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12 JORNAL DA UNICAMP Campinas, 18 a 24 de agosto de 2008 MANUEL ALVES FILHO [email protected] arquivo pessoal do historiador José Roberto do Amaral Lapa, composto por objetos pessoais, documentos, correspondência, originais de livros e projetos de seus ex-alunos de graduação e pós-graduação, entre ou- tros, acaba de ser doado pela família do intelectual à Unicamp. O material, que chegou acondicionado em caixas de pape- lão, começou a ser analisado e organizado na última semana pela equipe do Centro de Memória da Unicamp (CMU), onde permanece- rá guardado. De acordo com Fernando Antônio Abrahão, supervisor da área de Arquivos Históricos do CMU, a expectativa é que parte do acer- vo seja colocada à disposição para consulta pública até o final do ano. “Pela relação que a família nos deu, nós já podemos adiantar que se trata de uma coleção extremamente rica”, afirma. Ele adianta que a Universidade tem interesse em adquirir a biblioteca do historiador, mas isso depende de alguns entendimentos. Amaral Lapa, como era mais conhecido, morreu em 2000, aos 70 anos. Ele foi professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) e fundador do CMU. Fernando Abrahão conta que o interesse da Unicamp pelo arqui- vo pessoal de Amaral Lapa surgiu logo após a morte do professor. Na época, a família informou que os objetos e documentos do intelectu- al estavam sendo relacionados e organizados, mas manifestou a in- tenção de doá-los à Universidade. Na mesma ocasião, os familiares também foram sondados sobre a possibilidade da venda da bibliote- ca do historiador. “Eles demonstraram interesse nesse sentido, visto que todo o acervo do professor Amaral Lapa poderia ser mantido na Unicamp, instituição onde ele passou a maior parte da sua vida aca- dêmica”, relata o supervisor da área de Arquivos Históricos do CMU. Após algumas conversações entre as partes, ficou definido que o arquivo pessoal de Amaral Lapa seria mesmo doado à Unicamp. Quan- to à compra da biblioteca por parte da Universidade, o acordo ainda dependerá da avaliação do acervo e da disponibilidade de recursos. “Nossa expectativa é que tudo dê certo, pois se trata de uma coleção de grande valor para os pesquisadores”, considera Fernando Abrahão. Segundo ele, o arquivo pessoal do ex-docente da Unicamp che- gou ao CMU acondicionado em 82 caixas de papelão. O material foi previamente organizado pela família do intelectual, que elaborou uma lista com cada um dos itens. “Abrimos apenas uma ou outra caixa, mas sabemos o que há dentro de todas elas”, afirma. O material doa- do à Unicamp foi dividido em dois segmentos: vida pessoal e vida profissional. Entre os itens estão correspondências, objetos de escri- tório, projetos e relatórios de pesquisa, cópias de projetos de ex-alu- nos, bibliografias e até mesmo originais de alguns livros escritos por Amaral Lapa. Um deles é a obra Os Excluídos – Contribuição à his- tória da pobreza no Brasil (1850-1930), que acaba de ser lançado pela Editora da Unicamp. Também fazem parte do acervo fotos, me- dalhas, objetos indígenas e até tijolos da época do Império, que de- vem ter sido coletados pelo historiador por ocasião da demolição de algum imóvel em Campinas ou região. Entre os papéis presentes na coleção, alguns chamam especial a atenção, assinala Fernando Abrahão, por revelarem um aspecto pou- co conhecido da vida de Amaral Lapa. São artigos e críticas literárias escritas por ele para os jornais Diário do Povo e Correio Popular, ambos de Campinas, mas assinados com os pseudônimos de Gonçal- ves do Amaral e Percival da Mata. “Quando Lapa era jovem, ele tinha mania de assinar seus escritos com outros nomes. Houve época em que usava quatro pseudônimos diferentes”, lembra Elida Gomes do Amaral Lapa, viúva do historiador. Segundo o supervisor da área de Arquivos Históricos do CMU, além do valor inestimável para a pesquisa, o acervo também é importante por demonstrar como era feita a pesquisa histórica no passado. “Quase tudo