jornal das aldeias #1

8
1 JULHO-SETEMBRO 2014 | JORNAL DAS ALDEIAS SUPLEMENTO TRIMESTRAL DO JORNAL RECONQUISTA | N º 3563 | 26 DE JUNHO DE 2014 | FACEBOOK.COM/HAFESTANOCAMPO

Upload: catiacssantos

Post on 17-Dec-2015

221 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

  • 1 JULHO-SETEMBRO 2014 | JORNAL DAS ALDEIASSUPLEMENTO TRIMESTRAL DO JORNAL RECONQUISTA | N 3563 | 26 DE JUNHO DE 2014 | FACEBOOK.COM/HAFESTANOCAMPO

  • 2 JORNAL DAS ALDEIAS | JULHO-SETEMBRO 2014

    O que importa alimentar os

    desejos - disse Domenico no filme

    Nostalgia (1983) de Tarkovski. Num

    tempo em que tanto se tem falado

    de metas, avaliaes, programas de

    ajustamento de tudo e mais alguma

    coisa, importa construir novas

    formas de linguagem que apontem

    vias de construo subjetiva da nossa

    realidade. E por linguagem entende-

    se aqui um olhar subjetivo de um

    mundo em construo permanente.

    O discurso macroeconmico, que

    nos cerca um pouco por toda a

    parte, esquece frequentemente as

    especificidades de cada indivduo e

    das comunidades, padronizando tudo

    e todos sob a batuta dos mercados

    financeiros, da macroeconomia e do

    hiperconsumo. Surgem palavras que

    nos cercam como se de fantasmas

    se tratassem e que, a cada dia que

    H Festa no Campo um projeto de

    desenvolvimento local que pretende

    afirmar e valorizar as aldeias, enquanto

    territrios com manifestas oportunidades

    de desenvolvimento econmico, social e

    cultural. Declara o campo enquanto

    simbolismo da unio que agrega as

    aldeias, e a festa, a celebrao da vida

    e o testemunho de um mundo com

    valores comunitrios alicerais dos

    quais destacamos, a solidariedade e a

    reciprocidade.

    As assimetrias construdas com

    base na localizao e na dimenso

    populacional geraram um sentimento

    crescente de depreciao da vida rural e

    da condio sentida de inexistncia de

    alternativa, seno o seu abandono. No

    entanto a preservao por afetividade,

    das memrias e tradies aldes,

    passa, nos tentam sugar a capacidade

    crtica e autnoma de continuarmos

    a alimentar o desejo, atirando-nos

    num destino que algum ir decidir

    por ns em nome da salvao

    nacional. De fora ficam as diferenas e

    especificidades de cada um, essas que

    fazem a riqueza de uma comunidade

    e que produzem o sentimento de

    pertena de cada indivduo num todo.

    Importa assim perguntar: que lugar

    ocupa o senhor Antnio Vaz, um dos

    habitantes mais velhos desta unio

    das freguesias do Freixial e Juncal do

    Campo, no discurso meditico? E as

    lavadeiras que continuam a usar os

    tanques comunitrios destas aldeias?

    Sero elas um atentado ao progresso

    industrial? E as memrias dos tempos

    de juventude que o Sr. Lus Magueijo

    viveu nestas aldeias? Sero elas a

    nostalgia de um tempo passado e que

    refletidas nas celebraes e na vida local,

    so marcos de afirmao de um mundo

    que tem voz atravs da cultura e do seu

    patrimnio. H Festa no Campo um

    projeto que celebra a vida de um conjunto

    de aldeias unidas administrativamente,

    atravs da apresentao de propostas

    culturais e artsticas que dignificam as

    suas gentes, as suas memrias e as suas

    ambies.

