brand lapa

18
1 Brand Lapa: o mais carioca dos bairros Reanimação cultural ou uma estratégia competitiva de consenso? Autor: Bruna da Cunha Guterman (ETTERN/IPPUR/UFRJ) Orientador: Prof. o Carlos Bernardo Vainer (ETTERN/IPPUR/UFRJ) 1) INTRODUÇÃO Este artigo corresponde a reflexões realizadas em dois trabalhos de disciplinas que tratavam basicamente dos temas Identidade e Território. O objetivo consiste na análise multidimensional (dimensões política e simbólica) do processo de revitalização da Lapa, área central da cidade do Rio de Janeiro. O presente estudo tem como base o enfoque principal da dissertação de mestrado da autora, que consiste fundamentalmente em ressaltar as peculiaridades desse processo na Lapa, além de tentar vislumbrar para onde rumam as dinâmicas da política urbana na área de estudo. A hipótese inicial era de que juntamente com essas mudanças na Lapa ocorria um processo de gentrificação, tanto residencial (voltada para moradias para a classe média e alta) quanto de consumo, ou seja, elitização nos serviços e nos equipamentos de lazer/ turismo. Segundo Sánchez (1999:28), o consumo se transforma, assim, em veículo para construção de identidade, do sentido de pertencimento e orgulho frente à cidade remodelada. Entretanto, no percurso desta pesquisa têm sido observados outros aspectos resultantes desta revitalização que evidenciam mais do que um fenômeno de elitização, tão presente nos atuais projetos de revitalização de centros históricos. Para ratificar esta hipótese, este trabalho pretende refletir sobre a problemática do marketing urbano por meio das experiências da “Barcelona Olímpica” e da formação de um novo espaço urbano pretensiosamente público, utilizando conceitos como o de “Dineyficação” (Zukin, 2003), o de “animação cultural” (Arantes, 2000) e “cidade mercadoria” (Vainer, 2000). O trabalho lança um olhar sobre a política urbana estratégica como pontencializadora de identidades urbanas (renovadas) que neste caso se aplica na elaboração de uma imagem síntese, ou seja, uma Lapa com complexo de Zé Carioca 1 . Com objetivo de analisar a inserção da teoria sobre um planejamento estratégico 1 Termo retirado do artigo O Complexo de Zé Carioca. Sobre uma certa ordem da mestiçagem e da malandragem (SCHWARCZ ,1994).

Upload: maurilio-botelho

Post on 19-Nov-2015

251 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Lapa

TRANSCRIPT

  • 1

    Brand Lapa : o mais carioca dos bairros Reanimao cultural ou uma estratgia competitiva d e consenso?

    Autor: Bruna da Cunha Guterman (ETTERN/IPPUR/UFRJ) Orientador: Prof. o Carlos Bernardo Vainer (ETTERN/IPPUR/UFRJ)

    1) INTRODUO

    Este artigo corresponde a reflexes realizadas em dois trabalhos de disciplinas que

    tratavam basicamente dos temas Identidade e Territrio. O objetivo consiste na anlise

    multidimensional (dimenses poltica e simblica) do processo de revitalizao da Lapa,

    rea central da cidade do Rio de Janeiro. O presente estudo tem como base o enfoque

    principal da dissertao de mestrado da autora, que consiste fundamentalmente em

    ressaltar as peculiaridades desse processo na Lapa, alm de tentar vislumbrar para onde

    rumam as dinmicas da poltica urbana na rea de estudo.

    A hiptese inicial era de que juntamente com essas mudanas na Lapa ocorria um

    processo de gentrificao, tanto residencial (voltada para moradias para a classe mdia e

    alta) quanto de consumo, ou seja, elitizao nos servios e nos equipamentos de lazer/

    turismo. Segundo Snchez (1999:28), o consumo se transforma, assim, em veculo para

    construo de identidade, do sentido de pertencimento e orgulho frente cidade

    remodelada.

    Entretanto, no percurso desta pesquisa tm sido observados outros aspectos

    resultantes desta revitalizao que evidenciam mais do que um fenmeno de elitizao,

    to presente nos atuais projetos de revitalizao de centros histricos. Para ratificar esta

    hiptese, este trabalho pretende refletir sobre a problemtica do marketing urbano por

    meio das experincias da Barcelona Olmpica e da formao de um novo espao urbano

    pretensiosamente pblico, utilizando conceitos como o de Dineyficao (Zukin, 2003), o

    de animao cultural (Arantes, 2000) e cidade mercadoria (Vainer, 2000).

    O trabalho lana um olhar sobre a poltica urbana estratgica como

    pontencializadora de identidades urbanas (renovadas) que neste caso se aplica na

    elaborao de uma imagem sntese, ou seja, uma Lapa com complexo de Z Carioca1.

    Com objetivo de analisar a insero da teoria sobre um planejamento estratgico

    1 Termo retirado do artigo O Complexo de Z Carioca. Sobre uma certa ordem da mestiagem e da malandragem (SCHWARCZ ,1994).

  • 2

    (formador de smbolos), e de uma poltica voltada para o marketing urbano na Lapa, a

    pesquisa d seus primeiros passos na leitura crtica de reportagens e artigos em jornais,

    revistas e internet que remeteriam a essas novas apropriaes. Para tanto, toma-se como

    ponto de partida a campanha Eu sou da Lapa criada em 2005 (Agncia de publicidade

    Espalhe) at as atuais intervenes anunciadas pela Prefeitura Municipal do Rio de

    Janeiro, que tem como alicerce o projeto Lapa Legal, lanado em maro de 2009 pela

    mesma.