era feito sem o auxílio do computador ou da internet”, exemplifica. Brevemente, prossegue Fernando Abrahão, a Unicamp deverá or- ganizar uma cerimônia para oficializar a doação do arquivo pessoal do professor, inclusive com a assinatura de um termo específico. Fu- turamente, infere, é possível que os documentos sejam digitalizados, como forma de serem mais bem preservados. Quanto à biblioteca de Amaral Lapa, a viúva do historiador informa haver mais de 9 mil títulos. “Creio que o acervo deve contar com obras valiosas, pois o professor Amaral Lapa pesquisou muito em Portugal e amealhou li- vros sobre temas como a inquisição e a economia cafeeira. Isso sem falar de documentos sobre a história de Campinas, sua cidade natal, assunto no qual ele sempre foi referência obrigatória”. A vinda do arquivo pessoal de Amaral Lapa para o CMU da Unicamp atende a um desejo manifestado pelo próprio historiador. Quem afirma é a viúva do intelectual, Elida. “Quando viajava, Lapa ficava muito receoso em relação à integridade do seu acervo. Em várias oportunidades ele afirmou que gostaria que todo o material ficasse sob a guarda da Unicamp. A doação do seu arquivo pessoal à Universidade é uma forma de atender parcialmente ao desejo dele”, afirma. De acordo com ela, a venda da biblioteca à instituição deve completar a ação. “Fizemos um inventário preliminar e somamos cerca de 9 mil títulos. Agora, vamos esperar pela avaliação da coleção, para que possamos finalizar a negociação com a Unicamp”, acrescenta. Amaral Lapa era considerado uma referência no país como historiador. Ele foi professor IFCH e fundador do CMU. Também foi autor de vários livros, alguns deles sobre Campinas, o que lhe valeu o reconhecimento por parte de seus pares como o “maior historiador da cidade”. Entre os títulos publicados destacam-se A Cidade: os Cantos e os Antros, Livro da Visitação do Santo Ofício da Inquisição ao Estado do Grão-Pará, A Bahia e a Carreira da Índia, Economia Colonial e Historiografia Brasileira Contemporânea. Natural de Campinas, Amaral Lapa formou-se professor normalista em 1940 pelo Instituto Carlos Gomes e em técnico de contabilidade pela Escola Técnica de Comércio Campineira. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUC- Campinas (1959), tornou-se doutor em Ciências pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Marília (1966). Morreu em junho de 2000, aos 70 anos. Integrante do grupo de professores ilustres da Unicamp, recebeu postumamente o título de Professor Emérito da Universidade. Sobre o CMU O Centro de Memória da Unicamp (CMU), órgão vinculado à Reitoria da Universidade, tem como objetivo promover e integrar estudos e pesquisas interdisciplinares voltados à reconstrução da memória histórica e sócio-cultural de Campinas e região. Para a realização desse trabalho, o CMU conta com acervos documentais e bibliográficos. Cuida, ainda, da restauração, organização, conservação e divulgação dessas coleções. Para atingir seus objetivos, o Centro se propõe a realizar pesquisas próprias e/ ou em convênios com outras instituições (prefeituras, escolas, organizações não- governamentais etc.). Presta assessoria a projetos ligados à memória histórica e ao patrimônio sócio-cultural, organiza e promove eventos de ordem acadêmica (seminários, conferências, exposições) cursos, treinamentos e/ou estágios voltados à preservação da memória nas áreas de Arquivologia, Biblioteconomia, Restauração de Documentos, História Oral e Iconografia. De volta à Família doa à Unicamp arquivo pessoal do historiador José Roberto do Amaral Lapa, fundador do CMU e do IFCH segunda casa segunda casa Tijolo do Império coletado por Lapa: acervo tem ainda fotos, medalhas e objetos indígenas O historiador José Roberto do Amaral Lapa: profundo conhecedor da história de Campinas Fernando Antônio Abrahão, supervisor da área de Arquivos Históricos do CMU, e Eliana Corrêa ao lado do material doado: 82 caixas de documentos O Historiador pretendia que acervo ficasse na Unicamp Fotos: Antoninho Perri