    A vida nestes territrios so

    exemplos de resilincia que consolidada

    com a criatividade e genuinidade, se

    apresentam como espaos nicos de

    inovao social e cultural que cada vez

    mais atrai jovens e imigrantes de todo

    o mundo, cansados do afastamento

    da natureza, do desperdcio de tempo,

    e da procura insacivel de satisfao

    material. O jornal em suplemento que

    j no volta ou adquirem elas agora,

    neste jornal, um fulgor de presente

    qui mais intenso do que quando em

    menino as viveu? A resposta a estas

    questes encontr-las-, talvez por um

    acaso, o leitor desta publicao que

    agora se inicia. Uma publicao feita

    por um grupo de pessoas, que todas as

    semanas se renem para debaterem e

    juntas encontrarem temas e motivos de

    produo jornalstica da vida das suas

    comunidades. Foi assim que nasceu o

    nosso jornal: de uma vontade comum

    de um conjunto de pessoas que gostam

    do lugar que habitam e descobrem nele

    potencialidades de desenvolvimento

    e valorizao do quotidiano. E

    descobrem-no nas pessoas e nas suas

    particularidades feitas comunidade:

    numa terra que ainda se cultiva sem

    qumicos; num pequeno comrcio

    onde se vendem produtos produzidos

    aqui se apresenta e a documentao

    audiovisual (documentrio) do percurso

    deste projeto ao longo de trs anos, das

    assembleias comunitrias e do processo

    de auto-aprendizagem, at a celebrao

    expressa em festas e eventos, a ambio

    final do projeto que deste modo,

    pretende (re)impulsionar o debate local,

    nacional e internacional em torno do

    desenvolvimento das aldeias.

    Este projeto rene um conjunto de

    entidades parceiras que permitem o

    crescente aumento do impacto social.

    O consrcio de entidades parceiras e de

    referncia que possibilitam viabilidade

    desta misso nos prximos trs anos,

    inicia no financiamento do Programa

    Partis Prticas Artsticas para a

    Incluso Social da Fundao Calouste

    Gulbenkian, contando tambm com o

    e consumidos localmente; num

    acontecimento comunitrio que

    junta pessoas volta de uma mesa,

    volta de um baile, de um atelier

    de costura, de um filme, de um

    espetculo de teatro, de uma oficina

    de jornalismo. E todo este caminho

    que agora iniciamos se faz em

    estreita proximidade com as pessoas.

    Com elas descobriremos formas

    de impulsionar o desenvolvimento

    dos seus territrios, desenvolvendo

    um sentimento de pertena e uma

    voz ativa daqueles que tm sido

    esquecidos pelos discursos da

    prosperidade e do progresso em

    forma de estatstica. Queremos ainda

    deixar o nosso bem-hajam a todos

    os nossos parceiros, que tornaram

    possvel a edio deste jornal.

    Moram pessoas neste jornal e com

    elas alimentam-se desejos.

    Editorial

    H fEsta no campo

    apoio da Cmara Municipal de Castelo

    Branco, e tem como parceiros de

    desenvolvimento estratgico a Unio

    de Freguesias do Freixial e Juncal do

    Campo, a ETEPA Escola Tecnolgica

    e Profissional Albicastrense, a Animar

    Associao Portuguesa para o

    Desenvolvimento Local, a Terceira

    Pessoa - Associao e como entidade

    promotora a EcoGerminar Associao

    de Desenvolvimento do Interior, de

    promoo do Comrcio Solidrio e do

    Ecoturismo e de luta Desertificao

    Rural. Mahatama Gandi defendia que

    para educar uma criana era preciso toda

    uma aldeia, pois bem, ns defendemos

    que para (re)educar o mundo, so

    necessrios os bons exemplos das

    aldeias

    Apresentao do Projeto

    H FESTA NO CAMPO

    Marco Domingues

    TERCEIRA PESSOA

    Nuno Leo

    FICHA TCNICAJornal das Aldeias, Suplemento do Jornal Reconquista | DIREO: Ana Gil & Nuno Leo | REDAO: Ana Ramalho, Andr Gonalves, Antnio Quelhas, J.Gonalves, Jos Coelho, Louise Connell, Marco Domingues, Mariana Martins, Nuno Leo, Patrick Connell | FOTOgRAFIA: Ana Ramalho, Antnio Quelhas, Tiago Moura | ILUSTRAO: Ana Cardoso | DESIgN E PAgINAO: Ctia Santos | REvISO: Ana Gil | COLABORAO: Lus Magueijo

    ORGANIZAO ENTIDADE FINANCIADORA ENTIDADES PROMOTORAS ENTIDADES PARCEIRAS

  • 3 JULHO-SETEMBRO 2014 | JORNAL DAS ALDEIAS

    Depois de alguns dias a explorar, estvamos convencidos que este lugar era para ns. Vimos algumas propriedades dentro e prximas de Castelo Branco, depois foi-nos mostrado Vale Sando, um pedao de terra perto do Freixial do Campo. Era perfeito! Maravilhosamente situado num vale da floresta, com vista para a Serra da Gardunha. Era completamente virgem, havia apenas um pequeno edifcio de pedra. Gostmos da ideia de uma tela em branco que poderia ser concebida e desenvolvida exatamente como queramos.