    Rentabilidade e patrimnio arquitetnico-cultural se do as mos, nesse processo de revalorizao urbana, em nome de um alegado civismo. E para entrar neste universo dos negcios, a senha mais prestigiosa- a cultura. Essa a nova grife do mundo fashion, da sociedade afluente dos altos servios a que todos aspiram (Arantes, 2003:31).

    Sendo assim, fcil compreender que existe uma ligao direta entre Identidade,

    Territrio e Planejamento, elementos que auxiliam na gerncia da nova cidade

    mercadoria. A Brand Lapa faz aluso ao artigo de Munhoz (2003) onde, a partir da

    Barcelona Olmpica, este traz a idia de venda do lugar, uma reflexo sobre a economia

    simblica desse marketing urbano, ocasionando uma disputa de espaos luminosos.

    A imagem urbana mercantilizada, traz na sua essncia, um sentimento de

    pertencimento por parte dos habitantes da cidade, e com essas campanhas de civismo

    vem tambm o consenso. A criao dessa imagem-sntese, ou seja, (...) uma imagem

    reconhecvel, exportvel e consumvel por habitantes e visitantes, vizinhos e turistas

    (MUNOZ, 2003:2), possibilita a atrao de capital e investimentos que possibilitam

    transformaes fsicas (intervenes pontuais e estruturantes na cidade).

    Com todo esse projeto de revitalizao da identidade carioca, pode-se pensar que a

    Lapa est passando por uma cenarizao de suas ruas e edificaes, e at mesmo das

    pessoas que l trabalham, como nos uniformes dos garis da Lapa. Quando espaos de

    vivncia viram espaos espetacularizados indaga-se: como ser a narrativa da

    experincia de passear nas ruas da Lapa?

    A fim de se projetar um local de permanncia, ou seja, para que as pessoas

    adotem a Lapa e queiram usar suas ruas, passear pelas ruelas museificadas, curtir a

    moderna vida dos cenrios perfeitos imaginando um passado de glrias, seria

    fundamental se investir em smbolos, em referncias visuais. A malandrizao (Silva,

    2007) da Lapa utilizada pela esfera privada e at a esfera pblica se rendeu ao seu

    charme. As aes publicitrias que aparecem constantemente nos jornais mostram uma

  • 3

    Lapa moderna, prtica, acessvel a todos, diversificada e acima de tudo bero do samba

    e da malandragem, o mais carioca dos bairros.

    Enquanto o Corcovado e o Po-de-Acar so as imagens do Rio de Janeiro em outros Estados da federao e no exterior, a Lapa faz o papel de principal cone da cidade para o carioca da gema. O bairro carioqussimo. Mistura a verdadeira boemia com o despojamento praiano, alm de ter um toque arrematador de cidade do interior, ao mesmo tempo em que est no centro nevrlgico do Rio de Janeiro. Perto de tudo. Da praia, da floresta, da Rio Branco, da Zona Sul e da Zona Norte, de Niteri. Do carioca."2

    Assim como no tema vinculado ao presente evento3, Rio de Janeiro: um territrio em

    disputa, a Lapa (ou o que conceituado como Brand Lapa) tambm est sendo

    exaustivamente disputada, pelo poder pblico e privado. Entretanto, como bem ressaltou

    Benach (1993:486) Como no caso de qualquer outro produto, to importante como as

    dificuldades para produzi-lo o esforo para vend-los. O bairro reanimado precisava se

    fortalecer como um espao luminoso do centro da cidade, um lugar onde a diverso fosse

    garantida e quem sabe at uma nova opo de moradia. A localizao geogrfica da Lapa

    j confere um carter nico a essa dinmica empresarial, pois as pessoas so atradas

    tanto pela centralidade (dos lugares) como pela aspirao ao poder cultural que a

    centralidade representa. So lugares antigos e nicos, possuidores de uma aura, na

    vizinhana das atividades financeiras e de negcios (Motta, 2000:262).

    Esses lugares, por possibilitarem a exclusividade da centralidade, do cultural e do

    tradicional, acabam sendo enobrecidos e aos poucos retomados pelas populaes

    economicamente favorecidas (afastando-se as populaes de baixa renda que povoaram

    a grande maioria dos centros histricos na fase em que foram considerados obsoletos). A

    disputa pelo territrio faz com que esse seja visto como um construtor de identidade,

    talvez o mais eficaz de todos (Haesbaert, 2004).

    2 Trecho retirado do manifesto do movimento Eu sou da Lapa criado pela agncia Espalhe em 2005 3 XVI Semana de Planejamento Urbano e Regional -2010 (IPPUR/ UFRJ)

  • 4

    2) UMA POLTICA ESTRATGICA DE IDENTIDADE: PARA PRO MOVER A REANIMAO CULTURAL NO MAIS CARIOCAS DOS BAIRROS

    Uma vez que a poltica de marketing urbano adotada na Lapa nos faa refletir sobre

    uma possvel conexo entre os conceitos de identidade, territrio e planejamento, indaga-

    se: as polticas urbanas de matriz identitria podem ser estrategicamente planejadas? De

    acordo com Otlia Arantes (2000:16) o verdadeiro poder da identidade, denominado de

    ncora identitria da nova urbanstica. E como planejamento estratgico antes de tudo

    um empreendimento de comunicao e promoo, compreende-se que tal ncora

    identitria recaia de preferncia na grande quermesse da chamada animao cultural.

