jornal cinantrop

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28abril 2 maio Batalha, Leiria, Marinha Grande, Ourém 13-17 junho | Lisboa Cinema City de Alvalade e Fundação Arpad Szenes e Vieira da Silva Tiago Bartolomeu 2 Neni Glock: um realizador brasileiro em Portugal 8 Museu de Ílhavo: a pesca do bacalhau 7 Parceria com as Câmaras Municipais da Alta Estremadura 10 Érico Hiller 4 Sinopses de filmes em exibição Organização Parceria Estratégica Co-produção Parceiros de Comunicação Parceiros de Internacionais Apoios

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Consulte aqui o Jornal cinantrop - Festival Internacional de Cinema Etnográfico - Edição 2015

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28 abril2 maioBatalha, Leiria, Marinha Grande, Ourém

13-17 junho | LisboaCinema City de Alvalade e Fundação Arpad Szenes e Vieira da Silva

Érico HillerENTREVISTA

Tiag

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omeu

2 Neni Glock: um realizador brasileiro em Portugal

8 Museu de Ílhavo: a pesca do bacalhau7 Parceria com as Câmaras

Municipais da Alta Estremadura 10 Érico Hiller4 Sinopses de filmes em exibição

Organização Parceria Estratégica Co-produção Parceiros de Comunicação Parceiros de Internacionais Apoios

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cinANTROP 2015

Neni Glock um realizador brasileiro em Portugal

Como apareceu o cinema na sua vida?

Realizou alguns documentários em Portugal. Como é que tudo aconteceu? Não é propriamente cinema o que faço e sim documentários. Comecei como fotógrafo e depois fui repórter de imagem no jornalismo em canais de televisão no Brasil. Quando vim para Portugal a ideia era trabalhar em televisão, mas a fotografia edi-torial ocupou a cena toda. Acabei por realizar alguns programas para a TV e após alguns anos passei a produzir meus próprios documentários. Posteriormente, com o apoio da RTP2, produ-zimos os últimos três que realizei em Portugal antes de meu retorno ao Brasil em 2012.

Tem referências de outros realizadores que o inspiram? No cinema tenho várias referências, desde os mais antigos, como os contemporâneos, “me gustan las películas de Almodó-var”, ou a outro extremo, o Tarantino. Prefiro o cinema europeu, é mais autêntico. Os americanos são voltados mais para o entre-tenimento, espetáculo. Sempre gostei dos filmes do Herzog, das décadas de 70 e 80, aliás acho que os filmes dele é que afinal me inspiraram muito, já tinham aquela linha documental. Tam-bém Wim Wenders, acredito que tenha me influenciado.

Teve a oportunidade de exibir o documentário “A Vida das Aldeias Transmontana”, na RTP2. Interessa-lhe mais realizar para estar presente no circuito televisivo ou de festivais? Gosto de ver meus “filmes” no grande ecrã. São feitos pensan-do nisto. A linguagem que busco é principalmente para grandes formatos, cenas mais paradas, contemplativas, diferente da ação que o pequeno formato exige para despertar e fixar a atenção.

A televisão tem a vantagem de ter um alcance maior de público, uma vez que ainda é raro aqui no Brasil, um documentário en-trar em circuito comercial.

Concluo que teve oportunidade de viajar de Norte a Sul do país. Qual a região que mais o marcou? Vivi 22 anos em Portugal, em Lisboa, e viajei muito por todas as regiões, a trabalho e a passeio, por terra e por ar (helicóptero). Portugal, apesar de ser um país relativamente pequeno, é muito diversificado em seus costumes e bastante contrastante em sua natureza, de Norte a Sul, de Leste a Oeste. Trás-os-Montes talvez tenha sido o lugar que menos visitei, mas que se entranhou em mim durante a produção e realização do documentário Trans-montano. Da mesma forma o Alentejo.

Como define a identidade dos portugueses com base na sua passagem por cá?Nunca me senti um estrangeiro em Portugal, afinal fomos co-lónia e nossas histórias se confundem. Identifico o português como um povo hospitaleiro, amigável e pacato. Aventureiro des-de o tempo dos Descobrimentos e, mesmo hoje, há portugue-ses espalhados por todos os cantos do planeta. Trabalhadores, saudosistas e profundamente religiosos. Mesmo longe de sua terra natal, cultivam sua identidade e a transmitem aos seus descendentes através de sua música, gastronomia e costumes.

Quando está a filmar, leva consigo uma equipa técnica ou faz tudo sozinho? Há muitas maneiras de se realizar um projeto documental. Há aqueles que vivem de voz off coberto com imagens, outros que vivem basicamente de depoimentos e também há os que são ficcionados, estes certamente exigem, além dos actores uma

equipa técnica mais numerosa. O que busco em meus docu-mentários é a intimidade com as pessoas retratadas, sem luzes extras, ou planos elaborados. A vida como ela é, na medida do possível! Normalmente a equipa é composta por um engenheiro de som e um câmara/diretor de fotografia/realizador que sou eu mesmo. Já produzi e realizei alguns sozinho, mas não é o ideal, ganha-se em intimidade mas perde-se em qualidade de som e limita também a imagem.

O cinema documental no Brasil está bem de saúde?É diferente de Portugal, acho que os portugueses e os europeus em geral, valorizam mais o género. Os festivais mais conheci-dos no Brasil, principalmente os internacionais, atraem um bom público, principalmente para as ficções. Os documentários aca-bam por ficar para segundo plano, como uma arte menor. En-tretanto, belos documentários são produzidos diariamente por aqui, muitos deles com baixo orçamento ou por vezes até sem dinheiro nenhum, só na raça, na vontade. A era digital veio para democratizar a imagem e revelou talentos. Produz-se muito mas vê-se pouco.

Para terminar, concorda com a causa do CinANTROP, em pretender divulgar e preservar as identidades dos po-vos a partir do cinema? Acho fundamental preservar a identidade dos povos, se não formos nós a nos preocupar em guardar nossa memória, quem o fará? Um povo sem memória é um povo sem história. Méritos ao CinANTROP.

Entrevista de Bruno Gaspar

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cinANTROP 2015

Neni Glock nasceu em Curitiba, Estado do Paraná, em fevereiro de 1954.

Residiu em Portugal de 1990 até ao final de 2012.

Trabalhou como repórter de imagem para a TV Iguaçu, Curitiba, durante cinco anos.

Fotógrafo profissional há mais de 25 anos, participou em várias exposições individuais e colectivas no Paraná, Santa Catarina, são Paulo, e também na Argentina, Portugal e Inglaterra (Londres).

Foi Director de Fotografia e câmara numa Produtora de Curitiba e Director de vídeos institucionais para o Governo do Estado de Paraná.