    Alugmos uma pequena casa na aldeia e foi a que comemos realmente a conhecer as pessoas, fomos rapidamente aceites na comunidade. Foram muito acolhedoras, simpticas e extremamente prestveis. Algumas pessoas andavam literalmente connosco debaixo da asa e ajudavam-nos de diversas formas; desde comprar um carro, comear o trabalho de construo, tratar da respetiva documentao na Cmara Municipal.

    Mesmo com a barreira da lngua, frustrante como foi, as pessoas conti-nuaram a fazer o que podiam para nos sentirmos acolhidos e confortveis. s vezes podemos atribuir uma personalidade a um pas e ao seu povo, o que certamente se aplica a Portugal: bonito, quente, aberto, amvel e gentil.

    Continua...

    After many years of living and working in big cities like Johannesburg, Dublin and London, we began to realise that lifestyle wasnt for us and the idea of getting a small homestead in the countryside where we could live off the land began to take hold.

    We started looking in earnest and I had started travelling around Spain, particularly in the South, but away from the coast. I had read books about people doing it and that seemed to be the obvious choice. I spent quite a lot of time there but it never quite felt right for me. It was then on a chance visit to Lisbon that the wonders of Portugal were discovered. We had spent a few days in Cascais visiting friends and on the flight back to London, heading north east from Lisbon on a crystal clear day, we passed directly over the Serra da Estrela and I was struck by how beautiful it was.

    The river Zzere meandering tightly through deep valleys, endless forest and the snow capped Estrelas. I said to myself why didnt I know about this place...? I have to come, and see it! It was not long after that we returned, hired a car and headed straight for Castelo Branco, the nearest town to what I had seen from the air. The relationship with Portugal and its people had begun.

    After a few days spent exploring, we were convinced that this was the place for us. We saw a few properties in and around Castelo Branco, then we were shown Vale Sando, a piece of land near Freixial do Campo. It was perfect! Beautifully set in a forest lined valley overlooked by the rocky Serra da Gardunha. It was also completely undeveloped except for a small stone building. I liked the idea of a blank canvas that could be designed and developed exactly how we wanted.

    We rented a small house in the village and this is where we really began to get to know the people and were quickly accepted into the community. They were very welcoming, friendly and extremely helpful. There are a number of people that literally took us under their wing and bent over backwards to assist us in so many ways; from buying a car, to getting building work done, to getting paperwork sorted at the Cmara Municipal.

    Even with the language barrier, frustrating as it must have been, they continued to do whatever they could to make us feel welcome and comfortable. Sometimes you can apply a personality to a country and its people, as a whole and that definitely applies to Portugal: beautiful, warm, open, kind and gentle.

    To be continued...

    Depois de muitos anos a trabalhar em grandes cidades, como Joanesburgo, Dublin e Londres, comemos a pensar que este estilo de vida no seria para ns. A ideia de ter uma pequena casa no campo comeou a tomar forma.

    Comemos a levar esta ideia a srio e viajmos por terras espanholas, mais particularmente na zona sul, afastada da costa. Tnhamos lido alguns livros sobre pessoas que o tinham feito e pareceu-nos uma escolha bvia. Passmos algum tempo nessa zona mas nunca nos pareceu o mais adequado. Foi ento que, numa visita a Lisboa, foram descobertas as maravilhas de Portugal. Passmos alguns dias em Cascais, a visitar amigos... De regresso a Londres, no avio, em direo ao norte este de Lisboa, com o cu limpo e claro, passmos exatamente acima da Serra da Estrela e ficmos espantados com a beleza desta zona.

