

    Perfil do assinante Escolaridade

    Escolaridade %Primrio 1%Ginsio 1%Colegial 33%Superior 40%Ps-graduado 17%Mestrado / Doutorado 8%TOTAL 100%

    A piau , portanto, mesmo com poucos anos de existncia, pode ser considerada umarevista que j registrou seu nome na histria da imprensa escrita brasileira.

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    4.3 Seo esquina

    A seo esquina uma parte fixa da revistapiau. composta de mais ou menos seisnarrativas, com textos menores se comparados ao restante da revista, que sempre trazcontedos extensos e quantitativamente maiores que os da esquina. Tambm possuidesenhos representativos do tema exposto e que geralmente ocupam de seis a setepginas.

    Os temas no costumam ser delimitados. Tratam de vrios assuntos e curiosidades emgeral. O responsvel por esta seo Joo Moreira Salles. So histrias de todos osgneros. Apresenta perfis de pessoas que mexem com o imaginrio do leitor, devidoaos textos descritivos. Os textos no so assinados na revista; contudo, no site recebemassinatura do autor.

    Muitas das notcias selecionadas por Joo Moreira Salles na seo trazem diferentespautas em sua estrutura. H, como exemplo, uma notcia retirada da edio de agosto de2009: Sorria! O inferno no existe. Um menino, estudante de escola pblica, que declarou-se ateu e no queria realizar as oraes que a escola fazia.

    Toda a produo da notcia, feita de forma descritiva e rica em detalhes, conta umahistria antes para introduzir o assunto principal. Falar de um menino e a confuso naescola, do atesmo de um garoto, serviu de introduo para abordar a existncia de umaAssociao Brasileira de Ateus e Agnsticos, denominada Atea .

    So histrias que fogem do cotidiano e costumam se entrelaar, mostrando nas

    entrelinhas o que h por trs da notcia julgada como a principal, assim como noexemplo acima.

    Outro exemplo, retirado da edio de fevereiro de 2009; Kelvin, esse desconhecido,retrata a vida de prostitutas do Rio de Janeiro, que fazem programa em Copacabana. Aofazer anncios nos jornais, as prostitutas referem-se a uma prtica sexual denominadaKelvin Total. Comeam as investigaes sobre esta prtica, mas sem sucesso.

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    4.4 Perfil / Fait Divers

    Nos exemplos selecionados na seo esquina da revista piau , encontramos algunsque mostram claramente as diferenas entre perfil e fait divers .

    Para relembrar, perfil, de acordo com Vilas Boas (2003), um tipo de texto biogrficoque fala sobre um aspecto de uma pessoa, famosa ou no, e que esta esteja viva,preferencialmente. O que difere da biografia, que conta a histria toda de umadeterminada pessoa. Seja desde o seu nascimento, crescimento e at algumas vezes,como foi sua morte. Na esquina, percebe-se claramente que todas as edies lidas eestudadas da revista trouxeram especificadamente perfis.

    Alguns exemplos que podemos encontrar na seo esquina so: Chato no, Dessaunes que ser bem atendido (edio de setembro de2010). Esta histria traa o perfil dopersonagem Marcos Dessaune, que estudou piano, acabou vendendo e alugandoinstrumentos musicais, mas, por fim, resolveu tornar-se advogado a partir de umconstrangimento que passou ao tentar entrar em um concerto musical com sua filhamenor de idade.

    Outro exemplo, retirado de outubro de 2009, O Armani dos botes Tem Flamengoamarelo, rosa, da poca do Zico. Neste perfil, a histria contada de JefersonAparecido de Carvalho, um artista da criao de jogos de boto. Portanto, em todosesses exemplos, evidencia-se um personagem colocado em primeiro plano,caracterizando, assim, um perfil.

    J o fait divers, para Sodr (2010), so notcias inusitadas, aspectos da vida humanadiferenciada, coisas que chamem a ateno no cotidiano. O fait divers percebido naseo esquina atravs de notcias que no estamos acostumados a observar no dia-a-dia. Os exemplares recolhidos dizem respeito, por exemplo, a um batizado de animaisna igreja pelo frei Carlos Quinelato por ser o dia de So Francisco de Assis, o padroeirodos animais. Esta matria, da edio de novembro de 2009, representa bem o fait divers .Outro exemplo retirado da edio de setembro de 2009 de uma matria que fala sobre

    a colocao de chips em cachorro para, assim, conseguir a exata localizao do bichanoem caso de fuga.