    Analisar o discurso oficial pelo qual a poltica urbana/cultural vende esses projetos

    estratgicos saber entender a hbil engenharia do consenso (Snchez, 2003) to cara

    s polticas urbanas e o seu principal instrumento legitimador. Essas operaes

    estratgicas so transformadas em vitrines publicitrias, que despertam o esprito cvico,

    o orgulho, a sensao de pertinncia. Segundo Vainer (2000: 91) o plano estratgico

    supe, exige, depende de que a cidade esteja unificada (...) esta condio est como que

    pressuposta desde o incio, pois o discurso, a todo tempo, tratou a cidade como uma

    unidade: a cidade compete, a cidade deseja, a cidade necessita.

    Portanto, na realidade do projeto de revitalizao da Lapa, na renovao de sua

    imagem, podemos perceber uma exaltao da figura do malandro, com todos os

    ingredientes que este pode proporcionar: samba, descontrao, jeitinho brasileiro, ser

    carioca. Jeudy (2005:16) afirma: A regra clara: para que o passado no seja abolido

    preciso que tudo o que se vive seja atualizado. As diferenas temporais entre o passado,

    o presente e o futuro so aniquiladas graas aos simulacros dessa atualizao. Alm de

    dissertar sobre a formao de simulacros na tentativa de reinventar identidades, ele diz

    que esta tem que ser bem-preservada continua sendo o signo futuro de uma alteridade

    inaltervel.

    Segundo a antroploga Janice Caiafa (2002: 21) o confronto com a alteridade que

    realiza a fuga urbana e, no caso dessas cidades, uma previsibilidade estria o caminho e

    tende a s conduzir ao reconhecimento. Deste modo, podemos pensar o projeto da Lapa

    como uma tentativa de se instaurar a diversidade, mesmo que essa possa ser

    interpretada como domesticada por certos aspectos. A promoo de cones que

    retratem um passado de glrias e que possam significar um potencial para o presente

    espetacularizado conferem graus de alteridade a Lapa, fazendo com que seus

  • 5

    freqentadores e moradores queiram permanecer no local, usufruindo de todas as

    referncias identitrias proporcionadas.

    Os projetos de revitalizao utilizam uma poltica de identidade como fator

    promocional para seus centros. Alm de criar um cenrio glorioso com referncias

    poderosas, esses locais tambm passam por uma valorizao (principalmente fundiria),

    palco de parcerias publico-privadas que tendem a atrair uma classe mais abastada, e com

    isso expulsando (direta ou indiretamente) a populao de baixa renda que ento

    ocupava as reas centrais.

    No caso da Lapa carioca essa transformao est visvel seja no uso comercial (com

    bares mais caros e temticos) ou na moradia com a construo de grandes condomnios

    fechados e a desocupao de edifcios ocupados pela classe mais pobre. Esse processo

    conhecido como gentrificao4, e segundo Magnani (2002:13) prope uma nova

    dinmica, principalmente para os centros das cidades, pois, alm de adequ-los como

    lugares de consumo, inaugura uma nova modalidade de consumo cultural, isto , o

    consumo do lugar.

    Refletindo um pouco sobre esse ponto que aborda a emergncia na poltica urbana

    de uma simulada poltica de identidade vou me remeter ao artigo de Stuart Hall intitulado

    Quem precisa de identidade? Tal indagao mostra uma clara estratgia de formulao

    de desejos e necessidades, e para explicar a essncia dessa poltica Hall comea pelo

    conceito de identificao. Na linguagem do senso comum, a identificao construda a

    partir do reconhecimento de alguma origem comum, ou de caractersticas que so

    partilhadas com outros grupos ou pessoas, ou ainda a partir de um mesmo ideal

    (Hall,2000).

    Ainda segundo o autor a identificao uma construo inacabada, ou seja, algo

    sempre em processo. E para consolidar esse processo preciso levar em conta o

    exterior, a identidade construda a partir da diferena. Trata-se de moldar de acordo

    com o outro, sendo importante ressaltar que essa moldagem est fundada no plano

    simblico, da fantasia, da idealizao. Outro fato interessante debatido no artigo de Hall

    o da identidade invocar uma origem, um resgate do passado ou at uma reinveno de

    uma tradio para tentar modificar a forma como o grupo ou o individuo representado,

    estabelecendo no o assim chamado retorno as razes, mas uma negociao com

    nossas rotas (Hall op cit p:109).

    Sabendo que a identidade construda dentro de um discurso so, portanto,

    definidas pelas posies de sujeito estabelecidas nessas posies discursivas. De que 4 Gentrification (enobrecimento, requalificao)

  • 6

    discurso as polticas urbanas se utilizam para construir a idia de que um lugar est

    decadente e sem vida (afinal a redescoberta do passado, faz parte da construo da

    identidade, e pressupe um conflito e uma possvel crise) a ponto de se propor um projeto

    de (Re)vitalizao ? A Lapa ainda tem a particularidade de ser hibrida, um bairro central

    com caractersticas da periferia. Como o lugar da malandragem, da marginalidade

    (periferia) se transforma num tradicional local da boemia carioca, com direito a bares

    temticos e condomnios fechados (centro)?

    A busca pela identidade e singularidade so os grandes motores dos novos projetos

    urbanos. A poltica urbana e os projetos atuais, inseridos na lgica do planejamento

    estratgico, tem como objetivo primordial produzir uma imagem positiva e simblica da

    cidade. Na realidade do mercado competitivo se faz necessrio promov-la, mediante um

    marketing urbano.

    Esse novo planejamento tem como palco, na grande maioria das vezes, os centros

    urbanos ou os chamados projetos de waterfronts5. O discurso adotado para a implantao

    desse tipo de projeto a Revitalizao de reas ditas degradadas ou abandonadas, e

    para tal h a preocupao de se promover um mix de usos e desenvolv-los como

    centros culturalizados.