Como fotógrafo publicou em diversas revistas portuguesas e bra-sileiras.

Autor das fotografias do livro “Os Eléctricos de Lisboa” - Gradiva 1995 - Portugal.

Autor das fotografias do livro “Tejo” – Caminho 2009 – Portugal.

Realizou programas para a televisão portuguesa: RTP, RTPN, TVI, tendo sido autor e realizador de documentários para a RTP2.

Foi realizador de vídeoclips e making ofs publicitários.

Realizou ainda vídeos institucionais em Angola, para a ONG Insti-tuto Marquês de Valle Flôr, com publicação de um livro fotográfico.

Percurso

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cinANTROP 2015

RedemptionOrigem Portugal

Realizador Sandro Aguilar

Memórias escondidas e tesouros perdidos dos nossos primeiros habitantes.

Sinopses

Origem Portugal

Realizador Miguel Gomes

No dia 21 de Janeiro de 1975, numa aldeia no norte de Portugal, uma criança escreve aos pais em Angola para lhes dizer como Portugal é triste. No dia 13 de Julho de 2011, em Milão, um velho recorda o seu primeiro amor. No dia 6 de Maio de 2012, em Paris, um homem diz à filha bebé que nunca será um pai de verdade. Durante um casamento no dia 3 de Setembro de 1977, em Leipzig, a noiva luta contra uma ópera de Wagner que não lhe sai da cabeça. Mas onde e quando estes quatro pobre diabos começaram à procura da redenção?

False Twins

A vida que a gente só ouve falar

Origem Brasil

Realizador Júlia Tami Ishikawa

Sioneide e Antônio não sabem ler nem escrever, a ex-vereadora e o zelador de uma escola transformam a per-cepção da linguagem quando o saber depende de ouvir. De Manari, em Pernambuco, a Franco da Rocha, em São Paulo, ouvimos histórias que nunca foram escritas.

Uma vida mais simples

Origem Portugal

Realizador Inês Alves

A vida de uma família portuguesa em África, entre os anos 50 e 70, contada a partir de imagens de arquivo.

“Na despensa de casa dos meus pais, perdidas entre vassouras e latas de feijão, encontrei várias K7s VHS com o titulo “África. Eram cópias de filmes com imagens de Moçambique e África do Sul, gravadas pelo meu avô em 8mm entre os anos de 1954 e 1978. Percebi que estava ali uma parte importante da vida dos meus avós e da minha família. Resolvi mostrar-lhes as imagens que não viam há muito, na esperança que lhes avivasse as memórias. Sen-tei-me para ouvir o que tinham para contar.”

Origem Portugal

Realizador SIlvino Espalha

O realizador nazareno Silvino Espalha regista as palavras do seu conterrâneo, Domingos Batista Soares Couto. Das mãos do senhor Domingos, nascem desenhos e poemas nas paredes da praia da Nazaré que o oceano Atlântico viu nascer.

Do Mar ao Fado

Origem Portugal

Realizador Joaquim Dâmaso e Manuel Leiria

“Pastor Polis” é um dia na vida de António Neves, o pas-tor que quotidianamente passeia o seu rebanho no percur-so que mudou o rosto de Leiria e revolucionou a vida e os hábitos da cidade e dos seus habitantes

Pastor Polis

Origem Brasil

Realizador Neni Glock

Cenários de desertificação. Duas histórias distintas em Trás os Montes no Portugal profundo. Uma aldeia que está a desaparecer e outra que ganha um novo impulso.Em Cubas, os pássaros e a criação são testemunhas da soli-dão do único casal residente. Toda a gente foi embora.Em Cerdedo, a história era a mesma, o abandono quase sem volta. Porém, um jovem emigrante regressa com mulher e dois filhos, trazendo a esperança de continuidade. 55 min. - Ano de produção 2011.

Transmontanos

Origem Portugal

Realizador André Pereira

O dia de um casal no espaço em que passaram a maior parte da sua vida. Uma mulher que se dedica por completo ao marido e àquele lugar. Uma relação marcada pela sim-plicidade. Um filme que olha de uma forma diferente para um dia igual a tantos outros na vida destas duas pessoas

O casal

Origem Brasil

Realizador Dewis Caldas

O que aconteceria se colocassem electricidade na viola--de-cocho? Este é o tom do documentário “O nascimento da Guitarra-de-Cocho”, que regista o surgimento - em pleno 2014 - do instrumento que juntou um dos maiores símbolos do centro-oeste brasileiro, a viola-de-cocho, com o rock and roll.

O nascimento da guitarra-de-cocho

Origem Portugal

Realizador Ricardo Leite

«Baseado nos “diálogos com leucó” do poeta italiano Cesare Pavese, este filme desenrola-se num cenário analo-gamente mítico. Ariadne acorda na praia da ilha de naxos, abandonada por Teseu, cujo barco veleja já longe da costa. Mas um eterno fio lhe prende o pulso, será sinal de bom augúrio ou maldição?

A vinhaOrigem Portugal

Realizador Miguel Filgueiras

Alto do Minho, mais do que um documentário é uma impressão. Parte de terras baixas para a época alta, para mostrar diversas matizes. O antes e o depois, que são os mesmos ciclos Atlânticos imutáveis da paisagem monta-nhosa, apesar de tudo. E o alto. Onde o profano se con-funde com a fé como o passado com a actualidade. Alto do Minho, mais do que um filme é um retrato que mexe. Relances que podem ter ao fundo o épico de Gance, mas que são uma observação etnográfica pop, à superfície do sentimento latente. Congela anónimos e paisagens de ro-marias, geografias em planos numa montagens impressio-nista, de uma subjetividade a roçar o aleatório.

Alto do Minho

Origem Portugal

Fotógrafo Tiago Bartolomeu

A fotografia aparece na vida de Tiago Bartolomeu como um escape necessário a um período que se adivinhava longo e isolado. Durante as várias viagens que fez a Áfri-ca, por motivos profissionais, fotografou este continente à medida do seu olhar peculiar.

África

Origem Portugal

Realizador Pedro Neves

Esta é a história incrível de um homem que é o único habitante da ilha Deserta, no Algarve. Trabalhou nas obras e numa fábrica de plásticos mas estava sempre doente. O médico aconselhou-o a mudar de vida e fez do seu hobby profissão. Em 1981 largou tudo e veio para a ilha Barreta, mais conhecida pela Deserta. É pescador, cozinheiro, con-versador e inventor. Vive sozinho, com o seu trabalho, a observação de pássaros, os seus pensamentos e passeios, as patuscadas para os amigos que aparecem, as suas in-venções. Adora a vida que tem e conhece todos os recan-tos da ilha. Chamam-lhe A Raposa da Deserta.