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    A identificao na seo esquinadesses dois gneros (perfil e fait divers ) s vezespode se tornar confusa, assumindo um carter hbrido, ou seja, com caractersticas tantode perfil quanto de fait divers . Um exemplo foi retirado da edio de outubro de 2010,Seu futuro cabe em uma xcara Na Turquia, tomar caf pode ser perigoso, que contaa histria de duas pessoas que viajaram para a Turquia a fim de conhecer a leitura daborra de caf. O que pode ser confuso nesta histria se a notcia da borra de cafchama mais a ateno do que os prprios personagens.

    Ao longo do texto, h de se reparar que a matria conta somente a viagem dessespersonagens. No conta nada mais do aspecto de vida dessas pessoas viajantes.Portanto, essas pessoas so pano de fundo, pois a notcia principal a leitura da borrado caf, logo, um fait divers.

    O que chama ateno de imediato na seo esquina a mesclagem entre perfil e fait divers. Pois, por mais que se trate de um aspecto da vida pessoal destes personagens, arevista busca um qu de diferente, inusitado e fora do comum nestes perfis. No simplesmente qualquer perfil que a revista espera buscar. um perfil que possui

    caractersticas de fait divers . E que, alm disso, tenha um vnculo com o humor ou aironia. Falando de outro modo, como se, em qualquer fato, fosse buscado sempre umcarter de algo extico, e esse exotismo viesse ou da ironia ou do humor. Tambmprecisa ser ressaltado que quase sempre so pessoas pouco conhecidas, tanto as queaparecem no perfil quanto no fait divers .

    Um exemplo de perfil inusitado, retirado da edio de novembro de 2009,

    Voyerismo ortogrfico Sou besta, egosta, classista, perfeccionista, mimada,invejosa. Esta matria traa o perfil de Sergio da Silva Barcelos, uma pessoa queinvestiga dirios. Ele afirma que dirios no foram feitos para no serem lidos.

    O que se percebe, portanto, que o perfil e o fait divers na seo esquina podemencontrar-se juntos, uma vez que um trata de um recorte da vida pessoal do personagem,mostrando ao mesmo tempo uma notcia inusitada, fora dos padres comuns.

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    4.5 A Teoria da Sete Pontas do Jornalismo Literrio

    Quando foi tratado anteriormente da teoria que envolve jornalismo e literatura, foramcitados vrios autores, dentre eles, Pena (2006), que prope a Teoria das Setes Pontas,que definiria a estrutura do Jornalismo Literrio.

    Pena (2006) afirma que o Jornalismo Literrio uma estrela de sete pontas. Em cadaponta, encontra-se um conjunto de temas harmnicos ligados ao contexto literrio. Aprimeira ponta o desenvolvimento das tcnicas narrativas de um texto. Sair dodeadline romper com a periodicidade o que caracteriza a segunda ponta. J a terceiraobserva que se deve relacionar os fatos e apurar bem as informaes. A quarta propeum compromisso com a sociedade, o exercer da cidadania. A necessidade do no-uso dolead a fim de sair da objetividade a quinta ponta. Pena (2006) defende que a sextaponta deve ser a busca por fontes comuns com vidas comuns, pois a matria se tornamais rica e cheia de detalhes. A ltima ponta apregoa que se deve deixar que a obra setorne eterna, no ficando ultrapassada com o passar dos tempos.

    Na primeira ponta, podem-se evidenciar as tcnicas narrativas de um texto. Mas nem

    sempre, no Jornalismo Literrio, encontramos todas as tcnicas de narrao. Nos perfisda esquina, por exemplo,observa-se que os mtodos de narrao foram aplicados namaioria dos textos, mas existem aspectos prprios de jornalismo, ou seja, tcnicas dereportagem que tambm encontramos no texto. Em um exemplo retirado da edio deoutubro de 2009, o perfil O Armani dos botes Tem flamengo amarelo, rosa, dapoca do Zico...,apresenta um exemplo claro das duas tcnicas, a narrao e a tcnicade reportagem:

    A parede estava apinhada de medalhas ganhas em competies de futebol demesa. O armrio guardava o trofu de terceiro lugar no Campeonato ParanaenseInterclubes (de mesa). E recostada parede, repousava metade de uma mesa defutebol. nela que Carvalho testa sua criao. Aos 33 anos, Jeferson Carvalhose especializou em desenhar uniformes para equipes de futebol de boto (ou demesa, como chamado por uma dissidncia mais ortodoxa). Recebe em mdia25 encomendas por ms, que entrega mediante pagamento de 35 reais por time.No fao as peas. S crio o estilo, conta.