    Numa palavra, os centros restaurados acabaram se convertendo em cenrios para uma vida urbana impossvel de se ressuscitar. Para os novos excludos, no mximo um lugar de lazer, em geral muito pouco e de natureza duvidosa; como disse, pura encenao. Imagens de uma cidade dita comunicante (afinal um novo paradigma), onde a pluralidade no passa de dcor cultural (Arantes, 2001).

    A poltica de identidade utilizada no projeto de renovao da Lapa est to

    consolidada que j serviu de base para as intervenes na revitalizao da zona porturia

    do Rio, como sugere a reportagem 'Nova Lapa': Zona porturia do Rio oferece

    programao intensa publicada em fevereiro do presente ano no jornal Extra:

    Alm do samba uma tradio na rea desde os anos 20 e da baixa gastronomia de primeira a regio tem bares e botecos famosos , a zona porturia abriga tambm festas concorridas e at uma boate moderninha.

    5 intervenes em reas porturias, de frentes martimas ou ribeirinhas

  • 7

    (...) Para melhorar ainda mais, a rea deve ser revitalizada pela prefeitura em breve, como aconteceu recentemente com a Lapa. Para quem mora no Rio, mais uma opo de diverso descontrada, a cara do carioca.6

    A preocupao de se reapropriar do centro (dito reabilitado, no meu entender,

    habilitado para as novas exigncias do mercado global) por seus diversos usurios,

    significa polticas financiadoras, promoo de eventos fazendo com que, no discurso

    oficial, diversas classes, se encontrassem num centro histrico renovado. Programar a

    mistura social dentro da lgica do espao pblico faz parte da estratgia desse negcio

    das imagens (Arantes, 2000).

    O aumento do nmero de projetos culturais nos centros antigos apoiado no discurso

    de recuperar qualidades ou funes que estariam sendo perdidas, faz com que a volta do

    espao pblico (que muitas vezes se tornam privados) seja um atrativo para

    investimentos das parcerias. No centro o multiuso e o variado nmero de classes sociais

    convivendo juntos fazem parte do cenrio idealizado pelos sujeitos da ao, para

    justificar seus projetos de renovao. Segundo Bidou-Zachariasen (2006) o discurso da

    diversidade social aparece com o objetivo de que o centro (na atual viso, degradado)

    no permanea como territrio exclusivamente de pobres, seja como smbolo, moradia ou

    lugar de consumo.

    A titulo de reflexo, promover a

    diversidade na Lapa, seria sem eufemismos

    trazer as classes mdias e altas para essa

    regio e promover a expulso (sutil ou no)

    dos mais pobres? Por que ser que nos

    grandes meios de comunicao juntamente

    com o extraordinrio lanamento imobilirio

    Cores da Lapa aparece a expulso de

    moradores que invadiram antigas

    edificaes abandonadas? Por que no se

    fala em promover diversidade social em

    reas nobres, como a Barra da Tijuca (RJ)?

    6 http://extra.globo.com/lazer/sessaoextra/posts/2010/02/26/nova-lapa-zona-portuaria-do-rio-oferece-programacao-

    intensa-269223.asp

    Fig. 2.1-Consultor da Petrobras, o engenheiro Paulo Gouva no seu local de moradia na Rua Gomes Freire.Fonte:http://odia.terra.com.br/portal/rio/html/2009/12/lapa_no_ritmo_das_novas_construcoes_55305.html

  • 8

    3)SMBOLOS, MARKETING E DISCURSOS: TUDO NOS LEVA A BRAND LAPA

    Como vimos no item anterior os projetos urbanos de renovao dos centros

    procuram promover o uso misto e a consolidao da identidade do local. Em agosto de

    2005 os jornais noticiavam o sucesso do primeiro grande investimento habitacional no

    centro do Rio de Janeiro depois de muitos anos. Um grande empreendimento imobilirio,

    o Cores da Lapa seria construdo no local onde antes se encontrava abandonada as

    instalaes de uma antiga cervejaria.

    Percebemos que havia uma vontade poltica, um interesse do poder pblico em colaborar com o projeto", avalia Srgio Segall, dono da Klabin Segall. Ao apoio da prefeitura se juntou um projeto de condomnio desenvolvido nos moldes dos lanamentos da Barra da Tijuca. Ao mesmo tempo, uma campanha macia de marketing foi lanada. Em vez de concentrar a propaganda nos atributos do empreendimento, os incorporadores decidiram investir tambm em uma campanha institucional para promover a Lapa. 7

    A promoo no bairro precisava ir alm dos possveis compradores do

    empreendimento, era preciso que o bairro voltasse a ser o corao da cidade, ser to

    emblemtico como seu principal smbolo, os Arcos. Era preciso construir um novo

    territrio carioca, fazer com que a Lapa fosse o mais carioca dos bairros (identidade

    coletiva). Territrios so construdos como parte indissocivel de processo identitrio

    quando a identidade propugnada, pelo juzo valorativo constitudo em determinada

    relao inter-discursiva (sentido) e por circunstncias histricas definidas (significado)

    (Arajo, 2007).