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12 JORNAL DA UNICAMP Campinas, 18 a 24 de agosto de 2008

MANUEL ALVES FILHO

[email protected]

arquivo pessoal do historiador José Roberto do AmaralLapa, composto por objetos pessoais, documentos,correspondência, originais de livros e projetos de seusex-alunos de graduação e pós-graduação, entre ou-tros, acaba de ser doado pela família do intelectual à

Unicamp. O material, que chegou acondicionado em caixas de pape-lão, começou a ser analisado e organizado na última semana pelaequipe do Centro de Memória da Unicamp (CMU), onde permanece-rá guardado. De acordo com Fernando Antônio Abrahão, supervisor daárea de Arquivos Históricos do CMU, a expectativa é que parte do acer-vo seja colocada à disposição para consulta pública até o final do ano.

“Pela relação que a família nos deu, nós já podemos adiantar quese trata de uma coleção extremamente rica”, afirma. Ele adianta quea Universidade tem interesse em adquirir a biblioteca do historiador,mas isso depende de alguns entendimentos. Amaral Lapa, como eramais conhecido, morreu em 2000, aos 70 anos. Ele foi professor doInstituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) e fundador do CMU.

Fernando Abrahão conta que o interesse da Unicamp pelo arqui-vo pessoal de Amaral Lapa surgiu logo após a morte do professor. Naépoca, a família informou que os objetos e documentos do intelectu-al estavam sendo relacionados e organizados, mas manifestou a in-tenção de doá-los à Universidade. Na mesma ocasião, os familiarestambém foram sondados sobre a possibilidade da venda da bibliote-ca do historiador. “Eles demonstraram interesse nesse sentido, vistoque todo o acervo do professor Amaral Lapa poderia ser mantido naUnicamp, instituição onde ele passou a maior parte da sua vida aca-dêmica”, relata o supervisor da área de Arquivos Históricos do CMU.

Após algumas conversações entre as partes, ficou definido que oarquivo pessoal de Amaral Lapa seria mesmo doado à Unicamp. Quan-to à compra da biblioteca por parte da Universidade, o acordo aindadependerá da avaliação do acervo e da disponibilidade de recursos.“Nossa expectativa é que tudo dê certo, pois se trata de uma coleçãode grande valor para os pesquisadores”, considera Fernando Abrahão.

Segundo ele, o arquivo pessoal do ex-docente da Unicamp che-gou ao CMU acondicionado em 82 caixas de papelão. O material foipreviamente organizado pela família do intelectual, que elaborou umalista com cada um dos itens. “Abrimos apenas uma ou outra caixa,mas sabemos o que há dentro de todas elas”, afirma. O material doa-do à Unicamp foi dividido em dois segmentos: vida pessoal e vidaprofissional. Entre os itens estão correspondências, objetos de escri-tório, projetos e relatórios de pesquisa, cópias de projetos de ex-alu-nos, bibliografias e até mesmo originais de alguns livros escritos porAmaral Lapa. Um deles é a obra Os Excluídos – Contribuição à his-tória da pobreza no Brasil (1850-1930), que acaba de ser lançadopela Editora da Unicamp. Também fazem parte do acervo fotos, me-dalhas, objetos indígenas e até tijolos da época do Império, que de-vem ter sido coletados pelo historiador por ocasião da demolição dealgum imóvel em Campinas ou região.

Entre os papéis presentes na coleção, alguns chamam especial aatenção, assinala Fernando Abrahão, por revelarem um aspecto pou-co conhecido da vida de Amaral Lapa. São artigos e críticas literáriasescritas por ele para os jornais Diário do Povo e Correio Popular,ambos de Campinas, mas assinados com os pseudônimos de Gonçal-ves do Amaral e Percival da Mata. “Quando Lapa era jovem, eletinha mania de assinar seus escritos com outros nomes. Houve épocaem que usava quatro pseudônimos diferentes”, lembra Elida Gomesdo Amaral Lapa, viúva do historiador. Segundo o supervisor da áreade Arquivos Históricos do CMU, além do valor inestimável para apesquisa, o acervo também é importante por demonstrar como erafeita a pesquisa histórica no passado. “Quase tudo era feito sem oauxílio do computador ou da internet”, exemplifica.