    O rio Zzere entre vales profundos, as florestas interminveis e a neve a cobrir a serra. Comemos a pensar porque que eu no conhecia este lugar...? Tenho de voltar, e visit-lo! Pouco tempo depois voltmos, alugmos um carro e fomos diretamente para Castelo Branco, a cidade mais prxima que vislumbrmos a partir do cu. A relao com Portugal e os portugueses tinha comeado.

    artiGoUm lugar para viver

    #PT Louise & Patrick

    #EN LOUISE & PATRICK

    TIAGO MOURA

  • 4 JORNAL DAS ALDEIAS | JULHO-SETEMBRO 2014

    Sabia que uma das pessoas mais ve-lhas da freguesia? Como se sente?

    Sei, j h muito tempo. Morreu um ra-paz do meu ano agora recentemente, h um ano e pouco. Ele era daqui do Juncal. Vivia ali ao p do Adelino da Norita e chamava-se Tonho Flipe. H algumas pessoas mais velhas que eu aqui no Juncal, mas ou esto no lar ou esto para fora. Nas outras aldeias h pessoas da minha idade e mais velhas talvez.

    Por quantas primaveras j passou?

    Tenho primaveras j passei por 89 primaveras. Completo este ano, para agosto, os meus 90 anos. Vamos l ver! Ando a fazer por isso. No penso que es-tarei c at esse tempo. preciso comer, beber e fazer alguma coisinha.

    Sempre viveu no Juncal?

    Estive ausente em Santarm 3 anos e meio, a trabalhar. Em 1950 deram-me frias pelo Natal e vim pass-lo ao Juncal com a famlia. Entretanto regres-sei a Santarm mas, passados dois me-ses, j em 1951, voltei definitivamente para o Juncal e comecei a tratar da vida.

    Nas traseiras da sua casa teve um caf, o Caf Vaz. Como era o dia-a-dia no caf?

    Uma prima minha que era viva que abria a porta s 7 horas da manh, var-ria e comeava a atender os clientes. Eu estava na cama at s 8 horas. Depois das 8 ia para o caf ou para o campo a

    trabalhar. Passavam-se aqui os seres e s 9/10 horas da noite fechava-se a porta. s vezes, depois disto, ainda an-davamos por a, eu tinha uma guitar-ra para tocar o fado, e como o pessoal gostava de ver a malta a tocar, amos entrando na casa de algumas pessoas. E at chegavamos a ir ao Salgueiro do Campo.

    Entrava muita gente aqui no caf? Pessoas de longe, por exemplo?

    J naquele tempo passava aqui gente de todo o lado. A camioneta saa de Souto da Casa, ao p do Fundo, e carregava o pessoal at Castelo Branco. A certa al-tura, a camioneta parava aqui nossa porta para o pessoal beber um copi-nho e estar um bocado vontade. Eu chegava a jogar s damas com o moto-rista! De carro tambm aqui parava mui-ta gente, como param em qualquer caf agora, mas bebem pouco... Como esto de viagem podem mandar parar e so-prar no balo, e depois o diabo...!

    Estou satisfeito, e como estou satis-feito deixem-me c andar que ando contente.

    Sendo um dos mais velhos aqui j deve ter visto nascer e morrer muita gente. Ao que sabemos, tem um livro onde apontava os nascimentos, mortes e outros acontecimentos importantes aqui da aldeia e das redondezas. Ainda continua a fazer estes apontamentos?

    Esse livro nada mais, nada menos que o livro dos apuros do caf. Naquela altu-ra, toda a casa de comrcio tinha um li-vro todos os anos, uma espcie de agen-da, onde todos os dias se apontavam os apuros da casa, ou seja, as contas. E, se houvesse algum acontecimento impor-tante, como uma morte ou assim, apon-tvamos tambm. Se quiserem que eu nomeie alguns... por exemplo, aqui est a inaugurao do relgio do Juncal; em novembro de 1983 faleceu o Joaquim Amaro e assim sucessivamente. s vezes queramos saber quando tinha

    EntrEVistasenhor Antnio VAz

    Esse livro nada mais, nada menos que o livro dos apuros do caf.

    Ia descalo para escola numa altura em que a escola do Juncal do Campo tinha mais de cem alunos. Aos 15 anos j tinha o seu prprio gado para pastar. Hoje, aos 89 anos, Antnio Vaz diz sentir-se triste por este desaparecimento do mapa das nossas aldeias.