    Com o intuito de resgatar a vocao residencial do bairro, que j havia resgatado a

    vocao da boemia e de centro de entretenimento,foi criado pela agncia Espalhe o

    movimento Eu sou da Lapa. Para divulg-lo a agncia vinculou o movimento a

    verdadeiros smbolos cariocas da gema. Personalidades do Rio, genunos smbolos

    cariocas, o escultor de areia colombiano, de alma carioca, Alonzo Gmez-Diaz; o

    conhecido saxofonista do metr da Carioca Ademir Leo; e o dolo do surfe do Rio de

    7 GUIA IMOBILIRIO : A Lapa e outras surpresas- Bairros esquecidos pela indstria da construo mostram seu valor no mercado Revista Veja Rio 29.03.2006

  • 9

    Janeiro Dad Figueiredo vestiram a camisa Eu sou da Lapa. As torcidas dos times do Rio

    levantam a bandeira Eu sou da Lapa a cada gol de vitria. 8

    As aes publicitrias aconteceram dois meses antes do lanamento do Cores da

    Lapa. Foram distribudos 40 mil guias; o site do Movimento Eu sou da Lapa teve 6 mil

    acessos em um ms e a comunidade obteve quase 1.500 membros9. Diversas

    reportagens lembraram (ou reinventaram) a identidade do bairro, ressaltando seu carter

    popular, malandragem carioca, agora com mais segurana e opes de lazer. O objetivo

    era fazer com que a Lapa fosse vista como uma opo de moradia, e com isso vender o

    empreendimento da Kablin Segall, criando brand awareness10 para a incorporadora nesse

    novo mercado.

    A estratgia utilizada pela agncia Espalhe, segundo o discurso oficial da mesma, foi

    de que no Rio de Janeiro as pessoas tm o costume de dizer de que bairro so quando

    se apresentam (por exemplo Eu sou de Copacabana, Eu sou de Madureira), sendo

    ento criado o slogan Eu sou da Lapa para posicionar o bairro do empreendimento

    8 http://www.espalhe.inf.br/eventopatrocinio.htm 9Todos os dados do pargrafo foram retirados do site da http://www.blogdeguerrilha.com.br/wiki/index.php5?title=Eu_Sou_da_Lapa 10 Awareness pode ser usado em marketing para medir a percepo do consumidor e identificar as marcas conhecidas por ele. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Awareness

    Fig 3.1 Divulgao do movimento Eu sou da Lapa. Fonte:

    http://acoesdeumaprodutora.blogspot.com/2007_07_01_archive.

    html

    Fig 3.2-Movimento Eu sou da Lapa Fonte:

    http://www.slideshare.net/marketingdeguerrilha/case-de-

    guerrilha-para-klabin-segall-astroturfing

  • 10

    como local de moradia. Para isso utilizaram-se, como j foi dito, de figuras emblemticas

    do Rio de Janeiro, criando-se um movimento popular, usando a ferramenta de

    astroturfing, que nada mais so que aes publicitrias que parecem iniciativas

    espontneas. Cada porta voz cone escolhido para promover a campanha, dentro de seu

    ambiente, vestia camisas com slogan e distribua material publicitrio, convidando todos a

    visitarem o site oficial do movimento.

    O resultado desse investimento de R$ 3 milhes em propaganda foi que no dia 10 de

    novembro de 2005 todos os 668 apartamentos foram vendidos em apenas 2 horas (dado

    oficial da agncia Espalhe). O movimento se tornou realidade em diversas esferas da

    cidade, devido a adoo dos comerciantes da Lapa e ao fato da prefeitura ter endossado

    este na imprensa. Estava aberto o caminho para uma nova Lapa , uma Brand Lapa.

    Na reportagem de capa da Revista O Globo (25.10.2009) a imagem da piscina cheia

    de esteiras e com direito a coqueiros mais parece um clube do que um condomnio, mas o

    ttulo da matria ajuda a localizar tal estrutura: Na Lapa como na Barra - a vida dos

    moradores que comeam a ocupar o primeiro condomnio com estrutura de clube do

    bairro. Parece um tanto contraditrio depois de investir na idia de que a Lapa o mais

    cariocas dos bairros, e de que todos pertenciam a Lapa, comear a se atrelar o modo de

    vida dos condminos ao modo de vida da Barra da Tijuca.

    Para alguns, como viver na Barra. Alm de piscinas e academia, o condomnio

    tem sauna, cinema, pista de boliche, sala de jogos com fliperamas, um estdio para

    bandas,lavanderia,quadra poliesportiva e duas concorridas churrasqueiras. Cad a

    essncia do movimento Eu sou da Lapa? O morador do Cores da Lapa da Lapa? O que

    ser da Lapa? Sair do condomnio e tomar um chopp no bar da esquina ser da Lapa?

    Colocar o nome dos edifcios de Edifcio Ritmo, Edifcio Batuque ou Edifcio Seresta

    ser da Lapa?

    A identidade , assim, marcada pela diferena (Woodward,2002). Lendo

    depoimentos de compradores e atuais moradores do Cores da Lapa vimos que h uma

    certa idealizao do que seria a Lapa, e principalmente vendo o bairro como um novo

    habitante (algum de fora daquele ambiente consolidado). A moradora Dilza Maria

    Baptista (67 anos) afirma na mesma reportagem que O povo do Centro muito

    carismtico, mais solidrio. Aqui nos sentimos mais em casa. Praticamente se cria uma

    viso de forasteiro dentro do bairro dito carioquissimo pelo discurso dos empresrios.

    Aps esse movimento, uma outra interveno na Lapa tambm visa utilizar smbolos

    e discursos para promover investimentos e projetos no local. Em 2009, a Secretaria

    Municipal de Cultura lana o projeto Lapa Legal, vislumbrando um novo e espetacular

  • 11

    projeto de revitalizao urbana. Com esse projeto de ordenamento e novos usos urbanos,

    aes promocionais (como os garis da Lapa, por exemplo) e o incentivo para que uma

    populao mais abastada more e consuma no bairro, ir recontar uma nova histria da

    Lapa.