Brevemente, prossegue Fernando Abrahão, a Unicamp deverá or-ganizar uma cerimônia para oficializar a doação do arquivo pessoaldo professor, inclusive com a assinatura de um termo específico. Fu-turamente, infere, é possível que os documentos sejam digitalizados,como forma de serem mais bem preservados. Quanto à biblioteca deAmaral Lapa, a viúva do historiador informa haver mais de 9 miltítulos. “Creio que o acervo deve contar com obras valiosas, pois oprofessor Amaral Lapa pesquisou muito em Portugal e amealhou li-vros sobre temas como a inquisição e a economia cafeeira. Isso semfalar de documentos sobre a história de Campinas, sua cidade natal,assunto no qual ele sempre foi referência obrigatória”.

A vinda do arquivo pessoal deAmaral Lapa para o CMU da Unicampatende a um desejo manifestado pelopróprio historiador. Quem afirma é aviúva do intelectual, Elida. “Quandoviajava, Lapa ficava muito receoso emrelação à integridade do seu acervo.Em várias oportunidades ele afirmouque gostaria que todo o materialficasse sob a guarda da Unicamp. Adoação do seu arquivo pessoal àUniversidade é uma forma de atenderparcialmente ao desejo dele”, afirma.De acordo com ela, a venda dabiblioteca à instituição deve completara ação. “Fizemos um inventáriopreliminar e somamos cerca de 9 miltítulos. Agora, vamos esperar pelaavaliação da coleção, para quepossamos finalizar a negociação com aUnicamp”, acrescenta.

Amaral Lapa era considerado umareferência no país como historiador.Ele foi professor IFCH e fundador doCMU. Também foi autor de várioslivros, alguns deles sobre Campinas, oque lhe valeu o reconhecimento porparte de seus pares como o “maiorhistoriador da cidade”. Entre os títulospublicados destacam-se A Cidade: osCantos e os Antros, Livro da Visitaçãodo Santo Ofício da Inquisição aoEstado do Grão-Pará, A Bahia e aCarreira da Índia, Economia Colonial eHistoriografia BrasileiraContemporânea. Natural de Campinas,Amaral Lapa formou-se professornormalista em 1940 pelo InstitutoCarlos Gomes e em técnico decontabilidade pela Escola Técnica deComércio Campineira. Bacharel emCiências Jurídicas e Sociais pela PUC-Campinas (1959), tornou-se doutor emCiências pela Faculdade de Filosofia,Ciências e Letras de Marília (1966). Morreu em junho de 2000, aos 70anos. Integrante do grupo deprofessores ilustres da Unicamp,recebeu postumamente o título deProfessor Emérito da Universidade.

Sobre o CMU

O Centro de Memória da Unicamp(CMU), órgão vinculado à Reitoria daUniversidade, tem como objetivopromover e integrar estudos epesquisas interdisciplinares voltados àreconstrução da memória histórica esócio-cultural de Campinas e região.Para a realização desse trabalho, oCMU conta com acervos documentais ebibliográficos. Cuida, ainda, darestauração, organização, conservaçãoe divulgação dessas coleções. Paraatingir seus objetivos, o Centro sepropõe a realizar pesquisas próprias e/ou em convênios com outras instituições(prefeituras, escolas, organizações não-governamentais etc.). Presta assessoriaa projetos ligados à memória histórica eao patrimônio sócio-cultural, organiza epromove eventos de ordem acadêmica(seminários, conferências, exposições)cursos, treinamentos e/ou estágiosvoltados à preservação da memória nasáreas de Arquivologia, Biblioteconomia,Restauração de Documentos, HistóriaOral e Iconografia.

De volta àFamília

doa àUnicamparquivo

pessoal dohistoriadorJosé

Roberto

do Amaral

Lapa,

fundadordo CMUe doIFCH

segunda casasegunda casa

Tijolo do Impériocoletado por Lapa:acervo tem aindafotos, medalhas eobjetos indígenas

O historiador José Roberto do Amaral Lapa: profundo conhecedor da história de Campinas

Fernando Antônio Abrahão, supervisor da área de Arquivos Históricos do

CMU, e Eliana Corrêa ao lado do material doado: 82 caixas de documentos

OHistoriador pretendia queacervo ficasse na Unicamp

Fotos: Antoninho Perri