    ANDR GONALVES . MARIANA MARTINS . JOS COELHO .

    Sinto-me feliz! Ainda me c deixam andar, tenho

    vivido a minha vida com normalidade, no tenho

    doenas que me ataquem, no tenho nada disso.

  • 5 JULHO-SETEMBRO 2014 | JORNAL DAS ALDEIAS

    morrido fulano tal e consultavamos estes livros.

    Qual a maior diferena que sente entre o Juncal do seu tempo de juventude e o Juncal atual? Tendo em conta que a maior diferena deve ter acontecido aps o 25 de abril de 1974.

    Hoje em dia os midos nem cozinhar sabem. Os pais j nem os obrigam a fa-zer nada disso.

    O senhor tambm vive ao lado de um dos edifcios mais antigos da aldeia: a Escola Primria, que encerrou h uns anos. Este encerramento teve algum impacto na sua vida?

    Recordo-me do encerramento, foi h poucos anos que fechou. Em 2005, quando fechmos o caf, a escola ain-da estava em funcionamento, mas com poucos alunos. Senti-me triste por ver a populao do Juncal a diminuir.

    Como deve saber, nos ltimos tempos alguns imigrantes tm vindo a povoar a aldeia. Qual a sua opinio em relao a este movimento?

    Vm tratar da vida. L no pas deles tambm est mau, no s em Portu-gal. Tm de vir para trabalhar, para dizerem que se governam sem traba-lhar no pode ser.

    Para terminar, qual a sua ambio em relao ao projeto H Festa no Cam-po?

    Eu gosto que vocs faam coisas. Gostava de ajudar e de ver isto a funcionar mas a verdade que h cada vez menos pessoal aqui. O Juncal no tem nem um tero das pessoas de c, nem um tero! Mas quem sabe, se ns, os habitantes mais velhos no teremos histrias e recordaes interessantes para vocs e para o vosso projeto.

    A maior diferena que dantes a mocidade

    aprendia a arte dos pais: os filhos dos pastores

    punham o gado a pastar, as raparigas aprendiam as

    coisas de casa como costurar, fiar o linho

    A Fundao Calouste Gulbenki-an, atravs do seu Programa de Desenvolvimento Humano, decidiu implementar para o trinio 2014-2016 uma experincia inovadora de apoio a projetos que coloquem as Prticas Artsticas ao servio da Incluso Social (PARTIS).Esta deciso vem da constatao de que a arte e a atividade cul-tural envolvem linguagens que podem ser transversais etnia, idade ou ao estatuto social e como tal so linguagens de convergncia, de aproximao das diferenas e que ligam as pessoas umas s outras.O projeto H Festa no Campo uma iniciativa selecionada para apoio na primeira edio do PARTIS pois preenche, com sucesso, inmeras dimenses que a Fundao Calouste Gul-benkian considera fundamentais para atingir os objetivos a que se prope. De entre estas realamos trs: a excelente parceria criada; o forte envolvimento e participao das populaes e o potencial de replicao da metodologia.

    Hugo Martinez de SeabraFundao Calouste Gulbenkian

    As aldeias so as verdadeiras protagonistas da tradio e da genuinidade. Lus CorreiaPresidente da Cmara Municipal de Castelo Branco

    ANA RAMALHO

  • 6 JORNAL DAS ALDEIAS | JULHO-SETEMBRO 2014

    lenha e gua quente para branquear - as chamadas barrelas.

    s lavadeiras juntavam-se as crian-as, os jovens, as conversas, as cantigas, a alegria de lavar a roupa do trabalho no campo... o prprio ambiente favorecia alguma lavagem de roupa suja no sen-tido figurado tambm.

    Ainda hoje, estes lavadouros so utilizados pelas pessoas da aldeia para lavar algumas peas de roupa: a mais encardida de andar no campo, e as de maiores dimenses, como os tapetes, os cortinados e as colchas...

    H algum tempo atrs, a tarefa rdua de lavar a roupa suja era exclusiva das mulheres. Juntavam-se nos lavadou-ros para lavar a sua prpria roupa ou a dos outros, uma vez que algumas destas mulheres eram contratadas, por gente mais abastada, e faziam disso profisso.