    O projeto Lapa Legal visa o aproveitamento do potencial cultural e turstico da regio, o ordenamento pblico e a regularizao urbana da rea e seu entorno, a preservao do patrimnio arquitetnico do Rio antigo e a formulao de intervenes urbansticas que os alinhem ao Rio contemporneo, assim como o fomento captao de recursos e investimentos da iniciativa privada, para a dinamizao das atividades culturais e a gerao de empregos. De acordo com as diretrizes iniciais, o grupo de trabalho busca, a partir de um diagnstico scio-cultural , estruturar aes integradas de intervenes urbanas que promovam efetivo ordenamento do espao pblico e requalificao do ambiente cultural da Lapa .11

    Com casas de show, condomnios fechados, bares sofisticados, a Lapa tem

    conseguido seu lugar luminoso na dinmica urbana do Rio de Janeiro. Nuria Benach

    (1993), na sua Barcelona Olmpica, ressalta: a revitalizao da cidade necessita, em

    outras palavras, ser acompanhada de uma imagem de cidade revitalizada para ser

    efetiva. E a Lapa tem passado por transformaes progressivas, seja pela ordenao e

    Reurbanizao do Projeto Lapa Legal, seja pela obra de recuperao dos arcos

    (patrocinado pelo Banco Santander). H menos de dois meses se lanou o fim de

    semana Legal, quando o trnsito de carros e nibus ficou proibido nas noites de sextas e

    sbados nas ruas prximas aos Arcos da Lapa.

    Arcos da Lapa: iluminao cenogrfica

    A gente est pensando em fazer o que se faz na orla, que ter ruas fechadas como rea de lazer. A CET-Rio estuda fech-las nos dias de maior movimento, talvez de quinta a domingo, revelou o prefeito, que conta com a ajuda do grupo Garis da Lapa, para a limpeza do local. Lanado quinta-feira, o projeto rene 24 garis.

    Era muito comum ver pessoas urinando na base dos Arcos. Agora, haver um reforo de conservao.

    Formamos uma garizada com qualidade. hora de ter um olhar de sndico sobre a cidade, pediu Paes.12

    11 Trecho retirado Projeto Lapa Legal ( Secretaria Municipal de Cultura Maro/Abril 2010) 12 Site O Dia 31.05.2010

  • 12

    Jeudy (2005:09) afirma que novas estratgias de marketing, ou mesmo branding

    urbano, ditas de revitalizao, buscam construir uma nova imagem para as cidades

    contemporneas que lhe garantam um lugar na nova geopoltica das redes internacionais.

    Essa busca pela imagem sntese, por uma simbologia capaz de vender projetos

    urbanos mostra que modelos, como o de Barcelona, esto sendo lembrados para

    implantar certas medidas na Brand Lapa. Em recente reportagem intitulada Lapa que

    pode ganhar ares de Las Ramblas, famosa avenida de Barcelona13, percebemos que a

    diversidade to presente inicialmente nos discursos, est sendo substituda por uma Lapa

    mais elitizada, onde as pessoas procuram praticidade, lazer e qualidade de vida.

    A cara da nova Lapa dobrou o valor dos aluguis. Hoje, um conjugado de 35 metros quadrados mobiliado, com TV de tela plana e Internet banda larga, alugado por at R$ 2.500 por ms. Os preos j esto iguais ou at maiores que os de Copacabana e Flamengo, constata Rogrio Quintanilha, gerente-geral da Apsa, imobiliria e administradora de imveis14

    Enfim, o que significa ser da Lapa? O que est implcito nessa idia de

    pertencimento? Como o processo de formao de uma identidade pode ser estratgico e

    objeto de poder e disputa? Como um territrio se modifica de acordo com a construo da

    identidade, ou seja, na Lapa a relao centro- periferia mutvel de acordo com os

    discursos e posies de sujeitos15? Segundo Woodward (2002), Os discursos e os

    sistemas de representao constroem os lugares a partir dos quais os indivduos podem

    se posicionar e a partir dos quais podem falar.

    13 Prefeitura planeja obras na rea dos Arcos da Lapa para privilegiar pedestres O Globo online (20.08.2010) 14 Lapa no ritmo das novas construes Valorizao de imveis residenciais muda o bairro, mas crescimento acelerado preocupa moradores (O Dia online 26.12.2009) 15 Corresponde ao lugar de onde se fala/ campo onde o sujeito se constitui como sujeito

  • 13

    4) DISNEYFICAO DA BRAND LAPA: CULTURA VISUAL, CON TROLE ESPACIAL E ADMINISTRAO PRIVADA

    O poder pblico tem corroborado para uma tendncia de disneyficao da Lapa, ao

    se comprometer com um diferenciado projeto de revitalizao de centro, com distintas

    apropriaes do espao, seja pelo uso misto, seja pela diversidade social. Segundo Zukin

    (2003:13), fascinante notar como Disney World idealiza o espao pblico urbano. Para

    administradores urbanos em busca de estratgias de desenvolvimento econmico e

    filsofos pblicos desesperados com o declnio da civilidade, Disney World oferece uma

    estratgia competitiva de consenso.

    Visivelmente as figuras da boemia e da malandragem esto intrinsecamente ligadas

    a construo dessa Lapa para todos. No artigo da sociloga Sharon Zukin (2003),

    Aprendendo com Disney World, possvel perceber que as coincidncias entre a Lapa e

    a economia simblica baseada na Disney vo muito alm do nosso eterno malandro Z

    Carioca. O prefeito Eduardo Paes at pode ter lembrado dessa figura emblemtica para

    implementar os novos garis da Lapa16, mas o que realmente chama ateno so os

    passos para se fabricar um pseudo espao pblico sugeridos por Zukin.