A raposa da Deserta

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cinANTROP 2015

Nas tribos do Vale do Omo - Etiópia

Origem Etiópia

Realizador Érico Hiller

As tribos do vale do rio Omo, no sul da Etiópia, são algu-mas das mais preservadas de toda a África. O aumento do turismo e a construção de novas estradas estão alteran-do os costumes desses povos. A barragem Gilgel Gibe III, prevista para ficar pronta em 2013, pode ainda alterar o regime de cheias e secas do rio Omo, essencial para a vida desses povos que plantam em suas margens.

Origem Portugal

Realizador Neni Glock

O acidente atómico em Chernobyl na Ucrânia em 1986, além das perdas humanas, transformou a vida de milhares de pessoas, também nos países vizinhos como a Alema-nha. Muitos foram os que deixaram suas terras com receio dos ventos e chuvas radiotivas e saíram em busca de novos ares. O Alentejo, em Portugal, foi um dos destinos de elei-ção de um grupo destas pessoas, na sua maioria amantes da filosofia hippie. 54 min. - Ano de produção 2012

Hamburg – Alentejo

Origem Portugal

Realizador Eco (Associação Cultural de Leiria)

Em 2013 nasceu o cinANTROP. A organização convidou várias associações culturais da cidade de Leiria para parti-ciparem neste evento. A eCO aceitou o convite e colaborou com uma exposição de fotografia que decorreu no MIMO. Desta vez, vamos exibir algumas dessas fotos sobre as gentes da Praia da Vieira que ainda se fazem ao mar. An-tónio Campos, o realizador leiriense que homenageamos em todas as edições, com a entrega de um prémio com o seu nome, também as registou com a sua câmara.

Outras Gentes da Praia da Vieira

Origem Brasil

Realizador Edivaldo Moura

O Cine Argus movimentou a vida cultural da cidade de Castanhal, no nordeste do Pará, e influenciou diversas ge-rações durante seu período de funcionamento, de 1938 até ao seu encerramento, em 1995.Este documentário re-cupera a história desse importante cinema de rua, através do registo de memórias de funcionários e frequentadores.

Memórias do Cine Argus

Origem Portugal

Realizador Fernando Santiago

A particular visão pictórica e cinematográfica de Fernan-do Santiago está reflectida nestas imagens captadas nos anos sessenta com uma Câmara Super 8, mostrando a vida das gentes e da sua relação com o mar nesta povoação da costa portuguesa. Em 2014, Adán Santiago recupera estas imagens e realiza “Peniche 1967”.

Peniche 196701.05 . 15h30 | M/12ÁFRICA Fotos de Tiago Bartolomeu – 2’30’’

NOITE DOS TAPETES- ENTRE O DIVINO E O PROFANO Flávio Cruz, 2014 – 13’

ALTO DO MINHO Miguel Filgueiras, 2012 – 49’21”

18h30 | M/12 SESSÃO DA ECO, DEDICADA A NENI GLOCK OUTRAS GENTES DA PRAIA DA VIEIRA, ECO, Portugal, 2013 – 2´30”

TRANSMONTANOS Neni Glock - Brasil, 2011 – 55´

HAMBURG – ALENTEJO Neni Glock, 2012, 54´´

21h30 | M/12 SESSÃO COMPETIÇÃO NACIONALÁFRICA Fotos de Tiago Bartolomeu – 2’30’’

A RAPOSA DA DESERTA Pedro Neves – 90

02.05 . 15h00 | M/12O CASAL André Pereira – 12’

O NASCIMENTO DA GUITARRA-DE-COCHO Dewis Caldas – 24’

MEMÓRIAS DO CINE ARGUS Edivaldo Moura – 22’

DO MAR AO FADO Sílvino Espalha – 2’30’’

18h30 | M/12 ELOGIO DO MEIO Pedro Sena Nunes – 12’

O CASAL André Pereira – 12’

21h30 | M/12A VINHA Ricardo Leite – 17’

FALSE TWINS Sandro Aguilar – 21’

PENICHE 1967 Adán Santiago – 27’30’’

PENICHE ANTIGAMENTE Francisco Jesus Salvador, João Nascimento, António Cova e Paulo Assim – 5’16’

28.04 10h30 e 15h30 | M/12 A VIDA QUE SÓ A GENTE OUVE FALAR Júlia Tami Ishikawa – 20’

DO MAR AO FADO Silvio Espalha – 20’29”

29.0410h30 e 15h30 | M/12NAS TRIBOS DO VALE DE OMO - Etiópia Érico Hiller – 3’

UMA VIDA MAIS SIMPLES Inês Alves – 39’

02.0510h30 e 15h30 | M/12OUTRAS GENTES DA PRAIA DA VIEIRA eCO – 1’30”

MANUEL LIMPINHO Silvino Espalha – 9’30”

CURA Pedro ALves – 17’25”

MORCELA DE ARROZ Ricardo Portela, Sofia Mota, Joel Rainho – 12’

PASTORPOLIS Joaquim Dâmaso e Manuel Leiria – 12’

LeiriaTeatro Miguel Franco Leiria

30.04 QUE ESTRANHA FORMA DE VIDA Pedro Serra, 2014 – 109’

Batalha MCCB Museu da Comunidade Concelhia da Batalha

Leiria Mimo Museu da Imagem em Movimento

Marinha Grande Foyer da Casa da Cultura Teatro Stephens

Ourém Museu Municipal de Ourém

Horário

Origem PortugalImagens Francisco Jesus SalvadorMúsica João NascimentoVoz António CovaPoema Paulo Assim

A partir de um conjunto de gravações do inicio da se-gunda metade do século XX, sobre Peniche, o CinANTROP desafiou o poeta Paulo Assim para escrever um poema. Depois, João Nascimento musicou esta curta-metragem que tem António Cova a dar voz ao poema. Uma combina-ção perfeita do passado com o presente.

Peniche antigamente

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cinANTROP 2015

Bruno Gaspar3.ª edição do CinAntrop

Chegámos à terceira edição do cinANTROP. Hoje, definimos este projecto como uma causa, sendo por isso, mais que um festival de cinema cingido a uma semana de sessões por ano. Em 2013, fizeram parte da programação, filmes premiados em outros festivais internacionais, desta-cando-se o do Recife (Brasil). Estreitámos relações com algumas associações culturais de Leiria, que ainda hoje se mantêm.

A necessidade de elevar o cinema etnográfico para preservar as identidades dos povos e ao mesmo tempo, promover as regiões, deve-se à nossa inspiração na vida e obra do realizador António Campos. Com muitos ou poucos recursos, prosseguimos com as nossas intenções. Assim foi também o realizador de “Vilarinho das Furnas”.