    Nesse exemplo, aparecem caractersticas narrativas e literrias, como as palavrasapinhada e repousava, quando sabemos que em textos jornalsticos no se habitual

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    fazer o uso dessas palavras em matrias do cotidiano. Porm, em textos literrios, essestipos de palavras enriquecem o texto e o tornam mais potico, dependendo do contexto.Mas a palavra conta,utilizada no final desse trecho, denuncia um mtodo tpico de jornalismo: o das entrevistas de maneira em geral.

    Outro exemplo, retirado de novembro de 2009 Byte vista Os piratas francesesquerem conquistar o Parlamento:

    Maxime Rouquet no usatapa-olho, no tem perna de pau nem gancho nolugar da mo, no anda com um papagaio no ombro e nem sai por a com uma bandeira negra com caveira. Esta frase toda usa de palavras de caractersticasliterrias. J neste mesmo trecho do perfil (...) Estreante na poltica, com uma

    campanha promovida via internet, sem recursos ou comcios (apenas duasreunies pblicas com a presena de uma quinzena de militantes), conquistou asimpatia de 472 eleitores locais, o equivalente a 2,08% dos votos de seu distrito."No ganhei, mas tampouco foi um resultado ridculo", esclarece.

    Aqui, percebe-se a palavra esclarece, que aparece mais em reportagens e textos jornalsticos.

    Na segunda ponta, Pena (2006) fala que se deve sair da periodicidade de um texto eromper com odeadline para que o Jornalismo Literrio, no trabalho de elaborao,tenha valor enquanto obra. O que pode ser um erro. Um texto no precisanecessariamente sair dodeadline para se mostrar literrio. Muitos jornais e revistas queutilizam textos narrativos tm um perodo de entrega, mesmo que este seja mnimo.Imagine-se ento se todos os jornalistas no precisassem ter periodicidade para entregaros textos. Hoje em dia, os jornalistas, infelizmente, devem-se adequar falta de tempodas redaes. Por isso, precisa-se ser perspicaz e realizar o trabalho de maneira correta e

    entreg-lo na hora certa. A piau no exige que os textos tenham umdeadline perfeito.Mas se no tiverem nada a ser publicado, pode ser um problema para a empresa.Portanto, odeadline necessrio, dependendo das circunstncias.

    J a terceira ponta aquela em que as informaes para a produo textual devem serbem apuradas. Realmente, nesse ponto, Pena (2006) est correto, pois uma notciainverdica faz com que a revista ou o jornal perca credibilidade. Por mais que as notcias

    de piau fujam do cotidiano normal de cada cidado, por mais que os perfis sejaminusitados e os fait divers da esquina sejam bizarros, as notcias devem ser apuradas

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    para garantir a verdade. Joo Moreira Salles afirmou em palestra ministrada no CentroUniversitrio de Belo Horizonte (Uni-Bh) em 2009, que todas as histrias da piau primam pela verdade. E que ele mesmo procurava investigar cada histria antes depublic-las.

    A quarta ponta mostra que necessrio um compromisso com a sociedade. As matrias,ao serem bem apuradas e serem de fato verdadeiras, cumprem com este compromisso.A sociedade busca por informaes verdicas e que estas informaes exeram o papelfundamental de garantir o conhecimento sobre determinado assunto. Mesmo que arevista piau trate de contedos que no observamos no dia-a-dia de outros jornais eoutras revistas, as matrias possuem um compromisso com a informao, mesmo queessa informao seja um fait divers . Se existe esse compromisso, logo ela estaria aliadacom a sociedade.

    Na quinta, ponta a sada dolead tradicional garante matria qualidades inerentes literatura. Alguns exemplos na esquina da piau mostram, que, antes de introduzir oassunto principal, olead , contada uma histria sobre ospersonagens em questo.Um exemplo est na edio de setembro de 2009, Chato, no Dessaune s quer ser

    bem atendido:

    Marcos Dessaune tinha 8 anos quando comeou a estudar piano. No decnioque se seguiria, sua vida parecia harmonicamente planejada para que se tornasseconcertista. Aos 18 anos, as seis horas dirias de estudo o levaram de Vitria,sua cidade natal, para o curso de msica na Universidade Federal do Estado doRio de Janeiro. Subitamente, percebeu: Seguia apenas um sonho de famlia. No quarto semestre de curso, cansado de repetir os preldios de Bach e Chopin,largou o estudo.