    16

    Vide imagem da capa

    Fig. 4.1 Comparao Gari da Lapa e Z Carioca. Fonte: Imagens modificadas pela autora.

  • 14

    Logo no resumo do artigo uma passagem mostra qual espao pblico Zukin est

    tratando: projetando na fantasia coletiva uma paisagem urbana vernacular de assepsia,

    segurana e civilidade. Misto de cultura visual, controle espacial e administrao privada.

    A diversidade social, to enfatizada nessa Lapa revitalizada, pode existir sem ser

    domesticada? Outro ponto interessante que o centro tido como o espao pblico por

    excelncia, sendo projetado para a necessidade de promover a diversidade social e o

    uso misto (prtica adotada em demasia no planejamento estratgico).

    Para atender a essa demanda de estarmos juntos e juntos sermos entretidos criou-

    se um mercado de bens de consumo de massa de alta qualidade em espaos de

    consumo elitizados.

    A necessidade de conectar e de formar comunidades sociais cria um mercado para

    muitos tipos de associaes e centros de convenes para que nos encontremos (Zukin,

    2003:16). E para fabricar esse lugar do pseudo espao pblico, a autora fez um certo

    manual, que parece ter sido seguido na nossa Lapa. Em primeiro lugar, Comercialize

    esta imagem como smbolo da cidade, essa no foi a tentativa do movimento Eu sou da

    Lapa? O fato de ser vendido como o mais carioca dos bairros (uma essncia da

    identidade do carioca alm do carto postal com os Arcos) tambm promove uma imagem

    sntese.

    Em segundo lugar: Pegue uma rea da cidade que reflita esta imagem. Nada melhor

    que um centro histrico revitalizado para modelo. Segundo Motta (2000: 263) os stios

    histricos foram, assim, acrescidos de um novo valor simblico, proveniente do que

    tambm tem sido chamado de crise de identidades, capitalizado pelo mercado de

    consumo e vulgarizado em sua dimenso simblica como marca- ou griffe.

    E por ultimo, mas no menos importante, Zukin recomenda coloque a rea sob

    administrao privada, cujo desejo de limpar o espao pblico tem ajudado a fazer dos

    corpos de segurana privada uma das ocupaes em mais rpida expanso. Mas essa

    no a caracterstica mais marcante da Lapa? O processo de revitalizao urbana surge

    da iniciativa privada, e ainda hoje, impulsionada por esta.

    Portanto, esse fenmeno disneyficao fez com que esta formulasse um novo tipo

    ideal de espao urbano baseado na cultura visual, controle espacial e administrao

    privada. A poltica urbana fundamentada na promoo de imagens snteses (re-

    significaes) no s requer mecanismos de controle scio-espaciais (tal como choque

    de ordem) como se movimenta primordialmente pelo setor privado. Dessa forma, a Lapa

    pode ser pensada como um novo modelo de espao urbano? Seria esse modelo baseado

    numa cultura pblica dirigida ao consumismo?

  • 15

    Assim sendo, podemos analisar que os projetos inseridos na Lapa atual (na Brand

    Lapa) e aqueles pensados anteriormente, na dcada de 90, passeiam pela histria do

    bairro como se passado e presente fossem uma realidade nica, ou seja, mesmo que por

    meio de cenrios a Lapa continua sendo bomia e bero da malandragem carioca. Ser

    que a fotografia dos garis da Lapa (figura 4.1) divulgada nos jornais busca esse passado

    reeditado?

    O escritor francs Guy Debord no seu clssico A sociedade do Espetculo

    (publicado inicialmente em 1967) afirma: O espetculo o capital em tal grau de

    acumulao que se torna imagem. Criar cenrios, smbolos, que ajudem a promover o

    local se tornou uma receita para os projetos de centros revitalizados. Colocar um chapu

    nos garis pareceu uma estratgia cnica, algo que no influenciasse na percepo

    sensitiva do freqentador da Lapa.

    Borja e Castells (...) definem a cidade como sendo a basicamente um espao simbitico (poder poltico- sociedade civil) e simblico ( que integra culturalmente , d identidade coletiva a seus habitantes e tem um valor de marca e de dinmica com relao ao exterior).A combinao de cultura cvica e consenso pblico (...) formariam a argamassa dessa construo de cidade (...)(Arantes, 2003:57)

  • 16

    5) Consideraes Finais

    Para concluir constatamos que o carter estratgico da construo da identidade e

    do territrio est inserido no modo de planejar a cidade, principalmente no projeto de

    renovao do centro do Rio de Janeiro. No caso da Lapa, a produo de identidades e

    simbolismos uma antiga vocao da poltica adotada no lugar. A Lapa to presente na

    literatura como grandes nomes como Machado de Assis, ou nos sambas como o famoso

    Lapa em trs tempos17 da Portela de 1971 onde versos como A Lapa de hoje, a Lapa de

    outrora, Que revivemos agora enaltecia a rica histria de um bairro carioca que, segundo

    o samba, no existe mais.

    Para abrigar novas funes e atender as demandas de um novo pblico o

    movimento Eu sou a Lapa veio estrategicamente reanimar a identidade do lugar e

    apostou numa abordagem cvica, onde a noo de pertencimento se atrelaria a um novo

    consumo do lugar (ou tambm pode ser visto como um lugar do consumo), ou seja, a

    Lapa nada mais que a carteira de identidade do carioca, a coeso que qualquer governo

    necessita para legitimar sua poltica.