A criação do prémio António Campos, que atribuímos desde a nascença do CINANTROP, é uma marca indelével do festival. Motivamos reali-zadores e improváveis cineastas a registar o património material e imaterial, com olhos de câmara de filmar.

A vontade de engrandecer este projecto motivou-nos a tentar elevar a Alta Estremadura, a capital do cinema etnográfico do nosso país. Não é descabida a ideia e, por isso, convidámos outros concelhos desta região. Neste momento 4 já fazem parte. Em 2014 juntou-se a Leiria, Batalha e Ourém. Este ano, foi a Marinha Grande a abrir-nos as portas. Poucos faltam para fazer parte desta família. Esperamos contar com eles na próxima edição.

Continuaremos a insistir na formação de público. Levaremos cinema aos meios rurais, ao mesmo tempo que desenvolvemos um conjunto de actividades com o IPL (Instituto Politécnico de Leiria) e a Universidade Nova de Lisboa. A dimensão científica e académica é um caminho a trilhar. Fomentar no ensino em geral os nossos objectivos, sempre focados na identidade dos povos.

O facto de recorrermos aos museus para desenvolvermos parte das actividades, serve para os promover e enriquecer a sua programação. Nos museus da Região Centro vamos exibir os filmes selecionados deste ano. Na Fundação Árpad Szenes – Vieira da Silva, em Lisboa, inicia-remos uma nova temática, focada no cinema documental biográfico, que passará a fazer parte das futuras edições. Vamos estar presentes no aniversário da pintora Maria Helena da Silva, para exibir um documentário sobre a mesma, seguindo-se um debate com alguns docentes da Universidade Nova de Lisboa.

Texto de: Bruno Gaspar

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cinANTROP 2015

BATALHA

CinANTROP é a marca de um Festival Internacional de Cinema Etnográfico, já na terceira edição, num projeto da autoria de Bruno Gaspar, jovem empreendedor, da Batalha, com uma enorme capacidade criativa.

É com enorme gosto que o Município da Batalha se associou ao convite para se envolver, uma vez mais, neste importante evento que oferece um fantástico cardápio de filmes de inte-resse etnográfico e documental, realizados em Portugal e no estrangeiro.

Tendo em vista a divulgação conjunta da região, a Batalha junta-se a Leiria e a Ourém num festival que junta a defesa do património imaterial ao cinema, numa altura em que o cinema de autor ganha adeptos e que floresce, com grande intensidade e efervescência, o interesse pela preservação das tradições e pela promoção do único.

Com este evento, que coloca os concelhos envolvidos no panorama internacional do cinema documental, as populações têm acesso a filmes de grandes realizadores e a obras que trazem para os ecrãs as tradições, as festividades, a gastronomia, as profissões, as artes e os ofícios, entre outros aspectos etnográficos que figuram na antropologia, na história e na sociologia dos povos.

Louvamos ainda a brilhante iniciativa de promover uma competição regional, através de um concurso que visa a produção de filmes relacionados com os concelhos atrás mencionados. O Prémio “António Campos” presta, por este meio, justa homenagem a um dos grandes mestres do cinema etnográfico e documental de Leiria e potencia a realização de curtas e longas-me-tragens que apelam à criatividade de realizadores da região. Os registos, para além da perspe-tiva criativa, contribuirão, estou certo, para a perpetuação da memória futura dos municípios e das suas gentes.

Numa região rica de gentes e de saberes, o património natural e histórico cruza-se com mani-festações etnográficas únicas. Por todo o território e “pela estrada fora” – designação de outro projeto de grande interesse cultural e etnográfico encetado pelo Bruno Gaspar, se assinalam tradições que são marca e identidade das suas populações. O registo audiovisual assumir-se-á como um valioso contributo para as gerações vindouras que melhor compreenderão as suas raízes.

Ao Bruno Gaspar, manifesto o meu mais sincero agradecimento por este projeto inovador que congrega arte e etnografia, valorizando o passado, desenvolvendo o presente e poten-ciando o futuro.

Presidente da Câmara Municipal da Batalha

Paulo Jorge Frazão Batista Santos

LEIRIA

A criatividade cultural e a aposta em eventos distintivos que sejam uma mais valia para o território constituem duas ideias-chave da filosofia do município de Leiria, razão pela qual a autarquia não podia deixar de se associar a um projeto como este, o cinANTROP - Festival Internacional de Cinema Documental e Etnográfico.

O especial carinho que é dado à memória de um cineasta de Leiria, António Campos, que deixou marcas na área do filme-documentário português é outro dos motivos, tanto mais que as obras agora produzidas vão abordar temas relacionados com o turismo, património natural e construído, tradições e cultura material e imaterial do concelho de Leiria.

A importância de iniciativas como a do Festival Internacional de Cinema Documental e Etnográfico consolida-se também na continuidade.

O facto de se avançar para uma terceira edição testemunha a vontade de criar raízes de um projeto que igualmente ganha crescentes responsabilidades, seja no desafio e descoberta de criativos, seja na fidelização e criação de públicos.

Só posso desejar que o festival seja marcado pela originalidade e que seja resiliente na criação de memória que nos ajuda a explicar o que somos e o que queremos ser, enquanto concelho.

Presidente da Câmara Municipal de Leiria

Raul Castro

OURÉM

“Partindo da sua estratégia política de gestão integrada dos patrimónios, o Município de Ourém procura gerir um modelo integrado e inclusivo de valorização do património cultu-ral concelhio, móvel e imóvel, material e imaterial, em articulação com entidades locais e supra-locais. O Município de Ourém procura envolver a comunidade local nos processos de representação cultural e dar visibilidade aos agentes e forças vivas do Concelho, seja por via da fotografia, seja por via do audiovisual, com a vantagem de contar com uma participação muito ativa dos cidadãos. O projeto “Património pela Imagética” é uma das vertentes deste processo, o arquivo fotográfico digital de imagens relativas ao concelho criado no âmbito deste projeto tem-se revelado fundamental para o registo etnográfico das expressões iden-titárias locais.

A associação ao cinANTROP - Festival Internacional de Cinema Etnográfico, surge assim naturalmente, como forma de expressão e registo das indissiocracias locais, constituindo uma mais valia para o Município porque documenta Ourém, promove as relações sociais entre os oureenses e ajudam a criar uma imagem identitária mais forte do concelho.

Sendo o único festival português de cinema etnográfico, Ourém encontra assim uma forma de expressão que projeta a sua identidade não só a nível nacional, mas também interna-cional. A participação das suas populações, que são os atores por excelência dos documen-tários apresentados, é um elemento fundamental que permite o registo de autenticidade e uma forma de expressão primordial da cultura e património oureenses”.