    Inicialmente, estas lavadeiras eram pagas em bens alimentares: como fei-jo, trigo ou azeite. Os lavadouros pbli-cos eram bastante disputados entre as mulheres que ganhavam o po de cada dia desta maneira; os batedouros eram escassos e no existiam muitas famlias com tanques de pedra nos seus quintais.

    A roupa interior (as camisas dos ho-mens, as meias...) era lavada com gua e sabo em bacias ou nos tanques dos quintais quando os havia. As peas de roupa mais encardidas e de maiores dimenses eram ento carregadas, em trouxas, at aos lavadouros pblicos. Estas peas eram muitas vezes mer-gulhadas numa mistura de cinzas de

    CONTA-ME COMO E...PostUrA soBre LAVADoUros PBLiCos e LAVAGeM De roUPA

    ANA RAMALHO ARTIgO 1

    1. S permitido lavar a roupa: 2. Na sede do concelho e nas povoa-

    es; dentro das habitaes ou nos respectivos quintais e logradouros, de modo que se no divise da via pblica; em recipientes adequados, desde que o escoamento se faa para os esgotos e no provoque charcos;

    3. Nas zonas rurais; junto das margens dos cursos de guas pblicas, den-tro dos limites autorizados, sem pre-juzo do nmero anterior;

    4. Nos lavadouros pblicos.

    ARTIgO 2

    Nos lavadouros pblicos proibido:1. Dar vazo s guas, enquanto estas

    estiverem em condies de utilidade;2. Deixar os tanques com guas sujas

    e/ou sujos depois da utilizao;3. Deixar os tanques destapados, pro-

    vocando desperdcios de gua;4. Tomar banhos ou proceder a qual-

    quer ato de limpeza corporal;

    5. Empregar na lavagem matrias cor-rosivas;

    6. Lavar, sem prvia desinfeo, roupas de pessoas atacadas por doenas contagiosas mencionadas na porta-ria n. 16 523, de 27 de dezembro de 1957.

    7. Sujar os coradouros pblicos;8. Utilizar os lavadouros para fins diferen-

    tes daqueles a que se destinam.Aos utentes dos lavadouros pblicos proibido, em especial:1. Desrespeitar a ordem de chegada;2. Demorar, sem necessidade e por

    acinte, a utilizao da parte ocupa-da;

    3. Incomodar ou prejudicar os demais utentes;

    4. Alterar a ordem, proferir obscenida-des, ou causar escndalo pblico;

    5. Deixar nos lavadouros: sabes, deter-gentes e outros, ou os seus invlucros.

    ARTIgO 3

    As contraverses ao disposto nesta pos-tura Municipal, so punidas com a multa de quinhentos escudos.

    Primeiro nas margens dos rios, mais tarde nos lavadouros...

    rEportaGEm

    A lavagem de roupa suja era um verdadeiro momen-

    to de convvio!

    ANA RAMALHO

    (retirado de www.cm-castanheiradepera.pt)

  • 7 JULHO-SETEMBRO 2014 | JORNAL DAS ALDEIAS

    reCeitA DA BArreLA A LAVADeirA no tAnQUeFernando Pessoa

    Bate roupa em pedra bem.

    Canta porque canta e triste,

    Porque canta porque existe;

    Por isso alegre tambm.

    Ora se eu alguma vez

    Pudesse fazer nos versos

    O que a essa roupa ela fez;

    Eu perderia talvez

    Os meus destinos diversos.

    H uma grande unidade

    Em, sem pensar nem razo,

    E at cantando a metade,

    Bater roupa em realidade...

    Quem me lava o corao?

    O quarto forrado com um lenol ve-lho, j prprio para esse fim. Em se-guida, a roupa aviada (j meia lavada) camada at encher o quarto. Final-mente, cobrem-se as abas do lenol e, sobre ele, espalha-se uma boa cama-da de cinza.Entretanto, a lavadeira enche a panela de gua, coloca-lhe dentro uma saca de pano com bocados de sabo e ateia a fogueira.

    Quando a gua atinge a fervura, a lava-deira tira-a da fogueira e, pouco a pou-co, despeja-a sobre a cinza.A gua a ferver combina-se com a cin-za, produzindo uma reao qumica, que facilita o branqueamento e o desapare-cimento das ndoas da roupa.Assim, a gua a ferver vai repassando a roupa e arrefecendo. A lavadeira repete esta operao at a gua comear a sair quente pelo fundo do quarto.