    Neste trecho percebe-se que a matria comea contando a histria do personagemMarcos Dessaune, mas no evidenciado logo no primeiro pargrafo o ponto principal,que :

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    (...) O motivo estava pregado em uma plaquinha na parede: menores de 5 anoseram proibidos no recinto. Dessaune lembrou-se de que o pediatra, semanasantes, havia liberado a menina para frequentar locais pblicos. Protestou:Baseado em qual lei o senhor impede minha filha de entrar? Uma placadefinitivamente no tem valor jurdico!(...) Para Dessaune, o episdio foimarcante. Percebeu que poderia fazer mais do que alugar pianos Bsendorfer.Antes de amante de msica, sou um cidado, esbraveja hoje com a fleumatpica de quem descobriu sua verdadeira vocao. Naquele mesmo ano,despediu-se do Rio, regressando a Vitria. Seguindo os passos do av JairDessaune, respeitvel advogado da cidade, resolveu cursar direito.

    Aqui se percebe o ponto principal do texto, ou seja, depois de um constrangimento coma filha na porta de um teatro, Marcos Dessaune comea a estudar direito.

    J a sexta ponta indica, que no Jornalismo Literrio, deve-se pautar por fontes comunscom vidas comuns, pois a matria torna-se mais rica e cheia de detalhes. Fazer umapesquisa de pessoas comuns muito importante.

    Mesmo apiau apresentando em seus perfis da esquina histrias de pessoas que amaioria dos cidados no conhece, essa afirmao de Pena (2006) pode serquestionvel. A fonte no precisa necessariamente ser annima entre outras pessoaspara ter algo de sua vida que possa ser realmente interessante. E talvez o episdio dessavida no-annima que ningum conhea o que pode enriquecer uma matria.

    Voltando piau, todos os exemplos encontrados e verificados na esquina so depessoas que no so conhecidas do meio artstico ou poltico. So pessoas comuns, comhbitos comuns. No exemplo de novembro de 2009 Byte vista Os piratasfranceses querem conquistar o Parlamento, h a histria de Maxime Rouquet, quedeseja entrar para a poltica do Partido Pirata Francs.

    A ltima ponta apregoa que se deve deixar que a obra se torne eterna, no ficandoultrapassada com o passar dos tempos. Toda a produo, se publicada em livros oumesmo na internet, fica para a posteridade. Mas acredita-se que nem sempre umaproduo pode ser eterna. Depende do contexto e da forma como foi abordada asituao.

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    4.6 Funes de linguagem aplicadas aos perfis e fait divers

    Existem, de acordo com Jakobson (apud Marques, (2009), seis fatores construtivos dalinguagem. O autor tambm afirma que, para Jakobson, cada um dos fatores determinauma diferente funo. Afinal, o que so esses fatores? o remetente, o destinatrio, ocontexto, a mensagem, o cdigo, o canal. A partir desses fatores que conseguimosconstruir uma linguagem adequada e que auxilia na elaborao textual. Enfim, hcomunicao. Marques (2009) explica que Jakobson parte do princpio de que acomunicao se impe quando o remetente, ou o emissor, diz alguma coisa aodestinatrio, ou ao receptor.

    A mensagem requer um contexto a que se refere um cdigo total ou parcialmentecomum (ao remetente e ao destinatrio por exemplo, a lngua portuguesa) e umcontato, atravs de um canal (um meio de propagao, como o rdio, a TV, ou o jornalimpresso), capacitando a ambos no ato de comunicao (MARQUES, 2009, p. 11).

    A partir desta situao, Marques (2009) explica que Jakobson fez a definio de seisfunes da linguagem: emotiva, conotativa, referencial, ftica, metalingstica e potica.

    Para relembrar, a funo emotiva refere-se ao remetente e possui carter opinativo.Aparece geralmente em frases exclamativas, na primeira pessoa dos verbos e pronomes.

    A funo conotativa tem relao com o destinatrio, pois existe um apelo social.Encontra-se em frases interrogativas e imperativas. J a funo referencial tem ligaocom o fato em si. uma linguagem de carter informativo. Esta funo a mais

    adequada para o jornalismo, de acordo com Marques (2009). A funo ftica est entreo emissor e o receptor. Ela facilita o prolongamento ou encerramento de um dilogo. Afuno metalingstica diz respeito a palavras que explicam palavras (MARQUES,2009, p. 11). Ou seja, est relacionada ao cdigo. E, finalmente, a funo potica, que centrada na mensagem. Ela se caracteriza por ter em seu vocabulrio palavras de sentidoconotativo.