Presidente da Câmara Municipal de Ourém

Paulo Fonseca

MARINHA GRANDE

O Auditório António Campos é uma sala cultural no lugar da Praia da freguesia de Vieira de Leiria. Este dado por si é significativo da presença e do trabalho do cineasta português que este festival – CinANTROP – recorda e celebra.

Pioneiro no cinema documental na perspectiva da antropologia visual deixou para memó-ria, nossa e de todas as gerações futuras, a longa-metragem «Gente da Praia da Vieira», rodada em 1975 e as curtas «Retratos das margens do rio Lis» (1965) e «A Festa» (1975), entre muitas outras que retratam gentes, usos, costumes e eventos que constituem a essência da cultura popular portuguesa.

A cinematografia, tantas vezes apenas (re)conhecida pelo carácter ‘hollywoodesco’ dos filmes comerciais, tem essa virtude maior: ser capaz de reter, preservar, suspender na História, num eterno presente, a identidade colectiva de uma Comunidade, de um Povo.

A Cultura faz-se desta Memória também, e não apenas do presente que é efémero.

A Cultura precisa desta Memória, de ir ao encontro das Raízes da nossa identidade cultural. Tanto quanto as gerações futuras terão necessidade de nos encontrar, de (re)descobrir o tem-po presente que nós vivemos, e que para essas gerações será o mesmo passado que é para nós hoje o presente daqueles que nos antecederam.

Pelo que a importância que teve António Campos, hoje reconhecida e aclamada, quando ontem era desconhecida e (quase) desprezada, é a mesma que têm os novos Cineastas que continuam o seu trabalho. Que dele, e de outros como ele, apre(e)enderam a necessidade de registar aquele(s) momento(s) singular(es) na vida e na História de um Homem, de uma Comunidade, de um Povo… aqueles pequenos (in)significantes que fazem a diferença na interpretação e compreensão social e cultural de quem somos.

A Marinha Grande tem orgulho em ter acolhido num período da sua vida o cineasta Antó-nio Campos. Pelo Trabalho e pela Pessoa. Porque um e outro eram (são) indissociáveis. Sendo muitos aqueles que ainda guardam na memória visual o seu rosto, na memória auditiva as suas palavras e na memória afectiva a sua dedicação, particularmente, às Gentes da Praia da Vieira.

Felicito o organizador deste Festival pela sua ousadia e perseverança. Seguramente a me-lhor forma de homenagear um Cineasta é promovendo a sua arte, é garantindo que as sus-cessivas gerações conhecem o seu trabalho e se deixam entusiasmar por ele.

Oxalá, assim, esta edição do cinANTROP nos revele «novos» António Campos.

Presidente da Câmara Municipal da Marinha Grande

Álvaro Manuel Marques Pereira

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cinANTROP 2015

Mais do que uma grande “estória”, as campanhas bacalhoei-ras que os pescadores-marinheiros portugueses viveram até 1974 – o ano da Revolução de Abril, mas também o momento em que terminou a pesca ao bacalhau por “navios de linha” e pequenos botes – tornaram-se uma lenda.

Entre as décadas de trinta e de setenta do século XX, as cam-panhas bacalhoeiras ao largo da Terra Nova e na costa oeste da Gronelândia eram viagens de todos os anos. Desde o momento da largada, em Abril ou Maio, no palco cénico de Belém, onde a bênção dos lugres se fez a partir de 1936, ou nos portos de ori-gem, milhares de tripulantes de veleiros e arrastões cumpriam essas viagens na ânsia do regresso.

A organização da vida a bordo, a disciplina e a coragem, o ritmo das tarefas e a duração das jornadas, eram elementos de-cisivos para o êxito do empreendimento: carregar o navio, dar lucro ao armador, abastecer a “Nação”, nos termos inflamados da propaganda do Estado Novo. As campanhas da frota portu-guesa de “navios de linha” eram tão intensas e cheias de pe-ripécias fantásticas que, volvidas algumas décadas, continuam a sugerir um excesso de real. A pesca do bacalhau feita com linhas de mão a bordo de pequenos dóris nas águas frias do grande banco da Terra Nova compõe uma saga humana de su-gestões épicas; uma saga cruel, na realidade.

Menos árdua, a pesca por navios de arrasto, também sal-gadores, como se viu tardou a impor-se no conjunto da frota portuguesa. Numa ou noutra arte, porém, a pesca do bacalhau fez-se um mito, escrito e alimentado pela ditadura salazarista, que tomou o bacalhau como o “pão dos mares”, um alimen-to popular de crucial importância para garantir a paz social e evitar a desordem pública que tanto abalara a imagem da Pri-meira República. Curiosamente, o cinema de regime, apoiado e enquadrado na “política do espírito” de António Ferro, pouco produziu sobre a grande pesca. Dessa pobre safra ficou apenas Heróis do Mar, uma longa-metragem de 1949, um filme realiza-do por Fernando Garcia. Ficaram também alguns documentários da série “Actualidades”, em especial filmagens de cerimónias de bota-abaixo de navios bacalhoeiros e pequenos filmes de propaganda da “obra social das pescas”, na sua maioria reali-zados por António Veríssimo, o realizador oficial do patrão das pescas, Henrique Tenreiro.

Como escreveu o etnógrafo poveiro Santos Graça, a pesca do bacalhau era “áspera, dura, tremenda, quase heróica”, uma verdadeira “epopeia dos humildes”. Ainda assim, os homens disputavam uma inscrição no Grémio dos Armadores e procura-vam um lugar nas tripulações dos lugres e navios-motor porque

a pesca da Terra Nova lhes podia garantir o pão e algum aforro para a vida.

A pesca à linha com dóris tripulados por um só homem foi a arte das artes da frota portuguesa entre meados do século XIX e os anos setenta do século XX. Os dóris eram pequenos botes de fundo chato, esguios e velozes, provavelmente de origem norte--americana. Empilhado no convés do veleiro, o dóri era o “mi-cro-navio” que cabia em sorte a cada pescador da tripulação. Aprestado de forma rudimentar, era arriado do navio com um só homem a bordo. Um par de remos e uma vela artesanal, apare-lhada conforme a experiência e os usos da localidade de onde o pescador provinha, eram os meios de propulsão. As viagens dos pescadores de dóri eram relativamente curtas, mas perigosas. Os pescadores-marinheiros afastavam-se do “navio-mãe” cen-tenas de metros, às vezes duas ou três milhas, e voltavam largas horas depois, quando carregados de bacalhau. O nevoeiro e os icebergs eram os principais obstáculos a vencer.