    Entretanto como a identidade tambm construda pela alteridade, quem sero os

    includos e excludos desse processo? Ser que esse uso misto conseguiu estabelecer

    um territrio diferenciado pela riqueza da diversidade? Ser a vocao da Lapa, palco de

    tantas lutas polticas, lugar do pblico e do conflito, abrigar sempre diversas Lapas

    desterriorizadas (Haesbaert, 2004)? H indcios de elitizao nos novos usos residenciais,

    visto que h tentativas de remoes foradas de moradias irregulares juntamente com o

    lanamento de um grande empreendimento imobilirio ocorrendo uma valorizao

    fundiria? E o que dizer das novas casas noturnas voltadas para o espao privado

    convivendo com bares e ruas tomadas de pessoas?

    Quem da Lapa? Quem adotou a Lapa como identidade carioca e tradicional reduto

    da bomia? Ser a Lapa um bairro com complexo de Z Carioca ou uma releitura de um

    bairro revitalizado (modernizado) e na medida do possvel com uma nova ordem urbana?

    17

    Samba enredo do Grmio Recreativo Escola de Samba Portela (1971). Autoria Ary do Cavaco e Rubens

  • 17

    6) Referncias Bibliogrficas

    ARANTES, Otilia B. Urbanismo em Fim de Linha e outros estudos sobre o colapso

    da modernizao arquitetnica So Paulo Ed. Universidade de so Paulo,2001.

    ARANTES, Otlia , VAINER, Carlos , MARICATO, Ermnia . A cidade do pensamento

    nico: Desmanchando Consensos Petrpolis, Ed.Vozes , 2000

    ARAUJO, Frederico G. B. de Identidade e Territrio como simulacros discursi vos ,

    in Araujo, Frederico G. B. de e Haesbaert, Rogrio (ed.); Identidade e Territrio: questes

    e olhares contemporneos. Rio de Janeiro, Acess, 2007.

    BENACH, Nria. Produccin de imagen em La Barcelona del 92. Revista Estdios

    Geogrficos. Ao LIV, num.212, Julio-septiembre,1993.

    BIDOU-ZACHARIASEN, Catherine. De volta cidade: dos processos de gentrificao

    s polticas de revitalizao dos centros urbanos . So Paulo: Annablume, 2007.

    CAIAFA, Janice. Jornadas urbanas: excluso, trabalho e subjetividad e nas viagens

    de nibus na cidade do Rio de Janeiro . Rio de Janeiro: FGV, 2002.

    DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetculo Ed. Contraponto , 1997 (traduo Estela

    dos Santos Abreu) ISBN 978-85-85910-17-4

    HALL, Stuart Quem Precisa da Identidade?, in Silva, T. T. da (ed.); Identidade e

    Diferena: a perspectiva dos estudos culturais, Petrpolis, Vozes, ; 2000.

    HAESBAERT,R. Identidades territoriais: entre a multiterritoriali dade e a recluso

    territorial . In: ARAUJO.F.G.B; Haesbaerth, R. (Orgs). Identidades e Territrios: questes

    e olhares contemporneos. Rio de Janeiro, Access,2007.

    JEUDY, Henri-Pierre. Espelho das Cidades , Casa da Palavra, Rio de Janeiro, 2005.

  • 18

    MAGNANI, Jos Guilherme Cantor. De perto e de dentro: notas para uma etnografia

    urbanaDe perto e de dentro: notas para uma etnograf ia urbana . Rev. bras. Ci. Soc.

    [online]. 2002, vol.17, n.49, pp. 11-29. ISSN 0102-6909.

    MOTTA, Lia. A apropriao do patrimnio urbano: do esttico est ilstico nacional ao

    consumo visual global. Arantes, Antnio (org). O espao da diferena. Campinas, SP:

    Papirus,2000.

    MUNHOZ, Francesc. Brandcelona. La ciudad est em venta. Barcelona : La

    Vanguardia, 8.10.2003

    Projeto Lapa Legal Intervenes Estruturantes Prefeitura Municipal do Rio de

    Janeiro-Secretaria Municipal de Cultura Subsecretaria de Patrimnio Cultural,

    Interveno Urbana, Arquitetura e Design. Gerncia de Interveno Urbana / Marco/Abril

    2010

    SNCHEZ, Fernanda. Arquitetura e Urbanismo. Espaos de representao n a cidade

    contempornea. Revista Veredas. Centro Cultural Banco do Brasil. Ano 4, n.41, maio

    1999.

    ___________________ A Reinveno das Cidades pra um Mercado Mundial .

    Chapec: Argos Editora, 2003.

    SCHWARCZ, L. K. M. . O Complexo de Z Carioca. Sobre uma certa ordem da

    mestiagem e da malandragem. In: XVIII Reunio Anual da ANPOCS, 1995, Caxambu.

    Revista Brasileira de Cincias Sociais. So Paulo : ANPOCS, 1994. v. 29. p. 53-75.

    SILVA, Hlio. Travestis: entre o espelho e a rua. Rio de Janeiro: Rocco, 2007.

    WOODWARD, KathrynIdentidade e Diferena: uma introduo terica e co nceitual, in

    Silva, T. T. da (ed.); Identidade e Diferena: a perspectiva dos estudos culturais,

    Petrpolis, Vozes, 2002.

    ZUKIN, Sharon. Aprendendo com Disney World . Espao e Debates, So Paulo, v.23,

    n.43-44, 2003.