    Para Marques (2009), todas as funes de linguagem podem ser utilizadas em textos doJornalismo Literrio. Em todos os textos literrios, podemos encontrar fragmentos

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    dessas figuras de linguagem. Na seo esquina percebemos estas funes em textostipicamente literrios.

    Nos exemplos estudados da esquina, encontramos todas as funes que Marques(2009) descreve. A partir dos exemplos abaixo, podemos observar como um textoliterrio construdo baseado nestas informaes:

    Funo Emotiva - novembro 2009 Voyeurismo ortogrfico Sou besta, egosta,classista, perfeccionista, mimada, invejosa:

    Comea pela anlise do objeto em si que pode ser desde um caderno de couro

    com pginas amareladas a uma agenda colorida, com fechadura na borda. "Umdetalhe desses j diz muito sobre a pessoa", ensina. Depois, se entrega aocontedo. "Quanto mais subjetivo nos sentimentos o autor for, mais intruso mesinto. Normalmente, tem muito sofrimento." Para comprovar, cita o caso deuma adolescente que, em 2004, escreveu: "Sou besta, egosta, classista,perfeccionista, mimada, invejosa, inteligente, medrosa, otimista, alegre,extrovertida, comunicativa, sincera, mentirosa. No nada to grave, porqueno penso no mal alheio. S penso no excesso de bem prprio.

    Esta funo exterioriza suas emoes, seus sentimentos. Portanto, a est uma exemploonde o personagem fala de o que sente diante da leitura de um dirio.

    Funo Conativa - setembro 2009 Pedigree passado O animal domstico na erado RG subcutneo:

    Engenheiros mecnicos, Machado e Margarido descobriram o filo ao acaso,nove anos atrs, quando vendiam chips para chaves de automveis.Investigando os possveis usos do aparato, tiveram um

    clic: por que no ampliar

    o mercado para animais? No campo da pecuria, a engenhoca foi prontamenteaceita - indiscutivelmente melhor colocar um chip em um boi do que marc-loa ferro quente. O problema foi convencer os donos de bichos domsticos.

    Esta funo caracteriza-se por frases interrogativas, frases imperativas, aparece nosvocativos, na segunda pessoa dos verbos e dos pronomes. Portanto, ao fazer ainterrogao sobre a ampliao de chips para animais, ele provocaram a funoconativa.

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    Funo Referencial outubro 2009 O Armani dos botes Tem o Flamengoamarelo, rosa, da poca do Zico:

    Aos 33 anos, Jeferson Carvalho se especializou em desenhar uniformes paraequipes de futebol de boto (ou de mesa, como chamado por uma dissidnciamais ortodoxa). Recebe em mdia 25 encomendas por ms, que entregamediante pagamento de 35 reais por time. No fao as peas. S crio o estilo,conta.

    Nesta funo percebemos uma linguagem de carter informativo tpico das linguagenstcnicas, cientficas, dos livros didticos, na linguagem jornalstica.

    Funo Ftica - novembro 2009 Voyeurismo ortogrfico Sou besta, egosta,classista, perfeccionista, mimada, invejosa:

    Com o conhecimento acumulado, Barcellos entendeu que a fria do outro o jbilo dele. "No s pelo contedo, mas pelo estilo mesmo. A letra fica maior."Pegou como exemplo as anotaes de uma adolescente, escritas em um cadernorosa da Hello Kitty. No dia 8 de novembro de 2006, a autora brigava com o prprio dirio, em letras garrafais: No vou mais escrever em voc. Vou mimir,t com sono!!

    Aqui, percebemos a comunicao entre o emissor e o receptor. De uma menina quebrigou com o prprio dirio e se dirige a ele avisando que vai dormir.

    Funo Metalinguistica - novembro 2009 Voyeurismo ortogrfico Sou besta,egosta, classista, perfeccionista, mimada, invejosa:

    Para Sergio da Silva Barcellos, de 45 anos, diarista quem escreve dirio.Pesquisador da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, ele se debrua hcinco anos sobre a escrita diarstica no Brasil - com uma peculiaridade: s lheinteressa a intimidade de pessoas comuns, nada de personagens histricos. Aquem pergunta, Barcellos se define como umvoyeur , ou, em bom portugus,um xereta.

    Nesta funo, aparece claramente a explicao do significado da palavra diarista sobo ponto de vista de Sergio da Silva Barcellos. Na funo metalingustica, surgem as

    palavras que explicam palavras.