A destreza apurada nas artes de pesca locais e costeiras e a transmissão do ofício de pescador de bacalhau de pais para filhos também explicam por que tantos homens se fizeram à “pesca da Terra Nova”. A mobilização obrigatória para os na-vios em que os pescadores tivessem embarcado na campanha anterior (uma violência imposta por lei aquando da “greve da matrícula” de 1937), o sistema intensivo de organização do tra-balho e de remuneração das tripulações explicam a estabilidade do recrutamento até ao começo dos anos sessenta. A emigração e as guerras coloniais mudaram o cenário. Ir ao bacalhau para livrar à “guerra de África” tornou-se uma decisão corrente, es-timulada pelo Estado em condições especialmente duras para qualquer uma das opções de vida que se tomasse.

Ao mesmo tempo que a ideologia historicista da ditadura exaltava estes homens, tornando-os símbolos de uma nação marítima que se dizia outra vez pujante, a organização corpo-rativa integrava e reprimia os pescadores; exigia-lhes disciplina e esforço patriótico para “abastecer a Nação”. Na propaganda salazarista, mais preocupada com a eficácia da coordenação económica exercida pelo Estado do que com a dimensão hu-mana do trabalho no mar, os bacalhoeiros eram tratados como figurantes de uma epopeia encenada pelo próprio Estado.

Nos anos cinquenta do século XX, devido ao desaparecimento das frotas artesanais de navios de pesca à linha consumado pela II Guerra Mundial, a pesca do bacalhau por homens e na-vios portugueses começou a despertar uma intensa curiosidade internacional.

A publicação de A Campanha do Argus, do escritor Alan Villiers, em 1951 – que além da edição original em língua in-glesa, The Quest of the Schooner Argus, conheceu edições em mais quinze línguas -, colocou o tema na agenda dos repór-teres marítimos do mundo Atlântico . Sem esconder a missão de que fora incumbido pelas autoridades portuguesas, num dos seus primeiros depoimentos após o regresso a Lisboa, o coman-dante Villiers profetizou: “O mundo vai ter conhecimento desta viagem, dos lugres portugueses e dos homens que os dirigem, governam e enchem de bacalhau”. Em Janeiro do mesmo ano, a BBC entrevistou Villiers por duas vezes. A emissora britânica de rádio relatou a viagem que o escritor e oficial da Royal Navy fizera a bordo do lugre bacalhoeiro Argus, anunciou o filme ho-mónimo e promoveu o livro no mundo anglo-americano.

Só em finais dos anos sessenta, o filme de Alan Villiers seria substituído por outros na sua função, até aí exclusiva, de mos-trar ao mundo imagens da pesca do bacalhau por veleiros e pescadores de Portugal. Quando o colapso da White Fleet e dos pescadores de dóri portugueses ficou à vista, surgiram novos filmes documentais sobre o tema. Apresentado em 1968, The Lonely Dorymen – Portugal’s Men of the Sea, compunha um belo relato de viagem do lugre-motor José Alberto. O documen-tário da National Geographic Society relegou a saga do Argus para um plano secundário.

Em 1966, o canadiano Hector Lemieux também realizara um documentário sobre a faina dos portugueses no “grande ban-co”. A iniciativa pertenceu a uma das mais importantes produ-toras mundiais do género documental, a National Board Film, do Canadá. The White Ship era uma narrativa de viagem sobre o lugre Santa Maria Manuela, mas ia um pouco além da evocação aprazível do veleiro e dos seus homens.

Em plena Guerra Fria, sobretudo a partir da década de sessen-ta, dava-se o primeiro confronto da gigantesca organização de Estado com o ciclo vicioso da pesca excessiva (a “sobrepesca”) e o fim da liberdade dos mares. A Ciência e o Direito juntaram--se à política e à diplomacia. Pescadores e armadores deixam de poder pescar onde queriam e quanto queriam.

A Revolução de Abril de 1974 e a criação das Zonas Económi-cas Exclusivas no âmbito da III Conferência das Nações Unidas de Direito do Mar, em 1977, contribuíram para o colapso das pescas longínquas. A necessidade de limitar as pescas aos recur-sos da imensa ZEE portuguesa, as restrições da Política Comum de Pescas da Comunidade Económica Europeia, a que Portu-gal aderiu em 1986, e o fecho dos grandes bancos, em 1992, por iniciativa do Governo canadiano, afastaram os pescadores

Museu de IlhavoA pesca do bacalhau.A memória das imagens ou as imagens da memória.

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portugueses da Terra Nova e impeliram os poucos navios que sobraram a demandarem as águas geladas do Árctico.

O fim da pesca à linha e a sua coincidência com a queda do regime ditatorial assemelhou-se a um regresso das caravelas. Tudo se pareceu ao fim simbólico da nação marítima que sem-pre se associara ao império que, também ele, acabava de cair. Mudança estratégica mas também cultural. Uma mudança total, que até hoje marca um certo imaginário de grandeza perdida e que deixou sem rumo as políticas para o mar.

Só com o fim da «grande pesca» e as evidências do abate de navios, a memória até então construída sobre esta actividade começou a rasgar horizontes e a revelar as suas múltiplas fa-cetas. Historiadores, antropólogos e investigadores de diversas áreas têm procurado compreender um mundo que continuará insondável se não nos interessarmos pelos destinos e saberes dos homens que nele viveram. Conhecendo-os, olhando as múl-tiplas imagens que sobre eles se construíram, escutando as suas histórias, estaremos mais próximos de compreender a “grande pesca” e tornar a sua memória mais aberta e plural.

Aventura humana extraordinária, a pesca do bacalhau fez-se de experiências vividas, de actores espontâneos e manipulados, todos eles heróis. Em 1959, Bernardo Santareno, o notável dra-maturgo que, enquanto médico da frota bacalhoeira, conheceu pescadores e capitães, definiu a pesca do bacalhau como um “drama épico”.

Apesar da riqueza narrativa da “grande pesca” e do esmero da propaganda que se incumbiu de a mitografar, a saga hu-mana dos bacalhoeiros tarda a fixar-se na memória colectiva. Universo medonho e romântico, tão fascinante quanto estranho como toda a vida marítima, a pesca do bacalhau não penetrou nos domínios da ficção portuguesa contemporânea. Num país onde o mar parece uma identidade conveniente, num colectivo em que o mar apenas serve de epígrafe e de cenário a múltiplos discursos, é sintomático que o mar vivido na saga dos bacalhoei-ros continue a intimidar os narradores e ficcionistas. Sintoma de esquecimento ou inibição do interesse criativo devido à asfixia da memória estilizada que persiste sobre a “grande pesca” nos mares da Terra Nova e da Gronelândia?