    A lavadeira d por terminada a barre-la, tapa o quarto, e deixa dentro dele a roupa at ao dia seguinte. Pela manh, tira-a e pe a corar para que algum resduo de cinza ou mancha seja ab-sorvido pelo sol.Enquanto cora, a roupa deve estar sempre hmida, e por isso, a lavadeira vai aug-la de vez em quando, isto , molh-la! Finalmente, a roupa lavada e posta a secar.

    ANA RAMALHO

    MODO DE PREPARAO:

    MATERIAL A UTILIZAR:

    LENOL VELHO CINZA GUA A FERVER COM SABO DILUDO

    GRANDE PANELA DE FERRO

    INgREDIENTES:

    ONDE: QUARTO

  • 8 JORNAL DAS ALDEIAS | JULHO-SETEMBRO 2014

    Naquele tempo, e se a memria me no falha, as escolas abriam no dia 7 de Outubro de cada ano. Do encerramento no me lembro.

    Havia a 1., 2., 3. e 4. classes; para os rapazes um professor e para as raparigas uma professora. Rapazes numa sala e raparigas noutra. S no recreio era permitida a convivncia entre uns e outros.

    Aos sbados no haviam aulas, mas haviam actividades relativas Mocidade Portuguesa, o equivalente ao que hoje se designa de cidadania. Os alunos vestidos de bata branca, antecedidos do toque de um tambor, iam para a rua principal da al-deia (no caso do Juncal, a Rua 28 de Maio). Quase todos iam descalos, eles e elas, a marcar passo, como nos desfiles militares. Das aldeias vizinhas, de Cames e Cho da V, vinham os alunos para a escola do Juncal. Casas de banho no existiam, nem na nossa imaginao!

    Quando chegava a aflio perguntava-se, com grande cerimnia e desconforto: - Senhor Professor: posso ir barroca?A barroca era um pequeno ribeiro que ficava perto da escola e era a que satisfazamos as nossas necessidades fisiolgicas.

    Curioso... era assim o meu tempo! O exame da 4. classe era realizado na escola da Sra. da Piedade, em Castelo Branco. Era uma festa! Um acontecimento!

    Calvamos uns sapatos ou umas botas... pela primeira vez! Novinhos, a estrear!Ao exame da 4. classe era precedido o de admisso, o resultado saa ao mesmo tempo. Os que tinham posses seguiam para

    o liceu; os de famlias mais humildes ficavam a trabalhar no campo: eles como pastores; e elas a aprenderem costura.

    *este artigo no segue as regras do novo acordo ortogrfico,desejo manifestado pelo Sr. Lus Lopes Magueijo.

    Correspondncia

    A escola primria

    Pro-GrAMAoAgENDA CULTURAL

    JUNCAL DO CAMPO28 DE JUNHO | 17H00 XXvI Festival do Folclore do Juncal do Campo8, 9, 10 DE AGOSTO Festa de S. Simo

    H FESTA NO CAMPODOMINGOS | 16H00 Oficina de costura criativa a decorrer na antiga Escola Primria do Juncal do Campo

    2 DE OUTUBRO Lanamento do 2. Nmero do JORNAL DAS ALDEIAS

    Carta do Colaborador Lus Lopes Magueijo

    natural do Juncal do Campo. Atualmente, vive no Seixal e decidiu que queria colaborar

    no Jornal das Aldeias com diversas cartas e memrias do campo que conheceu e

    recorda. Esta carta foi escrita no seu 70 aniversrio, a 30 de maro de 2014.

    Banda Desenhada

    PUB

    ILUSTRAO DE ANA CARDOSO; TEXTO DE J. G.

    ESTE JORNAL FOI DESENvOLvIDO NO MBITO DA OFICINA DE JOR-NALISMO E FOTOgRAFIA DO PRO-JETO H FESTA NO CAMPO. SE ESTIvER INTERESSADO EM PARTIC-IPAR ENvIE UM E-MAIL PARA [email protected]

    Quer contribuir para um livro da histria e patrimnio da sua aldeia? Fale connosco e participe!