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    Funo Potica - setembro 2009 Pedigree passado O animal domstico na era doRG subcutneo:

    Bob acordou numa manh de novembro decidido a ganhar o mundo.Aproveitou a distrao do dono para achar uma brecha no porto e, fazendo usodo seu corpo esguio de pinscher , sentiu o frescor da liberdade nas ruas deSalvador. No se sabe se a fuga era um desvario juvenil de Bob, ento com3 anos, ou uma cruzada em busca da me, Laila, que havia escapado pelomesmo porto quando ele era filhote. Para a alegria de seu dono, BrunoNascimento, o bicho foi recuperado eletronicamente.

    Nesta funo, a seleo lexical conta muito na elaborao dos textos. Percebemos queas palavras esguio, frescor, desvario juvenil e cruzada, alm dehumanizar oco, descrevem de modo literrios a fuga do animal.

    Alm destas funes, algumas figuras de linguagem utilizadas na literatura aparecem deforma recorrente nas produes da esquina. So textos onde se apresentam a ironia e ametfora por exemplo. A inteno provocar o humor, crticas e, tambm, garantirprimazia literria para as matrias. Abaixo encontram-se dois exemplos. Um utilizandoa ironia, o meio da qual se diz o contrrio do que se quer dar a entender e outro ametfora, que consiste na comparao de dois termos sem o uso de um conectivo.

    Ironia - novembro 2009 Que o senhor possa continuar te abenoando A macacaKate precisava da paz de Cristo:

    Nessa noite frei Carlos se deitou uma da manh, depois que as barracas decomidas e lembrancinhas na frente da parquia foram desmontadas. Antes dedormir, percebeu que Frajola, o gato vira-lata recm-adotado pelo convento, nohavia sido abenoado. Ao que parece, o felino, frequentador assduo daparquia, preferiu manter um p na heterodoxia.

    Neste trecho, percebe-se que a ironia gira em torno do gato que no foi batizado.

    Metfora - outubro 2009 Ribeiro tem carncia de automobilismo Mas no deotimismo rosado:

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    E, dizendo querer transformar sua cidade em uma referncia mundial, resolveulevar para l uma etapa da Frmula Indy. O fato de no haver um autdromovem a ser um mero detalhe - ruas e avenidas esto a para isso. Ribeiro Pretoseria a Mnaco caipira.

    Esta passagem faz uma metfora com a princesa de Mnaco que j foi cantora, designerde roupas de banho, modelo e at mesmo acrobata de circo.

    O que chama ateno de imediato ao analisar estes exemplos que podem ocorrervrios tipos de funes de linguagem em um mesmo texto. Um exemplo foi o texto denovembro de 2009 Voyeurismo ortogrfico Sou besta, egosta, classista, perfeccionista, mimada, invejosa onde encontramos as funes: Emotiva, Ftica emetalingstica.

    4.7 Abandono dolead na seo esquina

    Em muitas matrias encontramos um esquema de perguntas prticas para a elaboraotextual. o chamadolead, famosas perguntas feitas pelo jornalista antes de produziruma notcia. So as perguntas: "O qu?", "Quem?", "Quando?", "Onde?", "Como?", e"Por qu?". Esses modelos prontos conferem ao reprter a capacidade de regidir em um

    pargrafo o fundamental de uma notcia.

    No Jornalismo Literrio, olead tem sua importncia. Porm, incorpora-se tambm aPirmide Invertida, onde a notcia caminha no do mais importante para o menosimportante, mas do singular para o particular, do cume para a base(FILHO,1987,p.191).

    Nesse sentido encontramos exemplos nos perfis e fait divers que caracterizam essaafirmao, pois quase todas as matrias caminham nesse sentido, o de contrair aPirmide Invertida.

    No exemplo de outubro de 2009, O Armani dos botes Tem Flamengo amarelo, rosada poca do Zico..., temos:

  • 8/8/2019 Jornalismo Literrio em evidncia

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    Eram onze da noite quando o professor de literatura Jeferson Aparecido deCarvalho chegou em casa, em Camb, municpio colado a Londrina.Cumprimentou mulher e filhos e correu, apressado, para o escritrio - umasaleta de 3 por 3 metros. A parede estava apinhada de medalhas ganhas emcompeties de futebol de mesa. O armrio guardava o trofu de terceiro lugarno Campeonato Paranaense Interclubes (de mesa). E recostada parede,repousava meta