A memória da “frota branca” nas províncias atlânticas do Ca-nadá e no estado americano da Nova Inglaterra é ainda, como se disse, a que o filme e o livro de Alan Villiers juntaram à lem-brança emotiva dos locais. Representações nostálgicas que com-põem uma recordação tão simpática dos portugueses quanto ligeira e incapaz de entender o fenómeno além dos seus ícones e imagens-símbolo: a white fleet, o navio-hospital Gil Eanes, a imagem de Nossa Senhora de Fátima que, em 1955 e a mando do comandante Tenreiro, os pescadores portugueses ofereceram à Catedral Católica de St. John’s.

Quando os navios portugueses arribavam ao porto de águas fundas da capital da Terra Nova e se quedavam, amarrados, jun-to ao waterfront da velha cidade, acorriam curiosos e coleccio-nadores de imagens da última frota de veleiros do mundo que cruzava o Atlântico em busca do bacalhau. Ainda viva, a frota bacalhoeira portuguesa foi transformada em relíquia internacio-nal. Devido à imponência e elegância das formas, os lugres de quatro mastros seriam os mais harmoniosos da frota portuguesa de “navios de linha”. Amarrados ao cais, exibiam os seus cascos brancos, os mastros afilados e esguios. A navegar com vento de feição, destacavam a beleza do pano, de velame aberto, buscan-do fundos mais prolíferos para carregar o porão. Por resistirem aos avanços da técnica e por teimarem em pescar à força de braços e linhas de mão, os veleiros da frota portuguesa eram, porém, obsoletos. A sua beleza dissimulava a crueldade das lon-gas jornadas de trabalho dos homens: da pesca ao largo do navio-mãe, durante dez ou doze horas a bordo dos dóris, e dos trabalhos de escala que a seguir os esperava no convés do navio. Um quotidiano feito de rigores e privações, mecânico e rude, de seis longos meses no mar.

Apesar da proliferação recente de memórias escritas por ca-pitães de navios bacalhoeiros, pela pena de pilotos e de um ou outro pescador, e apesar dos filmes documentais que começam a surgir sobre o tema, a pesca do bacalhau permanece uma “es-tória” obscura. Sobre ela e sobre os seus vários mundos muitas peripécias se murmuram, mas poucas se contam e escrevem.

O condicionamento ideológico da lembrança e a inibição das próprias interpretações desta grande narrativa marítima é um dado a considerar, embora previsível neste género de memórias, muito densas e socialmente disputadas. Nas povoações litorâ-neas onde o recrutamento era muito expressivo e concentrado, a exemplo da Fuzeta (Olhão), a memória social tende a fustigar as ligações entre a organização corporativa e o regime ditato-rial, salientando a destreza técnica dos pescadores locais, apesar da vida miserável a que o sistema os condenava. Por seu lado, em localidades onde predomina a memória social dos oficiais náuticos, a exemplo de Ílhavo, as versões dominantes tendem a desvalorizar os aspectos ideológicos e políticos em detrimento das lógicas de mando e dos códigos éticos da vida a bordo re-sultantes das exigências da navegação e da pesca.

Desde os anos finais do século XX, abundam as memórias ofi-ciais da “grande pesca”. Mas rareiam as memórias expressas, individual ou colectivamente, pelos próprios actores. Mais do que um património material sobre um modo de vida sazonal que se alojou no imaginário colectivo, a pesca do bacalhau adqui-riu o estatuto de “herança cultural”. Nas localidades marítimas que antes foram portos bacalhoeiros, a força desse património mobiliza discursos e práticas nostálgicas que por vezes inibem um olhar crítico e sustêm a expressão de memórias distintas. O

papel do cinema documental – e mesmo de ficção, dado que a ficção é, por vezes, a melhor forma de documentar o real – é decisivo para que a memória da grande pesca seja mais contem-porânea, plural e capaz de valorizar micro-narrativas individuais que supõem versões diferentes de um mesmo universo.

Dando continuidade a um esforço de expressão plural das me-mórias da pesca do bacalhau no sentido de as tornar menos reprodutoras no plano social e mais ricas do ponto de vista cul-tural, o Museu Marítimo de Ílhavo (MMI) tem construído diver-sos projectos cujo principal propósito é o de inscrever na esfera pública rostos e nomes desta extraordinária aventura humana. O MMI, que nos últimos anos tem procurado preservar, estudar e comunicar os seus principais patrimónios, pretende também proporcionar a estes homens uma sentida ligação com o mar que lhes pertence e com as infindáveis memórias que trazem consigo. Se é certo que os patrimónios exprimem sempre a pre-tensão de dar combate à ideia de morte, não é menos verdade que as activações patrimoniais podem reanimar sentimentos de pertença através das imagens da memória.

Ao preservar milhares de objectos, documentos e depoimentos audiovisuais relacionados com a pesca do bacalhau, o MMI pro-cura criar condições para partilhar com a sociedade uma memó-ria plural da grande pesca, que permita aos cidadãos aferir por si próprios se a querem recordar como epopeia ou se a preferem evocar enquanto drama.

Texto de: Álvaro Garrido – Professor da Universidade de Coimbra. Consultor do Museu Marítimo de Ílhavo

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Érico HillerENTREVISTA

És fotografo há quanto tempo?Fotografo desde 2003, comecei fazendo alguns pequenos jobs para revistas e empresas, mas sempre tive em mente fazer meus projetos pessoais, ir em busca de temas que me interessam. Acho isso importante para o fotógrafo se manter vivo, criativo.

Qual foi a tua primeira máquina?Vendi meu carro e comprei destas primeiras câmaras digitais. Era uma Pentax de 6 megapixels e na verdade, aprendi, a ser fotógrafo com ela. Vivi um pouco da época do filme, da película, mas esta virada digital permitiu-me experimentar mais, ousar mais e conhecer meus pontos fortes e fracos.

Pensas que é fundamental uma boa máquina e lentes para obter uma boa fotografia? Ou é uma questão de talento, seja com uma máquina muito boa ou uma des-cartável?Acredito que o equipamento jamais deve atrapalhar o que o fotógrafo quer, e tampouco deve definir o que o fotógrafo pode ou deve fazer. Ela deve ser o instrumento para que ele faça o que deseja, sem depender de determinado equipamento ou ser escravizado pelo mesmo. A câmara - qualquer que seja - deve ser a extensão da forma de agir e pensar. Trabalhei com muitas marcas, e com o tempo fui mudando, adaptando, sempre em busca de precisão óptica e versatilidade. Não é só uma questão de talento. Para se obter uma boa fotografia é necessário tra-balhar com honestidade e muita intensidade. É um processo de evolução que dura toda uma vida.

Quando saíste pela primeira vez do Brasil para foto-grafar?Fiz algumas pequenas viagens estranhas aqui pela América do Sul, nada muito intenso, coisas de jovem. Mas a minha primeira grande viagem em que pude me dedicar integralmente à foto-grafia foi em 2008, quando fiquei 2 meses e meio rodando pela Índia e China. Ali eu descobri a essência do verdadeiro fotógrafo que eu queria e deveria ser.

Deves ter contactado com muita gente. Tens algum mo-mento marcante que recordes com especial emoção? Viajar mundo afora te permite aprender muita coisa e conhe-cer muita gente. Tenho inúmeras situações que levarei comigo sempre em minha memória e que caracterizam a construção de pilares de minha vida, meus valores e meu carácter. O que mais me emociona é que muitas vezes as pessoas dedicam parte de sua vida, de seu quotidiano, para nos ajudar em nossos pro-jectos. Eu fico extremamente emocionado com quem extende

a mão amiga para um estrangeiro desconhecido. Sempre tive guias, ONG, contatos de gente que nunca tinha visto antes e que se empenharam em me ajudar. Agora no projecto que estou a fazer sobre rinocerontes, isso acontece o tempo todo.

No que consiste o projecto dos rinocerontes?É um documentário realizado em diversos países sobre a possi-bilidade de extinção e os esforços de conservação desta espé-cies que existem há 60 milhões de anos e pode desaparecer do mundo selvagem na nossa geração.

Já estiveste mais vezes em África. Recordo-me do pro-jecto sobre as tribos do Vale do Omo. O que te motivou para ir lá?No Vale do Rio Omo, eu quis mostrar que o progresso e as mu-danças podem acabar com as últimas e mais puras culturas de África, no caso, o sul da Etiópia, local onde até a década de 60, não havia chegado um homem branco sequer. As tribos que ainda existem nesta região são belíssimas. Este foi um capítulo de um projeto meu sobre lugares em ameaça.

As tuas fotografias contribuíram para o futuro deles?Não sei. Acho que as minhas fotos servem como sementes de reflexão, tentam tocar as pessoas assim como eu fui também tocado por determinado assunto. Não creio que possa ajudar tanto, mas a longo prazo talvez eu possa ajudar um pouco sim.

Como estão eles agora?Ainda na mesma situação. Uma grande usina [central elétri-ca] está sendo construída, estradas chinesas e o turismo estão chegando com toda força. Você já pode ver crianças pedindo dinheiro, coisas assim…

Para um trabalho como o do Vale do Omo, é fundamen-tal tempo. Estar com as tribos, sentir o ritmo delas. Foi fácil isso acontecer? Eu me planeei bem, paguei caro para ter uma estrutura local de comida, veículo e acampamento e tudo deu certo. Fiquei 3 semanas no total e foi uma das viagens de trabalho mais lindas e interessantes que já realizei.

Fala-nos um pouco sobre a forma como trabalhas.Par-tes sozinho? Sempre procuro viajar sozinho para viver o lugar e minha his-tória que tenho que fotografar com calma e concentração, mas algumas vezes, acabo levando um amigo ou amiga para parti-lhar a aventura. Fico no local pelo menos duas semanas e me imponho uma lista de coisas a pesquisar e descobrir. Não é só

uma questão de talento. Para se obter uma boa fotografia é necessário trabalhar com honestidade e muita intensidade. É um processo de evolução que dura toda uma vida.

Onde são publicadas as tuas fotos?Em revistas, exposições ou livros. Nos últimos dez anos tenho quatro projetos documentais dos quais três viraram livros. Mas sempre há ensaios meus saindo em publicações, principalmente no Brasil.

O teu trabalho desempenha uma enorme função de et-nografia de salvaguarda?Não sei se é exactamente de salvaguarda a etnografia. Pode ser que um dia venha a ter alguma importância neste ramo, mas claro, o centro de minhas fotos é o ser humano. Interessa-me os nossos extremos, as nossas mudanças, o que fazemos e até onde chegamos, quer seja para o bem ou para o mal. Acho que minhas fotos são uma visão crítica e reflexiva sobre o que faze-mos e o que legamos.

Como defines o teu trabalho?Sou um curioso, um observador do mundo. Eu amo arte, amo arquitectura, cinema, música e a vida. Considero-me fotógrafo documental e acho que meus projetos ilustram minhas angús-tias, minhas opiniões, reflexões, impressões e sentimentos.

Tens algum fotógrafo que seja uma inspiração?Muitos, curto demais os trabalhos de Diane Arbus, Sebastião Salgado, Eugene Richards, Paollo Pelegrino, Jonas Bedinksen, etc…

A fotografia no Brasil, está bem de saúde?Vai muito bem, e São Paulo é a capital da fotografia na América do Sul. Sempre acontece algo novo, muita gente nova, gente boa. Colectivos são formados em todos os lugares, desde esco-las até favelas nas periferias das cidades. Muita gente queren-do contar suas histórias, criar coisas, registar o mundo em que vive através de fotos. Também há um bom mercado de galerias, museus e movimentos culturais com fotos de telemóvel, exibi-ções e projecções públicas etc. O mercado é relativamente bom, sempre há um cliente pedindo algo. Isso dá espaço para quem produz e tem coisas pra mostrar.

Entrevista de Bruno Gaspar

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Eric Hiller

13-17junhoLisboa

Batalha | Ourém | Leiria Marinha Grande

28 abril - 2 maio

Horário

15.0619h30 | M/12QUE ESTRANHA FORMA DE VIDA Pedro Serra, 2014 – 88’

16.0619h30 | M/12A RAPOSA DA DESERTA Pedro Neves, Portugal, 2013 – 90’

17.0619h30 | M/12NAZARÉ 1964 Fernando Santiago – 27’30

PENICHE 1967 Fernando Santiago – 27’30

A VINHA Ricardo Leite, 2015 – 17’

O NASCIMENTO DA GUITARRA-DE-COCHO Dewis Caldas, 2015 – 24’

LisboaFundação Arpad Szenes-Vieira da Silva

LisboaCinema City de Alvalade

13.06TRÊS OLHARES SOBRE MARIA HELENA VIEIRA DA SILVA

Exibição de documentário sobre a pintora Vieira da Silva, seguido de uma conferência organizada por investigadores da Universidade Nova de Lisboa, do Departamento de História da Arte. Vieira da Silva sob uma perspectiva transnacional. Giulia Lamoni

A representação do espaço em Vieira da Silva. Margarida Brito Alves

Introdução a uma “fortuna crítica”: o lugar de Vieira da Silva na historiografia. Bruno Marques

Parceiros Estratégicos